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Tempo Social; Rev. Sociol. USP, S. Paulo, 10(2); 63-100, outubro de 1998. Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante MICHELTHIOLLENT À memória de Monique Calixte RESUMO: O objetivo deste artigo é apresentar informações sobre os aconteci- mentos de maio de 1968 na França e seus desdobramentos na vida universitá- ria e intelectual. Os temas abordados são o contexto da crise universitária, as formas de contestação estudantil do ensino de ciências sociais e economia e as fontes intelectuais do movimento. Com base em documentos inéditos, são descritas diversas experiências de comunicação alternativa, de relacionamen- to entre estudantes e trabalhadores no decorrer dos acontecimentos, assim como uma tentativa de Universidade Popular no 13" distrito de Paris, de julho a outubro de 1968. São analisados alguns aspectos dos debates e da evolução das ciências sociais e da filosofia pós-68, período marcado pela crise do ideário socialista e pelo crescimento do individualismo. UNITBRIVtOS; maio de 1968, contestação, movimento estudantil, crise social, universidade. Introdução í v % ediram-nos informações sobre os acontecimentos de 1968 na Fran- L J í J ça, seu impacto sobre a vida universitária, em particular sobre a concepção do ensino e da pesquisa, sobre as tentativas de novos relacionamentos entre estudantes e classes trabalhadoras e sobre a emergência de novas formas de comunicação e de pensamento. O objetivo do texto aqui apresentado consiste em descrever alguns as- pectos do clima da época, certas conseqüências dos acontecimentos sobre a vida de uma geração, relatar uma modesta experiência de "Universidade Popular", in- dagar desdobramentos nas áreas de ciências sociais e filosofia, dos anos 70 em diante. Para reunir a informação necessária, precisamos consultar documentos, Documento apresen- tado no evento En- contros de maio, Ins- tituto da Escola Futu- ra, Florianópolis-SC, de 25 a 27/05/1998. Professor do COPPE da UFRJ 63

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Tempo Social Rev Sociol USP S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante

MICHELTHIOLLENT

Agrave memoacuteria de Monique Calixte

RESUMO O objetivo deste artigo eacute apresentar informaccedilotildees sobre os acontecishy

mentos de maio de 1968 na Franccedila e seus desdobramentos na v ida universitaacuteshy

ria e intelectual Os temas abordados satildeo o contexto da crise universitaacuteria as

formas de contestaccedilatildeo estudanti l do ensino de ciecircncias sociais e economia e

as fontes intelectuais do movimento Com base em documentos ineacuteditos satildeo

descritas diversas experiecircncias de comunicaccedilatildeo alternativa de relacionamenshy

to entre estudantes e trabalhadores no decorrer dos acontecimentos ass im

como uma tentativa de Universidade Popular no 13 distrito de Paris de julho a

outubro de 1968 Satildeo anal isados alguns aspectos dos debates e da evoluccedilatildeo

das ciecircncias sociais e da filosofia poacutes-68 periacuteodo marcado pela crise do ideaacuterio

socialista e pelo crescimento do individualismo

UNITBRIVtOS maio de 1968 contestaccedilatildeo movimento estudantil crise social universidade

In t roduccedilatildeo

iacutemdashv ediram-nos informaccedilotildees sobre os acontecimentos de 1968 na Fran-L J iacute J ccedila seu impacto sobre a vida universitaacuteria em particular sobre a

concepccedilatildeo do ensino e da pesquisa sobre as tentativas de novos relacionamentos entre estudantes e classes trabalhadoras e sobre a emergecircncia de novas formas de comunicaccedilatildeo e de pensamento O objetivo do texto aqui apresentado consiste em descrever alguns asshy

pectos do clima da eacutepoca certas consequumlecircncias dos acontecimentos sobre a vida de uma geraccedilatildeo relatar uma modesta experiecircncia de Universidade Popular inshydagar desdobramentos nas aacutereas de ciecircncias sociais e filosofia dos anos 70 em diante Para reunir a informaccedilatildeo necessaacuteria precisamos consultar documentos

Documento apresenshytado no evento Enshycontros de maio Insshytituto da Escola Futushyra Florianoacutepolis-SC de 25 a 27051998

Professor do COPPE da UFRJ

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panfletos da eacutepoca e recorrer agrave proacutepria memoacuteria Jaacute foram publicados centenas de livros e milhares de artigos sobre os acontecimentos de 1968 Entre os primeiros livros publicados sempre satildeo citados os de Lefebvre et OH (1968b) e Morin amp Lefort amp Coudray (1968) Limitamos o estudo em funccedilatildeo das fontes e dos fatos que nos foram diretamente acessiacuteveis e que satildeo relacionados com situaccedilotildees e cashysos particulares a partir dos quais devemos evitar generalizaccedilotildees Utilizamos tamshybeacutem muitas informaccedilotildees hoje disponiacuteveis mweb da Internet Ao lado do conjunto de informaccedilotildees reunidas recordaccedilotildees de caraacuteter bastante local e pessoal talvez possam esclarecer alguns dos caminhos percorridos desde entatildeo

