o espirito marcial - marco natali

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O ESPÍRITO MARCIAL Uma Introdução à Origem, Filosofia e Psicologia do Kung Fu Marco Natali

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  • O ESPRITO MARCIAL

    Uma Introduo Origem, Filosofia e Psicologia do Kung Fu

    Marco Natali

  • ndice

    Mensagem ......................... 3 Agradecimento .................... 4 Introduo ....................... 5

    A Histria do Kung Fu ............ 7 Os Precursores ................... 14 O Templo Shaolin ................. 19 Evoluo do Shaolin .............. 27 As Sociedades Secretas ........... 38 Aplogos do Kung Fu .............. 48 As Normas Budistas ............... 54 Repartindo o que Sei ............. 83 Uma Filosofia Pessoal ............ 84 A Fraternidade Kung Fu ........... 97

  • Mensagem

    Existem pessoas que ao passarem por este mundo fazem de seus ideais a tarefa de levar amor e sensibilidade aos coraes que delas se aproximam. Da mesma forma que o jardineiro no consegue tirar das mos o perfume das flores que colhe, tais pessoas mantm no semblante a irradiao do amor que exprimem. Que tuas pegadas sobre a Terra sejam marcos preciosos, atestando que por estes caminhos passa um ser humano que se lembra do exemplo do Nazareno e sabe, como ele, num ato de respeito divindade interior, doar-se com amor em prol de um ideal construtivo e gratificante, que contribui para fazer de nosso pequenino planeta um mundo melhor.

  • Dedicatria:

    Aos verdadeiros Artistas Marciais, que no se preocupam em julgar nem em difamar os praticantes de estilos diferentes dos seus. Aos verdadeiros Mestres de Kung Fu que se preocupam em transmitir valores ticos e morais a seus discpulos e no apenas as tcnicas fsicas.

  • Introduo

    Este livro aborda uma introduo origem do Esprito Marcial e, como tal, busca, nas origens do Kung Fu, a primeira e a mais abrangente das Artes Marciais, o lado espiritual. So citados nos captulos iniciais fatos sobre a origem dos Shaolin somente divulgados no Brasil atravs da Fraternidade Kung Fu. Portanto este livro est apresentando ao pblico conhecimentos que eram mantidos secretos, nessa Fraternidade, at esta data. Os Shaolin so os legtimos pais do Kung Fu moderno e por analogia, das demais artes marciais do Oriente, sejam elas chinesas, japonesas ou coreanas. Mesmo quando h dvidas na ascendncia chinesa das demais artes marciais, essa dvida limita-se esfera das realizaes fsicas, pois a nvel filosfico e espiritual, a presena do Zen nas artes japonesas e do Sun nas artes coreanas atesta, sem sombra de dvida, ao menos a origem filosfica dessas artes. Quanto ao lado psicolgico das Artes Marciais, o pblico brasileiro tem a rara oportunidade de conviver nestas pginas com as Dez Normas Budistas adotadas no Templo Shaolin, comentadas e adaptadas aos tempos modernos. Para enriquecer ainda mais esse cabedal de conhecimentos que corria o risco de ser esquecido pelo tempo, inclu sempre que pude um aplogo que, atendendo ao dito chins "Um quadro vale mais que mil palavras", tenta ilustrar da melhor forma possvel o ponto abordado em cada uma das normas. Quanto Filosofia da Arte Marcial, s pude oferecer minhas concluses pessoais, resultantes de minha vivncia na busca de respostas ao sentido da vida. O que no me arvora em mestre de ningum e sim me inclui na categoria daqueles que buscam o que parte das coisas que dependem de mim. Mais uma vez reitero que os objetivos continuam os mesmos: informar ao leitor brasileiro, dentro de minhas limitaes, a respeito do fascinante mundo das Artes Marciais, agora abordadas em seu lado psicolgico e filosfico.

  • O Esprito Marcial no que tange a mim, o comportamento estico diante das crticas do mundo; a aceitao das coisas que dependem de mim e das que no dependem e a disciplina na aplicao das aes que dependem de mim, na tentativa de transformar este pequenino planeta num mundo melhor. Tudo o mais no me pertence, nem minha reputao, nem minha imagem, sequer os livros que escrevi. E a vida assim uma vida simples. Por voc e pelo Kung Fu.

    Caixa Postal 442 - Centro 18010-971 - Sorocaba SP

  • A Histria do Kung Fu

    A palavra "Kung Fu" pode ser traduzida como "Maestria", "Habilidade e eficincia" e "Domnio alcanado com o tempo".

    Os autores mais respeitados a traduzem por "Tempo de Habilidade" e usam-na para designar as pessoas que tenham se dedicado por um longo tempo ao domnio tcnico de uma disciplina at ao ponto em que possam express-la com o mximo de habilidade.

    No Oriente a palavra Kung Fu nunca utilizada para designar a arte marcial; d-se preferncia ao uso de dois outros termos, a saber:

    Wu Shu - (Wu = Guerra e Shu = Arte). Kuo Shu - (Kuo = Nacional e Shu = Arte).

    O termo Wu Shu possui uma conotao superior quela que atribuda a Kuo Shu.

    As palavras Wu Shu servem para designar todas as artes guerreiras, militares ou marciais.

    Em 1928 o governo chins adotou universalmente a expresso Kuo Shu para designar as artes marciais de origem chinesa, dessa forma distinguindo-as de suas sucedneas coreanas e japonesas.

    Enquanto a expresso Wu Shu usada genericamente, englobando todas as artes marciais conhecidas, a expreso Kuo Shu usada para designar apenas as artes marciais de origem comprovadamente chinesas.

    Devido imensa riqueza do idioma chins possvel o uso de outros termos para se expressar a arte marcial.

    muito comum a designao "ChUan Shu" para significar um determinado conhecimento marcial ou mesmo um estilo.

    O termo ChUan designa a arte do uso dos punhos ou mesmo o boxe chins - que o nome usado para designar o Kung Fu em todo o Oriente.

    O prprio Bruce Lee usou o ideograma Ch'Uan no frontispcio de sua obra "Chinese Gung Fu, the Philosophical Art Of Self Defense".

    A palavra Kung Fu (ou Gung Fu em dialeto cantons) usada aqui no Ocidente para nomear todas as artes marciais de origem chinesa.

    O povo chins sempre foi possuidor de um grande esprito guerreiro, que fez de seu pas, em pocas passadas (Dinastia Shang - 1.766 a 1.122 a.C), o pas mais poderoso da Terra.

    Segundo os historiadores, esse poderio militar se desenvolveu graas s invases estrangeiras e s revolues entre os senhores feudais e os imperadores chineses.

    Naquela poca, a imensido do territrio chins era disputada pelos cobiosos monarcas brbaros que habitavam as terras vizinhas.

    Como levavam semanas e at meses para deslocar as tropas imperiais para defender as longnquas fronteiras, a famlia imperial usou o recurso desesperado de delegar poderes aos nobres da corte.

  • Esses nobres, que passaram a ser conhecidos como senhores feudais, receberam imensas pores de terras, semelhantes aos condados outorgados nobreza na Inglaterra medieval.

    Dessa forma passaram a receber grande parte das riquezas produzidas por seus vassalos e metade das colheitas e das extraes minerais, mas eram obrigados a defender suas terras e a vida de seus sditos com seus prprios recursos.

    Os senhores feudais se viam obrigados a sustentar imensos exrcitos, que em tempos de paz se dedicavam intensamente s tcnicas marciais.

    Por volta dos sculos II e III, aconteceram grandes batalhas internas entre os senhores feudais que desejavam ampliar seus domnios.

    Essa poca, denominada "poca dos Reinos Combatentes", fez com que milhares de homens se enfrentassem, e as crnicas da poca relatam formidveis batalhas que terminavam com a morte de 70, 80, e at 400 mil homens. Os vencedores no admitiam sobreviventes e aqueles que no pereciam no ardor da batalha eram sumariamente decapitados.

    Antes do advento do Comunismo a China era flagelada pela opresso da classe dominante sobre o povo.

    Depoimentos de correspondentes e missionrios ocidentais atestam que antes da Segunda Guerra Mundial a fome imperava entre o povo e era comum a presena de cadveres flutuando por entre a imensa quantidade de juncos chineses.

    O povo com fome no tinha sequer um lugar onde morar e muitas famlias eram julgadas abenoadas por possuir um barco onde viviam amontoadas como ratos.

    Houve poca em que a vida humana no tinha mais valor e que se matava por um prato de comida. Esse quadro de horrores fazia com que o povo tambm se interessasse pelo aprendizado de tcnicas marciais que fossem teis para a defesa de si mesmos e de suas famlias.

    Para se ter uma vaga ideia do poderio da famlia imperial sobre a grande massa do povo, basta mencionar que, em determinada poca, com exceo da famlia do imperador, o povo era obrigado a se vestir sempre de preto.

    Preservando a memria deste tempo de opresses os praticantes de Kung Fu do mundo todo ainda usam uniforme preto, identificando-se com o povo chins.

    Durante bom tempo uma das maneiras mais fceis de identificar o falso praticante ocidental de Kung Fu era pela cor de seu uniforme de treino.

    Normalmente os treinamentos do Kung Fu so efetuados de cala e camiseta e o uniforme cerimonial preservado para ocasies especiais ou para os mestres.

  • Quando o uniforme cerimonial (denominado IFU) possui botes, mangas ou golas de cor branca, indica que o mestre ou o pai do praticante falecido.

    O branco o sinal de luto na cultura chinesa e usar uniforme branco ou com partes brancas estando o mestre ainda vivo sinal de grande ignorncia e temeridade do praticante.

    Outra coisa a se notar que, no mundo inteiro, o Kung Fu no usa faixa como sistema de graduao.

    O mximo que se admite o uso de uma faixa de cor nica (geralmente vermelha), que ser usada por todos os participantes, independente de seu estgio ou grande domnio tcnico.

    No tendo faixa e sequer qualquer outro sistema de graduao, o praticante de Kung Fu avaliado em primeiro lugar por suas realizaes em prol da preservao e divulgao de seu estilo, e em segundo lugar pelo nmero de anos que se dedica prtica do Kung Fu e pelas distines que tenha obtido em campeonatos e apresentaes pblicas.

    A China, mais que qualquer outro pas do mundo, situa-se numa posio geogrfica de isolamento total.

    Isolada ao norte pelas amplides dos desertos da Manchria e da Monglia, e para alm deles a imensido gelada da Sibria, a nordeste pelo Himalaia que vai at o sul e sudeste e a leste pelo oceano Pacfico, os chineses foram forados a desenvolver sua prpria cultura, sem influncias do mundo exterior.

    semelhana de outros povos da antiguidade, os chineses possuam um modo de vida relacionado com a natureza e com a vida agrcola.

    Quem constata o comportamento mesquinho de certos mestres chineses que ensinam Kung Fu no Ocidente e que adotam a fofoca e o vilipendio como reao habitual aos outros mestres, no consegue entender como pessoas to ignorantes e primitivas podem ter antepassados to ilustres.

    Os antigos chineses souberam, como nenhum outro povo, deduzir dos fenmenos da natureza certas leis e princpios que passaram a fazer parte de uma filosofia de vida e de uma sabedoria excepcionais.

    Atravs da observao dos animais criaram exerccios especiais para fortalecimento e agilizao do corpo.

    Embora na antiguidade (por volta de 4.000 anos antes de Cristo) esses exerccios fossem usados com o objetivo de preservar a sade, com o correr do tempo foram transformados em estilos de luta e em escolas internas e externas. As internas dedicam-se aos estilos suaves e as externas aos estilos duros.

