tv formas audiovisuais ii

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Neste volume oleitor encontrará textos que trazem as reflexões apresentadas e debatidas nosegundo seminário (organizado por Gabriela Borges, Renato Pucci e FláviaSeligman), durante o XV Encontro Internacional da SOCINE - Sociedade Brasileirade Cinema e Audiovisual, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, emsetembro de 2011.

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  • 3Socine/Unicamp/Universidade do Algarve CIAC So Paulo, Campinas e Faro (Portugal).

    Volume IIGabriela Borges

    Renato Luiz Pucci Jr.Gilberto Alexandre Sobrinho

    (orgs.)

    Televiso:Formas Audiovisuais deFico e Documentrio

  • Borges, Gabriela; Pucci Jr., Renato Luiz; Sobrinho, Gilberto Alexandre (orgs.)ISBN: 978-989-8472-20-5

    1.Televiso 2. Fico 3. Documentrio 4. Anlise Audiovisual 5.Ttulo

    ______________________________________________________________________________ Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e de Documentrio Volume II Organizao: Gabriela Borges, Renato Luiz Pucci Jr., Gilberto Alexande Sobrinho Design Grfico: Marcia R. Trayczyk Ribeiro Reviso: Maria de Lourdes Martins

    _______________________________________________________

    Instituto de Artes/Unicamp

    Rua Elis Regina, 50Cidade Universitria Zeferino VazBaro Geraldo, Campinas, SP13083-970 - Caixa Postal 6159(19)3289-1510 Fax: (19) 3521-7827www.iar.unicamp.br

    CIAC/Universidade do AlgarveFCHS, Campus Gambelas 8005-139 FaroT. 289800900 ext. 7541 www.ciac.pt

    SOCINE Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e AudiovisualAv. Prof. Lcio Martins Rodrigues, 443 - So Paulo (SP) - Brasilwww.socine.org.br Diretoria Socine (2012 2013)Presidente: Maria Dora Genis Mouro, ECA-USP; Vice-presidente: Anelise Corseuil, UFSC; Tesoureiro: Maurcio Reinaldo Gonalves, UNISO; Secretria: Alessandra Soares Brando, UNISUL_______________________________________________________________________________ Campinas, Faro e So PauloSetembro 2012

  • Sumrio

    Apresentao

    Entre a televiso e as artes Del flujo interminable a la televisin de autor

    Mirta Varela

    Adaptao televisiva e esquemas cognitivos: o caso de Capitu

    Renato Luiz Pucci Jr.

    Enquanto se espera por Godot: Mise-en-scne e edio no (tele)filme Waiting for GodotGabriela Borges

    Som, fria e sentido: Shakespeare na fico seriada televisivaMarcel Vieira Barreto Silva

    Entre o real e o ficcional

    Sobre corpos e imagens: os documentrios televisivos de Walter Lima Jnior, no Globo Shell Especial e no Globo Reprter (1972-1974)Gilberto Alexandre Sobrinho Gilberto Sobrinho

    Asseres sobre a realidade em Lost: documentrios ou mockumentaries?Eduardo Tulio Baggio

    Guerra e paz, o uso da encenao nas sries de documentrios da RBS TV Cssio dos Santos Tomaim

    Entre a serialidade e a trasmidialidade

    Crimes contemporneos crtica social e neopolicial na Amrica Latina Luiza Lusvarghi

    Taxonomia das sries audiovisuais: uma contribuio de roteiristaIara Sydenstricker

    A vida alheia, mas os efeitos da cultura industrializada so nossos.Dilma Beatriz Rocha Juliano

    Das possibilidades narrativas nas plataformas de mdia Joo Carlos Massarolo

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  • 7Apresentao

    Em 2011, houve a publicao de um primeiro livro a partir das atividades desenvolvidas junto ao seminrio temtico Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e Documentrio.1 Dando continuidade quele trabalho, neste volume o leitor encontrar textos que trazem as reflexes apresentadas e debatidas no segundo seminrio (organizado por Gabriela Borges, Renato Pucci e Flvia Seligman), durante o XV Encontro Internacional da SOCINE - Sociedade Brasileira de Cinema e Audiovisual, realizado na Universidade Federal do Rio de Janeiro, em setembro de 2011.

    possvel detectar alguns eixos de pesquisa que tm delineado o trabalho do seminrio, nestes dois anos, e que se expressam na produo tanto do volume I quanto do volume II. Destacam-se a criatividade e o experimentalismo no uso do meio, que esto relacionados com questes de autoria e que contribuem para o deslocamento do olhar sobre a televiso enquanto um meio propagador de discursos vazios, alm de enfatizar a importncia do debate sobre a qualidade em suas diversas facetas. Outra linha que se afirma neste seminrio est relacionada com as adaptaes, recriaes e transcriaes, de acordo com diferentes enquadramentos tericos, que empreendem um dilogo principalmente com o cinema e as outras artes, como o teatro e a literatura e que tambm esto relacionados com a autoria. A serialidade, caracterstica intrnseca da fico televisiva, no poderia deixar de fazer parte destes estudos, ainda mais se considerarmos a profcua produo televisiva brasileira. Ainda nesse mbito, h a tendncia contempornea para as transformaes atravessadas pela serialidade ficcional, tanto em relao transmidialidade quanto s suas relaes com a referencialidade e o documental nos seus diversos formatos. Finalmente, tambm observamos nos trabalhos as abordagens e os procedimentos diversificados que a televiso tem dado aos discursos sobre o real, na sua relao com a autoria e com a construo narrativa.

    1 | BORGES, Gabriela; PUCCI JR., Renato; SELIGMAN, Flvia (orgs.). Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e Documentrio Vol. 1. So Paulo/Faro: Socine/CIAC Universidade do Algarve, 2011. Disponvel em: http://www.ciac.pt/livro/livro.html

  • 8Como no primeiro volume, os autores dos textos que compem este livro adotaram a perspectiva da pesquisa emprica, em especial por meio da anlise dos produtos televisuais, sem descuidar de aspectos contextuais, intertextuais e tecnolgicos, quando necessrio. A presente coletnea tem o intuito de dar a conhecer os projetos e as reflexes mais recentes que se desenvolvem neste campo e sistematizar as principais questes tericas e empricas que mobilizam as pesquisas em curso. Neste sentido, foi realizada uma parceria entre a SOCINE, o Instituto de Artes, da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), e o CIAC (Centro de Investigao em Artes e Comunicao), da Universidade do Algarve para a coedio deste livro.

    O livro est organizado em trs sees: 1) Entre a televiso e as artes; 2) Entre o real e o ficcional; 3) Entre a serialidade e a transmidialidade. Na primeira seo, a abordagem em torno do fluxo televisivo, conceito cunhado por Raymond Williams, recontextualizada, debatida e colocada em circulao com a tambm influente ideia de autoria, cara aos estudos audiovisuais, sobretudo para os domnios do cinema. Essas consideraes so levadas a cabo por Mirta Varela2, da Universidade de Buenos, que realizou sua conferncia como convidada e que, gentilmente, nos enviou o material para publicao. Ainda na primeira seo, a minissrie Capitu, exibida pela Rede Globo, objeto para o escrutnio, sob a abordagem cognitivista, e tambm as poticas de Samuel Beckett e William Shakespeare so investigadas em dois outros trabalhos, completando um quadro de programas em que a televiso relaciona-se, de modo expandido, com o literrio e o teatral. Dessa forma, as pesquisas apontam para caminhos inquietantes no horizonte da programao televisiva e justificam a urgncia do debate em torno do artstico e do televisivo.

    Na segunda seo, os textos voltam-se para o documentrio e sua manifestao em trs lugares distintos: a estilstica de Walter Lima Jnior, em documentrios dirigidos para os programas Globo Shell Especial e Globo Reprter, ambos da Rede Globo; os investimentos assertivos, portanto, no esteio documentarizante, em produtos da srie Lost; e as questes sobre a encenao em sries documentais, e a respeito dos acontecimentos histricos dramatizados, realizados em produtos da emissora gacha RBS TV.

    Finalmente, a terceira seo aborda os gneros e formatos seriados, nas suas distintas manifestaes, e nas suas articulaes com as tendncias tecnolgicas e culturais, como a busca e a problematizao de uma taxonomia das questes em torno da nomeao e dos gneros, a revisitao do conceito de indstria

  • Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e de Documentrio - Volume II 9

    cultural manifesta na narrativa seriada A vida alheia (Rede Globo) e a expanso das narrativas para as novas plataformas miditicas.

    Para finalizar, destacamos que este seminrio inaugurou, de forma sistemtica, os estudos televisivos no interior da SOCINE, associao de pesquisadores que durante muito tempo esteve voltada primordialmente aos estudos de cinema. Por mais essa razo, consideramos de suma importncia tanto a realizao do seminrio, quanto a publicao deste livro, que apontam para perspectivas de aprofundamento dos estudos do audiovisual.

    Boa leitura.

    Os Organizadores

  • Entre a televiso e as artes

  • Del flujo interminable a la televisin de autor

    Mirta Varela Universidad de Buenos Aires

    Durante los ltimos aos ha cobrado inters el debate sobre la muerte de la televisin. Aunque adhiero a la hiptesis de que los medios de comunicacin no mueren -al menos si acordamos que un medio de comunicacin se define por su funcin social- resulta evidente que el libro, el peridico o la radio, estn destinados a sufrir fuertes transformaciones, cambios de soporte y migraciones de pblicos. Creo que la televisin pertenece a este tipo de medio que se enfrenta actualmente a un cambio profundo de su posicin y de su rol en el sistema, de su funcin social y de las estticas que convoca, aunque de ninguna manera podramos decir que est agonizando.1 Se trata, en sntesis, de un contexto en el que vale la pena repensar el modo en que la televisin nos interpela y en el que puede ser abordada durante esta etapa.

    En este trabajo me propongo analizar el lugar que ha ocupado el concepto de flujo en el anlisis televisivo y las posibilidades y lmites- que presenta la concepcin de una televisin de autor. Los organizadores de este libro han recurrido a una cita de Kristin Thompson para plantear la necesidad de revisar el concepto de flujo (Borges; Pucci y Seligman, 2011). Efectivamente, en Storytelling in film and television (2003), Thompson seala que una de las causas del atraso de las lecturas estticas sobre televisin en comparacin con el cine- tendra su origen en la visin dominante de la programacin televisiva como un flujo homogeneizador e hipnotizante, concepcin que no abrira espacio para el examen detallado de productos especficos. Por el contrario, considera que el paradigma del flujo televisivo (tal como lo concibi Raymond Williams) debe ser abandonado ya que los estudios en recepcin indican que los telespectadores distinguen con claridad entre un programa y otro, as como entre el programa y los intervalos comerciales. Aunque no comparto la propuesta de Kristin Thompson de abandonar el concepto de flujo, me interesa el planteo: hasta

    1 | He desarrollado este punto y especialmente las relaciones entre la televisin y su circulacin en internet en l miraba televisin, You tube. La dinmica del cambio en los medios, un trabajo que integr un libro que lleva por ttulo El fin de los medios. El comienzo del debate (Carln y Scolari, 2010).