Na narraccedilatildeo de acontecimentos passados sobrepotildeem-se vaacuterios plashynos de descriccedilatildeo e de evocaccedilatildeo que satildeo relativos a fatos de um lado diretashymente presenciados e por outro conhecidos por meio de informaccedilotildees e de interpretaccedilotildees de diferentes autores Aleacutem da descriccedilatildeo natildeo se pode esconder avaliaccedilotildees subjetivas assumidas como tal Nesse tipo de assunto natildeo se pode negar a subjetividade do testemunhador nas circunstacircncias que foram vividas por um entatildeo aluno de segundo ano de Ciecircncias Sociais em Paris

Em um movimento tatildeo complexo como o de 1968 sempre eacute uacutetil reavaliar a experiecircncia imediata e cotejaacute-la com os desafios coletivos Eacute precishyso esclarecer o sentido de uma experiecircncia coletiva dos jovens e estudantes da eacutepoca que tambeacutem eacute experiecircncia individual Pode-se explorar a relaccedilatildeo que existe entre o plano coletivo e o individual isso estaacute de acordo com uma das diretrizes de pesquisa socioloacutegica de Charles Wright Mills (1967) socioacutelogo americano criacutetico que era muito lido na deacutecada de 1960

Nosso trabalho se limita a um tipo de depoimento espontacircneo sobre aspectos da vida universitaacuteria Satildeo acontecimentos que muita gente esqueceu ou quis esquecer porque potildeem em risco a manutenccedilatildeo do establisment acadecircshymico Esses aspectos precisam ser restituiacutedos em particular no que diz respeito agrave contestaccedilatildeo do ensino agrave metodologia de pesquisa agrave finalidade social de tipo progressista assumida na praacutetica do conhecimento agraves possibilidades de comushynicaccedilatildeo ativa promovidas por minorias engajadas Vaacuterias dessas preocupaccedilotildees orientaram muitos ex-alunos que se tornaram professores nos anos 70 ou 80 Com o tempo o espiacuterito criacutetico tambeacutem passou de moda De fato o tempo passou os lugares as pessoas e os contextos mudaram ou desapareceram Tem-se o sentimento de ter vivido circunstacircncias que nunca se repetiratildeo das quais poreacutem brotaram ideacuteias que iam ser desenvolvidas apenas a longo prazo

Nesta momentacircnea volta ao passado natildeo se trata de expressar nostalshygia mas de procurar o sentido de accedilotildees ideacuteias em situaccedilotildees hoje superadas mas que contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de certos pontos de vista um modo de encarar as atividades universitaacuterias e extra-universitaacuterias ou de observar e experimentar especialmente no tocante agrave pesquisa social e a todas as formas de atuaccedilatildeo que impliquem uma relaccedilatildeo entre universitaacuterios e membros das classes trabalhadoras

Com esse tipo de reflexatildeo talvez seja possiacutevel repensar alguns prinshyciacutepios de atuaccedilatildeo no ensino e na pesquisa especialmente em mateacuteria de ciecircnshycias sociais economia educaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo efiiosofia

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Contexto da crise universitaacuteria

As lutas que se manifestaram na universidade estatildeo inseridas no contexto global da sociedade Em alguns casos satildeo lutas corporativistas em outras satildeo lutas de natureza ideoloacutegica relativas ao conteuacutedo do ensino ao relacionamento professoresalunos etc Em outros casos ainda como em 1968 aleacutem de ideoloacutegicas satildeo lutas poliacuteticas globais categorias universitaacuterias ao lado de outras camadas sociais mobilizam-se em torno de objetivos poliacuteticos tais como democratizaccedilatildeo defesa das liberdades individuais ou coletivas deshynuacutencia contra as guerras etc

Em Paris as lutas universitaacuterias de 1968 ocorreram durante um peshyriacuteodo de tempo no qual interferiam vaacuterios outros eventos histoacutericos A oposiccedilatildeo agrave guerra americana no Vietnatilde mobilizava a juventude tanto nos EUA quanto na Europa Aleacutem disso a revolta negro-americana a luta armada na Ameacuterica Latishyna e na Aacutefrica a Revoluccedilatildeo Cultural na China (1966-1969) contribuiacuteam para o clima de revolucionarizaccedilatildeo da juventude e do mundo universitaacuterio A revolta estudantil espalhou-se na Franccedila com esse pano de fundo complexo e internacishyonal que dava exemplos heroacuteicos de possiacuteveis mudanccedilas radicais

