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O PAPEL DO RACIOCÍNIO INFORMAL NO PROCESSO ARGUMENTATIVO EM SALA
DE AULA: REFLEXÕES SOBRE AS TENSÕES E POSSIBILIDADES NO ENSINO DE
CIÊNCIAS
Adriana Bortoletto,Washington Luiz Pacheco de Carvalho, UNESP – Campus Ilha Solteira– SP
Formação continuada e desenvolvimento profissional de Professores da Educação Básica [email protected]
1. Introdução
Qual seriam os desafios de professores de ciências para o século XXI?
Na atual sociedade contemporânea os produtos gerados pela ciência e tecnologia são
carregados de informações que muitas vezes não compreendemos e não temos acesso com
transparência a relação entre forma e conteúdo de como é veiculada pela mídia. Os professores
de ciências são responsáveis por proporcionar uma carga informativa conhecimentos específicos
de ciências da natureza, sem necessariamente, abordar a dimensão analítica das informações
veiculadas pela mídia tendo como referencial o conteúdo de ciências. Ou seja, a ciência da sala
de aula tem como função social proporcionar que os alunos realizem uma leitura do mundo de
forma mais refinada. Diante disso, há uma necessidade resgatar habilidades que proporcionem
condições de avaliar, analisar e defender afirmações e conclusões sobre um tema em debate.
Pesquisadores na área de desenvolvimento humano afirmam que o raciocínio informal
possui uma relação direta com o processo de aprendizagem em sala de aula. Afirmam ainda que,
o raciocínio que faz parte de uma discussão em sala de aula é necessariamente informal
(MEANS; VOSS, 1996). De fato o processo de construção do conhecimento não é linear, mas
recheado de inferências, ausência de informações, avaliações e das informações que precisam
ser realizadas.
O processo de construção do conhecimento científico não é constituído apenas, por
induções e deduções que levam a uma conclusão direta a cerca do objeto de investigação. Ao
contrário disto, a constituição é carregada por influências sociais, pessoais, psicoanalíticas. São
aspectos desenvolvidos no intuito de julgar qual modelo teórico é mais promissor para explicação
de um fenômeno científico. Apenas quando o conhecimento está sistematizado e será divulgado é
que a lógica formal entra em voga. Ou seja, a lógica formal faz parte do processo de evolução da
Ciência, mas não é a única forma de raciocínio que entra no processo. O raciocínio informal
possui um papel fundamental na construção de modelos teóricos (SADLER, 2004).
A ideia do raciocínio informal abre possibilidades de avaliação dos prós e contras das
premissas que estão sendo desenvolvidas para explicação de um determinado tema de ensino ou
um assunto veiculado na mídia, como por exemplo, o caso do Zika vírus. Possibilita deixar as
informações claras, que anteriormente, não estavam tão acessíveis, ou quando os problemas são
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abertos, complexos e pouco estruturados permitindo a exploração de alternativas por meio de
situações de debates e outras atividades em sala de aula que necessitem a construção de
argumentos e a sustentação das justificativas por parte dos participantes.
A argumentação é o meio pelo qual podemos acessar o uso do raciocínio informal pelos
participantes de uma discussão. É por meio de processos argumentativos que se evidencia o
lugar raciocínio informal na sala de aula.
Neste trabalho o nosso foco está em identificar e analisar o papel do raciocínio informal e o
processo argumentativo em sala de aula na perspectiva da formação de professores do ensino
básico. Os dados foram constituídos em um contexto de formação em serviço em uma escola
pública do Estado de São Paulo.