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    dnde este concepto ha sido un impedimento para otro tipo de abordajes del discurso televisivo. Intentar responder a esta pregunta a partir de tres estrategias diferentes que desarrollar a lo largo de las siguientes pginas.

    En primer lugar, reconstruir el contexto terico en el cual fue concebida la nocin de flujo. Entiendo que la historia intelectual y la historia conceptual permiten comprender algunos sentidos importantes de los conceptos tal como circulan en la actualidad. Pero adems, sera un camino coherente con la propuesta de Raymond Williams que dedica un libro completo - Keywords - a revisar los principales conceptos de la sociologa de la cultura. Si a eso sumamos el hecho de que estamos ante un momento de transformaciones y crisis de los conceptos con que abordamos nuestros objetos de estudio, puede resultar de utilidad revisar el origen de lo que hoy vemos cambiar ante nuestros ojos.

    En segundo lugar, hipotetizar la posibilidad de una televisin de autor como alternativa al concepto de flujo. La radio y la televisin han sido simultneamente los medios de mayor popularidad y los menos valorados estticamente. La forma de produccin industrial llev a borrar o diluir la autora de los programas de estos medios y a privilegiar el reconocimiento del star system o los gneros predominantes. En una etapa en que ya contamos con una historia de la televisin y en la que algunos de sus programas destacados se autonomizan del flujo televisivo a travs de la circulacin en DVD e internet, me pregunto si no puede pensarse un nuevo tipo de produccin y un nuevo pblico.

    Por ltimo, discutir o poner a prueba lo anterior a partir de tres casos de la televisin argentina que, an sin ser representativos, podran encontrar equivalentes en otros lugares del mundo. Me refiero al antecedente documental y ficcional de Raymundo Gleyzer, cineasta poltico de la dcada del sesenta-setenta que fue camargrafo de televisin; la miniserie Tumberos (2002) de Israel Adrin Caetano y El hombre de tu vida (2011), una miniserie de Juan Jos Campanella.

    El concepto de flujo en Raymond Williams

    Raymond Williams cre este concepto como una reaccin frente al modo hegemnico de encarar el anlisis textual hasta la dcada del sesenta en el campo de la crtica literaria y la historia de la literatura que era su campo de origen- donde se privilegi sistemticamente el trabajo sobre la obra y el autor. Williams haba iniciado esta cruzada contra la crtica literaria mucho antes de

  • Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e de Documentrio - Volume II 15

    interesarse por la televisin. Lo hizo como parte de un movimiento terico que pretenda cuestionar las bases de la crtica formal, interesada por la esttica de las obras literarias concebidas como parte de las Artes, y reemplazarla por una Sociologa de la literatura que concibiera a las obras literarias como parte de la cultura y la sociedad. Este desplazamiento desde la Crtica literaria a la Sociologa de la literatura, llevaba a proponer, en ltima instancia, una Sociologa de la cultura de la cual Williams sera un terico fundamental.

    Cuando se busca cuestionar el modo de organizar, escribir o plantear una historia de la literatura o del arte, se suele optar por seguir uno de estos dos caminos. El primero -y tambin ms habitual- es la redefinicin del canon a travs del desplazamiento de algunos autores y obras consagrados y la inclusin de otros nuevos. El segundo es someter el mismo canon a un nuevo marco terico, releer las mismas obras desde un punto de vista novedoso. Raymond Williams realiz ambos movimientos.

    Su libro Culture & Society, publicado por primera vez en 1958, fue un intento exitoso por releer la historia de la literatura inglesa desde una clave sociolgica. All el canon se presenta desde un punto de vista original para la crtica de la poca. Va en busca de los autores clsicos (Edmund Burke, Coleridge, Thomas Carlyle, George Eliot) que haban sido interpretados por otros crticos precedentes como los ms altos exponentes de la esttica universal. Pero en lugar de valorar sus aportes formales y artsticos, los lee como documentos de la sociedad de su poca. Encuentra en ellos indicios acerca de las transformaciones sociales, de los cambios histricos operados en la sociedad inglesa a lo largo de los siglos, de su relacin con la tcnica, el trabajo, las costumbres, el crecimiento urbano, la extensin de la educacin popular, etc. De esta manera, convierte a la literatura en un documento de cultura y sociedad.

    En The Long Revolution (1961), en cambio, realiza un movimiento que podra pensarse como complementario del anterior, al introducir la prensa como un corpus cultural. En la revolucin producida por la imprenta, la literatura no es el tema preferente, sino las funciones y los gneros de la escritura. La prensa, de esta manera, deja de ser un objeto de la historia poltica y puede convertirse en un corpus para la historia de la literatura y del arte. Realiza, de este modo, una lectura cultural de la prensa.

    Cuando Williams llega a interesarse por la televisin, lo hace por una doble va: como historiador de la cultura y como intelectual interesado por la cultura

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    de su tiempo. Como historiador de la cultura puede percibir la importancia de la televisin y no duda -como la mayor parte de los intelectuales de su tiempo- acerca del inters de este nuevo medio. Como intelectual, incluye a la televisin en su horizonte de intereses y escribe notas periodsticas sobre la programacin de su tiempo. Pero tambin participa activamente de la BBC, escribe guiones, asesora, orienta sobre cmo debera ser la televisin inglesa.

    El concepto de flujo, en ese contexto, fue una propuesta innovadora (Williams, 1992: 80-92), que rompa con la tendencia dominante en los estudios literarios y que no haca ms que continuar una tarea emprendida por Williams en The Long Revolution al analizar la importancia de los peridicos y las revistas para la formacin de un pblico lector en Inglaterra. All, contra el anlisis textual imperante, Williams reivindica la pgina del diario como un objeto visual antes que literario, como un mosaico de sintaxis no lineal y percibe la tendencia a la miscelnea como caracterstica formal de la cultura de masas.

    La miscelnea estaba presente en la mezcla de gneros propia de los magazines, donde la yuxtaposicin de noticias y ficciones, informacin y entretenimiento, texto e imagen, ilustracin y fotografa, noticia y publicidad, fue permanente. La miscelnea es un rasgo del orden del contenido pero tambin un rasgo formal que se convertir en una constante de la prensa, los magazines, los espectculos teatrales de corte popular, la programacin radial y, por supuesto, tambin la televisiva. Si me detengo en la hiptesis de Williams es porque, sin duda, internet contina siendo un eslabn ms en esta tendencia a la miscelnea que Williams no lleg a ver (porque falleci en 1988) pero lleg a intuir histricamente. Internet es, en muchos sentidos, el flujo perfecto: todos los gneros, todos los lenguajes, todos los discursos, todos los rdenes semiticos se encuentran contenidos all y fluyen permanentemente en un devenir que parece no tener fin. Internet es ms an que la televisin, un flujo interminable.

    Pero Williams no estaba hablando nicamente de un rasgo formal o de contenido, sino de una tensin cultural. Entenda que la distancia entre una obra literaria o artstica -concebida como una unidad discreta y discontinua- y el flujo radial o televisivo era, fundamentalmente, un problema de culturas. A pesar de ser un hombre formado en las letras, Williams no asoci esa distancia cultural a la diferencia u oposicin entre la escritura y la oralidad o la palabra y la imagen, sino a la distancia entre la Alta cultura y la cultura de masas. Cuando Williams usa la metfora de la canilla (ver televisin se parece ms a abrir una canilla que a ir al teatro o leer un libro) para explicar el modo en

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    que el pblico accede a la televisin, est descartando cualquier forma de aura para el anlisis de los medios de comunicacin. Mientras la radio o la televisin son un flujo continuo (como el agua corriente), el teatro, el cine o la lectura, son discontinuos, comienzan y terminan, tienen un principio y un fin, y eso convierte la experiencia de asistir al cine o al teatro en una suerte de ritual demarcado del tiempo y el espacio cotidiano, algo que en el caso de la televisin nunca sucede.

    Williams era, por otra parte, un reformista sospechoso para el marxismo ingls de su poca. Y cuando en su trnsito por la BBC tuvo la oportunidad de imaginar qu hacer con la televisin real, defendi las estticas realistas contra cualquier forma de ruptura vanguardista- y valor especialmente la capacidad de la televisin para entrar en contacto con lo inmediato. Critic la presencia de expertos, las voces profesionales y los relatores deportivos. Valor la capacidad de la televisin para realizar retratos de la gente comn: Un hombre hablando y mostrando su trabajo se encuentra entre las mejores cosas que pueden encontrarse en la televisin.2 En sntesis, valor la capacidad de la televisin para presentar una forma directa e inmediata, aunque entendiera esta inmediatez como una convencin histrica basada en modos de actuar, tomas y planos de las cmaras, iluminacin y otras elecciones estticas. Aunque no crea que la televisin fuera una ventana al mundo, valor su habilidad para comunicar y analizar las experiencias de la gente ordinaria. Lynn Spigel (1992: xxxi) seala que Raymond Williams vio la posibilidad de cambiar perspectivas sociales a travs de las formas de la cultura popular.

    El concepto de flujo, casi sin proponrselo, tambin result un antdoto importante frente al recorte operado por el estructuralismo y la semitica al estudio de los gneros. El concepto de gnero se present como particularmente adecuado para el estudio de los medios de comunicacin entendidos como sinnimo de la cultura de masas. Sin embargo, desde esta perspectiva, se llega a conclusiones muy diferentes acerca de la valoracin cultural. Tomo el ejemplo de Umberto Eco, un exponente singular y omnipresente. En Obra abierta entiende que el inters de la televisin radica en su capacidad para la transmisin simultnea y coloca su temprano anlisis del directo televisivo en contacto con una lectura de la literatura de vanguardia. De hecho, el directo tiene, para Eco, posibilidades formales de producir una televisin de vanguardia. Sin embargo, la televisin alcanzara su lmite esttico en el pblico de masas al que est dirigida y que, en

    2 | Williams, Raymond, The Miner in the City. In: OConnor, Alan. Raymond Williams on Television, p. 45, citado por Spigel, Lynn. Introduction (Williams,1992, xxix).