Na Franccedila apoacutes o movimento de oposiccedilatildeo agrave guerra da Argeacutelia e de apoio agrave descolonizaccedilatildeo no iniacutecio da deacutecada havia um periacuteodo de calma relativa A poliacutetica do governo do regime gaulista instalado em 1958 estava tendo um efeito de modernizaccedilatildeo industrial importante Todavia o desempreshygo comeccedilava a crescer (ainda que dez vezes menor que o de hoje trinta anos mais tarde) Aleacutem disso com o aumento do contingente de trabalhadores natildeo qualificados em particular trabalhadores imigrados (vindos da Aacutefrica e sul da Europa) nas linhas de montagem revoltas espontacircneas comeccedilavam a surgir escapando ao controle sindical Isso foi o iniacutecio de uma crise profunda no processo de produccedilatildeo de tipo fordista que se alastrou a partir dos anos 60

O sistema educacional e universitaacuterio natildeo havia mudado durante vaacuterias deacutecadas e entrou em crise Comeccedilaram a ser encaminhados projetos de reformas que foram contestados como propostas tecnocraacuteticas pelos estushydantes A oposiccedilatildeo agrave poliacutetica gaullista em mateacuteria de ensino superior ia cresshycendo A ausecircncia de perspectivas profissionais de um grande nuacutemero de esshytudantes daquela geraccedilatildeo de estudantes de niacutevel superior contribui para fortashylecer um sentimento proletaacuterio presente em frases como Vamos lutar cashymaradas nada temos a perder Tratava-se basicamente da geraccedilatildeo do baby boom do imediato poacutes-guerra que apesar de seleccedilatildeo escolar muito rigorosa chegava aos bancos da universidade em quantidade nunca vista A velha unishyversidade elitista natildeo comportava tanta gente

Desde 1967 a esquerda universitaacuteria organizava Comitecircs Vietnam de Base e diversos grupos lutavam entre si para tentar mobilizar os estudanshytes ora em termos sindicais ora em termos poliacuteticos (cf Bensaiacuted amp Weber 1968) Entretanto no primeiro trimestre de 1968 com exceccedilatildeo da Universishydade de Paris-Nanterre tudo parecia relativamente calmo nas universidades

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francesas Assistia-se a revoltas em outras partes do mundo As lutas que ocorriam na Alemanha nos EUA e na Ameacuterica Latina davam sinais que os estudantes eram capazes de se manifestar autonomamente

Na Alemanha a contestaccedilatildeo estudantil foi organizada principalmenshyte em Berlim pelo SDS (Sozialisticher Deutscher Studentbund) cujo liacuteder Rudi Dutschke sofreu um atentado em 11 de abril de 19680 movimento fazia uma criacutetica radical ao sistema educacional e apresentava propostas de universidade criacutetica Vaacuterios grupos autodirigidos discutiam importantes problemas como imperialismo e revoluccedilotildees socialistas linguagem poliacutetica e falsa consciecircncia psicologia e sociedade (sexualidade e dominaccedilatildeo medicina desumana criacutetica agrave psicologia acadecircmica) ideologia das ciecircncias exatas e da natureza arquitetura e sociedade teologia e poliacutetica (cf Bosc amp Bouguereau 1968 p 63)

Nos EUA as lutas estavam em desenvolvimento no contexto da rejeiccedilatildeo agrave Guerra do Vietnatilde A revolta estudantil no campus de Berkeley havia comeccedilado em 1964 com reivindicaccedilatildeo de liberdade de expressatildeo (cf Capaldi 1974 Hamon amp Rotman 1987 p 368) Em vaacuterias universidades era denunciado o recrutamento de estudantes em projetos de pesquisa encoshymendadas por fornecedores de material beacutelico De modo geral questionava-se o papel da universidade e a concepccedilatildeo fragmentaacuteria da pesquisa a serviccedilo do complexo industrial-militar O conteuacutedo do ensino de ciecircncias sociais foi criticado de modo virulento e disso surgiram vaacuterias correntes radicais que substituiacuteram o positivismo vigente por tendecircncias que incluiacuteam marxismo fenomenologia psicanaacutelise e teoria criacutetica A contestaccedilatildeo universitaacuteria californiana serviu de exemplo aos franceses mas eacute curioso que Marcuse natildeo era lido antes dos acontecimentos comeccedilou a secirc-lo durante e depois

As lutas de estudantes do Brasil contra a ditadura foram comentadas na Franccedila no iniacutecio de 1968 Os movimentos de estudantes no Meacutexico tiveram granshyde impacto ateacute a sangrenta repressatildeo anterior ao iniacutecio dos Jogos Oliacutempicos

No meio dos estudantes franceses havia forte influecircncia de movishymentos maoiacutestas e trotskistas Os primeiros popularizam os ideais da Revolushyccedilatildeo Cultural chinesa em curso os segundos criticavam o stalinismo dos primeiros e dos partidos e sindicatos tradicionais (PCF e CGT)