    Em recordao a essas origens muitos estilos modernos ainda mantm, em seus nomes, referncias aos movimentos dos animais de onde se originaram.

  • Por exemplo: "Tong Long" (Louva-a-Deus), "Fei Hok Pay" ou "Bay Hok Pay" (Gara Branca), "Fan Tzi" (guia), "Fu Jow Pay" (Tigre), etc.

    Das sries animais mais conhecidas na antiguidade, destaca-se em importncia a "Wu Chin Si" atribuda ao grande mdico e anestesista "Hua To", e que inclua o veado, o macaco, a guia, o urso e o tigre.

    imensa a quantidade de estilos existentes no Kung Fu. Estima-se que s na cidade de Hong Kong existam cerca de 360 estilos.

    Essa grande variedade de estilos se deve imensa populao da China ( o pas mais populoso do mundo) e grande antiguidade do Kung Fu (situado historicamente pela primeira vez no ano 2674 antes de Cristo).

    Os primeiros estilos foram criados pelos cls (famlias) e mantidos como segredo atravs das geraes.

    Era muito comum que, ao herdar um determinado estilo um membro dessa famlia acrescentasse alguns movimentos por sua prpria conta, e o estilo original sofria diversas alteraes de gerao para gerao.

    Com o passar do tempo o mesmo estilo se desmembrava em vrios estilos menores, que por sua vez iriam se dividir em outros e assim por diante.

    As diferentes escolas de Kung Fu recebem na China uma diviso emprica, que as denomina como Escolas do Norte e Escolas do Sul. Essa denominao surgiu devido ao fator geogrfico que influenciou no desenvolvimento dos estilos bsicos.

    Graas grande extenso do continente chins, suas regies do norte e do sul caracterizavam-se por marcantes diferenas no que tange ao solo e aos acidentes geogrficos.

    Da surgir o conceito "Na Kuen Pat Tui", que em chins significa: Punhos no Sul, pernas no Norte."

    Os povos do norte habitavam as montanhas, e, portanto, tinham pernas fortes e se especializaram no desenvolvimento de estilos que fossem favorveis ao uso dessa predisposio natural.

    Os povos do sul habitavam os pntanos, nas vrzeas onde semeavam o arroz e nas barcas atracadas s margens dos rios.

    Por fora dessas circunstncias precisavam manter o equilbrio de forma precria e se tornaram exmios cultores dos estilos em que predominava o uso dos braos.

    Alm da influncia geogrfica que acabamos de examinar, o Kung Fu se desenvolveu sob as caractersticas das religies e filosofias mais marcantes de sua cultura.

    No incio da Era Crist as escolas budistas originrias da ndia tiveram grande ascenso dentro da civilizao chinesa, passando a ter certa influncia poltica.

    Os lderes do Budismo chins eram agraciados pelo imperador com cargos pblicos.

  • Esses fatos perturbaram muito os praticantes da filosofia taosta, criada por Lao Tsu, que se viram na contingncia de transformar sua filosofia em religio em busca do prestgio que tinham perdido. Essa transformao do Taosmo em religio foi to radical que, para concorrer com as divindades budistas, foram institudos os "Imortais", que eram semideuses taostas. Desses imortais, os mais famosos foram os "Oito Imortais Bbados", que deram origem ao estilo "Chui Pa Hsien", mais conhecido como "Estilo dos Bbados". Para diferenciar as escolas de Kung Fu de origem taosta das de origem budista, foram criados os termos "Nei Chia" (escola interna) e "Wai Chia" (escola externa).

    As escolas taostas (internas) caracterizam-se pelos movimentos lentos, pela respirao profunda e pelo estudo das energias internas - exemplo: o TAI CHI CHUAN.

    As escolas budistas (externas) caracterizam-se pelos movimentos rpidos e agressivos e pela busca de praticidade em situaes de luta - exemplo: o SHAOLIN.

    Na poca da dinastia Chou, os homens estavam cansados das guerras e revolues que esfacelavam o imprio chins.

    Muitos desses homens foram para os bosques e montanhas buscando refgio na vida solitria e na convivncia com a natureza.

    Esses ermitos professavam a filosofia do "Tao" (caminho), da serem conhecidos como taostas.

    Esse conceito denominado Tao" no pertence aos taostas, tendo surgido no alvorecer da civilizao chinesa e sendo atribudo ao filsofo Fu Hi.

    O conceito original foi ampliado atravs dos ensinamentos de Lao Tsu (tambm conhecido por Lao Tse, Lao Zi ou Li Ehr, segundo diferentes dialetos).

    As escolas taostas passaram no decorrer da histria por trs etapas sucessivas e independentes: A fase filosfica (Tao Kia), a fase mgica-alquimista (Tao Kiao) e a fase religiosa (Ching Kia).

    A respeito de fase religiosa, j explicamos anteriormente que ela surgiu como consequncia da influncia budista sobre a cultura chinesa.

    A fase mgica-alquimista foi a mais pobre e a mais extensa das fases do taosmo, fundamentando seus dogmas na crena da possibilidade de imortalidade e na fbula da existncia de uma erva que a concretizaria.

    A erva da imortalidade (Ling Chi Tsao) e a busca dos gnios imortais (Hsien) foram a preocupao maior e a razo mxima que motivou grande parte dos filsofos taostas nessa fase.

    Quanto fase filosfica, sua base apia-se na obra Tao Te Ching, de Lao Tsu (604-517 a.C).

    Nessa obra de grande profundidade e de difcil interpretao, o frter tem a oportunidade de encontrar uma das mais sensveis contribuies do pensamento chins.

  • J foi traduzida para o portugus e existem pelo menos 12 tradues diferentes ao alcance do pblico brasileiro nas boas livrarias. Lamentavelmente muito se perde nessas tradues e embora tenhamos comparado trs das melhores verses para podermos aconselhar sua aquisio ao leitor, nenhuma delas nos satisfez o suficiente.

    Essa obra contm muitos ensinamentos que incentivam a meditao, a busca interior e as tcnicas respiratrias (mais tarde adotadas no TAi Chi Chuan").

    Exemplo de citao:

    "O sbio fecha a boca e os olhos, anula os sentidos e se torna impenetrvel ao mundo exterior, abrindo-lhe apenas o corao."

    lamentvel que a maioria dos professores de TAi Chi Chuan" no se interessem em (ou no saibam como) transmitir os conhecimentos da filosofia taosta a seus alunos.

    Ao invs disso, preocupam-se mais com os conceitos taostas (da fase mgica-alquimista) sobre os mtodos de respirao e mentalizao com objetivos de alcanar longevidade.

    Um dos conceitos mais populares entre os taostas da antiguidade, dizia respeito ao retorno ao "Tao" aps a morte.

    A morte para eles era uma forma de libertao onde iriam colher os frutos da experincia que acumulavam durante a vida terrena.

    Para se acumular o maior nmero possvel de experincias, fazia-se necessrio ter uma vida o mais longa possvel, por isso cuidavam muito de assuntos relacionados com alimentao, exerccios, higiene, equilbrio energtico do corpo e Medicina.

    Incentivavam a fluncia da energia do Tao (Chi), atravs de massagens Tui Ah (ou Do-in), exerccios respiratrios Chi Kung e da exposio do corpo luz solar e lunar.

    Essa busca da imortalidade contribuiu para o surgimento dos primeiros conceitos sobre Acupuntura (medicina chinesa com agulhas), no tempo do imperador Huang Ti.

    Por volta do ano 120 a.C., surgiu a obra "Huai Nan Tsu", onde so citadas as tcnicas para se obter a vida eterna.

    Tais tcnicas se baseavam em mtodos respiratrios e em ginsticas especiais, em muito semelhantes aos estilos antigos de "T'Ai Chi Chuan" e "Pa Kua".

    Inmeras lendas relatam a histria de Chao Tao Ling (34-156 d.C) que teria sido um grande mago alquimista, especializado na fabricao de talisms, tendo criado uma sociedade secreta onde ensinava Alquimia e a frmula para a vida eterna. Segundo se conta, teria ascendido aos cus sobre as costas de um tigre em plena luz do dia, levando consigo a sua esposa e dois dos discpulos mais fiis.

  • Dentre os termos chineses a expresso "Chi" utilizada para designar a energia do Tao, que se manifesta nas mltiplas formas do Universo, e que a responsvel pela manifestao da vida nas diferentes espcies existentes sobre a Terra.

    Trata-se de uma energia interna, misteriosa, de natureza psicofisiolgica, responsvel pela manuteno da vida de todos os seres.

    Segundo as teorias da Acupuntura e do Do-ln (temas que sero estudados posteriormente), a doena se manifesta quando a energia "Chi" se encontra bloqueada em um dos meridianos (Ching) do corpo.

    A ao teraputica do Do-ln e da Acupuntura consiste em pressionar com os dedos ou puncionar com agulhas esses meridianos, fazendo com que essa energia volte a fluir novamente.

    Segundo os mtodos "Noi Kung" e "Chi Kung" das escolas taostas, o praticante de Kung Fu aprende a centralizar o "Chi" no "Tai Tien" (Tanden em japons), um ponto localizado a alguns centmetros abaixo do umbigo.

    Conta-se que alguns praticantes mais experimentados eram capazes de arremessar essa energia a tal ponto que podiam derrubar um adversrio a vrios metros de distncia.

    Uma das tcnicas mais famosas que emprega o uso dessa energia a Tie Sa Chang, mais conhecida como "Palma de Ferro".

  • Os Precursores

    No incio da Era Crist (141 a 203 d.C.) viveu na China um grande mdico que ficou conhecido como O Pai da Educao Fsica.

    Esse mdico, cujo nome era Hua-To, nasceu no Distrito de Po, na Provncia de Anewei e se tornou muito famoso por ser o primeiro mdico cirurgio a usar analgsicos ao realizar suas operaes.

    Mas para os praticantes de Kung Fu, ele merece ser lembrado pela criao de uma srie de exerccios que, imitando o comportamento de cinco animais, teria fundamentado a origem de alguns dos estilos de Kung Fu que seriam matrizes dos estilos existentes em nossos dias.

    A famosa srie dos cinco animais de Hua-To tinha por objetivo agir como um preventivo contra as enfermidades e constituir-se em um mtodo de exerccio cotidiano.

    Essas sries de movimentos passaram a ser conhecidas sob o nome "Wu-Chi-Si" e, para motivar melhor seus praticantes, acabou por se tomar um dos primeiros estilos de luta interna.

    Segundo registros histricos dessa poca, o mtodo de Hua-To consistia em exerccios fsicos onde se dava grande importncia s prticas respiratrias e que poderiam ter utilidade como defesa pessoal.

    A histria registrou tambm que dois de seus discpulos (Wu-Pu e Fae-Ya) viveram mais de 90 anos, sem perder um s dente e mantendo a vista e os ouvidos to aguados quanto na juventude. Hua-To praticava regularmente esses exerccios e insistia em divulg-los ao povo.

    Esses exerccios consistiam num Tchia Dsu (tambm chamado Kuen), semelhante aos Tchia Dsu de alguns estilos de Kung Fu dotados de movimentos amplos ainda existentes em nossos dias. Tchia Dsu so os movimentos formais de cada estilo. Em japons chama-se Kata.

    Esse tipo de movimentao era denominado "Chung Chuan" ou "Cheong Kuen".

    Os movimentos eram suaves, flexveis e amplos, ao passo que a respirao era relaxada e natural: o inverso dos estilos externos onde a respirao era forada pelos msculos abdominais.

    Esses exerccios tambm tinham a inteno de manejar a manifestao energtica da natureza denominada YING e YANG, servindo de base, portanto, para o surgimento dos estilos internos que vieram posteriormente a essa poca (T'Ai Chi Chuan, Pa Kua e Hsing I).