2. Raciocínio Informal
A Ciência não é apenas constituída por objetos duros, livres de valores, mas sim por uma
comunidade, pessoas que trabalham com isso e que envolvem emoções, interesses particulares,
hipóteses, suposições e analogias. Khun (2003) apresentou diversas situações da história da
ciência, na qual crises de modelos teóricos estavam permeadas de debates embebidos em
inseguranças profissionais, crenças, hipóteses e dúvidas a respeito de métodos de resolução dos
problemas, técnicas e o abandono de toda uma estrutura epistemológica que defendiam em sua
comunidade científica. Esses aspectos que muitas vezes parecem intuitivos e irracionais, como
por exemplo, o sonho de Kekulé e a associação ao anel de benzeno, ocorre na ciência e está
distante da apelação feita por alguns filósofos da ciência mais positivistas. Segundo Tweney
(2014) o raciocínio informal possui um grande potencial criativo e um poder explicativo para o
entendimento do pensamento científico.
Tweney (2014) apresenta um estudo de caso do pensamento Michael Faraday no intuito
de defender a forma como o raciocínio informal manifesta na ciência e a pouca atenção que é
dada em sala de aula. Segundo Twenwy (2014) no diário de Michael Faraday foram
sistematizados 1851 falhas experimentais no intuito de demonstrar a relação entre a gravidade e a
eletricidade e as forças de ação à distância. Faraday compreendeu que essas falhas serviriam de
apoio para que ele pudesse confirmar alguns resultados que observou repetidamente, após as
reestruturações do artefato experimental.
Um ponto importante a ser considerado que Faraday seguia um protocolo de analise das
suas atividades experimentais, como por exemplo: aparato experimental e a substância envolvida,
ajustes do aparato, relações observáveis entre as grandezas envolvidas no experimento,
inferências, excessos de barulhos, comparações, justificativas e analogias. Porém, esses
indicadores faziam parte das escolhas do pesquisador para percorrer o caminho das suas
indagações a cerca das relações entre eletricidade e magnetismo.
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Outro ponto interessante a ser considerado são as influencias culturais da tradição
científica da época. A Inglaterra possuía um forte apelo experimental para as investigações a
cerca da eletricidade e magnetismo, enquanto a França de André Marie Ampère possui uma
tradição teórica matemática nas investigações em relação ao mesmo objeto. Twenwy (2014)
afirma que Ampere observou no seu trabalho teórico a indução eletromagnética, mas falhou ao
publicar a descoberta dele. Isso porque o físico francês encarou essa observação como uma falha
teórica da interpretação matemática que ele estava atribuindo a esse fenômeno da natureza e que
era algo desconhecido. Logo, podemos perceber como as tradições científico-culturais de duas
comunidades, neste caso, a britânica e a francesa, podem influenciar no processo de construção
do conhecimento científico.
Esses exemplos da história da ciência iluminam situações em que o raciocínio informal
colaborou com desenvolvimento do conhecimento, mas que também nem sempre é chave do
sucesso, como no caso de Ampère. Um ponto importante a ser reconhecido é que o raciocínio
informal tem um grande potencial para aprendizagem.
Assim, a apresentação dos modelos teóricos científicos, em estrutura linguística
fundamentada na lógica formal e no formalismo matemático subjacente, ocorre apenas em
episódios de divulgação das pesquisas (eventos, simpósios, congressos e journals).
Poucos pesquisadores na área de ensino de ciências reconhecem a importância do
raciocínio informal na construção e sistematização do conhecimento científico
Os livros didáticos, os planos de aulas são desenhados de forma a enfatizar uma estrutura
rígida de definições e lógica formal, como se essas concepções epistemológicas fossem a chave
do sucesso da aprendizagem. Isso permite que o aluno desenvolva uma concepção que a ciência
desenvolve seu produtos de forma linear.
A Estrutura do Raciocínio Informal e o Contexto da Sala de Aula Contemporânea
Uma forma de valorizar o raciocínio dos estudantes em sala de aula é por meio de
situações de debates e atividades de ensino que propiciem situações em que possam expressar
as próprias opiniões e ideias a cerca do tema em discussão. No entanto, como essas opiniões e
ideias (raciocínio informal) contribuem para o entendimento do conteúdo escolar?