No contexto da China durante a Revoluccedilatildeo Cultural as lutas da aacuterea universitaacuteria se concentravam em torno dos seguintes alvos contra a propriedade privada dos conhecimentos contra a busca de fama e interesse pessoal contra a superioridade da teoria e o desprezo da praacutetica contra a pedagogia livresca os exames de tipo imperial etc (cf La reforme du systegraveme denseignement en Chine 1969) A criacutetica permanente dessas disposiccedilotildees ideoloacutegicas dos professores eram consideradas como meio de revolucionari-zaccedilatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica e como condiccedilatildeo de consolidaccedilatildeo do poder vershymelho sobre a universidade Grupos maoiacutestas franceses foram bastante inshyfluenciados por essas ideacuteias Os excessos cometidos em nome da Revolushyccedilatildeo Cultural soacute foram conhecidos bem mais tarde

Por sua vez os trotskistas eram liderados por Krivine e outros dis-

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sidentes da UEC (Union des Eacutetudiants Communistes) que formaram a JCR (Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire) Este grupo teve um papel importanshyte na Universidade de Nanterre e nas manifestaccedilotildees

No dia 22 de marccedilo grupos de estudantes da Universidade de Nanterre pela primeira vez tiveram a ousadia de ocupar os locais da Admishynistraccedilatildeo A partir dessa data formou-se espontaneamente o Mouvement du 22 mars de orientaccedilatildeo proacutexima ao anarquismo liderado por Daniel Cohn-Bendit Vaacuterios livros descrevem a situaccedilatildeo da Universidade de Nanterre (cf Duteuil 1988Cohn-Benditerai71968)

A accedilatildeo estudantil contra a repressatildeo desencadeou-se inesperadamente Pela primeira vez a partir do dia 3 de maio em Paris nas manifestaccedilotildees natildeo havia mais ordem de dispersatildeo O confronto com a poliacutecia era inevitaacutevel Os estudantes jogavam paralelepiacutepedos arrancados das calccediladas Muitos carros foram incendiashydos sobretudo pela poliacutecia para produzir efeito contraacuterio na opiniatildeo puacuteblica Os estudantes gritavam CRS-SS sempre denunciando o nazismo ou fascismo dos guardas armados de cassetetes e granadas lacrimogecircneas Agrave margem dessa histoacuteshyria registra-se que o entatildeo prefeito da poliacutecia de Paris era Maurice Papon Estushydantes o acusavam tambeacutem de nazista Tal acusaccedilatildeo acabou se confirmando soshymente trinta anos mais tarde em abril de 1998 quando aos 87 anos ele foi condeshynado a dez anos de prisatildeo por causa de sua colaboraccedilatildeo com o nazismo e sua responsabilidade na deportaccedilatildeo de judeus durante aSegundaGuerraMundial

Houve um salto qualitativo a partir do dia 10 de maio quando mishylhares de trabalhadores da classe operaacuteria e da classe meacutedia assalariada comeshyccedilaram a entrar em greve muitas vezes com ocupaccedilatildeo dos locais de trabalho Em poucos dias chegaram a totalizar dez milhotildees de grevistas com manifesshytaccedilotildees de rua de tamanho nunca visto no periacuteodo poacutes-guerra

A volta agrave ordem republicana soacute foi restabelecida a partir do final no mecircs de maio (ou iniacutecio de junho) entre os trabalhadores e do final de junho entre os estudantes por meio de um mecanismo eleitoral de negociaccedilatildeo trashybalhista e de reforma universitaacuteria (cf Schwartzman 1981p 99-103)

O mecanismo eleitoral consistiu em um tipo de plebiscito apoacutes a dissoluccedilatildeo da Assembleacuteia com a organizaccedilatildeo de eleiccedilotildees que deram esmagashydora vitoacuteria ao partido da ordem o de De Gaulle

Uma negociaccedilatildeo tripartite (governo sindicatos de trabalhadores sinshydicatos de empresaacuterios) chegou a acordos em 27 de maio conhecidos como Accords de Grenelle O resultado da negociaccedilatildeo permitiu uma seacuterie de vantashygens para os trabalhadores tais como elevaccedilatildeo do salaacuterio miacutenimo reconhecishymento das seccedilotildees sindicais nas empresas com proteccedilatildeo dos delegados liberdade de expressatildeo na empresa diminuiccedilatildeo da jornada de trabalho e outras (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 46) Nos dias seguintes entretanto a ordem de retomada do trabalho natildeo foi obedecida em muitas empresas Considerando insuficientes as concessotildees do patronato e do governo o movimento grevista continuou ainda durante alguns dias O trabalho soacute foi retomado em junho

A partir de 1968 o regime gaulista instaurou progressivamente um

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sistema de participaccedilatildeo que incluiacutea a negociaccedilatildeo tripartite sobre as questotildees salashyriais com acordos coletivos por setores industriais e uma participaccedilatildeo dos trabashylhadores na reparticcedilatildeo dos lucros das grandes empresas as de tipo sociedade anocircnima Alguns sindicatos e grupos poliacuteticos criticavam essa poliacutetica como senshydo uma tentativa de instaurar a colaboraccedilatildeo de classes ou um sistema corporauvista