    Dentro do folclore do Kung Fu, existe um personagem marcante cujas lendas ainda so narradas pelos mestres de Kung Fu no mundo todo.

    Esse personagem era conhecido pelo nome de Kwang Kung e as histrias sobre ele so contadas em uma obra clssica da literatura chinesa denominada "Os Trs Reinos", onde ele descrito como um

  • homem de alta estatura e possuidor de grande fora e coragem, o que o tornava um guerreiro temido e respeitado.

    Kwang Kung era o soberano de uma vasta regio da China e era muito habilidoso nas artes estratgicas e no Kung Fu.

    Nesta obra existe uma passagem a respeito de uma ocasio em que Hua-To fez uma operao no brao de Kwang Kung.

    Hua-To foi o criador do primeiro medicamento anestsico conhecido homem. Esse remdio, denominado Ma-Fei-San, permitia a realizao operaes mantendo o paciente sob anestesia geral.

    Segundo contam os relatos da poca, Kwang Kung teria sido ferido uma flecha e ao tentar retir-la quebrou-a dentro do brao.

    Hua-To foi chamado para extrair a ponta da flecha e ofereceu a aplicao de seu famoso analgsico para que no houvesse dor durante a cirurgia, mas Kwang Kung o recusou e preferiu se distrair durante a operao jogando um espcie de xadrez chins.

    Hua-To abriu o brao de Kwang Kung, extraiu-lhe a ponta da flecha, limpou a ferida e costurou as carnes no lugar sem que este pronunciasse uma palavra de dor!

    Um dos inimigos de Kwang Kung chamado Chou-Chou e que tambm era soberano de um dos reinos em que a China estava dividida nesse perodo, ficou espantado com o restabelecimento rpido de seu inimigo e com a rapidez com que retornou aos campos de batalha.

    Algum tempo depois Chou-Chou foi acometido de violenta dor de cabea e chamou Hua-To para que a curasse.

    Depois de diagnosticar a origem dessa dor Hua-To informou que seria necessria uma operao e que teria de abrir-lhe a cabea.

    Chou-Chou achou que o mdico tinha tramado algum mtodo para assassin-lo e mandou executar Hua-To.

    Tempos depois o prprio Chou-Chou morreria em uma crise fortssima de dores de cabea - provavelmetne de algum tipo de tumor cerebral.

    Go-Ko-Hung (mestre que retm a simplicidade) viveu na China por volta de 254 a 334 d.C, tendo escrito uma obra chamada "Nuy-Pi-En" (Textos Interiores), que tratava de frmulas da Alquimia sobre a transmutao dos metais e frmulas mgicas sobre o prolongamento da vida.

    Entre os mtodos de longevidade citados em sua obra incluam-se os exerccios com prticas respiratrias e mentalizaes energticas que seriam adotadas pelas escolas de Kung Fu internas.

    Li-Chih-Min transformou o Taosmo em religio imperial por volta do ano 300 a 600 d.C.

    Essa fase religiosa do Taosmo surgiu, como j dissemos antes, como uma reao s influncias do Budismo.

  • Constituram-se ordens monsticas, com extensa liturgia, com cnones dogmticos e grande quantidade de templos e uma srie de divindades.

    Em sua origem tanto o Budismo como o Taosmo eram apenas filosofias sem pretenses religiosas.

    No entanto, as ramificaes que ocorreram aps a morte de Buda criaram duas escolas principais - a Mahayana (Grande Veculo) e a Hinayana (Pequeno Veculo), das quais, a primeira passou a divinizar a figura de Buda e a admitir conjeturas sobre a vida aps a morte e outros conceitos sobre a existncia de deuses e da reencarnao.

    O sucesso da seita Mahayana trouxe aos monges budistas um vasto poderio poltico que provocou um certo cime por parte das autoridades taostas que, por suas origens chinesas (o Budismo veio da ndia), exigiam igual nmero de regalias.

    Para ascenderem ao mesmo plano de influncia poltica e social do Budismo, os patriarcas do Taosmo decidiram transform-lo em religio e idealizaram uma srie de divindades, chegando ao ponto de alegar que o Buda era apenas uma encarnao de Lao-Tse (o criador do Taosmo).

    Dentre a pliade de divindades taostas criadas para satisfazer a curiosidade popular, as que se tomaram mais famosas foram os "Pa Hsien" ou "Oito Imortais", que dariam origem a um estilo denominado "Chui-Pa-Hsien" - o estilo dos oito imortais bbados.

    Historicamente falando a origem desse Tchia Dsu (que estudaremos mais tarde), nada tem a ver com a religio taosta originada no tempo de Li-Chih-Min.

    A origem do estilo dos oito imortais bbados situa-se em um Tchia Dsu da escola Ti Tang, mtodo da China do norte, que se baseava em movimentos que deveriam ser usados caso o lutador viesse a cair ao solo durante uma luta.

    O praticante do "Chui-Pa-Hsien" executa uma srie de movimentos de grande grau de dificuldade tcnica, movendo seu corpo como se estivesse bbado a ponto de aparentemente perder o equilbrio e cair no cho.

    O sucesso desse estilo foi imitado por outras escolas de Kung Fu externo e em nossos dias existem "estilos do bbado", nas escolas "Tai Shing" (estilo do macaco), "Fey-Hok-Pay" (estilo da gara), "Tong-Long" (louva-a-deus) e "Choy Lay Fut".

    No estilo Tai Shing esse Tchia Dsu se caracteriza por uma mescla dos movimentos do macaco no solo - o corpo do praticante fica quase ajoelhado e algumas vezes com as costas ou a parte de cima da cabea no cho.

    No Choy-Lay-Fut o Tchia Dsu Chui-Pa-Hsi-En (note a grafia diferente) transmitido juntamente com uma srie de Tchia Dsu avanados denominados: "Sup Pat Law Hon Yik Gun Ching" (sistema interno dos oito budas), "Pa Kua Sum Kuen" (Tchia Dsu dos oito trigramas), "Fey Hok Da Kuen" (Tchia Dsu serpente contra o grou).

  • O "estilo do bbado" tornou-se muito popular em nossos dias graas ao desempenho do ator chins Jackie Chan que executou em um de seus filme uma estilizao coreografada do Tchia Dsu do bbado do estilo Tai Shing.

    O estilo Hsing I (pronuncia-se Chin i) foi criado pelo general Yueh-Fei (1102-1141), durante a dinastia Sung.

    Mais tarde estudaremos com mais extenso a vida desse grande praticante de Kung Fu e entraremos em maiores detalhes sobre o tema.

    A peregrinao dos monges budistas e taostas pelo Tibete trouxe influncias novas para os estilos de Kung Fu chineses.

    Essas influncias foram mais marcantes nas escolas Fey Hok Pay e Hop Gar.

    O estilo Fey Hok Pay, tambm conhecido como "Pay-Hao", "Bai Hok Pay", "Hao Chuan" e "Pae Hok" e o estilo Hop Gar se desenvolveram sob as influncias do Budismo Vajrayana do Tibete e foram levados pelos monges budistas e tibetanos que peregrinaram por esse pas at Canto, no sul da China.

    Chang San Feng (ou Chang San Fong) que tambm viveu na dinastia Sung, teria, segundo as lendas, dado origem ao TAi Chi Chuan, o mais famoso estilo interno de Kung Fu. Segundo se conta, teria sido monge budista (embora outros autores o citem como tendo sido monge taosta) do mosteiro "Shaolin-Chi" e era um grande especialista no mtodo de luta desse mosteiro - o estilo Shaolin.

    Narra a lenda que esse monge estava meditando em um templo da montanha de Wu-Tang-Shang e se questionava a respeito das vantagens e desvantagens de se vencer uma luta e qual o significado da vitria em um combate.

    No momento em que meditava sobre esses assuntos ouviu um barulho no ptio do templo e pde observar pela janela uma luta entre um grou e uma serpente.

    Observando os movimentos circulares da serpente, que se esgueirava pelo cho, escapando habilmente aos movimentos furiosos do grou, percebeu as vantagens da esquiva e dos movimentos que diluem a fora de ataque do adversrio e teria, segundo a lenda, estabelecido as bases para a criao do T'Ai Chi Chuan.

    Outras lendas dessa mesma poca dizem que Chang San Feng teria criado o T'Ai Chi Chuan a partir de um sonho em que o teria aprendido de certos personagens misteriosos denominados "Homens do Drago de Fogo".

    Observando-se o uso da energia interna na prtica do T'Ai Chi Chuan e a movimentao tipicamente flexvel que o diferencia dos estilos originrios em Shaolin, temos razes para crer que Chang San Feng era um monge taosta e no um monge budista.

  • Considera-se Chang San Feng como pai do Nei Kung e a montanha Wu-Tang-Shan citada como o local de origem dos estilos "Wu Tang Pai" e "Pa Kua Chuan".

    Essas informaes fazem parte da obra de Yuan-Ch'U-T'Sai, o "Wu Tang Pa Kua Chuan", o "Mo-Kik" e o "Lo-Hon-Kuen".

  • O Templo Shaolin

    Ainda nos tempos de hoje existe um templo budista na montanha de Soong Shan, na provncia de Honan, que foi fundado no incio da era crist e cujos feitos relativos ao desenvolvimento e a preservao do Kung Fu o tornaram lendrio.

    Logo aps as escadarias de sua entrada principal ainda existe uma placa onde se pode ler em chins arcaico os seguintes ideogramas: "Shao-Lin-Chi", que podem ler traduzidos por: "Templo da Jovem Floresta" ou "Monastrio do Pequeno Bosque".

    A tradio oral que tem prevalecido na cultura do povo chins afirma que as artes marciais duras (escolas externas) "Wai Chia" se originaram nesse templo.

    As artes marciais que ali foram praticadas acabaram por receber o nome de "Shaolin Chua" (arte dos punhos da jovem floresta) tornando-se a base sobre a qual seriam estabelecidos os mais de trezentos e sessenta estilos de Kung Fu que ainda existem em nossos dias.

    A origem do templo fundamenta-se em causas exclusivamente religiosas.

    O templo Shaolin era um monastrio onde o povo chins se refugiava em busca da paz e da tranquilidade necessrias realizao de sua busca espiritual.

    O cidado comum desse perodo da histria da China tinha sua vida nas mos do imperador, que era um dspota com direito absoluto sobre seus sditos.

    Mas, devido s crendices da poca, quando uma pessoa dedicava sua vida busca espiritual deixava de ser um cidado do mundo e o imperador perdia os direitos sobre ele.

    Durante a dinastia Wei (398 a 534 d.C.) houve uma grande converso do povo chins ao Budismo recm-chegado da ndia, e o imperador do norte, Shao Wen, mandou construir o primeiro templo Shaolin por volta de 450 d.C.

    Para a construo do templo foi escolhida uma localizao privilegiada na face norte da montanha Soong Shan.

    Ao redor da construo do templo os monges plantaram um pequeno bosque com rvores frutferas e outras plantas escolhidas e, com o passar dos anos, acabaram por atribuir-lhe o nome de Shaolin.

    medida que a ordem monstica dos Shaolin se desenvolveu, foram criados outros templos.

    Depois do templo erigido em Honan, o mais famoso templo Shaolin foi constitudo na provncia de Fukien por um monge muito famoso chamado Ta-Shin-Sheng.

    Diz-se que embora tenha sido em Honan que se criou o estilo Shaolin de Kung Fu, foi em Fukien que este se desenvolveu at atingir os elevadssimos padres tcnicos que lhe deram tanta fama.

