o icms ecológico no brasil - revista de administração municipal - edição 277 - ibam

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•FINANÇASMUNICIPAIS •PARECERESEJURISPRUDÊNCIA •EMFOCO •PERGUNTEAOIBAM •ICMSECOLÓGICO •TRIBUTOSIMOBILIÁRIOS •NEPOTISMO •PLANODIRETOR •RECICLAGEMNACIDADEDECUIABÁ ARTIGOS EMAIS Revista de Administração Municipal – MUNICÍPIOS IBAM Abril/Setembro 2011 Ano 57 Nº 277 O ICMS ECOLÓGICO NO BRASIL IŶƐƚƌƵŵĞŶƚŽ EĐŽŶƀŵŝĐŽ ĚĞ PŽůşƟĐĂ AŵďŝĞŶƚĂů AƉůŝĐĂĚŽ ĂŽƐ MƵŶŝĐşƉŝŽƐ

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O ICMS Ecológico no Brasil - Revista de Administração Municipal - Edição 277 - IBAM

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Page 1: O ICMS Ecológico no Brasil - Revista de Administração Municipal - Edição 277 - IBAM

•FINANÇASMUNICIPAIS•PARECERESEJURISPRUDÊNCIA•EMFOCO•PERGUNTEAOIBAM

•ICMSECOLÓGICO•TRIBUTOSIMOBILIÁRIOS•NEPOTISMO•PLANODIRETOR•RECICLAGEMNACIDADEDECUIABÁ

ARTIGOS EMAIS

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Page 2: O ICMS Ecológico no Brasil - Revista de Administração Municipal - Edição 277 - IBAM

Ano 57 - Nº 277Abril/Setembro 3

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

OS EDITORES

EDITORIAL

MissãodaRevista

A missão da Revista é ser um meio de difusão de informação, de estudos, de resultados de pesquisas inéditas e um fórum de debate sobre temas de interesse nacional e internacional relacionados ao federalismo, à descentralização, ao desenvolvimento da capacidade institucional dos governos municipais, à construção de uma sociedade democrática e à valorização da cidadania.

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

Nesta edição, a Revista trata

de assuntos variados. Porém, nada

demais destacar que os tributos con-

tinuam sendo tema de real impor-

tância para a administração em razão

de gerar recursos financeiros que se

destinam a possibilitar a execução

dos programas de trabalho. Por isto,

incluem-se dois textos tributários.

Os autores Vanessa Marcela

Nascimento, Hans Michael Van

Bellen, Christiano Coelho e Marcelo

Nascimento analisam a metodologia

de rateio do ICMS Ecológico utilizado

pelos Estados brasileiros e aprofun-

dam o conhecimento destas expe-

riências em O ICMS ecológico no

Brasil, um instrumento econômico

de política ambiental aplicado aos

Municípios. Esta metodologia prevê

a inclusão de critérios ecológicos na

determinação do índice de rateio

para a cota-parte do ICMS.

José Rildo de Medeiros Guedes,

no artigo Tributos imobiliários: carga

tributária, tece considerações sobre

a instituição e o ônus dos chamados

tributos imobiliários: IPTU, Taxas de

serviços públicos (TSP) e Contribui-

ção de Melhoria (CM) e de Ilumi-

nação Pública (CIP), demonstrando

que, cobrados ou não no mesmo

documento de arrecadação, são

exigidos da mesma pessoa. Também

analisa o peso da respectiva carga tri-

butária e sua influência no potencial

tributável do Município.

Alice Barroso de Antonio, em O

nepotismo sob a ótica da Súmula

Vinculante nº 13 do STF: críticas e

proposições, investiga os aspectos

controvertidos do nepotismo não

apenas no âmbito do Direito, no qual

se discute sua legalidade e cons-

titucionalidade, mas sobretudo no

locutório popular, em que a reflexão

assume nuances éticas.

Leo Name e Priscylla Freiria Valla-

dares trazem as principais questões

relacionadas à recente elaboração do

Plano Diretor do Instituto Superior de

Educação do Rio de Janeiro, no artigo

Plano Diretor do Instituto Superior

de Educação do Rio de Janeiro (PD-

-ISERJ): Algumas Questões.

E os autores Roberto Naime,

Eduardo Figueiredo Abreu e Sér-

gio Carvalho, em Avaliação preli-

minar do potencial de reciclagem

na cidade de Cuiabá (MT), fazem

diagnóstico da situação atual da

reciclagem no aterro sanitário

de Cuiabá. E executam a partir

destes dados uma avaliação do

potencial de reciclagem dos resí-

duos sólidos urbanos domiciliares

(RSUD). Tendo por base os dados

do relatório de gestão de 2008 da

cooperativa dos trabalhadores e

produtores de materiais recicláveis

de Mato Grosso Ltda., demons-

tram os principais itens passíveis

de reciclagem.

Esta edição ainda apresenta as

seções Finanças Municipais, Em

Foco, Pergunte ao IBAM e Pareceres.

Boa leitura!

Page 3: O ICMS Ecológico no Brasil - Revista de Administração Municipal - Edição 277 - IBAM

Ano 57 - Nº 277 Abril/Setembro4

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

EXPEDIENTE

A Revista de Administração Municipal – MUNICÍPIOS é uma publicação

do Instituto Brasileiro de Administração Municipal – IBAM, de periodicida-

de trimestral, indexada à Qualis CAPES Internacional, depositada na Re-

serva Legal da Biblioteca Nacional e no Centro Brasileiro do ISSN, IBICT

sob o n.° ISSN 0034-7604. Registro Civil de Pessoas Jurídicas n.° 2.215.

Editores

Heraldo da Costa Reis – Editor Técnico

Sandra Mager – Produção GráicaAna Kelly de Jesus – Apoio Editorial

Conselho EditorialAna Maria Brasileiro (UNI FEM/ONU /Washington/Estados Unidos), Celina

Vargas do Amaral Peixoto (FGV/Rio de Janeiro/RJ), Emir Simão Sader

(CLACSO /Buenos Aires/ ARGENTIN A), Fabrício Ricardo de Limas Tomio

(UFPr/Curitiba/PR), Jorge Wilheim (Consultor em urbanismo, São Paulo/

SP ), Paulo du Pin Calmon (UNB/CEAG/Brasília/DF) e Rubem César Fer-

nandes (VIVA RIO/Rio de Janeiro/RJ).

Conselho TécnicoAlexandre Santos, Heraldo da Costa Reis e Marlene Fernandes.

Esta publicação consta do indexador internacional Lilacs – América Latina

e Caribe e nas seguintes páginas:

• FEA/USP - Departamento de Administração• FGV - Biblioteca Mário Henrique Simonsen• UNB - Biblioteca Machado de Assis• Biblioteca Nacional• Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia -Catálogo Coletivo Nacional (CCN)

• Association of Research Libraries• Latin Americanist Research Resources Project• Institut des Hautes Études de l’Amérique Latine - Centrede Recherche et de Documentation sur l’Amérique Latine• Facultad de Ciencias Juridicas y Politicas - Universidad Centralde Venezuela

• HACER - Hispanic American Center for Economic Research

ASSINATURAS

Tel.: (21) 2536-9711/ 2536-9712 • [email protected] da assinatura anual: R$ 48,00

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REDAÇÃO

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Conselho de AdministraçãoEdson de Oliveira Nunes (Presidente), Edgar Flexa Ribeiro, Edvaldo Brito,

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Conselho FiscalAguinaldo Helcio Guimarães, Paulo Reis Vieira

Roberto Guimarães Boclin (Suplente)

Superintendência GeralPaulo Timm

REPRESENTAÇÕES

São PauloAvenida Ceci, 2081 • Planalto Paulista, São Paulo • SP• CEP 04065-004 • Tel/Fax: (11) 5583-3388 • [email protected]

Santa CatarinaRua Sete de Setembro, 483 - sl. 01 - Edifício Ipiranga - Centro - Blumenau- SC - CEP 89010-201 • Tel/Fax: (47) 3041-6262 • [email protected]

SEÇÕES / SECTIONS

PARECERES E JURISPRUDÊNCIA / REPORTS AND JURISPRUDENCE

ARTIGOS E REPORTAGEM /ARTICLES AND REPORTAGE

52– FINANÇAS MUNICIPAIS / MUNICIPAL FINANCES

89– EM FOCO / HIGHLIGHTING

90 – PERGUNTE AO IBAM / ASK TO IBAM

05

17

37

54

74

O ICMS Ecológico no Brasil, um Instrumento Econômico de Política Ambiental Aplicado aos Municípios / The ICMS Ecological in Brazil, an Instrument of Economic Environment Policy Applied to Municipalities

Vanessa Marcela Nascimento, Hans Michael Van Bellen

Christiano Coelho, Marcelo Nascimento

Tributos imobiliários: carga tributária / Real state tax: tributary burden

José Rildo de Medeiros Guedes

O nepotismo sob a ótica da Súmula Vinculante nº 13 do STF: críticas e proposições / Nepotism in the view of the binding precedent of the Supreme Court No. 13: criticisms

Alice Barroso de Antonio

Plano diretor do Campus Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro: planejamento físico-territorial e identidade em um espaço para o ensino / Territorial planning and identity in a space for educational practices

Leo Name, Priscylla Freiria Valladares

Avaliação do Potencial de Reciclagem na Cidade de Cuiabá (MT) / Pre-liminary assessment of potential for recycling in the city of Cuiabá (MT)

Roberto NaimeEduardo Figueiredo Abreu, Sérgio Carvalho

82

87

Na edição anterior número 276 mencionamos o artigo “Tributos imobiliários: carga tributária” no editorial, no entanto, o mesmo não foi publicado.ERRATA

ÍNDICE

Reestruturação financeira do SAAE

Princípio da segurança jurídica e a decadência da prerrogativa da Admi-nistração de anular seus próprios atos

Page 4: O ICMS Ecológico no Brasil - Revista de Administração Municipal - Edição 277 - IBAM

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

RESUMO

INTRODUÇÃO

A chamada questão ambien-tal diz respeito às diferentes maneiras como a sociedade se relaciona com o meio físico na-tural. A partir da relação entre os seres humanos e o meio físico natural surge o que se denomina meio ambiente. No entanto, esta concepção não é suficiente para direcionar uma análise e reflexão que permita entender toda a complexidade envolvida, sendo necessário o entendimento da totalidade da vida em sociedade.

Deste contexto surge a necessi-dade de se praticar a gestão am-biental pública (Quintas, 2006).

A gestão ambiental tem a função de planejar, coordenar, controlar e formular ações para alcançar objetivos estabelecidos para determinado local, sendo importante prática para alcançar o equilíbrio dos diversos ecossiste-mas (Theodoro et al., 2004).

Deriva de um processo de mediação de interesses e de conflitos entre os atores sociais que atuam no meio físico natural, definindo e redefinindo como os

atores por meio de suas práticas alteram a qualidade do meio ambiente e distribuem custos e benefícios decorrentes de suas ações (Quintas, 2006).

Neste contexto, surgem as polí-ticas públicas para regular as ações governamentais como instrumento e para direcionar o mercado confor-me os objetivos da administração pública. Tais políticas destinam-se a promover o bem estar social por intermédio da resolução de proble-mas relacionados com a sociedade, a exemplo de saúde, educação e meio ambiente.

O ICMS Ecológico no Brasil, um Instrumento Econômico de Política Ambiental Aplicado aos Municípios

ICMS ECOLÓGICO

O objetivo desta pesquisa foi evidenciar a metodologia de rateio do ICMS - Ecológico utilizado pelos Estados brasileiros e aprofundar o conhecimento dessas experiências. A metodologia prevê a inclusão de critérios ecológicos na determinação do índice de rateio para a cota-parte do ICMS. O imposto representa percentual expressivo na participação das receitas dos Municípios. São apresentados os resultados da análise da legislação de cada Estado brasileiro e suas formas de rateio do ICMS.

Palavras-chave: Instrumentos Econômicos; ICMS - Ecológico; Gestão Ambiental.

Vanessa Marcela Nascimento

Especialista-Contadora Secretaria de Estado da Fazenda de Santa CatarinaPrograma de Pós-Graduação em Contabilidade Universidade Federal de Santa [email protected]

Hans Michael Van Bellen

Professor Doutor Universidade Federal de Santa CatarinaPrograma de Pós-Graduação em Contabilidade Universidade Federal de Santa [email protected]

Christiano Coelho

Professor Mestre Universidade Federal do AcrePrograma de Pós-Graduação em Contabilidade Universidade Federal de Santa [email protected]

Marcelo Nascimento

Professor UNIBANPrograma de Pós-Graduação em Administração Universidade do Sul de Santa [email protected]

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Ano 57 - Nº 277 Abril/Setembro6

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

Os gestores das políticas pú-blicas podem fazer uso de uma gama de instrumentos, tais como regulamentações para utilização de recursos naturais, emissões de poluentes, permissões de extração e manejo, pagamentos pela redução de emissões, pa-gamentos pelo direito de poluir, rótulos “verdes”, dentre outros (João, 2004). Os instrumentos de políticas públicas podem ser agrupados em duas classes dis-tintas: o sistema regulatório e o sistema de incentivos.

Este artigo tratará de um instru-mento do sistema de incentivo, o Imposto sobre Circulação de Mer-cadorias e Serviços (ICMS), adicio-nado sob perspectiva ambiental. O imposto representa um percentual expressivo na participação das receitas dos Municípios, sendo que quanto menor for o Município mais dependente ele se torna do imposto estadual (João, 2004).

Em 15 Estados brasileiros é utilizado e conhecido como ICMS

- Ecológico, ou Ambiental ou So-cioambiental ou Verde. Trata-se de uma metodologia que prevê a inclusão de critérios ecológicos na determinação do índice de rateio para a receita pública. Em alguns casos, vem sendo usado como incentivo financeiro direto à pre-servação dos recursos naturais.

Sua implantação derivou-se da questão de que de um lado é importante preservar e por outro a questão do rateio justo da arrecadação, situação que chega a um impasse em relação a quem precisa receber mais: o município que produz bens e serviços ou aquele que cuida do bem público.

Assim, os Estados que im-plantaram o ICMS - Ecológico geralmente seguiram o mesmo caminho para a criação de sua lei, que foram a junção da pressão dos prefeitos dos Municípios que cederem partes de seus territó-rios para áreas de conservação, sem nenhum tipo de compen-

sação financeira, e a participação dos parlamentares no processo. Outro ponto é a divulgação do movimento na mídia televisiva e impressa (Veiga, 2000).

Deve haver, portanto, intera-ção entre os vários interessados para que o processo de criação da lei consiga obter êxito. Caso contrário, ocorrerá como em vários Estados, onde o processo não conseguiu evoluir pela falta de pressão suficiente das partes. Acredita-se que a forma de dis-tribuição e de cálculo do ICMS - Ecológico pode ser estudada e ainda fomentar reflexões sobre os critérios de rateio observados empiricamente. O objetivo geral desta pesquisa foi evidenciar a metodologia de rateio do ICMS - Ecológico utilizado pelos Estados brasileiros e aprofundar o conhe-cimento destas experiências.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A fundamentação teórica foi dividida em cinco seções. Primeiro foram apresentados os instrumentos de política pública; em seguida, discorreu-se sobre o ICMS - Ecológico; depois, foram descritos os critérios qualitativos e quantitativos. Já no terceiro tópico foi apresentada a metodologia. O quarto item trata dos Estados que adotam este instrumento de repasse. Por último, foram feitas as considerações finais.

Instrumentos de política pública

Os instrumentos de comando e controle – conhecidos também como regulação direta – buscam o estabelecimento de padrões de emissão de poluentes, o licenciamento e as sanções administrativas e penais. Estão fundamentados numa legislação

Os Municípios que investem em projetos ambientais, sejam de ordem quantitativa ou qualitativa, recebem um percentual da arrecadação total do ICMS a eles destinada, atualmente variando de 1,0% a 13%

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

sólida, que tem com objetivo alcançar um manejo ambiental sustentável (João, 2004).

Já a classificação do sistema de incentivos, também chamado de instrumentos econômicos, tem como característica induzir mudanças no comportamento dos agentes em relação ao am-biente natural, em função de mo-dificações nos preços relativos. Busca, assim, a internalização dos custos e benefícios ambientais (Costanza et al., 1997).

Este mesmo entendimento é compartilhado por Tupiassu (2004). Segundo o autor, ao se utilizar instrumentos econômicos com finalidade ambiental está-se suprindo a demanda de recursos para o desenvolvimento susten-tável e incentivando as políticas preservacionistas, fornecendo compensação financeira em contrapartida à não degradação. Os instrumentos econômicos possuem algumas características, em função do seu diferencial em relação aos instrumentos regula-tórios (João & Bellen, 2005):

• existência de estímulo fi-nanceiro;

• possibilidade de ação vo-luntária;

• intençãode,diretaouindi-retamente, melhorar a qualidade ambiental.

Assim, este instrumento é amplamente considerado como alternativa economicamente efi-ciente e ambientalmente eficaz para complementar as aborda-gens estritas de comando e de controle. Ao fornecer incentivos ao controle da poluição ou de outros danos ambientais, os ins-trumentos econômicos permitem que o custo social de controle ambiental seja menor e podem ainda fornecer aos cofres do governo local a receita de que tanto necessitam (Seroa da Mota et al., 1996). Suas formas mais utilizadas de aplicação são as taxas, os subsídios, o sistema de depósito-reembolso e a criação de mercados.

Para Veiga (2000), a utilização de instrumentos econômicos na política ambiental tem ocorrido de duas maneiras. A primeira delas foi com a criação das taxas florestais, criadas em nível federal, tendo menor sucesso, e levadas

ICMS ECOLÓGICO

em nível estadual com maior êxito. A segunda maneira é mais recente e engloba dois tipos de mecanismos, os royalties e o ICMS - Ecológico.

Os royalties são definidos pela Constituição brasileira, que assegura a participação dos Esta-dos, dos Municípios e da União nos resultados da exploração de petróleo ou gás natural, na produção de hidroeletricidade e de outros recursos minerais (Constituição do Brasil, 1988. art. 20, § 1°). A seguir, será tratado o ICMS - Ecológico.

ICMS - Ecológico ou ambiental ou socioambiental ou verde

Um dos princípios dos instru-mentos de políticas públicas é o protetor-recebedor, aplicado pela redistribuição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias Bens e Serviços (ICMS). Segundo este mecanismo, os estados fornecem compensações financeiras às mu-nicipalidades, por possuírem espa-ços especialmente protegidos em seus territórios (João, 2004).

O ICMS - Ecológico surgiu de uma possibilidade deixada pela Constituição Federal em seu ar-tigo 158, inciso IV, que permite aos Estados definir em legislação específica alguns dos critérios para o repasse de recursos ICMS, a chamada cota-parte, a que os Municípios têm direito.

Enquanto o poder público estadual sentia necessidade de modernizar seus instrumentos de políticas públicas, os municípios observavam suas economias preju-dicadas por restrições em suas áre-as de preservação, mananciais de abastecimento, áreas inundadas, reservatórios de água, terras indí-genas, áreas com resíduos sólidos, entre outros (Loureiro, 2001).

ICMS Ecológico

Em quinze Estados brasileiros é utilizado e conhecido como ICMS - Ecológico, ou Ambiental ou Socioambiental ou verde

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

Surgiu, portanto, sob o argu-mento da compensação finan-ceira para os Municípios que possuíam restrições em seus territórios no uso do solo, para o desenvolvimento de atividades econômicas. Possui a função de prover condições que busquem minimizar/eliminar os problemas ambientais, pois se embasa num incentivo dado aos municípios, que buscam alternativas de gestão ambiental. Não é um aumento da alíquota já existente ou um novo tributo, mas uma alternativa para aumentar o re-passe da cota-parte do ICMS a partir da preservação ambiental (Vicente, 2004).

O ICMS - Ecológico surgiu no Brasil em 1991, no Estado do Paraná, pela aliança do Poder Público Estadual e de municípios, com o intermédio da Assembléia Legislativa.

Tendo em vista a realidade evidenciada por intermédio de resultados positivos da experi-ência vivenciada pelo Paraná, vários Estados da nação criaram leis que contemplam critérios ambientais para o rateio da cota--parte do ICMS (Assis, 2008). Alguns deles fizeram suas Legis-lações praticamente idênticas à do Paraná.

Com caráter extrafiscal, diver-sos outros Estados brasileiros já implantaram, por meio de lei estadual, o ICMS - Ecológico ou Ambiental. Com parcela prove-niente do resultado da divisão do imposto, destinando aos municípios pelo remanejamento de receitas um valor proporcional ao seu compromisso ambiental (Nadir, 2006). Sua desvantagem em potencial é o “jogo de soma zero”, pois quanto mais e mais Municípios aderirem ao índice, e criarem unidades de conservação em seu território, menor será o

retorno financeiro, o que torna um fator limitante do ICMS - Eco-lógico (João, 2004).

De acordo com o definido em cada legislação estadual, os municípios que investem em projetos ambientais, sejam de

ordem quantitativa ou qualitati-va, recebem um percentual da arrecadação total do ICMS a eles destinada, atualmente variando de 1,0% a 13%.

Critérios qualitativos e quantitativos

Na definição de suas legisla-ções, alguns Estados adotam cri-térios quantitativos ou qualitativos, sendo que alguns adotam ambos. Os critérios qualitativos levam em conta a qualidade da conservação ambiental de uma área, da água, e do manejo, como forma de incentivar a preservação.

Para Franco e Figueiredo (2007), os Municípios deveriam privilegiar a qualidade dos recur-sos hídricos, o planejamento, a manutenção e a interação com a comunidade, considerando assim critérios qualitativos no repasse do ICMS - Ecológico. O mesmo

autor sustenta que haja uma mudança escalonada no percen-tual de repasse, e que os valores sejam vinculados à utilização na questão ambiental.

Para Loureiro (2001), ao se utilizar critérios qualitativos para o rateio cria-se um instrumento de proteção à biodiversidade, como também a sustentabilidade econômica e ambiental. Segundo João (2005, p. 15), os critérios qualitativos deveriam ser inseri-dos na avaliação das unidades de conservação, “para alcançar a escala sustentável pretendida, e para desfavorecer o aparecimen-to de unidades insatisfatórias, que não cumprem seu papel de ge-radoras de matéria e de energia com baixa entropia”.

Já o critério quantitativo, de restrição territorial constante na formulação do índice ecológico, é um mecanismo para compensar a perda de movimentação eco-nômica (João, 2005). Leva em conta a superfície da área prote-gida na relação com a superfície total do município onde estiver contida (Loureiro, 2001).

METODOLOGIA

O trabalho classifica-se como pesquisa exploratória, devido ao caráter recente e ainda pouco procurado do tema escolhido (Marconi & Lakatos, 2007). Com abordagem predominantemen-te documental e qualitativa, chegou-se a uma compreensão detalhada das características das situações apresentadas (Richard-son, 2009).

A pesquisa foi realizada em todos os estados da República Federativa do Brasil. Para isto, foram utilizados dados das legis-lações recentes dessa área, bem como documentos e referências que tratassem do tema.

O Paraná foi o primeiro Estado da Federação a

aplicar o princípio recebedor pela

redistribuição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços

Page 8: O ICMS Ecológico no Brasil - Revista de Administração Municipal - Edição 277 - IBAM

Ano 57 - Nº 277Abril/Setembro 9

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAMICMS ECOLÓGICO

As limitações são referentes à disponibilidade de dados pelos estados, muitas vezes não sendo possível determinar de maneira clara as alterações subsequentes realizadas nos dispositivos legais. Como alterações e revogações de leis e de decretos e a não disponi-bilização nos sites oficiais, como os da Assembléia Legislativa, do Minis-tério Público, da Procuradoria ou no próprio site de cada ente federado.

Outra limitação é referente ao estágio de implantação de cada Estado. O primeiro deles, o Paraná, tem a Legislação desde 1991 e o do Piauí a criou apenas em 2008. Foram analisadas as experiências de 15 estados e o grau em que se encontra cada um limita a análise da pesquisa.

Embora outras unidades da Federação possuam projetos de lei encaminhados para a criação deste sistema, estes Estados não foram considerados na análise, uma vez que ainda não finaliza-ram o processo legal.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Serão apresentados os resul-tados do levantamento das prin-

cipais características, dos quinze Estados da Federação, conforme Quadro 1, que utilizam critérios ecológicos para a distribuição da cota parte (25%) do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

Estados do Sul

O Paraná foi o primeiro Estado da Federação a aplicar o princípio recebedor pela redistribuição do Imposto sobre Circulação de Mer-cadorias e Serviços. A Lei Com-plementar Estadual no 59/91, regulamentada pelo Decreto Es-tadual n.o 974/91 e pelo Decreto Estadual no 2.791/96, disciplinou os critérios de repasse com base em indicadores ambientais.

O índice de repasse adotado foi 5% dos 25% da cota-parte do Município. O rateio utilizado foi 50% para Municípios com mananciais de abastecimento e 50% para Municípios com uni-dades de conservação ambiental, incluindo terras indígenas.

Os critérios se fundamentaram em duas dimensões, uma qualita-tiva e outra quantitativa. A quan-titativa leva em conta a superfície

da área protegida na relação com a superfície total do município onde estiver contida. A qualitativa considera, além de aspectos rela-cionados à existência de espécies da fauna e flora, insumos ne-cessários disponibilizados à área protegida, visando à manutenção e à melhoria do seu processo de gestão (Loureiro, 2007).

Segundo estudos do Instituto Ambiental do Paraná, houve aumento de 160% na superfície das áreas de conservação no perí-odo de 1991 a 2005 (IAP, 2007). Já em relação aos mananciais de abastecimento, a qualidade da água captada também faz parte da análise. O Rio Grande do Sul implementou o ICMS - Ecológico em 1993, com a promulgação da Lei Estadual nº 9.860. Entretanto, por equívocos de ordem consti-tucional e insuficiente vontade política, apenas por intermédio da Lei nº 11.038/97 foi possível re-gulamentar a questão (Loureiro, 2001). Assim, a lei determina que a distribuição de 7% do ICMS dos Municípios seja realizada com base na relação percentual entre a área do Município, multi-plicando-se por três as áreas de

ICMS Ecológico

Região Estados ICMS - Ecológicos Ano da lei

Sul ParanáRio Grande do Sul

19911993

Sudeste São PauloMinas GeraisRio de Janeiro

199319952007

Centro-Oeste Mato Grosso do SulMato GrossoGoiás

199420002007

Nordeste CearáPernambucoPiauí

199620002008

Norte RondôniaAmapáTocantinsAcre

1996199620022004

Fonte: Legislação do ICMS de cada Estado

Quadro 1. Estados Analisados

Page 9: O ICMS Ecológico no Brasil - Revista de Administração Municipal - Edição 277 - IBAM

Ano 57 - Nº 277 Abril/Setembro10

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

preservação ambiental, as terras indígenas e aquelas inundadas por barragens (Marchiori, 2009).

Estas alterações trouxeram para o cálculo as áreas de terras indígenas. No entanto, revogaram dispositivos que enfatizavam a questão da qualidade de vida da população, como Municípios com menor taxa de evasão escolar e menor coeficiente de mortalida-de infantil. Nesta também não há observância a respeito de critérios qualitativos, em relação a manejo e manutenção de áreas de conservação ambiental (Scaff & Tupiassu, 2006).

Estados do Sudeste

O Estado de São Paulo foi o segundo a criar, em 1993, sua legislação sobre o ICMS - Eco-lógico. A Lei complementar nº 8510/93 destinou 0,5% dos recursos para Municípios que possuíssem reservatórios de água destinados à geração de energia elétrica, outros 0,5% para os que possuíssem unidades de conservação. Já o fator área culti-vada, com 3%, critério que busca incentivar a produção agrícola, foi o que teve o maior impacto em função de alteração nos critérios de distribuição do ICMS (João & Bellen, 2005).

A forma apresentada para este cálculo não demonstra de forma clara a relação com a efetiva preservação das unida-des de conservação. Assim, não explicita critérios qualitativos para a preservação das áreas protegi-das, gerando pouco impacto na melhoria ambiental do Estado de São Paulo (Assis, 2008).

Com a criação da Lei do ICMS - Ecológico no Estado de São Paulo, verificou-se aumento da receita em torno de 23% nos Municípios que adotaram

os critérios ecológicos. Muitos passaram a ter, pelos critérios do ICMS - Ecológico, a maior parcela de seus recursos, o que resultou em ganho considerável para o seu desenvolvimento (Scaff & Tupiassu, 2006).

O Estado de Minas Gerais, por meio da Lei nº 12.040, mais co-nhecida como Lei “Robin Hood”, criou em 1995 seu dispositivo, onde incorporou o critério am-biental de distribuição do ICMS aos Municípios. Contemplou critérios (qualitativos e quantita-tivos), a exemplo de educação, patrimônio cultural, número de habitantes por município, produ-ção de alimentos, 50 municípios mais populosos, saúde, área geo-gráfica, receita própria municipal, além do próprio critério ambiental (Fernandes, 2008).

O Estado promoveu diversas alterações em sua legislação. Atualmente, os critérios de dis-tribuição estão definidos na Lei nº 18.030 de 2009, a chamada terceira versão da lei Robin Hood. Nesta lei, podem ser observados os diversos critérios qualitativos e quantitativos adotados.

As alterações trazidas pela atu-al legislação em relação às ante-riores foram redução no critério de distribuição do Valor adicionado fiscal (VAF), no critério população (relação população Município/Estado), na receita própria e nos Municípios mineradores. Houve ainda a criação de novos critérios, como recursos hídricos, Municí-pios sede de estabelecimentos penais, esportes, turismo, ICMS solidário (com o maior percentu-al) e mínimo per capita.

Em relação ao critério meio ambiente, o percentual de rateio da cota-parte dos Municípios pas-sou de 1% para 1,1%, em 2011, sendo distribuído com base em indicadores ambientais. Deste

valor, 45,45% vai para o total de Municípios que investirem em saneamento ambiental, onde será levado em conta o fator de qualidade. Outros 45,45% terão como base no Índice de Con-servação do Município, onde se inclui também o fator qualidade, e consideram-se as unidades de conservação estaduais, federais, municipais e particulares e área de reserva indígena. Por último, há a parcela de 9,1% do total, para os que possuírem área de ocorrência de mata seca (Lei nº 18.030/09).

Já no critério Municípios Mi-neradores houve redução sig-nificativa no percentual, que passou de 0,11% para 0,01%. O critério recursos hídricos foi introduzido, tendo como percen-tual de repasse 0,25%, e leva em consideração a área alagada por reservatório de água destinado à geração de energia (Lei nº 18.030/09).

Em relação aos repasses, conforme Botelho et al. (2007), foram identificados 36 municí-pios mineiros que apresentam unidades de conservação in-tegral, sendo que a soma das atividades agrossilvopastoris teve compensação financeira variável. Ou seja, em alguns casos o ICMS - Ecológico compensou os valo-res advindos dessas atividades e em outros foram abaixo. Assim, Minas Gerais adota um sistema analítico e diferenciado, ao incluir gradualmente novos indicadores e inúmeros critérios para o repas-se de 25% da parcela do ICMS pertencente aos municípios.

No Estado do Rio de Janeiro, com a edição da Lei nº 5.100 de 2007, regulamentada pelo Decreto nº 41.844 de 2009, houve a definição da alocação do percentual a ser distribuído aos Municípios em função do

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ICMS - Ecológico.De acordo com o decreto,

ficou estabelecido que, em 2011, 2,5% da distribuição da cota-parte do Município seja feita com base nos critérios de conservação ambiental acrescido. Tem-se que 1,125% dos recursos devem ser distribuídos aos municípios com unidades de conservação, 0,625% aos que possuem trata-mento de esgoto e lixo e 0,75% aos que possuem recursos hí-dricos.

Estados do Centro-Oeste

O Estado de Mato Grosso do Sul criou o ICMS - Ecológico. Pela Lei Complementar nº 77/94, no entanto, a implementação veio somente pela Lei nº 2.193/00.

Alterada posteriormente pela Lei nº 3.019 de 2005, define que os Municípios que detenham uni-dades de conservação, sejam elas instituídas pelos Municípios, pelo Estado e pela União, incluindo as áreas de terras indígenas, ou aqueles com mananciais de abas-tecimento público, receberão

sua respectiva parcela. O índice utilizado foi 5% da cota-parte. As unidades de conservação foram fortalecidas, quando se criou os dois critérios, já que a captação de água é feita a partir de poços artesianos (Simioni, 2009).

Sua implantação teve caráter de gradualidade. Num primei-ro momento, foram utilizados apenas critérios quantitativos, e numa etapa posterior evolui para critérios qualitativos (Hempel, 2008). Ressalta-se que, como em alguns Estados, a implemen-tação demorou a ocorrer. Ou seja, houve atraso de sete anos a partir da ideia da Casa Legislativa. Sua forma de aplicação vem gerando certa polêmica, vez que a adoção de um único critério vinculado às unidades de conservação beneficia uns Municípios em detrimento de outros (Scaff & Tupiassu, 2006).

Em 2002, primeiro ano de implantação, foram atendidos 44 Municípios e, em 2005, 49 beneficiados com a parcela a título de critério ambiental (João & Bellen, 2005). Neste sentido,

as experiências com o ICMS - Ecológico em Mato Grosso do Sul demonstram que se trata de um instrumento positivo, em que aos poucos os administradores municipais conseguem perceber que as unidades de conservação se tornam oportunidade de gera-ção de renda e não empecilho ao desenvolvimento (Nadir, 2006).

No Mato Grosso, o ICMS - Ecológico é inserido no momento de uma reformulação nos crité-rios de rateio da cota-parte dos Municípios ao ICMS, ocorrida em 2000. Na primeira versão da Lei Complementar nº 73 de 2000 os seguintes critérios são observados: 5% para os que detenham unidades de conser-vação/terra indígena, e 2% para os que possuam saneamento ambiental, que engloba captação e tratamento de água, tratamento e disposição do lixo e sistema de esgotamento sanitário.

O Estado teve atuação mar-cante ao criar, em 2001, o Progra-ma Estadual do ICMS - Ecológico, cuja finalidade era “aumentar a superfície de áreas protegidas, melhorar a qualidade da sua con-servação e aplicar a justiça fiscal, implantando programa de apoio às ações dos municípios para conservação da biodiversidade”. (Hempel, 2008).

A implantação do ICMS - Eco-lógico demonstrou excelentes re-sultados, beneficiando Municípios desde o primeiro ano, quando apenas o critério unidades de conservação era utilizado (Assis, 2008). Assim, o ICMS - Ecológico beneficiou, no primeiro ano de vida, 78 municipalidades, mais da metade dos 139 municípios do Estado (João & Bellen, 2005).

Com o advento da Le i nº 157 de 2004 pode-se per-ceber a retirada do fator sane-amento ambiental, e a inclusão

ICMS Ecológico

O Estado de São Paulo foi o que menos destinou recursos aos critérios ambientais, apenas 1%

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do coeficiente social. Destaca-se que 11% desse novo coeficiente corresponde ao calculo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de cada Município. Sua im-plantação foi realizada de forma gradual. Numa primeira etapa, foram utilizados apenas critérios quantitativos e num segundo mo-mento foi introduzido o critério qualitativo (Nery, 2006).

O Estado de Goiás definiu, por intermédios da Emenda Consti-tucional nº 40 de 2007, que 5% da cota-parte do Município seja distribuída de acordo com lei estadual específica, relacionadas com os preservação do meio ambiente. No entanto, até o pre-sente momento, encontra-se em fase de elaboração de critérios (Antonio, 2009).

Estados do Nordeste O ICMS - Ecológico foi criado

no Estado do Ceará pela Lei nº 12.612 de 1996, em que o índice de repasse ambiental determi-nado foi de 2%. Posteriormente, foram editados os Decretos nº 29.306/08 e 29.981/09, que dispõem sobre os critérios de apuração dos índices percentu-ais destinados ao rateio de 25% pertencente aos Municípios.

Assim, ficou estabelecido que o Índice Municipal de Qualidade do Meio Ambiente levará em considera-ção o Sistema Integrado de resíduos sólidos. As unidades de conservação serão incluídas a partir de 2012, pela integração de indicadores na avaliação de gestão ambiental que compõe o Índice de Sustentabilida-de Ambiental (ISA) dos Municípios, e que é obtido anualmente pelo Programa Selo Município. Selo este com as mesmas características do Estado do Piauí.

Segundo Hempel (2008), o Ceará possui 58 áreas protegidas,

sendo sete de proteção integral e 51 de uso sustentável, distri-buídas em 77 municípios. Assim, atendendo as condições exigidas, os municípios terão seus rendi-mentos aumentados. Segundo o autor, as partes envolvidas, ao se comprometerem com um modelo de desenvolvimento ambiental-mente sustentável, terão possibi-lidade real de mudança, rumo à “equidade com prudência lógica”.

Outros indicadores são utiliza-dos, tal como a qualidade da edu-cação (18%) e a qualidade na saúde (5%). Como no Estado de Pernambuco, por ter abordagem abrangente, passou a se chamar ICMS Socioambiental.

O Estado do Pernambuco criou sua legislação do ICMS - Ecológico com a Lei nº 11.899 de 2000, alterada posteriormen-te pelas Leis nº 12.206/02 e 12.432/03, que redefinem os critérios de distribuição da parte do ICMS que cabe aos muni-cípios. O índice utilizado foi de 3% distribuído em 1% para os Municípios com base em seus índices de conservação, incluin-do o grau de conservação do ecossistema protegido, e 2% aos Municípios que tenham licença prévia para Unidade de Compos-tagem ou de Aterro Sanitário (Lei nº 12.432/03).

Por ser considerada abran-gente, passou a ser chamada de ICMS Socioambiental, já que incluía também critérios sociais, como saúde (2%) e educação (2%). O ICMS Socioambiental, assim como o ICMS - Ecológico, tem como objetivo a conservação e a proteção do meio ambiente, por meio de um instrumento econômico, representando avan-ço na tentativa de encontrar um modelo de gestão ambiental entre os Estados e Municípios brasileiros (Assis, 2008).

Para Loureiro (2007), a exem-plo de outros estados, Pernam-buco deverá potencializar nos próximos anos a adoção de fórmulas de cálculo que utilizem as variáveis qualitativas.

Dentre os 15 Estados que possuem implementados o ICMS - Ecológico o último foi o Estado do Piauí. A recente Lei nº 5.813 aprovada pelo Estado em 2008, contempla os Municípios que se destacam na proteção ao meio ambiente e recursos naturais. Nesta Lei foi criada a figura do Selo Ambiental, que é um docu-mento de certificação ambiental, e onde condicionasse a partici-pação dos Municípios no ICMS - Ecológico ao recebimento do selo. Existem três categorias de selo – A, B ou C – e definiu-se em 5% o índice a ser repassado, a partir de 2011. Os municípios que forem enquadrados como A ficarão com 2% do valor total, os da categoria B, com 1,65% e os da C contarão com 1,35%.

Sua classificação ocorrerá de acordo com o número de itens atendidos num total de nove requisitos. Os Municípios que atenderem seis requisitos do total de nove são classificados na categoria A; os que tenham se adequado a quatro, estarão classificados na categoria B; e, se cumprirem apenas três estarão no grupo C. Os itens analisados serão unidades de conserva-ção ambiental, resíduos sólidos, educação ambiental, controle e combate às queimadas e políti-ca Municipal de meio ambiente (Antonio, 2009).

