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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
O CINEMA NA SALA DE AULA COMO APOIO AO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA1
LEANDRO APARECIDO DOS SANTOS2
(Colégio Estadual Prof. Paulo Mozart Machado – NRE – CPP)
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo explanar sobre a utilização do cinema como recurso e instrumento pontencializador nas aulas de língua portuguesa com atenção voltada às leituras multigenéricas, a fim de despertar o interesse e o aprendizado do aluno, visto que a linguagem cinematográfica é um importante caminho no processo de ensino-aprendizagem, que abre espaço para ativar e socializar o conhecimento. A inclusão de estratégias inovadoras ligadas ao desenvolvimento do processo de ensino é fundamental para o aprimoramento das práticas pedagógicas e a adaptação e ajustamentos às demandas e mudanças socioculturais com o objetivo de levar a uma formação integral dos alunos. O trabalho foi fundamentado nos estudos sobre o uso do cinema na sala de aula, estruturado na perspectiva do Método Recepcional de Bordini e Aguiar (1993), tendo como proposta a abordagem de um tema pré-estabelecido e delimitador, no caso, o “Carpe Diem”. Palavras-chave: Cinema. Gênero. Leitura. Educação. Método recepcional
1. INTRODUÇÃO
Este artigo é o resultado das atividades desenvolvidas no programa de
desenvolvimento educacional (PDE), enquanto atividade de formação continuada de
professores da rede pública do Estado do Paraná, vinculados à Secretaria do Estado
da Educação (SEED), sob a orientação de docente da Universidade Estadual Norte
do Paraná (UENP), Campus de Cornélio Procópio. O trabalho foi desenvolvido na
modalidade de intervenção pedagógica no Colégio Estadual Professor Paulo Mozart
Machado - EFM, no município de Uraí – PR, pertencente ao Núcleo Regional de
Educação de Cornélio Procópio - PR, aplicado em duas turmas de 9º anos,
adolescentes na faixa etária entre 13 e 16 anos. Estas atividades de intervenção
foram desenvolvidas durante o primeiro semestre de 2014.
O momento histórico atual tem-nos proporcionado a convivência cada vez
mais integrada com as novas tecnologias, as quais influenciam principalmente
1 Texto apresentado como trabalho final ao PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional, sob a orientação da Professora Doutora Diná Tereza de Brito, da Universidade Estadual do Norte do Paraná - UENP, Campus de Cornélio Procópio. 2 Professor da Rede Pública Estadual de Educação, graduado em Letras Anglo-Portuguesas pela UENP-FAFICOP e em Letras Português-Espanhol pela UEPG; pós-graduado em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira pela UENP-FAFICOP, em Educação Inclusiva pela UNICID e em Gestão Pública pela UEPG. Participante do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE – Turma 2013/2014.
nossos discentes e, ao que parece, eles necessitam de estímulos audiovisuais para
manter o foco, ou seja, não dispersar sua atenção. E, nesse aspecto, é importante
para o docente trazer práticas motivadoras (e inovadoras) para a sala de aula, a fim
de obter mais êxito em suas proposições, mantendo assim o aluno com a atenção
sempre voltada aos temas trabalhados em sala de aula.
Como podemos perceber, à luz dos conhecimentos atuais, não se concebe
mais que o ensino de língua e, especialmente, o trabalho de leitura ocorram apenas
a partir de textos expressos no papel. É preciso buscar novos caminhos, novas
propostas. Para isso, é fundamental que a escola estabeleça uma relação de
mediação entre leitura e sujeito, bem como entre professor e estudantes.
O que se tem observado, ao longo da história, especialmente acerca do
ensino da leitura em sala de aula, é que a escola, que ainda é muito conservadora,
parece ter medo de mudar a escolha do objeto, ou seja, buscar e permitir novas
ferramentas que sirvam como suporte para os ensinos de língua e de leitura. Outro
aspecto é concentrar a atenção não exclusivamente no objeto, mas
preferencialmente no sujeito-leitor. Se não houver propostas claras, com objetivos
bem definidos, o estudante não se sentirá motivado para ler.
Além disso, ao observarmos a contemporaneidade, é necessário lembrar que
o intenso contato com meios de comunicação em massa, principalmente a TV e a
internet, influenciam na formação do leitor atual, tornando-o, de certa forma,
dependente de estímulos audiovisuais e de uma linguagem dinâmica para manter
sua atenção focada em determinado programa ou propaganda. Ademais, o leitor
contemporâneo é muito condicionado a essa linguagem sincrética, ou seja, a que
mescla som, imagem em movimento e melodia.
O conhecimento e as capacidades relativas a outros meios semióticos estão ficando cada vez mais necessários no uso da linguagem, tendo em vista os avanços tecnológicos: as cores, as imagens, os sons, o design etc., que estão disponíveis na tela do computador e em muitos materiais impressos que têm transformado o letramento tradicional (da letra/livro) em um tipo de letramento insuficiente para dar conta dos letramentos necessários para agir na vida contemporânea. (MOITA-LOPES; ROJO, 2004 apud ROJO, 2009, p. 107).
Constata-se, assim, que um leitor competente é alguém que, pela sua
habilidade multigenérica, sabe selecionar dentre os gêneros que circulam
socialmente, aqueles que possam atender às suas necessidades comunicativas.