Para O’Reilly ( 2014) trabalhar com o raciocínio informal em sala de aula requer que os
professores reconheçam um conjunto de habilidades que podem ser desenvolvidas. Afirma ainda
que, o ensino dessas habilidades requer que os alunos aprendam a reconhecê-las e como usá-
las, porém de forma cuidadosa no intuito de não limitar a criatividade e a curiosidade dos
estudantes.
As habilidades que fazem parte de uma situação envolvendo o raciocínio informal são
citadas por O’Reilly (p. 370-374, 2014):
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a) Identificar e Avaliar uma Evidência – diferenciar o que é informação e evidência.
Evidência é um conjunto de informações advindas de documentos, mas nem toda informação
pode ser caracterizada como uma evidência, pois necessita da analise da fonte de informação.
Quais limites de confiabilidade de uma informação para aceita-la como digna de importância.
b) Distinguir a Diferença entre Conclusões e Premissas – a premissa são declarações que
fazem parte da construção de um argumento para defesa de uma tese.
c) Identificar Afirmações Não-Declaradas – são informações implícitas no processo de
construção de um argumento que nem sempre são declaradas.
d) Identificar Palavras Imprecisas – identificar como as palavras são usadas
adequadamente em um texto. Muitas vezes, as palavras utilizadas ao expressar uma opinião ou
construir um argumento não é a mais indicada.
e) Identificar Conexões entre Partes de um Argumento – ao defender uma opinião há uma
construção de argumentos. O poder de convencimento está associado a presença de informações
suficientes para concordar com a opinião defendida. Já a ausência de informações entre
argumentos de defesa de uma opinião, coloca a posição em dúvida.
f) Relações entre Causa e Efeito – relacionar situações que envolvem diferentes causas
para um determinado efeito por meio de questões. Assim, os estudantes podem analisar
diferentes cenários para explicar uma determinada situação.
H) Avaliar Afirmações Éticas – identificar os princípios éticos envolvidos em situações
controversas, como por exemplo a ética utilitarista, ou seja agir apenas em benefício próprio.
Não obstante, ao pensarmos as formas que poderiam ser desenvolvidas em sala de aula
nos deparamos com situações estruturais e políticas que permeiam o ambiente escolar,
particularmente, a sala de aula. São contextos que envolvem salas de aula superlotadas, ausência
de laboratório de ciências, número de aulas insuficientes, material didático já pronto o que limita o
potencial de planejamento do ensino. A baixa valorização dos professores faz com que eles
tenham uma carga de trabalho extenuante o que reduz o tempo de preparo de aulas. A discussão
crítica a respeito dos objetivos, meios e fins que se buscam no contexto educacional não é
valorizada o que acaba por potencializar a aceitação das técnicas de aplicação (CONTRERAS,
1997).
Diante deste contexto, os professores se sentem frustrados e buscam formas de ensinar e
avaliar esses alunos. Isso potencializa a formação de um “gap” entre teoria e prática. Uma lacuna
que permeia as ações de professores e alunos. Na perspectiva dos alunos não há um
entendimento em que medida o conteúdo específico poderá ajuda-los na formação. Isso faz com
que eles percam o interesse e utilizem atos de memorização apenas para ir bem nas provas.
Raciocínio Informal e Argumentação
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O raciocínio informal é expresso por meio da argumentação, refere-se a processos que
envolvem a negociação de temas complexos e a formação e adoção de posições.
Os dilemas ético-morais são pontos fulcrais em situações controversas na interface
Ciência e Sociedade, como por exemplo, temas que envolvam O Aquecimento Global,
Transgênicos, Xenotransplantes, Vacinas, Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade
(TDAH), Zika vírus. São temas controversos, pois impactam diretamente as nossas vidas e muitos
deles revelam as incertezas da Ciência e Tecnologia potencializando a insegurança.