Por sua vez a reforma universitaacuteria chamada Reforme Edgar Faure depois do imediato poacutes-maio 68 modificou o sistema de disciplinas e a organishyzaccedilatildeo das universidades Ateacute entatildeo as grandes disciplinas (ciecircncias direito medicina farmaacutecia letras etc) eram ensinadas em faculdades separadas Com a reforma as universidades pluridisciplinaresforam criadas para favoshyrecer as evoluccedilotildees cientiacuteficas que acontecem nas fronteiras das disciplinas (Eacutetudes sd) Aleacutem disso foi introduzido o sistema de UV (unidades de valoshyres) conhecido no Brasil como sistema de creacuteditos Esse sistema permite gerenciar um grande leque de disciplinas optativas o que permite reduzir a contestaccedilatildeo Outra medida do Governo foi a criaccedilatildeo de novas universidades como a de Vincennes nos arredores de Paris onde se reuniu parte da nova esquerda intelecshytual Mais tarde esta universidade foi transferida para Saint-Denis

A contestaccedilatildeo do ensino

A revolta estudantil e da juventude percorria o mundo desde o iniacuteshycio dos anos 60 Havia formas de luta com objetivos poliacuteticos mais amplos que as questotildees estritamente universitaacuterias diplomas e incertezas de colocashyccedilatildeo dos receacutem-formados no mercado de trabalho Os objetivos agraves vezes irrealistas foram associados a elementos de contestaccedilatildeo natildeo somente do conshyteuacutedo do ensino mas do conteuacutedo da sociedade e da vida em geral Changer Ia vie verso de Arthur Rimbaud foi uma expressatildeo muito citada

A contestaccedilatildeo do ensino natildeo comeccedilou em 1968 De fato em vaacuterios lugares desde 1966 os estudantes se rebelavam contra o conteuacutedo do ensino indo ateacute o boicote das aulas julgadas inadequadas A contestaccedilatildeo estudantil se concentrou nos cursos ministrados por professores que eram tidos como consershyvadores ou reacionaacuterios Um dos primeiros exemplos foi contra o professor e ciberneacutetico Abraham Moles que foi impedido pelos alunos de dar aula na Unishyversidade de Estrasburgo em outubro de 1966 A partir de 1968 essa praacutetica se generalizou na Universidade de Nanterre onde estudava Cohn-Bendit e na Universidade de Paris Um caso que ficou famoso foi a intervenccedilatildeo de um grupo de estudantes no anfiteatro onde dava aula Michel Crozier famoso professor de sociologia das organizaccedilotildees Os estudantes queriam obrigar o professor a deishyxar de dar aula para passar um filme de Chris Marker sobre uma greve na emshypresa Rhodiaceta (o que natildeo deixava de ser um assunto de sociologia organizashycional) O professor natildeo aceitou o ultimato e ele foi entatildeo denunciado pelos alunos como inimigo do povo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 392)

No IEDES (Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Socishyal) vaacuterios professores de economia do desenvolvimento e inclusive seu diretor

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Franccedilois Perroux foram acusados pelos alunos de divulgar ideacuteias favoraacuteveis ao neocolonialismo francecircs nos paiacuteses do Terceiro Mundo Aleacutem disso no plano da concepccedilatildeo do ensino voltado para os problemas do desenvolvimento as posishyccedilotildees de Charles Bettelheim eram aprovadas pelos estudantes contra as de Perroux Uma carta escrita em 1964 pelo primeiro e endereccedilada ao segundo foi divulgada pela Associaccedilatildeo dos estudantes do IEDES em 1967 Alguns trechos significatishyvos Natildeo basta descrever de maneira livresca tal ou qual paiacutes tal ou qual mecanismo para pretender oferecer um ensino uacutetil As comparaccedilotildees a explicashyccedilatildeo das bases filosoacuteficas e teoacutericas das escolhas feitas em diversos momentos e em diferentes paiacuteses tornaram-se necessaacuterias para resguardar os estudantes de qualquer esquematismo e para permitir-lhes o entendimento e a resoluccedilatildeo por si proacuteprios das dificuldades a serem superadas nas responsabilidades que assumiratildeo em seu paiacutes socialista ou natildeo ()0 contato direto com a realidade de numerosos paiacuteses leva-nos a constatar o caraacuteter artificial e escolaacutestico de anaacutelises e projeccedilotildees quantitativas que constituem apenas uma modernaforma de mistificaccedilatildeo na medida em que como acontece frequumlentemente natildeo tradushyzem um dinamismo real mas satildeo construccedilotildees burocraacuteticas resultando de um ensino puramente econocircmico e entatildeo mal assimilado (Bettelheim 1964)

Mesmo impedido pelos estudantes de voltar a dirigir o Instituto o Professor Perroux lanccedilou em 1969 um livro de discussatildeo com Herbert Marcuse (cf Perroux 1969)