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    cierta forma, determina la organizacin del discurso televisivo en base a gneros relativamente estables y reconocibles fcilmente por ese pblico. Eco entiende que para poder ejercer la crtica, es necesario aplicar los mismos aparatos analticos a todas las formas culturales, no importa cmo las valoremos estticamente. Es as como aplica el mismo tipo de anlisis formal al Ulises de James Joyce (como mximo exponente de la novela de vanguardia del siglo XX), que a la televisin, aunque eso no signifique que valore ambos objetos por igual. A Eco le interesa la televisin por lo que encuentra en ella de relacin con las vanguardias: la transmisin en directo, su imprevisibilidad, la sintaxis que resulta del montaje en tiempo real, su capacidad para incluir la vida misma.3 De esta relacin entre televisin y vanguardia se deducen concepciones y valoraciones de la televisin muy diferentes a las que sostiene Raymond Williams, interesado por el realismo. En sntesis, la cuestin de la valoracin, la legitimidad y la diferenciacin entre cultura de masas, alta cultura y vanguardias, estn en el origen del concepto de flujo televisivo.

    Existe el autor de televisin?

    Al comienzo seal que estamos en un momento de transicin. En el caso de la televisin esta transicin afecta especialmente a las formas de circulacin y consumo y, por lo tanto, a esto que llamamos flujo. El caso de los seriales de televisin es uno de los ms evidentes. La telenovela y otras formas de ficcin y no ficcin seriales han sido concebidas para un ritmo de consumo asociado a la organizacin de la grilla televisiva, con un horario estable, a un ritmo de uno o varios das por semana y en un canal prefijado. Esta regularidad y previsibilidad ha sido fundamental para la conformacin de una audiencia y la insercin de la televisin en las rutinas de la vida cotidiana. La regularidad, previsibilidad y reiteracin de formatos son rasgos fundamentales para determinar el valor social de la televisin pero tambin un lmite para su valoracin esttica. En cualquier caso, la disyuntiva entre el anlisis de la continuidad del flujo televisivo y la interpretacin de unidades discretas de programas concebidos como obras ha cambiado de estatuto en la actualidad desde el momento en que una parte de la audiencia consume televisin por internet.4

    3 | En buena medida es lo que valora Arlindo Machado (2000) cuando habla de una potica da transmisso ao vivo.

    4 | Las cifras de este desplazamiento son inciertas y muy diferentes segn los pases, ciudades, etc. Sin embargo, no puede desconocerse que se trata de cifras en aumento, sobre todo entre los ms jvenes, lo cual convierte este desplazamiento en una tendencia.

  • Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e de Documentrio - Volume II 19

    En cierta forma, se trata de un fenmeno comparable al que tuvo lugar cuando el folletn comenz a leerse en forma de libro. El folletn naci en la pgina del peridico, en contacto con la actualidad y las noticias policiales. Y tuvo en la secuencialidad la clave para su particular estructura narrativa. Pero cuando los folletines fueron reunidos y publicados en forma de libro, sufrieron cambios significativos: desaparecieron las alusiones a las noticias de actualidad, las publicidades explcitas o relativamente solapadas que aparecan en el peridico. Alejandra Laera (2003) analiz, para el caso argentino, los folletines populares publicados en los peridicos alrededor de 1880 que pasaron a ser editados en formato libro una dcada ms tarde. Laera rastrea minuciosamente estas transformaciones operadas por los editores para convertir a los folletines en una novela. En sntesis, el pasaje del peridico al libro tambin trae aparejado el pasaje del folletn a la novela y un cambio radical en su forma de lectura. Cuando en la actualidad compramos un serial de televisin en DVD o hacemos download de internet, se trata de una operacin similar: alteramos sustancialmente el contexto de emisin/recepcin televisivo. La diferencia es que, salvo la eliminacin de la publicidad de la televisin abierta, todava nos cuesta percibir los cambios que esto produce en la textualidad de las series. Sin embargo, resulta bastante evidente que asistimos a un proceso que convierte a estos programas de televisin en programas de culto u obras en el sentido ms tradicional del trmino.

    Me pregunto si esto nos permite hablar de una televisin de autor. La preocupacin por la televisin de calidad, la aparicin de libros sobre cine y televisin y la inclusin de la cuestin de la autora en algunos trabajos recientes parecen avalar esta posibilidad.5 No me atrevera a resumir aqu los debates que llevaron a la crtica a definir un cine de autor y a la crtica francesa en particular a lo que dio en llamar la politique des auteurs. Pero s quiero subrayar algunas cuestiones que hacen al contexto histrico de emergencia de esta nocin en el caso del cine. Cahiers du cinma fue fundada en 1951 por Andr Bazin y el movimiento conducente a la poltica de los autores tuvo lugar a mediados de la dcada del cincuenta. El artculo de Franois Truffaut Ali Baba et la politique des Auteurs es de 1955. En 1958, Andr Bazin (2000) publica una entrevista con Jean Renoir y Roberto Rossellini donde comparan a la incipiente televisin con el cine primitivo. Ambos valoran ese momento de la historia del cine en que todo era nuevo y dejaba espacio para la experimentacin. Roberto Rossellini se dedicara a partir de ese momento a hacer televisin porque la televisin se haba convertido en la mejor va para

    5 | Es el caso del libro de Jos Francisco Serafim, Autor e autoria no cinema e na televiso (2009).

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    llegar a un pblico de masas. Realiza La toma del poder por Luis XIV (1966) para la televisin francesa y producciones notables para la televisin italiana como La edad de hierro (1964), Los hechos de los apstoles (1969), Scrates (1970), Blaise Pascal (1971). A partir de mediados de la dcada del sesenta prcticamente toda su produccin es para la televisin, un gesto que podra juzgarse como poltico (si consideramos su inters en llegar a las masas y los temas elegidos para los programas) pero tambin esttico (si consideramos sus declaraciones sobre las posibilidades abiertas por un medio en estado primitivo).

    Por su parte, para la misma poca, Jean-Luc Godard adoptara una posicin similar cuando orienta la produccin del grupo Dziga Vertov a la televisin: Luttes en Italie (1969), British Sounds (1970), Vladimir et Rosa (1970), etc. Si me detengo en las referencias a estos nombres es porque no se trata de ejemplos azarosos. Se trata de los nombres que operaron simultneamente tres transformaciones. En primer lugar, el reconocimiento o invencin del autor cinematogrfico. En segundo lugar, la invencin de la crtica cinematogrfica moderna y la institucionalizacin de la misma a travs de la revista Cahiers du Cinma. En tercer lugar, la figura de directores/autores cinematogrficos, como resultado de ser una generacin que por primera vez haba sido formada viendo cine, reflexionando acerca del cine y ejerciendo su crtica.

    En sntesis, la emergencia y consolidacin de la televisin deja huella en la historia del cine. Algunos historiadores explican este proceso como una suerte de depuracin: la televisin habra liberado al cine de su funcin de entretenimiento de masas. Al aparecer otro medio que lo releva de algunas responsabilidades en la industria del espectculo, el cine tiene la posibilidad de volverse ms experimental y menos pendiente de las concesiones al pblico. Si admitiramos esta hiptesis como cierta, podramos comparar el presente de la televisin con aquel momento de la historia del cine. La consolidacin de internet como medio hegemnico desplaza la historia de la televisin y su pblico hacia el pasado. En este sentido, estaramos asistiendo a la liberacin de la televisin o, por lo menos de su funcin social ms importante.

    La huella que internet deje en la historia de la televisin no es slo una cuestin de valoracin o legitimidad. Tambin atae a la funcin de la crtica. La crtica cinematogrfica cuenta entre sus principales objetivos con la formacin de un gusto legtimo, lo que es antes un problema de poder que un problema esttico. La reivindicacin de una crtica televisiva, la formacin de un canon y los intentos por reivindicar una televisin de calidad se encuentran en las antpodas de los

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    objetivos de la Sociologa de la cultura que apunta a volver visibles las redes de poder y a interpretar los objetos de una cultura poniendo en suspenso la valoracin esttica que sobre ellos pesa. Lo que intento decir es que cualquier defensa de una mirada esttica sobre la televisin, no debera volver las cosas a un momento anterior del debate. Dicho de otro modo, no resulta razonable descartar el concepto de flujo al precio de retrotraer los estudios sobre televisin a un punto anterior a donde los llev Raymond Williams.

    Autor o autores de televisin

    A continuacin, me gustara revisar tres nombres de la televisin argentina con la intencin de incorporar nueva empiria a los argumentos desarrollados hasta aqu. Se trata de tres casos que ponen en tensin las relaciones entre cine y televisin porque fueron formados en el cine y son reconocidos como directores de cine pero que, en diferente medida, con diferentes roles y en variados gneros, han realizado televisin. Me refiero a Raymundo Gleyzer, Adrin Israel Caetano y Juan Jos Campanella. Aspiro a que el recorrido por estos casos permita agregar nuevos argumentos para pensar las relaciones y tensiones entre el cine y la televisin que, por otra parte, no pueden dejar de discutirse en el contexto de transicin entre la televisin e internet.

    1. Raymundo Gleyzer

    Raymundo Gleyzer es considerado en Argentina uno de los ms importantes cineastas polticos de fines de la dcada del sesenta y la primera mitad de los setenta. Gleyzer milit en el ERP (Ejrcito Revolucionario del Pueblo) y en el marco de esa organizacin form un grupo de cine militante llamado Cine de la Base con el que realiz varios filmes para su exhibicin por fuera del circuito cinematogrfico, en sindicatos, fbricas, organizaciones barriales, etc. Fue secuestrado por los militares durante la dictadura que se inici en 1976 y se encuentra desaparecido.

    Despus de estudiar en la Escuela de cine de La Plata y de haber filmado La tierra quema (1963) en el nordeste de Brasil, Gleyzer filma Ocurrido en Hualfin (1966) y Quilino (1966) junto a Jorge Prelorn, un nombre de referencia para el cine etnogrfico. Cuando se distancia de Prelorn comienza a trabajar como camargrafo de televisin. Gleyzer se convierte durante varios aos en camargrafo de Telenoche, el noticiero ms exitoso de la televisin argentina comercial durante los aos sesenta que perdura hasta la actualidad. Para ese noticiero filma informes notables sobre las Islas Malvinas (1966), Cuba (1970) y Mxico (1970).

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    Sus imgenes de las Islas Malvinas se convierten en el primer documento visual realizado por un argentino en las Islas. Parte del material registrado en Mxico para ese noticiero le permite realizar una de sus pelculas ms importantes: Mxico, la revolucin congelada (1970).

    Con material de archivo del noticiero tambin edita una de las pelculas de denuncia poltica ms importantes de la poca: Ni olvido ni perdn (1972), donde se presentan los testimonios de varios presos polticos que luego de hablar ante las cmaras de televisin fueron fusilados en el penal. La utilizacin del material de archivo televisivo ha sido silenciado o menospreciado por la crtica que slo ve en Gleyzer un cineasta y en esas imgenes un film y no un documento que tuvo su origen en la televisin. Se trata de un procedimiento reiterado en el cine militante del perodo que utiliza cada vez que puede el material de archivo televisivo para realizar un cine que, paradjicamente, denuncia a la televisin como mayor exponente del imperialismo cultural y la estupidizacin de las masas. Al invisibilizar el hecho de que el archivo documental fue producido originalmente para la televisin, no slo se le adjudica al cine cualquier mrito que surja del valor de esas imgenes, sino que se oculta la relacin no deseada entre cine poltico y televisin. Esta ltima operacin resulta fundamental porque la televisin ensuciara un cine que enuncia desde una posicin de pureza ideolgica.