  • Existiram cinco templos pertencentes ordem monstica dos Shaolin, mas devido s dificuldades dialticas do idioma chins, existe alguma divergncia sobre suas localizaes.

    Segundo Wang Lai Sheng, praticante de Kung Fu citado na obra "Asian Fighting Arts", os templos se situavam em Honan, Fu Kien, Wu Tang, 0-We-Shan e Kwantung.

    Segundo outros autores os templos se situavam em Honan, Fukien, Ngor Mee, Wu Tang e Kwang-Tung.

    A maior problemtica dessas divises que aos monastrios de Wu Tang e de O-Wei-Shan os taostas tambm atribuem as origens de seus estilos internos.

    Ambas as alternativas so citadas aqui mais por uma questo de aprimoramento cultural do leitor, pois esses fatos no possuem maior relevncia e no impedem um estudo aprimorado do Kung Fu.

    Como j disse anteriormente, as tcnicas marciais e o Kung Fu j estavam presentes na cultura chinesa centenas de anos antes do estabelecimento da comunidade budista de Shaolin.

    As teorias de maior relevo tm atribudo ao templo de Honan o grande mrito de ter preservado muitos dos conhecimentos marciais originrios da China Antiga.

    Mas os mesmos historiadores que fazem essas afirmaes tambm so concordes em afirmar que no templo de Honan se dava mais importncia s prticas da filosofia e da meditao Ch'An (transmitidas por Bodhidharma), enquanto que no templo do sul (Fukien) os monges davam grande importncia s tcnicas marciais e estavam constantemente envolvidos nas lutas e nas rebelies do povo chins.

    Por falta de registros histricos de reconhecida competncia, pouco se pode deduzir a respeito do grau de aperfeioamento que o Kung Fu j possua antes de ser introduzido em Shaolin.

    Alguns historiadores com mentalidade mais nacionalista recusam-se a admitir que o Kung Fu de Shaolin tenha sido criado a partir dos ensinamentos de Bodhidharma, e afirmam que o estilo Shaolin teria sido gerado durante a dinastia Sung (420-479 d.C.) pelo imperador Chao-Kan-Ying.

    Sabendo-se que Bodhidharma s chegaria ao templo por volta do ano 525 d.C, tais historiadores tm a inteno de nos fazer crer que o Kung Fu j fazia parte dos ensinamentos do templo antes de sua chegada.

    Mas tal raciocnio entra em choque com outros fatores que parecem comprovar que o estilo Shaolin tenha sido realmente introduzido por Bodhidharma.

    Em comprovao tese que atribuiu tal feito a Bodhidharma existem as gravuras e ilustraes pintadas em diversas paredes dos templos Shaolin e que podem ser vistas at hoje.

    Nessas ilustraes se podem ver monges indianos (tez mais escura) ensinando os monges chineses a lutar.

  • Outro argumento de grande peso a grande superioridade tcnica do estilo Shaolin sobre os outros estilos existentes fora do templo, que acabaram por ser dizimados pelos sobreviventes de Shaolin a ponto de hoje em dia muito poucos terem sobrevivido.

    Bodhidharma certamente a figura mais controvertida no panorama das artes marciais do Oriente.

    Sua influncia na origem das artes marciais da China, da Coria e do Japo insofismvel.

    Conhecido por Bodhidharma, Bodai Daruma, Daruma Taishi Ta Mo, Dart Mor ou Dat Mor, esse monge indiano foi o responsvel pela criao do Budismo ChAn, conhecido na Coria como Sun e no Japo com Zen.

    Na ndia o povo possui uma diviso por castas que tem prevalecido desde tempos imemoriais at os dias de hoje. Sendo filho do Rei Sughanda, Bodhidharma pertencia casta dos Kshastryias - que era a casta guerreira.

    Desejando proporcionar a seu filho a mais esmerada instruo marcial que lhe fosse possvel, o Rei Sughanda contratou o mais famoso guerreiro da ndia para instru-lo pessoalmente na arte do Vajramushti (leia Vajramushti - A Arte Marcial dos Monges Budistas - livro de minha autoria).

    Esse guerreiro famoso por seus feitos militares e por sua grande bravura chamava-se Prajnatara e se afeioou muito a seu discpulo, tendo lhe transmitido tcnicas marciais de impressionante eficincia.

    Com o decorrer dos treinamentos surgiram fortes laos de amizade entre mestre e discpulo, e mesmo quando Prajnatara se converteu ao Budismo, (nesse tempo transformado em religio e possuindo um conceito filosfico antagnico ao Hindusmo tradicional), Bodhidharma no o abandonou e continuou a praticar o Vajramushti sob sua tutela at sua morte (por volta de 520 d.C.)

    Devido sua grande fama como guerreiro Prajnatara foi iniciado nos mais altos mistrios budistas, e acabou por atingir uma vivncia espiritual que o fez receber do Abade Punyamitra (vigsimo sexto patriarca do Budismo) a incumbncia de continuar a tarefa de divulgao do Budismo.

    Com a morte de Punyamitra, Prajnatara veio a se tornar o vigsimo stimo patriarca do Budismo.

    Nessa poca o Budismo estava perdendo seu prestgio na ndia devido ao surgimento de inmeras seitas novas que estavam se afastando dos conceitos filosficos originais dados por Buda e se perdendo em questes dogmticas de natureza religiosa.

    Prajnatara percebeu a necessidade de reconduzir a filosofia budista sua simplicidade original, e vendo a tenacidade e percebendo nele a firmeza de carter necessria ao desempenho dessa tarefa, passou a ensinar-lhe o Budismo.

    Bodhidharma no era um homem comum, haja vista que seu nome ainda citado com respeito pelos verdadeiros mestres de Kung Fu e de Karat do mundo inteiro.

  • Milhares de outros lutadores tiveram grandes atuaes no mundo das Artes Marciais, mas ningum teve seu nome preservado tanto tempo quanto Bodhidharma.

    Dado a sua lucidez e pertincia Bodhidharma entregou-se de corpo e alma ao estudo dos ensinamentos budistas que lhe eram transmitidos por Prajnatara.

    Tendo se dedicado muito prtica da meditao, comeou a perceber que o domnio da vivncia espiritual era muito mais importante que o domnio do corpo fsico e que, embora as tcnicas marciais lhe agradassem muito, seu conhecimento no tinha o mesmo valor que o conhecimento e a prtica das verdades espirituais.

    Bodhidharma compreendia que as tcnicas marciais que praticava dependiam muito de sua habilidade fsica e que, quando atingisse idade mais avanada, veria sua capacidade tcnica diminuir progressivamente.

    Qual a finalidade de praticar-se alguma coisa exaustivamente, se com o passar do tempo vai se diluindo nossa capacidade de execut-la com perfeio?

    medida que Bodhidharma evolua em suas prticas de meditao, ia superando cada vez mais as manifestaes egosticas da personalidade, destruindo o prprio ego e emergindo para uma conscincia superior.

    Quando sua conscincia atingiu um plano mais elevado, comeou a perder o sentimento de individualidade e passou a identificar-se cada vez mais com a unidade de todos os seres.

    A tal ponto evoluiu Bodhidharma atravs das prticas de meditao budista, que no mais via a si mesmo existindo separadamente da existncia de todas as demais pessoas.

    Passou a compreender que qualquer ao deve ser feita visando o bem comum e no apenas a individualidade (que por si mesma egocntrica e volta-se apenas para a realizao de aspiraes pessoais egosticas).

    Concluiu ento que o homem deve executar seu trabalho, dar sua contribuio e prestar sua ajuda, com vistas a toda a humanidade e ao bem comum, que favorea no s ao gnero humano como tambm a todas as criaturas vivas (por isso que os budistas so vegetarianos).

    Dentro dessa dimenso, a luta perdia todo seu significado em termos de agressividade e mrito pessoal, para transformar-se em mais um caminho de autoconhecimento que justificava sua aplicao tcnica apenas em situaes de defesa pessoal, para autoproteo ou para amparo de pessoas mais fracas e desprotegidas.

    Lutar sim, mas no para vencer outro ser humano, ou para provar sua capacidade tcnica sobre a capacidade de outrem.

    Lutar apenas como uma forma de expressar e preservar a justia e a harmonia que do vida s criaturas e asseguram o equilbrio universal.

    Com a morte de Prajnatara, Bodhidharma assumiu a condio de vigsimo oitavo patriarca do Budismo e empenhou-se na tarefa que

  • recebera de seu mestre: - Reconduzir a filosofia budista sua simplicidade original.

    Com esse objetivo Bodhidharma viajou pelos pases onde a filosofia budista possua o maior nmero de adeptos, a saber: Nepal, Tibete e China.

    Nesse perodo o Budismo estava sendo muito difundido na China, e suas obras bsicas haviam sido traduzidas do snscrito e do pali para o idioma chins.

    A convite do Imperador Liang Wu Ti, que governava em um dos reinados estabelecidos durante o perodo das seis dinastias (no incio do sexto sculo d.C.), Bodhidharma foi China com a inteno de dar prosseguimento sua misso.

    Porm Wu Ti era seguidor de uma linha inovadora do Budismo, cujas caractersticas salvacionistas e ritualsticas eram diametralmente opostas ao mtodo de Budismo difundido por Bodhidharma, que incentivava a busca interior e a meditao.

    Alm do que, Wu Ti no era um imperador benfico para seu prprio povo, tratando-o com mos de ferro e com muito pouco daquela bondade to inerente aos ensinamentos budistas.

    A respeito da convivncia de Bodhidharma com esse imperador pouco se registrou na histria, mas houve um dilogo entre ambos que ficou muito famoso; aconteceu mais ou menos assim:

    O imperador era muito presunoso e julgava que pelo simples fato de ter permitido a divulgao do Budismo sob o seu reinado j se qualificava como um grande benfeitor.

    Certa ocasio o imperador contou a Bodhidharma que construra grandes templos para o Budismo e que nomeara inmeros monges para cargos polticos de relevo, devendo portanto ter grandes mritos diante de Buda.

    Mas Bodhidharma lhe respondeu que no tinha nenhum mrito por ter feito essas obras.

    Surpreso, Wu Ti perguntou o que deveria fazer ento para conseguir mritos dignos do Budismo.

    - Vossa alteza ter que dormir at o meio-dia, respondeu-lhe Bodhidharma.

    No tendo compreendido nada o imperador aproveitou a primeira oportunidade para consultar os sbios da corte a respeito do que Bodhidharma lhe dissera.

    Depois de discutirem entre si, os sbios informaram a Wu Ti que Bodhidharma estava se referindo aos malefcios que o imperador causava ao povo chins devido a seus atos impensados e prepotentes.

  • Concluram que Bodhidharma lhe recomendara dormir at ao meio-dia para que, dessa forma, reduzisse pela metade os destratos que costumava cometer diariamente.

    Furioso com essa crtica o imperador ordenou que Bodhidharma fosse trazido sua presena, mas o monge j havia previsto a clera de Wu Ti e viajado para o reinado de Wei.

    Essa histria vem comprovar a grande coragem de Bodhidharma, que no se curvava nem mesmo diante de um tirano que dispunha da vida de seus sditos com a mesma facilidade com que mudava seu estado de humor.

    No reinado de Wei, Bodhidharma foi acolhido pelos monges Shaolin que o hospedaram por muitos anos.

    Conta-se que nesse local Bodhidharma meditou diante de um muro por nove anos seguidos.

    Nesse templo, localizado na face norte da montanha de Soong Chan, existe at hoje uma sala em que est escrito em chins arcaico: "Este o local onde Tamo fitou a parede."