Esses temas são caracterizados na área de Ensino de Ciências como Questões
Sociocientíficas. Na maioria dos temas, aspectos éticos e morais estão presentes e devido a essa
característica, uma forma de pensamento inerente ao ser humano, o raciocínio informal, se torna
mais presente. O raciocínio informal possui como componentes a dimensão cognitiva e afetiva em
contextos de discussões que podem envolver as QSCs (DAWSON; VENVILLE, 2009).
No entanto, a prática de ensino de física no contexto escolar continua distante de uma
prática argumentativa que explora os padrões de raciocínio informal para a formação em ciências.
É fato que o ensino de física continua unidimensional, com viés determinístico e com pouco
espaço para o desenvolvimento de atividades que forneçam condições necessárias e suficientes
para o exercício da argumentação. A ideia de um ensino de física unidimensional está relacionada
ao contexto no qual os professores utilizam em sala de aula muitas explicações a respeito do
tema de ensino, porém não chegam a elaborar condições suficientes para a argumentação dos
alunos sobre esses temas.
O argumento é constituído como uma afirmação sustentada por dados e/ou qualificadores,
sendo que, estes elementos podem ser contra-argumentados ou refutados. Porém, uma formação
argumentativa não é realizada nas aulas de física, muito disso, está relacionado com a formação
dos professores, com a cultura do aluno, cultura da escola. Porém, não é possível permitir que
ocorra uma naturalização de um discurso monológico, sem o exercício da crítica, como se fosse
natural.
3. Desenvolvimento
Esta pesquisa se caracteriza como de gênero qualitativo, uma vez que compreendemos
que o contexto a ser investigado faz parte de uma realidade social construída intersubjetivamente
(Alves-Mazzotti e Gewandsznajder, 2002).
A pesquisa foi desenvolvida com professores em exercício. O grupo é formado por nove
professores de diversas disciplinas (Matemática, Física, Química, Filosofia e Ciências) e mais dois
representantes da universidade, sendo a pesquisadora e um graduando da licenciatura em Física,
respectivamente.
O grupo de professores se reunia semanalmente aos sábados, sendo que, cada encontro
tinha a duração de três horas. Foi discutida, planejada e executada uma agenda que se pautava
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em discussão de textos sobre formação de professores, questões sociocientíficas, além de uma
vivência no tratamento de uma temática sociocientífica pelos professores. Porém, a proposta
deste trabalho é trazer à tona evidências empíricas, decorrente das falas dos professores, que
caracterizam uma valorização da prática discursiva argumentativa em sala de aula e aspectos
sintomáticos da dificuldade de desenvolver uma prática de ensino com viés dialógico
argumentativo e que vá ao encontro do interesse do ensino de ciências e o papel da
argumentação para formação em Ciência e sobre a Ciência.
Ao total foram realizadas vinte e uma reuniões os dados foram constituídos por gravação
em áudio e transcritos na íntegra. O episódio que será analisado se refere a discussões sobre o
raciocínio informal e a construção do conhecimento escolar em sala de aula.
5. Análise
O contexto desse episódio de análise se refere a um seminário que os professores
estavam ministrando a respeito do tema “Raciocínio Informal e as Questões Sociocientíficas”. Os
professores pesquisaram uma dissertação de mestrado na internet para fortalecer o entendimento
a respeito do tema do seminário. Os dados estão categorizados em dimensões e categorias: A)
Buscando Compreender o Conceito de Raciocínio Informal e suas Características; A.1) Lógica
Formal e Lógica Informal – a relação com o processo argumentativo e a construção do
conhecimento; A.2) Os Aspectos Éticos, Morais e Religiosos na Construção do Raciocínio
Informal; B) Raciocínio Informal e a Prática de Ensino em Sala de Aula; B.1) Raciocínio Informal e
argumentação.