Em vaacuterias universidades a contestaccedilatildeo consistia em intervenccedilotildees orais nos cursos magistrais (dados em grandes anfiteatros) para mostrar que os proshyfessores de economia e ciecircncias sociais esqueciam os pressupostos de suas teoshyrias e de suas implicaccedilotildees com a luta de classes Isso valia tambeacutem nos cursos de estatiacutestica contabilidade nacional metodologia de pesquisa especialmente meacuteshytodos quantitativos Era questionada a utilidade social de um conhecimento absshytrato separado da praacutetica e sua recuperaccedilatildeo pela burguesia Argumentos tiacutepishycos da contestaccedilatildeo eram verbalizados desta forma O que o senhor estaacute dizenshydo dissimula as relaccedilotildees de classes ou soacute eacute uacutetil para a burguesia ou os interesses imperialistas Outra frase muito usada O que o senhor estaacute explicando aiacute em termos psicoloacutegicos tecnoloacutegicos ou culturais eacute na verdade um problema poliacuteshytico ou ideoloacutegico Geralmente esse tipo de criacutetica era sumaacuteria filosoficamen-te pobre embora algumas vezes procedente mas natildeo dava conta dos detalhes e de eventuais alternativas Parecia uma condenaccedilatildeo em bloco Para mudar qualshyquer coisa era preciso antes de tudo derrubar o capitalismo Para qualquer explicaccedilatildeo era preciso recorrer a uma idealizaccedilatildeo da teoria marxista Reflexo dos anos 60 essa visatildeo era uma resposta revolucionaacuteria agrave imposiccedilatildeo da ideoshylogia modernizadora dominante Todas as vias estavam bloqueadas somente a revoluccedilatildeo podia resolver Havia nesse sentido uma rejeiccedilatildeo da maioria do coshynhecimento oferecido pela universidade que de fato parecia bastante obsoleto e natildeo conseguia satisfazer as expectativas do grande contingente de estudantes do poacutes-guerra especialmente na aacuterea de ciecircncias sociais de escassas perspectivas profissionais

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Eram jovens alunos de graduaccedilatildeo com leituras limitadas Autores citados para contestar as visotildees de professores conservadores eram por exemshyplo Baran Sweezy e Bettelheim em economia Althusser em filosofia eciecircnshycias sociais O importante livro de Poulantzas Poder poliacutetico e classes sociais no estado capitalista soacute foi lanccedilado no segundo semestre de 1968 e foi muito lido para alimentar a criacutetica a partir de 1969 na aacuterea de ciecircncia poliacutetica

Como forma de dar continuidade agrave contestaccedilatildeo a ideacuteia de contra-cursos ou de ensino paralelo desenvolvia-se desde 1967 Aleacutem de certas tentashytivas limitadas natildeo chegou a vigorar As reformas universitaacuterias promulgadas pelo governo entre julho e outubro de 1968 conseguiram esvaziar a contestaccedilatildeo

A ideacuteia de ensino paralelo natildeo remetia a uma ilusatildeo sobre a capacishydade de modificar a universidade sem maior transformaccedilatildeo da sociedade Um dos liacutederes estudantis Cohn-Bendit declarou contra o mito da contra-uni-versidade ou do contra-ensino que o ensino burguecircs mesmo reformado fabricaraacute quadros burgueses As pessoas seratildeo tomadas na engrenagem do sistemas Quanto muito tornar-se-atildeo membros de uma esquerda bem pensante mas continuaratildeo objetivamente a ser as peccedilas que asseguram o funcionashymento da sociedade (Cohn-Bendit et alii 1968) O liacuteder do Mouvement du 22 mars concebia entretanto uma forma de ensino paralelo como ensino teacutecshynico e ideoloacutegico realizado sob forma de seminaacuterios sobre temas como problemas do movimento operaacuterio utilizaccedilatildeo da teacutecnica a serviccedilo do hoshymem possibilidades oferecidas pela automaccedilatildeo etc (cf Cohn-Benditeiacute alii 1968 p 39) Esses seminaacuterios seriam organizados como experiecircncia de ruptura sem ilusatildeo de institucionalizaccedilatildeo e com a participaccedilatildeo de professoshyres progressistas cujo progressismo fosse ateacute o ponto de renunciar agrave sua poshysiccedilatildeo de mestre

De modo geral entre os principais temas de contestaccedilatildeo universitaacuteshyria destacam-se a recusa do caraacuteter classista da universidade a denuacutencia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber a denuacutencia da parcelizaccedilatildeo e tecnocratizaccedilatildeo do saber a contestaccedilatildeo dos cursos ex cathedra a denuacutencia dos professores conservadores ligados agrave poliacutetica do governo o questionamento do lugar que na divisatildeo capitalista do trabalho os diplomados iratildeo ocupar a denuacutencia da escassez de possibilidade de empregos qualificados (problemas dos deacuteboucheacutes)