Embora esta Lei ainda não tenha sido regulamentada, o Piauí inovou ao criar um meca-nismo de certificação para os Municípios. Por outro lado, suas premissas são semelhantes às adotadas pelos outros Estados

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brasileiros que implantaram o ICMS - Ecológico. Acredita-se que esta lei tende a colaborar para que cidades inóspitas do Piauí sejam beneficiadas ao adotar cri-térios de preservação ambiental e qualidade de vida.

Estados do Norte

O Estado de Rondônia foi o primeiro da Região Norte a insti-tuir o ICMS - Ecológico, pela Lei Complementar nº 147 de 1996, a qual destinou 5% para serem distribuídos aos Municípios que dispõem de unidades de conser-vação, incluindo terras indígenas, sejam no âmbito federal, estadual ou municipal.

Com a inserção desse crité-rio, houve redução de 5% no índice igualitário que era 19% e passou para 14%. Em Rondônia o ICMS - Ecológico tem caráter compensatório, pelo fato da área considerada protegida ser aproximadamente de 30%, mais do que em qualquer Estado que tenha esta metodologia implan-tada (Hempel, 2008).

Segundo a pesquisa, que no que se refere ao incentivo gerado pelo instrumento para 28 muni-cípios rondonienses, com baixa produtividade do setor primário e pequena movimentação econô-mica, a existência de Unidades de Conservação é mais importante do que a participação na distribui-ção do ICMS com base no Valor Adicionado Fiscal do município (Hemple, 2008).

O Estado do Amapá criou a Lei nº 322 de 1996. Na ocasião, fez ampla reforma nos critérios de rateio do ICMS. A exemplo do que realizou o Estado de Minas Gerais, assim foi estabelecido o ICMS - Ecológico.

A implantação se deu de for-ma gradual no período de 1998 a

2002, sendo que os percentuais de redistribuição diminuíram os impactos prejudiciais e adversos para os Municípios, o que possi-bilitou sua adaptação de acordo com os percentuais praticados, em especial aqueles que tiveram redução no repasse de recursos. Ao se incluir critérios quantitati-vos e qualitativos, aperfeiçoou e cumpriu as expectativas dos ins-trumentos econômicos (Simioni, 2009).

O critério ambiental contempla 1,4% da quota-parte distribuída aos Municípios, sendo destinados àqueles que possuem unidades de conservação federais, estadu-ais ou municipais. Em relação às Unidades de Conservação segue o modelo de cálculo dos índices realizados no Estado do Paraná (Volpato, 2008).

Em Tocantins, a criação do ICMS - Ecológico ocorreu em 2002, pela Lei nº 1.323, re-gulamentada pelo Decreto nº 1.323/02. É a legislação que atribui o maior percentual de repasse do ICMS por conta do cri-tério ecológico com 13%, o que representa valor bem significativo para os Municípios que atende-rem aos critérios estabelecidos na legislação (João, 2004).

Além das unidades de con-servação, tratamento de água e coleta de lixo, as parcelas de distribuição foram direcionadas à proteção do meio ambiente, m que as inovações foram a in-clusão de critérios de combate às queimadas e critérios vinculados à conservação do solo urbano e rural. Os municípios que instituam e implementem a política muni-cipal do meio ambiente, visando efetivar e elaborar a agenda 21 local, também serão beneficiados pela Lei (Nery, 2006).

O ICMS - Ecológico no Estado do Tocantins tem como finalida-

de incentivar os municípios, na perspectiva da melhoria do meio ambiente e da qualidade de vida. O Instituto Natureza e a Secretaria de Estado do Planejamento e Meio Ambiente de Tocantins de-senvolvem projetos para capacitar e orientar os funcionários das Pre-feituras sobre o ICMS - Ecológico (Marchiori, 2009).

O Acre criou por meio da Lei nº 1.530 de 2004, o ICMS Ver-de, destinando 5% (percentual em 2014) da arrecadação deste tributo para os Municípios com unidades de conservação am-biental ou que sejam diretamente influenciadas por elas. A sua regulamentação se deu a partir de 2009, pelo Decreto nº 4.918, estabelecido de forma progressi-va o índice a ser repassado.

Dentre os critérios previstos na legislação acreana cita-se a existência de unidades de con-servação ambiental, incluindo terras indígenas; unidades pro-dutivas rurais; e propriedades com passivo ambiental florestal regularizado. Além disso, são consideradas outras variáveis, como educação, saúde e taxa de mortalidade infantil (Decreto nº 4.918/09).

Há uma inovação na lei, pois definiu onde devem ser aplicados os recursos, determinando que sejam utilizados exclusivamente na elaboração de projetos de desenvolvimento sustentáveis.

Análise de todos os Estados

Os aspectos referentes à apli-cação do ICMS - Ecológico nos Estados do Paraná, Rio Grande do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Pernambu-co, Ceará, Piauí, Rondônia, Amapá, Tocantins e Acre são apresentados resumidamente do Quadro 2.

ICMS ECOLÓGICO

ICMS Ecológico

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No Estado de Tocantins foram destinados 13% ao ICMS - Eco-lógico. Foi, portanto, o Estado da Federação com maior percentual para repasses aos Municípios. Outro ponto a ser destacado foi a inovação da legislação ao estabe-lecer o percentual de 2% aos que implementarem sua Agenda 21.

O Estado de São Paulo foi o que menos destinou recursos aos critérios ambientais, apenas 1%. O

Estado Ano/Lei

Ano Implentação

Critérios Critérios Qualitativos

Fator Terra Indígena

% de repasse

PR 1991 1992 - Un. de conservação- Mananciais de abastecimento

Sim Sim 5%

RS 1993 1998 - Un. preservação ambiental- Áreas de terras indígenas- Áreas inundadas por barragens

Não Sim 7%

SP 1993 1994 - Reservatórios de água para geração de energia elétrica- Un. de Conservação Ambiental

Não Não 1%

MG 1995 1996 - Meio Ambiente- Municípios Mineradores- Recursos Hídricos

Sim Sim 1,36%

RJ 2007 2009 - Un. preservação ambiental Sim Não 2,5%¹

MS 1994 2002 - Un. de Conservação- Mananciais de abastecimento

Não Sim 1%

MT 2000 2001 - Un. Conservação Ambiental- Terras Indígenas

Não Sim 5%

GO³ 2007 ---- - Preservação do meio ambiente --- ---- 5%

CE 1996 1997 - Resíduos sólidos- Serão integrados indicadores do Pro- grama Selo Município em 2012.

Sim Não 2%

PE 2000 2002 - Un. de conservação- Saneamento

Sim Não 3%

PI 2008 A ser regulamentada

- Resíduos sólidos- Educação ambiental- Preservação da mata- Proteção dos mananciais- Poluição

Sim Sim 5%¹

RO 1996 1997 - Un. de conservação Não Sim 5%

AP 1996 1997 - Un. de conservação Não Sim 1,4%

TO 2002 2003 - Política de meio ambiente- Un. de conservação e terras indígenas- Controle de queimadas- Saneamento ambiental- Conservação da água e solo

Sim Sim 13%

AC 2004 2010 - Un. de conservação Sim Sim 5%²

¹percentual em 2011.² percentual em 2014.³ legislação não regulamentada.Fonte: Legislações estaduais especíicas.

Quadro 2. Critérios de rateio do ICMS – Ecológico em todos os Estados

maior impacto foi gerado em vir-tude da destinação de 3% para as áreas cultivadas, o que incentivou a produção agrícola. Assim, o ICMS - Ecológico beneficiou 169 municí-pios paulistas em 2002, dez a mais do que no ano anterior, num total de R$ 39,6 milhões. No entanto, o repasse não pode ser considerado significativo para um Estado como São Paulo (Hempel, 2008).

Em relação ao Acre há uma

inovação significativa na Lei, pois foi o único que definiu onde os recursos devem ser aplicados, de-terminando que sejam utilizados exclusivamente na elaboração e na execução de projetos de desenvolvimento sustentáveis, vinculados à melhoria das variá-veis descritas na Lei.

Em Minas Gerais, já com a sua terceira versão da Lei Robin Hood, a diminuição do peso

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ICMS Ecológico

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do critério de valor adicionado beneficiou a maior parte dos municípios mineiros, principal-mente os menores. Assim, de acordo com os critérios da Lei, aproximadamente 90% dos municípios tiveram perdas no montante de recursos recebidos, mas os 200 municípios mais pobres do Estado tiveram um aumento no ICMS per capita de 56%. O que leva a crer que os aspectos negativos na redução de receitas podem ser minimizados se o critério ecológico for parte integrante de um pacote de no-vos de cunho ambiental e social (GRIEG - GRAN, 2000).

Uma característica de dez Es-tados da amostra foi a inclusão do critério terras indígenas. Neste sentido, Baines (2001) refletiu: “Se se consegue preservar a co-munidade indígena no contexto da cidade ou se a comunidade é engolida no meio urbano?”. Para os Municípios que possuem áre-as indígenas em seus territórios, e que são contemplados pelo ICMS - Ecológico, a resposta indica que é possível manter as comunidades preservadas nos perímetros urbanos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho levantou as principais características da aplicação do ICMS - Ecológico, analisando os 15 Estados da nação em que este tipo de sistema de incentivo ambiental foi implantado. Como foi de-monstrado no estudo, o ICMS - Ecológico tornou-se impor-tante instrumento na proteção da biodiversidade, pois propor-ciona ganhos financeiros aos Municípios que possuem áreas de conservação ambiental e/ou mananciais de abastecimento e mantêm sua qualidade de preservação.

Com a inserção do critério ecológico, pela redução de crité-rios econômicos, afeta os Muni-cípios que possuem expressiva movimentação econômica, com pouca ou nenhuma dependência da cota fixa, prejudica também as municipalidades mais pobres e que têm grande dependência deste critério. Portanto, os mais diversos cenários devem ser realizados para que seja possível promulgar novas leis com este critério (João e Bellen, 2005).

Os critérios qualitativos foram utilizados por oito dos 15 Esta-dos pesquisados. Este critério representa avanço na busca da otimização do ICMS -Ecológico em favor da consolidação das unidades de conservação, a fim de alcançar a escala sustentável que se pretende.

Assim, há necessidade de se contar com a efetiva participa-ção dos Municípios na gestão ambiental, em parceria com os Institutos Ambientais, realizando trabalhos para informar e esclare-cer, em reuniões, as comunida-des envolvidas. Somente assim se pode diminuir a rejeição em relação às unidades, por parte das comunidades, pois elas teriam a consciência de que as unidades estão trazendo benefícios mate-riais (Loureiro, 2007).

Diante do exposto, o ICMS – Ecológico, apesar de ser ins-trumento ambiental incipiente, demonstra ser abordado por políticas públicas de maneira alternativa para auxiliar na gestão ambiental, mas não se constitui na solução de todos os proble-mas ambientais dos Estados brasileiros.

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

ABSTRACT

RESUMEN

The ICMS Ecological in Brazil, an Instrument of Economic Environment Policy Applied to Municipalities

The objective of this research was to demonstrate the methodology for apportionment of the Ecological ICMS used by Brazilian states and deepen the understanding of these experiences. This methodology provides for the inclusion of eco-logical criteria in determining the rate of division for the quota-share of the ICMS. Since this tax represents a significant percentage share of revenues in the municipalities. Presents the results of the analysis of the laws of each Brazilian state and its forms of allocation of ICMS.

Keywords: Economic Instruments; ICMS - ecological; Environmental management

El ICMS Ecológica en Brasil, un Instrumento de la Política de Medio Ambient Economico Aplicada a Municipios

ICMS Ecológico utilizados por los estados brasileños y profundizar la comprensión de estas experiencias. Esta metodología se prevé la inclusión de criterios ecológicos en la determinación de la tasa de división de la cuota-parte del ICMS. Dado que este impuesto representa un porcentaje importante de los ingresos en los municipios. Presenta los resultados de los análisis de las leyes de cada estado brasileño y sus formas de asignación de ICMS.

Palabras clave: Instrumentos Económicos; ICMS - Ecológica, Gestión Ambiental

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

Tributos imobiliários: carga tributária

RESUMO

Consultor na área de gestão tributária municipal.Autor do livro Política e Gestão Tributária Municipal Eficiente, integrante da Série: O que os gestores municipais devem saber, gerida e editada pelo IBAM. Rio de Janeiro, 2007, de onde foram extraídos alguns conceitos e dados utilizados neste [email protected]

INSTITUIÇÃO E ÔNUS DOS TRIBUTOS IMOBILIÁRIOS

Os tr ibutos imobi l iár ios decorrem da lei que os ins-titui, observados os cânones estabelecidos na Constituição Federal (CF), no Código Tribu-tário Nacional (CTN)3, na Lei Orgânica do Município (LOM), na doutrina e nos costumes locais. Oneram, anualmente, praticamente todos os habitan-tes do Município que sejam pro-prietários, titulares do domínio útil ou possuidores de imóveis localizados na zona urbana ou de expansão urbana, indepen-dentemente de renda, natureza da pessoa (física ou jurídica) e da atividade econômica exerci-da. Isto é, o contribuinte do IPTU é o mesmo da TSP e da CIP, ainda que elas sejam cobradas em separado.

O valor do IPTU é calculado mediante a aplicação das alíquotas estabelecidas no Código Tributário Municipal (CTM) sobre os valores

venais dos respectivos imóveis. As mais usuais se incluem nos seguintes limites: Imóveis edifica-dos, de 0,5 a 1,0%; imóveis não--edificados, de 1,0 a 3,0%.

Em alguns Municípios, as alíquotas são diferenciáveis, também, em função de outros fatores, tais como setorização (setor fiscal 1, 2 etc.), se o ter-reno está murado, ou se existe calçada, ou não.

Já os valores da TSP e da CIP são fixados aleatoriamente e expressos em tabelas anexas ao CTM. Quando muito, rateia-se o custo dos serviços respectivos (coleta de lixo, por exemplo) em função de alguns parâmetros, como a área edificada de cada imóvel ou o consumo de energia elétrica, conforme o caso. A varia-ção entre seus valores é mínima e sem nenhuma vinculação com a do valor venal do bem imóvel.

A carga tributária resultante do IPTU, calculada com a apli-cação de alíquotas fixas, é, em princípio, proporcional4. Quan-

do os valores da TSP e da CIP lhe são adicionados, essa carga assume caráter regressivo porque seus montantes têm participação cada vez menos significativa nos respectivos valores venais, à me-dida que eles crescem. Por isso, constituem fatores de regressi-vidade. É o que se observa na maioria dos CTMs.

Para ilustrar a avaliação da carga tributária dos tributos imobiliários (IPTU + TSP), par-timos de um estudo de caso envolvendo alguns dados e práticas tributárias de determi-nado Município, de médio por-te, com 280.000 habitantes, localizado na Região Sudeste do País. O estudo foi realizado com base no rol de lançamento do IPTU e da TSP, referente ao exercício de 2006, emitido pela empresa responsável pelo processamento eletrônico de dados da Fazenda Municipal, do qual foram selecionados exclusivamente os imóveis residenciais.

Este trabalho pretende expor algumas considerações sobre a instituição e o ônus dos chamados tributos1 imobiliários: IPTU, taxas de serviços públicos (TSP)2 e contribuições de melhoria (CM) e de iluminação pública (CIP), pelo simples fato de que, cobrados no mesmo documento de arrecadação, ou não, são exigidos da mesma pessoa. Também são analisados o peso da respectiva carga tributária e sua influência no potencial tributável do Município.

No final, são apresentadas algumas sugestões para aprimorar o sistema tributário municipal, ante sua importância para o desenvolvimento institucional do Município.

Palavras-chave: Tributo Imobiliário; Taxa de Serviço Público; Carga Tributária; Crédito Tributário.

TRIBUTOS IMOBILIÁRIOS

José Rildo de Medeiros Guedes

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O trabalho teve início com a distribuição dos imóveis em 15 faixas estabelecidas em função de seus valores venais. Cada uma delas explicita a quantidade de lançamentos, os valores lan-çados de cada espécie tributária e do total e as respectivas parti-cipações percentuais. O agrupa-mento possibilitou a individuali-zação do ônus tributário médio, por faixa, mediante a divisão dos valores lançados do IPTU, da TSP e da respectiva soma, pelo número de lançamentos. Em sequência, foi calculada a relação percentual entre o ônus e o valor venal médio. Ou seja, foi definida a alíquota efetiva representativa da carga tributária incidente sobre o imóvel de valor médio de cada faixa. Todos es-ses elementos estão explicitados no quadro I, juntamente com o número total de lançamentos e o produto financeiro da receita esperada.

A leitura ressalta, em pri-meiro plano, a estratificação genérica do patrimônio imo-biliário bastante condensada nas faixas de números 3 a 8, cujas frequências respondem por cerca de 91% do total, e o

ínfimo valor venal médio, infe-rior a R$ 25.000, indício claro de subavaliação do patrimônio imobiliário. Em segundo, a distorção da carga tributária, muito influenciada pelo peso da TSP, proporcionalmente bem superior nos imóveis de menor valor econômico, situ-ação que vai se invertendo à medida que se atinge as faixas de valores maiores. Basta notar que os valores lançados da TSP superaram os do IPTU em cada uma das seis primeiras faixas, ao contrário do que ocorre nas demais. Note-se que a maior alíquota efetiva correspondente à TSP (1,24%) está na primei-ra faixa, enquanto a menor (0,12%) se situa na última. O fato sugere que, nesse Mu-nicípio os valores da TSP não mantêm nenhuma vinculação com o valor venal do imóvel e que, portanto, eles constituem fatores de regressividade da carga tributária, conforme pode ser visualizado no gráfico I.

A carga tributária do exemplo é altamente regressiva até a quarta faixa de valores, dada a forte influência da TSP na sua composição; levemente progres-

siva até a sétima; proporcional até a décima primeira e volta a ser regressiva nas quatro últimas. Por ser cobrada juntamente com a fatura de consumo de energia elétrica emitida pela concessio-nária, sem que o Fisco do Muni-cípio tenha acesso ao respectivo banco de dados, não foi possível incorporar os valores da CIP5 ao referido lançamento. Essa prática impediu a avaliação do nível e da distribuição da carga tributária to-tal, embora, a priori, seus valores, a exemplo dos da TSP, deverão agravar o nível de regressividade demonstrado acima.

Influência Legal

As curvas representativas das alíquotas efetivas relativas ao IPTU são suavemente cres-centes, enquanto são decres-centes as correspondentes à TSP. O pressuposto é de que a fixação das alíquotas nomi-nais do IPTU e dos valores das taxas (definidos no CTM) não foi precedida de análises dos efeitos da incidência dos tributos imobiliários no desem-bolso total dos contribuintes, nem nos cofres municipais. A

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observação empírica do autor tem constatado que esse status quo não destoa muito do obser-vado em Municípios de variados portes, distribuídos pelas nossas regiões distintas geográficas.

A observação coincide com o constatado no estudo efetivado por Pedro Humberto Bruno de Carvalho Jr., Técnico do IPEA6, onde ele destaca o grau de re-gressividade do IPTU, com base em pesquisa na POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares/IBGE) 2002-2003. Nela relaciona o pagamento desse tributo com o gasto médio familiar mensal, por faixa de renda média mensal, de cerca de 8.787 unidades de consumo da POF, que tinham computado gasto com o IPTU. Os dados estão reproduzidos no quadro II.

Embora não se tenha in-formado se no valor pago de IPTU estava incluída, ou não, parcela de TSU, se sobressai o alto índice de regressividade.

O destaque fica com a dispari-dade observada na Região Su-deste entre os 2,37% supor-tados pelos contribuintes de menor renda e os 0,54% de-sembolsados pelos de maior renda. Ou seja, o equivalente a 4,4 vezes a distância entre ambos. Dito de outra forma, a maior carga representa so-mente 0,23% da menor. Os quantitativos corresponden-tes ao Brasil como um todo retratam uma realidade que requer, no mínimo, estudos e debates para avaliar, com maior nível de detalhes, sua performance no cenário tribu-tário municipal.

Influência operacional

Após instituídos por lei, cabe à administração tributária efeti-var a constituição dos créditos tributários7 correspondentes aos tributos imobiliários. Ela se dá por meio do lançamento direto

ou de ofício. Ao Fisco, portanto, compete coletar e manter as in-formações atualizadas relativas às características físicas e jurídicas de cada imóvel e, com base nelas, calcular a matéria tributável (valor venal do imóvel), notificar os con-tribuintes8 e envidar esforços para evitar ou, no mínimo, atenuar a inadimplência.

Apuração dos valores venais

Os valores venais que servem de base de cálculo do IPTU são definidos, como o faz a grande maioria dos Municípios brasilei-ros, na Planta Genérica de Valo-res. A PGV contempla, de modo geral, os valores-base do m² do terreno e do m² da edificação. Para os terrenos, os respectivos valores são estabelecidos em função de fatores extrínsecos, tais como localização, conformação geográfica (aclive, declive etc.), serviços e equipamentos públicos

TRIBUTOS IMOBILIÁRIOS

Tributos Imobiliários

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disponíveis, vizinhanças etc. Aqui se busca captar a valorização po-tencial do bem imóvel como um todo. No caso das edificações, em função de fatores intrínsecos mediante a ponderação dos dis-tintos atributos que sintetizam seus diversos padrões (popular, médio, luxo etc.), com o objetivo de obter o custo de reprodução das benfeitorias. O valor venal do imóvel9, quando edificado, resulta da soma desses dois valores10. O processo, em tese, está apoiado na realidade local retratada no mercado imobiliário: idênticas edificações têm o mesmo custo de reprodução em qualquer re-gião da zona urbana, enquanto o valor final do bem depende de sua localização e dos demais fatores extrínsecos.

Não obstante, tem-se evi-denciado grande divergência

entre os valores venais e os de mercado. A distância entre eles vai se alargando à medi-da que aumenta o tamanho econômico dos imóveis, dada a ínfima consistência técnica no escalonamento do valor da terra nua e na classificação das edificações com base na errática ponderação diferencia-da de partes da sua estrutura (paredes, pisos, acabamentos, estado de conservação etc.)11. Essas deficiências geram duas graves incongruências finais: a fixação de um piso e de um teto para os valores venais atribuídos aos m²s dos terrenos e das edi-ficações e, por conseguinte, aos imóveis.

A ocorrência da primeira (piso) resulta na apuração de um valor venal, quando não maior , bem pare lho

com o valor de mercado. No geral, abarca patrimônios imobi l i á r ios de pequeno porte econômico, não raro um exíguo teto localizado na periferia. Reflete-se na maior participação do valor do terreno no valor total do imóvel. Na segunda (teto), a ocorrência se dá porque os valores do m² fixados nas tabelas atingem seu limite superior quando referenciado às benfeitorias enquadradas no padrão “luxo, ótimo etc.”, o que força a aplicação desse valor naquelas dotadas de ca-racterísticas especiais e mais valorizativas. A frequência da subavaliação se adensa à me-dida que o valor de mercado da edificação se torna bem mais representativo no valor total do imóvel.

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Os servidores que atuam no setor, em sua maior parte, têm consciência da existência des-sa assimetria, mais visível nos imóveis unifamiliares (casas), embora ela esteja presente nos multifamiliares (apartamen-tos)12. O autor, no desenvolvi-mento do estudo de caso, guiado por técnicos do órgão tributário responsáveis pelo lançamento e conhecedores do mercado imobiliário local, participou de le-vantamento informal, envolvendo imóveis distribuídos por pratica-mente toda a malha urbana com o intuito de identificá-la.

Depois de relacionados, os servidores estimaram os valores de mercados para cada imóvel. A seguir, extraíram, dos registros cadastrais, os valores venais dos terrenos e das edificações utilizados no cálculo do impos-to. O conjunto foi disposto em ordem crescente dos valores de mercado. Após, foram calculados os percentuais entre os dois va-lores e entre os valores venais dos terrenos e os respectivos valores venais dos imóveis. Os resultados estão explicitados no quadro III.

A “amostra” não é expressiva em termos estatísticos nem,

evidentemente, permite, a priori, estabelecer parâmetros capazes de referendar as diferenças en-tre os dois valores. No geral, se constata que, à medida que os valores de mercado aumentam, mais cresce a distância entre eles. Em sentido contrário, diminui a representatividade do valor do terreno no valor venal do imóvel. Embora seja prematuro identificar a “lei” que comanda o fenômeno, não deve ser descartada a má for-mação dos valores venais, como variável determinante. O gráfico II seguinte possibilita a visualização das respectivas curvas e a inferên-cia de seus efeitos.

Se a hipótese evidenciada for verdadeira, isto é, caso possa ser estendida a todo o patrimô-nio imobiliário, constata-se que parte significativa dos lançamen-tos, especialmente os referentes aos imóveis de maior potencial econômico do Município, teve por base de cálculo apenas parcela e não a totalidade do valor venal. A discrepância, além de concorrer para incrementar o nível de regressividade da carga tributária, constitui falta grave da administração tributária.

Adicione-se a essa discrepân-cia a concepção, ainda vigente

na doutrina e na jurisprudência, sobretudo na primeira instância do Poder Judiciário Estadual, segundo a qual a definição dos valores venais deve ser objeto de lei municipal específica. A concepção gera, na maioria das vezes, duas consequências: ou se remete o correspondente projeto de lei à Câmara Municipal ou se efetua, via decreto editado pelo Poder Executivo, a correção monetária dos valores estabele-cidos no ano anterior, nos termos do § 2º do art. 97 do CTN13. O autor tem constatado que essa segunda hipótese é amplamente predominante, transformando-se, na prática, em mais um instru-mento de desbalanceamento dos valores venais.

Um exemplo corriqueiro escla-rece a assertiva: se determinada rua da cidade for pavimentada (fator extrínseco de valorização), ao longo de determinado exercí-cio, os valores dos respectivos lo-tes, edificados ou não, até então equivalentes aos da rua vizinha, que permanece sem pavimen-tação, serão acrescidos da mais valia decorrente da conclusão da obra. Se, no lançamento do IPTU do exercício seguinte, os respectivos valores venais fixados

Tributos Imobiliários

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no exercício anterior forem corri-gidos exclusivamente com base no índice de inflação do período, o IPTU dos contribuintes da via pavimentada ficará menor do que o dos contribuintes da via não pavimentada. Substancial-mente, contraria o princípio da isonomia consagrado no inciso II, art. 150, da CF, ao conferir tra-tamento igual entre contribuintes que se encontram em situações distintas.

Se o prefeito do hipotético Município estiver convicto de que, em prol da isonomia, deve editar decreto de aprovação dos valores venais com a incorpora-ção da valorização decorrente da pavimentação, há fortes evi-dências, caso seja motivo de contestação judicial, de que a de-cisão, infelizmente, o reconheça como ilegítimo. Porém, se nova planta de valores aprovada por lei, no exercício anterior, para ser aplicada no seguinte, mantiver os mesmos valores originais, o procedimento estará, certamente, imune a quaisquer constatações.

Isto porque, no primeiro caso, decisões desse teor se apóiam na premissa de que tais altera-ções dos valores implicam em “modificação da base de cálculo do imposto, tornando-o mais oneroso, em desacordo com o § 1º do art. 97 do CTN”14. Já no segundo, quem se aventurará a declarar que a manutenção, por lei, dos idênticos valores, constitui descumprimento desse dispositivo? Ademais, não faltarão os que, menos desavisados, ou não, argumentarão que a lei local é detentora dessa faculdade.

Ora, se a interpretação não se ativer ao cerne do princípio cons-titucional que veda a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça (CF, 150, I), data vênia, se amesquinha. De fato,

reconhecer que a incorporação de qualquer parcela excedente a que decorra da variação do poder aquisitivo da moeda (inflação), quando ela de fato existe, na atualização do valor monetário da base de cálculo, fere legítimos direitos dos contribuintes apoiado § 2º do mesmo art. 97, estar-se-á invertendo o polo prejudicado. No caso, a sociedade detentora dos direitos à educação, à saúde, à assistência social etc., garanti-dos pela CF.

Em sã consciência, não se deve olvidar que a correção mo-netária nada mais é do que um simples instrumento de manuten-ção do poder aquisitivo da moeda e que, consequentemente, o valor corrigido apenas mantém a equivalência patrimonial do bem, em datas distintas. É possível, em prol da razoabilidade, admitir que, caso no período não tenha ocorrido nenhum fator intrínseco ou extrínseco capaz de impactar o valor anterior, a simples correção monetária poderá ser considerada uma atualização.

Em sentido inverso, ao não se efetivar a atualização se estará descumprindo não o § 1º do art. 97 mas, diretamente, o art. 33 do CTN15 e, indiretamente, o art. 146 da própria CF, porque a lei ordinária municipal, assim como a federal ou a estadual, não tem poderes para modificar o CTN. Da mesma forma, o setor tributário estaria laborando em equívoco se, na conclusão do trabalho de apuração dos valores venais, não tiver considerado, por hipótese, eventual fator de desvalorização do bem imóvel.

As normas gerais de ordem tributária, contidas nesses dois parágrafos do art. 97 do CTN, só se justificam se se inferir que seu objetivo é impedir eventuais descaminhos do Poder Executivo.

Um exemplo seria, equivocada-mente, admitir qualquer outro procedimento fiscal cujo resulta-do final não vislumbre apurar o valor venal do imóvel em conso-nância com sua potencialidade econômica, para adequá-lo à realidade sobejamente reconhe-cida pela ciência econômica: os valores de todos os bens econômicos estão sujeitos, ao longo do tempo, a constantes modificações, que se refletem nos seus valores de mercado16. E como assim tem ocorrido des-de os primórdios da civilização, da mesma forma continuará a ocorrer enquanto a propriedade privada estiver assegurada.

Ao fim, há que se louvar a in-terpretação do § 1o do art. 97 do CTN pelo E. Supremo Tribunal Fe-deral. A Suprema Corte entendeu que, quando não há propriamen-te planta de valores estabelecida por decreto, mas procedimentos que tenham acompanhado rigo-rosamente a lei municipal que fixou critérios de cálculo do valor venal do imóvel, não se há de falar em obrigatoriedade de lei, no sentido estrito da palavra, facultado ao Poder Executivo, por intermédio de ato de sua alçada, promover a atualização daquele valor. Esse é o teor, por exemplo, dos julgados referentes aos Recursos Extraordinários nos 109.301-MG e 111.471-MG17.

Como se vê, não é a lei, em sentido formal, que aprova os valores o instrumento adequa-do para solucionar o problema, sobretudo quando encampa práticas generalizadas capazes de produzir anomalias que fazem o IPTU de uns, indevidamente, ser maior do que o de outros, ferindo o princípio da equidade fiscal, contribuindo para a re-gressividade da carga tributária e proporcionando menor ingresso

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de recursos financeiros, em detrimento do fortalecimento do Município, que se apequena frente aos seus compromissos institucionais.

Arrecadação do Crédito Tributário

O crédito tributário decorre da obrigação principal e constitui um patrimônio público de elevado interesse para a população em geral, sobretudo para a menos favorecida em termos financei-ros18. Por exemplo, quando no início do exercício é efetuado o lançamento do IPTU, fica latente a perspectiva potencial de ingres-so de todos os valores lançados nos cofres municipais para ser aplicado, em prol da comunida-de, nos projetos ou atividades eleitos prioritariamente pelos agentes políticos e expressos na lei orçamentária anual. O mesmo ocorre quando é efetuado o lan-çamento dos demais tributos19.

O antecedente Quadro I - Carga Tributária Média - explicita que o lançamento de 2006 do IPTU e da TSU incidente sobre os imóveis residenciais produziu os montantes de R$ 7.925.301 e R$ 6.091.570, totalizando R$ 14.016.872. Ao adicionar a es-

ses valores os correspondentes aos imóveis não edificados e edificados não-residenciais, os valores totais lançados em 2006 alcançaram, respectivamente: R$13.641.142, R$ 10.245.001 e R$ 23.886.143. No mesmo estudo foi constatado que, em 2005, os valores lançados somaram R$ 12.052.896, R$ 6.618.233, e R$ 18.671.129, enquanto a arrecadação do IPTU gerou R$ 7,1 milhões, a da TSU R$ 4,9 milhões e a soma R$ 12 milhões. A perda de R$ 6,7 milhões indica que somente foram arrecadados pouco mais de 64% do valor lançado ou, vista de outro ângulo, cerca de 36% não ingressaram nos cofres municipais por conta a inadimplência20.

O panorama da arrecadação tributária do Município, no quin-quênio 2001/05, exposto no quadro IV, oferece elementos mais propícios para subsidiar análises do conjunto.

A receita tributária de R$ 36,8 milhões, no primeiro exercício, evoluiu para os R$ 44,9 milhões arrecadados em 2005, o maior valor da série, totalizando R$ 201,6 milhões. Isoladamente, o ISS constituiu a principal fonte individual da receita tributária,

sobretudo pelo incremento ob-tido no último biênio, resultando na média anual de R$ 11,8 milhões, seguido do IPTU, cujo ápice ocorreu em 2001 - R$ 8,5 milhões – patamar, a partir do qual inicía-se seu declínio nos exercícios seguintes. A situação se agrava ainda mais se se con-siderar a superveniência de novas edificações ao patrimônio imobili-ário local no referido qüinqüênio.

Não obstante, a média anual da arrecadação dos chamados tributos imobiliários - IPTU mais a TSP e a taxa de iluminação pública – esta nos dois primeiros exercícios e como CIP, no último triênio –, se eleva para R$ 19,8 milhões, lhe conferindo o título de principal fonte de receita tribu-tária do Município. Esse aspecto fica mais acentuado se a ele for agregada a receita da dívida ativa e das penalidades moratórias porque seus maiores devedores são aqueles cujas obrigações cor-respondentes relacionam-se com a propriedade imobiliária que lhes dá origem. Proporcionaram a média anual de R$ 5,3 milhões, bem acima da do ITBI (R$ 3,3 mi-lhões), por exemplo, e, apesar de representar um reforço do caixa, deveria ter sido arrecadada em anos anteriores.

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Infelizmente não estavam disponíveis informações sufi-cientes para quantificar os níveis de inadimplência presentes na arrecadação do universo tributá-rio. Entretanto, os 36% apurados acima, se aplicados sobre os R$ 202 milhões arrecadados no período, indicariam uma evasão da ordem de R$ 73 milhões, algo próximo da arrecadação to-tal dos dois exercícios iniciais. A constatação resulta em flagrante descumprimento do mencionado artigo 11 da LRF (vide nota 19) e na consequente redução de serviços que deveriam ter sido prestados à comunidade.

POTENCIAL TRIBUTÁVEL DO MUNICÍPIO

Conformação institucional

O primeiro artigo da CF, tal-vez o mais expressivo, prescreve que a união indissolúvel dos Municípios, do Distrito Federal e dos Estados forma a República Federativa do Brasil. Esta, por sua vez, constitui-se em Estado Democrático de Direito. No art. 30, ao listar suas competências, mescla: capacidade legislativa no seu território, competência tributária ativa e obrigações perante os munícipes. Dentre elas, destacam-se:

• legislar sobre assuntos de interesse local;

•organizar e prestar os ser-viços

•manter programas de edu-cação pré-escolar e ensino fun-damental;

•prestar serviços de atendi-mento à saúde da população;

• promover, no que couber, adequado ordenamento terri-torial, mediante planejamento e

controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano.

Para cumprir sua missão ins-titucional, a CF assegurou aos Municípios os recursos finan-ceiros estabelecidos no regime constitucional anterior: dotou--lhes de capacidade para instituir e arrecadar os tributos de sua competência (arts. 145 e 156) e o elegeu beneficiário de par-celas originadas da arrecadação de alguns impostos federais e estaduais (arts. 158/9), o que permite individualizar suas fontes perenes de recursos:

Tributos municipais;Transferências institucionais21:Do Estado: parcelas dos im-

postos sobre a circulação de mer-cadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) e sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA);

Da União: por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), amplamente beneficiado pela CF atual, constituído de par-cela dos impostos de renda (IR) e sobre produtos industrializados (IPI).

A confrontação entre os vários dispositivos da CF que listam as obrigações do Município perante sua comunidade e os que lhes asseguram perenes fontes de receita para dotá-lo dos recursos humanos, tecnológicos e mate-riais indispensáveis ao financia-mento dos seus deveres institu-cionais molda sua conformação institucional: esfera de governo com expressivo grau, no seu ter-ritório, de autonomia política, le-gislativa, administrativa, financeira e patrimonial. Esse arranjo cons-titucional expressa a dimensão socioeconômica do Município no contexto nacional. Não será, pois, exagero conferir-lhe status de ente governamental dotado

de capacidade institucional para exercer as funções clássicas do Estado:

Alocativa: aplicação dos re-cursos arrecadados das diversas fontes, visando atender as de-mandas sociais;

Distributiva: possibilitar a equi-dade na alocação dos recursos, com o intuito de minimizar as grandes disparidades sociais;

Estabilizadora: embora de cunho macroeconômico, pode concorrer para atenuar conflitos entre agentes econômicos locais e entre estes e a população.

Composição da receita municipal

As fontes de receitas são indispensáveis para suprir o per-manente processo de dispêndio financeiro do Município. Sua explicitação ficará mais evidente com a visualização (quadro V) da arrecadação do Município, no quinquênio 2001/05.

As receitas tributárias, exami-nadas anteriormente, ocupam a segunda posição no escalona-mento das fontes individuais de receita do Município. Nas transfe-rências institucionais destacam-se a cota-parte do ICMS, sua princi-pal e expressiva fonte individual de receita (R$ média anual de 67,1 milhões), e o Fundo de Par-ticipação dos Municípios - FPM, que obteve o terceiro lugar na ordem de importância (média anual de R$ 23,5 milhões). As transferências do IPVA garantiram ingresso anual médio (R$ 12,1 milhões) bem superior, indivi-dualmente, ao do IPTU (média anual de R$ 7,8 milhões), fato que deve exigir análise circuns-tanciada, em vista das dispari-dades entre a quantidade e o tamanho econômico dos veículos

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licenciados no Município e o dos imóveis. O IRRF (média anual de R$ 3,4 milhões) rendeu o equi-valente ao ITBI (média anual de R$ 3,3 milhões).

As demais receitas corren-tes, embora em montantes sig-nificativos (média anual de R$ 92,2 milhões), compreendem o somatório de várias parcelas. No conjunto, destacam-se a receita das suas aplicações financeiras, as transferências para o Sistema Único de Saú-de (SUS), o Fundef e outros programas compartilhados pelas três esferas de Governo. Como é fácil observar, na sua maioria, compõem as chama-das “receitas carimbadas”. Suas aplicações são vinculadas aos respectivos objetivos e, con-seqüentemente, não permite sua livre disponibilização pelo Governo Municipal.

Todos os valores destacados estão representados, sob a forma de percentuais, no gráfico III.

Eles confirmam que, em mé-dia, cerca de 60% da receita orçamentária estão distribuídos entre a receita tributária (18%)

e às cotas-partes do ICMS, do FPM, do IPVA e às restantes trans-ferências institucionais (42%). Os 40% restantes provêem das demais receitas.