A) Buscando Compreender o Conceito de Raciocínio Informal e suas Características
1.SIM: Aí, a gente pesquisando, achamos essa pesquisa lá na internet do pessoalda Unesp! A gente achou interessante o que estava falando! O que elesconstataram na pesquisa deles: quando o embrião está congelado a gente podeutilizar como célula tronco e quando chega ao útero eu já não posso, pois tem quedar direito a vida! Só que aí, como nós comentamos fica uma incerteza,porque eles constataram que nem todas as pessoas acreditam nesta ideia.Pois, tem pessoas que acreditam que a partir do momento que formou acélula já tem vida. Então, volta para o raciocínio informal! Cada um pensa deum jeito, cada um tem uma opinião! 2.RON: Fica questionando a todo o momento, né!3.IGI: O raciocínio é a incerteza! Não seria esse aspecto da dúvida ou dadificuldade de decidir?4.RON: É! Da dúvida, da incerteza!5.ADR: Como é o que você falou! Repete!6.IGI: Das muitas opiniões!7.MAL: Das muitas opiniões!8.EDR: As muitas opiniões são construídas na argumentação! Depende doconvencimento! Quando o aluno se convence daquilo ali!9.RON: Quando estamos argumentando estamos no raciocínio informal! Masse ele chegar a uma conclusão já foi bom, né!
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Na fala de SIM é possível observar que trouxe como exemplo importante de tema
sociocientífico o uso de células tronco para pesquisas científicas. O conceito de quando a
existência de vida torna-se um tema polêmico, pois há incertezas científicas, assim como,
aspectos religiosos éticos e morais em torno do debate. Isso caracteriza a instalação do raciocínio
informal. SIM, reconhece uma característica do raciocínio informal “várias opiniões”, porém não
caracteriza a qualidade dessas opiniões como sendo importantes, assim como, a estruturação da
mesma em termos de afirmações, justificativas e qualificadores. A forma como ela expressa, como
realçado em negrito, apresenta uma afirmação com uma justificativa vaga. Já RON levanta a
hipótese de estar questionando a todo tempo, quando há o raciocínio informal. Aqui o professor
RON fala que quando argumento está no raciocínio informal. A ideia correta é que o raciocínio
informal é expresso pela argumentação e que não necessariamente leva a uma conclusão. Se
formos olharmos da perspectiva da formação do aluno chegar a qualquer conclusão não é
interessante. É importante que tanto os alunos compreendam que a conclusão precisa ser
justificada e defendida em função do tema debatido. Não podemos relativizar que qualquer
conclusão é suficiente para um processo de formação.
A.1) Lógica Formal e Lógica Informal – a relação com o processo argumentativo e a
construção do conhecimento
10.IGI: Porque isso na filosofia entra no aspecto da lógica, da lógica formal! 11.ADR: Como seria isso?12.IGI: Os argumentos precisam ser construídos por uma certa dinâmica dentroda lógica formal! Éhhhh...a premissa maior, a premissa menor e a conclusão. Aspremissas são uma fala completa, por exemplo: Todos os embriões são vivos. Aí,você escolhe lá: Um feto. É embrião. Concluindo: Logo, o feto! Entendeu? Édentro da lógica!
Nas fala de 10 à 12 é possível perceber que o professor não diferencia que o raciocínio
informal é lógica informal e que o raciocínio formal é a lógica formal. Para exemplificar, na fala 12,
o professor traz como exemplo o silogismo aristotélico. Esse tipo de fenômeno não é natural que
ocorra em sala de aula durante o desenvolvimento de um tema do conteúdo.
A.2) Os Aspectos Éticos, Morais e Religiosos na Construção do Raciocínio Informal
Os aspectos éticos, morais e religiosos fazem parte do raciocínio informal, uma vez que
está associado as tradições culturais e normas sociais, assim como, as experiências de vida de
cada pessoa. No ato de fala 13, PA insere uma característica importante do raciciocínio informal,
que são as dimensões éticas e morais que podem estar presente em pressupostos de orientação
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religiosa, como também, em função de uma tradição social. Na sequência da fala IGI, expressa a
opinião que ao inserir as questões éticas e religiosas em uma discussão isso será um fator
complicante. Isso porque trará opiniões de outra natureza e a definição de critérios de análise se
tornará mais difícil.