Vaacuterios aspectos da revolta estudantil francesa foram apontados como positivos por Darcy Ribeiro tais como criacutetica ao sistema de exames criacutetica ao regime capitalista vontade de estabelecer uma relaccedilatildeo entre unishyversidade e trabalhadores (cf Ribeiro 1969 p 44)

Observa-se que a contestaccedilatildeo do ensino foi uma praacutetica desenshyvolvida principalmente antes dos acontecimentos de maio de 1968 Contishynuou no ano 1969 mas depois com a multiplicidade de experiecircncias criacutetishycas ela foi substituiacuteda por uma preocupaccedilatildeo com pedagogia ou didaacutetica poliacutetica como no caso do ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais que veremos mais tarde

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Fontes intelectuais

A maior influecircncia intelectual exercida sobre os estudantes de 1968 foi o marxismo mas evidentemente natildeo o marxismo ortodoxo da Uniatildeo Soshyvieacutetica ou dos partidos comunistas do ocidente Tratava-se de variantes relacishyonadas com o nomes de Trotsky Mao Tseacute-Tung Fidel Castro Che Guevara Havia tambeacutem o ressurgimento do anarquismo e uma nova forma de anarquismo cultural chamado situacionismo (cf Debord 1972)

Antes de 1968 o marxismo natildeo fazia parte dos curriacuteculos ou proshygramas oficiais do ensino superior nas aacutereas de ciecircncias sociais ou economia com raras exceccedilotildees Havia os cursos de Charles Bettelheim e Lucien Goldmann na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes Louis Althusser e seus assistentes na Ecole Normale Supeacuterieure Henri Lefebvre em Nanterre Henri Denis na Fashyculdade de Economia etc Em geral eram cursos de tipo poacutes-graduaccedilatildeo esshytreitamente relacionados com pesquisa ou reservados a alunos adiantados

Paralelamente aos cursos obrigatoacuterios muitos alunos organizavam grupos de estudo sobre O capital de Karl Marx Tambeacutem eram lidas obras claacutesshysicas de Lecircnin Mao e Gramsci (este uacuteltimo sobretudo a partir de 1969) Aleacutem dessas leituras havia um acompanhamento da situaccedilatildeo da guerra no Vietnatilde e das lutas na Ameacuterica Latina e Aacutefrica Eram organizados muitos meetings e apreshysentaccedilotildees de filmes militantes especialmente no Palais de Ia Mutualiteacute (nesse mesmo local um grande evento foi organizado com a participaccedilatildeo de J-P Sartre em memoacuteria de Marighela em 1969) O curriacuteculo dos estudantes contestataacuterios natildeo se limitava agraves mateacuterias oferecidas nos programas oficiais

A visatildeo internacional era completada pelo conhecimento de expeshyriecircncias poliacuteticas italianas especialmente a do grupo organizado em torno da revista Quaderni Rossi Uma coletacircnea foi traduzida e publicada na Franccedila no iniacutecio de 1968

Nos anos 60 as obras de Gramsci estavam pouco difundidas na Franccedila Soacute existia uma velha ediccedilatildeo de trechos escolhidos publicada pelas Editions Sociales do PCF datada de 1959 e esgotada desde 1967 A leitura das obras completas de Gramsci soacute se tornou obrigatoacuteria no iniacutecio da deacutecashyda de 70 para acompanhar discussotildees de Hugues Portelli M A Macciocchi (1974) e Catherine Buci-Glucksman entre outros

Os estudantes da linha proacute-chinesa liam essencialmente o Pequeno livro vermelho do presidente Mao e os Quatros ensaios filosoacuteficos do mesmo autor (1967) Aleacutem desses livros as principais leituras eram as obras de Louis Althusser (1967a 1967b) Em alguns grupos com a aproximaccedilatildeo poliacutetica de Jean-Paul Sartre tambeacutem a Criacutetica da razatildeo dialeacutetica fazia parte das leitushyras Observou-se que a posiccedilatildeo de Althusser favoraacutevel agrave valorizaccedilatildeo da teoshyria contra as diversas formas de empiricismo e de positivismo reduziu as possibilidades de pesquisa concreta em ciecircncias sociais durante vaacuterios anos

As ideacuteias dos pensadores relacionados com a Escola de Frankfurt natildeo eram conhecidas na Franccedila antes de 1968 Soacute se tornaram conhecidos nes-

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se ano por intermeacutedio da imprensa e da traduccedilatildeo do Homem unidimensional de Marcuse (1968) As principais obras de Horkheimer Adorno e Habermas foshyram traduzidas e publicadas a partir de 1970 (cf Enthoven 1974)