Os quantitativos e percen-tuais destacados no gráfico III permitem posicionar a receita municipal, quanto a sua origem, em dois grandes blocos:

Receitas perenes: Tributárias (RT) e Transferências institucio-nais (TI);

Receitas aleatórias.O primeiro bloco incorpora as

fontes perenes da receita munici-pal. Seu ingresso é automatizado pelas regras que dispõem sobre a instituição e distribuição das receitas tributárias compartilha-das, sobretudo dos impostos. Se somente existisse esse bloco, os percentuais acima, no Município em tela, se elevariam, respec-tivamente, para 30% e 70%. Embora o fluxo das TI não possa ser interrompido unilateralmente, o quadro se agravará se os mon-tantes das receitas originadas de impostos estaduais e federais que lhes dão origem forem re-duzidos mediante a concessão,

por exemplo, de qualquer forma de renúncia fiscal estabelecida em lei estadual ou federal22. A situação se tornará mais crítica se houver redução, unilateral, nas receitas aleatórias.

Esta concepção não se alte-ra mesmo que a arrecadação municipal seja mantida nos níveis atuais, caso em que as correspondentes alocações se manterão inalteradas. Isto não é suficiente para o gestor do fluxo de caixa do Tesouro permanecer tranquilo. Ao contrário, deve manter-se atento porque o com-portamento da principal fonte pode ocasionar-lhe transtornos, visto que a magnitude do seu ingresso independe quase que totalmente da ação do Governo Municipal.

Porém, se a sociedade reque-rer mais ações do Governo Mu-nicipal, incrementos estruturais na receita são indispensáveis. A única hipótese plausível, caso haja necessidade de aumentar o bolo, somente será viável se a política tributária for consentânea com a capacidade contributiva dos seus habitantes e com o

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consequente fortalecimento da gestão tributária.

Sob esse aspecto, é impe-rativo que os agentes políticos tenham plena consciência de que a tributação é muito mais do que um fim em si mesmo: constitui importante instrumento para o desenvolvimento institucional do Município, na medida em que as políticas eleitas por eles gerem ações capazes de minimizar sua dependência financeira e propi-ciar mais quantidade e qualidade na prestação dos serviços públi-cos de sua alçada. Dentre elas, a que resulta no aumento da receita tributária, única fonte de recursos financeiros subordinada às suas decisões.

Estimativa do potencial tributável

O incremento das receitas

do Município depende de ações específicas nos campos legislativo e operacional. O desafio inicial consiste em mensurar o potencial tributável, tendo presentes os limites e condicionantes impostos pela Carta Magna. A singularidade de que, no rol das principais obri-gações impostas pelo Município aos seus munícipes, incluem-se

as de natureza tributária, constitui o ponto de partida básico para essa mensuração porque ele não pode abdicar do direito de instituir os seus tributos23. Dentre eles, destacam-se os impostos, por serem de competência pri-vativa. Os demais são de com-petência comum. O seu conjunto está sintetizado esquema I:

Aliomar Baleeiro (Direito Tribu-tário Brasileiro, Forense, 11ª ed.,

1999, revista e complementa por Misabel Abreu Machado Derzi, 1999, p. 198) ensina que o im-posto difere da taxa, conceituada no artigo 77 do CTN, porque in-depende de qualquer prestação estatal específica ao contribuinte ou por ele provocada. A atividade específica, atual ou potencial, solicitada ou provocada pelo con-tribuinte, dá a tônica da taxa. Do mesmo modo, a contribuição de melhoria decorre da valorização

efetiva (mais valia) de imóvel localizado na área de influência da obra pública que a proporcio-nou, enquanto a contribuição de iluminação pública deve custear os respectivos serviços. Em face da definição conceitual e legal das espécies tributárias, as respectivas obrigações assumem as seguin-tes características:

impostos: seus fatos gerado-res independem de qualquer

atividade estatal específica, re-lativa ao contribuinte. Logo, seu lançamento não está sujeito a nenhuma ação governamental específica;

taxas e contribuições: de-correm do exercício regular do poder de polícia ou da utilização, efetiva ou potencial, de serviço público, específico e divisível, prestado ao contribuinte ou da realização de obras públicas ou da disponibilização dos serviços

Esquema I

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de iluminação pública. Logo, seu lançamento deverá estar subor-dinado à premissa de que elas configuram um quid pro quo, isto é, algo para alguém, em troca de uma retribuição pecuniária correspondente, em princípio, ao custo operacional da atividade que lhes dá origem;

Os im0postos24, ante essas considerações, constituem fontes de financiamento da atividade municipal, enquanto as taxas e as contribuições são, quando muito, fontes de ressarcimento de custos de determinada ativi-dade ou de realização de obras. O § 1º do art. 145 da CF reforça esse entendimento ao ditar que os impostos deverão assumir caráter pessoal e ser graduados segundo a capacidade econômi-ca do contribuinte.

Aliomar Baleeiro (p. 201) edita: “A Constituição brasileira, não obstante adotando a melhor técnica, como alerta F. Moschetti, restringe a obrigatoriedade do princípio (da capacidade contri-butiva, complementamos) aos impostos, conforme dispõe o art. 145, § 1º. É que, enquanto a base de cálculo dos impostos deve mensurar um fato-signo, indício de capacidade econômica do próprio contribuinte, nos chama-dos tributos vinculados – relativos às taxas e contribuições – ela dimensiona o custo da atuação estatal ou a vantagem imobiliária auferida pelo contribuinte, advin-da da obra pública”.

Mais adiante, (p. 255) as-severa: “Na verdade, a pro-gressividade (fiscal) em que as alíquotas sobem, à medida que se eleva o valor venal do imóvel, é a mais simples e justa das progressividades. Trata-se simplesmente de cobrar mais de quem pode pagar mais, para

que os economicamente mais pobres paguem menos. Mas ela somente interessa, por tais razões, àquela camada da popu-lação humilde e desinformada, que nem sempre se faz ouvir”. (Grifos nossos).

O constitucionalista Sacha Calmon Navarro Coelho (Co-mentários à Constituição de 1988, Ed. Forense, p. 256), discorrendo sobre as formas de progressividade que prevê incrementos temporais em prol da obtenção de outros fins inde-pendentemente dos resultados financeiros (extrafiscalidade) e a consagrada no § 1º, art. 145 da CF, ensina com proficiência: “No primeiro caso, a meta optata é remover obstáculos ao plano diretor. Na segunda, procura-se, em função da pes-soa do proprietário (imóveis mais valorizados, número de imóveis possuídos, tamanho da propriedade imóvel etc. (desta-camos) fazer atuar o princípio da capacidade contributiva. Agora, se o suposto rico tiver imóveis, mas não capacidade econômica, a sua alíquota pode ser contestada em juízo”. (os grifos são do original).

A progressividade do IPTU está insculpida explicitamente na Emenda Constitucional nº. 29, de 13/09/200025, da qual se transcreve o seu art. 3º:

“Art. 3º O § 1º do art. 156 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

Art. 156. ........................................§ 1º Sem prejuízo da pro-

gressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá:

I - ser progressivo em razão do valor do imóvel; e

II - ter alíquotas diferentes de

acordo com a localização e o uso do imóvel”.

Se o propósito implícito na definição da carga tributária dos tributos imobiliários for atribuir--lhe caráter progressivo, esse elenco deverá ser reduzido ex-clusivamente ao IPTU, com a consequente exclusão da TSP e da CIP, reconhecidamente fa-tores da regressividade26. Ao se transformar no único tributo imo-biliário, irá responder por aporte significativo no financiamento das ações municipais. Logo, a fixação das alíquotas respectivas consti-tui o instrumento adequado para definir o ônus do IPTU porque, como visto, sua base de cálculo é valor venal do imóvel.

A graduação da carga tributária resultante requer a busca de um ponto de equilíbrio para adequar--se às diferenças socioeconômicas e culturais da sociedade residente no Município. A estrutura e a diversidade do patrimônio imobi-liário local refletem, em princípio, essa desigualdade a qual, em síntese, constitui elemento-chave no planejamento e na implemen-tação da ação governamental. Esse contexto econômico social local sugere que a amplitude e a diversificação da carga tributária, se atenham, dentre outros, aos seguintes princípios:

•equidade - a carga tributária resultante deve estar relacionada com o princípio da capacidade contributiva, baseado na premissa de ser decrescente a utilidade marginal da renda. Ou seja, quan-to maior a renda do contribuinte menor, em termos relativos, é a parcela que ele destina à satisfação das suas necessidades básicas27;

• produtividade - a arreca-dação tributária, como fonte de financiamento das ações gover-

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namentais, deve contribuir com recursos financeiros em mon-tantes adequados para atender às crescentes demandas;

• eficácia - a simplicidade do sistema, aliada à perfeita identifi-cação dos fatos imponíveis e dos respectivos contribuintes, deve reduzir, de um lado, a sonegação e a inadimplência e, de outro, o custo da administração de toda a atividade tributária.

A mensuração dos impactos resultantes das alíquotas, tanto nos bolsos dos contribuintes quanto no caixa do Município, deve se apoiar em cenários capazes de ajudar na definição da política tributária que mais se

ajuste aos interesses da socieda-de. É provável que a avaliação da execução orçamentária do Município em foco, por exemplo, possa fornecer algumas pistas (quadro VI).

Os fluxos de receitas e des-pesas correntes propiciaram, ano a ano, a formação de poupança corrente (item 3), com destaque para o expressivo valor obtido em 200528, em contraposição ao valor dos demais exercícios. A poupança, acrescida das recei-tas de capital, gerou os recursos

destinados aos investimentos e às amortizações da dívida (item 9). Os valores alocados aos investimentos, em 2004, se sobressaíram aos aplicados nos demais exercícios, em contrapon-to à menor poupança amealhada no período (R$ 16 milhões). A realização da mais expressiva operação de crédito no quin-quênio (R$ 13,3 milhões) não impediu a ocorrência do maior déficit orçamentário anual (R$ 5 milhões).

Em resumo, os resultados orçamentários de cada exercício, exceto os do biênio 2003/4, re-gistraram superávits. O de 2005 constituiu reforço substancial para restaurar o equilíbrio fiscal.

No período, sua soma algébrica (R$ 17,8 milhões) foi inferior à do valor acumulado das operações de crédito realizadas (R$ 19,3 milhões), denotando, na realida-de, um déficit orçamentário de R$ 1,5 milhão e um passivo de R$ 8,2 milhões, representado pelo montante das operações de cré-dito deduzido das amortizações (R$ 11,1 milhões). Ademais, o Município pagou R$ 7,3 milhões de juros no período.

A avaliação atual dessa exe-cução orçamentária poderia ter

sido mais favorável, se o nível da inadimplência de 34% da receita tributária, estimada neste traba-lho, gerador de uma perda de R$ 72 milhões, tivesse sido reduzido, por exemplo, para apenas cerca de 10% do valor arrecadado. O impacto resultaria num acréscimo de R$ 22 milhões na arrecada-ção tributária do período, que a elevaria para R$ 224 milhões, com igual aumento na receita total. Esta passaria para R$ 1.240 milhões. Se desse novo valor fossem excluídas as operações de crédito realizadas (R$ 19,3 milhões) e se, mesmo assim, permanecessem os desembolsos com as amortizações (R$ 11,1 milhões) e os R$ 7,3 milhões de

juros, a situação fiscal se man-teria equilibrada, com pequeno superávit, sem necessidade de recorrer ao mercado financeiro. De maneira mais eficaz, teria permitido transformar o que foi pago a título de juros em serviços mais adequados à população, e evitado o decréscimo de aproxi-madamente R$ 20 milhões no patrimônio líquido municipal.

O fato de ter havido operações no mercado financeiro significa, no mínimo, que houve necessi-dade de efetuar ajustes no fluxo

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de caixa. Em 2004, elas tiveram o objetivo de financiar os altos investimentos realizados. No geral, tanto os gastos correntes quanto os de capital apresen-taram tendência ascendente, não obstante o viés, em relação a esses últimos, verificado em 2004. Essa constatação indica que é razoável assentir a neces-sidade de incrementar as receitas municipais.

Esse incremento somente po-derá ser concretizado, de forma segura e permanente, como já exposto, através de reforço da re-ceita tributária. Logo, surgem, ao menos, duas indagações: Qual o nível adequado de dispêndio para satisfazer à demanda da sociedade? Quais os limites da elasticidade da carga tributária, observados os primados da ra-zoabilidade?

A resposta exata à primeira questão é de difícil mensuração, mesmo porque no limite depen-deria de indagações a cada um dos habitantes do Município. De qualquer forma, ela ficaria amarrada à resposta da segunda questão, cujos limites são mais previsíveis. Para avançar na ar-gumentação, nos socorremos de estudo da lavra de Andréa Lemgruber Viol29. Ela identifica, no geral, dois gaps presentes nos sistemas tributários: poten-cial, correspondente à diferença entre o potencial estrutural do valor a ser tributável e o definido legalmente na instituição dos tributos; e o tributário causado pela ineficácia da administração tributária, na medida em que permite ou não consegue evitar a ocorrência de evasões fiscais. O desenho está especificado no gráfico IV.

Andréa Lemgruber asseve-ra que quanto mais eficaz for a administração tributária em

reduzir a evasão, menor será o gap tributário. Isto é, a diferença entre a arrecadação efetiva e a arrecadação potencial (legal), e mais próxima da meta estará a administração tributária que cumpre sua missão.

No Município mencionado neste trabalho estão presentes os dois gaps. O primeiro, confi-gurado na própria carga tributária regressiva, e, o segundo, na subavaliação da base tributável e no elevado índice de inadim-plência. A eliminação de ambos exige a participação dos agentes políticos integrantes, respectiva-mente, dos Poderes Legislativo e Executivo.

Ação legislativa

A ação para modificar o ní-vel e a distribuição da carga tributária, no âmbito do Poder Legislativo, normalmente se inicia com base em projeto de lei encaminhado pelo chefe do Poder Executivo. O projeto deve estar acompanhado de justifi-cativas apoiadas em elementos concretos capazes de convencer, além das lideranças civis do Município, os ilustres vereadores que compõem a Câmara Munici-

pal. Embora seja amplo o leque de possíveis proposições para a política tributária, envolvendo os tributos imobiliários, caso o objetivo seja atribuir grau de progressividade à carga tributária, sobreveem novas premissas:

•substituir todas as isenções subjetivas (por exemplo a conce-dida a aposentados possuidores de um único imóvel)30 por isen-ções objetivas (atribuir alíquota zero a todos os imóveis de menor valor);

•eliminar as atuais TSP e as contribuições, por constituírem fator de regressividade da carga tributária31;

• dimensionar a carga tri-butária segundo a capacidade contributiva;

• graduar as alíquotas em função do valor venal, conjuga-do com as seguintes situações relativas aos diversos tipos dos Imóveis: edificados, residen-ciais, não residenciais e não edificados.

A busca de alternativas para estabelecer o nível de progres-sividade da carga tributária se torna mais palatável, caso se considerem alguns pressupostos

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inerentes ao estado físico e ocu-pacional dos imóveis:

não edificados: quanto menor o número de imóveis disponí-veis, maior a valorização obtida, sobretudo nos setores mais densamente ocupados, sem que seu proprietário desenvolva nenhum esforço para tal. Provável acréscimo da carga tributária re-presenta uma maneira de ratear esse benefício com a sociedade, verdadeira responsável por esse acréscimo patrimonial;

edificados: que podem ser: resi-denciais - empiricamente observa--se uma correlação bastante forte entre o padrão de renda e o valor econômico do imóvel utilizado para residência pelo seu proprie-tário, fator suficiente para justificar a imposição de algum grau de progressividade à carga tributária;

não residenciais: nos imóveis nos quais se exploram atividades econômicas, o ônus dos tributos imobiliários, em princípio, são transferidos para os clientes, dan-do-lhes a característica de impos-tos indiretos32, vez que integram a planilha de custos operacionais das empresas. Ademais, como despesa do estabelecimento, concorre para diminuir o lucro tributável e, consequentemente, o montante a ser pago do respec-tivo imposto de renda.

A graduação das alíquotas encontra forte amparo logístico

nesses pressupostos. Resta de-finir a estrutura para as alíquotas marginais a serem estabelecidas na lei33. Dentre as mais usuais, a fórmula utilizada pela União para cálculo do imposto de renda devido pelas pessoas físicas pode ser aplicada no cálculo do IPTU, como já fazem alguns Municí-pios. O quadro VII contém um exemplo.

Aceitas essas premissas, resta superar as dificuldades presentes nos momentos de definição das alíquotas e das respectivas par-celas a deduzir. Levantamentos individualizados, começando com a estratificação do patri-mônio imobiliário, inicialmente distribuído pelos seus três princi-pais vetores – terrenos, imóveis residenciais e não residenciais –, são fundamentais para possibilitar comparações entre os valores venais e os de mercado. Se a eles forem adicionadas informações disponíveis (séries históricas etc.) dos impactos nos respectivos ônus tributários, ter-se-á, após exaustivas simulações, a base téc-nica para avaliação e escolha das propostas. O uso de ferramentas adequadas da TI (Tecnologia da Informação) certamente ajudará bastante.

A proposta-exemplo apre-sentada a seguir se restringe aos imóveis residenciais, do referido Município, os quais foram redistribuídos em gru-pos definidos por faixas de

valores venais. Em seguida, foram comparados os impac-tos da situação vigente com os da nova carga tributária, tanto nos bolsos dos contribuintes, medidos pelas respect ivas alíquotas efetivas, quanto nos cofres do Tesouro Municipal. O resultado está explicitado no quadro VIII.

Pela proposta, os proprietários dos 18.966 imóveis enquadrados no Grupo R1, correspondentes a cerca de 22% do total, serão totalmente desonerados, inde-pendentemente de qualquer requerimento, pela isenção ob-jetiva. Neles, em princípio, está incluída parte significativa dos prováveis beneficiários das isen-ções subjetivas estabelecidas no CTM atual. Os dos Grupos R2, R3 e R4 – pouco mais de 66% do total – terão, respectivamente, sua carga tributária reduzida ao redor de 14, 11 e 9%. Como se vê, quase 88% dos contribuintes serão beneficiados, com reflexos na redistribuição da renda desse contingente.

Dos 12% restantes, os do Gru-po R5 – 9,5% do total – sofrerão pequeno acréscimo na carga tributária (8%), enquanto para os do Grupo R6 e R7, respectiva-mente 2,2% e 0,16% do total, os futuros acréscimos serão de 94% e 81%. Objetivam corrigir o viés em vigor materializado na elevada iniquidade fiscal vigente. Com essa finalidade, doravante

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passarão a ser tributados, em média, pelas alíquotas efetivas de 0,64% e 0,65%, ainda bem inferiores à atual alíquota efetiva de 0,75% suportada pelos con-tribuintes do Grupo R1. Tanto é assim que, no cômputo geral, os valores lançados relativos aos imóveis residenciais sofrerão um incremento de apenas 5%. O grá-fico V evidencia a redistribuição da carga tributária proposta, em substituição à vigente, fortemente regressiva.

Os argumentos apoiados nos quadros e nos gráficos apresentados expõem as pre-missas implícitas na formulação da política tributária em relação aos tributos imobiliários, me-recendo destaque: a progres-sividade observada em todos os estratos; a isenção objetiva (alíquota 0), beneficiando os contribuintes de pequena ren-da; a definição de nova carga tributária, tendo como referên-cia inicial a vigente; a existência de um único tributo (IPTU) a ser lançado e cobrado; a varia-ção contínua do ônus tributário, mesmo com a mudança da alíquota marginal, em contra-posição ao sistema em vigor; a redução futura nos custos do lançamento (eliminação de 22% dos carnês e respectivas cobranças etc.).

Esse exemplo demonstra que as premissas arroladas proporcio-

nam novo paradigma tributário condizente com os postulados da razoabilidade. Sua conforma-ção final deverá ficar subordi-nada a exercícios semelhantes, envolvendo todo o patrimônio imobiliário e os demais tributos, basicamente o ISS e o ITBI.

Ação administrativa

Aperfeiçoamento do processo de apuração dos valores venais

A correção das anomalias pre-sentes no processo de apuração dos valores venais dos imóveis, vistas anteriormente, caso sejam comprovadas em trabalhos mais específicos do setor tributário, requer, de um lado, a edição de lei específica, apoiada na juris-prudência do STF, contendo as regras que orientarão a ação do Fisco. E, de outro, a implantação de metodologia que incorpore pesquisas sistemáticas junto ao mercado imobiliário e a fontes institucionais34. A finalidade é estabelecer parâmetros que possibilitem a busca de perfeita correlação entre os dois valores.

Seguir a lição de Aliomar Ba-leeiro (p.249) é, mais uma vez, altamente recomendável: valor venal é aquele que o imóvel alcançará para compra e venda à vista, segundo as condições usu-ais do mercado de imóveis. O

preço da venda a prazo incorpora normalmente juros realísticos e a previsão de perda de poder aqui-sitivo da moeda. O próprio mes-tre ensina como o Fisco deve operacionalizar a busca do valor venal: a repartição o apurará, segundo as circunstâncias, con-forme a localização, existência de serviços públicos, possibilidades de comércio etc., e, sobretudo, quando possível, pelo confronto com as alienações mais recen-tes de imóveis semelhantes, no local. Não contraria ao CTN a elaboração de tabelas, ajustadas periodicamente, segundo os dados acima e outros razoáveis, para cada área da zona urbana35.

Embora singela e digna de ser seguida, a implementação da recomendação do ministro Aliomar Baleeiro exige, a priori, a profissionalização do órgão res-ponsável por essa incumbência. Para tanto, os servidores do setor, incluindo os gestores e os técni-cos em quantidade suficiente e capacitação adequada, deverão contar com recursos tecnoló-gicos (hardware e software) e operacionais (espaço físico, veículos etc.) necessários. Além desses insumos, é fundamental a predisposição para atuarem como equipes multidisciplinares sob a óptica do planejamento, nele compreendidas as fases de elaboração dos planos de trabalho, de acompanhamento

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da execução e de avaliação dos resultados.

O objetivo primordial das equipes deve ser conhecer, em detalhes, a estrutura física do heterogêneo patrimônio imobiliário36, corretamente dis-posta graficamente nas chama-das plantas geral, setoriais e de quadra. Além da distribuição das suas unidades imobiliárias por estratos resultantes das descri-ções específicas dos respectivos atributos das edificações, simi-lares a memoriais descritivos sintéticos. Tudo com o intuito de aumentar a probabilidade de ate-nuar a existência das disparidades decorrentes da “pontuação” dos atributos das edificações, que re-sultam nos chamados “padrões”; e criar mecanismos para que os imóveis, sobretudo os dos grupos V em diante do quadro VI, pos-sam ser objeto de extratos mais detalhados37.

Paralelamente, integrar as pesquisas de mercado às tarefas diárias do setor, porque a reali-dade evidencia que cada imóvel pertencente ao patrimônio imo-biliário local, ao ser submetido ao mercado38, será objeto de avaliação.

A avaliação deve contemplar todos os seus atributos, do que

resultará o seu tamanho eco-nômico. Para tanto, devem ser selecionadas as ofertas que, ao longo do tempo, reflitam valores com desejável grau de simetria, como se as partes fossem: um vendedor desejoso, mas não constrangido, que vende para um comprador desejoso, mas não constrangido, ambos se achando inteirados das possibi-lidades econômicas da coisa a ser negociada39;

E permitir que os valores de mercado pesquisados relativo a um imóvel pertencente a deter-minado estrato se aplique a todos os imóveis do estrato, atenuando a atomização da oferta.

Como produto final, sugerese que anualmente o órgão tribu-tário, apoiado em disposição expressa da lei (CTM), elabore proposta de decreto, acompa-nhado de tabelas contendo os valores unitários estabelecidos para o m² do logradouro, ou parte dele, e para o m2 de área da edificação, por estrato. Em se-guida, deve ser submetida, pelo secretário de Finanças/Fazenda, até 30 de novembro de cada ano, à aprovação do prefeito, para servir de base de cálculo do IPTU no exercício seguinte40. A fundamentação deverá ser

acompanhada de demonstra-ções que:

I – comprovem a correlação significativa entre os valores pro-postos e os de mercado;

II – fundamentem os níveis e as prováveis causas de variação, positiva ou negativa, dos valores propostos em comparação com os do período anterior;

III – indiquem as fontes de pesquisas do mercado imobiliário e de publicações técnicas (agen-tes financiadores de habitação, sindicatos de construção civil e outras entidades) e sua periodi-cidade.

Gestão do crédito tributário

As ações para transformar o crédito em numerário, inde-pendentemente de sua origem, devem integrar as obrigações de órgão específico da admi-nistração tributária e dotá-lo dos instrumentos operacionais para realizar, ininterruptamen-te, a cobrança efetiva de todos os débitos até sua quitação. O cadastro de devedores de t r ibutos (CDT) const i tu i o instrumento operacional que abarcará o registro individual de todos os devedores, de tal

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forma que, diariamente, possa ser explicitada, em seus míni-mos detalhes, a situação fiscal de cada um. O montante dos débitos conforma o estoque do crédi to , suscept íve l de variações diárias decorren-tes dos fluxos de ingressos e egressos.

A proposição irá garantir o registro de débito por devedor, seja ele contribuinte ou respon-sável, situação que ocorre, por exemplo, no caso de um menor (contribuinte) ser proprietário de um imóvel sujeito ao IPTU, quan-do o pai (responsável) detém a obrigação de pagar o débito. Para garantir a correta identifica-ção do sujeito passivo, deve-se referenciá-lo a um elemento que seja “universal”, como o código de inscrição do Cadastro de Pes-soa Física da União (CPF), ou de Pessoas Jurídicas (CNPJ).

Como é imperativo transfor-mar todos os créditos tributários em numerário, são imprescindí-veis vários esforços operacionais durante a implementação do permanente e contínuo proces-so de cobrança. A produtividade dos esforços será beneficiada, ao longo do tempo, se for man-tido canal permanente de co-municação com o contribuinte. São eles: avisos, anúncios em jornais, campanhas de publici-dade para sensibilização, centro de chamadas (call center) etc. Ela se materializa quando o con-tribuinte, qualquer que seja ele, que não tiver quitado seu débito no vencimento for, imediatamen-te, lembrado da ocorrência. Essa ação não pode falhar!

É factível supor que se de-terminado contribuinte for lem-brado, via call center, que um débito seu, no dia seguinte, será acrescido de juros de mora, digamos, de 1%41, certamente

lhe acrescentará algum nível de preocupação. Se não for sufi-ciente para ele decidir efetuar o pagamento, demonstrará a certeza de que o Fisco detém o conhecimento da sua situação fiscal e, consequentemente, dis-põe de outros instrumentos para inclusive promover a execução judicial do seu débito.

As ações para ativar o canal de comunicação devem consi-derar as características do crédito tributário. Estas permitem várias classificações. Por exemplo, os originários do lançamento do IPTU podem ser distribuídos sob diversas formas: por valor individual de cada débito (entre o menor e o maior, são inúmeros os valores intermediários); por devedores (muitos contribuin-tes são titulares de um único imóvel, enquanto outros detêm a posse econômica de vários) etc. Outra forma de classificação engloba pessoas sujeitas a várias obrigações, como o profissional autônomo que seja contribuinte duplo do IPTU (residência e escritório), do ISS e da taxa de licença. Todos objetos de lan-çamentos efetivados por uma ou mais unidades funcionais do órgão tributário.

Caso existam devedores relutantes, adotar providências ulteriores, a exemplo da inscri-ção na dívida ativa – passo ini-cial do processo de execução judicial do débito –, em tempo hábil, para evitar a ocorrência da prescrição do direito de cobrança e suas danosas con-sequências. É essencial realizar as cobranças administrativas nos limites de tempo dispo-níveis. Estes se iniciam após a notificação do contribuinte e se findam imediatamente antes de se esgotar o prazo de prescrição da ação para

sua cobrança judicial (art. 174 do CTN).

CONCLUSÃO

Com base nas anál ises, demonstrativos e comentá-rios precedentes, é razoável supor que a ação tributária analisada está eivada de duas impropriedades que impactam, negativamente, a arrecada-ção da receita originada dos tributos imobiliários. De um lado, a regressividade da carga tributária e, de outro, a discre-pância entre os valores venais e de mercado e os elevados índices de inadimplência. Tais constatações, por si só, não conduzem a nenhuma melhora no sistema tributário municipal, salvo se houver a predisposi-ção de avaliá-lo segundo as especificidades institucionais, econômicas e sociais ineren-tes ao Município, com vistas às reformulações capazes de adequá-lo aos legítimos interes-ses da sociedade. No Município referenciado nesse trabalho, as duas determinações requerem várias providências: ajustes na definição da carga tributária; melhoria dos processos de apuração dos valores venais dos imóveis e cobrança dos créditos tributários.

Nos ajustes da carga tributária, assim como na instituição dos seus tributos, é preponderante a participação efetiva e imprescindí-vel dos dois Poderes Municipais, sobretudo a do Legislativo. Para dar forma e conteúdo ao projeto de lei, é recomendável que o Executivo, apoiado em estudos técnicos, formule e justifique proposições que, no caso dos tributos imobiliários, atribua cará-ter progressivo à respectiva carga tributária.

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Já a melhoria dos processos de arrecadação, a cargo do Poder Executivo, envolve o pleno exercí-cio das duas funções básicas de qualquer administração tributária: constituir o crédito tributário cor-respondente aos tributos elenca-dos no CTM; e envidar esforços para que o seu montante seja materializado, sob a forma de recursos financeiros, nos cofres municipais.

A melhoria de ambos os processos requer uma admi-nistração tributária eficiente e eficaz. Tal exigência somente será satisfeita se houver predis-posição do Governo Municipal em profissionalizá-la. Esta pro-posição sugere um questiona-mento: pode o GM agir discri-cionariamente a respeito, como se fora outra atividade qualquer, a exemplo da fiscalização das posturas municipais?

De imed ia to , convém esclarecer que ambas as atividades são caracterizadas por sua submissão e sua vinculação aos princípios constitucionais e legais que regem a administração públi-ca (art. 37 da CF)42. Porém, a tributária se insere no rol das atividades privativas do Estado, o que lhe confere, no mínimo, dimensão temporal perma-nente, conforme explicitam os incisos XVIII e XXII43, do art. 37, da CF verbis:

“XVIII - A administração fa-zendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de

competência e jurisdição, prece-dência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei.” (Grifamos).

“XXII - As administrações tri-butárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de car-reiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e informações fiscais, na forma da lei ou convênio.” (Grifamos).

O caminho escolhido para fortalecer institucionalmente a administração tributária está expresso na EC nº. 42, quando exclui da vedação à vincula-ção de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, de que trata o inciso IV44, do artigo 167, da CF, os recursos prioritários, referidos no trans-crito inciso XXII.

Esse espectro insti tucio-nal confere à lei municipal o poder de estabelecer a vincu-lação anual de determinado percentual da receita oriunda dos impostos municipais para financiar as ações ou providên-cias indispensáveis à manu-tenção e ao aperfeiçoamento permanentes da administração tributária. A nosso ver, a bem--vinda norma constitucional é imperativa, porque a execução das complexas atividades tri-

butárias é obrigatória, inadi-ável e condicionada a vários aspectos:

• legal: a atividade tributária, por determinação constitucional e da legislação infraconstitucio-nal, especialmente dos Códigos Tributários Nacional e Municipal, deve ater-se às disposições deles emanadas;

• administrativo: o órgão encarregado da atividade tri-butária deve estar estruturado de modo que a materialização do crédito tributário se faça ao menor custo possível e cause o mínimo de desconforto ao contribuinte;

•social: o Município é deten-tor de uma série de responsabi-lidades perante a sua população, cujo cumprimento se subordina ao ingresso de recursos financei-ros. Dentre eles, os tributos mu-nicipais concorrem com parcela significativa, ao longo dos tempos futuros.

Inversamente ao que se possa imaginar, os frutos da administração tributária eficiente e eficaz se traduzem em bene-fícios para toda a coletividade – permite a aproximação entre os gastos possíveis e demandados. Em consequência, se for com-provada a correspondência entre os recursos tributários arrecada-dos e as realizações resultantes, tanto em obras quanto em prestação de serviços, ela pode e deve refletir a valorização dos governantes municipais.

NOTAS

1 Os tributos, com ênfase nos impostos, propiciam historicamente a principal fonte de financiamento da atividade estatal, não obstante a resistência e, muitas vezes, as repulsas que desencadeiam. Como não se vislumbra, pelo menos a médio prazo (dezenas e, quem sabe, centenas de anos), outra alternativa, convém alinhavar alguns cuidados a serem observados quando do seu dimensiona-mento financeiro.

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM TRIBUTOS IMOBILIÁRIOS

Tributos Imobiliários

2 Definição genérica das taxas devidas em função da utilização de determinados serviços públicos prestados pelos Municípios. A maioria embute o ressarcimento dos custos dos serviços de limpeza pública e coleta domiciliar de lixo.3 O art. 150, I, da CF veda a exigência ou aumento de tributo sem lei que o estabeleça e com o objetivo de conferir unicidade ao Sistema Tributário Nacional (STN) estabelece os princípios gerais, discrimina os impostos de cada esfera de governo e confere à lei complementar (art. 146, III, a, b e c) a incumbência de definir as normas gerais de direito tributário, especialmente as que dis-põem sobre: definição dos tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos de todas as esferas de Governo do País, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contri-buintes; obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; e adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.Para Sacha Calmon (1998, p. 118), a lei complementar é utilizada, agora sim, em matéria tributária para fins de complementação e atuação constitucional. Adiante discrimina sua importância nacional e serventia: (a) complementar dispositivos constitucionais não auto-aplicáveis; (b) conter dispositivos constitucionais de eficácia contida (ou contível); e (c) fazer atuar determinações consti-tucionais consideradas importantes e de interesse de toda a Nação, razões pelas quais as leis complementares requisitam quorum qualificado. A Lei no 5.172, de 25/10/66, que instituiu o Código Tributário Nacional (CTN), e respectivas alterações, foi assumida, pela jurisprudência e pela doutrina, como a lei complementar referida no art. 146 e, portanto, constitui a base da legislação municipal sobre os seus tributos. Possível dúvida quanto à recepção do CTN, pela atual Constituição, é dirimida por Marcos Flávio R. Gonçalves, ex--Consultor Jurídico do IBAM, in Nota Explicativa nº. 5/94, julho/94. O autor destaca que o assunto já foi objeto de vasta controvérsia, inclusive porque, há alguns anos passados, discutia-se a legiti-midade de a União legislar de modo a restringir a autonomia dos Municípios em questões tributárias e o Supremo Tribunal Federal eliminou a dúvida, decidindo pela competência federal (vide, por exemplo, RTJ 113, p. 1.388 e seguintes).4 Para os especialistas em finanças públicas, o pagamento dos tributos recebe, genericamente, a denominação de carga tributária, medida, no plano individual, pela alíquota efetiva expressa pelo quociente da divisão entre o valor do(s) tributos e a(s) renda (s) do contribuinte, o que permite sua classificação como: proporcional: alíquota efetiva igual, independentemente das rendas ou patrimônios tributáveis; regressiva: alíquota efetiva diminui enquanto aumentam as rendas ou patrimônios tributáveis; e progressiva: alíquota efetiva aumenta em proporção maior que o acréscimo das rendas ou patrimônios tributáveis.Hugh Dalton, ex-chanceler do Tesouro Britânico, (p. 127), assevera que um sistema de impostos regressivos tenderá a aumentar a desigualdade das rendas. O mesmo se pode dizer de sistema de impostos proporcionais ou mesmo levemente progressivos. Entretanto, sistema mais fortemente progressivo tenderá a reduzir a desigualdade, e quanto mais forte for a progressão, mais forte será também esta tendência. 5 A prática de cobrar tributos embutidos nos preços de mercadorias e serviços, sem que eles fiquem bem visíveis aos olhos dos contribuintes, infelizmente aprovada por grande maioria dos agen-tes políticos, se aplica, integralmente à CIP. O veredicto é de que se trata, no mínimo, de um ato contra a cidadania. 6 “IPTU no Brasil: Progressividade, Arrecadação E Aspectos Extra-Fiscais”, publicado no Texto para Discussão Nº 1251 – IPEA, dez. 2006.7 Embora o art. 142 do CTN atribua, privativamente, essa competência à administração tributária, é antiga a discussão sobre a expressão “constituir o crédito tributário pelo lançamento” adotada por ele. O argumento contrário afiança que o “lançamento, no sistema jurídico brasileiro, é apenas declaratório e não constitutivo do crédito, vez que este nasce com a obrigação que lhe dá ori-gem e preexiste ao lançamento propriamente dito”. Esclarecimentos adicionais poderão ser obtidos em Celso Cordeiro Machado. Crédito Tributário, Forense, RJ, 1984, p. 14 e seguintes.