    Existe uma lenda na China que conta que quando Bodhidharma comeou sua meditao, caiu em profundo sono devido ao cansao da viagem, e que quando acordou ficou to aborrecido com isso que, pedindo uma faca, cortou fora as plpebras.

    Dessa forma nunca mais seria surpreendido pelo sono enquanto meditasse.

    Outra lenda conta que as plpebras de Bodhidharma foram enterradas esquerda e direita da porta principal do templo, aos ps das esttuas de ferozes deidades guardis que eram comuns nessa poca.

    Com o passar do tempo, no local onde foram enterradas surgiram plantas cujas folhas possuam aroma agradvel e que passaram a ser usadas nas infuses do templo e para a recuperao de inmeras indisposies.

    Essa planta veio a se tomar muito conhecida na China e recebeu o nome de ch.

    Aps um longo perodo de meditao que o conduziu a estados de conscincia cada vez mais sutis, Bodhidharma chegou concluso que de todas as prticas budistas a mais importante para a preservao dos ensinamentos de Buda era a meditao.

    Embora compreendesse a importncia tica e social das chamadas "Quatro Nobres Verdades" e da "Senda ctupla do Reto Caminho" que constituam o sustentculo dos dogmas do Budismo, Bodhidharma percebeu que sem a prtica sistemtica da meditao, os dogmas perdiam seu sentido filosfico e a profunda dimenso que Buda lhes tinha atribudo.

    Assim sendo, a prtica do Budismo foi totalmente modificada e muitos dos rituais foram suprimidos e substitudos pela prtica severa da meditao.

  • A essa nova concepo Bodhidharma denominou Dhyanna, que em snscrito significa meditao.

    Mas, para os chineses a pronncia do snscrito era muito dificultosa e acabou sofrendo modificaes fonticas que mudaram sua pronncia para Ch'Anna e finalmente Ch'An.

    O pensamento Ch'An influenciou profundamente todas as artes orientais.

    Monges budistas de inmeros pases iam ao templo Shaolin para receber upadesa (aconselhamento pessoal) de Bodhidharma e difundiram o pensamento Ch'An para as mais remotas regies do Oriente.

    O Ch'An at hoje ensinado no Japo com o nome de Zen e na Coria com o nome de Sun.

    Praticamente todas as mais representativas manifestaes do folclore e da cultura japonesa fundamentam-se no pensamento Ch'An (Zen).

    Podemos citar a cerimnia do Ch, a arte Ikebana de arranjos florais, a tcnica Bonsai de cultivo de rvores ans, a arte de pintura com a pedra nankin denominada Sumi-E, o teatro Kabuki, o No, etc.

    As Artes Marciais japonesas so literalmente inseparveis do Ch'An (Zen).

    Graas aos esforos de Miyamoto Musashi (Shinmen Musashi No Kami Fujiwara No Genshin) (1584-1645) o maior samurai da histria do Japo, que, fundamentado na prtica sistemtica da meditao ChAn (Zen), criou o Bushido (Cdigo de Honra dos Samurais), as Artes Marciais japonesas pautaram seus mais profundos ensinamentos no pensamento Ch'An.

    As Artes do Kendo, do Aikido, do Kempo, do Kyudo, do Jud e outras, esto fundamentalmente ligadas ao Ch'An (Zen).

    Jigoro Kano, criador do Jud, mantinha um monge Zen na Kodokan (Escola Kodo) para ensinar a seus discpulos o verdadeiro valor da disciplina nas Artes Marciais.

    Quem examinar as obras de Gishin Funakoshi (o pai do Karate) vai encontrar inmeras referncias ao Zen.

    Quem examinar obras sobre o estilo Goju-Ryu de Karate ver fotos do clebre mestre Gogen Yamaguchi praticando meditaes Zen sob cachoeiras.

    Quem for ilha de Shikoku em Tadotsu, na prefeitura de Kagawa assistir aos treinamentos do templo de Shorinji Kempo ver que entre as prticas dirias incluem-se sesses de meditao Zen.

    Tambm na Coria houve grande influncia da escola Sun (Ch'An) nas Artes Marciais.

    Quem examinar as origens dos monges de inmeros Kihons (movimentos formais) do Taekwondo, do Hapkido e do Hwarang-do, encontrar neles o nome de monges das seitas Ch'An coreanas.

    Os ocidentais jamais podero avaliar a severidade das prticas impostas por Bodhidharma aos monges de Shaolin.

  • Para se ter uma vaga idia, basta examinar os programas dos templos Zen nos dias de hoje (muito mais suaves que naquele tempo).

    Segundo depoimento publicado na obra "The Empty Mirror", que narra as experincias de um ocidental em um templo Zen do Japo, os monges meditavam das quatro horas da madrugada at as vinte e duas horas, interrompendo sua meditao apenas para atenderem as suas necessidades fisiolgicas e cumprirem suas pequenas obrigaes dirias.

    Dada a severidade das meditaes, os monges Shaolin no resistiam e desmaiavam durante sua prtica.

    Considerando atentamente o estado dbil e enfermio dos monges que limitavam suas prticas fsicas aos asanas (posies) utilizados na meditao e nos rituais, Bodhidharma comeou a ensinar-lhes o Vajramushti indiano para fortalec-los e capacit-los a suportar com mais eficincia a meditao.

    Tratando-se de exerccios com fins espirituais, exigia-se a prtica rigorosamente correta de cada movimento e aos mnimos gestos atribua-se uma importncia fundamental.

    Embora considerada uma Arte Marcial Budista por muitos pesquisadores, o Vajramushti data de poca muito anterior ao surgimento do Budismo.

    As referncias histricas no so exatas, visto que o pas de origem do Vajramushti (a ndia), por sua prpria filosofia social de extrema religiosidade, nunca deu muita importncia aos registros histricos.

    interessante notar que o Vajramushti tem sua origem em poca pr-ariana, quando a ndia ainda era habitada pelos drvidas.

    Os historiadores situam a civilizao dos drvidas como bastante anterior civilizao dos arianos, que teriam invadido a ndia por volta de 2000 a.C.

    Embora menos conhecida que suas congneres chinesas, japonesas e coreanas, a Arte Marcial Vajramushti mencionada em quase todos os textos hericos da civilizao dravidiana.

    Aliada tcnica fsica caracterstica de toda Arte Marcial, o praticante de Vajramushti tem a seu dispor o mais rico cabedal de conhecimentos filosficos e espirituais que a ndia propiciou ao mundo desde tempos imemoriais.

    Nenhuma outra Arte Marcial, seja qual for sua origem, possui um respaldo histrico mais antigo e abalizado.

    O leitor deve basear-se em seu prprio critrio para julgar os pontos mais importantes entre as semelhanas e dessemelhanas entre os diversos estilos de Kung Fu e o Vajramushti como foi transmitido por Bodhidharma, segundo os relatos histricos que o tempo conseguiu preservar.

  • Evoluo do Shaolin

    Ao ensinar o Vajramushti aos monges Shaolin Bodhidharma transmitiu-o mais como uma prtica asctica que como uma Arte Marcial.

    O Vajramushti servia para vivenciar certos preceitos budistas relativos unidade da mente e do corpo.

    Os monges que o aprenderam passaram a apreci-lo tambm por seus recursos defensivos que os protegiam nos longos e solitrios caminhos que percorriam para a divulgao da doutrina.

    Alguns historiadores mencionam que para Bodhidharma tanto a meditao como o Vajramushti tinham igual valor diante dos objetivos de conhecimento interior.

    Tanto isso verdade que com o tempo a prtica do Vajramushti como meio de desenvolvimento espiritual substituiu grande parte da meditao sentada, nas atividades desenvolvidas no templo, fazendo com que o templo Shaolin se tornasse famoso no como um centro de meditao Ch'An, mas como uma escola de Arte Marcial sem armas.

    O Vajramushti ensinado no templo Shaolin era mantido como segredo, transmitido apenas a uns poucos iniciados que haviam recebido suas vestes monsticas e feito os votos mais elevados.

    A razo para esse procedimento que o Vajramushti era extraordinariamente eficiente, podendo se tornar perigoso nas mos de pessoas menos esclarecidas e que no possussem o conhecimento de seu verdadeiro significado.

    Acredita-se inclusive que tenha permanecido oculto entre alguns poucos iniciados, mesmo quando o templo abrigou refugiados polticos por volta da poca da dinastia Ming.

    Em snscrito o nome Vajramushti significa:

    Vajra = Real, Basto, Cetro, Vara, Direto, Reto, Correto. Mushti = Golpe, Golpe de Punho, Soco, Raio, etc.

    Atribui-se a criao do Vajramushti ao deus Shiva da Trindade Hindu.

    Essa Trindade formada por trs deuses, a saber: Brahma, o Criador, Vishnu, o Conservador e Shiva, o Destruidor.

    A funo destruidora de Shiva no deve ser interpretada no mau sentido e sim como um processo de transformao.

    Shiva age transformando e destruindo o que intil para que se manifeste o que til e construtivo.

    Como j vimos anteriormente, embora a cultura dravidiana tenha sido relegada ao esquecimento aps a invaso dos arianos, as tcnicas do Vajramushti foram preservadas pela casta dos guerreiros (Kshastryia).

    Budha o aprendeu como parte de sua educao militar por volta, do ano 500 a.C.

  • Segundo depoimento de So Doshin, pai do Shorinji Kempo (Kung Fu Shaolin em japons), ensinado na ilha de Shikoku no Japo, mesmo depois de iluminado, Buda ensinava o Vajramushti como prtica asctica.

    Dado a dificuldade de pronunciar a palavra Vajramushti os chineses mudaram o nome dessa arte para Lo-Han e mais tarde ela passou a ser conhecida como Nalo-Jan, Arohan e l-Jinsin.

    Durante a dinastia Ming um monge chamado Kwok Yuen peregrinou por toda a China pesquisando os estilos antigos de Kung Fu, tendo introduzido no templo certos conhecimentos marciais que mais tarde foram ampliados, somados a certos rudimentos do Vajramushti e classificados em cinco diferentes estilos: Tigre, Grou, Leopardo, Serpente e Drago.

    Os Manchus invadiram a China e dizimaram a dinastia Ming, obrigando os oficiais do exrcito chins a fugirem ou serem mortos.

    Muitos desses oficiais se ocultaram nos templos budistas, por serem territrios apolticos e independentes do Estado chins.

    Os templos Shaolin foram dos mais procurados devido as suas localizaes privilegiadas e devido as suas grandes dimenses.

    Durante esse perodo os estilos desenvolvidos por Kwok Yuen passaram a ser ensinados ao povo com o nome de Kung Fu Shaolin, com o propsito de possibilitar-lhes defenderem-se dos emissrios corruptos do governo invasor Manchu.

    A grande eficincia desse estilo tomou-o muito famoso, passando a ser utilizado nas demonstraes pblicas do templo e nas comemoraes do ano novo chins, juntamente com a Dana do Leo.

    Mas entre os monges mais adiantados permanecia oculto o verdadeiro Vajramushti, que, como um recurso meditao e ao desenvolvimento espiritual passou a ser chamado em chins Ch'An Tao Chuan - "A Arte dos Punhos do Caminho da Meditao".

    A grande dificuldade em se traar as origens histricas do Kung Fu est na pronncia diferente dos nomes chineses, devido aos dialetos e as modificaes pelas quais passou o idioma chins arcaico at chegar a seus padres modernos.

    Devido a essas e outras dificuldades no conseguimos determinar com exatido a poca em que teria vivido Kwok Yuen mas, pelos referenciais histricos que possumos, podemos situ-lo entre a dinastia Yuan (1268-1368) e a dinastia Ming (1368-1644). |

    A respeito dele conta-se a seguinte histria: O jovem Yuen da Provncia de Yen-Chou, aprendeu os exerccios de

    Ta Mo (Bodhidharma) no Mosteiro Shaolin com o auxlio do monge Hung-Yun.