13.PA: Aí, você vai precisar do moral e de todos os aspectos de (....)14.IGI: Ética e princípios religiosos! Eu acho que isso dificulta (...)15.RON: É! Isso é o raciocínio informal! 16.ADR: Então, podemos dizer que o raciocínio informal é quando há diferençasde perspectivas? É quando se considera diversas perspectivas da ciência, dareligião...17.SIM: O raciocínio informal é muito utilizado nas questões sociocientíficas! Porquê? Porque cada pessoa tem a sua opinião! (...) Por isso que eles falam que nasquestões sociocientíficas o raciocínio informal é muito utilizado!
Na fala 16, ADR questiona se raciocínio informal possui como características diferentes
perspectivas ( Ciência, religião, moral e ética). SIM, corrobora o questionamento de ADR e afirma
a presença das diferentes opiniões, sendo isso mais evidente em temas sociocientíficos. Um
ponto importante a ser ressaltado é que algumas falas, por exemplo, de IGI há uma necessidade
de deixar o contexto de debate em sala de aula, mas limpo possível. Essa limpeza, seria uma
forma de chegar a uma conclusão de forma mais rápida possível. Conforme esteve presente na
fala 9 de RON.
B) Raciocínio Informal e a Prática de Ensino em Sala de Aula
Um ponto importante a ser investigado é como os professores percebem a importância
dessas diferentes opiniões para a construção do conhecimento escolar?
18.ADR: (...) Como que ocorre isso em sala de aula? Assim, como seria trabalharisso em sala de aula?19.SIM: Para trabalhar em sala de aula a gente terá que estar preparado paraaceitar a opinião de cada um! Porque se é raciocínio informal eu não possoquerer chegar lá e que o aluno aceite a minha opinião! Eu terei que estarpronta e preparada para ouvir cada um, pois uma sala com trinta cada umvai ter a sua opinião, concorda comigo?20.IGI: É importante que quando precede um tema geralmente se fala assim:Vamos dar espaço para que eles falem! A partir do aluno! Então tem ummomento que os alunos vão expressar as opiniões a cerca de um tema, osconhecimentos prévios! Esses conhecimentos prévios eu acho importantepara poder identificar essas opiniões diversas! Mas, o professor depois queouve todos os alunos, pode orientá-los no sentido de perceber o argumentoe os contra-argumentos também. Para tentar conduzi-los em vista do que eledeve compreender realmente, pois, tem muitos equívocos, questão do sensocomum que EDR colocou, o professor tem que entrar como alguém quearticule as falas em vista de ordenar o conhecimento de forma maissistemática.21.ADR: Hummmm
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22.IGI: Aí, ele precisa do tema do assunto para poder determinar!23.PA: Eu acho assim que esses textos também tem que ver bem como oprofessor vai trabalhar em sala de aula. Porque se o professor trouxer o textoem sala de aula, ali, de momento, o aluno terá uma opinião! Agora, se ele forpreparar (...) é interessante quando você pega o texto em que você lê aprimeira vez, você tem uma visão, quando você lê por uma segunda vez,você tem outra visão! Quando você abre aquilo para discutir é outrasituação! Então, se o aluno lesse né! Se tivesse uma certa bagagem daquilodentro da discussão aí se teria mais condições para discutir!24.RON: Esse ano eu trabalho com Ciências! Realmente acontece diretamente oraciocínio informal na sala de aula! A opinião argumentativa!