Este tipo de leitor é capaz de: selecionar as estratégias adequadas para abordar tais
textos; de ler as entrelinhas, identificando os implícitos; de estabelecer relações
entre o texto e outros já lidos.
Conforme atesta Rojo (2009, p. 107) um dos principais objetivos da escola é
justamente permitir que os estudantes possam participar das várias práticas sociais
que se utilizam da escrita e da leitura (os chamados letramentos) na vida social, de
maneira ética, crítica e democrática. Para realizá-lo, é necessário que a educação
linguística leve em conta atualmente, de maneira cada vez mais ética e democrática,
os letramentos múltiplos, não mais se restringindo às práticas escolares
convencionais.
A partir desses pressupostos, o objetivo principal no desenvolvimento do
trabalho vislumbrou a importância da utilização do gênero fílmico como instrumento
motivador nas aulas de língua portuguesa com atenção voltada à leitura, a fim de
despertar o interesse e o aprendizado do aluno.
As atividades desenvolvidas junto aos alunos foram elaboradas a partir de
fundamentação baseada nos estudos sobre o uso do cinema na sala de aula,
apoiados nos trabalhos de Napolitano (2003), Duarte (2009), Xavier (2008), Jullier e
Marie (2009), Metz (1980), Velarde (2011), Surrell (2009), estruturadas na
perspectiva do Método Recepcional de Bordini e Aguiar (1993), tendo como proposta
a abordagem de um tema pré-estabelecido e delimitador, no caso, o “Carpe Diem”.
Carpe diem é a expressão de origem latina que significa “aproveite o dia”. Desde Horácio, poeta latino, o tema tem sido recorrente ao longo dos séculos. Apareceu no renascentismo francês, no barroco inglês e no arcadismo brasileiro, citando alguns exemplos. (SCHMITT, 2004)
As atividades desenvolvidas buscaram criar através do tema “Carpe Diem”,
tendo o gênero filme como fio condutor, situações em que os alunos tivessem
oportunidade de refletir sobre as suas leituras por meio dos variados textos que
leem, escrevem, falam/ discutem, e/ou ouvem, de forma contextualizada,
entendendo que o trabalho efetivo nas aulas de língua portuguesa deve buscar a
interação entre leitor e texto.
2. DESENVOLVIMENTO TEÓRICO
Dentro da perspectiva histórica que vivenciamos hoje, de entendermos e
estarmos inseridos neste mundo globalizado, é imprescindível a necessidade de se
trabalhar a educação de forma multicultural. O cinema, integrando som e cor, espaço
e tempo, palavra e movimento, favorece a troca de informações e conhecimento
entre culturas diferentes, o que importaria uma sensibilização para a pluralidade de
valores e universos culturais cada vez mais presentes no cotidiano de educadores e
alunos. Nesse sentido, a linguagem do cinema presente na vida do ser humano é
um caminho no processo de ensino e aprendizagem que abre espaço para ativar e
socializar o conhecimento, dando oportunidade aos alunos a se inserirem na vida
social e cultural, promovendo a cidadania, na perspectiva de desenvolver a
autonomia intelectual, o pensamento crítico, o resgate da auto-estima pessoal e
comunitária sob um novo olhar para o mundo.
(...) gostar de determinadas cinematografias, desenvolve os recursos necessários para apreciar os mais diferentes tipos de filmes etc., longe de ser apenas uma escolha de caráter exclusivamente pessoal, constitui uma prática social importante que atua na formação geral das pessoas e contribui para distingui-las socialmente. Em sociedades audiovisuais como a nossa, o domínio dessa linguagem é requisito fundamental para se transitar bem pelos mais diferentes campos sociais. E o que isso tem a ver com educação? Por que o gosto ou preferência por uma determinada forma de arte cultural deveria interessar a professores e pesquisadores dessa área? Se pensarmos a educação como um processo de socialização, esse tema torna-se bastante relevante para nós. (DUARTE, 2009, p. 14)
As práticas educativas e sociais da atualidade exigem que a criança, o jovem
ou o adulto sejam capazes de ler e compreender códigos e linguagens os mais
diversificados possíveis, especialmente a linguagem da imagem, a visual, a gestual,
a corporal, que abarcam desde a leitura de um livro como a leitura da obra de um
grande pintor, de um filme, de um hipertexto, etc.
Daí a necessidade que os alunos desenvolvam habilidades constituintes de
múltiplos letramentos, que os transformem em leitores capazes, competentes e
críticos aptos a interagir com o texto, independentemente do gênero textual e/ou da
mídia em que é veiculado. Conforme afirma Rojo e Moura (2012):
Se, até meados do século XX, as práticas de letramento fundamentadas no uso da tecnologia da escrita atendiam às demandas postas à educação escolar, a partir do surgimento das tecnologias digitais, não mais. Novos desafios são postos à escola. Diante de mudanças tão repentinas e intensas, professores de língua materna não familiarizados com tais modificações, afeitos à boa e “velha” mídia impressa e à tecnologia da escrita, indagam: que enfoque adotar na formação para a linguagem? Devemos ver nossos alunos como sujeitos protagonistas na construção de conhecimentos significativos e reconhecer o lugar dos jovens como produtores e consumidores de bens culturais em novas mídias, entendendo que as culturas juvenis constroem, a partir de práticas letradas específicas, redes sociais. São as redes que permitirão a esses jovens tornarem-se agentes culturais ativos nas diversas culturas locais e globais.