    Depois de aprend-los converteu-os em setenta e duas sries de tcnicas marciais.

  • Mas seu desejo de aprender as tcnicas marciais do Kung Fu antigo o levou a viajar por toda a China em uma poca de constantes guerras.

    Certa ocasio o jovem Yuen enfrentou um ancio chamado Li-Ch'Eng na cidade de Lanchow, de quem se tornou grande amigo.

    Li-Ch'Eng havia sido um grande lutador em seus anos de juventude e se tomara famoso por ter sido mestre do guerreiro Pai-Yu-Feng.

    Baseado nessa experincia aumentou suas setenta e duas sries originais em 172 Tchia-Dsu, divididos em cinco grupos diferentes.

    Cada um desses grupos passou a se identificar com um animal, a saber: a Serpente, o Tigre, o Drago, o Leopardo e o Grou.

    Cada grupo de Tchia-Dsu com o nome de um determinado animal possua suas caractersticas prprias. j

    Os Tchia-Dsu do Drago cultivavam o esprito e a capacidade de estar alerta; executavam-se sem a aplicao de fora, enfatizando-se a respirao e a concentrao na parte baixa do abdmen, em movimentos longos, fluentes e contnuos.

    Os movimentos do Tigre serviam para fortalecer o corpo (ossos, msculos e tendes); seus movimentos eram curtos e bruscos, dando-se nfase fora e tenso dinmica.

    As tcnicas do Leopardo desenvolviam a fora, com movimentos rpidos, inteligentes e imprevisveis.

    O estilo da Serpente desenvolvia o Chi (energia interna), era usado a partir do controle espiritual e cultivava a resistncia, atravs da respirao lenta, profunda e harmoniosa, dando prioridade aos golpes desferidos com a ponta dos dedos.

    Os movimentos do Grou visavam o desenvolvimento do autocontrole e do carter.

    Com esses novos conhecimentos Yuen e seu amigo Pai-Yu-Feng retomaram ao templo Shaolin.

    Pai-Yu-Feng j tinha 70 anos e resolveu aderir vida monstica, adotando o nome Ch'ln-Yueh (Lua do Outono), querendo demonstrar que conseguira realizar um antigo sonho j no outono da vida.

    A Kwok Yuen (Chueh Yuan), se atribuem as seguintes palavras:

    "Sem o Chi no existe fora. Um lutador que grite e lance sua mo com ferocidade, no tem

    verdadeira fora em seu golpe. Um verdadeiro lutador no espetacular, mas seu punho pesado

    como uma montanha. Isso acontece porque ele possui Chi. Depois de muita prtica o Chi pode ser focalizado sobre qualquer

    ponto de ataque que se deseje. A vontade domina o Chi que pode ser localizado em qualquer ponto

    instantaneamente."

  • Quando os oficiais Ming se ocultaram nos templos Shaolin, despertaram a ira dos governantes manchus, que se empenharam arduamente em tentativas para destruir os templos.

    Na poca da dinastia Ching foram feitos diversos ataques ao templo principal, mas sem sucesso, pois suas paredes eram inexpugnveis, tendo mesmo diversos metros de espessura em alguns pontos.

    O templo sofreu longos cercos, semelhantes ao que vitimou o templo de Jerusalm, mas sobreviveu facilmente devido a auto-suficincia dos monges, que plantavam seus prprios alimentos e podiam resistir interminavelmente.

    Mas, da mesma forma que a Inconfidncia Mineira, o templo Shaolin tambm teve seu traidor.

    Despeitado por no ter acesso aos exerccios originais de Bodhidharma e motivado por vultosa quantia e pela oferta de um cargo poltico de relevo, um monge de categoria inferior chamado Ma Ning Yee tramou sua traio com o apoio de trs oficiais do governo Manchu, a saber: Chan Man Yu, Cheung Ching Chow e Wong Chun May.

    Ma Ning Yee envenenou a gua do templo e o incendiou no vigsimo quinto dia do stimo ms do dcimo segundo ano do reinado de Yung Cheng (1733 d.C).

    Enquanto o fogo aumentava Ma Ning Yee abriu as portas para os soldados manchus que rapidamente dizimaram todos os sobreviventes que encontraram e destruram o que ainda restava.

    Conseguiram fugir apenas cinco dos mestres e quinze discpulos. Dentre os quinze discpulos apenas seis tiveram seus nomes

    guardados pela histria, quer por sua fama como possuidores de grandes habilidades nas Artes Marciais, quer por seus feitos hericos nas infrutferas tentativas de derrubar os invasores manchus.

    Foram eles: Hung Hee Kung e Luk Ah Choy, que criaram o estilo Hung Kuen,

    mais tarde conhecido como Hung Gar. Fong Sai Yuk, que criou um estilo baseado no movimento dos cinco

    animais de Shaolin. Tse Ah Fook, Fong Weng Chun e Tsung Chin Kun, que foram

    grandes lutadores e cujos feitos hericos so at hoje narrados em histrias do folclore chins.

    Quanto aos cinco mestres que escaparam, seus nomes eram: Cheen Sin, Fung To Tak, Mui Hin, Ng'Mui e Pak Mey.

    Os exerccios que Bodhidharma ensinou no templo Shaolin passaram a ser conhecidos como "As Dezoito Mos de Lo-Han", (Shih-Pa-Lo-Han-Sho) e foram descritos em uma obra chamada "O Livro da Transformao Muscular" (I Chin Ching) em dois volumes, dos quais apenas um sobreviveu.

  • Baseado no "Shih-Pa-Lo-Han-Sho" o imperador Tai-Tzu da dinastia Sung criou trinta e duas formas de punho longo e seis formas de deslocamento.

    Infelizmente muitos dados sobre a filosofia budista e as Artes Marciais chinesas se perderam devido ausncia de referencial histrico.

    Foi o escritor Tao-Yuan quem mencionou o nome de Bodhidharma pela primeira vez, e isso ocorreu no ano 1004, ou seja, quase quinhentos anos aps sua morte.

    As primeiras referncias histricas capacidade marcial dos monges do templo Shaolin citam o primeiro imperador da dinastia T'Ang, que venceu a Wang Chin Chung graas ajuda de trs monges lutadores chamados Chih Tsao, Hui Nang e Tsan Tsun.

    Graas s proezas desses monges o templo Shaolin tornou-se famoso como um centro de cultura marcial.

    Outra referncia menciona que o general Yueh Fei criou as tcnicas do Chin-Na (Cento e Oito Tcnicas de Apresamento e Toro) a partir dos ensinamentos que teve do monge Jao Tung do templo Shaolin.

    Tem sido despertada a curiosidade de inmeros leitores, que tem nos escrito para saber como eram feitas as iniciaes dos pretendentes a se tornarem discpulos dos templos Shaolin.

    A esse respeito tm sido relatadas inmeras lendas que, infelizmente, no podem ser comprovadas historicamente.

    Mas vamos contar algumas delas apenas para cultura geral de nossos leitores.

    Segundo relatos antigos, os novos discpulos eram admitidos no templo no incio da primavera, que coincidia com o tempo das grandes chuvas.

    Nesses dias os pais que desejavam que seus filhos se tornassem monges, os levavam ao ptio frontal s escadarias do templo e l os deixavam sozinhos aguardando que os monges os convidassem a entrar.

    Essas crianas tinham em mdia de 7 a 12 anos de idade. Considerando-se a dispersividade que caracteriza as crianas dessa

    idade, imagine como eram rigorosos os testes que descreverei a seguir. Os monges no abriam logo as portas do templo (s vezes

    demoravam alguns dias) e as crianas eram obrigadas a suportar ao relento o sol e as chuvas torrenciais que costumavam cair nesse perodo.

    Muitas das crianas abandonavam a espera e voltavam para suas casas.

    Outras crianas eram conduzidas de volta por seus prprios pais que no suportavam v-las sofrer.

    Embora no abrissem as portas os monges observavam o comportamento das crianas e iam selecionando aquelas que

  • consideravam suficientemente disciplinadas para suportar as rduas exigncias do templo.

    Quando as portas se abriam os monges mandavam de volta para casa as crianas que consideravam que no suportariam seus ensinamentos.

    As demais crianas eram admitidas no primeiro ptio interno e conduzidas a uma grande mesa onde j estava sentado um velho monge (geralmente o patriarca do templo).

    Quando se sentavam mesa eram observados seus comportamentos.

    Se pediam comida (podiam estar h trs dias sem comer) eram servidas e depois mandadas para suas casas, pois era considerado indecoroso pedir comida ao invs de aguardar o momento de serem servidas.

    Se corressem para a mesa avidamente ou apressadamente demais, tambm eram dispensadas.

    s que passavam por esse teste era dado uma tigela sem fundo, uma grande bolacha seca achatada (do tamanho do fundo da tigela) e era servido o ch.

    O procedimento correto era forrar o fundo da tigela com a bolacha para que pudesse ser servido o ch sobre ela.

    As crianas que no o faziam eram dispensadas sumariamente, pois no eram consideradas suficientemente inteligentes para aprender os ensinamentos do templo.

    Se a criana agisse corretamente colocando a bolacha no fundo da tigela, mas comeasse a tomar o ch antes do monge idoso que estava sentado mesa, era mandada de volta para casa, pois o respeito aos idosos era de grande importncia na cultura chinesa.

    Supondo que o garoto conseguisse superar esses testes, ainda enfrentaria outros.

    Logo em seguida a essa fase lhe era entregue uma vassoura e lhe ordenavam que varresse um determinado ptio.

    Mal ele tivesse terminado de varrer surgia algum monge com os ps enlameados e sujava todo o lugar que havia sido varrido.

    Assim que o monge porcalho desaparecesse por uma porta qualquer surgia o monge que lhe havia ordenado que varresse o lugar e o interpelava mais ou menos assim:

    - Eu no mandei que voc varresse esta sala? Olhe s que imundcie! Voc um vagabundo que no obedece s ordens que recebeu!

    Se o garoto resmungasse que j tinha varrido ou que depois que tinha varrido tinha vindo um cara e sujado tudo outra vez, era mandado embora, pois no tinha suficiente dedicao ao trabalho para permanecer no templo.

    O garoto deveria abaixar a cabea e continuar a varrer sem proferir nenhuma palavra.

  • Este teste da varredura era repetido diversas vezes como prova da humildade, da pacincia e da perseverana do postulante. Havia uma variante desse teste em que o monge que mandara o postulante varrer retornava e afastava um painel que dava para outra sala to grande quanto a primeira.

    Em seguida interpelava o garoto perguntando por que no varrera a outra sala tambm.

    Se o menino respondesse que no lhe tinham ordenado que varresse a outra sala era sumariamente dispensado.

    Seu procedimento deveria ser de extrema humildade, deveria abaixar a cabea e continuar a varrer sem retrucar.

    Pessoalmente no creio que nenhum garoto ocidental superasse satisfatoriamente esta prova, a menos que tivesse sido previamente instrudo sobre como deveria se comportar.

    Depois que superava os testes iniciais o postulante era submetido a todo tipo de provao, e executava todas as tarefas menos agradveis do templo por longo perodo.

    Buscar gua era uma tarefa penosa, pois os baldes eram propositadamente imensos e mesmo quando vazios bastante pesados.

    Havia tambm as tarefas da cozinha que eram muito desagradveis, quando no montonas e exaustivas.