    Cuando la crtica ha analizado los informes que se conservan de Gleyzer para la televisin, los ha recortado del noticiero o los programas para los que fueron producidos para analizarlos como parte de una obra firmada por un autor y como una concesin de este autor a la televisin.6 Se da por vlido el testimonio de Gleyzer diciendo que hizo televisin cuando no poda hacer cine, es decir por razones meramente econmicas. Sin embargo, los trabajos cinematogrficos y televisivos de Gleyzer no difieren en cuanto a su esttica. Por el contrario, la esttica de Gleyzer se adecuaba particularmente bien a la televisin. Entre sus mayores mritos se encuentran la capacidad para trabajar dentro de los gneros populares, para introducir el humor en medio de la tragedia -algo que est presente en Los traidores (1973) pero tambin en el Informe sobre las Islas Malvinas7-

    6 | El libro ms sistemtico sobre su trabajo es el de Fernando Martn Pea y Carlos Vallina, El cine quema. Raymundo Gleyzer, Buenos Aires, Ediciones de la Flor, 2003.

    7 | En: Raymundo Gleyzer: camargrafo de televisin (Trabajo presentado en el 2 Congreso de la Asociacin Argentina de Estudios de Cine y Audiovisual, Buenos Aires, 23 de octubre, 2010) compar dos escenas en las que se presenta un entierro. La primera tiene lugar en el Informe sobre las Islas Malvinas y la segunda en Los traidores. En ambos casos Gleyzer apela a la irona para una escena en extremo dramtica como el entierro.

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    y una mirada sensible a las culturas populares que la televisin no poda sino apreciar. De manera que su obra estaba lejos de verse forzada estticamente, por el contrario, creo que la distancia entre sus pelculas y sus informes para la televisin fue antes ideolgica que esttica y estuvo ligada a las diferentes formas de circulacin de uno y otro medio. El mayor lmite de la televisin pareca provenir de una censura que operaba en forma ms directa sobre un medio dirigido a un pblico de masas.

    2. Israel Adrin Caetano

    La miniserie Tumberos de Israel Adrin Caetano, emitida por Amrica TV durante 2002, fue un hito de la ficcin televisiva argentina de las ltimas dcadas. Tumberos se convirti en un xito de crtica y pblico a partir de elementos que se estaban transformando en el mbito cinematogrfico. La prueba del xito de crtica de un serial de televisin es que Ana Amado (2009), una crtica e investigadora en cine argentino, lo incluy en el anlisis del cine poltico de la dcada.

    En 1998 Bruno Stagnaro e Israel Adrin Caetano haban codirigido Pizza, birra, faso, celebrada rpidamente como el mojn inicial del denominado Nuevo cine argentino. En el ao 2000, Bruno Stagnaro dirigi una serie para televisin que rpidamente se convirti en un programa de culto: Okupas. Mientras el filme haca deambular a los personajes por las calles y los taxis, la serie dirigida por Stagnaro converta a la casa ocupada en un refugio tan incierto como el resto de la ciudad. Okupas incorpor un tema contemporneo desde una perspectiva que produca una inflexin en el realismo televisivo. Evit los decorados de estudio y los exteriores fueron utilizados para incluir los bordes de la ciudad y sus personajes, en lugar de mostrar la ciudad deseable y vaca que resulta tan habitual en las comedias televisivas. Aunque la iluminacin y la musicalizacin no evitaron la estetizacin de la marginalidad y el relato no escap al clich del joven de clase media que se inicia en el submundo de la droga, la serie fue recibida por el pblico como una excepcin a las reglas televisivas. Si tenemos en cuenta que en el momento de la irrupcin de Okupas un ode los xito de la ficcin televisiva argentina era Vulnerables una serie que pona en escena la terapia grupal- resulta ms claro el desplazamiento que produjo la serie de Stagnaro. De la intimidad a lo pblico, de lo psicolgico a lo social, de la clase media hacia los mrgenes, del consumo y la sobremodernidad a sus desechos.

    En 2002, poco despus de la crisis argentina de 2001, Caetano dirigi Tumberos que transcurra en un presidio y fue filmada en escenarios reales, includo un

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    presidio (la ex crcel de Caseros). Con Tumberos pareca consolidarse una asociacin entre el cine y la televisin que nunca haban conseguido constituir una feliz pareja en la Argentina. Tumberos fue un paso ms all que Okupas en la eleccin de los mrgenes sociales y consigui poner en escena el encierro, la arbitrariedad de la ley, la corrupcin y la destruccin de los acuerdos sociales en un momento poltico del pas que pareca sin salida.

    El cine y el video prefirieron las imgenes documentales para representar la Argentina post 2001. La televisin, que documenta en directo los acontecimientos histricos y que captur imgenes memorables de la ciudad durante la crisis, produjo esta ficcin donde abundaron, sin embargo, los motivos visuales que simbolizaron al 2001. La destruccin, la basura, los incendios, los enfrentamientos con palos y piedras, las banderas en medio de la disolucin de la poltica fueron conos que no parecan limitarse al mbito carcelario y que en los captulos finales se mezclaron sin dificultad con imgenes tomadas de los noticieros televisivos de pocos meses antes.

    Estas ficciones que combinaron escenas realistas y onricas, parodia de gneros periodsticos y materiales documentales, una msica y una grfica estridentes, parecan asegurar el xito de pblico y, sin embargo, no produjeron secuelas importantes. A la extrema contemporaneidad de Okupas y Tumberos, le sucedieron innovaciones temticas en esquemas retricos muy tradicionales. Montecristo (2006) y Televisin por la identidad (2007) son dos ciclos que simbolizan esta apuesta por el cambio temtico pero no formal a mediados de esa dcada. La inclusin de la identidad de los hijos y nietos de desaparecidos como parte de la trama de una telenovela produjo lgicamente un gran impacto. Sin embargo, el apoyo explcito al programa por parte de la organizacin Abuelas de Plaza de Mayo impuso un manto de correccin poltica a cualquier posible debate sobre los modos de representacin de un tema tab. La identidad, el reconocimiento y la persistencia de los lazos de sangre son tpicos del melodrama del siglo XIX que no necesitaron cambios drsticos para esta versin de Montecristo que, sin embargo, tuvo efectos inesperados en el pblico. De all que en Televisin por la identidad se concibi la ficcin como un instrumento eficaz para el mensaje a posibles hijos de desaparecidos. Este ciclo privilegi el componente sentimental y no descart la inclusin de testimonios de hijos de desaparecidos con el objetivo de llegar en forma directa al pblico deseado. El programa oper por acumulacin: como si ningn recurso resultara excesivo o como si ningn medio fuera lo suficientemente confiable para un noble e imperioso fin.

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    La ficcionalizacin de casos reales contaba con una larga tradicin televisiva y podra afirmarse que es uno de los modos ms tpicos de su discurso. Desde el mtico Cosa juzgada (1969) hasta Mujeres asesinas (2005) la televisin argentina se interes con xito por la casustica policial y la explicacin en clave sociolgica y psicolgica antes que poltica. De all que la inclusin de un tema como la apropiacin de bebs durante la dictadura resultara atpico aunque no as la clave de su tratamiento. En cualquier caso, la televisin no es un medio que produzca rupturas radicales sino que opera por inclusin: adopta, acumula, mezcla y generalmente fagocita en el intento. De manera que resultara inapropiado leer un perodo de la historia de la televisin como una sucesin de grandes innovaciones o experimentaciones formales. Frente a una abundante repeticin de frmulas del pasado, lo ms interesante de algunas experiencias televisivas proviene de su contemporaneidad con otros discursos estticos o sociales o de su capacidad para generar frmulas relativamente originales que luego sern reproducidas. La miniserie de Caetano fue extremadamente contempornea del momento poltico y social argentino pero no ha podido dejar, hasta el momento, secuelas o imitaciones de inters.

    3. Juan Jos Campanella

    El hombre de tu vida fue una miniserie de Juan Jos Campanella emitida por Telef durante 2011. Campanella comenz su carrera en el cine, con algunos xitos de pblico como El hijo de la novia que fue adems nominada al Oscar en 2001 y gan el Oscar a la mejor pelcula extranjera en 2009 con El secreto de sus ojos. Adems de otros trabajos para la televisin argentina, desde hace ms de una dcada ha dirigido series para la televisin norteamericana entre las que se destacan varios captulos de Law & Order y de Dr. House.

    El hombre de tu vida es una comedia de enredos protagonizada por Guillermo Francella, un actor de extrema popularidad en la televisin argentina, con una carrera construda en base a la comedia (protagoniz la versin argentina de Married with children). Campanella le permiti destacarse con su primer papel serio en El secreto de sus ojos. Este pasaje de lo cmico a lo serio tuvo mucho peso en la promocin de su rol en la pelcula ganadora del Oscar y del programa de televisin. Paradjicamente, aunque El hombre de tu vida es una comedia, se destac que Francella representaba all un rol romntico antes que un cmico de carcter.

    La esttica de Campanella se basa en lo sentimental indistintamente en el cine y la televisin. La mezcla melodramtica de drama y comedia es, en muchos sentidos,

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    un producto tpico de la industria cultural. Sin embargo, su nombre se recorta y se distingue en la televisin argentina, casi exclusivamente por tratarse de un director de cine exitoso. Lo convierte esto en un autor de televisin?

    Frente a la pregunta de si existe el autor de televisin, una de las respuestas posibles es que existen autores, as como existen variados contextos y momentos de la historia de la televisin. Raymundo Gleyzer se vuelve camargrafo de Telenoche en una etapa en que la televisin comenzaba a volverse visible para la sociedad argentina. Nunca llega a dirigir programas de televisin, sino que se desempea all como camargrafo, una pieza del rompecabezas que supone la produccin periodstica para un noticiero de televisin. Sin embargo, con esas imgenes capturadas en, para y desde el centro de la industria televisiva, consigue editar filmes polticos notables. Adrin Caetano salta a la fama a travs de su primer film y hace televisin en un contexto de crisis econmica, poltica y social, a la vez que de renovacin para el cine argentino. La inclusin de la ficcin en la televisin contempornea de la crisis poltica del 2001 supuso una diferencia con el cine de entonces. Resulta difcil evaluar, sin embargo, si la ficcin supona un grado mayor de estilizacin o, por el contrario, la inclusin de una esttica a la que el cine estaba reaccionando por otras vas. Juan Jos Campanella es un director de persistente y slida trayectoria en la industria cinematogrfica y televisiva. Se trata, como vemos, de tres figuras muy diferentes entre s. Sin embargo, en los tres casos, existe una continuidad esttica entre sus producciones cinematogrficas y televisivas.