Na fala 19, SIM afirma que cada aluno possui uma opinião sobre um tema em ensino,
porém devemos respeitá-los. Para a professora não devemos mudar a opinião deles, mas apenas
ouvir e aceitar. Contrapondo a professora, a fala 20 do professor IGI, ressalta os momentos de
sala de aula quando um tema novo é inserido. Quando o tema é apresentado em sala de aula,
torna-se importante dar abertura aos alunos para que eles falem a respeito. Segundo IGI, isso
permite que o professor identifique os conhecimentos prévios dos alunos. Por fim, ressalta a
importância que o professor deve ter reconduzir a discussão de forma que as opiniões dos alunos
não fiquem apenas no senso comum, e que reconheçam argumentos e contra-argumentos. O que
se pode identificar na fala do professor IGI a importância de não deixar a discussão solta, mas de
encaminha-la.
B.1) Raciocínio Informal e argumentação
O raciocínio informal é expresso por meio da linguagem, particularmente, a argumentação.
A argumentação é um processo discursivo em que são construídos argumentos para defesa de
uma opinião. A opinião não é argumento, mas apenas uma declaração a respeito da impressão
que uma pessoa possui a respeito de um tema. No entanto, a argumentação em sua estrutura
mais simples é caracterizada por uma afirmação seguida de uma justificativa. Há argumentos
mais estruturados quando além da afirmação e justificativa existem os qualificadores das
informações inseridas na constituição do argumento. O maior número de qualificadores aumenta a
qualidade do processo argumentativo.
25.ADR: (...)Mas qual o potencial de aprendizagem quando você leva um trabalhonesta dimensão aonde têm essas diferentes perspectivas? O potencial deaprendizagem e a postura do professor? 26.SIM: Quando o aluno dá a sua opinião ele vai se tornar crítico em relação aaquele assunto! Ele vai ter opinião própria, ele vai ser crítico, vai saber falar eexpor! Quando ele sair da escola, ele vai saber falar sobre esse assunto!27.EDR: O aluno cria a sua opinião em cima dos argumentos do professor! Vocêestá lá na frente e dependendo da forma como você conduz os argumentos! Se osseus argumentos são bons, com certeza o seu poder de convicção para os alunosele vai ser maior. Ele acredita naquilo que você está falando!28.SIM: Isso, mas ele vai se tornar autônomo. Porque ele vai começar a falar.29.EDR: É ele vai ter a sua própria opinião, mas em cima do que você falou!
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30.ADR: O que o EDR falou é interessante quando o aluno vai se convencerfrente àquilo que o professor falou, não é? 31.MAL: É! Vai muita da postura de como o professor se colocou em sala de aula.
Nas falas 25 a 31 o objeto de discussão era a respeito sobre o potencial de aprendizagem
do raciocínio informal e das opiniões dos alunos a respeito de um tema de estudo. Para SIM,
quando o aluno expressa a própria opinião se torna crítico e autônomo. Porém, o fato de
expressar uma opinião é uma condição necessária para que o professor inicie um processo
argumentativo, mas não suficiente. Isso porque o desenvolvimento do pensamento crítico requer o
desenvolvimento de habilidades como, por exemplo: a) o reconhecimento das diferentes facetas
que um argumento pode apresentar; b) o contexto normativo em que a argumentação é
desenvolvida; c) o tipo de dialogo desenvolvido se é de persuasão, investigação, disputa ou
negociação. Para cada tipo de dialogo a estrutura do projeto argumentativo de defesa de um
ponto de vista se apresenta de uma maneira diferente (WALTON,1989).
O conhecimento é construído coletivamente e em um processo de argumentação a ideia é
que as pessoas interagem com a fala dos outros componentes da discussão. No entanto, as falas
do professor EDR afirma uma característica que pode ocorrer em sala de aula devido à hierarquia
que geralmente existe entre professor aluno, sendo que, segundo Mortimer e Scott (2002) há uma
prevalência do discurso de autoridade em sala de aula. Por conta disso, o aluno acaba adotando o
ponto de vista do professor.