    As tarefas de limpeza incluam lavar as latrinas, retirar a poeira dos imensos arabescos e baixos-relevos que existiam por quase todas as paredes do templo, cuidar das folhas e das ervas daninhas dos vrios jardins, lavar escadarias e corredores imensos, etc.

    Durante esse perodo inteiro o postulante passava por peridicas humilhaes por parte dos estudantes mais avanados, todas elas com a inteno de testar-lhe a fibra moral e a pacincia.

    E todas essas tarefas e testes que eram impostos aos garotos no os livravam de cumprirem outras obrigaes relacionadas com as prticas budistas e com o estudo das doutrinas ensinadas no templo.

    Dormia-se poucas horas cada noite e trabalhava-se arduamente. Quando comeava a espelhar certa frustrao ou cansao, um

    monge se aproximava dele e lhe indagava h quanto tempo estava no templo.

    Geralmente os garotos respondiam que estavam l h muito tempo, em parte porque no lhes era dado acesso a nenhum calendrio que lhes permitisse saber h quanto tempo l estavam; em parte porque estavam desejosos de iniciar a prtica do Kung Fu que s era permitida a alunos mais avanados.

    Mas se a resposta fosse essa, o aluno era deixado entregue a seus afazeres por mais alguns meses.

    A resposta certa seria: - H bem pouco tempo estou aqui. (Mesmo que j fizesse alguns anos que l estivesse.)

  • Esta resposta era considerada correta porque diante dos dogmas do Budismo a manifestao material no mundo que nos cerca ilusria (Maya = Iluso) e tambm ilusrio o conceito de tempo e de espao.

    No era obrigatria a prtica do Kung Fu, mas se o jovem passasse em todos os testes que descrevemos at agora e manifestasse desejo de aprender o Kung Fu Shaolin, seu desejo seria escarnecido e ignorado por muitos meses.

    Depois desse abandono inicial passavam-se alguns meses e ele era convidado a participar das aulas de Kung Fu.

    Nas primeiras aulas era mais ou menos usado como um saco de pancadas e as surras eram durssimas.

    Se demonstrasse ter fibra, superando essa fase inicial que tinha sua durao determinada pelo comportamento do postulante ento seria recebido como um discpulo de Shaolin, mudando a cor das vestes e o comportamento que recebia dos demais.

    Muitas de suas tarefas dirias eram transferidas aos postulantes menores e passava a receber incumbncias de maior responsabilidade.

    Seus estudos dentro das doutrinas do templo eram mais profundos, e maior o nmero de matrias estudadas.

    As prticas ritualsticas e o perodo de meditao eram ampliados. J no tinha que se alimentar na cozinha junto com os postulantes

    menos graduados, passava a frequentar as mesas dos refeitrios. Era transferido para os dormitrios superiores.

    At que recebesse as vestes amarelas e prestasse os votos monacais o postulante no cessava de ser submetido a testes peridicos que, embora menos humilhantes, no deixavam de ser bastante exigentes.

    Alm dos testes de habilidade fsica e marcial havia os testes de habilidade artstica - geralmente caligrafia e composio potica.

    Havia tambm os testes de doutrina budista e de medicina oriental (os monges eram excelentes acupuntores e massagistas).

    Quando evolua em seus estudos aprendia vrios idiomas e ajudava na traduo de textos budistas de origem pali ou sncrita.

    O trabalho na lavoura tambm era obrigatrio e todo monge tinha que fazer seu estgio na cozinha aprendendo auto-suficincia na arte culinria.

    Cada um desses assuntos exigia um teste de avaliao.

    Segundo a tradio chinesa o homem Kung Fu teria que se distinguir em pelo menos cinco reas do conhecimento humano.

    Ele deveria saber se exprimir no idioma chins tanto oralmente como por escrito de maneira impecvel.

    Ele deveria possuir uma caligrafia de rara beleza que chamasse a ateno de quantos a vissem.

  • Ele deveria ser capaz de se exprimir em versos, de conhecer poesia e os textos clssicos com alguma profundidade.

    Ele deveria se exprimir em alguma forma de arte com grande habilidade - geralmente desenho ou pintura.

    Ele deveria conhecer os rudimentos da lavoura e da arte culinria e ser capaz de transmitir tais conhecimentos s pessoas do povo que necessitassem deles.

    Ele deveria ser hbil no uso das agulhas da Acupuntura, e na falta delas ter conhecimentos suficientes da Medicina oriental para poder tratar um paciente aplicando dedos habilidosos sobre os pontos dos meridianos de energia utilizados na Acupuntura.

    Ele deveria ter uma conscincia poltica e econmica para poder desempenhar o papel de educador diante do povo, segundo os melhores procedimentos da tradio de Confcio.

    Ele deveria possuir slidos conhecimentos das doutrinas religiosas, mormente o Budismo e o Taosmo, para poder doutrinar e esclarecer dvidas a respeito de tais assuntos.

    Ele deveria ser capaz de defender a si mesmo e aos desamparados que recorressem ao seu auxlio.

    Ele deveria ter noes de sobrevivncia em condies inspitas, na selva e em terrenos desconhecidos, devendo ser capaz de localizar ervas medicamentosas, preparar infuses curativas, colocar no lugar ossos quebrados, preparar beberagens e poes.

    Dentre os atributos que acabo de citar, o homem Kung Fu tinha que se destacar em pelo menos cinco deles.

    A falta de pelo menos cinco dessas qualidades o desqualificaria como praticante de Kung Fu, mesmo que se tratasse de um habilidoso lutador.

    H que compreender que para a tradio chinesa, devido s influncias de Confcio, a cultura geral de um homem era muito mais respeitada que sua capacidade de lutar.

    Recentemente foi mencionado na obra "Chinese Boxing Masters and Methods", de autoria de Robert Smith, o professor Cheng Man-Ch'lng, famoso praticante de Tai Chi que tinha a alcunha de Mestre das Cinco Excelncias.

    Com isso o povo chins lhe prestava homenagens tratando-o como um mestre cujos conhecimentos comparavam-se com os grandes mestres da antiguidade.

    Ingressar no templo Shaolin exigia uma atitude muito sria e uma forte inteno de vontade que predispusesse o postulante a todo tipo de provao.

    As pessoas no entravam no templo meramente na inteno de aprender o Kung Fu.

  • O templo Shaolin era, antes de tudo, uma escola de filosofia e religio e as pessoas que nele ingressavam o faziam com o objetivo de alcanar a realizao espiritual.

    Se alguma pessoa l entrasse apenas com objetivos marciais acabaria por se lamentar amargamente, pois no poderia mais sair a menos que atingisse um nvel de proficincia espiritual ou marcial extraordinrios.

    Aos monges que se dedicavam exclusivamente aos estudos doutrinrios e s prticas espirituais era facultada a sada do templo desde que em misses administrativas ou de caridade.

    Mas aos monges que haviam escolhido o caminho da Arte Marcial somente era permitida sua sada caso se distinguissem de maneira incomum na arte de lutar.

    Se fosse capaz de vencer os instrutores dos cinco estilos principais do templo poderia requerer a prova do corredor da morte.

    O corredor da morte era assim chamado porque nele havia cento e oito bonecos de madeira que eram acionados pelo peso de quem se atrevesse a penetr-lo.

    Tais bonecos eram confeccionados por artesos habilidosos de maneira que, se o praticante escapasse dos golpes desferidos pelo primeiro, certamente teria que enfrentar o segundo e assim por diante.

    Cada golpe de defesa ou ataque desferido contra um dos bonecos gerava reaes de ataques dos outros.

    Se o monge que os enfrentasse conseguisse sobreviver ao corredor, deveria levantar a urna arredondada incandescente para poder sair.

    Essa urna pesava aproximadamente 225 quilos e era colocada em um pedestal especialmente confeccionado, de maneira que automaticamente abria a imensa porta situada ao fim do corredor.

    Essa porta no podia ser aberta a no ser dessa maneira. A cada monge era permitida a prtica de, no mximo, dois desses

    estilos, dessa forma o desconhecimento dos outros trs estilos (sem falar no Vajramushti), garantiriam a sobrevivncia do templo caso o monge se transformasse num renegado que trasse seus conhecimentos.

    Nas laterais da urna havia em alto-relevo as figuras dos cinco animais que simbolizavam os cinco principais estilos do templo.

    Era mantido fogo acesso no interior da Urna durante todos os dias do ano e sua superfcie externa atingia uma temperatura to elevada que onde fosse tocada a carne grudava e ficava impressa a figura do animal que estivesse gravado naquele ponto.

    Quem quer que tivesse superado os 108 bonecos do corredor da morte teria que levantar a urna para poder sair, e como a roupa dos monges era de seda (altamente combustvel), o monge se via obrigado a retirar a parte de cima de suas vestes e, de torso nu, erguer a pesadssima urna com os ante-braos e mud-la de pedestal.

  • A porta permanecia aberta por uns poucos momentos, e se o monge desmaiasse no processo ou no se atirasse para fora com certa rapidez, arriscava-se a perder todos seus esforos.

    Por uma questo de respeito s artes que praticara, o monge procuraria tocar na urna em pontos que contivessem a figura dos animais que representavam os estilos que havia praticado, de maneira a ostentar em seus braos por toda a vida o desenho deles.

    Evidentemente no basta a mera fora fsica para se conseguir erguer um objeto de to grande peso, e nem eram suficientes apenas tcnicas marciais aprendidas no templo para se vencer os 108 bonecos do corredor da morte.

    Eram necessrias prticas mentais apuradas para que se desenvolvessem certos poderes (hoje chamados paranormais), que permitiriam a realizao de tais feitos extraordinrios.

    Certamente voc j ouviu falar a respeito de pessoas, aparentemente frgeis, que carregam pessoas com o dobro de seu peso e at pianos imensos por ocasio de grandes incndios.

    Depois que cessa o fogo essas pessoas percebem que em condies normais no seriam capazes de realizar tais esforos.

    Experincias tm comprovado que pessoas em condio de hipnose profunda so capazes de levantar imensos pesos e de se submeterem a imensas dores sem senti-las.

    Os monges Shaolin eram treinados em mtodos avanados de Yoganidra transmitidos por Bodhidharma, que lhes permitiam realizar essas proezas todas e outras ainda mais impressionantes.

    O Yoganidra uma tcnica transmitida atravs do Yoga e do Vajramushti, que permite ao praticante atingir diretamente seu subconsciente de l tirando foras para realizar tarefas que, sob condies comuns, seriam consideradas impossveis.

  • As Sociedades Secretas

    Depois da destruio do templo Shaolin os sobreviventes se espalharam por toda a China e passaram a incentivar o povo a criar frentes revolucionrias com o objetivo de expulsar os Manchus do poder.

    Tal meta nunca foi atingida, mas os diversos grupos acabaram por dar origem a Fraternidades Secretas, Sociedades e Irmandades que cultivaram o Kung Fu ocultamente durante muito tempo.

    Essas Sociedades Secretas eram conhecidas como Hung Mun, Hung Tong ou simplesmente Trades.

    Mais popularmente os membros delas eram conhecidos como Tong.

    Convm lembrar que o Kung Fu tambm era praticado fora do templo Shaolin e que muitas das Fraternidades Tong eram fundadas por lutadores de Kung Fu que apesar de no descenderem da linhagem de Shaolin, tambm estavam interessados em tirar os Manchus do poder.

    Esses lutadores faziam longas viagens demonstrando suas habilidades nas localidades onde passavam e arregimentando adeptos para suas Fraternidades.

    Muitos desses lutadores eram hbeis mdicos, pois o conhecimento de Acupuntura e Do-ln eram transmitidos pelos mestres de Kung Fu.

    Ocultos sob a personalidade de mdicos, esses lutadores tinham facilidade para arregimentar elementos para os Tong.