Para Koch e Elias (2006), a leitura deve ser entendida como atividade
interativa de construção de sentidos, que se realiza com base nos objetos
linguísticos presentes em sua superfície textual e em sua forma de organização,
que, no entanto, requer a mobilização de um amplo conjunto de conhecimentos
apropriados pelo leitor na coletividade, já que o sentido não está apenas no texto,
mas é constituído na interação sujeitos-texto. Assim, conforme afirma Marcos
Napolitano (2003), todas as disciplinas tradicionais, bem como os variados temas
transversais, estão abrangidos pelos filmes, obviamente que alguns assuntos mais
aprofundados e outros menos. Desta forma, esse gênero favorece o
desenvolvimento de uma prática de leitura mais criativa, interativa e complexa.
Neste sentido, os filmes devem ser entendidos como um gênero textual que
encontramos em nossa vida diária e que possuem padrões sócio-comunicativos
característicos definidos por sua composição, objetivos enunciativos e estilo
concretamente realizado por forças históricas, sociais, institucionais e tecnológicas.
Deste modo, acreditamos que o cinema, que é um texto com características
sincréticas, ou seja, apresenta movimento, texto escrito, som, diálogos, música,
melodias, além de mobilizar a emoção dos espectadores pode ser uma ferramenta
importante para o professor evidenciar aspectos e elucidar conteúdos, tornando a
sala de aula em um lugar mais prazeroso. Assim, aproveitando a motivação dos
discentes convertendo-a para a película, é possível, consequentemente, melhorar
essa capacidade interpretativa, que já é natural no aluno desde a mais tenra idade.
[...] trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a reencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores mais amplos são sintetizados numa mesma obra de arte. (NAPOLITANO, 2003, p. 11-12).
2.1 Cinema, leitura e educação O cinema constitui-se em um dos variados modos de expressão cultural da
sociedade industrial e tecnológica contemporâneas. A relação que se pode
estabelecer entre a chamada sétima arte e a educação, nos diversos cenários, seja
a educação escolar ou informal, constitui a própria história do cinema. Já no início
das produções dos estúdios de cinema, empresários, atores, investidores e diretores
avaliavam o cinema como sendo importantíssimo instrumento para o ensino,
educação e reflexão humanas.
A inclusão de estratégias inovadoras ligadas ao desenvolvimento do processo
de ensino-aprendizagem é fundamental para o aprimoramento das práticas
pedagógicas e a adaptação e ajustamentos às demandas e mudanças socioculturais
com o objetivo de levar a uma formação integral aos cidadãos. Neste aspecto, as
produções fílmicas podem ser transformadas em ferramentas educativas plenas de
potencialidades ao constituírem-se mecanismos que contribuem para a mudança
social. Ao ser entendida como multimídia educacional, a arte cinematográfica gera a
possibilidade de inserir-se na sala de aula de forma promissora.
Duarte (2009, p. 72-73) afirma não ter dúvidas do papel fundamental dos
filmes na formação integral das pessoas, pois através do “texto” cinematográfico o
estudante pode aprender muitas coisas. Os conhecimentos de arte, de línguas, de
culturas, de história e geografia estão permanentemente mediados pelo cinema.
Para grande parte dos indivíduos os filmes funcionam como porta de acesso aos
mais variados conhecimentos e informações que não se esgotam. Mesmo aquelas
produções consideradas ruins podem despertar o interesse e estimular a curiosidade
em torno de temas e problemas que, muitas vezes, sequer seriam levados em
consideração.
Quanto à leitura, pondera Damielli (2011), cada vez mais se torna um desafio
fazer com que o aluno se interesse por ela. A renúncia pela leitura é tanta que este
fato já é considerado um terrível problema na fase escolar. Mesmo diante dessa
constatação, é necessário ter bem claro que o objetivo da escola ainda é o de
proporcionar o acesso ao conhecimento e à formação de leitores competentes. É
tarefa urgente da escola promover situações que desenvolvam no estudante o
aprendizado e gosto pela leitura. Para que isso ocorra, é imperioso sair daquelas
práticas convencionais e adotar novas abordagens à prática da leitura. É necessário
atravessar os limites impostos pelo que se entende de leitura e entrar num novo
universo: o trabalho dialógico, contextual e intertextual que o cinema permite. Estes
universos possibilitarão ao estudante a ampliação da capacidade leitora. Entender a
leitura como algo amplo, além do texto escrito, é imprescindível, pois como nos
ensinou o mestre Paulo Freire “a leitura do mundo precede sempre a leitura da
palavra e a leitura desta implica a continuidade da leitura daquele.” (1989, p. 13).
Ler textos não é tarefa fácil, nunca foi. Fazer a leitura fílmica também não é
uma tarefa simples. Porém o que as diferencia, parece, é que o cinema proporciona
para a grande maioria das pessoas uma leitura mais prazerosa, ou menos tediosa
do que a leitura de textos. E isso é o grande trunfo para o professor na sala de aula.
Estimular a leitura de textos a partir da leitura do filme, isto é, a partir da apreciação
de uma obra audiovisual.
Sabemos que a estrutura de significação do texto fílmico não é dada apenas por seus componentes internos, já que os filmes estão intimamente vinculados ao universo cultural em que são vistos e produzidos. Enquanto um texto fechado – como os contos, os mitos e os romances –, um filme é sempre um produto cultural, ou seja, é uma produção que combina elementos da(s) cultura(s) aos sistemas utilizados na construção de suas imagens. (DUARTE, 2009, p. 86).