8 Art. 149, I, do CTN.9 O Código Civil instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, em vigor desde 11/01/2003, estabelece no seu art. 79: “São bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente”.10 Também costumam ser usados, em complementação, os chamados fatores corretivos, tipo pedologia, esquina, obsolescência etc. Os respectivos valores (positivou ou negativos) são fixados, quase sempre, arbitrariamente. Não raro, aumentam a distorção no valor final do imóvel.11 Pedro Humberto (2006) acrescenta, no trabalho mencionado, outras causas do fenômeno reportadas por autores citados por ele: Forte pressão política por parte das construtoras, imobiliárias e proprietários de imóveis mais valorizados que têm maior organização e incentivo a lobbies, graças à extração de mais-valia que o imposto pode causar e ao alto valor de mercado dos imóveis que refletiria num imposto pago mais alto. Além disso, os contribuintes mais ricos têm maior poder de contestação judicial.12 Nesses casos há que se considerar outras variáveis tais como o número de unidades, as respectivas frações-ideais etc.13 § 2º: “Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”14 § 1º do art. 97 do CTN: “Equipara-se à majoração do tributo a modificação de sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.”15 Note-se que a base de cálculo – valor venal do imóvel – está definida no art. 33 do CTN, o que impede o Município de modificá-la, salvo se, por absurdo, incluísse o valor do espaço aéreo ou mesmo do subsolo na sua composição.16 Os seguidores das teorias objetivas defendem ser o trabalho aplicado na produção de um bem o principal elemento determinante do seu valor, conduzindo a análise para o campo da oferta, em função dos custos de produção. Já os adeptos das teorias subjetivas, mais recentes, argumentam que a escassez relativa dos bens, conjugada com sua utilidade, aliadas às escalas das preferências individuais, são os efetivos determinantes do valor, deslocando a análise para o terreno da procura.“IPTU. Critérios de reajustamento da base de cálculo do imposto. Lei no 3.681, de 27.12.83, do Município de Belo Horizonte. A Lei no 3.681, do Município de Belo Horizonte, ao estabelecer crité-rios objetivos para a apuração do valor venal dos imóveis, viabiliza a definição da base de cálculo do imposto em cada exercício financeiro, sem necessidade de nova lei. Precedente do Plenário: RE 108.774-9. Recurso Extraordinário não conhecido (Relator Ministro Carlos Madeira)” (RTJ 125, p. 1242).17 “IPTU. Aumento. O Plenário desta Corte, ao julgar, entre outros, os RREE 111.643, 111.137 e 111.665 - que tratam de questão análoga à presente - não os conheceu, por maioria de votos, por entender que, no caso, não havia propriamente planta genérica de valores, uma vez que existia lei municipal estabelecendo os critérios de cálculo do valor venal de cada imóvel, e o valor apurado para cada um não poderia ser discutido em mandado de segurança. Por isso, considerou que não se configura hipótese semelhante à dos inúmeros precedentes deste Tribunal. Recurso extraordi-nário não conhecido (Relator Ministro Moreira Alves)” (RTJ 126, p. 310). 18 Entendemos que o crédito tributário, depois de constituído pelo lançamento, é passível de registro individual no Ativo Financeiro do Município. Para Marcos Flávio R. Gonçalves, o crédito tri-butário é: inalienável: gera a impossibilidade de sua transferência, salvo quando a lei autoriza sua desafetação; impenhorável: não está sujeito a qualquer ônus, exceto por disposição legal; e imprescritível, a não ser nas hipóteses de prescrição previstas em lei.19 O artigo 11 da Lei Complementar nº. 101/2000, mais conhecida com Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), estabelece que a efetiva arrecadação de todos os tributos municipais constitui requisi-to essencial da responsabilidade na gestão fiscal.20 O cálculo é aproximado por ser provável que a arrecadação de 2005 tenha incorporado valores lançados em exercícios anteriores. 21 Estão listadas somente as transferências mais significativas e de livre movimentação, observadas as vinculações às áreas de saúde e de educação. 22 Na visão do autor, práticas como essa, concorrem para desestabilizar o pacto federativo.23 Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante ativida-de administrativa plenamente vinculada (art. 3º do CTN).A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la:I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei;II - a destinação legal do produto de sua arrecadação (art. 4º do CTN).Os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria (art. 5º do CTN).24 No geral, a principal fonte de receita dos Municípios, sobretudo dos pequenos e dos médios, está nas transferências originadas da União e do Estado, garantidas pelo princípio da repartição das receitas tributárias (arts. 157 a 162 da CF). Quando elas ingressam nos cofres Municipais são classificadas como transferências sem que, contudo, seja desqualificada sua origem como imposto.25 Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos mínimos a serem aplicados no financiamento das ações e serviços públicos de saúde.26 Não se deve esquecer que essas taxas estão descritas na maioria dos CTMs, de forma totalmente diversa das características presentes no art. 79 do CTN, que lhes são inerentes. A inobservância tem provocado sua condenação pela doutrina e pela jurisprudência. O mesmo deve ser dito em relação às contribuições, por se tratar de tributo cuja arrecadação deve ser afetada aos gastos que justificaram sua instituição. 27 Como é notório, há várias teorias que vão de encontro a essa assertiva. 28 Vide Quadro V – Fontes de Receita para identificar os incrementos, sobretudo o advindo da cota-parte do ICMS.29 A Definição e o Cômputo da Arrecadação Potencial. Análise do Potencial Econômico-tributário e de seus Condicionantes. Disponível em http://www.joserobertoafonso.ecn.br/30 Somente se efetivam após reconhecimento do direito individual, pela autoridade municipal competente, segundo as condições estabelecidas no CTM.31 A coleta domiciliar de lixo deve ser encarada como ação preventiva na área da saúde e proteção ambiental, enquanto a iluminação pública, além de concorrer para a segurança pública, oferece oportunidade de trânsito das pessoas com maior conforto. Configuram serviços gerais e não específicos, por não serem passíveis de divisibilidade individual.32 Característica observada principalmente nos impostos sobre vendas de mercadorias. O vendedor, contribuinte de direito, cumpre a obrigação de recolher aos cofres governamentais, o valor incluído no preço pago pelo adquirente – contribuinte de fato. 33 Não esquecer que, por força da EC nº 42/03, a vigência da nova lei deve observar, além do princípio da anualidade, o da noventena. Para tanto, seu texto deverá estar publicado até 30/09/x0 para produzir efeitos a partir 01/01/x1. 34 Órgãos de licenciamento de edificações e de execução de obras públicas da Prefeitura, incorporadoras, agentes financiadores, sindicatos da construção civil etc. 35 A propósito, merecem transcrição os comentários de dois renomados mestres do Direito Tributário expostos na reunião onde se discutia a repercussão do princípio constitucional da legalidade do procedimento fiscal adotado por alguns Municípios, (publicado em Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo, Rev. dos Tribunais, 1984, p. 81):“Prof. Rubens Gomes de Souza: Parece-me que dentro da linha de pensamento, que estamos aqui seguindo, a norma tem utilidade, mas precisaria ser formulada, de modo a deixar claro que a atualização do valor monetário, a que se refere este § 2o do art. 97, é aquela que seja prevista ou autorizada em lei e não simplesmente aquela que decorra de um ato administrativo. Para citar um exemplo: as atualizações de plantas de valores que a Prefeitura faz.Prof. Geraldo Ataliba: Sem base na lei. Porque se a lei autorizar, ou determinar que serão atualizados os valores das plantas, eu aceito.” 36 A heterogeneidade resulta, no geral, da estrutura física da divisão espacial e respectivos equipamentos urbanos e, no particular, da existência, em determinadas regiões do território municipal, de imóveis de alto gabarito e, noutras, de baixo padrão, enquanto nas demais predominam variações entre o padrão “alto” e o padrão “baixo”. Nos de alto gabarito, seus habitantes dispõem de inúmeros itens de conforto: amplos espaços definidos em projetos arquitetônicos individuais, alguns identificados por denominações alienígenas (living, suite, hall, boite, kitchen etc.), ao lado de equipamentos como piscina, sauna, garagem para seus automóveis etc. Nos de baixo padrão, as construções, na maioria das vezes, ocupam pequeno espaço, são conjugadas, pelo menos de um lado, e, quando muito, obedecem a um mesmo “típico projeto arquitetônico” disponibilizado, em muitos Municípios, pela própria Prefeitura. Nada mais que um abrigo que possibilite aos seus moradores um mínimo de privacidade, para satisfazerem suas mais íntimas necessidades fisiológicas.37 Para tanto, deve-se utilizar os projetos arquitetônicos, estrutural, elétrico, hidráulico etc. que devem estar arquivados no setor encarregado do licenciamento e aprovação de obras particulares da própria Prefeitura.

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38 O próprio mercado é fortemente influenciado por fatores implícitos (monopólio, oligopólio, livre concorrência etc.) e explícitos (políticos, sociais e institucionais etc.) que interferem sobre os respectivos valores.39 Visa minimizar o que os estudiosos da matéria costumam chamar de parcela de subjetividade, não susceptível de quantificação, presente em qualquer método de avaliação. Porém, mesmo nos mercados mais ativos, a oferta é restrita a uma pequena parcela do universo, restrição que pode ser minimizada com a distribuição estratificada do patrimônio imobiliário.40 Prática semelhante é adotada pelos governadores dos Estados quando editam decreto estabelecendo o valor venal dos veículos, para efeito de cálculo do IPVA e pelo Secretário da Receita Fede-ral (3º escalão da Administração Federal) mediante instrução normativa que fixa o valor da terra nua sobre o qual se calcula o ITR, editada com suporte no § 2º, art. 2º da Lei Federal nº. 8.847/94, que dispõe sobre esse imposto. Ambos, a exemplo do IPTU, de natureza patrimonial. 41 Mormente se a comunicação acrescentar que tanto a poupança quanto as aplicações nos tradicionais fundos de renda fixa estão rendendo, atualmente, menos de 1% ao mês, sobretudo quan-do forem superiores a 2%... 42 O artigo 37 da CF elege os seguintes princípios: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.43 Adicionado pela Emenda Constitucional nº. 42 (Reforma Tributária). 44 “IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de re-cursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo”. (Reda-ção dada pela Emenda Constitucional nº. 42, de 19.12.2003).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBaleeiro, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, Forense, 11ª ed., revista e complementa por Derzi, Misabel Abreu Machado, 1999;Coêlho, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988, Forense, 7ª ed., 1998; Carvalho Jr, Pedro Humberto Bruno. IPTU NO BRASIL: PROGRESSIVIDADE, ARRECADAÇÃO E ASPECTOS EXTRA-FISCAIS”, publicado no TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 1251 – IPEA, dez. 2006;Dalton, Hugh. Princípios de Finanças Públicas, trad. de Maria de Lourdes Modiano, FGV, 4ª ed., 1980;Gonçalves, Marcos Flávio. R. Dívida Ativa Municipal: Como evitar seu crescimento, IBAM, 3ª ed., 2004;Guedes, José Rildo de Medeiros. Política e Gestão Tributária Municipal Eficiente, editado pelo IBAM. Série: O que os gestores municipais devem saber. Rio de Janeiro, 2007;Machado, Celso Cordeiro. Crédito Tributário, Forense, Rio de Janeiro, 1984;Viol. Lemgruber. A Definição e o Cômputo da Arrecadação Potencial. Análise do Potencial Econômico-tributário e de seus Condicionantes. 2008. Disponível em http://www.joserobertoafonso.ecn.br/.

ABSTRACT

RESUMEN

Real state tax: tributary burden

The author presents considerations on the real estate taxes namely: IPTU, public services taxes (TSP), betterment taxes (CM) and public lighting (CIP), which are imposed by the Municipalities to the same person. The article also analyses the respective tributary burden on the contributors and its influence on the tributary potential of the Municipality. Finally, the author gives some suggestions to improve the municipal tributary system , considering its importance to the institutional development of the Municipality.

Keywords: real state tax; public services taxes; tributary burden.

Tributo Inmobiliario: carga tributaria

El autor presenta consideraciones sobre la institución y de los tributos inmobiliarios, a saber: IPTU – impuesto sobre bienes raíces, tasas de servicios públicos (TSP) , contribuciones de mejorías (CM) y de iluminación público (CIP), los cuales son cobrados – en documentos distintos o no - de una misma persona. Por igual, son analizados el peso de la carga tributaria y su influencia sobre el potencial tributario del Municipio. Al fin, son presentadas sugerencias para perfeccionar el sistema tributario municipal, ante su importancia para el desarrollo institucional del Municipio.

Palabras clave: tributo inmobiliario; tasa de servicio público; carga tributaria; crédito tributario.

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O nepotismo sob a ótica da Súmula Vinculante nº 13 do STF: críticas e proposições

RESUMO

NEPOTISMO

INTRODUÇÃO

O presente estudo destina-se a investigar os aspectos contro-vertidos do nepotismo. Trata-se de ocorrência antiga em várias sociedades, que, todavia, com-preende diferentes enfoques, ora benéficos ora pejorativos, confor-me o contexto histórico, social e econômico em que se situa. Assim, o que ora se pretende é auferir e explanar o mais isento conceito de nepotismo, desta-cando deste as faces variáveis, que deformam o seu verdadeiro sentido.

O tema vem ganhando papel de destaque, não apenas no âmbito do Direito, no qual se discute sua legalidade e consti-tucionalidade, mas sobretudo no locutório popular, onde a discus-são assume nuances éticas. Mo-tivada por tais efervescências é

que a presente pesquisa ganhou corpo, no intuito de trazer luz e racionalidade ao emaranhado de impressões vagas e subjetivas sobre a prática do nepotismo.

A empreitada, inserida no campo jurídico do conhecimen-to, perpassa, como não poderia deixar de ser, pela análise das normas e da jurisprudência ati-nentes ao nepotismo, em espe-cial da recém-editada Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal.

Ao longo da pesquisa, verifi-cou-se escassez normativa a res-peito do tema. Tendência alterada apenas recentemente, todavia sem grande precisão e de forma esparsa. Como expoentes do tó-pico, destacam-se as resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, Regimentos Internos de Tribunais e Estatutos

de Servidores Públicos de entes federativos, que não se aplicam de forma geral, mas apenas pontualmente, para destinatários específicos.

Paralelamente, o Supremo Tri-bunal Federal, editando a Súmula Vinculante nº 13, demonstrou posicionamento a respeito do tema, impondo severas restrições à prática do nepotismo. Todavia, tal entendimento não consagra exatamente aquele exposto nos atos normativos precedentes, consistindo em verdade em nova interpretação de dispositivos constitucionais já consolidados no Ordenamento Jurídico.

Assim, revela-se um paradoxo: de um lado, a ausência de instru-mentos normativos e doutrinários a delimitar o nepotismo, e de ou-tro a severidade e a imperativida-de do posicionamento manifesto pela Suprema Corte.

Etimologicamente, a palavra nepotismo tem origem no latim nepos, que significa neto, descendentes a posteridade, e nepotis, sobrinho.O presente estudo destina-se a investigar os aspectos controvertidos do nepotismo não apenas no âmbito do Direito, no qual se discute sua legalidade e constitucionalidade, mas, sobretudo no locutório popular, onde a discussão assume nuances éticas. Diante da Súmula Vinculante foram previstas na Constituição da República, por meio da Emenda Constitucional nº 45/04, como instrumento de pacificação de controvérsias jurisprudenciais, emanando de reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre alguma matéria constitucional.

Palavras-chave: nepotismo, direito, legalidade e constitucionalidade, Súmula Vinculante.

Alice Barroso de Antonio

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós-graduada em Direito Municipal pelo Instituto de Direito Municipal (IDM). Advogada e consultora jurídica da JN&C [email protected]

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Vale dizer, sob o manto de intérprete oficial da Constituição da República, que o Supremo Tribunal Federal assumiu posição que compete ao Senado Federal, a fim de sistematizar e vedar o nepotismo na Administração Pública.

Daí questionar-se o exato âm-bito de aplicação do enunciado sumular, uma vez que a proibição precede a própria definição do nepotismo.

Indaga-se, ainda, consideran-do os fatores motrizes da edição da Súmula Vinculante, se de fato atingirá seus fins sociais, uma vez que a moralização da Admi-nistração Pública vai muito além da simples contenção de certas práticas.

Partindo-se de um levanta-mento conceitual, passando pela análise crítica da estrutura nor-mativa e jurisprudencial vigente, chega-se à conclusão de que o nepotismo, afastado de conceitos subjetivistas, é método, é forma de exercer a Administração Públi-ca. Por si só, não é ato imoral, mas pode servir a intuitos desonestos, assim como qualquer instituto, jurídico ou não.

Destarte, é imprescindível a delimitação dos matizes do insti-tuto, para que se possa distinguir quais são indesejados e passíveis de coerção pelo Direito e quais são úteis para a melhor gestão da coisa pública. Com efeito, destacam-se duas situações oca-sionadas pelo nepotismo: uma imoral, e devidamente rechaçada pela Súmula Vinculante, e outra plenamente antenada com os princípios constitucionais, em especial o da moralidade admi-nistrativa.

Assim, na empreitada que se segue, buscou-se, em breves li-nhas, demonstrar que a aplicação cega e genérica do verbete vincu-

lante é impossível, demandando análise de cada caso concreto, a fim de se concluir quais configu-ram improbidade administrativa e quais revelam inofensivo ne-potismo. Prescindir de tal exame implica violação a princípios, os mesmos que se pretendeu res-guardar com a edição da Súmula Vinculante nº 13 do STF.

O NEPOTISMO: ORIGEM TERMINOLÓGICA E CONCEITO

Para o correto entendimento do tema abordado, imprescindí-vel se faz inicialmente compre-ender o termo nepotismo, sua origem etimológica e seu sentido contextualizado.

Etimologicamente, a palavra nepotismo tem origem no latim nepos, que significa neto, descen-dentes a posteridade, e nepotis, sobrinho. Tal configuração se deve ao surgimento do termo, que se deu para expressar as rela-ções de concessão de privilégios entre o Papa e seus familiares. No período do Renascimento, os papas e outras autoridades da Igreja Católica, por não terem filhos, protegiam seus sobrinhos, nomeando-os a cargos impor-tantes dentro da Igreja. Assim, explica Emerson Garcia:

A divulgação do vocábulo (ao qual foi acrescido o sufixo ismo), no sentido hoje difundido em todo o mundo, em muito se deve aos pontífices da Igreja Católica. Alguns papas tinham por hábito conceder cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais próximos, terminando por lapidar os elementos intrínsecos ao ne-potismo ...1

Até hoje, recorrendo ao di-cionário Aurélio da língua por-

tuguesa, é possível encontrar o seguinte significado para a palavra nepotismo: “Autoridade que os sobrinhos e outros parentes do Papa exerciam na administração eclesiástica”.2

Todavia, atualmente o termo, em sentido amplo, significa fa-vorecimento e abrange qualquer concessão de benesses a paren-tes ou a outras pessoas ligadas ao beneficente por laços de amizade ou de confiança. Mais uma vez, aponta-se a exposição acertada de Emerson Garcia:

O nepotismo, em alguns ca-sos, está relacionado à lealdade e à confiança existente entre o “benemérito” e o favorecido, sendo praticado com o fim pre-cípuo de resguardar os interesses daquele. Essa vertente pode ser visualizada na conduta de Na-poleão, que nomeou seu irmão, Napoleão III, para governar a Áustria, que abrangia a França, a Espanha e a Itália. Com isto, em muito diminuíam as chances de uma possível traição, permitindo a subsistência do império na-poleônico. Em outras situações, o “benemérito” tão-somente beneficia determinadas pessoas a quem é grato, o que, longe de garantir a primazia de seus interesses, busca recompensá-las por condutas pretéritas ou mes-mo agradá-las. Como ilustração, pode ser mencionada a conduta de Luiz XI, que presenteou sua amante Ana Passeleu com terras e até com um marido (João de Brosse), o que permitiu que fosse elevada à nobreza.3

Inobstante os variados sen-tidos que o termo pode ter, importa para o presente trabalho o nepotismo entendido como o favorecimento de parentes de agentes públicos. Mais especifi-

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camente, o emprego no serviço público de parentes de agentes públicos sem o crivo do concurso público.

Com esse sentido, identifica-se o nepotismo no Brasil desde os primórdios, conforme registrado por Telmo da Silva Vasconcelos:

A breve história da nação brasileira, já em seus primórdios, registra a primeira manifestação de tal prática, ocorrida pela pena de Pero Vaz de Caminha, escri-vão de Pedro Álvares Cabral, ao dar conta ao Rei de Portugal das maravilhas que se descortinavam na terra nova:

“E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta vossa terra vi. E, se a algum pouco alonguei, Ela me perdoe, que o desejo que tinha de vos tudo dizer mo fez assim pôr pelo miúdo. E, pois que, Senhor, é certo que assim neste cargo que levo, como em qualquer outra coi-sa que de vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser de mim muito bem servida, a Ela peço que, por

me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de São Tomé Jorge de Osório, meu genro, o que d’Ela receberei em muita mercê.”4

De fato, verifica-se, ao longo de toda a história do Brasil e até os dias atuais, a nomeação de inúmeros servidores aparenta-dos de autoridades dos Poderes Públicos. Tal ocorrência é praxe no âmbito municipal, estadual e federal da Administração Pública e serve perfeitamente para o in-gresso de servidores em cargos comissionados, cuja nomeação é livre.

Não obstante, a sistemati-zação normativa do nepotismo evoluiu muito pouco ao longo da história brasileira. Em verdade, em nenhuma das Constituições do Brasil constou o termo nepo-tismo, nem para vedá-lo, nem para autorizá-lo, como assevera Ivan Barbosa Rigolin:

Nem uma breve referência a esse tema consta de modo explícito, ou mesmo implícito, da Carta de 1988. O assunto é-lhe por completo estranho e inusita-do — como de resto o é desde a primeira Constituição brasileira, que como todas até o presente jamais se abalançou a restringir nepotismos na Administração.5

Apenas recentemente, têm-se verificado algumas normas pontuais e de efeitos limitados versando quanto ao nepotismo, tais como as Resoluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Mi-nistério Público, o Estatuto dos Servidores Públicos da União (Lei nº 8.112/90), Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dentre outros.

Em que pese o vazio legisla-tivo, na noção popular, o nepo-

tismo é associado à imoralidade, assumindo sentido pejorativo, como bem explica Ivan Barbosa Rigolin:

A primeira vocação do cida-dão, o seu primeiro ímpeto ou o seu arroubo inercial é a de convictamente entender que sempre qualquer nepotismo é inadmissível e inaceitável por imoral por injustamente perso-nalístico, anti-isonômico. E co-nhecendo um pouco a espécie humana tristemente reiteramos: é mais forte aquele reproche espontâneo quando o nepotismo é alheio e beneficia a outrem, exatamente como asseverava o conhecido moralista profissional que não suportava privilégios, muito em especial quando deles não participava. Assim, se para cada parente beneficiado mil ci-dadãos não o são, natural resulta que a opinião pública seja a dos mil e não a do único — e tenderá a ser desfavorável à prática.6

Todavia, sendo expressão de estudo técnico jurídico, o presente trabalho não pode adotar como conceito impressões sociais, impregnadas de subjeti-vismo e afastadas de qualquer amparo no Direito Positivo. Assim, desde já se rechaça a conotação depreciativa que envolve o tema do nepotismo, para que se proce-da a uma análise o mais imparcial possível de seus aspectos, que é o objeto do presente trabalho.

A SÚMULA VINCULANTE Nº 13 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Aspectos Formais

Originalmente, as Súmulas Vinculantes foram previstas na Constituição da República, por

NEPOTISMO

Fato é que, em 29 de agosto de 2008, como

última novidade sobre o tema, fora

publicada no Diário Oficial da União a Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal,

visando o combate ao nepotismo no âmbito

do serviço público federal, estadual,

municipal e do Distrito Federal

Nepotismo

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meio da Emenda Constitucional nº 45/04, como instrumento de pacificação de controvérsias jurisprudenciais, emanando de reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre alguma matéria constitucional. Disciplina-da no art. 103-A da Constituição da República, a Súmula Vincu-lante foi regulamentada pela Lei nº 11.417/2006, com período de vacatio legis de três meses, portanto, em pleno vigor a partir de 19 de março de 2007.

A previsão constitucional res-tou assim expressa:

Art. 103-A. O Supremo Tri-bunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas deci-sões sobre matéria constitucio-nal, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administra-ção pública direta ou indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§1º A Súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave in-segurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. (...)

O dispositivo constitucional supratranscrito não deixa dúvidas quanto às hipóteses que ensejam a edição da Súmula Vinculante pelo Supremo Tribunal, carac-terizando situações específicas, nas quais se verificam reiteradas decisões a respeito de determi-

nada norma jurídica, sobre a qual exista controvérsia entre órgãos judiciários ou entre estes e a Administração Pública. Somente nesse caso, expressamente defi-nido pelo art. 103-A, o Supremo Tribunal Federal poderá editar Súmula Vinculante, visando pa-cificar entendimento a respeito de matéria constitucional.

Abordando o procedimento de edição, revisão e cancela-mento de Súmulas Vinculantes, o Procurador Federal Leonardo Vizeu Figueiredo assim conclui:

Da análise dos diversos dispo-sitivos da referida lei, depreende-se que se trata de procedimento objetivo de competência origi-nária e exclusiva do Supremo Tribunal Federal, de natureza objetiva, uma vez que versará, exclusivamente, sobre a validade, interpretação e eficácia de nor-mas jurídicas em face do texto constitucional.7

Destarte, além de outros re-quisitos formais, indispensável à edição da Súmula Vinculante pelo STF é a existência de norma jurídi-ca sobre a qual haja controvérsia entre os órgãos jurisdicionais ou entre esses e a Administração Pública e a relevante multiplica-ção de processos sobre a mesma questão.

Nesse sentido, também apon-ta Dayse Coelho de Almeida, em artigo sobre as Súmulas Vinculan-tes: A generalidade sobre a qual poderia o legislador ter adotado com relação à sumula vinculante foi evitada, conforme podemos observar no artigo 103-A, §1º da CF/88, o qual restringe a súmula vinculante a estabelecer validade, interpretação e eficácia sobre normas determinadas (valendo lembrar que apenas em matéria constitucional) onde existam

controvérsias atuais nos órgãos judiciários e entre estes e a Ad-ministração Pública, ressalvando a intervenção apenas nos casos de insegurança jurídica e possibi-lidade de multiplicação numérica de processos sobre a mesma questão.8

Nessa esteira, a Súmula Vincu-lante nº 13 veio a lume para sanar a polêmica existente quanto ao nepotismo, especialmente quan-to à sua adequação aos ditames constitucionais.

Todavia, divergindo da siste-mática imposta pelo art. 103-A da CR/88, a Súmula Vinculante nº 13 não fora editada tendo em vista norma jurídica determinada, cuja eficácia, validade ou interpre-tação estivesse sendo questiona-da em face da Constituição da República, em diversos julgados anteriores. A Súmula Vinculante nº 13 expressou o entendimen-to do Supremo Tribunal Federal a respeito de um fato, de uma prática usual na Administração Pública, qual seja o nepotismo, que, inobstante, não conta com nenhuma previsão normativa constitucional, salvo em Resolu-ções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público. Vale dizer, a Súmula Vinculante nº 13 não derivou de controvérsia referen-te à norma jurídica, mas sim de controvérsia a respeito da cons-titucionalidade de ato jurídico entendido como ação humana que cria, modifica ou extingue relações ou situações jurídicas.

Entretanto, conforme disposi-ção literal do art. 103-A, somente controvérsia a respeito da valida-de, interpretação e eficácia de normas determinadas pode ser objeto de Súmula Vinculante. Conclui-se, então, que a Súmula Vinculante nº 13 do STF diverge

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do comando constitucional, con-figurando situação sui generis. Com efeito, o objeto da men-cionada Súmula Vinculante é o nepotismo, matéria que não fora normatizada no Texto Constitucio-nal. Sobre o tema destacam-se apenas, de âmbito nacional, Re-soluções do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacio-nal do Ministério Público, que não têm caráter geral.

Inexistindo norma jurídica determinada sobre a qual recaia controvérsia acerca de sua inter-pretação, validade e eficácia, não se configura hipótese ensejadora de Súmula Vinculante. Como já dito, o nepotismo não poderia ser objeto de Súmula Vinculante, mesmo havendo polêmica quan-to a sua constitucionalidade.

Não se pode negar a exis-tência de diversos julgados, em todos os Tribunais, a respeito do tema. De fato, havia e há discus-são a respeito da constituciona-lidade do nepotismo, que, por inúmeras vezes, fora submetida à apreciação do Poder Judiciário, inclusive do Supremo Tribunal Federal.

As reiteradas decisões do STF em determinado sentido já são paradigma para todas as decisões dos demais Tribunais. Todavia a atribuição de efeito vinculante somente ocorreria em casos excepcionais, quando se verifica controvérsia acerca da validade, interpretação e eficácia de nor-mas determinadas, mas não de atos jurídicos.

Em que pesem tais consi-derações, não se duvida que a edição da Súmula Vinculante nº 13 pelo Supremo Tribunal Federal deve-se muito mais aos anseios populares, inflamados pela mídia, que associa o nepotismo à cor-rupção e o considera como em-pecilho à democracia, do que à

configuração da hipótese prevista no art. 103-A da Constituição da República.

Fato é que, em 29 de agosto de 2008, como última novidade sobre o tema, fora publicada no Diário Oficial da União a Súmula Vinculante nº 13, do Supremo Tribunal Federal, visando o com-bate ao nepotismo no âmbito do serviço público federal, estadual, municipal e do Distrito Federal. Destarte, a partir do dia 29 de agosto daquele ano, a Súmula Vinculante nº 13 do STF já vem operando seus efeitos, subme-

tendo os órgãos do Judiciário e a Administração Pública às suas determinações.

Aspectos Materiais

Superados os aspectos for-mais da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal, resta adentrar ao estudo de seu conteúdo material, buscando auferir seu verdadeiro sentido e âmbito de aplicação. Entretanto, em que pesem os esforços, esse estudo não esgota o conteúdo do

enunciado do STF, representando simples debruçamento sobre questões pontuais.

Inicia-se a empreitada trans-crevendo-se os exatos termos do mencionado enunciado sumular:

Súmula Vinculante nº 13: A nomeação de cônjuge, compa-nheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autori-dade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício

de cargo em comissão ou de con-fiança ou, ainda, de função grati-ficada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal.

Analisando-se detidamente a redação da Súmula Vinculante nº 13, infere-se que a conduta considerada contrária à Cons-tituição é a nomeação, para o

NEPOTISMO

Nepotismo

O nepotismo, além de reletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado, desrespeita os postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa

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exercício de cargo em comissão ou de confiança ou ainda de função gratificada na Adminis-tração Pública Direta ou Indireta, de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade no-meante ou de servidor público da mesma Pessoa Jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento.

Primeiramente, defina-se o parentesco como a relação entre pessoas pertencentes a um mes-mo grupo familiar. As ligações de parentesco abrangidas pela Súmula Vinculante nº 13 podem ser as consanguíneas, em que as pessoas descendem de uma ori-gem familiar, ou as por afinidade, que resultam do casamento.

Contudo, não são todos os parentes consanguíneos e afins da autoridade nomeante e de servidores da mesma pessoa jurídica investidos em cargo de direção, chefia ou assessoramen-to que são destinatários do texto sumular, mas apenas os parentes até o terceiro grau. O Código Civil Brasileiro — Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 — prescreve a forma de contagem dos graus de parentesco em seus artigos 1.592 e 1.594, in verbis:

Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas prove-nientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra.

Art. 1.594. Contam-se, na linha reta, os graus de parentesco pelo número de gerações, e, na cola-teral, também pelo número delas, subindo de um dos parentes até ao ascendente comum, e descen-do até encontrar o outro parente.

Conforme determinação do Código Civil, os pais e os filhos

da autoridade nomeante e de seu cônjuge, bem como do ser-vidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento e de seu cônjuge são parentes de 1º grau, os irmãos; avôs e netos são parentes de 2º grau; e os bisavôs, tios, sobrinhas e bisnetos são parentes de 3º grau. Portanto, todos esses estão incluídos na vedação sumular e não podem ser nomeados para exercer car-gos comissionados ou funções de confiança.

Veja-se que a vedação é bem específica e dirige-se aos paren-tes consanguíneos ou afins que sejam nomeados para exercer cargos em comissão, de confian-ça ou função gratificada. Aqueles nomeados para exercer cargos de provimento efetivo ou con-tratados não foram mencionados pelo texto sumular, mesmo que sejam cônjuges, companheiros ou parentes até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomean-te ou de servidor público inves-tido em cargo de direção, chefia ou assessoramento da mesma Pessoa Jurídica.

Com razão, a proibição limita--se aos cargos cujo provimento prescinde de processo seletivo público, sendo livre a escolha de seus titulares pelas autoridades nomeantes. É que a contratação temporária de pessoal e a no-meação para exercício de cargo efetivo dão-se mediante procedi-mento seletivo público, seja ele simplificado ou concurso. Assim, garante-se, para o provimento de cargos efetivos e para a contra-tação de pessoal, a observância do princípio da isonomia entre os interessados. Diferentemente, o princípio da isonomia não é rele-vante para o ingresso em cargos públicos comissionados de dire-ção, chefia ou assessoramento,

ou para funções de confiança, residindo aí a celeuma a respeito do tema.

A distinção na forma de provi-mento dos cargos públicos expli-ca-se em virtude da natureza das funções que seus titulares exer-cem. Com efeito, os servidores públicos titulares de cargos em comissão e funções de confiança desempenham atribuições de coordenação dos demais serviços prestados pela Administração Pública, bem como do próprio funcionamento da máquina ad-ministrativa, tais como direção, chefia e assessoramento. Os servidores públicos que exercem tais cargos e funções sujeitam-se somente ao administrador público, seja ele municipal, es-tadual ou federal, subordinando tantos outros servidores públicos hierarquicamente inferiores. Por isso, os titulares de cargos co-missionados e de funções de confiança devem ser pessoas de confiança do gestor público, que comunguem da sua ideologia e o auxiliem na condução da Admi-nistração Pública. Assim sendo, nada mais natural do que deixar ao arbítrio da autoridade nome-ante a escolha daquele que irá exercer os cargos comissionados e as funções de confiança.

Vale dizer, o exercício dos car-gos em comissão e das funções de confiança traz consigo a ideia de confiança como nota caracte-rística. Logo, em razão das atribui-ções que encerram, requerem os cargos em comissão e as funções de confiança alto grau de confian-ça depositada pelo administrador naquele que irá preenchê-lo, pelo que consequentemente confere-se a ele a liberdade de nomeação e de exoneração.

Nessa esteira, não vigora, para o ingresso em cargos comissio-nados e funções de confiança,

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a exigência constitucional de concurso público, prescrita pelo art. 37, inciso II, in verbis:

Art. 37. A administração públi-ca direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Esta-dos, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e efici-ência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) (...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão decla-rado em lei de livre nomeação e exoneração; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

Assim leciona Walter Brasil Mujalli, distinguindo os cargos em comissão e os cargos de provimento efetivo:

Cargo em comissão ou de pro-vimento em comissão é aquele predisposto ou vocacionado a ser preenchido por um ocupante transitório, da confiança da autori-dade que o nomeou, e que nele permanece enquanto durar essa confiança. Assim, fica desde logo entendido que para o provimento de cargo em comissão não há a necessidade de concurso. A nomeação é livre como também a exoneração.

Cargo efetivo ou de provimen-to efetivo é aquele predisposto a ser preenchido sem transitorieda-de, ou seja, em caráter definitivo.

A sua natureza tende à recepção de um ocupante que permaneça no cargo em caráter transitório.9

Também José dos Santos de Carvalho Filho assevera:

Os cargos em comissão, ao contrário dos tipos anteriores, são de ocupação transitória. Seus titulares são nomeados em função da relação de confiança que existe entre eles e a autoridade nomean-te. Por isso é que na prática alguns os denominam de cargos de con-fiança. A natureza desses cargos impede que os titulares adquiram estabilidade. Por outro lado, assim como a nomeação para ocupá-los dispensa a aprovação prévia em concurso público, a exoneração do titular é despida de qualquer formalidade especial e fica a ex-clusivo critério da autoridade no-meante. Por essa razão é que são considerados de livre nomeação e exoneração (art. 37, II, CF).10

E Hely Lopes Meirelles com-pleta, abordando as funções de confiança:

Em face da EC 19, as funções de confiança, que só podem ser exercidas por servidores ocupan-tes de cargo efetivo, destinam--se, obrigatoriamente, apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (CF, art. 37, V), que são de natureza perma-nente. Tal comando independe de lei, uma vez que o exame desse art. 37, V, revela que para as funções de confiança ele é de eficácia plena, ao reverso do que ocorre em relação aos cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, como ali está dito. Essas funções, por serem de confiança, a exemplo

dos cargos em comissão, são de livre nomeação e exoneração.11

Aponte-se ainda a título de esclarecimento, nos dizeres de Celso Antônio de Mello, a dife-rença entre a função de confiança e o cargo em comissão, visto que a própria Constituição da República o fez, em seu art. 37, V. In verbis:

Funções públicas são plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a en-cargos de direção, chefia ou as-sessoramento, a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche (art. 37, V, da Constitui-ção). Assemelham-se, quanto à natureza das atribuições e quanto à confiança que caracteriza seu preenchimento, aos cargos em comissão.

Contudo, não se quis prevê-las como tais, possivelmente para evitar que pudessem ser preenchidas por alguém estranho à carreira, já que em cargos de comissão podem ser prepostas pessoas alheias ao serviço pú-blico, ressalvado um percentual deles, reservado aos servidores de carreira, cujo mínimo será fixado por lei.12

Como se vê, as funções grati-ficadas são sempre exercidas por servidores públicos titulares de cargo efetivo. Por outro lado, os cargos em comissão podem ser exercidos tanto por titulares de cargos efetivos quanto por pesso-as que não tenham vínculo com a Administração Pública. Traço ca-racterístico de ambos é o vínculo de confiança que perpassa o seu preenchimento, permitindo livre nomeação e exoneração.

Por outro lado, não se pode impedir que os aprovados em

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processo seletivo sejam con-tratados ou nomeados para exercer cargos efetivos apenas pelo fato de possuírem vínculos consanguíneos ou de afinidade com as autoridades nomeantes ou com outros servidores de confiança, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da universalidade de acesso aos cargos e funções públicas, insculpidos na Constituição da República. Nesse diapasão, a Constituição da República de 1988 consagra o princípio da isonomia, expressamente, no caput do artigo 5º, ao mencionar que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Trata-se da igualdade de direitos em todas as esferas, em decorrência da qual se afasta qualquer forma de discriminação.

Se todos são iguais perante a lei, não se pode diferenciar aqueles que têm relações de parentesco com determinados agentes pú-blicos. Por isso, proibir parentes dos agentes públicos de serem contratados, nomeados ou de-signados para ocupar cargos da Administração Direta e Indireta

promove nítida violação de di-reitos fundamentais.

Ademais, o princípio da uni-versalidade de acesso ou ampla acessibilidade aos cargos públi-cos constitui direito de todos os cidadãos, de buscar oportunidade de trabalho independentemente de qualquer laço de parentesco com agentes públicos.

Portanto, a disposição sumular está adstrita apenas às nome-ações para exercício de cargos comissionados ou de funções gratificadas. Os servidores pú-blicos que exercem cargos de provimento efetivo e os contra-tados por tempo determinado não são destinatários da Súmula Vinculante nº 13.

Todavia, se o servidor pú-blico parente, por afinidade ou consanguinidade, da autoridade nomeante ou de outro servidor público de confiança, é titular de cargo efetivo, mas está exer-cendo cargo comissionado ou função gratificada, enquadra-se na vedação da Súmula e, por isso, deve retornar ao exercício apenas do seu cargo efetivo, que não é afetado em virtude das relações de parentesco.

Não obstante, em relação aos cargos de secretário e de ministros, cumpre asseverar que embora sejam, via de regra, de provimento em comissão, seus titulares estão excluídos do âmbito de incidência da Súmula Vinculante nº 13 do STF, pois são agentes políticos. Nesse sentido, pronunciou-se o Presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, em entrevista concedida à Rádio Jus-tiça: “Haveria a exceção de cargos políticos, nas funções de secretá-rios municipais, de Estado ou mi-nistros do Executivo. Em princípio, o tribunal disse que essa é uma função política que não estaria submetida ao critério.”13

E o Ministro Carlos Ayres Britto confirmou, segundo consta nas notícias do STF do dia 21 de agosto de 2008, que “Somente os cargos e funções singelamente administrativos são alcançados pelo artigo 37 da Constituição Federal”.14

Finalmente, o Tribunal Pleno do STF, ao julgar o Recurso Extra-ordinário nº 579.951-4, que foi precedente para a Súmula Vin-culante nº 13, considerou hígida a nomeação de parente de Vere-ador para exercer atribuições de Secretário Municipal, conforme se depreende do voto do eminente Ministro Carlos Britto:

Então, quando o artigo 37 refere-se a cargo em comissão e função de confiança, está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Portanto, os cargos po-líticos estariam fora do alcance da decisão que tomamos na ADC nº 12, porque o próprio Capítulo VII é Da Administração Pública enquanto segmento do Poder Executivo. E sabemos que os car-gos políticos, como, por exemplo, os de Secretário Municipal, são de agentes do Poder, fazem parte do Poder Executivo. O cargo não é em comissão, no sentido do artigo 37. Somente os cargos e funções singelamente adminis-trativos — é como penso — são alcançados pela imperiosidade do artigo 37, com seus lapidares princípios. Então, essa distinção me parece importante para, no caso, excluir do âmbito da nossa decisão anterior os Secretários Municipais, que correspondem a Secretários de Estado, no âmbito dos Estados, e Ministros de Esta-do, no âmbito federal.