    O poderio dos Tong estendeu-se por toda a dinastia Ching, finalizando apenas com a constituio da Repblica em 1912.

    Por essa poca os Tong no estavam mais interessados no poderio Manchu e sim na invaso dos ocidentais - portugueses, espanhis, ingleses e franceses que, aos olhos deles, estavam dividindo a China e pervertendo suas tradies.

    Pelo fim do sculo XVIII o pio chins era muito cobiado pelos europeus, e o incentivo brutal que os ocidentais impuseram ao povo chins para aumentar a produo desse txico acabou por aumentar o vcio e o consumo entre os chineses.

    Os Tong, por serem mais politizados que o resto da populao, se revoltaram com esse estado de coisas e iniciaram um movimento de resistncia e guerrilha que acabou resultando na famosa revolta dos Boxers.

    Entre as inmeras pequenas revolues geradas pelas Fraternidades Tong podemos citar a tentativa de assassinato do Imperador Kia-Ching perpetrada pela Fraternidade da Razo Celeste, que era uma faco da Sociedade do Ltus Branco.

    Esse imperador era um dspota que se divertia assistindo as torturas de seus prisioneiros.

  • Em 1813 a Seita dos Nenfares Brancos comeou um grande movimento revolucionrio contra os Manchus.

    Por volta de 1840, como represlia ao novo acordo que os ingleses firmaram com o governo corrupto chins, referente importao de pio, os Tong destruram todo o carregamento dos ingleses.

    Por seu turno os ingleses invadiram Nanking tendo conquistado a cidade em 1842.

    Essa revolta foi conduzida por Hung Siu Chuan (1812-1864), que pertencia ao grupo tnico dos Hakka, de onde surgiu o famoso estilo Tong Long.

    Hung Siu Chuan converteu-se ao Cristianismo e deu origem "Seita dos Adoradores de Deus".

    Da o nome da revolta, pois Hung Siu Chuan tentou estabelecer uma nova sociedade na China que denominou "O Reino Celeste da Paz", em chins "Tai Ping Tien Kuo".

    Embora os Tong no se unissem a essa seita devido s oposies religiosas, apoiavam-se devido as semelhanas de intenes polticas.

    Os Tong eram exmios lutadores treinados nas artes, do Kung Fu e das armas chinesas, sendo hbeis praticantes das tcnicas da espada, da lana e dos machados gmeos.

    Eram facilmente distinguidos entre o povo, pois em revolta com a ordem Manchu que obrigou o povo a cortar o rabicho caracterstico dos Ming, usavam seus cabelos compridos ou cortados maneira dos ocidentais.

    Apesar de suas inmeras vitrias, os Tai-Ping (Hung Siu Chuan e seus seguidores) foram finalmente vencidos pelo general Tseng Kuo Fan, que uniu suas foras ao exrcito ingls estrategicamente dirigido pelo comandante Gordon, que era apelidado de "Comandante Chins", por ser um lambe-botas do governo estabelecido.

    Graas ao esforo conjunto desses dois exrcitos Nanking foi reconquistada e 100.000 homens da Seita dos Adoradores de Deus foram exterminados a golpes de espada.

    As inmeras revoltas geradas pelos Tong acabaram por culminar num dos maiores levantes da histria chinesa, a Revolta dos Boxers.

    Esse nome foi dado pelos ingleses, pois na impossibilidade de verter satisfatoriamente o idioma chins, chamavam os praticantes de Kung Fu de Boxers, numa analogia ao esporte de origem inglesa.

    Portanto, para os ingleses o Kung Fu era o Boxe Chins e o praticante de Kung Fu era chamado de Boxer.

    No final do sculo XIX a Imperatriz Tseu-Hi (chamada pelos ingleses de Imperatriz Dowager), fez um acordo com os estrangeiros e com o auxlio deles dizimou os membros do Partido Reformista Liberal, conquistando seu lugar no poder e em pagamento cedendo grandes reas do territrio chins.

  • Como a imperatriz era da raa Manchu, os Manchus comearam a insuflar sentimentos patriticos exacerbados entre o povo chins, numa tentativa de lan-los contra os estrangeiros, fazendo-os esquecer dos desmandos de sua governante.

    Para se ter uma idia desses incentivos revolta, reproduzimos a seguir o texto de um dos cartazes que foram afixados em Pequim na noite em que se iniciou a revolta.

    "O Santo Imperador Chu Hung Tang avisa a todos os discpulos de Buda: Morte aos Demnios do Oeste que oprimem nosso pas escarrando sobre nossos deuses e roubando nossas riquezas. O grande momento j foi escolhido pelo destino. O cu no permitir que aqueles que violaram tantas sepulturas para abrir caminho para suas mquinas de ferro e que tomaram fora as terras dos filhos do cu, escapem condenao de seus crimes. Insolentes como so, esses brbaros no recuam diante de nada. por essa razo que ns, membros da Sociedade Harmoniosa do Punho Fechado, membros da Arte Marcial Chinesa, da Justia e da Concrdia, o convidamos a massacr-los sem piedade no cair desta noite."

    A sociedade Tong responsvel pela revoluo dos Boxers era a Fraternidade do Punho da Concrdia (Yi Ho Kuen em chins), que era filiada Seita dos Grandes Punhais e Seita dos Nenfares Brancos.

    Mas o processo todo teve origem muito antes, com Chu Hung Tang, lder que reuniu lutadores de diferentes estilos e formou um formidvel exrcito.

    Originrio da cidade de Sze Chui na Provncia de Shantung, Chu Hung Tang era estudioso de Medicina e Kung Fu, tendo aberto sua casa a quem quer que desejasse praticar Kung Fu e reunindo especialistas marciais que deram origem ao estilo Yi Wu Kuen (Arte dos Punhos da Justia e da Concrdia).

    Em sua seita a nfase era exclusivamente dedicada ao Kung Fu, sem que se ensinasse conceitos filosficos ou polticos, mas posteriormente Chu Hung Tang adotou alguns princpios polticos da Seita Pa Kua e da Seita do Ltus Branco.

    Com a aceitao dessa conceituao nova os nimos de seus alunos se tornaram mais politizados e agressivos, culminando com a formao da Sociedade da Justia e da Concrdia, Yu Wu Mun em chins.

    Essa Sociedade altamente nacionalista e avessa aos estrangeiros, tinha dois princpios que a norteavam, a saber:

    - Ajude o pobre e lute contra os estrangeiros. - Se encontrar uma desigualdade em seu caminho empreste sua mo

    como ajuda.

  • Esse ato de emprestar a mo nada tinha a ver com a atitude crist de dar a outra face, muitas vezes significava emprestar um punho irado de um hbil praticante de Kung Fu.

    Por sinal, parte de suas vtimas eram os chineses convertidos ao Cristianismo, que era muito malvisto devido sua origem estrangeira.

    A guarda imperial no os impedia de atacar as igrejas e aos chineses cristos, pois tambm tinha certo preconceito a respeito dessa cultura estranha.

    Chu Hung Tang tinha apenas 300 homens em sua seita, mas um golpe hbil do destino aumentou suas fileiras em mais de mil homens.

    Fiis a seus dois princpios, os homens da Sociedade da Justia e da Concrdia ajudaram o povo por ocasio de uma inundao ocorrida em Sze Shui, o que lhes trouxe centenas de novos adeptos.

    Chu Hung Tang tinha um amigo de infncia que se tomou monge budista e era forte praticante de Kung Fu.

    Esse monge, chamado Bun Ming organizou uma filial da Sociedade na cidade de Cheung Chin.

    Com o auxlio desse monge, Chun Hung Tang estabeleceu uma estratgia de expanso que funcionava mais ou menos assim:

    Enviava 50 homens a uma nova regio para fundar uma espcie de Mosteiro e uma Escola de Kung Fu.

    Na continuidade os frequentadores dessa comunidade eram convidados a participar de uma Sociedade Secreta de voluntrios, que era organizada mais ou menos nos mesmos padres das organizaes dos Tai Ping.

    O objetivo dessas organizaes era a derrubada da Imperatriz Manchu Tseu Hi e a expulso dos estrangeiros do territrio chins.

    Os treinamentos nas escolas de Kung Fu da organizao eram durssimos, os homens treinavam horas e horas todos os dias e se especializavam no uso da lana e da espada.

    O comeo da revolta foi bastante prosaico. No Condado de Ping Yuen o povo estava passando fome e mais uma

    vez, fiis a seus dois princpios, um grupo de homens da Sociedade Secreta resolveu assaltar um armazm dos brbaros estrangeiros e repartir os alimentos entre o povo.

    Mas o grupo era muito pequeno, e seis dos homens foram presos e condenados morte.

    Os outros elementos do grupo procuraram Chu Hung Tang e lhe pediram que os salvasse.

    Chu Hung Tang uniu-se a Bun Ming e com 200 homens atacou a guarnio estrangeira vencendo-a e repartindo a comida entre os pobres.

    O Governador do Condado foi avisado e mandou suas tropas contra os revolucionrios, mas elas foram derrotadas.

    Os revolucionrios haviam se preparado para a batalha atravs de banhos especiais que as antigas tradies do Kung Fu acreditavam produzir invulnerabilidade, e como nenhum dos homens foi ferido ou

  • morto nas duas escaramuas, passaram a acreditar que suas frmulas de invulnerabilidade haviam funcionado.

    Em agradecimento vitria, foi realizada uma cerimnia budista e para obter o favorecimento dos deuses em suas futuras batalhas, adotaram mais cinco normas morais, a saber:

    - No contar vantagens nem ter presuno. - Respeitar os pais e ancios. - No cobiar nem invejar. - No roubar. - No adulterar.

    Nessa altura dos acontecimentos os adeptos da Sociedade Secreta j eram 20.000 e estavam espalhados por toda a China.

    A tradio diz que mais da metade deles praticavam o Kung Fu. Em maio de 1898 foi realizado um conselho secreto dos mestres de

    Kung Fu. Estavam em assemblia: Fao Kan Tzi, famoso mestre Shaolin que tinha mais de 2.000

    discpulos e que pertencia Trade dos Tong. Che I Chai, mestre de Hsing I que tinha vencido o famoso mestre da

    Palma de Ferro. Li Tsung, o mais famoso mestre de Pa Kua daquela poca. Chen Ting Hua, conhecido pelo apelido de "Cobra Invencvel", feroz

    lutador de Hsing I. Mestre Hung, que tinha mais de 5.000 discpulos fanticos no estilo

    Pa Kua. Feng yu Hsiang, mestre de Hung Gar e dirigente da Sociedade

    Secreta "Unio pela Grande Espada". Tsu Hsin Wu, criador da escola do sul "Tsu Jen Men", especializada

    na arte de guerrilha Su Tzu e no estilo Shuai Chiao. Chan Ti San, discpulo do grande mestre Ho Yuen Chia, que por

    estar doente no pde comparecer. curioso notar que Bruce Lee interpretou no filme "Fists of Fury"

    (Fria do Drago, no Brasil), o papel de aluno de Ho Yuen Chia vingando a morte de seu mestre, que foi envenenado pelos japoneses.

    Essa reunio tinha por objetivo reunir a fora desses mestres para derrubar o poder Manchu representado pela imperatriz e expulsar os estrangeiros.

    Essa reunio dos mestres foi muito importante para o desenvolvimento do Kung Fu, visto que a unio em prol de um objetivo comum - derrubar os Manchus e expulsar os estrangeiros - criava unio entre mestres e fazia cessar as guerras entre diferentes estilos.

    Como consequncia dessa unio de foras, nesse mesmo ano principiou a revolta dos boxers, mas devido a traies int