Jullier e Marie (2009, p. 15) afirmam que há muitas razões para se assistir a
um filme, mas, sem dúvida, a mais comum, aquela que justifica que milhões de
pessoas fiquem horas sem se mexer com os olhos fixos em fantasmas animados e
tagarelas, é o prazer. As grandes obras cinematográficas com certeza se prestam à
reflexão, instruem acerca da situação do mundo, mas antes de tudo dão satisfação.
Por isso, conforme reflete Duarte (2009, p. 68), se faz necessário tentar
compreender, por exemplo, como se articulam, no processo ensino-aprendizagem,
os conhecimentos obtidos na experiência com o cinema e os
conhecimentos/produzidos, de maneira sistemática, pelas atividades de natureza
escolar e acadêmica. É preciso saber de que modo a linguagem escrita e a
linguagem audiovisual combinam-se na produção de saberes, para que se possa
fazer uso de ambas de forma mais eficaz e produtiva.
É importante ainda, salientar que o cinema, como prática educativa, permite
aguçar os alunos a desenvolver novas formas de compreender temas, assuntos e/ou
conteúdos tratados em sala de aula. A necessidade de explorar o cinema transforma
o educador em mediador, assim a contextualização do conteúdo abordado nas obras
audiovisuais fornece um sentido didático e possibilita o aprimoramento do
aprendizado. Acrescentar produções cinematográficas aos conteúdos didáticos abre
um leque de possibilidades para uma melhor compreensão dos temas abordados.
Porém, ainda é muito comum, tanto a escola bem como alguns educadores,
não compreenderem o potencial do cinema como instrumento pedagógico, e
restringirem seu uso aos filmes denominados “educativos”, cuja temática tenha
relação direta com os conteúdos e capacidades desenvolvidas no contexto escolar,
considerando importantes apenas os que tenham intenções formativas e didáticas
bem definidas. Também é comum a utilização do termo “filme educativo” relacionado
a filmes instrucionais, que tem a finalidade de assessorar ou suprir parcial ou
totalmente a função desempenhada pelo professor. Essas situações constituem um
reducionismo que limita a utilização do cinema como uma relevante ferramenta
educacional. (DUARTE, 2009).
Qualquer filme retrata o pensamento e a criação humana em um determinado
modelo social e momento histórico e, portanto, educa a quem o assiste, gerando
uma reflexão e uma impressão sobre o mundo. (VESCE, 2008).
Para haver afinidade consistente entre cinema e educação deve-se realizar
uma análise correta da mensagem cinematográfica aliada ao contexto educativo. O
professor deve auxiliar o aluno funcionando como elo entre o que o cinema
proporciona e o conjunto de conhecimentos a serem construídos na relação de
aprendizagem.
Cada contexto em que trabalhamos tem suas particularidades e, certamente
temos que levá-las em conta, mas independente disso há algumas ideias essenciais
que temos que levar em consideração quando queremos motivar, ensinar e obter
bons resultados ao utilizar filmes na escola.
3. O CINEMA NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Vivemos hoje num contexto dominado pelas imagens, pois cada vez mais as
novas tecnologias têm permitido que um número crescente de pessoas venha a
fazer uso sistemático desses recursos, sejam Smartphones, com suas inúmeras
possibilidades (tirar fotos, fazer vídeos, editar, acessar a internet, compartilhar, ver
fotos, ver vídeos, assistir a filmes, assistir a programas de TV, etc.), sejam as Smart
TVs com recursos até mais sofisticados que os dos Smartphones, sejam os filmes
em 3D, enfim, uma diversidade enorme de recursos que estão presentes no nosso
dia-a-dia, de nossos alunos e no ambiente escolar.
Por tudo isso, torna-se necessário, conforme apontam Teixeira e Lopes
(2003), uma elaboração reflexiva que nos permita ampliar nossa compreensão dos
processos educativos, e, principalmente, das relações que podem ser estabelecidas
com esta arte. O cinema enquanto arte, através da experiência estética, da emoção,
do exercício da sensibilidade e da fruição, nos aproxima da realidade educacional
com outro olhar. O cinema carrega consigo a linguagem dos sentidos, pois nos
transmite significados que não poderiam ser transmitidos por outro tipo de linguagem
como a discursiva ou a científica.
Rosália Duarte (2009, p. 53) afirma que a humanidade aprendeu, desde os
primórdios, que contar histórias era uma maneira eficiente de ensinar, de transmitir
conhecimentos e valores aos mais jovens. Foi assim que ocorreu com as tragédias
gregas, com as parábolas bíblicas, com os contos de fadas, com as fábulas e as
peças da idade média. O cinema não ficou isento a essa fórmula: uma “boa” história,
narrando situações dramáticas que deixam entrever ensinamentos morais
frequentemente tentam “ensinar” que o “crime não compensa”, o “bem sempre
vence” e “o verdadeiro amor sobrevive a todas as intempéries”. Sem dúvida, o
caráter didático de algumas dessas histórias é percebível com relativa facilidade.