    En el caso de Campanella esa continuidad resulta fcil de explicar ya que se trata de un director del mainstream. En el caso de Adrin Caetano, su primera pelcula filmada con Stagnaro parece distanciarse de los esquemas televisivos tradicionales. Sin embargo, dos elementos garantizan su rpida insercin en la televisin: el reconocimiento del pblico obtenido por el film y una esttica realista. Las problemticas sociales presentadas a travs de estticas realistas no ofrecen fuerte resistencia en la televisin que, por el contrario, tiene dificultades para incorporar otro tipo de rupturas. Caetano presenta la disolucin de la poltica que la sociedad argentina estaba experimentando en el contexto del 2001 desde un planteo social antes que poltico. Esta distincin neta entre lo poltico y lo social ya resultaba clara en Gleyzer. Las imgenes que filma para la televisin mantienen continuidad con la mirada etnogrfica y de denuncia social que est presente en una parte de su cine. Pero guardan distancia con el giro poltico que Gleyzer incorpora a la interpretacin de esas imgenes. Lo que parece confirmar que en televisin es ms sencillo incluir problemticas sociales ausentes que perspectivas polticas alternativas.

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    En cualquier caso, el reconocimiento de estos nombres y el recorte operado sobre los programas en el interior del flujo televisivo, se produce en un momento en que la televisin est pasando a otra etapa de su historia. Es una nueva etapa en la que ve amenazado su poder frente al ascenso de otros medios, su funcin social se transforma y el flujo televisivo no es la nica manera en que un programa circula entre su pblico. Hasta hace unas dcadas, una de las funciones del cine que trabajaba con material de archivo televisivo consista en recortar ese archivo y convertirlo en una obra autnoma del flujo para el que haba sido concebido. En la actualidad, la circulacin en internet o las ediciones en dvd, tambin recortan los programas exitosos del flujo original. Queda pendiente an un interrogante: qu cambios se producen en la esttica televisiva contempornea como resultado de esta nueva forma de circulacin.

    Referencias

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    ____ (2003 [1961]). La larga revolucin. Buenos Aires: Nueva Visin.

  • Adaptao Televisiva e Esquemas Cognitivos: o caso de Capitu

    Renato Luiz Pucci Jr.

    Introduo

    Diante de uma criao de aparncia singular, como o caso da microssrie Capitu (Luiz Fernando Carvalho, 2008, Globo), associvel a um diretor que rene sob seu nome outras produes marcantes, a soluo rotineira para explic-la a de carter autoral: tudo estaria justificado pela existncia de um autor, como um centro unificador e gerador da singularidade. Essa abordagem talvez faa sentido, inclusive num meio de trabalho em equipe, como a televiso, e at mesmo numa emissora pautada por interesses comerciais. No entanto, Capitu oferece mais problemas do que a abordagem autoral poderia responder. Trata-se especialmente de entender como uma produo como essa pde alcanar elevados ndices de audincia. Essa questo associa-se necessidade de uma caracterizao mais definida de seu perfil narrativo.

    No presente texto, h continuidade em relao a Particularidades Narrativas da Microssrie Capitu (Pucci Jr., 2011a), em que foram levantadas dificuldades para estabelecer a relao entre a microssrie Capitu e os parmetros narrativos utilizados na historiografia do meio televisivo: classical television, art television e televiso ps-moderna. Foi ento sugerida a possibilidade de que a construo narrativa da microssrie tivesse relao com o cinema ps-moderno. Todavia, por mais plausvel que seja essa perspectiva, ela no resolve todo o problema de caracterizao. Capitu cinema na televiso? Embora talvez assim queira o seu realizador, que desde os anos noventa declara ter o projeto de fazer cinema na TV, essa possibilidade no sustentvel.1 Adiante sero mostrados outros

    1 | No Encontro da Comps de 2011, em relato ao texto A Microssrie Capitu: Adaptao Televisiva e Antecedentes Flmicos (Pucci Jr., 2011b), o Prof. Arlindo Machado disse que a posio de Luiz Fernando Carvalho pretensiosa e que a produo de Guel Arraes seria mais televiso que a dele. Do ponto de vista do presente texto, pode-se concordar com essa avaliao: em termos do que a televiso produzia at h alguns anos, a produo de Arraes pode ser considerada mais televisiva que a de Carvalho. Entretanto, hiptese a ser corroborada, possvel que desde ento um processo de transformao tenha comeado a acontecer na produo ficcional da televiso brasileira.

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    aspectos da composio da microssrie por meio de uma abordagem terica que evidencie elementos de origem televisiva. Em outras palavras, um caminho de investigao ser seguido a partir da seguinte questo: o que Capitu deve a esquemas televisivos da prpria fico televisiva?

    Capitu apresenta uma sucesso interminvel de excentricidades narrativas. Uma das mais notveis a coliso de elementos heterogneos, que, no mnimo, parece rara no meio em que foi veiculada a microssrie. A ttulo de exemplo, recorde-se que o romance de Machado de Assis, Dom Casmurro, transcorria em pleno sculo XIX, enquanto suas adaptaes flmicas adotaram diferentes solues para a definio do tempo em que se passa a histria: o filme Capitu (Paulo Cesar Saraceni, 1968) se passava em ambientes novecentistas, enquanto em Dom (Moacyr Goes, 2003) optou-se pela transposio integral da histria para o sculo XXI. So opes tradicionais na adaptao de narrativas literrias cuja diegese se desenvolve em pocas distantes: um filme histrico ou uma adaptao integral ao mundo em que vivem os espectadores.2 Na microssrie, contudo, a histria acontece em ambos os sculos, simultaneamente, com os personagens do sculo XIX cercados por ambientes e figurantes do Rio de Janeiro dos dias atuais. Sucedem-se inumerveis anacronismos em relao ao contexto histrico em que se desenrolava o romance de Machado de Assis. Exemplificando: o jovem Bentinho, trajado como um moo de 1860, caminha por ruas onde se veem nibus e txis dos dias de hoje; Bento e Capitu, em figurinos novecentistas, danam uma valsa ao som de fones de ouvido; Bento e Escobar, de fraque e cartola, se deslocam num elevador panormico, tendo a Baa da Guanabara e a Ponte Rio-Niteri ao fundo.

    razovel supor que essa composio deveria provocar estranhamento nos telespectadores, supostamente habituados apenas linearidade temporal tpica de narrativas clssicas, como as das telenovelas e minissries. Em combinao com outros aspectos (como as intruses da narrao, as distores de imagem e os microcaptulos ao estilo machadiano), a audincia de Capitu poderia ter chegado a um trao no Ibope, o que esteve longe de acontecer.3 Segundo antigos pressupostos da crtica, o pblico dispersivo da televiso estaria aqum desse

    2 | Diegese uma palavra de origem grega que significa narrao. utilizada na crtica cinematogrfica para indicar a instncia representada no filme. Ope-se ao termo esttico expresso, que tem sentido conotativo. Assim, por exemplo, tempo diegtico o tempo representado, ou seja, o tempo vivido pelos personagens (e no o tempo de projeo do filme ou a temporalidade que poeticamente se possa sugerir).

    3 | Conforme divulgado pela imprensa poca, 17 pontos na estreia, fechando com mdia de 15 pontos.

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    tipo de sofisticao narrativa, acessvel, dizem, apenas ao espectador de cinema, inteiramente concentrado no filme que lhe exibido.

    Ento, como explicar que milhes de pessoas tenham acompanhado a microssrie? Minha hiptese a de que, matrizes flmicas parte, os telespectadores estavam preparados para uma realizao como Capitu.

    Esquemas processuais e cognitivismo

    Ser utilizado o referencial terico cognitivista, particularmente o conceito de esquema, traduo de schema, cujo plural schemata. Esquemas so estruturas cognitivas abstratas que fornecem condies para o conhecimento (Hogan, s/d: loc. 1092-1093).4 Esse conceito usado h bastante tempo na historiografia das artes visuais, por exemplo, no livro Arte e Iluso, de E. H. Gombrich (1986 [1959]: 63 e ss). Posteriormente, os estudos cognitivos ampliaram o seu uso e o aprofundaram. Nos estudos de cinema, David Bordwell o utiliza pelo menos desde Narration in the Fiction Film (1985: 30 e ss), tanto para entender como ocorrem as escolhas tcnicas que redundam em cada narrativa flmica, quanto para saber o que acontece com o espectador enquanto assiste a um filme.

    Ressaltem-se dois pontos introdutrios sobre o cognitivismo.

    Em primeiro lugar, o cognitivismo um programa de pesquisa, no uma teoria. Programas de pesquisa so tradies de pesquisa com regras metodolgicas, que indicam os caminhos a serem seguidos e os caminhos que devem ser evitados. Segundo a formulao de Imre Lakatos, filsofo da Cincia (1979: 161-169), programas de pesquisa podem subsumir teorias, em outras palavras, esto conceitualmente acima delas, podendo inclusive envolver teorias de diferentes reas. O cognitivismo um programa de pesquisa interdisciplinar, que envolve desde os tradicionais estudos literrios e outros bem mais recentes, como os estudos de cinema e TV, at a neurofisiologia, em diferentes nveis de abordagem do processo cognitivo.

    O segundo ponto introdutrio acerca do cognitivismo o de que para pensar de modo cognitivista necessrio:

    4 | No Kindle, no h paginao, pois o texto dividido em locations. Assim, cinco ou oito locations sucessivos equivalem ao texto de uma pgina impressa.

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    1) Formular os problemas em termos de processamento de informaes (como a mente opera diante das informaes recebidas?); e

    2) Pensar em termos de arquitetura cognitiva: no h informao pura a alimentar a mente, pois esta formata informaes sensoriais e de quaisquer outros tipos (Hogan, s/d: loc. 460-465).

    H trs grandes componentes para qualquer arquitetura cognitiva: estruturas, processos e contedos. Em termos de estrutura, pode-se dar o exemplo da distino entre memria de curto e de longo prazo, que so acionadas para realizar processos de conhecimento. Contedos so representaes ou smbolos construdos em processos, isto , operaes que transformaro informaes externas em produtos do conhecimento.