E, após a publicação da Súmu-la Vinculante nº 13, o Supremo

Assim, a única medida capaz de moralizar as

nomeações de servidores públicos, afastando

qualquer traço tendente a violar os princípios

da moralidade, da impessoalidade e

da isonomia, seria a institucionalização do concurso público como requisito para ingresso

em qualquer cargo público.

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Tribunal Federal, julgando a Rcl 6.650-MC-AgR/PR, posicionou-se claramente a respeito da celeu-ma, conforme consta no voto do eminente Ministro Cézar Peluso, in verbis:

Trata-se, portanto, de questão ligada à interpretação e, evidente-mente, ao alcance da súmula.

E digo mais: nesse debate, foi consignada expressamente a posição, que ressalvei, quanto à extensão da conclusão de que o alcance da súmula não atingiria os agentes políticos.

É que os agentes políticos exercem atribuições diversas das dos servidores públicos e, portan-to, estão ligados à Administração Pública por vínculo diferenciado. Segundo José dos Santos de Carvalho Filho, acompanhando o entendimento manifestado por Maria Sylvia Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello, in verbis:

São estes agentes que de-sempenham os destinos fun-damentais do Estado e que criam as estratégias políticas por eles consideradas necessárias e convenientes para que o Estado atinja seus fins. (...)

Caracterizam-se por ter fun-ções de direção e orientação estabelecidas na Constituição e por ser normalmente transitório o exercício de tais funções. (...) Por outro lado, não se sujeitam às regras comuns aplicáveis aos ser-vidores públicos em geral; a eles são aplicáveis normalmente as regras constantes da Constituição, sobretudo as que dizem respeitos às prerrogativas e à responsabili-dade política. São eles os Chefes do Executivo (Presidente, Gover-nador e Prefeito), seus auxiliares (Ministros e Secretários Estaduais

e Municipais) e os membros do Poder Legislativo (Senadores, Deputados Federais, Deputados Estaduais e Vereadores).15

Posição idêntica adota o Con-trolador Geral do Município de Belo Horizonte, Luciano Ferraz, afirmando: “Excluem-se da veda-ção apenas os agentes políticos, tais como secretários municipais, por conta da natureza política do cargo que ocupam.”16

Note-se que o entendimento majoritário é no sentido de que os agentes políticos são espécie do gênero agente público, mas não se encaixam no conceito de servidores públicos, que é uma categoria à parte, também dentro do gênero agente público. Daí surgiria a dúvida se estaria vedada a nomeação de parentes consan-guíneos ou afins dos secretários para o exercício de cargos em comissão ou função gratificada. Com efeito, a Súmula Vinculante faz menção expressa ao “côn-juge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, in-clusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica (...)”. Interpretando-se literalmente o dispositivo sumu-lar, somente não poderá exercer cargo comissionado ou função gratificada aquele que detém relação de consanguinidade ou afinidade com a autoridade no-meante ou com outro servidor público. Não sendo o Secretário a autoridade nomeante, nem servidor público, não incidiria a vedação aos seus parentes con-sanguíneos ou afins.

Da mesma forma, não se pode deixar de concluir o mes-mo quanto aos membros do Poder Legislativo, que também são agentes políticos, e não servidores públicos em sentido

estrito. Portanto, também não estaria vedada a nomeação, para exercer cargo em comissão, de confiança ou função gratificada, de parentes consanguíneos ou afins dos senadores, deputa-dos e vereadores. Entretanto, o raciocínio não se aplica ao pre-sidente da Câmara ou Senado, nem ao prefeito, governador ou presidente, pois embora sejam agentes políticos eles são au-toridades nomeantes, condição prevista expressamente no texto sumular.

Não obstante a lógica expos-ta, o aclaramento completo do verdadeiro sentido e alcance do verbete vinculante somente pode ser dado por seus criadores, quais sejam os nobres magistrados do Supremo Tribunal Federal. Assim, a partir do julgamento de casos concretos, gradualmente, restará exatamente definido o âmbito da vedação compreendida na Súmu-la Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal.

CRÍTICAS E PROPOSIÇÕES À APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 13 DO STF

Analisando-se detidamente os precedentes da Súmula Vinculan-te nº 13 do Supremo Tribunal Fe-deral, infere-se que o nepotismo fora considerado inconstitucional por afronta aos princípios da moralidade, da igualdade e da im-pessoalidade, insculpidos no art. 37 da Constituição da República. Assim consignou o eminente ministro Ricardo Lewandowski em seu voto no Recurso Extraor-dinário nº 579.951-4/RN:

Estou afirmando, no meu voto, a partir de um caso concreto que realmente os princípios são autoaplicáveis, que a vedação ao nepotismo decorre exatamente

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da conjugação desses princípios da Constituição, com o etos pre-valente na sociedade brasileira.

E o ilustre ministro Celso de Mello, em seu voto proferido no mesmo julgamento, corrobora o entendimento:

O nepotismo, além de refletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado, desrespei-ta os postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa. E esta Suprema Corte, senhor pre-sidente, não pode permanecer indiferente a tão graves transgres-sões da ordem constitucional.

Concluo o meu voto. E ao fazê-lo reafirmo o meu enten-dimento de que o nepotismo se mostra incompatível com o sistema constitucional, impondo-se, por isso mesmo, a vedação de sua prática a todos os Poderes da República e a todos os níveis em que se estrutura o Estado Federal brasileiro.

Torna-se necessário banir, definitivamente, de nossos cos-tumes administrativos, a prática inaceitável do nepotismo, porque, além de infringente da ética repu-blicana, transgride os postulados constitucionais da igualdade, da impessoalidade, da transparência e da moralidade administrativa.

Assim sendo, a partir da pu-blicação da Súmula Vinculante nº 13, toda nomeação de parentes da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídi-ca investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento passou a ser entendida como afrontosa aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Consagrou-se violação apriorística dos princípios da impessoalidade, da isonomia e da moralidade,

decorrente de nomeação de parentes para cargos administra-tivos, ainda que de provimento em comissão.

Em que pese a força normativa da Súmula Vinculante, inevitáveis alguns questionamentos quanto à sua aplicação cega a todos os casos, por simples subsunção do fato à norma, sob pena de violação a outros princípios, em especial o da razoabilidade, da eficiência, da supremacia do in-teresse público e, até mesmo, ao próprio princípio da isonomia, que tanto se busca resguardar com a edição do verbete vinculante.

É inconcebível considerar-se que a nomeação de indivíduo aparentado a agente público, inde-pendentemente das circunstâncias do caso concreto, fere, per se, os princípios constitucionais nortea-dores da Administração Pública.

Para que se configure ato ímprobo, violação a princípios, passível de repressão pelo Direito, imprescindível a comprovação objetiva de que, no caso concreto, o servidor goza das benesses de seu cargo, sem contudo realizar suas atribuições com dedicação e competência, em igualdade de condições aos demais servidores, apenas fazendo parte dos quadros da Administração, por ser parente de autoridade, sem, de fato, fazer jus à respectiva remuneração.

Por óbvio, a capacitação do servidor para provimento do car-go ou função não é dispensável. Por isso, se o parente desempe-nhar satisfatoriamente suas ativi-dades não há razão para cunhar negativamente de nepotismo e atribuir violação ao princípio da moralidade administrativa à sua nomeação, quando ademais a confiança neste caso se estabe-lece em grau máximo!

É que o nepotismo gera duas situações. Uma é totalmente mo-

ral, adequada ao Ordenamento Jurídico e não pode ser abarcada pela vedação sumular. Trata-se das nomeações de pessoas hábeis, eficientes, vocacionadas, que trabalham duro e desem-penham bem suas funções na Administração Pública, e mais, são parentes da autoridade no-meante, gozando, por isso, de relação de confiança com ela. Estes servidores são perfeitos para exercerem cargos em co-missão ou funções de confiança, nos termos previstos pela Cons-tituição da República. De forma alguma pode-se dizer que suas nomeações atentam contra o interesse público e o princípio da eficiência.

Sendo determinado indiví-duo capacitado para a função e detentor da confiança do admi-nistrador, não há no ato má-fé, desonestidade ou desvirtuação da finalidade pública. Ao contrá-rio, a finalidade pública pode ser amplamente atendida no caso de o servidor comissionado, em que pese ter relação de parentesco com quem o nomeou, cumprir satisfatoriamente suas funções, em estrita observância ao princí-pio da eficiência.

Diferentemente, o nepotis-mo pode promover a realização de interesses particulares, em detrimento do interesse públi-co, empregando pessoas no serviço público que não detêm as qualidades necessárias. Essa situação caracteriza indisfarçável imoralidade e justificou a edição da Súmula.

Corroborando tal entendimen-to, o eminente desembargador Reynaldo Ximenes Carneiro, do Tribunal de Justiça de Minas Ge-rais, assim ressalta em seu voto:

... é preciso que se distinga o nepotismo que representa o

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aproveitamento daqueles que são ligados ao Administrador e que só vão receber o seu venci-mento, do nepotismo em relação à contratação de pessoas de confiança.17

Na mesma linha, o desembar-gador Mauro Soares de Freitas, também do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em brilhante decisão assevera:

Afirma-se ser o nepotismo gritante ofensa a princípios da administração pública, previstos no artigo 37, da Constituição Fe-deral e, portanto, vedado. Afirma-se, até mesmo, ser ofensivo à moralidade. Faço duas perguntas indispensáveis: a primeira, o que se entende por nepotismo? A segunda, o que se entende por moral?

O termo nepotismo deriva-se da palavra “nepote”, que designa-va o sobrinho do Papa, por isto entende-se “nepotismo” como sendo a influência que o sobrinho e outros parentes exerciam na administração eclesiástica. Seria, também, patronato, favoritismo e compadrio. Entretanto, a influên-cia pode ser boa ou má, positiva ou negativa; se boa, nada a recri-minar; se má, deve ser extirpada, após indispensável constatação e é dentro desta ótica que deve ser o termo analisado.

Quanto à “moral”, o que vem a ser esta? Muitos filósofos já pro-curaram defini-la, mas a definição que melhor se adequa é a de que “moral é a regra da boa conduta, da distinção que fazemos entre o que é bom e o que é ruim para nós e para os outros”.

Utilizando um exemplo mile-nar daquele que se considerava Mestre, Jesus Cristo, dizia Ele: “façamos aos outros somente o que queremos que eles nos

façam”. Esta definição e este ensinamento são universais, não se aplicam apenas ao Brasil, e independe do credo religioso, da formação cultural, da posição social ou política do ser humano. Como se observa, nada há de religioso ou político no sentido de obedecer os dogmas desta ou daquela corrente de pensamen-to e a moral está neste terreno como valor da alma, que todos entendem, quando a questão é analisar os valores éticos do comportamento.

Um homem moralizado vale mais do que uma multidão de intelectuais. Por isto a questão moral há de ser analisada, caso a caso, pelo comportamento individual de cada pessoa. Foi muito cômodo tachar o Prefeito de “imoral”, pelas nomeações feitas, sem uma análise do com-portamento de cada um. Como foi fácil tachar de “imoral” todos os juízes que tinham parentes trabalhando em seus gabinetes, quando imoral seria a nomeação para não trabalhar, sendo até de se perguntar se isto foi apurado. Se o nomeado prestava serviço à administração, se produzia, se honrava o cargo, se, numa lingua-gem coloquial, “vestia a camisa da instituição”, a questão há de ser vista de outra forma, com os olhos da moralidade e da ética, na prática de atos sérios, verda-deiros, transparentes, praticados por homens educados moral-mente. Educação moral é aquela que se volta para a formação do homem voltado para o bem, seja do seu próprio, seja do próximo, nunca se esquecendo da regra, sugerida pelo Cristo, que é fazer aos outros aquilo que gostaria que os outros lhe fizessem.

Dentro deste diapasão, qual regra constitucional tem mais valor? A do artigo 37 citado ou a

do artigo 5º, que dispõe que to-dos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza? Aqui, a inconstitucionalidade é muito mais gritante, porque, no Judiciário, o parente de um magistrado tornou-se mais dis-criminado que um leproso nos tempos de antanho. Terá de mu-dar de atividade profissional ou de país, porque na rede pública não conseguirá trabalho. Há ou não distinção? E distinção injusta, porque há cargos de confiança a serem ocupados, onde as normas da confiança, que envolvem es-colha pelos padrões da compe-tência e da confiabilidade, estão dentro das regras que conduzem a moral.18

Não se pode generalizar ques-tão tão subjetiva, mormente em se tratando de cargos cujo preen-chimento pauta-se na relação de confiança com o servidor. Há que se vislumbrar a relação de con-fiança que a autoridade guarda com o nomeado e sua essencia-lidade para o exercício do cargo ocupado, a plena consecução das atribuições a ele inerentes, levando-se em consideração cada caso concreto, conforme posicionamento externado pelo Desembargador Nicanor Silveira do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

Ação Civil Pública - Improbi-dade Administrativa - Nomea-ção para Cargo Comissionado - Assessor Parlamentar Munici-pal - Esposa do Presidente da Câmara de Vereadores - Ato de Nepotismo - Princípio da Mora-lidade Administrativa - Ausência de Lei Vedando a Contratação de Parentes - Descaracterização de Ato que Importe em Impro-bidade Administrativa - Recurso Conhecido e Provido.

NEPOTISMO

Nepotismo

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Enquadrar o nepotismo como infração à Lei de Improbidade Administrativa é trabalho bas-tante tortuoso, uma vez que a própria lei não traça diretrizes para que se possa delimitar seu alcance em referência aos atos praticados pelos administradores para enquadrar, em específico, a imoralidade administrativa.

Ocorrendo a prática do nepo-tismo, deve-se levar em conside-ração as causas, o preenchimento dos requisitos do cargo, a remu-neração compatível recebida por quem foi nomeado e o cumpri-mento do dever por possuir o no-meado aptidão para a profissão que desempenha. “A partir da aferição desses elementos, será possível identificar a possível ina-dequação do ato aos princípios da legalidade e da moralidade, bem como a presença do desvio de finalidade, o que será indício veemente da consubstanciação de ato de improbidade” (Emer-son Garcia).19

É indispensável aferir, no caso concreto, se de fato a nomeação revela mera concessão de van-tagem indevida, favorecimento ilegítimo, sendo por isso contrária à Constituição da República.

Indevida a presunção de que todo parente de agente público ingressa em cargos de comissão ou funções de confiança, apenas em virtude de seu vínculo familiar, sem preencher nenhuma outra condição para o exercício do serviço público. Tal análise é pre-conceituosa, taxando de antemão de corruptos todos os parentes de agentes públicos, e exclui da Administração Pública pessoas competentes, por mero laço con-sanguíneo ou de afinidade.

Exonerar servidores públicos e vetar a contratação de pessoal, em virtude de relações de pa-

rentesco ou de afinidade com ocupantes de cargos públicos, acarreta inegável discriminação, consubstanciando afronta ao princípio da isonomia, bem como violação ao princípio da universa-lidade de acesso dos brasileiros aos cargos e funções públicas.

Considerando-se aprioris-ticamente toda nomeação de parentes de agentes públicos como inconstitucional, constituir-se-á uma sociedade em que ser parente de autoridade pública seja mácula impeditiva ao acesso à Administração Pública, mesmo nas hipóteses previstas em lei. A família, que hoje é vilipendiada em vários aspectos, passaria a ter mais um perverso obstáculo à sua reafirmação.

Nessa senda, afirma Roberto Wanderley Nogueira:

No entanto, tratando-se de um costume entre nós histórico e que data do próprio descobri-mento, não se teria como erradi-cá-lo de modo seletivo e pronto mediante afetação ao princípio isonômico, constitucionalmente agasalhado pela Ordem Jurídica e que não se compraz de igual sorte a todos os segmentos do próprio Estado ao qual se diz proteger em se tendo combatido até então o expediente no âmbito exclusivo do Poder Judiciário bem como por reduzir determinado grupo de pessoas (os parentes na linha de vedação) a algum tipo de cidadania mitigada, como se o parentesco fosse capaz, por si só, de retirar de uns e de outros suas faculdades humanas e a sua própria compostura ética (senso de responsabilidade).20

Por outro lado, se um aparen-tado da autoridade nomeante ou de outro servidor investido em cargo de direção, chefia ou

assessoramento é nomeado para exercer cargo efetivo, entende-se como hígida a nomeação, por ter se submetido a concurso público. Seguindo tal raciocínio, somente as nomeações submetidas ao crivo do concurso público não seriam imorais, satisfazendo ple-namente os princípios constitucio-nais. Conclui-se, portanto, que o que incomoda e é sumariamente considerado como ato imoral é a livre nomeação, prerrogativa con-cedida às autoridades públicas, em se tratando de cargos em co-missão e funções de confiança.

Assim, a única medida capaz de moralizar as nomeações de servidores públicos, afastando qualquer traço tendente a violar os princípios da moralidade, da impessoalidade e da isonomia, seria a institucionalização do concurso público como requisito para ingresso em qualquer cargo público.

Todavia, tendo em vista a relação de fidúcia que deve existir entre o que exerce o car-go comissionado ou a função de confiança e a autoridade do Poder Público, não se pode condicionar o ingresso apenas à aprovação em concurso público, sob pena de se esvaziar as suas atribuições, que são de grande responsabilidade. Por isso é que a Constituição da República, em seu artigo 37, incisos II e V, ga-rante a livre nomeação para tais cargos e funções, ao alvedrio da autoridade competente.

Desse modo, nada mais natu-ral que o nepotismo ocorra nas nomeações para cargos comis-sionados e funções de confiança, porque os parentes gozam entre si de laços de confiança. Rodrigo Andreotti Musetti elucida que:

Decorrência lógica e consti-tucional (e, portanto, autorizado

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pela lei máxima do País) da livre nomeação é a escolha de paren-tes (esposa, pai, irmão, filho) para ocuparem cargos de confiança ou em comissão, salvo casos excepcionais em que o detentor do poder tenha mais confiança em alguém fora da família do que nela própria!21

Além dos requisitos exigidos para o ingresso nos cargos efe-tivos, quais sejam competência para o exercício das atribuições e respeito aos princípios regen-tes da Administração Pública, é indispensável que quem exerce cargo comissionado ou função de confiança detenha bom conceito junto à autoridade pública, seja pessoa de sua plena confiança. Nesse sentido, continua o preci-tado autor:

O fundamento histórico e prático desses cargos é a neces-sidade, reconhecida pelo Poder Constituinte, dos chefes dos poderes possuírem pessoas de sua extrema confiança para ocu-parem cargos de direção, chefia e assessoramento a eles subor-dinados. Se assim não fosse, ou seja, se o Poder Constituinte não garantisse a existência destes car-gos de confiança, a qualidade do serviço público e a estabilidade político-administrativa do Poder Público estariam em constante perigo, à mercê de inúmeras investidas por parte de funcio-nários que, embora estáveis e concursados, poderiam estar comprometidos com interesses político-partidários mesquinhos, sem nenhum compromisso como o bem comum — finalidade da Administração Pública. É por este motivo que o requisito cons-titucional direto para a investidura deste cargo é a livre nomeação; o indireto é a plena confiança

na pessoa que irá ocupá-lo (art. 37, II da CF). Frise-se e reitere-se que a Lei maior do País dispõe que estes cargos serão de livre nomeação; o requisito indireto é apresentado pela doutrina. Segundo a doutrina clássica do Direito Administrativo, cargo em comissão destina-se às funções de confiança dos superiores hierárquicos; não confere estabi-lidade a seu ocupante, podendo este ser demissível ad nutum a critério do poder público.22

A relação de confiança, que caracteriza os cargos de comis-são e as funções gratificadas e justifica a livre nomeação e a livre exoneração, é também a causa do nepotismo. Destarte, para se erradicar o nepotismo, necessá-rio seria vedar a livre nomeação, impondo para todos os ingressos no serviço público o concurso público.

Em sendo assim, todavia, não mais existirá a relação de confian-ça entre o servidor que exerce cargo em comissão ou função de confiança e a autoridade pública e as atribuições desses cargos e funções estarão equiparadas, em grau de responsabilidade, às dos cargos efetivos.

Assim, levando-se às últimas consequências a vedação do nepotismo por si só, restariam extintos, na estrutura funcional do Estado, os cargos em comissão e as funções de confiança. Somente assim se impediria que as autori-dades nomeantes empregassem seus parentes no serviço público, atitude que per se tem sido con-siderada ilícita e imoral.

À mesma conclusão chegou o já citado Roberto Wanderley Nogueira, in verbis:

Com efeito, se se quiser de verdade eliminar da cena insti-

tucional brasileira a prática do nepotismo só há duas alterna-tivas igualmente esclarecidas e potencialmente eficazes a seguir: a primeira delas diz respeito à eliminação, na estrutura funcional do Estado, em todos os seus seg-mentos e hierarquias, da figura jurídica do “cargo comissionado” ou “de confiança”; ...23

Medida tão drástica, contudo, embora eficaz para as nomeações de cargos e funções públicos, não atingiria o objetivo desejado, qual seja evitar o empreguismo, o aproveitamento de parentes em serviço público e o favorecimento indevido de poucos em detri-mento da coletividade.

É que a causa da imoralidade administrativa, no enfoque ora estudado, não reside apenas na prerrogativa de livre nomeação e exoneração de servidores, mas no caráter das pessoas investidas de Poder Público. Não importa quantos entraves o Direito possa criar à conduta ilícita, imoral e corrupta, sempre se pode subver-ter a ordem vigente, como aduz Roberto Wanderley Nogueira:

Mesmo agora em que o STF decidiu por conferir elastério à vedação para valer em todos os segmentos da estrutura do Estado brasileiro, sucede que não será jamais possível evitar o fenômeno, porque ele pode ser invariavelmente travestido. Exemplo disso é a possibilidade de “troca” com a iniciativa privada. O parente do agente público vai trabalhar em alguma empresa do conhecimento daquele que ocupará o cargo comissionado no serviço público e o quadro con-tinuará, portanto, rigorosamente inalterado. O salário daquele pode, inclusive, ser bancado por este. Nesse caso, quem haverá

NEPOTISMO

Nepotismo

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NOTAS1 GARCIA, Emerson. O nepotismo. JAM Jurídica, Salvador, ano 11, n. 4, p. 1-9, abr. 2006.2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa, século XXI. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. 2127 p.3 GARCIA, ob. cit.4 VASCONCELOS, Telmo da Silva. O princípio constitucional da moralidade e o nepotismo. L&C Revista de Direito e Administração Pública, Brasília, ano 5, n. 50, p. 27-30, ago. 2002.5 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Sobre o nepotismo: uma reflexão sobre moralidade e moralismo. Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 7, n. 80, p. 10-15, out. 2007.6 RIGOLIN, ob. cit.

de regular também esse espaço afeto à autonomia da vontade? Quais os mecanismos de resis-tência contra uma tal forma de nepotismo disfarçado?24

Por isso, é imprescindível a análise de cada caso concreto, não apenas de nomeação de servidores públicos, mas de todos os atos administrativos, perquirindo suas especificida-des, suas finalidades e seus efeitos. Apenas dessa forma aproxima-se de um controle mais eficaz da moralidade na Administração Pública. Note-se que não se trata de controle apriorístico, feito pela edição de normas e súmulas gerais e abstratas, aplicáveis a todas as hipóteses indefinidamente, mas sim de exame apurado de cada situação fática.

Tal controle perpassa ainda pelo princípio da razoabilidade, apurando-se, em cada caso, o que está, ou não, dentro dos limites do aceitável. Nos dizeres de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sinto-nia com o senso normal de pes-soas equilibradas e respeitosas das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida. Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas — e, portanto, jurisdi-cionalmente invalidáveis —, as condutas desarrazoadas, bizarras,

incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam aten-didas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada.25

Assim, a moralidade das no-meações de servidores para car-gos em comissão ou funções de confiança pode ser aferida pela sua razoabilidade. Na análise de cada caso, deve-se indagar se é ou não razoável a nomeação. Em outras palavras, no caso concreto, se é aceitável ou não a nomeação de um parente da autoridade nomeante ou de servidor inves-tido em cargo de direção, chefia ou assessoramento para exercer cargo comissionado ou função de confiança.

Haverá casos em que a imo-ralidade será patente, seja pelo número exacerbado de parentes que ocupam cargos públicos em determinado ente federativo seja pela incapacidade e inabi-lidade gritante do servidor para o exercício das atribuições do seu cargo ou por outros motivos que revelem a irrazoabilidade da nomeação.

Roberto Wanderley Nogueira, acompanhando o raciocínio, as-severa, como forma de mitigação das imoralidades envolvendo o nepotismo, “o princípio consti-tucionalmente ativo da razoa-bilidade, pelo qual se reclama que a maior gravidade se situa no plano dos abusos, motivo pelo qual comporta disciplinar a possibilidade dessa prática para

que dela não se venha abusar sob alegação de lacuna ou obscuridade do próprio sistema jurídico”.26

Por todo o exposto, resta-nos concordar com as conclusões de Ivan Barbosa Rigolin:

O nepotismo desenfreado ou descontrolado, à luz do direito, sem direito ou apesar do direito, é um mal — o que se imagina fora de discussão.

Determinados exercícios de nepotismo entretanto, ante o direito objetivo e desapaixonado que precisa informar o juízo crí-tico de todo profissional da área jurídica, não padece da mesma negativa configuração — ampara-dos expressamente como estão pelo próprio texto constitucional.

E investir de forma indiscrimi-nada e generalizante contra todo e qualquer ato de nepotismo, a julgar pelo só que existe até este momento em nosso ordenamen-to jurídico parece-nos constituir atitude pouco técnica, e perigosa-mente tendente a um moralismo que nem sempre conduz à técni-ca, fria, constitucional e, para nós, verdadeira moralidade.27

Assenta-se que a conduta guerreada por todos não é o nepotismo, mas sim os abusos que o cercam, a corrupção, a concessão de vantagens indevi-das, o empreguismo. Atos estes que são combatidos não apenas com a edição de leis e súmulas vinculantes, mas com controle efetivo encabeçado pelo Judiciá-rio, que deve proceder à análise circunstanciada de cada caso.

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ABSTRACT

RESUMEN

Nepotism in the view of the binding precedent of the Supreme Court No. 13: criticisms

Etymologically, the word nepotism comes from the Latin Nepos, which means grandson, descended to posterity, and nepotism, sobrinho.O present study aims to investigate the controversial aspects of nepotism not only within the law, which concerns its legality and constitutionality, but especially popular in the parlor, where the discussion takes ethical nuances. Given the binding precedent was established in the Constitution of the Republic, by Constitutional Amendment No. 45/04, as an instrument of pacification of disputes in case law, emanating from repeated decisions of the Supreme Court on some constitutional matters

Keywords: nepotism law, legality and constitutionality, binding precedent

El nepotismo en el punto de vista de los precedentes vinculantes de la Corte Suprema N º 13: críticas y propuestas

Etimológicamente, el nepotismo palabra viene del latín Nepote, lo que significa nieto, descendió a la posteridad, y el nepo-tismo, sobrinho.O presente estudio tiene como objetivo investigar los aspectos polémicos de nepotismo no sólo dentro de la ley, que se refiere a su legalidad y la constitucionalidad, pero sobre todo popular en la sala, donde la discusión se lleva matices éticos. Teniendo en cuenta el precedente vinculante establecido en la Constitución de la República, por 45/04 Enmienda Constitucional N º, como un instrumento de pacificación de los conflictos en la jurisprudencia, que emana de las reiteradas decisiones de la Corte Suprema sobre algunas cuestiones constitucionales

Palabras clave: ley sobre el nepotismo, la legalidad y constitucionalidade, los precedentes vinculantes

NEPOTISMO

7 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Súmula Vinculante e a Lei nº 11.417, de 2006: apontamentos para compreensão do tema. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 5, n. 16, p. 111-123, jan./mar. 2007.8 ALMEIDA, Dayse Coelho de. Súmula Vinculante. ADV Seleções Jurídicas, Rio de Janeiro, p. 13-17, jul. 2005.9 MUJALLI, Walter Brasil. Administração pública: servidor e serviço público. Campinas: Bookseller, 1997. v. 1, p. 142.10 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 516.11 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 417-418.12 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 18. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 236.13 MENDES, Gilmar Ferreira. Disponível em: <http://www.radiojustica.gov.br/home/#> Acesso em: 02 set. 2008.14 BRITTO, Carlos Ayres. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=94714>. Acesso em: 02 set. 2008.15 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 498.16 FERRAZ, Luciano de Araújo. Ofício CTGM 164/2008. Belo Horizonte, 01 set. 2008.17 Processo Crime de Competência Originária nº 1.0000.05.426832-1/000, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Rel. Desembargador Reynaldo Ximenes Carneiro, DJ, 21 mar. 2007.18 Agravo nº 1.0344.07.037232-3/001, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Rel. Desembargadora Maria Elza, DJ, 05 ago. 2008.19 Apelação Cível nº 2003.025558-3, Primeira Câmara de Direito Público, Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Rel. Desembargador Nicanor Silveira, DJ, 24 nov. 2005.20 NOGUEIRA, Roberto Wanderley. Constituição federal não veda a prática do nepotismo. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-set-30/constituicao_federal_nao_proibe_pratica_nepotismo>. Acesso em: 13 jan. 2008.21 MUSETTI, Rodrigo Andreotti. O nepotismo legal e moral nos cargos em comissão da administração pública. Revista de Direitos Difusos, São Paulo, v. 2, n. 10, p. 1355-1363, dez. 2001.22 MUSETTI, ob. cit.23 NOGUEIRA, ob. cit.24 NOGUEIRA, ob. cit.25 MELLO, ob. cit.26 NOGUEIRA, ob. cit.27 RIGOLIN, ob. cit.

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FINANÇAS MUNICIPAIS

Os créditos extraordinários. Os passivos contingenciais – A reserva de contingência

A constante incidência, em di-ferentes áreas do nosso país, de enchentes, de secas e de outros fatos nos entristecem. Embora se-jam realidades e não resultem, na maioria das vezes, da ação volitiva do homem, traduzem problemas que afligem populações urbanas e não urbanas dos nossos Municípios, com efeitos graves sobre as finanças locais e, por extensão, às demais esferas governamentais.

Nestas horas, em vez de atacar ou de apontar erros dos governos, não importando a esfera em que se localizem, deve-se indicar caminhos que levem a soluções que possam pelo menos minorar as consequên-cias funestas e prevenir para que esses fatos não venham a abalar o espírito do cidadão. Apesar do cumprimento de suas obrigações tributárias, ele se vê dependendo da mobilização dos que se mostram so-lidários com o seu sofrimento, como se testemunha ultimamente.

Que tipo, então, de enfrenta-mento é possível indicar para um problema atribuído quase exclu-sivamente a alterações climáticas, como os que vêm ocorrendo em várias regiões do país, afligindo a população brasileira?

A Lei Complementar nº 101/2000 dispõe, no seu artigo 5º, III, sobre a obrigatoriedade da constituição de uma reserva de contingência orça-

mentária. A forma de utilização e o montante, definidos com base na receita líquida, serão estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município, destinados ao aten-dimento de passivos contingentes e a outros riscos e eventos fiscais imprevistos.

A lei menciona duas situações distintas que podem ser atendidas pela reserva de contingência, quais sejam: passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais impre-vistos. Os primeiros podem decorrer da imprevisibilidade e os demais, das imprevisões.

Entretanto, não basta a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) es-tabelecer a regra. A LDO não tem a força de uma lei ordinária para poder dispor sobre a obrigação de se incluir tal programa de trabalho, como faz a própria Constituição da República no que respeita à obrigatoriedade de aplicações mínimas nas áreas da educação e da saúde.

Evidentemente, está-se falando de atuação governamental na área das políticas voltadas ao problema que ora se enfoca, as quais se refletirão no orçamento e nas finan-ças governamentais. Isso implica conhecimento prévio da situação e dos recursos de que a administração poderá dispor para a concretização do objetivo de evitar que tragédias de proporções semelhantes, ou até

mesmo em dimensões menores, venham a ocorrer.

As ações resultantes das políticas estruturadas para o problema podem ser assim classificadas:

a) as que se destinam a imple-mentar soluções para a situação já existente;

b) as que se destinam a prevenir e evitar tragédias, como as presen-ciadas em ocasiões diversas.

Para as primeiras, a legislação pertinente indica o crédito extra-ordinário, conforme se verifica na Lei nº 4.320/64, no capítulo dos créditos adicionais, e no art. 167, § 3º da Constituição da República, que implica providências urgentes, por parte do Poder Executivo, de qualquer esfera governamental, em ato próprio, o Decreto ou outro nor-mativo definido em lei, para a sua abertura, quais sejam:

• caracterização do fato comocalamidade pública ou situação de emergência, o que dependerá da sua extensão;

•diagnósticodosefeitosdo fe-nômeno identificado;

•deiniçãodasaçõespertinentesà situação;

• previsão de custos para asações que se fizerem necessárias

Professor da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJCoordenador do Centro de Estudos Interdisciplinares de Finanças Municipais ENSUR/IBAM

Heraldo da Costa Reis

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

ao atendimento da situação carac-terizada;

• elaboração do programa detrabalho a ser executado;

•previsão,emdispositivoprópriono Decreto, de abertura do crédito extraordinário, de autorização para abertura de crédito adicional suple-mentar, com estabelecimento de limi-te em percentual ou em valor abso-luto, caso as dotações provisionadas para as despesas sejam insuficientes para as respectivas realizações.

Evidentemente, por se tratar de uma situação de exceção, a realiza-ção dos gastos previstos no crédito extraordinário independe de outras formalidades exigidas pela legisla-ção em situação normal, o que não significa que a administração se descuidará do necessário controle que deve manter sobre os gastos.

Uma vez atendida a situação, o prefeito deverá preparar a respectiva prestação de contas – cuja com-posição será formada pelo ato de abertura e pelos documentos comer-ciais comprobatórios das despesas realizadas –, e apresentá-la ao Poder Legislativo respectivo da unidade Federativa para submetê-la ao crivo e à aprovação daquele órgão, para a transformação em lei.

A vigência do crédito extraordiná-rio vai da data da sua abertura ao dia 31 de dezembro do exercício finan-ceiro de origem, salvo se o ato de abertura se der em um dos últimos quatro meses desse exercício. Sen-do assim, poderá ter a sua vigência estendida para o exercício seguinte para o qual poderá ser transferido.

É certo que a situação excepcio-nal produzirá efeitos negativos sobre a receita da entidade governamental, o que implicará providências da sua administração no sentido de absor-ver o impacto sem prejudicar a exe-cução de outros gastos necessários à manutenção e ao funcionamento das suas atividades administrativas.

Daí os gastos do crédito extraordi-nário poderem ser absorvidos pela reserva de contingência, que já de-verá estar autorizada no orçamento do exercício financeiro para o qual fora elaborado, de acordo com as normas estabelecidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias ou em lei ordinária, conforme se recomendou.

Outras providências poderão ser adotadas no sentido de preservar o equilíbrio nas contas gover-namentais, tais como redução de gastos de menor prioridade e, cons-tatada a possibilidade, não assumir novas obrigações de pagamento.

Para as ações classificadas no item b, no que respeita às situações decorrentes de alterações climáticas, já há estudos que indicam caminhos da prevenção, o que leva a refletir so-bre as justificativas da não inclusão de programas de trabalho no orçamento para esse tipo de problema. Em realidade, defende-se aqui um plane-jamento prévio e sério, que envolva todas as situações – problemas que possam vir a ocorrer no Município. No que respeita à situação aqui enfocada, são necessários alguns passos para que as ações governamentais possam constar já do orçamento governamen-tal, tais como se descreve a seguir.

Primeiro, dependendo da região em que se localize, é preciso diagnos-ticar a natureza do problema que se quer enfrentar – seca ou enchente – e o período em que se concretiza. Após a identificação das causas do pro-blema, estruturar as possíveis ações preventivas (contenção de encostas, construção de moradias, de represas ou de açudes, e outras), que serão programadas com metas de curto, de médio e de longo prazos, nas respectivas execuções, incluídos os recursos destinados à mão de obra, equipamentos, materiais e outros itens que possibilitem evitar, prevenir ou, pelo menos, minimizar os castigos que a natureza vem aplicando a par-celas cada vez maiores da população.

É evidente que se fala de um programa de trabalho que deve ser elaborado obrigatoriamente pelas es-feras governamentais envolvidas e de forma integrada. Entretanto, sabe-se que um plano não pode ser executa-do apenas porque se quer, ainda que incluídos os recursos mencionados. É necessário fazer a previsão de re-cursos financeiros que possibilitarão a execução do programa. Mas, aqui, chega-se a um dilema: de onde tirar esses recursos? Instituir impostos? Taxas de prevenção de secas ou de enchentes? Buscar os recursos nas transferências constitucionais ou em outras fontes? A decisão cabe à esfera governamental responsável pelo programa de trabalho.

No que respeita à vinculação de parcelas de impostos ao programa de trabalho de prevenção tratado neste texto, deve-se observar o prescrito no art. 167, IV, da Consti-tuição Federal, o que não impede o Congresso de votar uma Emenda no sentido de instituir a vinculação, como ocorre com as demais vincu-lações ali autorizadas.

Concretizada, por lei, a vincula-ção de certas receitas ao programa de trabalho, a gestão financeira das entidades envolvidas cuidará de formalizar o banco onde os recur-sos financeiros serão depositados para a formação do lastro financeiro necessário aos pagamentos das obrigações surgidas com a execução do programa de trabalho.

Conclui-se portanto que, apesar da nobreza dos gestos de solidarie-dade que se constatam nas ocasiões de sofrimento e de dor de parcelas da população, estes não podem ser a ajuda principal para quem for vitima-dos por qualquer imprevisto. Os po-deres públicos, sim, é que possuem os mecanismos disponíveis para pelo menos atenuar as consequências que possam advir de situações como as que serviram de motivação para a elaboração deste texto.

Finanças Municipais

FINANÇAS MUNICIPAIS

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Plano diretor do Campus Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro: planejamento físico-territorial e identidade em um espaço para o ensino

RESUMO

Este artigo tem por objetivo apresentar as principais questões relacionadas à elaboração e ao conteúdo do “Plano Diretor do Campus Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (PD-ISERJ)”. Tendo em vista ordenamento físico-territorial do Campus, o referido plano diretor objetiva resgatar a identidade (social e espacial) do educador profissional e a missão de “laboratório pedagógico” que é inerente ao projeto original do Campus, sob influência do ideário do movimento que ficou conhecido como “Escola Nova”. Para isso, o plano diretor define objetivos e diretrizes que claramente nos próximos anos irão guiar as ações projetuais de arquitetura (inclusive projetos de restauração) e paisagismo.

Palavras-chave: plano diretor, ISERJ, identidade, planejamento físico-territorial.