A constatação da importância do cinema por si só, qual seja, a necessidade de ‘formar’ sensibilidade e as capacidades das crianças e jovens para melhor usufruírem esta arte e outras, não desconhece nem desconsidera seu caráter pedagógico e até mesmo didático. (TEIXEIRA; LOPES, 2003, p. 11).
A percepção do cinema como um espaço educativo, concebido na perspectiva
da possibilidade de apropriações de elementos observados na tela, não reflete
apenas propostas teóricas ou possibilidades de análise da arte cinematográfica.
Intelectuais, pesquisadores, políticos, ensaístas e educadores já observavam a
possibilidade de associações entre filmes e ensino desde os primórdios da chamada
sétima arte.
3.1 O cinema na sala de aula como apoio ao ensino de língua portuguesa: atividades desenvolvidas
As atividades desenvolvidas junto aos alunos foram construídas seguindo o
modelo de módulos didáticos de acordo com os passos descritos no Método
Recepcional elaborado por Bordini e Aguiar (1993). Neste método fica a cargo do
professor delimitar o tempo de aplicação de cada uma das fases. De acordo com as
“Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa” essas etapas podem ser resumidas
assim:
A primeira etapa é o momento de determinação do horizonte de expectativa do aluno/leitor. O professor precisa tomar conhecimento da realidade sociocultural dos educandos, observando o dia-a-dia da sala de aula. Informalmente, podem-se analisar os interesses e o nível de leitura, a partir de discussões de textos, visitas à biblioteca, exposições de livros, etc. Na segunda, ocorre o atendimento ao horizonte de expectativas, o professor apresenta textos que sejam próximos ao conhecimento de mundo e às experiências de leitura dos alunos. Para isso, é fundamental que sejam selecionados obras que tenham um senso estético aguçado [...]. Em seguida, acontece a ruptura do horizonte de expectativas. É o momento de mostrar ao leitor que nem sempre determinada leitura é o que ele espera, suas certezas podem ser abaladas. [...] Após essa ruptura, o sujeito é direcionado a um questionamento do horizonte de expectativas. O professor orienta o aluno/leitor a um questionamento e a uma autoavaliação a partir dos textos oferecidos. O aluno deverá perceber que os textos oferecidos na etapa anterior (ruptura) trouxeram-lhe mais dificuldades de leitura, porém, garantiram-lhe mais conhecimento, o que ajudou a ampliar seus horizontes. A quinta e última etapa do método recepcional é a ampliação do horizonte de expectativas. As leituras oferecidas ao aluno e o trabalho efetuado a partir delas possibilitaram uma reflexão e uma tomada de consciência das mudanças e das aquisições, levando-o a uma ampliação de seus conhecimentos. (PARANÁ, 2008, p. 74-75, grifos no original).
O método recepcional está embasado na Estética da Recepção, que procura
valorizar o papel do leitor como parte do processo de produção da obra, ou seja, o
leitor passa a ser encarado como co-autor, uma vez que vem dele a real
possibilidade de interpretar e de construir os mais diversos significados dos textos.
Conforme apontam Bordini e Aguiar (1993, p. 87), o processo de recepção se
inicia antes do contato do leitor com o texto. O leitor possui um horizonte que o
limita, mas que pode transformar-se continuamente, abrindo-se. Esse horizonte é o
do mundo de sua vida, com tudo que o povoa: vivências pessoais, sócio-históricas e
normas filosóficas, religiosas, estéticas, jurídicas, ideológicas, que orientam ou
explicam tais vivências. Munidos dessas referências, o sujeito busca inserir o texto
que se lhe apresenta no esquadro de seu horizonte de valores. Por sua vez, o texto
pode confirmar ou perturbar esse horizonte, em termos das expectativas do leitor,
que o recebe e julga por tudo o que já conhece e aceita. O texto, quanto mais se
distancia do que o leitor espera por hábito, mais altera os limites desse horizonte de
expectativas, ampliando-os.
3.1.2 A determinação do horizonte de expectativa dos alunos
Nesta primeira etapa foram trazidos para a sala diversos materiais para
contextualização do tema proposto. No primeiro momento foi perguntado aos alunos
o que eles gostavam de fazer para aproveitar o dia deles. As respostas foram
organizadas em um painel feito com papel Kraft.
De início foi exibido o videoclipe da canção “Semana que vem” da cantora
Pitty que faz parte do CD “Admirável Chip Novo”, e foram entregues cópias da letra
da canção aos alunos, com destaque para o refrão, visto que é uma música em que
aparece o conceito de “Carpe Diem”. Foram exibidos também, para serem
confrontados, os videoclipes das canções “Epitáfio” do grupo Titãs, e “Die young” da
cantora Ke$ha (esta com tradução simultânea).
Foi então, a partir da exibição do videoclipe da canção “Epitáfio” do grupo
Titãs, abordado o significado da expressão título da música e o porquê da relação
com o “Carpe Diem”. Estabeleceu-se também qual relação havia entre a canção
“Epitáfio”, a canção “Die Young” e a canção “Semana que vem” apontando as
possíveis semelhanças e/ou diferenças.
Nesta primeira etapa, no intuito de intertextualizar, foi apresentado, ainda, um
poema cujo título é “Carpe Diem” da poetisa Lina Passos. Foi solicitada a leitura do
poema aos alunos que quisessem fazê-la, sendo que muitos realizaram a leitura à
frente da classe.