    Dito assim, com essa brevidade, tudo talvez parea trivial, at porque lembra a filosofia kantiana sobre o entendimento humano, que previa as categorias a constituir os fenmenos, os quais no se confundiriam com as coisas em si, totalmente inacessveis. De fato, Kant uma remota fonte do cognitivismo (Hogan, s/d.: loc. 112). Entretanto, alm de outras diferenas, o cognitivismo procura se fundamentar em processos neurofisiolgicos, obviamente alheios filosofia kantiana. Tanto assim que a rejeio ao cognitivismo muitas vezes se apoia na oposio ideia de que as reaes dos espectadores se devam no a convenes, manipulaes ideolgicas ou qualquer outra origem afim, mas a estruturas universais, que so resultado da evoluo da espcie.

    Ressalte-se novamente que, segundo o cognitivismo, tanto os esquemas quanto os demais componentes do conhecimento so utilizados no apenas pelos espectadores como tambm pelos criadores do produto narrativo: diretor, roteirista e demais participantes do processo. Neste ltimo caso, esquemas constituem solues bem-sucedidas disposio dos realizadores.

    Um dos pontos centrais da abordagem cognitivista o de que os esquemas utilizados pelos espectadores ao assistir a um filme narrativo clssico, e assim transformar numa histria coerente aquela profuso de descontinuidades entre segmentos, espaos e temporalidades que compem o filme, so os mesmos esquemas que as pessoas usam na vida prtica. Esta tambm descontnua, pois nela se tm apenas fragmentos de experincia, parcialmente desordenados. O crebro utiliza esquemas processuais para construir agentes, objetos, eventos, sequncias causais e tentar pr os fatos num formato inteligvel (Hogan, s/d: loc. 1770-1772).

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    Num trecho especfico sobre o cinema, que todavia pode ser estendido para outros produtos narrativos audiovisuais, Bordwell (1985: 29) diz que um filme sempre contm uma srie de indicaes ou sinais (cues), que mostram ao espectador que ele/ela deve executar uma variedade de operaes que envolvem esquemas processuais (procedural schemata). Esses esquemas ativam estruturas da memria de longo prazo (Hogan, s/d: loc. 279), sem as quais as indicaes fornecidas na narrativa no podem ser processadas pelo espectador. assim que o espectador, ao assistir a uma fico audiovisual, processa os dados da narrativa, que o levam a formular hipteses sobre o que acontecer. Num plano, o personagem aponta o revlver para o espao off sua direita e dispara; o espectador, por meio de esquemas preestabelecidos, aprendidos, formula a alternativa de que o tiro acertar ou no o alvo, com uma hiptese a respeito (exemplificando: acertar); a consequncia ser provavelmente visualizada no plano seguinte, aps o corte (como algum a levar o tiro, que viria da esquerda para a direita da tela). Essa composio audiovisual tpica de narrativas clssicas, que encadeiam os segmentos flmicos em termos de causalidade, construindo espao e tempo homogneos. Destaque-se que os esquemas de processamento das informaes so os necessrios a uma pessoa que testemunhasse um crime e virasse a cabea de um lado para o outro a fim de acompanhar os fatos. Eis por que to fcil o aprendizado de esquemas narrativos clssicos: os procedimentos exigidos ao assistir filmes ou programas de televiso dessa linha narrativa so anlogos aos da vida cotidiana.

    Fao uso de um exemplo de Hogan (s/d: loc. 1800 e ss) acerca de esquemas de identidade e cronologia. No filme Titanic (James Cameron, 1997), a narrativa comea nos anos noventa, com a velha senhora a recordar quando, em 1912, ainda mocinha, embarcava no navio. Esse retorno ao passado feito por meio de um grande flashback, esquema dos mais usuais no cinema clssico. No difcil de entender uma das razes por que o cinema clssico faz tanto sucesso desde a segunda dcada do sculo XX: basta que se considere, como dito acima, que os esquemas cognitivos dos espectadores so os mesmos que eles utilizam em suas vidas (no presente caso, ao comparar visualmente pessoas em diferentes pocas, por fotos ou de memria). Outro tanto pode ser dito acerca da fico televisiva derivada do cinema da decupagem clssica, a classical television (Thompson, 2003: 19-35).

    Sem dvida, a narrao clssica no a nica forma de se fazer cinema ou fico televisiva, nem necessariamente a melhor: apenas a mais tradicional e a de maior sucesso junto ao pblico.

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    Bordwell aponta que, diante de uma tradio narrativa qualquer, os realizadores dispem de quatro possibilidades: replicar, revisar, rejeitar ou sintetizar esquemas (1997: 152-154). Assim, em relao tradio narrativa clssica, essas opes resultam em:

    1) replicao de esquemas, com a realizao de outros filmes clssicos tradicionais;

    2) revises na matriz narrativa, levando-a para configuraes derivadas;

    3) rejeio dos esquemas clssicos, com a proposio de outros esquemas, como em filmes modernistas e de vanguarda;

    4) ou ainda em sntese de esquemas de vrias tradies, como ocorre em filmes ps-modernos.5

    O mesmo vlido para a fico televisiva. sempre bom ressaltar que a rejeio sistemtica de esquemas, como ocorre no cinema modernista, pouco penetrou na televiso, especialmente na brasileira at hoje.

    Pblico e emoes

    O pblico precisa operar com esquemas homlogos que lhe permitam fruir daquilo a que assiste. Caso no disponha desses esquemas, por exemplo, quando num filme de vanguarda h desconexo entre os planos que compem a cena de um assassinato, o espectador ficar desnorteado, sem entender o que acontece. Poder, ento, conforme as circunstncias, aprender o novo esquema ou simplesmente interromper a experincia. Hogan diz que esse um dos casos em que o processo cognitivo produz emoes: diante de informaes que no consegue processar por falta de esquemas, o sujeito experimenta a frustrao, que se manifesta primeiro com a irritao, que, no caso de perdurar a ininteligibilidade, d lugar ao tdio (Hogan, s/d.: loc. 128).

    Diga-se que h tambm a experincia inversa, isto , a de espectadores que possuam esquemas muito sofisticados em relao aos esquemas tradicionais

    5 | Sobre essa caracterstica dos filmes ps-modernos, num texto em que no utilizado o conceito de esquema, v. Pucci Jr., 2008a: 199-210.

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    da decupagem clssica. Possivelmente, esses espectadores percebero os ltimos como esquemas fceis demais, de modo a experimentar uma sequncia inversa de reaes: primeiro, o tdio, depois a raiva (Hogan, s/d.: loc. 133). Nem todos os espectadores tm exatamente essas reaes em situaes similares: o que chamado de universal no significa que deva ocorrer em 100% dos casos (que seria o universal absoluto), mas corresponde a um padro que acontece em larga escala e em mais casos do que poderia ser predito ao acaso (Hogan, s/d.: loc. 2056).

    Capitu, primeira vista, parece destoar do que se faz na televiso brasileira porque no narrativamente clssica ou moderna e apresenta diferenas em relao narrativa ps-moderna (Pucci Jr., 2011a). A princpio, seria razovel acreditar que a imensa maioria do pblico deveria experimentar a raiva sucedida pelo tdio. claro que, dado o poder do controle remoto, o telespectador incomodado pode cortar a prpria raiva por meio da passagem a um programa mais tradicional. Muitos devem ter feito isso, porm, como dito acima, os telespectadores remanescentes no foram em to baixo nmero quanto se poderia esperar.

    verdade que a crtica acadmica tem acusado as recentes realizaes de Carvalho de serem fracassos de audincia. H dois equvocos nessa apreciao. Primeiro, a pesquisa cientfica no deve tomar as dores da Rede Globo, dos seus supostos interesses comerciais que teriam sido frustrados com a microssrie. Segundo, que, para uma microssrie que opera com esquemas de espantosa heterogeneidade frente classical television, no desprezvel que alguns milhes de pessoas tenham ficado diante dos aparelhos de TV.

    Antecedentes televisivos

    Essa audincia pode ter sido auxiliada pelo fato de Dom Casmurro ser uma histria bem conhecida de muitos brasileiros.6 Contudo, admissvel levantar a objeo de que o conhecimento prvio no explique tudo, pois o produto poderia ter sido rejeitado pelo grande pblico em vista da supostamente estranha concepo audiovisual.

    6 | Assim como aconteceu com o pblico sovitico dos anos vinte, que conhecia previamente a histria da Revoluo Russa, por ele vivida poucos anos antes. Esse conhecimento lhe facilitava o acesso a narrativas flmicas de vanguarda, como Outubro (Eisenstein, 1928), que deixavam muito longe a conexo espaciotemporal de filmes narrativos clssicos.

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    Por outro lado, admissvel dizer que o pblico de Capitu dispunha de esquemas muito prximos daqueles que seriam ideais para acompanhar aquela narrativa. Eis alguns casos:

    1) Os anacronismos da microssrie, como na cena em que o poeta do trem, figura novecentista por excelncia, fotografado por paparazzi com cmeras digitais, so anlogos aos anacronismos de, por exemplo, A Inveno do Brasil (Guel Arraes, 2000): no exato dia do descobrimento do Brasil, Caramuru conversa com a ndia Paraguau, em portugus, e discutem o significado da palavra manga: ele pega um fio da manga da blusa e o passa nos dentes como se fosse fio dental.

    2) As intruses de instncias narrativas de nvel superior, como na flecha desenhada a apontar para o chapu de algum (cap. I), tm antecedentes na fico televisiva brasileira, a comear, talvez, de Armao Ilimitada, o seriado dos anos oitenta, que teve muitos episdios dirigidos por Guel Arraes;

    3) H algo semelhante ao Narrador Bento, visto o tempo todo no espao em que esto os personagens da histria, em Cena Aberta, de Arraes, sempre ele, aqui junto a Jorge Furtado e Regina Cas. No primeiro episdio, uma adaptao de A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, foi utilizado um esquema familiar ao grande pblico, o de um making of, de modo que se mostraram os bastidores da realizao de um programa ficcional televisivo. Assim, Regina Cas, alm de fazer personagens secundrios e de dirigir as candidatas ao papel de Macaba, tambm narrava, de corpo presente, a histria de Clarice Lispector (Fig. 01).7

    4) As interpelaes aos telespectadores, com o Narrador Bento se dirigindo para a cmera, podem se associar, entre outros exemplos, a Os Normais, com os personagens Rui e Vani;

    5) O fake de tantas cenas, como a do mar em que Escobar se afoga, mantm relao com a composio de A Histria de Rosa (Fabrcio Mamberti, 2005). Neste ponto, pode-se tambm mencionar o Mar do Esquecimento, de Hoje Dia de Maria, to fake quanto o de Capitu.

    7 | Sobre e outros aspectos narrativos de Cena Aberta, v. PUCCI JR., 2008b.

  • Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e de Documentrio - Volume II 37

    6) A intercalao de filmes antigos, inclusive com o choque de texturas (como, no incio do captulo I, ao se entrecruzarem planos do ponto de vista da frente de um trem atual em movimento com imagens provenientes de trens de filmes do incio do sculo XX), existe em Alice (HBO, Karim Anouz, 2008): no captulo 02, da 1. Temporada, cenas com uma personagem da minissrie se entremeiam com trechos do clssico longa-metragem So Paulo S/A (Luiz Sergio Person, 1965). Quanto a este quesito, pode-se tambm lembrar que ao menos desde os anos noventa interpem-se cenas de filmes antigos em algumas telenovelas de poca (por exemplo, imagens de um velho documentrio sobre uma fazenda, entre cenas com os personagens da poca atual da telenovela);

    7) O congelamento de personagens, com os familiares de Bentinho imobilizados em poses dramticas (Fig. 02), existiu em Cobras & Lagartos (Wolf Maia e Cininha de Paula, 2006), por exemplo, com o personagem de Lzaro Ramos imobilizado durante uma dana;

    8) Animais vivos representados por bonecos, como o do cavalo do tio Cosme (animal no livro, um boneco em Capitu), no podem parecer muito estranho aos espectadores que viram os inmeros bonecos animados de Hoje Dia de Maria, tambm de Carvalho. Devido enorme audincia dessa microssrie, a primeira do diretor, o esquema de composio dos bichos deve estar bem presente na memria de muitos espectadores de Capitu.

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    Fig. 01 - Cena Aberta

    Fig. 02 - Capitu

  • Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e de Documentrio - Volume II 39

    Mencione-se tambm a telenovela Ti-Ti-Ti (2010). bvio que ela, por ser posterior a Capitu, no produziu esquemas necessrios para a compreenso da microssrie (aqui no se afirma isso tambm em relao aos casos anteriores, apenas que esses esquemas j circulavam na televiso brasileira quando da exibio da microssrie). Ocorre que Ti-Ti-Ti possua uma elaborao audiovisual que deixava para trs o naturalismo. Nela abundavam, por exemplo, mudanas de cenas pontuadas por recursos de animao, como imagens da tela a ser costurada por agulha e linha ou cortada por tesouras. Na mesma telenovela, havia tambm, esporadicamente, um recurso menos chocante, porm significativo: o uso de sombras que lembram a iluminao expressionista de algumas cenas de Capitu. possvel afirmar que essa telenovela comprova que a propagao de esquemas narrativos no clssicos chegou televiso brasileira.

    Evidentemente, no h aqui a pretenso de que Capitu tenha uma origem exclusivamente televisiva, at porque j foi mencionada a relevncia do cinema para a construo da microssrie, alm da evidncia de outras relaes intertextuais, por exemplo, com a pera: esquemas opersticos definem composies vitais da microssrie, como os cenrios e a gestualidade dos personagens. Outra relao intertextual a ser mencionada ocorre com o vdeo: a dana de Bentinho e Capitu num espao totalmente artificioso (captulo 01, microcaptulo Na Varanda) baseada na coreografia e na cenografia do videoclipe Elephant Gun, da banda Beirut, inclusive com a mesma msica. Esses elementos e muitos outros que poderiam ser mencionados fazem parte da imensa rede que constitui a cultura audiovisual contempornea.8 No entanto, para explicar a relativamente elevada audincia de Capitu, deve-se ter em conta que o grande pblico pouco ou nada conhece do cinema ps-moderno dos anos oitenta, da pera e mesmo do videoclipe. Portanto, aqui se mantm o recorte proposto no trabalho: o quanto a microssrie deve prpria televiso?

    Em todos os casos mencionados de relao intertextual com produtos televisivos, preciso pensar em termos de esquemas cognitivos. necessrio um esquema especfico, por exemplo, para que as duas temporalidades de Capitu, a da histria do sculo XIX e a dos ambientes e figurantes do sculo XXI, sejam entendidas como pertencentes um nico tempo. Em outras palavras, trata-se de fazer uso

    8 | Diversas relaes intertextuais, entre as quais aquela com o citado videoclipe, me foram apontadas pelos alunos e alunas de Linguagem Audiovisual do 3. perodo do curso de RTV, da Universidade Tuiuti do Paran, com quem, em 2011, tive uma memorvel experincia de investigao sobre Capitu. Em particular, agradeo s alunas Larissa Sales Nowitschenko e Lidiane Ogrodovski, daquela turma, minhas orientandas de Iniciao Cientfica.

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    de um esquema que no se coaduna com os utilizados para interpretar narrativas clssicas, cuja temporalidade contnua e homognea, nas quais, por exemplo, um flashback compreendido como uma representao do passado do presente narrativo. O classicismo ortodoxo de Titanic se romperia com uma mistura de 1912 e 1996, em que a mocinha interagisse no mesmo espao com a anci, que ela prpria oitenta anos depois, ou que aqueles personagens da Belle poque fizessem a viagem num desses navios de cruzeiro que hoje atravessam o Atlntico em maior velocidade que a do infeliz Titanic. Que esquemas seriam necessrios para decodificar uma composio como essa? Com certeza, no os mesmos de que fizeram uso os espectadores que proporcionaram ao filme a quebra do recorde mundial de bilheteria.

    Pouco importa se os esquemas utilizados em Armao Ilimitada, A Inveno do Brasil, Cena Aberta etc. sejam ou no originalmente do cinema: o grande pblico os manteve na memria a partir da TV, a mdia com que realmente manteve contato no perodo em foco.

    Ps-modernismo revisado

    Note-se que, apesar do discurso em tom vanguardista de Luiz Fernando Carvalho sobre a televiso, que lembra as furiosas declaraes de Peter Greenaway contra as narrativas clssicas, a microssrie no um caso isolado na programao da TV brasileira. Se fosse, seria impossvel identificar antecedentes televisivos para a sua constituio narrativa. vista de cada um dos exemplos citados, pode-se afirmar que Capitu fez uso de esquemas circulantes na televiso brasileira, ainda que no hegemnicos, e que os espectadores poderiam neles se apoiar para tornar inteligvel aquela narrativa que em dcadas passadas provavelmente seria inapreensvel por um pblico pouco afeito a transgresses da narrao clssica.

    Outro aspecto relevante o de que todos os casos citados, a comear de Armao Ilimitada, so de programas ps-modernistas, isto , com snteses de esquemas de diversas vertentes estilsticas. Capitu leva adiante esse procedimento, pois os esquemas no so utilizados exatamente como os dos programas listados. Na linha proposta por Gombrich, o processo de reviso descrito por Bordwell (1997: 152) como uma renovao de esquemas conhecidos a fim de servir a novas finalidades. o caso, por exemplo, do clssico campo e contracampo que, numa clebre sequncia Nosferatu (Murnau, 1922), foi combinado com a montagem alternada, de modo que personagens separados por enormes distncias paream interagir entre si, como se estivessem um diante do outro (ibidem).

  • Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e de Documentrio - Volume II 41

    Em Capitu, intruses explcitas da narrao, anacronismos, personagens a se dirigir para a cmera, fake e outros esquemas j enumerados no se fazem no tom de programas caracterizados pelo humor, como em Armao Ilimitada, A Inveno do Brasil e Os Normais, ou com o sentido de uma fabulao maravilhosa, como em A Histria de Rosa e Hoje Dia de Maria. Com isso, deixa-se o terreno secularmente associvel aos gneros mais permissivos em termos de narrao, para ocorrer com a seriedade do drama de Bentinho e Capitu. So os mesmos esquemas de outros programas televisivos, no entanto sem o carter de entretenimento bvio que os caracterizava. Amplifica-se o leque de uso desses recursos, tornando-os elementos com funo dramtica.

    Quanto corporificao do narrador, note-se que Regina Cas, em Cena Aberta, lia o texto de Clarice Lispector e assumia a primeira pessoa do romance enquanto, simultaneamente, orientava, como uma diretora de atores, as candidatas ao papel de Macaba. Por sua vez, o Narrador Bento enuncia o discurso de Machado de Assis e, como personagem, interage com os demais, mesmo que estes provenham de um passado longnquo. As intruses desse ltimo narrador chegam a um ponto que estava fora do horizonte do programa de Arraes, Furtado e Cas.

    A intercalao de imagens de filmes antigos no ocorre tal como nos dois exemplos mencionados. Na minissrie Alice, a cena intercalada era a de um clebre filme dos anos sessenta, cujo enredo no se confunde minimamente com a histria que se desenrola; em comum, havia a exibio das ruas da cidade de So Paulo e personagens em condio semelhante em meio dureza da cidade gigantesca. Entende-se que a funo do recurso seria a de acentuar a condio da personagem de Alice, aparentemente desamparada. A edio feita com suavidade, de modo a no haver choque na passagem da cena de Alice para a de So Paulo S/A., e vice-versa. Em determinadas telenovelas, introduziram-se trechos de filmes antigos no incio de blocos narrativos, a fim de buscar um autntico clima de passado em histrias que de resto so tratadas como qualquer telenovela de poca, ou seja, maneira naturalista, para que nela tudo parea real mesmo sem ser realista. Nada disso acontece em Capitu. Quando se introduzem imagens de filmes antigos, elas se entrecruzam com planos com que tm pouca ou nenhuma afinidade, de modo a criar o contraste. Isso ocorre, por exemplo, no microcaptulo Protonotrio Apostlico, quando Jos Dias diz valer a pena Bentinho aprender o latim ainda que no venha a ser padre: h um corte e surge a imagem de um velho filme com um papa, numa liteira, levado sobre um multido de fiis que o aclama. O filme em preto e branco, textura lavada de pelcula gasta; o espao exibido, possivelmente a Praa de So Pedro, no Vaticano, no contguo nem semelhante quele em que transcorre a

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    cena entre Bentinho e os seus. A apario da velha cena documental suscitada, primeiro, pelo trecho anterior da microssrie, em que o padre Cabral falou ter recebido do papa o ttulo de protonotrio apostlico; em segundo lugar, obviamente, pela meno de Jos Dias a Bentinho vir a ser ou no padre. As imagens daquele papa, evidentemente anacrnicas, pois a histria transcorre numa poca em que no havia cinema, invadem a narrativa, numa acintosa intruso da narrao.