INTRODUÇÃO

O presente artigo objetiva apresentar algumas questões relativas ao Plano Diretor do Campus do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (PD-ISERJ). Com aproximada-mente 37.000 m2 e localizado à Rua Mariz e Barros, 273, no bairro da Tijuca, cidade do Rio de Janeiro, trata-se de um bem tom-

bado pelos órgãos de patrimônio estadual e municipal. O Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac) decretou tombamento do campus em 1965, enquanto o tombamento da Secretaria Ex-traordinária de Promoção, Defesa, Desenvolvimento e Revitalização do Patrimônio e da Memória His-tórico-Cultural da Cidade do Rio de Janeiro (Sedrepahc) é mais recente, de 2001, contemplando

suas edificações originais. Exigido por estes órgãos, que há tempos vinham percebendo sua neces-sidade, o PD-ISERJ foi concluído em março de 2009 por equipe do Instituto Brasileiro de Admi-nistração Municipal (IBAM),1 que executou o trabalho por assesso-ria técnica doada à Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), a mantenedora do ISERJ.2

O PD-ISERJ é o instrumen-

PLANO DIRETOR

Leo Name

Arquiteto e urbanista, doutor em Geografia (UFRJ), professor adjunto do Departamento de Geografia da PUC/Rio e professor substituto do Departamento de Urbanismo da [email protected]

Priscylla Freiria Valladares

Arquiteta e urbanista, mestranda em Engenharia Urbana (Poli-UFRJ) e assistente de Coordenação do Instituto [email protected]

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to básico de ordenamento do espaço físico do Campus ISERJ e de orientação para a preser-vação do patrimônio tombado, caracterizando-se como docu-mento essencial para a gestão e a tomada de decisões pelas instituições direta ou indireta-mente vinculadas a este espaço. É um importante instrumento que orienta as práticas projetuais e administrativas no Campus ISERJ desde o momento de sua conclusão. Se por um lado o PD-ISERJ, por sua vinculação a uma instituição, não é apresen-tado em forma de lei (como no caso dos planos diretores muni-cipais exigidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cida-de), o que lhe daria um caráter mais explícito de norma, por outro é instrumento norteador de qual-quer intervenção física futura. Ele é um documento elaborado por meio de um profícuo diálogo com os variados setores da instituição, a mantenedora (Faetec) e os órgãos de patrimônio (Inepac e Sedrepahc). Neste sentido, deve ser entendido como o resultado de um pacto social que, por isso, condiciona que quaisquer proje-tos ou intervenções nas áreas de arquitetura (inclusive restauro) ou de paisagismo obrigatoriamente o tenham como referência. Em outras palavras, mesmo que não tenha sido concebido para ser um plano que defina explicitamente projetos e obras, o PD-ISERJ é o norteador principal justamen-te destes projetos e obras, por explicitar desejos, conflitos e ex-pectativas em relação ao espaço em foco, que se desdobram em várias diretrizes e ações, pactua-das por todos.

Nesse sentido, o processo de pesquisa de documentação e de levantamentos de campo, à época da fase de diagnóstico do

PD-ISERJ, apontou para a definição de diretrizes e de ações visando à retomada do campus como labo-ratório pedagógico. Essa função fora desejada desde seu projeto e construção, mais ainda no exercício das suas atividades, por conta de estreita vinculação com o ideário da Escola Nova – o que será es-clarecido ao longo do artigo. Para isso, o PD-ISERJ indica diretrizes de acessibilidade, de unidade e de legibilidade – preocupando-se com circulação livre de obstáculos em todas as áreas do Campus, de modo que seu conjunto, com muitas edificações de extrema diversidade tipológica e arquite-tônica, e implantadas em espaço relativamente reduzido, possa de fato ser vislumbrado. Além disso, delimita duas áreas que poderão abrigar atividades que necessitem ser transferidas e novas edifica-ções para futuras demandas. O PD-ISERJ também define os res-pectivos critérios de ocupação a se-rem considerados nestas áreas, de modo a permitir que seja estimado o potencial construtivo máximo do Campus. Dito de outro modo: se não projeta espaços exteriores nem edificações, o PD-ISERJ ali-menta futuras intervenções paisa-gísticas (consideradas prioritárias, inclusive visando à valorização do conjunto tombado) e claramente determina o quanto e onde se pode construir.

Primeiramente, será apresen-tada a rede física do Campus e o espaço construído correlacionado ao histórico do Movimento dos Pioneiros da Escola Nova. Em seguida, exibidos os desafios considerados no Plano Diretor no que diz respeito à escala do Cam-pus como um todo, seguindo-se a apresentação dos desafios na escala das edificações. Por fim, serão elencadas as principais propostas do Plano Diretor do

Instituto Superior de Educação (PD-ISERJ).

CARACTERIZAÇÃO DA REDE FÍSICA DO CAMPUS ISERJ A ESCOLA NOVA E A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE E DE UM LABORATÓRIO PEDAGÓGICO

Ainda chamando-se simples-

mente Escola Normal, que em anos anteriores havia se instalado de forma provisória e até mesmo improvisada em edifícios preexis-tentes da então capital federal, o Instituto de Educação passou a funcionar no atual campus em 1930, quando foi ocupado o expressivo conjunto de edifícios construído a partir do projeto dos arquitetos José Cortez e Ângelo Bruhns, vencedores de concurso público organizado pela Prefei-tura dois anos antes. Trata-se de valoroso exemplo arquitetônico do movimento denominado “ne-ocolonial”:3 Sua edificação hoje referida como “Edifício Principal”, assim como seus anexos (Anexo do Teatro e Anexo do Ginásio), com certeza são, junto com a imagem da normalista, o mais expressivo capital simbólico do Instituto de Educação, seja por ser valor comumente reconhecido por professores e funcionários seja pela cristalização de sua imagem junto aos habitantes da cidade do Rio de Janeiro e até mesmo do restante do país. O que, não seria exagero dizer, foi intensificado por uma influência midiática externa: quando a Rede Globo exibiu a minissérie Anos Dourados,4 em 1986, o Institu-to de Educação se tornou ainda mais notório. Marco da televisão brasileira, que obteve grande audiência à época, a minissérie contribuiu para a projeção da

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imagem da instituição – inclusi-ve de sua função primordial de formação de professores. Dessa forma, ficaram ainda mais conhe-cidos o até hoje famoso uniforme das normalistas e as formas e as instalações de sua arquitetura (Figura 1).

As instalações originais ex-pressam clara preocupação em se ter uma arquitetura de exce-lência voltada especificamente ao ensino, ecoando os ideais em voga que, dois anos após sua ocupação, em 1932, nortea-riam o chamado “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova”, marco da história da educação no Brasil. Tal filosofia de educação possuiu clara dimensão espacial, concre-tizada por meio dos muitos Ins-titutos de Educação implantados Brasil afora, e, particularmente, na defesa de que suas edificações e espaços exteriores deveriam configurar um “laboratório peda-gógico”. Isto é, deveriam ser locus para a prática e para a experi-mentação voltadas ao ensino. O intuito é se distanciar ao máximo do ensino religioso e do modelo das salas-auditório ocupadas por alunos passivos, a maioria das vezes instaladas em quaisquer edificações não planejadas para o uso educativo. Esta dimensão espacial do “laboratório pedagógi-co” foi o que em grande medida definiu, e que até hoje define, a identidade do educador profis-sional e a missão da formação de professores.

Ao longo dos anos, o Campus ISERJ foi ocupado por uma série de novos edifícios5 – a Figura 2 apresenta a rede física do Cam-pus, também esclarecida pelo subsequente Quadro I. A Figura 3 é colagem de fotos de algumas de suas principais edificações. Alguns desses edifícios mantive-ram a destinação educacional e

a excelência construtiva, mesmo que por diferentes tipologias ar-quitetônicas. Outros, porém, são edificações precárias, seja pela inadequação do uso em relação às atividades fim do Campus ou à tipologia da edificação, por serem acréscimos ou elementos contras-tantes em relação ao conjunto, seja por sua baixa qualidade cons-trutiva. Soma-se a tudo isto certo

descuido dos espaços exteriores e sua compartimentação por meio de muros, de grades e de variados tipos de limites físicos, o que torna o percurso externo por todo o espaço e a contemplação do seu acervo arquitetônico e paisagístico praticamente impossível.

O ano de 1930, da ocupação do Edifício Principal e seus ane-xos, é marcante na história bra-

Fonte: Captura do DVD original da minissérie.

Figura 1

Imagens da minissérie Anos Dourados, que tinha como principal locação o Campus ISERJ.

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sileira. Foi nesse momento que o movimento armado, liderado por forças políticas dos estados do Rio Grande do Sul e de Mi-nas Gerais, conduziu a tomada do poder por Getúlio Vargas. Justamente por isso, o edifício precisou ser ocupado às pressas, pois boatos contavam que tropas

da “revolução” se instalariam em qualquer edificação vazia que encontrassem.

A década anterior assentara o terreno para situações de conflito dessa natureza, que se esten-deriam por muitos anos. Como apontado por Lopes (2003), a década foi marcada por diversos

fatos, como a Semana de Arte Moderna (1922), o Movimento dos 18 do Forte (1922), a Revolta Tenentista (1924) e a Coluna Prestes (1924 a 1927), e con-formou um embate interno de uma geração de intelectuais de visões ideológicas distintas. Eles colocavam em lados opostos a

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Quadro I:Síntese da Caracterização das Ediicações do Campus ISERJ

Fonte: PD-ISERJ

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manutenção da ordem e da tra-dição e a opção pelo novo e pelo moderno. Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho foram três dos muitos intelectuais que, ao lado daqueles que dese-javam este “novo” e “moderno”, visavam moldar nova identidade nacional que pudesse levar o país à “modernidade” cada vez mais almejada. Também foram três dos

principais nomes – no total de 26 signatários – que em 1932 assi-naram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Chamados também de “renovadores”, os in-telectuais da Escola Nova uniram saberes tão distintos quanto o jurídico e o médico e concepções tanto de esquerda quanto de di-reita no projeto coletivo de uma nova forma de educar.

Os renovadores eram os re-presentantes, na área da educa-ção, dos muitos movimentos inte-lectuais que, na primeira metade do século XX, procuravam libertar certo Brasil tradicional e rural de seus inerentes arcaísmos, inse-rindo-o no processo “civilizatório” e fazendo-o rumar para uma fei-ção mais “universal”, “moderna”, “industrial” e “urbana”. Eclodiam

(continuação do Quadro I)

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várias idealizações para uma nova identidade nacional para o país, cuja meta era o progresso contí-nuo e da qual necessariamente seriam retirados os elementos do passado colonial. Mesmo que imbuídos de algum nível de eurocentrismo,6 por terem a esmagadora maioria de seus alicerces políticos e teóricos na Europa e/ou nos Estados Unidos, os educadores ao mesmo tempo defendiam um ideário de nação cuja espinha dorsal seria justa-mente a educação pública, laica, obrigatória, gratuita e igual para todos. A renovação nacional se daria, inclusive no que diz respei-to à nova construção identitária, por meio da educação (Almeida Filho, 2006).

Nunes (1998) aponta que para esta geração a universidade não era o local exclusivo nem muito menos o mais importante da formação intelectual, mas

sim a escola, que deveria ter seu monopólio retirado das ins-tituições católicas. Acreditava-se também que a criança deveria ser nela inserida não por mera iniciativa da família que quisesse lhe conceder mais erudição, mas como desejo de um Estado que pensava um futuro melhor para o país a partir de cidadãos livres e mais preparados. Nesse sentido, a figura do educador profissional surge como a do executor de missão renovadora da sociedade brasileira, tendo como locus de atuação o Instituto de Educação – modelo que não se restringiu somente ao Rio de Janeiro –, cujos currículos e instalações, em clara contraposição ao ensino religioso, eram preenchidos por todas as conquistas da ciência do século XIX, particularmente os equipamentos e os saberes da Biologia, Psicologia e Estatística aplicadas ao ensino, somadas ao

ensino da arte em aulas de dese-nho e de pintura nas chamadas salas-ambientes (Figura 4).7

Toda esta filosofia da educa-ção se materializa nos espaços do Instituto de Educação carioca, que serviu de modelo para ou-tros do país. A despeito de sua expressão arquitetônica, que re-presenta claramente os conflitos de diferentes ideários políticos, estéticos, educacionais e arqui-tetônicos do período,8 o edifício do Rio de Janeiro tinha como meta uma mudança do habitus pedagógico: seu currículo previa 16 anos de estudo – o aluno entraria no jardim de infância e sairia da escola professor. E, para além dessa excelência na forma-ção de professores cidadãos, a transformação também deveria se realizar por boa forma dos espaços, planejados para tal fim, e também do seu aparelhamento tecnológico. Espaços exteriores e

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(continuação do Quadro I)

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construídos como os do Instituto de Educação do Rio de Janeiro eram, por um lado, a tradução física de um ideário, e, por outro, condicionantes para a gradativa construção, simbólica mas nem por isso desprovida de força e permanência, da identidade social do educador profissional brasileiro.

Evidentemente, não há exis-tência concreta ou material das identidades, mas elas podem muito bem ser percebidas, de-finidas, buscadas e combatidas. Necessariamente tratam de rela-ções de poder, semelhanças ou igualdades, que levam a carac-terizações e hierarquizações. Ao mesmo tempo, apenas se defi-nem em relação a outras iden-

tidades, por meio de interações variadas e de valorizações ou des-valorizações mútuas (Haesbaert, 1999, p. 173-175). Têm relação também com uma indissociável busca por reconhecimento que somente se faz frente à alteridade (Taylor,1994): dá-se no encontro e no embate com o Outro, tanto no diálogo quanto no conflito. Nesse sentido, a identidade do educador profissional idealizada pela Escola Nova se realiza por intermédio do contato cons-tante com outros educadores profissionais e com os alunos nos espaços escolares, sempre em contraposição à forma de ensino notadamente religioso e/ou em espaços improvisados anteriormente ministrada no

Brasil colonial e do Império. Tal nova identidade se alinha à ide-alização de uma também nova e moderna identidade nacional que se assenta sobre desejos de modernização e progresso, tanto no sentido do aprimoramento pessoal e intransferível, mas mui-to mais fortemente da sociedade brasileira como um todo.9

Em nome da educação nova, rejeita-se a instrução abstrata, ar-tificial e verbal, e apela-se à parti-cipação efetiva da criança, a partir da inserção, no espaço construído especialmente para as novas escolas, de atividades manuais, intelectuais e sociais que serão parte do currículo e do cotidiano do aluno (Azevedo, 1930, p. 167-172; Teixeira, 1997 [1935]). A

Fonte: PD-ISERJ.

Figura 2

Rede Física do Campus ISERJ.

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vida ao ar livre é também parte do ensino, havendo adaptações de acordo com o contexto físico da localização das escolas: pesca em escolas litorâneas; agricultu-ra em escolas rurais; passeios nas cidades das escolas mais urbanas – o ensino que prepara o cidadão para a democracia

não se dá somente em espaços fechados. Em outras palavras, a escola seria um grande labo-ratório pedagógico e, para isso, seus espaços externos e internos – onde se devem cultivar tanto o pensamento individual quanto o trabalho em cooperação, tanto a conduta e a ação individuais

quanto os esportes coletivos – deveriam ser preparados e utilizados para tal fim. Diante de quadro tão contundentemente espacial, é possível se afirmar que a identidade social do edu-cador profissional também foi construída como uma identidade espacial, por sua vez apoiada em dois espaços em escalas distintas: por um lado, ela se construiu pelo referente simbólico central que eram os Institutos de Educação sob o controle de um projeto de renovação; por outro, se direcio-nou à transformação da nação, influenciando e auxiliando o Estado no desenvolvimento de seu território e povo.

Mas, se à época da Escola Nova a figura do educador profissional se estruturava a partir da invenção do novo e da projeção do futuro, esta mesma identidade, tanto so-cial quanto espacial, se apresenta hoje no ISERJ, tanto como apego ao passado quanto como necessi-dade cada vez mais legítima e emi-nente de (re)construção de uma tradição. Pois como argumenta Hall (2006 [1992]), as identidades se apresentam com mais clareza justamente nos momentos em que se encontram ameaçadas ou em crise. Nossa observação de campo e as entrevistas com diversos funcionários, sobretudo professores, tornaram claro que boa parte desta sensação de crise tem estreita relação com o precário estado de conservação das edificações do Campus, seus espaços internos e externos, seja por falta de manutenção seja por intervenções físicas consideradas equivocadas (inclusive novas edi-ficações e edículas). Do mesmo modo, é perceptível no desejo de organização territorial do Campus, traduzido pelo Plano Diretor, cer-to movimento de reconstrução identitária.

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De cima para baixo e da esquerda para a direita: a fachada principal à Rua Mariz e Barros, do Edifício Principal; construção irregular e de baixo padrão construtivo sobre colunata de edifício principal, que abriga o Refeitório; área de recreação junto ao edifício da Pré-Escola; vista da entrada da Vila Machado Bastos; vista dos fundos do Pavilhão Anísio Teixeira; Arquibancada, tendo ao fundo o Anexo do Ginásio; edifício da Manutenção. Fonte: Centro de Memória Institucional do ISERJ /IBAM.

Figura 3

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Por um lado, o estado atual dos espaços é efeito de proces-sos que solapam a identidade do educador profissional: pouco investimento em educação ao longo de décadas na escala nacio-nal; baixo repasse de verbas es-pecificamente ao ISERJ na escala estadual; conflitos interinstitucio-nais; ataques e boicotes externos ao curso normal (hoje tendo sido elevado ao nível de graduação, mas ao mesmo tempo com sua abertura de vagas em vestibular

paralisadas) e excessivo contin-gente de alunos são alguns dos muitos fatores que têm ocasiona-do efeitos considerados catastrófi-cos. Por outro lado, a convivência cotidiana com o crescente aban-dono, o mau uso e a deterioração dos espaços contribui para a sensação também de abandono e de deterioração desta identidade. Pior ainda, a experiência destes espaços naturaliza a ideia de eminente extinção do educador profissional. Em outras palavras, o

espaço, vivido e percebido como deteriorado, é entendido tanto como causa quanto efeito do enfraquecimento da identidade do educador profissional, ao passo que o movimento de orde-namento e revalorização espacial do Campus pela oportunidade do PD-ISERJ traz embutido o desejo de ordenamento e de revaloriza-ção dessa identidade.

DESAFIOS A VENCER: SEGMENTAÇÃO DOS ESPAÇOS EXTERIORES E SUA CONFIGURAÇÃO COMO ESPAÇOS RESIDUAIS

O Campus ISERJ é conforma-do tanto por edificações quanto por espaços livres. Ou seja, por “cheios” e “vazios”, espaços construídos e não-construídos. Esses “vazios” são jardins e áreas esportivas e de recreação que, em geral, têm pouco uso e se encontram em estado de conser-vação muito ruim. Na concepção original do projeto, os espaços exteriores foram conscientemen-te projetados e posicionados de forma a entremear os edifícios. Esta conformação ofertava áreas de iluminação e de respiro por todo o Campus, como suspiros de luz e de ventilação que garan-tiam a qualidade para a oferta de atividades ao ar livre exigidas pelo ideário da Escola Nova. Atual-mente, os espaços exteriores são, visivelmente, o resultado da dis-posição em momentos distintos de mais e mais edificações neste ambiente um tanto apertado.

Jacobs (2007 [1961]) argu-menta que a existência em si de um espaço livre – um parque, uma praça, uma área de lazer ou qual-quer outro espaço exterior onde circulem pessoas – não garante a sua vitalidade e o seu uso, nem mesmo dos seus espaços circun-

No primeiro plano, uma normalista está diante dos, para a época moderníssimos, materiais e objetos de química Fonte: CPDOC/FGV. Arquivo Anísio Teixeira.

Figura 4

Getúlio Vargas em visita a laboratório no Instituto de Educação (1934)

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dantes. Um dos elementos valo-rizados pela autora é a complexi-dade dos espaços, referindo-se à diversidade de usos e de pessoas que confeririam diversidade de horários e de propósitos para sua utilização. Pode-se dizer que o Campus possui tal complexidade: a riqueza espacial se apresenta desde a variedade tipológica das edificações e a diversidade na utilização, pelas muitas atividades existentes no Campus, o que de fato propicia a circulação de uma rica multiplicidade de usuários. Entretanto, a diversidade de usos não se expressa tão claramente nos espaços não construídos por conta da distribuição dos fluxos no Campus: como consequência do bloqueio de determinados acessos à rua e do fechamento de alguns portões internos, a circulação se dá primordialmente por dentro do Edifício Principal, que distribui quase todos os fluxos para o ex-terior10 (Figura 5).

Um segundo elemento consi-derado por Jacobs é a centralidade, que se refere a um elemento espa-cial central ou, mais precisamente, com hierarquia superior aos de-mais, para atuar como referência no espaço. Ele atua como polari-zador dos usos e da legibilidade do espaço, sendo reconhecido por todos como o elemento de destaque. No Campus ISERJ, esse elemento é, mais uma vez, o Edifí-cio Principal, visível na maioria dos espaços exteriores e que de fato serve como referência de localiza-ção para quem está dentro ou nas proximidades do Campus.

Por fim, a autora afirma que a delimitação espacial é fator pre-ponderante: os espaços exteriores são e devem ser conformados pe-los edifícios, e não simplesmente formados a partir dos resíduos deixados pelas configurações dos espaços fechados. Pode-se afirmar

que a despeito de no processo de expansão do Campus do Instituto de Educação ter havido em alguma medida a busca por oferecimento de edifícios de qualidade voltados especificamente para a educação, sobretudo no que diz respeito ao atendimento dos programas arqui-tetônicos refletidos na configuração e disposição dos compartimentos, alguns edifícios acrescidos ao longo do tempo foram dispostos e construídos sem que houvesse preocupação com a integração dos mesmos entre si e com os vazios por eles formados.

Além disso, a utilização de cada uma das edificações se dá quase sempre de forma autôno-ma e segmentada. Os espaços e suas atividades são “voltados para dentro”, havendo também a segmentação do uso no co-tidiano. Entre outros inúmeros problemas, chama atenção a concentração da recreação em espaços utilizados quase sempre apenas por um segmento especí-fico do alunado. Por fim, somada à disposição aleatória dos edifí-cios ao longo do tempo e ao uso fracionado dos espaços, a farta utilização de muros e de grades cria fronteiras e descontinuidades visuais, impossibilitando um per-curso contínuo nos espaços exte-riores. Desse modo, o Campus se apresenta, hoje, como uma fragmentada e desconexa “col-cha de retalhos” (Figura 6). Dito de forma sintética: Os espaços exteriores são espaços residuais. São o resultado de ações descon-tínuas e não planejadas, muitas visando ao atendimento de seto-res ou de atividades específicas, sem a menor preocupação com a conectividade com os demais espaços. Pode-se concluir que ao longo do tempo o estatuto das áreas exteriores passou de um valor inestimável, intrínseco

Plano Diretor

PLANO DIRETOR

à concepção de ensino, para um resquício deteriorado e subutili-zado entre as edificações.

Tais questões revelam tam-bém um gravíssimo problema de acessibilidade no Campus ISERJ: a impossibilidade de um percurso de forma fluida e con-tínua pelos espaços exteriores é inerente a qualquer usuário. A fragmentação dos espaços promove a segregação (de ativi-dades, faixas etárias, educadores) e a exclusão (de determinados espaços a determinados grupos) naturalizadas, sendo inerentes ao cotidiano dos segmentos es-colares que vivem encastelados em seus pequenos fragmentos do Campus. Além disso, da forma como hoje se apresenta, inacessível a qualquer pessoa que queira conhecê-lo por inteiro, o Campus ISERJ é ilegível como unidade, algo particularmente preocupante em se tratando de um bem tombado.

MAIS DESAFIOS A VENCER: OS COMPARTIMENTOS INTERNOS TAMBÉM DETERIORADOS E SEGMENTADOS

Durante o processo de trabalho foram realizados levantamentos minuciosos nos compartimen-tos das edificações do Campus, objetivando observar seu estado de conservação e o uso e as atividades exercidas. Avaliou-se sua equidade e a necessidade de ações projetuais referentes à ma-nutenção e à recuperação física. As atividades foram avaliadas na sua forma de ocupação do espaço, observando-se sua relação ou não com as deteriorações encontradas. O resultado final do levantamento gerou plantas esquemáticas que apresentam os usos e as ativi-dades em cada compartimento

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de cada edificação e o grau de conservação de cada um deles.11

Os levantamentos apontaram vários problemas. Foi percebido, como o principal deles, que as obras executadas ano a ano, sobretudo pintura de paredes e tetos, são utilizadas como disfarce para infiltrações de toda ordem, o que é, além de tecnicamente ineficiente, desperdício de verba pública. Outro fator importante: os compartimentos em pior esta-do de conservação eram aqueles localizados justamente em acrés-cimos, espaços compartimenta-dos de forma inadequada, sem nehum tipo de planejamento, ou naqueles que mudaram de uso sem a adaptação apropriada.

Sobretudo no Edifício Principal, a depredação é o resultado de desmembramento ou de com-partimentação de salas e da instalação de atividades que por sua natureza depredam o espaço em que se localizam e ajudam a promover o sucateamento do espaço físico. Por fim, viu-se um movimento de utilização “privati-va” do espaço de salas de aulas e salas ambientes, que se tornaram “escritórios” e deixaram de exer-cer suas funções originais, resul-tando na redução de espaços de ensino para o alunado – ao passo que, no desenrolar histórico, o contingente de alunos aumentou enormemente. Juntam-se a tudo isto problemas graves de patolo-gia da construção, sobretudo no

Edifício Principal, que inclusive conformam risco ao patrimônio e à segurança dos usuários.12

Percebe-se, portanto, que a deterioração, a fragmentação, a segregação, as ações voluntárias ou involuntárias de exclusão es-pacial e o encastelamento de se-tores e atividades se repetem no espaço interno das edificações.

UM LABORATÓRIO PEDAGÓGICO A RECONSTRUIR: RESUMO DAS PRINCIPAIS PROPOSTAS DO PD-ISERJ

As seções anteriores apon-taram o fato de que desde sua implantação original, em 1930,

Fonte: PD-ISERJ.

Figura 5Acessos e Fluxos Atuais do Campus ISERJ.

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o Campus ISERJ foi concebido para o cumprimento pleno da atividade de ensino e, mais especificamente, da missão da formação de professores no exercício do educador profis-sional. Os edifícios e as áreas livres originais foram projetados e implantados especificamente para o ensino, refletindo o ideário da Escola Nova em voga, que se mantém na memória coletiva por intermédio da icônica figura da normalista, e é ainda valorizado por educadores, por funcionários, por alunos e por pais. A ocupação gradativa do Campus contou com edificações com variedade de estilos e tipologias arquitetônicas. No que diz respeito ao programa arquitetônico, em sua maioria

mantiveram a preocupação na ex-celência de espaços voltados para a educação. Ou seja, reforçaram e enriqueceram a premissa do la-boratório pedagógico. Entretanto, no que diz respeito a sua relação com o espaço exterior, pecaram por não preverem a boa integra-ção entre espaços e edificações.

Ao longo dos anos, a qualida-de dos componentes físicos do Campus ISERJ foi comprometida por uma série de ações: há novas edificações e, sobretudo, anexos inadequados – de tipologia e de qualidade construtiva precária, por exemplo. Além disso, a ma-nutenção dos espaços internos e externos é deficiente, pontual e descontínua. Há, também, grande

compartimentação dos espaços exteriores, pelo cercamento ina-propriado de frações por muros, grades, portões trancados ou outros limites físicos, movimen-to de fragmentação e (auto-)segregação espacial de usos e atividades – o que se repete in-ternamente, nos compartimentos dos edifícios.

A situação atual do Campus ISERJ, portanto, é resultante do conflito entre a excelência arquite-tônica e paisagística intrínseca aos seus espaços físicos projetados de modo a promover práticas, e atingir objetivos específicos no campo da educação, e o acúmulo de anos de deterioração e de má gestão dos espaços, o que afeta

Plano Diretor

PLANO DIRETOR

Fonte: PD-ISERJ.

Figura 6Espaços Residuais Atuais do Campus ISERJ.

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diretamente o exercício do ensino e, portanto, a valorização da iden-tidade do educador profissional. Desse modo, definiu-se como objetivo fundamental do Plano Diretor a retomada do caráter de laboratório pedagógico do Cam-pus ISERJ, sua finalidade original. Foi pactuado que devolver ao Campus seu caráter de laborató-rio pedagógico é meta viável para o futuro. Mesmo deteriorado, ele ainda possui as diversida-des arquitetônica e paisagística necessárias a esta finalidade e a notória excelência de seus edu-cadores: o alcance deste objetivo dependeria em princípio em se focar em diretrizes, estratégias e ações voltados especificamente para sua requalificação.

Esta relação entre ordena-mento territorial e recuperação da identidade não está sendo aqui entendida apenas pelas ca-racterísticas físicas e ontológicas que o espaço do Campus possa ter (seja por meio de sua con-formação atual ou da resultante de intervenções físicas a serem elencadas pelo Plano Diretor) para necessariamente causar efeitos perceptivos (visuais, es-téticos) e até mesmo psicológi-cos sobre seus usuários. Ao se definirem objetivos e diretrizes, as preocupações do PD-ISERJ se direcionaram ao que “[n]a arquitetura importa, isto é, tem efeitos sobre o que fazemos, e como interagimos no espaço” (Netto, 2006).

Convém esclarecer que de maneira alguma a ideia central deste pensamento é a de um determinismo arquitetônico. Isto é, a ilusão de previamente se determinar, por meio do espaço, um ou mais comporta-mentos em relação ao mesmo,

mas sim o inverso: constatou--se que determinados padrões espaciais em concomitância com demais ações institucio-nais, políticas, culturais e até mesmo aleatórias, ao longo do tempo produziram determina-dos padrões de sociabilidade e de uso no espaço (e dificul-taram ou impediram outros). O resultado atual parece cor-roborar para o distanciamento do Campus ISERJ de suas funções originais e até hoje valorizadas. Por isso, deseja--se suprimir tais configurações constatadas como negativas e valorizar e reproduzir as que se julgar mais positivas. Busca-se, assim, maior aproveitamento do espaço, contribuindo para uma ampliação de seus usos sob determinados pressupostos. Há, portanto, graus diferenciados de planejamento e de imprevisibili-dade que não se repelem ou se excluem, porque são próprios a este tipo de intervenção.

SETORIZAÇÃO DO CAMPUS E PROJETO DE PAISAGISMO, QUALIFICAÇÃO E ORDENAMENTO DOS ESPAÇOS

Diante da definição do ob-jetivo fundamental, o PD-ISERJ definiu como ação estratégica a execução e a implantação do que nomeou como “Projeto de Pai-sagismo, Qualificação e Ordena-mento dos Espaços do Campus ISERJ”. Foram definidas diretrizes para ações projetuais no Campus. O objetivo foi promover a inte-gração dos espaços exteriores e das edificações, conferindo-lhes unidade e legibilidade, além de boas condições de acessibilidade ao conjunto do bem cultural.13 O Plano delimita, como base espacial para o projeto, uma se-

torização de áreas, com diretrizes específicas para cada uma delas, a serem parcial ou integralmente atingidas pelo projeto de paisa-gismo, conforme representação cartográfica da Figura 7 e a des-crição subsequente:

a) Área de Estruturação e Integração dos Espaços – for-mada pelo conjunto de espaços ao ar livre. Nela deverão ser direcionadas ações para a con-versão da atual fragmentação e compartimentação em espaços residuais para integrados e com acessibilidade, embelezamento, unidade e legibilidade. Devem promover a fluidez espacial, a valorização do conjunto edi-ficado tombado e a ligação eficiente entre as edificações;

b) Área para Transferên-cia de Atividades – onde se direcionarão ações para apro-veitamento de áreas ociosas e/ou subutilizadas destinadas à construção de uma ou de mais edificações novas. Elas recebe-rão atividades indicadas pelo Plano Diretor como passíveis de transferência. Serão também direcionados esforços para a promoção da acessibilidade, da integração com o patrimônio edificado e do embelezamento paisagístico;

c) Área de Reserva para Ati-vidades Futuras – corresponde à área da Vila Machado Bastos e do estacionamento utilizado por funcio-nários do ISERJ. Nela serão direcio-nadas ações jurídico-administrativas para a investigação e a regularização fundiárias, por meio de estudos fundiários e de ações jurídicas (in-tegração de posse) e administrativas (cancelamento de cessão) para a ocupação gradativa das edificações liberadas, com posterior requalifica-ção pelo ordenamento e ampliação de vagas para estacionamento,

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possíveis remoções de edificações e anexos indevidos e construção de novos edifícios.

d) Área Compartilhada – corresponde à área do Campus ISERJ onde se localiza o Colégio Estadual Antônio Prado Junior. Nela deverão ser direcionados es-forços imediatos para a abertura ao diálogo e à negociação entre

esta instituição e o ISERJ, visando à definição comum de estratégias para utilização e desejável integra-ção de espaços, usos e atividades.

Pelo projeto, ganham des-taque no texto do PD-ISERJ, as ações relacionadas a remoções de edificações existentes, mu-danças de uso e transferências

de atividades.14 No que diz respeito às sugestões para re-moção, foram descritos os tipos de inadequação que esclareces-sem a necessidade de remoção – o Quadro II esclarece esse as-pecto. Quanto às transferências de atividades e à construção de novas edificações, em acordo com os setores da instituição

Plano Diretor

PLANO DIRETOR

Quadro II

Fonte: PD-ISERJ

Síntese das Remoções Sugeridas

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e, sobretudo, com os órgãos de patrimônios, determinou-se que novas edificações a serem construídas no Campus ISERJ devam estar localizadas somen-te na Área para Transferência de Atividades ou na Área de Reserva para Atividades Futu-ras, respeitando-se critérios de ocupação estabelecidos pelo PD-ISERJ, representados carto-graficamente nas Figuras 9 e 10 e sintetizados nos Quadro III e IV.15 Outro elemento de desta-que no escopo do projeto é a provisão do Campus de rotas acessíveis (Figura 8) que per-corram os principais espaços do Campus, garantindo o percurso

livre de obstáculos e o acesso às principais edificações.

Em outras palavras, a remo-ção, a transferência de atividades e as mudanças de uso e ativida-de têm tripla função: melhorar a qualidade da ambiência do Campus com a intervenção físico-territorial o que tem es-treita relação com o resgate de sua capacidade em ser um laboratório pedagógico e valo-rizar a identidade do educador profissional; segundo, prover os espaços exteriores de circuitos formados por fluxos contínuos que, em conjunto, possibilitem o vislumbre de toda a diversida-

de arquitetônica e paisagística do Campus, reforçando sua unidade pela melhoria de sua legibilidade; terceiro, realocar as atividades, inclusive em novas edificações, visando a um me-lhor rendimento pedagógico, e, também, à redução de interven-ções físicas nos compartimentos de edificações voltadas ao ensi-no que venham a comprometer o bem tombado.

PROJETOS DE INFRAESTRUTURA E DE ARQUITETURA

Ainda no que diz respeito à escala do Campus como um

Quadro III: Síntese das Propostas para a Área para Transferência de Atividades

Fonte: PD-ISERJ

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todo, o PD-ISERJ exige a execu-ção de projetos de infraestrutura. O objetivo é a articulação das instalações individuais das edifi-

cações com as áreas externas do Campus e a rede pública, quando necessário. São eles: projeto para sistema hidrossanitário do Cam-

pus; projeto para sistema elétrico do Campus; sistema de condicio-namento de ar de grande porte, único e para todo o Campus.

Plano Diretor

PLANO DIRETOR

Figura 7

Fonte: PD-ISERJ.

Indicações para Projeto de Paisagismo, Qualiicação e Ordenamento.

Quadro IV: Síntese das Propostas para a Área de Reserva para Atividades Futuras

Fonte: PD-ISERJ

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No que diz respeito à escala das edificações, no intuito de se conseguir a melhor gestão e a devida manutenção dos seus espaços, o PD-ISERJ exige a execução de projetos de arqui-tetura específicos para cada uma das edificações existentes no Campus (desconsiderando-se, é claro, aquelas que sugere serem removidas). Estes projetos de ar-quitetura, por edificação, visam à identificação e à solução de todos os problemas de ordem estrutural, infraestrutural, estética, a indica-ção de problemas de arquitetura (inclusive de restauro) e, por fim, a previsão de orçamento global para a solução de problemas de

cada uma das edificações. O que se quer é evitar a ação pontual, provisória ou ineficiente, que não resolve os problemas da edificação na maioria dos casos e, pior ainda, gera desperdícios de orçamento.

Cumpre esclarecer que as intervenções podem se relacio-nar com o conteúdo pedagógico tão valorizado pelo PD-ISERJ: o documento sugere, por isso, que durante as obras sejam realizadas visitas guiadas a qual-quer interessado. A finalidade é o entendimento da necessidade específica de intervenção em relação à valorização do bem como um todo, explicar a meta de se recuperar a função de

laboratório e expor ao visitante a intrínseca história da Escola Nova, dentre outros fatores. Além disso, a instalação de novos sistemas infraestruturais é importante mecanismo para a compreensão tanto do funcionamento das re-des elétrica, hidrossanitária e de condicionamento de ar, quanto das maneiras que se pode intervir em bens culturais tombados para a instalação de redes tão comple-xas. Isto é particularmente interes-sante pelo fato de o ISERJ possuir hoje, além da educação infantil e fundamental, o ensino médio e o normal superior, cursos de ensino técnico e profissionalizante. É relevante apontar que os cursos

Fonte: PD-ISERJ.

Figura 8

Rotas Acessíveis e Acessos do Campus ISERJ.

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técnicos são de maior interesse da Faetec, dada a sua natureza, ainda que inúmeras disputas e conflitos ocorram por conta deste fato. Ordenar o espaço a partir do conceito de laboratório pedagógi-co é uma maneira de dar unidade a todas estas modalidades de ensino presentes no Campus.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Plano Diretor do Instituto Superior de Educação do Rio de

Janeiro (PD-ISERJ) foi encerra-do em março de 2009, com a expectativa de que este espaço tão importante para a cidade do Rio de Janeiro e para o Brasil volte gradativamente a cumprir sua função educadora, portanto social. Mais especificamente, que resgate a ainda tão valorizada missão de formar professores e o significado de laboratório pedagó-gico do Campus, atualizando-se a filosofia da Escola Nova para o contexto atual.

Não há dúvida de que ao se resgatar estas função, identidade e missão está-se protegendo de forma efetiva o patrimônio, seja o imate-rial, representado por sua própria missão (formação de professores), seja o material, representado pela paisagem formada pelas edificações e espaços exteriores, as edifica-ções isoladamente, com seus valores específicos, o mobili-ário ou o acervo bibliográfico, documental e de objetos ligados ao ensino. Ao longo deste artigo, foi explorado o aspecto da relação entre inter-venção físico-territorial com o patrimônio e a identidade so-cioespacial, tentando explicitar que as intervenções sugeridas pelo PD-ISERJ, tanto na escala do Campus quanto na das edificações e seus comparti-mentos, não se restringiram apenas a dar melhor qualida-de estética aos espaços, nem à recuperação e ao restauro dos mesmos. Ambos são, de fato, fatores importantíssimos e direta ou indiretamente con-templados pelo Plano Diretor em vários níveis. No entanto, se o objetivo principal do PD--ISERJ foi o da recuperação do Campus como laboratório pedagógico, a meta exige en-tender que a ação projetual é algo mais amplo: produz significados, gera topofilias e topofobias; é instrumento de cumprimento (ou não) de expectativas; relaciona-se com conteúdos emocionais e com disputas político-institucionais sobre o território; necessaria-mente enseja a transformação, o melhor futuro.

Por isso mesmo, é preciso afirmar que o PD-ISERJ, por ser um conjunto de diretrizes

Fonte: PD-ISERJ.