Após a leitura do poema, foi apresentado aos alunos um trecho3 do filme
“Feitiço do tempo” (1993), que narra a história de um repórter de televisão, mal-
humorado e arrogante, que faz previsões de meteorologia e vai a uma pequena
cidade com sua equipe, composta por um cinegrafista e uma produtora, para fazer
uma matéria especial sobre o início do inverno, o “Dia da Marmota”. Querendo ir
3 Recorte do filme “Feitiço do Tempo”: de 57’34’’ a 1h15’10’’.
embora o mais rapidamente possível, ele inexplicavelmente fica preso no tempo,
sendo condenado a repetir sempre os eventos daquele dia. A princípio aproveita-se
da situação, mas depois se apercebe de que está condenado a passar o resto da
sua vida no mesmo lugar, vendo as mesmas pessoas e fazendo o mesmo todos os
dias. Após se deixar levar pelos prazeres momentâneos que lhe foram propiciados,
pois ele sabe tudo o que acontecerá durante aquele dia, mas só daquele dia, ele
começa a reavaliar sua vida e prioridades.
O filme proposto nesta etapa permitiu fazer uma análise bastante reflexiva
sobre o tema, lançando importantes questionamentos e trazendo algumas
interessantes ponderações acerca dos assuntos tratados até o momento, com
ênfase no “Carpe Diem”. Conforme aponta Machado (2013), o filme “Feitiço do
tempo” nos permite, enquanto leitores-espectadores, pensar a respeito da maneira
como temos nos relacionado com o tempo, isto é, será que não o estaríamos
desperdiçando com atividades fúteis?
Foram observados os comentários dos alunos relativos aos questionamentos
efetuados e realizada uma discussão informal sobre os temas abordados nos
materiais apresentados. Durante o debate, já com o tema identificado, os alunos
notaram que o tópico “Carpe Diem” era muito antigo (pois, perpassava vários
períodos históricos) e mesmo assim permanecia tão atual, já que, como eles
observaram, parece que essa ideia de viver o momento como se fosse o último
tomou conta do pensamento contemporâneo, especialmente o da juventude.
3.1.2 O atendimento do horizonte de expectativa dos alunos
Com o objetivo de atender aos interesses dos alunos, buscamos algumas
alternativas. A primeira delas foi apresentar a definição de “Carpe Diem” por meio do
verbete da Wikipédia e em seguida exibir o videoclipe da canção “Deixa a vida me
levar” de Zeca Pagodinho. Desta forma os alunos se sentiram motivados a refletir
sobre o significado tido como ideal de “Carpe Diem” e se aquela canção de Zeca
Pagodinho se aproximava do significado ou abria para outros significados.
Na sequência, os alunos tiveram a oportunidade de ler alguns poemas de
autores de épocas diferentes que faziam referência ao “Carpe Diem”. Foi
apresentada ainda, a propaganda do perfume “Carpe Diem” de “O Boticário” em
vídeo e também na mídia impressa, destacando assim a intertextualidade.
O passo seguinte desta etapa foi apresentar trechos do filme “Gênio
indomável” (1997), que conta a história Will Hunting, um jovem problemático e
extremamente inteligente, que consegue responder uma questão matemática de
nível avançado e termina caindo nas graças de um brilhante professor, que descobre
que o garoto se tratava do zelador da universidade em que trabalha. Diversos
problemas com brigas levaram o rapaz a correr o risco de ser preso, mas Lambeau,
o referido professor, se responsabiliza por ele na frente de um juiz, evitando sua
prisão, mas, como parte do acordo, o jovem iria fazer terapia regularmente. Depois
de ser atendido por vários psicólogos renomados, o profissional que aceitará atendê-
lo é Sean, um amigo de infância de Lambeau, que viveu no mesmo bairro do rapaz,
que também é uma pessoa sofrida, assim como Will.
O primeiro recorte4 do filme que foi destacado refere-se à emblemática cena
em que Will e Sean conversam à beira do lago e o psicólogo demonstra ao rapaz
que os momentos e as experiências vivenciadas é que fazem a diferença na vida de
cada um. O segundo trecho5 selecionado do longa-metragem correspondeu a uma
das sessões a que Will se submete, em que Sean vai lhe contar sobre o momento
mais importante de sua vida, que para ele é insubstituível, apesar de que naquele
mesmo instante ocorria um fato espetacular, mas nada seria melhor do que ter
encontrado o amor da vida dele.
Após os alunos terem assistido aos trechos do filme, foi feita a divisão da
turma em dois grupos para a realização do trabalho coletivo. Foi efetuado, então, um
intenso debate em que um grupo defendeu o ponto de vista de Will, a partir do que
os alunos haviam entendido das cenas exibidas, e o outro grupo fez a defesa de
Sean, a partir do que o psicólogo acreditava ser o momento ideal e mais importante
de sua vida. Em seguida, finalizado o debate, foi feita a sistematização dos
conhecimentos amealhados pelos alunos a respeito do tema “Carpe Diem”.
3.1.3 A ruptura do horizonte de expectativa dos alunos
Deste ponto em diante, o conceito de “Carpe Diem” passou a ser mais
aprofundado, justamente a partir do filme “Sociedade dos poetas mortos”, exibido na
íntegra. O longa-metragem conta a história do carismático professor John Keating
4 Primeiro recorte do filme “Gênio Indomável”: de 46’00’’ a 51’08’’. 5 Segundo recorte do filme “Gênio Indomável”: de 1h03’03’’ a 1h06’13’’.