    Entenda-se que o salto cognitivo que o pblico precisa realizar para assimilar os esquemas revisados seja muito menor do que o necessrio para dar conta de novos esquemas. Em vez de se deparar com esquemas transgressivos, que exigem treino e tempo para sua assimilao, trata-se de absorver impactos muito menores porque, afinal, h pontos em comum com esquemas j devidamente compreendidos.

    plausvel dizer que, aps mais de duas dcadas de programas ps-modernistas na televiso brasileira, os seus esquemas foram aprendidos pouco a pouco por um pblico amplo, processo que, por sua vez, permitiu a reviso de esquemas efetivada em Capitu, sem maiores danos audincia. Mais do que qualquer explicao de fundo autoral ou por meio da afirmao de que Capitu seria cinema na TV, cabe destacar que no se trata mais da tpica narrativa ps-modernista, tal qual efetivada durante dcadas por Arraes, Furtado, entre outros. Ocorre em Capitu uma reviso dos esquemas utilizados por esses realizadores, aprofundando suas propostas, instaurando um novo patamar ps-modernista, no mais sob o subterfgio da comdia, mas em pleno drama, talvez o maior drama da literatura brasileira que pudesse ter sido transposto para a televiso.

    difcil, seno impossvel, dizer no momento atual o alcance de uma realizao como Capitu. Talvez tenha sido o primeiro indcio de uma nova fase da televiso brasileira. Ou talvez seja um produto heterogneo cujas caractersticas poderiam ser absorvidas por produes mais convencionais, tal como aconteceu com a produo hollywoodiana, que, desde os anos vinte, incorporou elementos do cinema expressionista alemo, da vanguarda sovitica e dos filmes surrealistas, entre tantas outras formas no clssicas, sempre a servio dos prprios objetivos, ou seja, sem perder a comunicao com o grande pblico, sem afrontar demais as suas expectativas (Snchez-Biosca, 2004, 137-158). Hollywood sempre foi um dos principais modelos da Rede Globo eis por que pertinente a suposio de que processos semelhantes ocorram na maior rede brasileira de televiso e, por consequncia, em outras que com que ela emulam. Seria o que daria, mais uma vez, uma nova dinmica ao que j foi visto como sinnimo de imobilidade absoluta, repetio infinita e simples propagao de modelos de baixo nvel cultural.

  • Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e de Documentrio - Volume II 43

    Referncias

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    CAPITU. Direo de Luiz Fernando Carvalho. Rio de Janeiro: Globo Marcas, 2009. 2 DVDs.

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    GOMBRICH, E. H. (1986). Arte e Iluso: Um Estudo da Psicologia da Representao Pictrica. So Paulo: Martins Fontes.

    HOGAN, Patrick C. (S.d.). Cognitive Science, Literature, and the Arts: a Guide for Humanists. S.l.: Kindle Ed. (edio original: Nova York e Londres: Routledge, 2003).

    LAKATOS, Imre. (1979). O Falseamento e a Metodologia dos Programas de Pesquisa Cientfica. In: LAKATOS, Imre.; MUSGRAVE, Alan. (orgs.), A Crtica e o Desenvolvimento do Conhecimento. So Paulo: Cultrix. p. 109-243.

    PUCCI JR., Renato Luiz. (2008a). Cinema Brasileiro Ps-moderno: o Neon-realismo. Porto Alegre: Sulina.

    ________. (2008b). Cinema Moderno e de Vanguarda na TV: o Paradoxo Ps-Moderno de Cena Aberta. In: Hamburger, Esther; Souza, Gustavo; Mendona, Leandro; Amancio, Tunico. (Org.). Estudos de Cinema Socine - IX. So Paulo: Annablume/Fapesp. p. 325-332.

    ______. (2011a). Particularidades Narrativas da Microssrie Capitu. In: BORGES, Gabriela; PUCCI JR., Renato Luiz; SELIGMAN, Flvia. Televiso: Formas Audiovisuais de Fico e Documentrio Vol I. So Paulo/Faro (Portugal): Socine/CIAC-Universidade do Algarve. p. 91-104. Disponvel em http://www.ciac.pt/livro/livro.html Acesso em 20 fev. 2012.

    ______. (2011b). A Microssrie Capitu: Adaptao Televisiva e Antecedentes Flmicos. In: XX Encontro Anual da Comps, 2011. Porto Alegre. Anais. GT Estudos de Televiso. Disponvel em: http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1682.doc. Acesso em 28 fev. 2012.

    SNCHEZ-BIOSCA, Vicente. Cine y Vanguardias Artsticas: Conflictos, Encuentros, Fronteras. Barcelona/Buenos Aires/Mxico: Paids, 2004.

    THOMPSON, Kristin (2003). Storytelling in film and television. Cambridge e Londres: Harvard University Press.

  • Enquanto se espera por Godot: mise-en-scne e edio no telefilme Waiting for Godot

    Gabriela Borges

    Introduo

    Como parte integrante do projeto de pesquisa Didasklia: da voz autoral de Beckett liberdade de criao, que tem o intuito de analisar as dezenove peas de teatro adaptadas para televiso e cinema, pelo projeto Beckett on Film, em 2001, pretendemos, neste artigo, discutir as caractersticas ticas, estticas e tcnicas do telefilme Waiting for Godot, de autoria de Samuel Beckett e direo de Michael Lindsay-Hogg.

    Num primeiro momento, abordamos a importncia histrica da pea, que mudou completamente a forma de se fazer teatro nos palcos de Paris, Londres e Nova York, entre outros; tambm nos interessa a sua riqueza metafrica, pois possui uma narrativa extempornea que, pelo seu carcter universal e humano, continua a ser extremamente pertinente nos dias de hoje.

    Posteriormente analisamos as especificidades audiovisuais que esto relacionadas com as rubricas e os dilogos que tiveram forte incidncia nas opes estticas do diretor em termos da mis-en-scene e da edio. Essa pea apresenta um grande desafio no que diz respeito construo do espao, pois foi pensada para um grande palco, com duas figuras e poucos elementos de cena, a fim de representar a vastido do vazio e do desolamento. No meio audiovisual, em que o espao mais compacto, so analisados os enquadramentos e as opes de edio e reconstruo espacial que preservam, ou no, essa metfora to importante para o processo de significao do texto dramatrgico. E, por fim, discutimos a criao de um produto audiovisual que, de certo modo, deve-se adequar para ser exibido na televiso e no cinema.

    Waiting for Godot para o palco

    A pea de teatro Waiting for Godot escrita em lngua francesa, no ano de 1949, foi encenada, pela primeira vez, em 1953, no Thtre Babylone, em Paris. Essa

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    1 | Roger Blin atuou em filmes de Jean Renoir, Marcel Carn, Marc Allegr e Abel Gance, alm de colaborar posteriormente em outros trabalhos de Beckett.

    pea contou com a direo de Roger Blin1 e atuao de Lucien Raimbourg como Vladimir, e Pierre Latour como Estragon. Blin fez o papel de Pozzo e Jean Martin de Lucky.

    A pea consta de dois vagabundos, Vladimir (Didi) e Estragon (Gogo), que esperam, numa estrada vazia, pela chegada de Godot. Todo o enredo construdo enquanto esto espera de Godot que, no entanto, nunca aparece. Os personagens Pozzo, Lucky e o menino passam por essa estrada e interagem com os protagonistas, que nunca abandonam os seus postos. O segundo ato uma repetio do primeiro, levando a crtica irlandesa Vivian Mercer a afirmar que Waiting for Godot uma pea em que nada acontece duas vezes.

    Beckett afirma que a concepo visual da pea foi inspirada no quadro Two men observing the moon (1819), de Caspar David Friedrichs, em que dois homens vistos de costas esto a contemplar a lua cheia debaixo de uma rvore. A pea foi escrita logo aps a Segunda Guerra Mundial, no perodo de outubro de 1948 a janeiro de 1949. importante mencionar que Samuel Beckett se juntou Resistncia Francesa durante a guerra e que alguns de seus amigos foram capturados pela Gestapo, entre eles o poeta Alfred Pern, que morreu no campo de concentrao Mauthausen. Beckett fugiu de Paris e passou dois anos vivendo em Roussillon juntamente com a sua companheira, Suzanne. Neste perodo, eles ficaram sabendo que a Gestapo tinha procurado Beckett no apartamento em que viviam em Paris.

    Pode-se sugerir que as situaes vividas pelos personagens Didi e Gogo remetem ao dia a dia vivido pelo casal durante a guerra, como a longa espera e a necessidade de preencher o tempo e o silncio durante este perodo. Neste sentido, a atmosfera claustrofbica, os mensageiros pouco confiveis, os encontros que no eram mantidos, bem como as botas que apertavam, as noites dormidas em valas e a incerteza sobre a prxima refeio fazem parte destas experincias que tinham sido vividas pelo autor poucos anos antes. Do mesmo modo, o tratamento que Pozzo d a Lucky tambm remete a algumas das crticas daquele perodo, relativas ao modo como um soldado num campo de concentrao espancava a sua vtima com um chicote (Knowlson 1997: 380).

    Tambm h indicaes da crtica sobre a referncia ao casal Beckett, mas num outro sentido, isto , de que nesse perodo no conseguiam viver juntos, mas

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    tambm no conseguiam se separar. Knowlson (1997: 379) sugere que, apesar dos dilogos poderem ter como fonte a vida real, provavelmente devem mais s formas e ritmos emprestados do music hall (conversas paralelas, monlogos recitados, canes e um solilquio) e de fontes filosficas, tais como Descartes, Geulincx, Kant, Schopenhauer e Heidegger.

    Para preencher o silncio, os vagabundos deviam falar, comer cenoura, trocar chapus, jogar jogos para manter o terrvel silncio a distncia. A inspirao pode ter vindo do teatro de Strindberg ou de Checkhov ou da meditao filosfica de Democritus nothing is more real than nothing. Na sua primeira pea, Eleutheria, publicada aps a sua morte, Beckett j tinha mostrado um personagem que aspirava ao nada (Knowlson, 1997: 380). E, de facto, a primeira frase da pea Nothing to be done (Beckett, 1999: 11).

    Na opinio de Knowlson (1997: 379-380), a situao bsica da pea tambm se deve ao entendimento que Beckett tinha do teatro, e, talvez, da sua prpria vida. Por outro lado, esperar por algum que vai chegar ou por alguma coisa que vai acontecer para mudar os eventos tem sido um dos principais aspectos explorados pelo teatro; as peas A dream play de Strindberg, At the hawks well de W. B. Yeats e Les Avenugles de Maeterlinck so exemplos renomados e conhecidos de Beckett. No entanto, em geral algo acontece no final da representao. Nas palavras do prprio autor, todo o teatro espera, constata-se que ele usou essa ideia para criar uma situao central na qual o tdio e a tentativa de evit-lo so elementos-chave para preservar a tenso dramtica de uma forma muito pouco usual.

    A pea tambm faz referncias Irlanda, seja nas palavras e frases irlandesas presentes na traduo inglesa ou no mundo vivido pelos personagens, tais como: dormir nas valas, esperar na beira da estrada, comer os restos dos ossos de frango; na verdade, a herana dos vagabundos e o sentimento dos personagens so definitivamente irlandeses. Podemos encontrar tambm referncias literrias, neste caso aos pedintes e aos funileiros do escritor John Millington Synge (Knowlson, 1997: 379). Nesse sentido, a produo de 2001 que ser analisada neste artigo prima pelo forte sotaque dos protagonis