Figura 9: Critérios de Ocupação para a Área de Transferência de Atividades do Campus ISERJ.

Plano Diretor

PLANO DIRETOR

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1 A equipe era formada por Leo Name (coordenação técnica) e Priscylla Freiria Valladares, tendo como estagiários Felipe Miranda e Vinicius Philot (alunos da EAU-UFF). Foram consultores: Andréa Pitanguy (resíduos sólidos), Felippe de Rosenburg (marketing cultural), M. Graça Neves (gestão), Karin Segala (resíduos sólidos), Luis Felipe Pacheco (uso de energia elétrica), Luciana Hamada (con-forto ambiental) e Ronaldo Daumerie (patologia da construção).2 Tal doação foi contrapartida firmada através de instrumento assinado pelo Instituto Brasileiro de Administração Municipal (IBAM) e a Globo Comunicação e Participações S.A., que repassou o valor da proposta para a execução do serviço. 3 O neocolonial a esta época era estilo utilizado com intenção clara: seu objetivo era revelar, a partir de diversas manifestações artísticas, a ideia de uma nação brasileira. Neste sentido, vale frisar que a escolha de um edifício com estas características não foi fruto meramente do gosto de uma banca avaliadora: no edital do concurso público foi exigido que os projetos apresentados adotas-sem o “estilo colonial brasileiro”, inspirando-se na “arquitetura tradicional brasileira”.4 Dirigida por Denis Carvalho e com texto de Gilberto Braga, a minissérie tinha sua narrativa localizada na década de 1950 e sua protagonista era uma normalista do Instituto (vivida pela atriz Malu Mader). Muitas cenas foram gravadas dentro do Campus e, além disso, na abertura da minissérie eram exibidas imagens das fachadas e demais detalhes arquitetônicos do Edifício Principal, que diariamente invadiam as telas de televisão de todo o país, feito poucas vezes conseguido por um bem arquitetônico tombado. Cumpre esclarecer que a disposição da Rede Globo em dispor a verba necessária para a realização do Plano Diretor está diretamente relacionada à importância que a minissérie e o Instituto têm para a história da dramaturgia produzida pela emissora.5 Uma síntese visual do histórico foi produzida em um vídeo que se tornou anexo digital do documento final do PD-ISERJ e está disponível no YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=eFBFf03ZjqM. 6 Para se entender a inerência do eurocentrismo, algo expressivo da colonialidade do poder, mas até hoje inerente a saberes, ensinos e formas de produção cultural, ver Name (2009) e Wallerstein (2002).7 A busca pela aplicação pedagógica das inovações técnico-científicas era tamanha que os educadores Venâncio Filho (1930) e Serrano (1930), 35 anos após a invenção do cinematógrafo, e ape-nas três anos após a produção do primeiro filme falado – O cantor de jazz (The Jazz Singer, Alan Crosland, EUA, 1927), debatiam no Boletim de Educação Pública a pertinência do uso pedagógico do cinema e o direcionamento de gastos para a aquisição de filmes e de maquinário específico para as escolas. Também eram instalados, desde os primeiros Institutos de Educação, gabinetes mé-dicos e odontológicos, não apenas na perspectiva de cuidar melhor e mais de perto da saúde do alunado como também para serem difusores de saberes sobre higiene (Clark, 1930). 8 O edifício funde tanto o estilo neocolonial de uma suposta identidade brasileira moderna e progressista e os mais modernos espaços da prática científica, como os laboratórios de química, de biologia e de física (introduzidos no país na década de 1910), à tipologia da pedagogia jesuítica que extraía dos conventos a disposição de quatro corredores formando um claustro e a divisão disciplinar e metódica de compartimentos uniformemente distribuídos ao longo desses corredores. Por sua vez, o estilo neocolonial, tão desejoso em expressar um ideal brasileiro, não deixava de utilizar toda a linguagem do classicismo eurocêntrico, que permeia praticamente toda a história da arquitetura ocidental desde o Renascimento (Summerson, 1994 [1980]), notadamente perceptí-vel na adoção de três ordens distintas, uma em cada pavimento.9 Ressalta-se, desse modo, que o conceito de patrimônio relaciona-se diretamente com o conceito de identidade: ambos só existem plenamente quando reconhecidos, absorvidos e transmitidos

NOTAS

Critérios de Ocupação para a Área de Reserva para Atividades Futuras do Campus ISERJ. Fonte: PD-ISERJ.

Figura 10 para inúmeras ações proje-tuais, tem como qualquer plano diretor físico-territorial certo caráter utópico. Um plano diretor tenta dar conta, de uma só vez, de projeções futuras e ideais de várias pessoas – todas elas com receios, angústias, além de desejos de realização e feli-cidade. Mas não por isso o PD-ISERJ deve ser entendido como algo messiânico nem muito menos desprovido de eficácia. As realizações no tempo e no espaço se dão de forma fragmentada e descontínua. São feitas de encontros e de desencon-tros, um pouco de volunta-rismo e um pouco de acaso – o que parece assustador, mas é o que há de mais natural na existência. Ter um pacto, materializado por um documento, que define estratégias que visem ao maior atendimento possível de anseios e seja ao menos um caminho bem definido a se seguir, torna a utopia mais possível, o que no fundo é parte do desejo de todo arquiteto-urbanista e de todo educador.

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pelas comunidades que neles se espelham (ou até mesmo se contrapõem): o tombamento, portanto, é uma forma de preservação e reprodução da(s) identidade(s) relacionada(s) ao bem.10 Tal situação é percebida claramente pela realização de dois vídeos utilizando o processo da visão serial definido por Cullen (1996 [1971]). Eles foram realizados como procedimento metodoló-gico à etapa do diagnóstico e definição de propostas para o PD-ISERJ e estão disponíveis no YouTube através dos seguintes endereços: http://www.youtube.com/watch?v=3q3flOHAtOY e http://www.youtube.com/watch?v=hky1sDDxAFM. 11 Os usos foram organizados em cinco tipos de atividades – atividades pedagógicas (aulas em salas do tipo auditório), atividades pedagógicas (aulas em salas ambientes, forma espacial valori-zada pela concepção de laboratório pedagógico da proposta original do Campus), atividades administrativas, atividades administrativo-pedagógicas (coordenações de ensino, salas de serviço de orientação, salas de pesquisa e outros ambientes de trabalho que complementam a atividade de ensino) e atividades de apoio (banheiros, cozinhas, refeitórios, vestiários e depósitos), que também receberam representação gráfica esquemática por cor. Já o estado de conservação foi avaliado a partir de cinco elementos: piso, parede, teto, esquadrias e instalações elétricas aparentes nos níveis bom, regular e ruim, sendo preenchidas fichas de levantamento que, ao longo do processo, geraram plantas esquemáticas que utilizavam cores distintas para “bom”, “médio” e “ruim”. Tais ad-jetivos, por sua vez, receberam pontuações que compuseram o que chamamos de “graus de conservação” – “crítico”, “semicrítico” e “aceitável” – que também por cores definiram novas plantas esquemáticas por edificação.12 Dois exemplos de riscos à edificação e aos usuários: um abalo na estrutura do térreo do Edifício Principal, que põe em risco de desabamento um refeitório de péssima qualidade construtiva erguido sobre a marquise de um alpendre; e o guardacorpo de uma sala de professores, em vias de desabamento sobre o pátio interno chamado de Cafua.13 O PD-ISERJ sugere que o Projeto de Paisagismo, Qualificação e Ordenamento dos Espaços do Campus ISERJ seja objeto de concurso público de projetos, tendo como bases seus condicionantes, diretrizes e propostas. Também sugere que o concurso seja organizado por instituição idônea e de notório saber comprovado, de modo a assegurar a excelência do projeto e a divulgação do pró-prio Campus ISERJ para a sociedade. 14 Outras ações que o PD-ISERJ definiu para serem cumpridas pelo Projeto de Paisagismo, Qualificação e Ordenamento dos Espaços têm como escopo acessos; estacionamentos e circulação inter-na; áreas verdes; sinalização; iluminação externa. 15 A equipe do IBAM preparou um vídeo de forte conteúdo didático, que inclusive se tornou anexo digital do próprio Plano Diretor e pode ser acessado no YouTube: http://www.youtube.com/watch?v=stVcEVD4I-g

ABSTRACT

RESUMEN

Territorial planning and identity in a space for educational practices

This paper aims to present the main issues related to the preparation and content of the “Plano Diretor do Instituto Su-perior de Educação do Rio de Janeiro (PDISERJ)”. In view of a territorial planning of the campus, this master plan aims to revive the (social and spatial) identity of “Brazilian professional educator” and the mission of “pedagogical laboratory” that is inherent in the original design of the campus, under the influence of the ideology of the so called “Nova Escola” move-ment. For this, the master plan sets goals and guidelines that in next few years will guide the architectural and landscape design actions (including restoration projects).

Keywords: master plan, ISERJ, identity, territorial planning.

Ordenación del territorio y identidad en un espacio para la enseñanza Este artículo tiene como objetivo presentar las principales cuestiones relacionadas con la preparación del“Plano Diretor do Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (PDISERJ)”. En vista de la planificación física de la ISERJ Campus-territorial, este Plan Director pretenderescatar la identidad (social y espacial) del educador profesional brasileño y la misión de “laboratorio de enseñanza” que es inherente en el diseño original de la escuela bajo la influencia de las ideas del movimiento que se conoció como Escola Nova. Para ello, PDISERJ trata de definir los objetivos y directrices que en los próximos años va a guiar las acciones de diseño arquitectónico(incluyendo los proyectos de restauración) y el paisajismo. Palabras clave: plan maestro, ISERJ, identidad, planificación física y territorial.

Plano Diretor

PLANO DIRETOR

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Avaliação do Potencial de Reciclagem na Cidade de Cuiabá (MT)

RESUMO

RECICLAGEM NA CIDADE DE CUIABÁ

INTRODUÇÃO

Nos resíduos sólidos urbanos de uma determinada região exis-te um potencial para reciclagem que pode ser quantificado. Neste estudo, foi realizado levantamen-to econômico do potencial de reciclagem do aterro sanitário da cidade de Cuiabá, a partir da análise dos dados do relatório de gestão da Cooperativa dos

Este trabalho realiza um diagnóstico da situação atual da reciclagem no aterro sanitário do município de Cuiabá e executa, a partir desses dados, uma avaliação do potencial de reciclagem dos resíduos sólidos urbanos domiciliares (RSUD). Tendo por base os dados do relatório de gestão de 2008 da Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda., demonstra quais são os principais itens passíveis de reciclagem. Inicialmente, é realizada a contextualização dos materiais recicláveis e depois uma exposição da situação do gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos domiciliares em todo estado do Mato Grosso. O trabalho exibe as condições de trabalho que a cooperativa encontra no aterro sanitário de Cuiabá. A seguir são apresentados os dados obtidos com a compilação do relatório de gestão da cooperativa dos trabalhadores e produtores de materiais recicláveis de Mato Grosso. Posteriormente, com base em informações obtidas no aterro sanitário e nas referências bibliográficas é realizada uma projeção do potencial de recicláveis do município em estudo. Finalizando, são feitas observações sobre inserção da questão dos resíduos sólidos no contexto do desenvolvimento sustentável e sobre a importância socioambiental que a reciclagem representa para todos os atores envolvidos no processo e para a própria economia ambiental do mundo.

Palavras-chave: resíduos sólidos, reciclagem, aterro sanitário

Roberto Naime

Professor do Mestrado em Qualidade Ambiental e da Engenharia Industrial Quí[email protected]

Eduardo Figueiredo Abreu

Engenheiro Florestal da Sema-MT [email protected]

Sérgio Carvalho

Coordenador do Mestrado em Qualidade Ambiental da [email protected]

Não é possível separar o econômico do ambiental, como não é possível separar o social do político e do cultural. Washington Novaes

Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar) e das premissas das quantidades de materiais disponibilizados para reciclagem do total dos resíduos coletados na cidade de Cuiabá.

Os estudos também foram apoiados pelas referências bi-bliográficas existentes sobre a quantidade existente de re-síduos sólidos recicláveis nos

resíduos sólidos domésticos totais coletados na maioria das municipalidades brasileiras. Em Cuiabá, atualmente existe um aterro sanitário em condições de saturação, no qual estão insta-ladas cinco esteiras de catação antes das valas de disposição de resíduos. Estas esteiras permitem o trabalho de um número de catadores que oscila entre 120 e 150, dependendo das condições

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de trabalho do guincho içador de resíduos, das próprias esteiras de triagem e do preço de comercia-lização dos resíduos resultantes da triagem.

Os principais resíduos que podem ser submetidos a triagem e disponibilizados para comercia-lização na reciclagem de forma simplificada são o alumínio, o cobre, os metais não ferrosos, papel branco, papelão, polietileno de alta densidade (PEAD), polieti-leno de baixa densidade (PEBD), polietileno tereftalato (PET), PET azul e PET óleo, sucatas de plás-ticos diversos e vidros.

O alumínio tem versões di-ferenciadas de aproveitamento, em bloco, resultantes de latinhas de alumínio ou do tipo panela. A maior quantidade sempre é ori-ginada dos alumínios resultantes de latinhas. No entanto, devido ao bom valor de comercialização geralmente existente para este resíduo, frequentemente as quan-tidades são pequenas na central de triagem do aterro sanitário de Cuiabá, porque agentes ambientais (catadores) autônomos recolhem estes materiais em condomínios que exercem coleta seletiva ou mesmo nas ruas da cidade.

O cobre é um metal presente em sua forma natural na crosta terrestre e é essencial para o desenvolvimento da vida. É o metal mais antigo utilizado pelo homem. As primeiras moedas de cobre datam de 8700 A.C. As reservas naturais de cobre estão estimadas em 2.3 bilhões de to-neladas. O uso eficiente deste re-curso permite economizar energia e cuidard o meio ambiente, que é constantemente ameaçado. Por exemplo: 43% das necessidades de cobre na Europa são supridas pela reciclagem. Atualmente, os principais setores que utilizam o cobre são o da energia e da cons-

trução. Seu uso se divide em ele-tricidade e em energia (que inclui cabos da indústria construtora) com 65%; construção (incluindo arquitetura e tubulações) com 25%; transporte com 7% e outras (moedas, desenho, escultura etc.) com 3%.

Os metais não ferrosos con-sistem naqueles que não conte-nham ferro em suas composições como elemento principal, tais como cobre e suas ligas, bronze e latão, alumínio, zinco, magnésio, estanho e chumbo. São ampla-mente recicláveis e reciclados, com um mercado muito firme.

A grande diferença na reci-clagem do papel branco e do papelão é a qualidade do papel e o tamanho das fibras que o compõem. O papel é feito de inúmeras fibras que se cruzam e são responsáveis pela resistência. Dependendo do tipo de polpa usada para fazer o papel (pode ser pinho, eucalipto ou até outras fibras vegetais, a exemplo de al-godão, linho, etc.) terá fibras mais longas ou curtas e será mais ou menos resistente. Por isso, papel branco é mais caro e até mesmo a apara (resto de papel) branca alcança maior valor no mercado. E cada vez que se recicla diminui o tamanho das fibras, ficando pouco mais fraco. Por isso que para reciclar muitas vezes o mes-mo papel é necessário colocar um pouco de fibra virgem para aumentar a sua resistência.

Outro problema são os pig-mentos presentes no papel. Para fazer papel branco, a polpa (de fi-bra virgem ou de papel já usado) deve passar por um processo quí-mico de branqueamento. Assim, quanto mais pigmento um papel tem mais difícil fica reciclá-lo e conseguir um papel branco.

O plástico, em seus diversos tipos (PEAD, PEBD e PET de vá-

rios tipos, além de polipropileno (PP) e outros), é geralmente tido como material altamente poluen-te. Entretanto, isto somente ocor-re se houver queima indevida, pois durante a sua combustão são liberados gases e substâncias químicos prejudiciais ao meio ambiente. Como qualquer outra matéria sólida, o plástico contribui para a poluição visual. Hoje já é possível reduzir desperdícios, utilizando-se vários métodos de reaproveitamento a partir dos sistemas de separação de materiais plásticos. Atualmente, são recuperados cerca de 20% dos resíduos plásticos, embora tecnologicamente seja possível reaproveitar cerca 90%, por meio da reutilização, reciclagem (me-cânica e química) e valorização energética (MANCINI, 2000).

O Brasil produz em média 890 mil toneladas de embalagens de vidro por ano, usando cerca de 45% de matéria-prima reciclada na forma de cacos. Parte deles foi gerada como refugo nas fábricas e parte retornou por meio da coleta. Os Estados Unidos produziram 10,3 milhões de toneladas em 2000, sendo o segundo material em massa mais reciclado, perden-do apenas para os jornais.

O principal mercado para recipientes de vidros usados é formado pelas vidrarias, que com-pram o material de sucateiros na forma de cacos ou recebem dire-tamente de suas campanhas de reciclagem. Além de voltar à pro-dução de embalagens, a sucata pode ser aplicada na composição de asfalto e de pavimentação de estradas, construção de sistemas de drenagem contra enchentes, produção de espuma e fibra de vidro, bijuterias e tintas reflexivas. Cerca de 46% das embalagens de vidro são recicladas no Brasil, somando 390 mil ton/ano. Desse

Reciclagem na cidade de Cuiabá

RECICLAGEM NA CIDADE DE CUIABÁ

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total, 40% é oriundo da indústria de envaze, 40% do mercado di-fuso, 10% do “canal frio” (bares, restaurantes, hotéis etc.) e 10 % do refugo da indústria. Nos EUA, o índice de reciclagem gira em torno de 40%, correspondendo a 2,5 milhões de toneladas; na Alemanha, em 2001, foi de 87%, correspondendo a 2,6 milhões de toneladas; na Suíça (92%), na Noruega (88%), na Finlândia (91%) e na Bélgica (88%).

MATERIAIS E MÉTODOS

O trabalho foi realizado tendo como fonte de dados o relatório de gestão do ano de 2008 da Cooperativa dos trabalhadores e produtores de materiais reciclá-veis de Mato Grosso Ltda. (Coo-permar), em Cuiabá (MT). Neste relatório constam as quantidades de materiais recicláveis obtidos com as triagens nas esteiras antes da destinação dos resíduos para os aterros sanitários e também os valores auferidos com a comer-cialização dos recicláveis. Cons-tam do relatório, inclusive, uma série histórica de quantitativos e de valores, que não foi utilizada neste trabalho.

Foram compilados os dados disponíveis sobre a natureza dos recicláveis e as quantidades se-gregadas nas esteiras e os valores obtidos com a comercialização dos materiais.

Em item próprio, conside-rando os dados disponíveis e conhecidos sobre as quantidades disponibilizadas para as ativida-des de separação dos agentes ambientais (catadores) da Co-opermar, é feita estimativa do potencial da reciclagem nos resí-duos sólidos urbanos domiciliares (RSUD) coletados na cidade de Cuiabá, capital do estado do Mato Grosso.

Este trabalho não faz a avalia-ção da coleta informal também procedida na cidade, cujas di-mensão e amplitude são de difícil mensuração.

TRABALHOS ANTERIORES

Lixo, ou resíduo, é qualquer material considerado inútil, su-pérfluo, e/ou sem valor, gerado pela atividade humana, que precisa ser eliminado. É qualquer material cujo proprietário elimina, deseja eliminar ou necessita eli-minar (http://pt.wikipedia.org).

Lixo é todo e qualquer resíduo proveniente das atividades humanas ou gerado pela natureza em aglo-merações urbanas (ABNT, 2004). Comumente, é definido como aquilo que ninguém quer. Porém, é preciso se reciclar este conceito, deixando de enxergá-lo como coisa suja e inútil em sua totalidade.

CALDERONI (2003) define o termo “resíduo” (do latim re-sidum): “Substantivo masculino: aquilo que resta de qualquer substância; resto, “Rubião”, cala-do, recompunha mentalmente o almoço, prato a prato; via com gosto os copos e seus resíduos de vinho, as migalhas esparsas”.

O autor define também a palavra “lixo” como: “Aquilo que se varre da casa, do jardim, da rua e se joga fora; entulho; por extenso tudo que não se presta e se joga fora; sujidade, sujeira, imundície; coisa ou coisas inúteis, velhas, sem valor. “os resíduos sólidos que são descartados e que não têm mais utilidade são denominados ‘lixo’”.

Os profissionais encarregados de sua coleta e do seu destino fi-nal são chamados genericamente de lixeiros ou de garis. No início do século passado, os serviços de limpeza urbana foram entregues à iniciativa privada, quando então

os Irmãos Garys assumiram a companhia industrial do Rio de Janeiro, por autorização do gover-no municipal, para desempenhar os serviços de coleta, transporte e destino do lixo. Desde então, os trabalhadores da coleta de lixo passaram a ser denominados pelo nome genérico de seus patrões: garis (BRINGHENTI, 2004).

A questão dos resíduos sólidos precisa ser resolvida de forma sa-tisfatória, para a proteção da saúde pública e da economia ambiental. É preciso incentivar as ações de reciclagem e de reaproveitamento de materiais, tanto pela geração de emprego e renda e inclusão social que produz quanto pela economia de matérias primas, otimização do uso dos recursos hídricos e eficiência energética (CALDERONI, 2003).

No Município de Cuiabá são coletadas diariamente cerca de 450 a 500 toneladas de lixo do-miciliar, resultantes das atividades de uma população de 600 mil habitantes. A empresa terceirizada Qualix é responsável por todo o sistema de coleta, de triagem e de destinação final do lixo na cidade, trabalhando com uma frota de dezenas de veículos compactado-res e basculantes, com um corpo em torno de 120 a 150 trabalha-dores, variando sazonalmente, para o processo de triagem, que funciona anexa ao aterro sanitário (CAPOROSSI, 2002).

Existe tratamento de efluentes lí-quidos coletados nos aterros, e isto é essencial para evitar a contaminação dos lençóis freático e subterrâneo (TCHOBANOGLOUS, 1979).

No Estado do Mato Grosso, existem aterros sanitários ou aterros controlados apenas em nove municípios e a situação no Estado é caótica e dramática. Por isso, é necessário um levanta-mento e diagnóstico da situação

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para orientar ações corretivas e de remediação e diretrizes de gestão ambiental dos resíduos sólidos específicas e adaptadas para a realidade de cada um dos municípios (CAHYNA, 1990).

O Estado do Mato Grosso pos-sui extensão territorial de 901.420 km2, sendo a terceira maior Unida-de Federativa do Brasil, localizado entre os paralelos 8º e 17º sul e meridianos 50º e 60º de longitu-de oeste. Limita-se ao norte com Amazonas e Pará, ao sul, com Mato Grosso do Sul, a leste com Tocantins e Goiás, e a oeste com Rondônia e com a Bolívia.

Os principais centros urbanos são a capital Cuiabá, Várzea Grande e Rondonópolis. Mato Grosso apre-senta baixa densidade demográfi-ca, com população muito dispersa, em função da área do território. Caso fosse distribuída igualmente por todo o Estado, daria apenas 2,78 hab./km². A maior concen-tração populacional localiza-se na porção sul do Estado, equivalente quase metade de sua população, correspondendo às regiões da Bai-xada Cuiabana e Rondonópolis. O norte do Mato Grosso tem a menor taxa de ocupação do Estado.

Quase todas as cidades que compõem o Estado do Mato Grosso passam por acelerado crescimento populacional, cujo processo de desenvolvimento praticamente se iniciou na dé-cada de 1960. Assim, pode-se verificar uma crescente evolução das aglomerações urbanas.

A pesquisa nacional de sanea-mento básico, realizada pelo IBGE no ano 2000, indicou que 82,3% dos domicílios do estado eram atendidos por sistema de coleta dos resíduos sólidos. Dos resíduos gerados, 78,5% eram dispostos em vazadouro a céu aberto ou em lixão superior, enquanto no Brasil esta forma de disposição

inadequada chega a 71,5%.Com referência ao levan-

tamento dos resíduos sólidos realizado pela Fema (antiga Fundação Estadual do Meio Am-biente, hoje Secretaria Estadual do Meio Ambiente), objeto deste documento, constatou-se que a coleta atingiu, em dezembro de 2000, aproximadamente 71% e 90% da população total e urbana, respectivamente. Entretanto, o transporte de resíduos sólidos se faz, na maioria dos casos, de for-ma sanitariamente insatisfatória.

Quanto ao tratamento, como forma de diminuição do impacto de disposição dos resíduos, são poucas as iniciativas. A disposição final, em aterros sanitários planeja-dos e construídos sob licenciamen-to do órgão de controle ambiental do Estado (Fema), representa 27,4% dos resíduos sólidos gera-dos pela população urbana, sendo os 72,6% restantes, dispostos em depósitos a céu aberto, são os res-ponsáveis direta e indiretamente pela poluição dos recursos hídricos do Estado do Mato Grosso.

COSTA (2002) realizou levan-tamento da situação dos resíduos sólidos no Mato Grosso. Nesse trabalho, foram pesquisados 34 Municípios que responderam um questionamento sobre a quantidade de catadores. Assim foi montada uma relação média de catadores/habitantes.

O autor verificou uma relação média de 1,15 catador para cada 1.000 habitantes para a popu-lação total e 1,46 catador para cada 1.000 habitantes residentes na área urbana. A maior relação de catadores é observada em municípios com menos de 10 mil habitantes, estimando-se em 4,2 catadores para cada 1.000 habi-tantes urbanos (COSTA, 2002).

Assim, estima-se que a quanti-dade seja de 3.667 catadores no

Estado, fazendo a coleta seletiva de papel, plástico, papelão, vidro, alumínio e metais. Dos 3.667 cata-dores, 45% (1.650) são crianças, que vivem do/e no lixo, elas estão presentes em 45% dos Municípios que responderam os questioná-rios, concentram-se em 85% dos Municípios com população de até 35 mil habitantes (COSTA, 2002).

Nenhum Município informou a existência de “Cooperativa de Catadores” na época da reali-zação deste trabalho e Costa (2002) asseverou: “Sendo que este tipo de trabalho vem sendo realizado de forma informal nas ruas das cidades ou nos lixões”.

A reciclagem dos materiais ditos “secos” dos resíduos do-mésticos urbanos domiciliares (RSUD) é uma atividade do maior interesse, porque gera emprego e renda para os agentes ambientais, antigamente deno-minados catadores, e porque produz economia ambiental para toda a sociedade. Economiza matérias primas in natura, gera diminuição no consumo de água, otimizando os recursos hídricos, e produz elevação na eficiência energética (NAIME, 2005).

SITUAÇÃO DA RECICLAGEM NO ATERRO SANITÁRIO DE CUIABÁ

O aterro sanitário de Cuiabá é concebido mais em função da destinação final dos resíduos sólidos urbanos domésticos para colocação em valas do que de reciclagem, inclusão social com geração de emprego e renda para agentes ambientais (catado-res) ou otimização da economia ambiental com economia de matérias primas recicladas com sua consequente redução de consumo de água e melhorias na eficiência energética produzida

Reciclagem na cidade de Cuiabá

RECICLAGEM NA CIDADE DE CUIABÁ

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pela reciclagem dos materiais. Existe praticamente um consenso na sociedade de que o caminho a seguir na questão dos resíduos sólidos, tanto urbanos domésticos quanto industriais ou específicos do setor de saúde ou postos de combustíveis, é adotar práticas que reduzam a produção de resí-duos e estimulem a reutilização e a reciclagem, com vistas a atingir um estágio de sustentabilidade tanto econômica quanto social e ambiental (NAIME, 2005).

A cidade de Cuiabá ainda não pratica coleta seletiva, mas muitos condomínios da cidade e até mesmo bairros inteiros são parcialmente induzidos pelos agentes ambientais a praticarem segregação na origem (separação dos resíduos sólidos secos e reci-cláveis, dos orgânicos), facilitando a tarefa dos agentes ambientais em produzir ocupação e renda com os resíduos recicláveis.

Já foram apresentados e dis-cutidos os principais itens passí-veis de reciclagem. Obviamente é muito mais adequado aos agentes ambientais separar pa-pel, papelão, metais ferrosos ou embalagens PET que não estejam misturadas com restos orgânicos de alimentos em dife-rentes estágios de putrefação.

A matéria orgânica caracteri-zada pelos restos de alimentos contém gordura e sal, sendo a maior responsável pela geração do chorume que vai precisar pas-sar por tratamento antes de ser encaminhado de volta aos ma-nanciais hídricos, tanto superficiais quanto subterrâneos, de forma que possa se integrar sem gerar contaminação. A matéria orgânica poderia passar por processos de compostagem e se transformar em adubo orgânico de alta efici-ência a ser utilizado em parques e jardins públicos e fornecido por

venda ou por doação para esti-mular a formação de um cinturão verde que abastecesse as áreas metropolitanas da cidade em hortifrutigranjeiros diversos.

O objetivo do presente traba-lho é realizar um levantamento do potencial econômico repre-sentado pelos resíduos sólidos “secos” existentes no conjunto dos resíduos sólidos urbanos domésticos da cidade de Cuiabá. Mesmo sem coleta seletiva, ou seja com a cooperativa de traba-lhadores e produtores de mate-riais recicláveis recebendo os re-síduos misturados e em péssimas condições sanitárias para exercer sua função, a figura 1 mostra os principais materiais obtidos nas triagens em cinco esteiras antes da destinação final dos resíduos em aterros sanitários.

A expressiva quantidade, mes-mo não havendo coleta seletiva, indica a importância socioam-biental da atividade, permitindo a inclusão social de muitos agentes ambientais, que têm nesta ativida-de seu principal foco de obtenção de renda. Sem contar as vanta-gens ao disponibilizar materiais para reprocessamento industrial, com economia de matérias pri-mas, de água e de energia.

Por isso, é essencial a implan-tação de coleta seletiva sistêmica e permanente na cidade para po-tencializar o trabalho dos agentes ambientais. Coleta seletiva não é perfeita em nenhum lugar do mundo, mas é processo que vai se aprimorando com o tempo e tem valor social e ambiental intangível para a humanidade.

Na figura 2, é apresentada a

Figura 1: Principais materiais segregados nas esteiras da cooperati-va dos trabalhadores e produtores de materiais recicláveis de Mato Grosso Ltda

Fonte: Relatório anual de gestão da Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar), em Cuiabá (MT)

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participação relativa dos principais materiais segregados nas esteiras do aterro sanitário de Cuiabá, an-tes de os resíduos sólidos serem destinados a aterros sanitários.

Na figura 2, é possível observar a importância dos metais não fer-rosos que constituem o primeiro material em abundância, bem como as quantidades de polietileno tereftalato (PET) representado pelas embalagens de água e de refrige-rantes que constituem o segundo material em quantidade, mas se encontram separados por categoria. Caso sejam somados, tornam-se o primeiro material em quantidade.

Embalagens de alumínio re-presentam pequenas quantida-des no total separado nas esteiras do aterro sanitário. Devido ao seu alto valor de comercialização, são previamente recolhidas por agen-tes ambientais autônomos que fazem a sua comercialização.

Itens de menor relevância ou inexpressivos em quantidade ou valor foram suprimidos deste tra-balho por opção de clareza.

As receitas auferidas pela Coo-permar em 2008 giram em torno de 1,5 milhão, que mantém a es-trutura da cooperativa e gera ocu-pação e renda para um número variável de colaboradores durante o ano, que oscila entre 120 e 150.

Os resultados da venda dos principais itens reciclados nas es-teiras do aterro sanitário de Cuiabá estão apresentados na figura 3.

POTENCIAL ESTIMADO DA RECICLAGEM EM CUIABÁ

A produção total diária de re-síduos dos habitantes de Cuiabá está situado entre 0,6 e 0,9 kg/hab dia. Trabalhos como PAO-LIELLO (1993), BRUGGER et al (1992), MENEGAT et al (2004) e dados do CEMPRE(a)(1994) CEMPRE(b)(2003), CEMPRE(c)

(2006) estima-se entre 0,3 e 0,4 o total de resíduos sólidos urbanos domiciliares coletados a quantidade de recicláveis presen-tes no total coletado.

A eficiência operacional da triagem com materiais fornecidos por coleta seletiva, precedida de prévia segregação dos resíduos nas unidades domésticas, é mui-to maior. Estima-se que num total de 100% de resíduos coletados, sem prévia separação e sem coleta seletiva, seja atingida quan-tidade variável de 6% a 10% de materiais triados em esteiras ou em galpões. Do total recolhido diariamente, a empresa Qualix destina aproximadamente 30% para as esteiras da cooperativa, segundo informações obtidas no local e confirmadas na Secretaria Municipal do Meio Ambiente.

Quando há boa coleta seletiva, precedida de processo de edu-cação ambiental e permanente aprimoramento do processo, os

índices reciclados se aproximam das quantidades de materiais recicláveis presentes nos resíduos sólidos domiciliares domésticos. Ou seja, num total de 100% de resíduos, os recicláveis seriam de 30 a 40% e a reciclagem ficaria muito próxima destas quantidades.

Empregando as premissas, apre-sentamos uma simulação teórica de fácil compreensão no Quadro 1.

A projeção de potencial não objetiva alcançar um núme-ro exato. Entretanto, partindo de premissas universalmente aceitas na bibliografia científica nacional e internacional, esta estimativa é válida. Outros fa-tores também vão interferir nos resultados, como a qualidade da segregação doméstica que os ci-dadãos de Cuiabá vão praticar, as condições de trabalho, o layout dos galpões de reciclagem, a eficiência dos processos de prensagem dos resíduos (para diminuição do volume de vazios

Fonte: Relatório anual de gestão da Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar), em Cuiabá (MT)

Figura 2: Participação relativa dos principais materiais segregados nas esteiras da cooperativa dos trabalhadores e produtores de materiais recicláveis de Mato Grosso Ltda

Reciclagem na cidade de Cuiabá

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durante o transporte) e outros fatores.

No ano passado, foram conta-bilizadas cerca de 2.100 tonela-das, que dividindo pelo número de dias úteis do mês perfazem aproximadamente entre 9 e 10 ton/por dia, muito próximo às 12 t obtidas com o fator arbitrado de 8% (equivalente a um valor intermediário entre 6 e 10% da bibliografia no caso de triagem sem prévia coleta seletiva). Isto valida o cálculo e permite afirmar

que a estimativa de 150 t com o fator 30% arbitrado para o potencial com coleta seletiva é muito realista.

CONCLUSÕES

A questão dos resíduos sólidos urbanos domiciliares (RSUD) é uma das faces mais visíveis e rea-listas da relevância que os temas vinculados ao meio ambiente ganham atualmente. A questão ambiental não será resolvida com

Figura 3: Valores obtidos com a comercialização dos principais materiais segregados nas esteiras da Coopermar em 2008.

Fonte: Relatório anual de gestão da Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar), em Cuiabá (MT)

atitudes mágicas ou com ações es-petaculares. A questão ambiental em suas variadas dimensões – que vão desde a otimização do uso dos recursos hídricos, eficiência ener-gética, tratamentos de efluentes industriais e esgotos, gestão de resíduos sólidos (em suas infinitas formas), monitoramentos atmosfé-ricos, ecodesign ou programas de responsabilidade socioambiental – sempre é um processo.

Todas as dimensões ambien-tais serão resolvidas por intermé-dio de procedimentos de cons-cientização, adequação de arca-bouços legais que respondam às necessidades sociais e contínuos processos de aprimoramento.

Desta forma, a questão dos re-síduos sólidos urbanos domiciliares também será resolvida. Com edu-cação ambiental disseminando os conceitos de reduzir a geração de resíduos, reutilizar tudo o que for possível e reciclar os materiais pas-síveis de nova industrialização.

É fundamental conceber a questão da reciclagem de forma holística, sistêmica e integrada. Assim como pensar na impor-tância que o processo assume ao inserir grandes camadas da população, que por despreparo educacional e por carências fi-nanceiras, na atividade de agente ambiental, sua grande possibi-lidade de geração de trabalho e renda. E depois conceber a economia ambiental, com a re-

Quadro 1Estimativa do potencial de execução de reciclagem nos materiais passíveis de utilização no município de Cuiabá

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dução do consumo de matérias primas, de água e de energia que a reciclagem patrocina.

O relatório de gestão de 2008 da Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Reciclá-veis de Mato Grosso Ltda. (Cooper-

mar) e as informações adicionais obtidas nas bibliografias nacional e internacional permitiram avaliar com precisão a situação atual de trabalho dos agentes ambientais.

O diagnóstico possibilita a realização de um prognóstico

com muito realismo sobre os resultados que podem ser obtidos com o potencial de reciclagem dos resíduos sólidos urbanos domésticos de Cuia-bá, capital do Estado do Mato Grosso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas. 2004. Resíduos Sólidos: classificação, NBR 10.004. Rio de Janeiro, 2004. 30 p.BARTONE, C. 2001. Infraestruture Note W&S N.° UE-3. World Bank, Washington, USA, 2001. p. 11 -19.BENSANSUN, N. 2006. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 176p.BRINGHENTI, J. R. 2004. Coleta Seletiva de resíduos sólidos urbanos: aspectos operacionais e da participação da população. Tese de Doutorado. Faculdade de Saúde Pública/UPS. 2004. 236 p.BROWN, L. 2003. Eco-Economia, Construindo uma Economia para a Terra. Salvador: UMA. 2003, 344 p.BRUGGER, C.M., SLOMPO, M. e TOIGO, C. A. – Produção per capita de resíduos sólidos domésticos em Caxias do Sul. Cadernos de Pesquisa. Universidade de Caxias do Sul, Brasil, 1992.CALDERONI, S. Os Bilhões Perdidos no Lixo. 4ª ed. São Paulo: Humanitas Editora/ FFLCH/UPS, 2003, 346 p.CAHYNA, F Monitoring of artificial infiltration using geoeletrical methods. In: WARD, S.H. (ed.), Geotechnical and Environmental Geophysics. v. 2. Environmental and Groundwater. Tulsa: Society of Exploration Geophysicists, 1990. 87 p.CAPOROSSI, S. S. A. 2002. Análise Comportamental do Chorume do Aterro Sanitário e do Sistema de Tratamento na Central de Disposição Final de Resíduos Sólidos Urbanos de Cuiabá/MT. 2002. 109 p. Dissertação (Mestrado em Ciências em Engenharia Civil) - Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002. 132 p.CEMPRE (a) – Compromisso Empresarial para a reciclagem. Pesquisa Clicsoft. Rio de Janeiro, 1994.CEMPRE (b) – COMPROMISSO EMPRESARIAL PARA A RECICLAGEM. Manual de Gerenciamento Integrado. São Paulo. SP. 2003.CEMPRE (c) – COMPROMISSO EMPRESARIAL PARA A RECICLAGEM. Relatório Anual 2005. São Paulo, SP, 2006, disponível em http://www.cempre.org.br, acesso em 02.08.2006.COSTA, Bertoldo Silva, Diagnóstico e Proposta de gestão de Resíduos Sólidos no Estado do Mato Grosso, PNUD Contrato 2002/000676, Relatório Interno FEMA-MT, 2002.MANCINI, S. D. e ZANIN, M. – Estudo sobre a relação entre consumo e descarte dos principais plásticos. Plástico Industrial. Ano II, n 25 p 118-125. Setembro de 2000.MENEGAT, R.; ALMEIDA, G. 2004. (org.). Desenvolvimento sustentável e gestão ambiental nas cidades: estratégias a partir de Porto Alegre. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004. 422p. NAIME, R. 2005. Gestão de Resíduos Sólidos: Uma abordagem prática. Novo Hamburgo: Feevale, 2005. 136 p.PAOLIELLO, J. R. Potencial da reciclagem do lixo na cidade de Alfenas – MG. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas. Departamento de Hidráulica e Saneamento. 1993. 201p.REMEDIO, M. V. P, MANCINI, S. D. e ZANIN, M. – Potencial de reciclagem de resíduos em um sistema de coleta de lixo comum. Engenharia Sanitária e Ambiental, v 7 n 1 jan/mar 2002 e v2 abr/jun 2002.TCHOBANOGLOUS, G. “Wastewater Engineering: Treatment Disposal”. Metcalf & Eddu Inc. Mc Graw Hill. Nova Déli, 1979, 548p.8. AgradecimentosÀ Cooperativa dos Trabalhadores e Produtores de Materiais Recicláveis de Mato Grosso Ltda. (Coopermar), de Cuiabá (MT), pelo fornecimento dos dados do relatório de gestão de 2008.