(Robin Williams), que chega com seus modernos métodos de ensino a um colégio
conservador, e acaba despertando em seus alunos novos questionamentos e uma
nova forma de ver a vida a partir do “Carpe Diem”. Com o seu talento e sabedoria,
Keating inspira os seus alunos a perseguir as suas paixões individuais e tornar as
suas vidas extraordinárias.
Logo após os alunos terem assistido ao filme, foi realizada uma leitura mais
aprofundada da obra, visto que o longa-metragem é farto de elementos simbólicos,
tanto que, num primeiro momento, eles não perceberam no todo, necessitando de
mais informações, que foram complementadas com a entrega de uma sinopse e de
uma crítica sobre o filme.
Em seguida, foi retomada a exibição da passagem do filme referente à
primeira aula ministrada pelo professor John Keating, quando ele convida os alunos
a tratarem-no por “Oh Capitão, meu Capitão!”, solicitando aos rapazes para segui-lo
até o corredor onde observaram fotografias de antigas turmas de Welton. Nessa
altura, Keating declara a sua exuberante concepção de vida, pedindo aos alunos
que se aproximassem e que escutassem o conselho de seus antecessores. Os
estudantes, habituados a obedecer, aproximam-se. Keating murmura: “Carpe Diem,
estão ouvindo? Carpe... Carpe Diem... Aproveitem o dia, meus amigos... tornem as
suas vidas extraordinárias...”.
O filme é repleto de citações de grandes nomes da literatura de língua
inglesa, como Henry David Thoreau, Walt Whitman e Byron, e de belas imagens
metafóricas, deixando uma profunda mensagem sintetizada na expressão
latina “Carpe diem” (aproveite o dia). Diante disso, para que os alunos de nosso
colégio pudessem ter um melhor contato com os poemas citados pelo professor
Keating no filme, foram levados para a sala de aula livros com coletâneas de
poemas de Whitman, Byron e Thoreau, fazendo uma contextualização adequada.
Foi exibido também o videoclipe da canção “Dias melhores” do Jota Quest, que
possibilitou ampliar o debate, pois os alunos se sentiram motivados a falar sobre
relação entre canção e os poemas extraídos do filme “Sociedade dos Poetas
Mortos”, visto que a canção e os demais materiais falam sobre a busca por bons
momentos, sobre paz, amor, dias que realmente valem a pena ser vividos, ou seja, a
máxima do “Carpe Diem”.
3.1.4 Questionamento do horizonte de expectativas
O “Carpe Diem” pode ser considerado, inclusive, um estilo de vida, que é
bastante difundido pela mídia e, geralmente, ligado a valores como o consumismo e
materialismo, como meio de obtenção do prazer. Muitos jovens são seduzidos por
essa ideologia, e acabam pensando mais no presente e não no futuro, o que é algo
muito controverso, pois nos dias atuais as incertezas e as instabilidades são
constantes.
Justamente pelo fato de os alunos estarem na fase da adolescência, em que
as instabilidades são mais recorrentes, foram levantadas algumas hipóteses junto a
eles, indagando-lhes quais são suas certezas e incertezas, suas expectativas, seus
medos e vontades quanto ao presente e quanto ao futuro.
Foi utilizado inicialmente nesta etapa um material bastante atrativo, o curta-
metragem “Aquarela” (2003), animação de Andrés Lieban e de André Koogan
Breitman que retrata a canção homônima do cantor e compositor Toquinho, e que
tem forte apelo emocional devido à ótima edição que juntou música/ melodia às
imagens, proporcionando um belo momento poético. A canção “Aquarela”, por tratar
da questão da efemeridade humana de forma lúdica, possibilitou que os alunos
refletissem sobre como eles estavam praticando o “Carpe Diem”.
A partir das discussões desenvolvidas foi proposta e realizada uma atividade
escrita em que os alunos construíram uma lista projetando e falando sobre quais
seriam seus desejos, sonhos, suas aspirações e o que gostariam de conquistar ou
ter para suas vidas daqui a 20 ou 25 anos.
Para auxiliar os alunos na tarefa, foi exibido o trecho inicial do filme “Up –
altas aventuras6”. Os 11 primeiros minutos do filme podem ser considerados um
curta-metragem extremamente perfeito, paralelamente ao filme, que conta a história
de amor entre o Seu Fredricksen e a amável Ellie desde o momento em que se
conhecem na infância, passando pelo dia do casamento deles, pela vida de casados
e a impossibilidade de terem filhos que tanto sonhavam, até a morte de Ellie. Este
recorte do filme é de fazer qualquer um se emocionar. Para completar as belas
imagens computadorizadas há uma trilha-sonora emocionante, e igualmente
perfeita.
6 Recorte do filme “Up – Altas Aventuras”: de 00’01’’ a 11’41’’.
Ainda para ajudar na realização da atividade foram apresentados os
videoclipes das canções “Caminhos” de Raul Seixas, “Carpe Diem” do grupo
Catedral, fechando com a canção “A lista” de Oswaldo Montenegro.