Muitas das informações presentes nos discursos dos professores advêm das suas
experiências de sala de aula. Como no caso de EDR que anunciou que os alunos possuem uma
tendência em adotar o ponto de vista do professor. Um outro exemplo segue abaixo:
32.RON: Eu estava trabalhando sobre as células animais e vegetais nosétimo ano. Ali já estruturado, formalizado, mas eles argumentaram eentraram no raciocínio informal não pelo conhecimento da estrutura dacélula! Então às vezes eles questionam por não conhecerem. Às vezes elestêm entendimento, mas eles querem questionar para ir além! Só que comoeles não tem o conhecimento eles querem ali, uma informação definidadaquela célula.33.IGI: Hoje, eu vejo que muitos alunos, nem todos, mas muito alunos sabemmuitas informações! Às vezes que até nós mesmos não temos! Então essenegócio de acesso à informação, ele amplia e possibilita um diálogo mais fácil! Oprofessor ele também precisa observar os argumentos dos alunos e quaissão válidos e quais não! Argumentos válidos são argumentoscompreensíveis! Aí, cabe o professor apresentar uma versão científica! Nãoque a ciência é fechada em si! A ciência é sempre aberta! Aí entra todos osteóricos que podem ajudar da ciência, aqueles que vão falar da ciência.34.RON: Quando você está na teoria e aí você vai para parte experimental, comoeu fui ao laboratório, já tem outra situação! Já é outra visão, desta discussão!35.ADR: Qual visão seria?36.RON: Uma visão mais ampla! Porque eu vou falar das células, nos temos acélula na teoria, no desenho, no livro didático e quando eles vão para omicroscópio eles estão ali vendo a realidade da célula! Onde está situadocada!
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Na fala 32, o professor RON reconhece, mesmo que implicitamente, que o conhecimento
apresentado no livro didático é formal e estruturado. Reconhece que o questionamento dos alunos
faz parte do processo de raciocínio informal e que os alunos entendem linguisticamente o que o
livro quer dizer, mas que os questionamentos dos alunos são para ir além, ou seja, que se
explique o motivo das apresentações teóricas do livro didático. RON afirma ainda que a
dificuldade de entendimento mais profundo da teoria é solucionada quando o aluno é levado ao
laboratório de biologia, pois segundo RON, ele poderá ver a realidade, ou seja, ver a célula. O
interessante desse posicionamento é que para o professor os questionamentos dos alunos são
sanados com um reforço de uma concepção equivocada da natureza da ciência, a qual defende
que a teoria é uma explicação fidedigna do objeto cognoscível.
6. Considerações Finais
A análise apresentada nesse texto evidencia a concepção dos professores a respeito do
papel do raciocínio informal em sala de aula. Reconhecem que o raciocínio informal é expresso
pela argumentação, porém muitos não compreendem o papel da argumentação na construção do
conhecimento escolar, ou seja, em potencializar a aprendizagem. Apenas o professor IGI
expressou uma forma menos tácita da função da argumentação em sala de aula e alguma
articulação com o raciocínio informal. De maneira geral, os professores reconhecem que essa
forma de raciocínio se faz presente na dinâmica de sala de aula quando os alunos lançam
opiniões. Essas opiniões os professores acreditam que sejam os conhecimentos prévios, porém
muitos dos docentes não sabem como articular uma prática pedagógica de forma a utilizar o
raciocínio informal e a argumentação como recurso didático para aprendizagem, como é o caso
SIM. Outros reconhecem o papel do professor como responsável em selecionar as opiniões
relevantes expressas pelos alunos ao mesmo tempo em que explica o motivo pelo qual essas se
tornaram importante para discussão do tema em sala de aula.
Diante do exposto, acreditamos que seja importante elaborar estratégias de ensino que
fortaleçam o papel do raciocínio informal na sala de aula. Essa preocupação permite que tanto
alunos quanto professores aprendam a avaliar as informações, evidencias, contextos, estruturas
de argumentos, qualificadores. Isso permite que se tornam bons argumentadores e pensadores
críticos.
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