Reciclagem na cidade de Cuiabá

RECICLAGEM NA CIDADE DE CUIABÁ

ABSTRACT

RESUMEN

Assessment of potential for recycling in the city of Cuiabá (MT)

This work makes a diagnosis of current situation of recycling in the landfill of the city of Cuiabá, and runs from these data an assessment of the potential for recycling of household waste. Based on the data of the annual report of 2008 the co-operative workers and producers of recyclable materials from Mato Grosso Ltda, which shows the main items are subject to recycling. Initially the frame is made of recyclable materials and then an explanation of the situation of the management of household waste in any state of Mato Grosso. The work shows the conditions of work that the cooperative is in the sanitary landfill of Cuiabá. The following are the data obtained from the compilation of the annual report of the cooperative of workers and producers of recyclable materials from Mato Grosso. Subsequently, based on information obtained from the sanitary landfill and in references is performed a projection of the potential for recycling in the city study. Concluding remarks are made on entering the solid waste issue in the context of sustainable development and the social importance that recycling is for all actors involved in the process and for the environmental economy in the world.

Keywords: waste, recycling and sanitary, landfill

Evaluación del Potencial de Reciclaje en Cuiabá - MT

Este trabajo hace um diagnóstico de la situación actual del reciclaje em el relleno sanitário em la ciudad de Cuiabá em Brasil, y ejecutar de estos datos uma evaluación del potencial de reciclado de resíduos sólidos domiciliários. Sobre La base de datos del informe 2008 de La gestión cooperativa de lós trabajadores y productores de materiales reciclabes de Mato Grosso Ltda, que se muestran lós elementos principales, son objeto de reciclaje. Inicialmente, l fondo és hecho de materiales reciclables y luego um comunicado de la gestión de lós resíduos sólidos domiciliários em cualquier ciudad de Mato Grosso. El trabajo muestra lãs condiciones de trabajo que La cooperativa es el vertido de Cuiabá. Los siguientes son lós datos obtenidos com la elaboración del informe anual de La cooperativa de trabajadores y produtores de materiales reciclabes de Mato Grosso. Posteriormente, com base em la información obtenida en el relleno sanitário y em lãs refer-encias que se lleva a cabo, uma proyección de materiales reciclables em el estúdio del hogar. Observaciones finales se hacen em el tema de lós resíduos sólidos em el contexto del desarollo sostenible y la importância ambiental y social que el reciclaje es para todos lós actores involucrados, y su propia economia ambiental em el mundo.

Palabras clave: resíduos sólidos, el reciclaje, vertedero.

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

PARECERES E JURISPRUDÊNCIA

CONSULTA

O consultor jurídico da Câmara Municipal relata que foi formulado requerimento pelo servidor público municipal R.G.S em 03/11/2010, e que a consultoria jurídica deu parecer favorável à sua pretensão.

Relata que o servidor em questão ingressou na municipalidade por concurso público no dia 12/08/1991 na função de encarregado de manutenção de prédio, e que, no dia 10/02/1992, “passou para o cargo de motorista”, o qual exerce até hoje. Esclarece que, a partir de março de 1992, todos os motoristas “da representação oficial recebiam 92 horas extras por mês”, e que a partir de 2003 passaram a receber 60 horas extras por mês, nos termos de portaria do Legislativo.

Informa que, “de 1993 a 2007”, com a mudança do regime celetista para estatutário, houve a criação do instituto de previdência próprio, e que os “salários” sofriam os descontos legais juntamente com as horas extras.

Relata, ainda, que houve “integralização das horas extras ao salário-base face à habitualidade e forma contínua”, e que a Lei Complementar nº 13 de 07/10/1993, em seu art. 192, reza que os reflexos das horas extras incidirão sobre a aposentadoria. Os arts. 151 e 153 do mesmo diploma legal confirmam que os proventos de aposentadoria, quando de sua concessão, corresponderão à totalidade da remuneração, nela englobadas as horas extras.

Em face do exposto, indaga especificamente se, quando da concessão da aposentadoria, deverá ser “computado o salário base enriquecido com as horas extras prestadas habitualmente”. Indaga se estas horas extras “já estão alojadas e incorporadas definitivamente aos vencimentos do servidor, mesmo com a conversão do regime jurídico de celetista para estatutário”, e se a supressão destas horas extras afrontaria algum direito adquirido.

A consulta não vem documentada.

Princípio da segurança jurídica e a decadência da prerrogativa da Administração de anular seus próprios atos

RESPOSTA

Como se sabe, o provimento de cargos públicos efetivos dá-se,

via de regra, de forma originária, após a aprovação em concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição. Trata-se de exigência

destinada a densificar os princípios da moralidade e da impessoalidade, impedindo que os detentores de poder possam lotear a Administra-

Gustavo da Costa Ferreira M. dos Santos Assessor Jurídico do IBAM

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ção Pública arbitrariamente, para atendimento de seus interesses privados. Sobre o assunto, o STF já editou a Súmula nº 685, que trazemos à colação:

“É inconstitucional toda moda-lidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.” (Sú-mula 685).

É bem verdade que a regra com-porta exceções, previstas no próprio texto constitucional. É possível haver provimento derivado de cargos que integram uma mesma carreira, por meio da promoção (art. 39, § 2º, da CRFB), conforme explicitado na própria súmula. O mesmo raciocínio se aplica ao provimento derivado decorrente de reingresso no Poder Público, mediante ato de reintegra-ção (art. 41, § 2º, da CRFB), ou, ainda, por aproveitamento (art. 41, § 3º, da CRFB), em caso de extinção dos cargos.

No caso da consulta, contudo, com muita clareza se observa que a Câmara Municipal cometeu gra-ves irregularidades no trato com o servidor público que ora pretende se aposentar. A primeira e mais evidente delas reside no fato de o aludido servidor ter sido investido ilegalmente em cargo para o qual não foi aprovado em concurso: conforme relatado pelo próprio con-sulente, aprovado para o emprego público de “encarregado de manu-tenção”, em 1992 “passou” para o cargo de motorista. Com efeito, por força da exigência constitucional, o acesso ao cargo de “motorista”, que nada tem a ver com o de “encarre-gado de manutenção” deveria ser precedido de aprovação em outro concurso público. Sobre o assunto, pertinente o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello:

“O que a Lei Magna visou com os princípios da acessibilidade e do concurso público foi, de um

lado, ensejar a todos iguais opor-tunidades de disputar cargos ou empregos na Administração direta e indireta. De outro lado, propôs--se a impedir tanto o ingresso sem concurso, ressalvadas as exceções previstas na Constituição, quanto obstar a que o servidor habilitado por concurso para cargo ou em-prego de determinada natureza viesse depois a ser agraciado com cargo ou emprego permanente de outra natureza, pois esta seria uma forma de fraudar a razão de ser do concurso.” (CELSO, Antô-nio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 257 e 258 - grifo nosso).

Rememore-se que, consoante o entendimento tradicional, que foi objeto da Súmula nº 473 do STF, “a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos”. Decorreria da aplicação literal da súmula a necessidade de anulação do ato que promo-veu a passagem do servidor para o cargo de motorista, bem como a retirada de todos os seus efei-tos, notadamente os direitos que decorreram de seu exercício. Em regra, nenhum efeito que decorra de ato nulo pode ser preservado, tendo em vista a indisponibilidade do interesse público.

No entanto, da ponderação entre o princípio da legalidade e outros princípios também estimados pela nossa ordem jurídica, tais como a segurança jurídica, vedação ao enriquecimento sem causa e a boa-fé, resulta, em alguns casos, consentâneo com o interesse pú-blico justamente a subsistência de alguns desses efeitos. Uma hipótese bastante comum em que se admite a preservação dos efeitos de ato ilegal ocorre quando há provimento inválido de cargo público e tenha o servidor agido de boa-fé e efetiva-mente prestado serviços ao poder público. Sobre o tema, é pertinente a lição de Celso Antônio Bandeira

de Mello:

“Com efeito, se os atos em questão foram obra do próprio Poder Público, se estavam, pois investidos na presunção de veracidade e legi-timidade que acompanha os atos administrativos, é natural que o administrado de boa-fé (até por não poder se substituir à Administração na qualidade de guardião da lisura jurídica dos atos por ela praticados) tenha agido na conformidade deles, desfrutando do que resultava de tais atos. Não há duvida que, por terem sido invalidamente praticados, a Administração (...) deva fulminá-los, impedindo que continuem a desencadear efeitos; mas também é certo que não há razão prestante para desconstituir o que se produziu sob o beneplácito do próprio Poder Público e que o administrador tinha o direito de supor que o habilitava regularmente.

Assim, v.g., se alguém é nome-ado em consequência de concurso público inválido, e por isso vem a ser anulada a nomeação dela decorren-te, o nomeado não deverá restituir o que percebeu pelo tempo em que trabalhou. Nem se diga que assim há de ser tão-só por força da veda-ção do enriquecimento sem causa, que impediria ao Poder Público ser beneficiário de um trabalho gratuito. (MELLO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 227-228)

Questão mais difícil diz respeito à necessidade de que o motorista em questão retorne, a partir da constata-ção da existência da ilegalidade, para o exercício de seu cargo de origem, tendo em vista a nulidade do pro-vimento derivado. O IBAM sempre entendeu que a gravidade da inob-servância de concurso público impe-de a convalidação do vínculo ilegal, impondo-se seu desfazimento e o consequente retorno ao status quo. No entanto, existe uma tendência da doutrina e da jurisprudência dos tribunais superiores a reconhecer a impossibilidade de a Administração, ultrapassado o prazo de 5 (cinco) anos, anular e retirar os efeitos de

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atos viciados que ela mesmo tenha praticado, especialmente quando favoráveis para o particular de boa fé. Nesse sentido, é pertinente a lição de Luiz Fux:

“Se é assente que a Administra-ção pode cancelar seus atos, tam-bém o é que por força do princípio da segurança jurídica obedece aos direitos adquiridos e reembolsa eventuais prejuízos pelos seus atos ilícitos ou originariamente lícitos, como consectário do controle juris-dicional e das responsabilidades dos atos da Administração. (...) Em con-sequência, não é absoluto o poder do administrador, conforme insinua a Súmula 473”.

Não é diverso o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Melo:

“Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas dis-posições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando re-portadas ao prazo para o administra-do agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar seus próprios atos. Ademais, salvo disposição legal explícita, não haveria razão prestante para distinguir entre Administração e administrados no que concerne ao prazo ao cabo do qual faleceria o direito de reciproca-mente se proporem ações.”

Isto posto, estamos em que, faltando regra específica que dispo-nha de modo diverso, ressalvada a hipótese de comprovada má-fé em uma, outra ou em ambas as partes de relação jurídica que envolva atos ampliativos de direito dos adminis-trados, o prazo para a Administração proceder judicialmente contra eles é, como regra, de cinco anos, quer se trate de atos nulos, quer se trate de atos anuláveis.” (Op. cit., p. 1047 - grifo nosso)

O próprio TJSP já se posicionou nesse sentido:

“Apelação Cível. Servidora pública aposentada há quase oito anos. Mu-nicípio de Osasco. Revisão do ato ad-ministrativo que lhe havia concedido

aposentadoria pela Administração do Município. Revisão ocorrida mais de sete anos após o ato de aposentado-ria. Inadmissibilidade. Preservação do princípio da segurança jurídica. Prazo para a Administração rever seus pró-prios atos que deve guardar simetria com o prazo prescricional para o par-ticular acionar o Poder Público. Ação julgada improcedente na origem. Decisão reformada. Recurso provido. Precedentes: STF: MS 24.268; MS 22.357 e RE 217.141-5; STJ: REsp. 493.307 c REsp. 219.883.

Por força do princípio da isono-mia, o prazo para a Administração Pública anular, invalidar ou rever os seus próprios atos, que repercutam na esfera de direitos dos seus servi-dores ou administrados, é de cinco anos.

( A p e l a ç ã o c í v e l : A P L 994050234399. Relator(a): Rui Stoco. Julgamento: 15/03/2010. Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público. Publicação: 08/04/2010)

Igualmente o STJ:

“Não pode a Administração Públi-ca, após o lapso temporal de cinco anos, anular ato administrativo que considera viciado, se o mesmo gerou efeitos no campo e no interesse individual, incorporando-se ao seu patrimônio jurídico. Precedentes. Recurso não conhecido” (STJ: REsp 493.307. 5ª T. Rel. Felix Fisher. DJU 26/09/2005).

E, também, o STF:

“Servidor público. Funcionário(s) da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Cargo. Ascensão funcional sem concurso público. Anulação pelo TCU. Inadmissibili-dade. Ato aprovado pelo TCU há mais de cinco anos. Inobservância do contraditório e da ampla defesa. Consumação, ademais, da decadên-cia administrativa após o quinquênio legal. Ofensa a direito líquido e certo. Cassação dos acórdãos. Segurança concedida para esse fim. Aplicação do art. 5º, LV, da CF e art. 54 da Lei federal 9.784/1999. Não pode o TCU, sob fundamento ou pretexto algum, anular ascensão funcional

de servidor operada e aprovada há mais de cinco anos, sobretudo em procedimento que lhe não assegura o contraditório e a ampla defesa.” (MS 26.560, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 17-12-2007, Plená-rio, DJE de 22-2-2008.)

No caso da consulta, portanto, tendo em vista o fato de o servidor ter sido investido indevidamente no cargo de motorista em 1993, não pode a Administração, quase 20 anos depois, anular o ato de provimento derivado em desfavor do servidor. A aposentadoria, desse modo, processar-se-á normalmente, tendo em vista o fato de o provimen-to no cargo de motorista, ainda que indevido, ter se consolidado com o decurso do tempo.

Observamos, também, que é absolutamente inviável o aumen-to da jornada habitual realizado mediante concessão automática de horas extras, o qual foi obje-to de ato administrativo formal (portaria). No caso da consulta, conforme afirmado pelo consu-lente, ao servidor indevidamente investido no cargo de motorista eram asseguradas mensalmente 92 (noventa e duas) horas extras mensais desde 1992, diminuídas, em 2003, para 60 (sessenta) horas mensais.

Ocorre que a o serviço extraor-dinário, como o nome diz, somente pode ser realizado em situações excepcionais e imprevistas. A carga horária habitual dos servidores públi-cos é fixada por lei, e a prestação de serviços em período que a ultrapasse é remunerada em no mínimo 50% sobre o valor da hora normal (art. 7º, XVI, c/c art. 39, § 3º, da CRFB).

A prestação de serviço extra-ordinário habitual e permanente não só viola ditame constitucional garantidor da duração máxima do trabalho, como enseja distorções na administração de gastos com pessoal por conta do elevado valor das horas extras. Muitas vezes, as horas extras são utilizadas como ar-tifício para aumentar indiretamente a remuneração os servidores, abrindo

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brecha para possíveis favorecimen-tos pessoais.

Assim, em vista de sua ilegalida-de, a portaria mediante a qual foi aumentada a jornada habitual dos motoristas por meio da concessão de horas extras deve ser anulada. Caso haja déficit de pessoal, é viável que se aumente a carga horária dos cargos com a modificação do pla-no de cargos do Poder Legislativo. Como a remuneração dos servidores é irredutível (art. 37, XV, da CRFB), deverá haver aumento proporcional de seus vencimentos, que nos ter-mos do art. 51, IV c/c art. 37, X e art. 29, caput, deverá ser realizado por meio de lei de iniciativa do próprio Legislativo.

De qualquer modo, a incorpo-ração das horas extras, ainda que habituais, ao contrário do que sugere o consulente, é repelida pelo nosso ordenamento jurídico. Afinal, se elas são, por sua natureza, transitórias e excepcionais, não há sentido em ha-ver incorporação. Muito embora exis-tam decisões de tribunais estaduais que reconhecem a possibilidade de incorporação quando haja previsão legal, o STJ já firmou entendimento em sentido contrário:

“Agravo Regimental. Recurso Especial. Administrativo. Servidor público. Horas Extras. Incorporação. Impossibilidade. Natureza Propter Laborem. Supressão de vantagem. Decadência afastada. (...)

1. As horas extras têm natureza propter laborem, pois são devidas aos servidores enquanto exercerem atividades além do horário normal, razão pela qual não podem ser incorporadas à remumeração do servidor ou aos seus proventos de aposentadoria. Precedentes.

2. De acordo com a jurisprudên-cia firmada nesta Corte Superior de Justiça, pode a Administração rever seus próprios atos no prazo deca-dencial previsto na Lei Federal nº 9.784, de 1º/2/99.

3. A colenda Corte Especial, no julgamento do MS 9.112/DF, firmou entendimento no sentido de que

os atos administrativos praticados anteriormente ao advento da men-cionada Lei estão sujeitos ao prazo decadencial quinquenal contado da sua entrada em vigor. Ressalva desta Relatora.

4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp 943.050/PA, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 21/09/2010, DJe 11/10/2010 – grifo nosso)

Feitas estas considerações, pas-samos a enfrentar a questão da aposentadoria. A partir do relatado pelo consulente, deduz-se haver no Município Regime Próprio de Previ-dência Social. À luz da nova redação dada pela Reforma da Previdência (EC nº 20/1998, EC nº 41/2003 e EC nº 47/2005) ao caput do art. 40, da Constituição, os regimes próprios de previdência devem se revestir, obrigatoriamente, de caráter contributivo e solidário, pautados no equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.

O Município possui, pois, auto-nomia para instituir regime próprio de previdência dirigido aos titulares de cargo efetivo, devendo ser obser-vadas as normas gerais ditadas pela União pela Lei Federal nº 9.717, de 27 de novembro de 1998, altera-da pela Lei nº 10.887/2004, que, a seu turno, disciplina as regras gerais para organização e funcio-namento dos regimes próprios de previdência dos servidores públicos de todas as unidades federativas (art. 9º, II).

Releva considerar que, após o fim do direito à aposentadoria integral ocorrido com a EC nº 41/2003, os proventos dos servidores passaram a ser calculados de acordo com o art. 40, § 3º da Constituição, que assim estabelece:

“Art. 40. (...)(...)§ 3º Para o cálculo dos proventos

de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor

aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201, na forma da lei.”

Nesse passo, cabe à lei mu-nicipal, observadas as normas da Constituição Federal, da Lei Federal nº 10.887/2004 e da Lei Federal nº 9.717/1998, determinar quais vantagens remuneratórias integrarão a base de contribuição dos servidores, sendo certo que, por expressa previsão do art. 4º, § 1º da Lei nº 10.887/2004, os acréscimos estipendiários de caráter permanente previstos em estatuto dela não podem ser excluídos. Conforme relatado, a legislação local incluiu as horas extras como base de cálculo da contribuição previdenciária; dessa forma, adotando-se a forma de cál-culo prevista na atual redação do art. 40, § 3º, elas serão levadas em consideração no estabelecimento do valor dos proventos.

No entanto, o servidor em ques-tão, por ter ingressado no serviço público em 1991 – ou seja, antes das EC nº 41/2003 – poderá valer-se das regras de transição para ter di-reito à aposentadoria integral, tendo direito à paridade com a remune-ração dos servidores em atividade. Para tanto, nos termos do art. 3º da EC nº 47/2005, deverá atender aos seguintes requisitos:

“Art. 3º Ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas nor-mas estabelecidas pelo art. 40 da Constituição Federal ou pelas regras estabelecidas pelos arts. 2º e 6º da Emenda Constitucional nº 41, de 2003, o servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até 16 de dezem-bro de 1998 poderá aposentar-se com proventos integrais, desde que preencha, cumulativamente, as se-guintes condições:

I - trinta e cinco anos de contri-buição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

II - vinte e cinco anos de efetivo exercício no serviço público, quinze

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anos de carreira e cinco anos no car-go em que se der a aposentadoria;

III - idade mínima resultante da redução, relativamente aos limites do art. 40, § 1º, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, de um ano de idade para cada ano de contribuição que exceder a condição prevista no inciso I do caput deste artigo.”

As horas extras, como afirmado, são vantagens de natureza remu-neratória propter laborem, ou seja, pagas apenas em razão da efetiva prestação do serviço em jornada extraordinária. Não se incorporando automaticamente aos vencimentos do servidor público, conquanto se percebidas habitualmente, não po-dem ser computadas para fins de cálculo dos proventos integrais, que têm como paradigma o vencimento básico acrescido das vantagens re-muneratórias permanentes. Sobre o assunto, é farta a jurisprudência do STJ:

“Processual. Civil e Administrati-vo. Embargos de Declaração. Agravo Regimental. Funcionários Públicos regidos pela CLT. Transposição para o Regime Estatutário. Gratificação de Horas Extras.Supressão. Irredutibili-dade Salarial. Decadência da Admi-nistração.. ART.54 da Lei 9.784/99. Ocorrência.

1. Consoante jurisprudência deste STJ, as gratificações de horas extras não podem ser incorporadas à remuneração do servidor ou aos proventos da aposentadoria, porquanto possível a supressão da gratificação. Ademais, o servidor público não possui direito adqui-rido à imutabilidade de regime jurídico e de remuneração, desde que respeitada a irredutibilidade vencimental.

2. No tocante à decadência, art. 54 da Lei 9.784/99, verifica-se que o Tribunal de origem aplicou o entendimento desta Corte, assen-tando a compreensão de que, até a edição da Lei nº 9.784/1999, a Ad-ministração podia rever seus atos a qualquer tempo. Somente a partir de

sua edição passou a vigorar o prazo decadencial de cinco anos, previsto no artigo 54 da referida lei.

3. Embargos de declaração aco-lhidos, sem injunção no resultado.” (EDcl no AgRg no REsp 651.576/PA, Rel. Ministro Celso Limongi (desem-bargador convocado do TJ/SP), sexta turma, julgado em 11/05/2010, DJe 31/05/2010 – grifo nosso)

Desse modo, optando o servidor pelos proventos integrais, nos termos do art. 3º da EC nº 47/2005, as horas extras não poderão ser computadas no cálculo de seus proventos, que consistirão no vencimento básico do motorista em atividade, acrescido das vantagens pessoais permanen-tes a que faz jus o servidor. Sem em-bargo, o servidor pode aposentar-se segundo as regras do art. 40, § 1º, inciso III, “a” da CRFB, com redação dada pela EC nº 41/2003, hipótese em que abrirá mão do direito à paridade, mas terá seus proventos calculados com base nas contribui-ções previdenciárias que tenham sido recolhidas.

Sem embargo de tudo o que foi exposto, deve ter em mente que o gestor público, ao tomar conheci-mento de qualquer ilegalidade, tem o dever de ofício de tomar duas providências básicas: sanar as irre-gularidades e promover a apuração das respectivas responsabilidades. Assim deverá fazê-lo o Presidente da Câmara, ciente da invalidade do provimento do cargo de motorista e da impossibilidade de concessão de horas extras habituais, sob pena de ser responsabilizado político--administrativamente em proce-dimento de cassação no âmbito do Poder Legislativo, ou mesmo responder a ação de improbidade administrativa, na forma da Lei nº 8.429/1992.

Em face do exposto, responde-mos objetivamente aos questiona-mentos formulados:

- o servidor público foi ilegal-mente provido sem concurso pú-blico para o cargo de motorista. No entanto, tendo em vista o princípio

da segurança jurídica, da boa fé e da vedação ao enriquecimento sem causa, não pode a Adminis-tração, quase 20 anos depois da ilegalidade, anular o provimento derivado e requerer a devolução dos valores percebidos a este título. Desse modo, poderá o servidor em questão aposentar-se no cargo de motorista, conforme o art. 40, § 1º, III, “a” da CRFB, ou optar pela apo-sentadoria integral na forma do art. 3º da EC nº 47/2005;

- as horas extras são expediente excepcional ao qual a Administração somente pode recorrer em situações imprevistas e extraordinárias, sendo ilegal a concessão habitual como forma de aumento da carga horária do servidor. Portanto, impõe-se a anulação da portaria em vigor que es-tabelece o pagamento automático de 60 horas extras a todos os motoristas;

- as horas extras são vantagens remuneratórias propter laborem que não podem ser incorporadas aos vencimentos do servidor, ainda que prestadas habitualmente. Desse modo, é incabível o cômputo de ho-ras extras para cálculo dos proventos integrais concedidos na forma da norma de transição prevista no art. 3º da EC nº 47/2005. Os proventos integrais deverão ser calculados pela soma do vencimento básico do servidor da ativa acrescido das vanta-gens pessoais permanentes, sendo inviável o pagamento de quaisquer vantagens transitórias, como é o caso das horas extras;

- caso o servidor opte por se aposentar pelas regras do art. 40, § 1º, III, “a”, da CRFB, as horas extras serão levadas em conta para fins de cálculo dos proventos, uma vez que foram incluídas na base de contribuição previdenciária do servidor, e, nos termos do § 3º do mesmo dispositivo, os proventos serão calculados por meio de uma média das contribuições realiza-das. No entanto, nessa hipótese o servidor abrirá mão do direito à paridade com os servidores da ati-va, submetendo-se às novas regras para cálculo e reajuste do benefício previdenciário.

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Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

PARECERES E JURISPRUDÊNCIA

Reestruturação financeira

do SAAE

O vereador de uma Câmara Municipal informa que um amigo economista enviou-lhe mensagem na qual propõe a capitalização do Serviço Autônomo de Água e Es-goto (SAAE), autarquia municipal, por meio da criação de um Fundo Especial gerido por um Conselho. A fundamentação para esta proposta está contida no texto da mensa-gem transcrita a seguir.

Nos últimos meses têm aconte-cido fortes discussões sobre o papel do SAAE na comunidade. As prin-cipais queixas estão relacionadas a questões emergenciais no abaste-cimento (falta constante de água e por longos períodos), que por sua vez aparecem como incompetência dos administradores da autarquia e pela incapacidade operacional dos equipamentos disponíveis para suprirem a demanda. Como as dis-cussões tendem a uma qualificação negativa da instituição, algumas medidas podem ser adotadas para procurar aumentar a eficiência e a eficácia dos serviços do SAAE.

Por diversas vezes, os adminis-tradores do SAAE colocam como justificativa a debilidade financeira e a defasagem técnica como justificati-va para a irregularidade da prestação de serviços. É o que de fato (por mais que a conta seja bem elevada relativamente) acontece, pelo que pude observar dos balancetes da instituição. Ainda há de lembrar que existem debates pelos bastidores da

possibilidade, que nunca foi descar-tada, de privatização da autarquia.

Diante deste cenário, pensei que, após ser estudada a sua validade legal, pode ser transformada em um projeto de lei ou indicação à Prefei-tura da seguinte proposta: criação de um fundo emergencial para capita-lizar o SAAE, a partir de exoneração tributária (ou incentivo fiscal).

Assim como qualquer outro pres-tador de serviços, recai sobre o SAAE um tributo municipal, o Imposto So-bre Serviços. Se considerarmos que o faturamento do SAAE em 2010 aproximou-se de R$ 4 milhões e que sobre este valor incide a alíquota de 5% correspondente àquele impos-to, foram repassados pelo órgão à Fazenda municipal aproximadamen-te R$ 200 mil somente com este tributo municipal.

É possível, por meio de lei, criar uma exoneração tributária (um in-centivo fiscal para que a autarquia possa atuar de maneira eficiente no mercado, atendendo o interesse público) ao SAAE dos encargos de caráter municipal. E que eles fos-sem reorientados, para um fundo especial, que teria como objetivo atender demandas emergenciais e de investimentos da autarquia relacionados a serviços. De ante-mão, observa-se a necessidade de criar um Fundo que deverá ter um Conselho para coordenação, e liberação e regulamentação nas aplicações dos recursos.

É importante criar mecanismos que impeçam uma desvinculação dos objetivos originais do Fundo. Desta forma, toda vez que a adminis-tração do SAAE solicitar a utilização dos recursos deve ser aprovada pelo Conselho e publicada em Diário Ofi-cial o valor utilizado e a destinação.

Deve destacar a prioridade de o fundo atender as necessidades emergenciais (como criar uma logística de imediato para abaste-cimento de regiões afetadas por irregularidade no abastecimento) e em caso de haver excedentes os recursos sejam aplicados em imobilização de capital (sobretudo equipamentos).

De certa forma, esta exoneração tributária ou incentivo fiscal surtiria o efeito de um investimento ou de transferência de recursos do Executivo para a autarquia. Só que diferentemente de uma transferência do Executivo para a autarquia, o re-curso advindo de um fundo tem um controle mais rígido a depender das especificações da lei que o regerá, o que inclui a sua forma de atuação.

RESPOSTA

A ideia da constituição de um Fundo Especial, na forma dos arts. 71 a 74 da Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, está associa-da a identificação de ações tidas como relevantes no contexto da Administração. Diante da incerteza

Heraldo da Costa Reis Coordenador do CEIF – Ensur/IBAM(Finanças, Orçamento, Contabilidade

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financeira que pode comprometer a execução de tais prioridades, vinculam-se determinadas receitas a programas de trabalho com a finalidade de garantir a aquisição de bens e serviços e, consequen-temente, a realização dos objetivos específicos preestabelecidos nes-ses programas de trabalhos.

Assim, pode-se afirmar que o Fundo Especial tem por fim assegurar recursos financeiros suficientes ou lastro financeiro para a viabilização de programas, que dessa forma consti-tuem o seu objetivo específico.

Ocorre, entretanto, que a cons-tituição dos recursos financeiros do Fundo Especial proposto, objeto da consulta, esbarra na proibição constitucional constante do art. 167, IV, a seguir transcrito:

Art. 167 – São vedados:

IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts.158 e 159, a des-tinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para a realização de ativida-des de administração tributária,como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212, e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo.

Por outro lado, a Autarquia constituída para executar serviços de interesse público, cujos recur-sos são exclusivamente públicos, por ser entidade jurídica de direito público interno, está isenta do pa-gamento de tributos de qualquer espécie, qualquer que seja a esfera governamental, conforme dispõe o art. 150, VI, § 2º, da Constituição da República, a seguir transcrito:

Art. 150 – Sem prejuízo de

outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI – instituir impostos sobre: patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros

§ 2º - A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fun-dações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essen-ciais ou às delas decorrentes.

Observe o consulente que a regra constante do § 2º, do art. 150, transcrito, dispõe que a vedação de-pende da destinação dos recursos auferidos às finalidades essenciais do serviço ou às delas decorrentes, o que sem dúvida ocorre com o Serviço Autônomo de Água e Es-gotos, por ter também tratamento de Fundo Especial. Ou seja, as suas receitas se vinculam, obrigatoria-mente, aos seus objetivos.

Bem, como reconstituir financei-ramente o SAAE, já que há muito vem recolhendo indevidamente o ISS de qualquer natureza? O primei-ro passo a ser dado é o levantamen-to do valor do imposto recolhido, a partir do ano em que o mesmo fora lançado e cobrado, o qual deverá ser transferido para a autarquia.

Evidentemente, o processo de-verá ser autorizado por lei municipal com base no dispositivo da Cons-tituição da República, de iniciativa do Poder Executivo, podendo ser por indicação do Poder Legislativo. Dessa lei, também constarão:

•AconstituiçãodoFundoEspe-cial de Capitalização no âmbito da Autarquia, cujos recursos financeiros se originarão da transferência da Prefeitura para a Autarquia referente à cobrança indevida do imposto.

•AconstituiçãodoConselhodeGestão do Fundo e as suas funções.

•AautorizaçãoparaaPrefeituraalocar no seu orçamento anual, obrigatoriamente, a dotação neces-sária para a cobertura da despesa de transferência.

• A forma de aplicação dosrecursos do Fundo que visará, exclusivamente, o custeio das ações de aperfeiçoamento e da expansão dos serviços de água e de esgotos, para a qual será elaborado um plano de aplica-ção, que servirá de base para a elaboração do Plano Plurianual do Município e que acompanhará as Diretrizes Orçamentárias do Município e o próprio Orçamento da autarquia.

•AformadecontabilizaçãonaAutarquia das aplicações dos recur-sos nas ações de aperfeiçoamento e de expansão dos seus serviços.

•Aobrigatoriedadedaorganiza-ção e da manutenção na Autarquia de um sistema de contabilidade custos e de contabilidade finan-ceira, de forma a demonstrarem, respectivamente, a formação dos preços dos serviços e do impacto das operações sobre o seu fluxo de caixa por atividades.

•AalocaçãodoFundoEspecialde Capitalização no orçamento da autarquia.

• A transferência deumexer-cício para o seguinte do saldo do Caixa do Fundo.

•Autorizaçãoparaaberturadeum crédito especial no âmbito da Prefeitura Municipal, cujos recursos para a sua concretização poderão provir da reserva de contingência, caso não haja recurso orçamentário no seu orçamento para o atendi-mento da obrigação.

Por último, as medidas men-cionadas a serem providenciadas no âmbito da Prefeitura Municipal deverão observar a regra contida no art. 17 e seus parágrafos, da Lei Complementar nº 101/2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal.

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Ano 57 - Nº 277Abril/Setembro 89

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

Por meio do Projeto Florescer, iniciado em 2004, o Município de Rio das Flores (RJ) soube supe-rar em poucos anos a situação de decadência econômica que afetava as condições de vida, de moradia e de trabalho da sua população (aproximadamente 8.700 pessoas).

Contando com a ativa partici-pação popular e de parcerias pú-blicas e privadas, estratégicas para o seu desenvolvimento, em oito anos foram feitos investimentos públicos superiores aos empre-endidos nos últimos 30 anos. O resultado foi acesso à moradia, aos serviços de saneamento, ao emprego e a serviços sociais.

Houve melhora significativa do IDH-Municipal, o PIB cresceu 313% em três anos, em função da elevação da escolaridade e da empregabilidade, e do fomento às atividades produtivas em vários setores da economia local, com a geração de mais de 1.500 em-pregos formais.

Ressalte-se a importância da elaboração de um diagnóstico socioeconômico, com enfoque na Agenda 21 e nos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, a partir do qual foram definidas as prioridades de ação. Destaca--se ainda a criação de Centros de Governança, constituídos por representantes do governo, da comunidade e do setor empre-sarial, responsáveis pelo acompa-nhamento do planejamento e da implantação do desenvolvimento sustentável do Município.

Rio das Flores recebeu em 2007 o Prêmio Prefeito Empre-endedor, oferecido pelo Sebrae/

Projeto Florescer: exemplo de boa governança urbana do Município de Rio das Flores (RJ)

EM FOCO

RJ, e, em 2009, o Prêmio Caixa Melhores Práticas em Gestão Local.

No Município de Rio das Flores, o PIB cresceu 313% em três anos, em função da elevação da escolari-

dade e da empregabilidade, e do fomento às atividades produtivas em vários setores da economia local

Marlene Fernandes Assessora para Assuntos Internacionais do IBAM

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Ano 57 - Nº 277 Abril/Setembro90

Revista de Administração Municipal - MUNICÍPIOS - IBAM

PERGUNTE AO IBAM

A realização de concursos contribui para o desenvolvimen-to institucional da Administração Pública: a melhor qualificação do quadro de pessoal, a implemen-tação do sistema do mérito e a va-lorização das carreiras produzirão impactos positivos na profissio-nalização dos servidores públicos e das ações governamentais. As equipes estarão melhor prepara-das para enfrentar os desafios da gestão, ocasionando ampliação da credibilidade do setor como ente capaz de exercer a compe-tência que lhe é destinada cons-titucionalmente e oferecer mais e melhores serviços à população.

O concurso é ferramenta para a democratização das oportunida-des de trabalho no serviço público, onde todos os inscritos passam pelas mesmas chances de dispu-tar cargos e empregos públicos, de maneira impessoal. Respeitados os princípios constitucionais de igualdade e isonomia, os melho-res candidatos são avaliados e se-lecionados pela expressão de seu conhecimento e competência me-diante provas ou provas e títulos.

A efetiva aferição dos conheci-mentos necessários ao exercício dos cargos e empregos a serem preenchidos por concurso público é requisito básico para a melhoria e crescente profissionalização do

corpo de servidores municipais. Por isto as provas elaboradas pelo IBAM tem como base a definição do perfil do cargo e os conteúdos e campos de conhecimentos re-queridos para o os mesmos.

As são elaboradas por banca composta por profissionais espe-cialistas, reconhecidos nas suas áreas de conhecimento, com vasta experiência na metodologia de trabalho do Instituto. Todas firmam termo de compromisso acerca da qualidade técnica e do sigilo que envolve o processo.

Também, concursos deman-dam a existência de uma orga-nização executora experiente, composta por especialistas te-máticos, pedagogos, profissio-nais de recursos humanos, téc-nicos em logística, enfim, equipe com larga experiência nos cam-pos de trabalho que serão obje-to do concurso, tanto no que diz respeito à legislação pertinente quanto às peculiaridades de de-sempenho e de gestão.

Vale ressaltar que a execução de concursos é, dentre todas as atividades da área de recursos humanos, a mais factível de ser atingida por processos fraudu-lentos e, neste sentido, a obser-vação estrita de mecanismos de controle, segurança e lisura de procedimentos é indispensável.

A transparência e a excelência em logística, entre outras carac-terísticas, são destaques do pro-cesso de realização do certame.

Aliando-se à qualidade dos tra-balhos a minimização da pressão orçamentária sobre os Governos Municipais, vem mediante a prá-tica da contratação por risco, ou seja, com todas as despesas cus-teadas pelos valores de inscrição, ficando, praticamente, sem ônus para o contratante a realização dos concursos.

O gestor público pode de-dicar-se, portanto, a saber mais sobre as dimensões técnicas desta importante modalidade de recrutamento e seleção, inda-gando sobre as características do Concurso que podem impactar o futuro da gestão municipal e, consequentemente, a avaliação que terá o mandato do Prefeito.

A existência de quadros per-manentes na administração públi-ca tem, entre outros fundamentos, a necessidade de assegurar o fun-cionamento do Estado em meio à alternância de partidos políticos – e de pessoas em posição de man-do – no Governo, como é ineren-te à democracia. E o processo de formação e aprimoramento da estrutura administrativa governa-mental se inicia com a realização de concursos bem-formulados.

O processo de gestão de pessoas tem no recrutamento e na seleção mo-mentos de grande importância. A realização de concursos públicos, re-crutando e selecionando servidores, faz com que o gestor indague sobre sua importância. Quais os alertas e as orientações que o IBAM apresenta aos leitores sobre este assunto?

Claudia Ferraz Superintendente de Organização e Gestão do IBAM