3.1.5 A ampliação do horizonte de expectativas dos alunos
A ampliação do horizonte de expectativas, conforme apontam Bordini e Aguiar
(1993), é o resultante das reflexões sobre as relações entre leitura e vida,
correspondendo à última etapa do processo. Tendo percebido que as leituras feitas
dizem respeito não só a uma tarefa escolar, mas ao modo como vêem seu mundo,
os alunos, nessa fase, tomam consciência das alterações e aquisições, obtidas
através da experiência com a literatura. Cotejando seu horizonte inicial de
expectativas com os interesses atuais, verifica-se que suas exigências tornaram-se
maiores, bem como sua capacidade de decifrar o que não é conhecido foi
aumentada.
Assim, as discussões feitas anteriormente provocaram algumas reflexões e
conclusões a respeito da temática abordada por parte dos alunos, tais como: se o
“Carpe Diem”, para eles, se bastava no significado original de “aproveite o
momento”, termo que se tornou conhecido através do poema de Horácio; se a
expressão ganhou outros contornos para eles; e ainda, o “Carpe Diem” sendo um
tema bastante explorado pela mídia, mesmo que de forma subliminar, e infelizmente
de modo pejorativo, já que no entendimento dos alunos os meios de comunicação,
especialmente a TV, costumam ligar o tema à superficialidade, ao consumismo
desenfreado, aos modismos, ao prazer imediato, e por isso os influenciariam
negativamente.
Após o bom debate, discussões e considerações, foi realizada a leitura do
conto “Doce de Teresa” (2001) de Flávia Savary, em que se buscou fazer um
contraste entre o olhar adolescente dos alunos e a perspectiva criada a partir do
conto, cuja personagem central é uma idosa que ama a vida apesar de todas as
adversidades.
Trabalhou que foi uma enormidade. Mas quando se tem noventa e seis anos já não se é mais uma menina. Vá convencer Teresa disso! Arrumou a casa, preparou tudo, os meninos chegavam daí a pouco. Guardou o avental e foi se sentar na varanda, à hora da Ave-Maria. Que pôr de sol bonito! Parecia um caldo de goiabada, esparramado num chão de azulejo azul. Foi cabeceando, cabeceando até cochilar. (SAVARY, 2001, p. 2)
Após a leitura do conto, feita na sala de aula, foi apresentado um trecho do
filme “Chocolate” (2000), que conta a história de Vianne Rocher, uma jovem mãe
solteira, e sua filha de seis anos que, no final da década de 1950 e início da década
de 1960, resolvem se mudar para uma cidade rural da França. Lá, decidem abrir
uma loja de chocolates que funciona todos os dias da semana, bem em frente à
igreja local, o que atrai a certeza da população de que o negócio não vá durar muito
tempo. Porém, aos poucos Vianne consegue persuadir os moradores da cidade em
que agora vive a desfrutar seus deliciosos chocolates, transformando o ceticismo
inicial em uma calorosa recepção.
Foi extraída do filme7 e exibida a cena do banquete, passagem da história em
que os personagens celebram a vida. A partir do trecho assistido foi solicitado aos
alunos que analisassem e procurassem os pontos de convergência e
intertextualidade com o conto “Doce de Teresa”, atividade que fizeram com muita
competência. Em seguida os alunos produziram um texto-síntese sobre as duas
obras.
Ao final das etapas, as atividades realizadas pelos alunos durante as aulas
foram expostas num mural a partir do qual, durante a semana cultural do Colégio,
eles puderam falar à comunidade escolar sobre o “Carpe Diem” e também relatar
sobre todos os textos por eles lidos, assistidos, debatidos, ouvidos, discutidos, etc.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme destacado nas Diretrizes Curriculares da Educação Básica de
Língua Portuguesa do Paraná (PARANÁ, 2008), cabe ao professor de Língua
Portuguesa proporcionar aos alunos a prática, o debate, a discussão, a leitura de
textos das diferentes esferas sociais (jornalística, literária, publicitária, fílmica, digital,
etc.). Logo, as práticas discursivas envolvem, além dos textos escritos e falados, a
integração da linguagem verbal com outras linguagens.
Assim, a leitura dessas múltiplas linguagens, realizada com propriedade,
garante o envolvimento do sujeito com as práticas discursivas, alterando “seu estado
ou condição em aspectos sociais, psíquicos, culturais, políticos, cognitivos,
linguísticos e até mesmo econômicos” (SOARES, 1998, p. 18 apud PARANÁ, 2008,
p. 51). 7 Recorte do filme “Chocolate”: de 1h11’44’’ a 1h35’25’’.
Nesta perspectiva se insere a utilização do filme na sala de aula, ou seja, o
cinema é um importante instrumento para que se desperte no aluno, além da própria
leitura fílmica, o desejo de realizar outras leituras, as mais diversas possíveis.
Conforme afirma Napolitano (2003, p. 41), o cinema tem o poder de estimular o
desenvolvimento da linguagem verbal e da compreensão textual. Além disso, o
cinema em si constitui uma das linguagens mais importantes do mundo moderno,
com seus códigos de significação extremamente sofisticados.
O que observamos, ao longo desta caminhada, é que o cinema, levado e
utilizado adequadamente em sala de aula, revela seu caráter múltiplo, pois as
narrativas fílmicas possibilitam aos educandos a troca de experiências, de
sentimentos, de emoções e de valores, ao mesmo tempo em que movimentos, sons
e imagens agem quase que integralmente sobre eles, construindo conhecimento,
dando a oportunidade de uma leitura ampla de mundo, que favorecerá de forma
indelével a comunicação e a aprendizagem de nossos alunos.
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