Mesmo sem terem lido esses autores muitos estudantes pensavam quase espontaneamente que de fato ciecircncia e teacutecnica estavam a serviccedilo da dominaccedilatildeo ou faziam parte de um mecanismo de alienaccedilatildeo do homem A contestaccedilatildeo da ciecircncia ocidental do positivismo e do funcionalismo tatildeo dishyfundidos no ensino de ciecircncias sociais encontravam referecircncias filosoacuteficas ilustres em que se apoiar Entretanto a tese de Marcuse sobre a integraccedilatildeo da classe trabalhadora dentro do capitalismo desenvolvido foi bastante criticada

Em 1968 houve um renascimento das ideacuteias anarquistas Aleacutem de teshymas tradicionais (incompatibilidade do socialismo com o Estado papel fundashymental da autogestatildeo como forma de organizaccedilatildeo das empresas) foram desenvolshyvidos temas novos relacionados com a criacutetica da cultura de massa ou da sociedashyde do espetaacuteculo promovida por um grupo chamado situacionista com partishycipaccedilatildeo de Guy Debord Criado em 1957 o situacionismo se apresentou como movimento esteacutetico derivado do letrismo agraves vezes proacuteximo ao surrealismo e marcado por uma forma de neo-anarquismo Sua criacutetica agrave sociedade de consushymo agrave linguagem da propaganda comercial ao lazer organizado e agrave vida quotidiashyna em geral teve uma ampla divulgaccedilatildeo a partir de 1968 e influenciou o modo de percepccedilatildeo da vida individual e social Numa linha semelhante uma brochura de profundo impacto foi De Ia misegravere en milieu eacutetudiant divulgada pela UNEF em 1966 na Universidade de Estrasburgo e mais tarde no Quartier Latin Outro situacionista importante eacute Raoul Vaneigem auteur do Traiteacute de savoir-vivre agrave l usage desjeunes geacuteneacuterations publicado em 1967 Contrariamente a Guy Debord que se suicidou em 1994 Raoul Vaneigem continua ativo e publicou recentemente novas obras que ensinam aos jovens como criticar a sociedade a moral burguesa a escola autoritaacuteria etc

O ideaacuterio da contestaccedilatildeo natildeo se limitou a concepccedilotildees ideoloacutegicas e poliacuteticas gerais houve tambeacutem incorporaccedilatildeo de conhecimentos de origem psishycoloacutegica e educacional com tendecircncias teoacutericas diferenciadas

a) Psicologia Psicologia e psicanaacutelise natildeo eram populares entre os estudantes de esquerda antes de 1968 Criacuteticas ao psicologismo ou ao psicanalismo eram tradicionais entre autores marxistas O interesse nessas disciplinas se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel que a psicanaacuteshylise desempenha nas obras dos autores da Escola de Frankfurt

Entre os partidaacuterios de Althusser houve a descoberta da funccedilatildeo teshyoacuterica da psicanaacutelise a partir de um texto sobre a releitura de Freud por Lacan De acordo com Althusser Lacan teria realizado o corte epistemoloacutegico necesshysaacuterio para tornar cientiacutefica a psicanaacutelise

Simultaneamente a partir de 1968 as obras de W Reich comeccedilashyram a ser divulgadas Certos grupos marxistas radicais tentaram conciliar fushyzil e diva descobrindo a dimensatildeo poliacutetica do orgasmo

Na mesma eacutepoca tambeacutem foi difundida a reinterpretaccedilatildeo 4a

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

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notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

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JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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panfletos da eacutepoca e recorrer agrave proacutepria memoacuteria Jaacute foram publicados centenas de livros e milhares de artigos sobre os acontecimentos de 1968 Entre os primeiros livros publicados sempre satildeo citados os de Lefebvre et OH (1968b) e Morin amp Lefort amp Coudray (1968) Limitamos o estudo em funccedilatildeo das fontes e dos fatos que nos foram diretamente acessiacuteveis e que satildeo relacionados com situaccedilotildees e cashysos particulares a partir dos quais devemos evitar generalizaccedilotildees Utilizamos tamshybeacutem muitas informaccedilotildees hoje disponiacuteveis mweb da Internet Ao lado do conjunto de informaccedilotildees reunidas recordaccedilotildees de caraacuteter bastante local e pessoal talvez possam esclarecer alguns dos caminhos percorridos desde entatildeo

Na narraccedilatildeo de acontecimentos passados sobrepotildeem-se vaacuterios plashynos de descriccedilatildeo e de evocaccedilatildeo que satildeo relativos a fatos de um lado diretashymente presenciados e por outro conhecidos por meio de informaccedilotildees e de interpretaccedilotildees de diferentes autores Aleacutem da descriccedilatildeo natildeo se pode esconder avaliaccedilotildees subjetivas assumidas como tal Nesse tipo de assunto natildeo se pode negar a subjetividade do testemunhador nas circunstacircncias que foram vividas por um entatildeo aluno de segundo ano de Ciecircncias Sociais em Paris

Em um movimento tatildeo complexo como o de 1968 sempre eacute uacutetil reavaliar a experiecircncia imediata e cotejaacute-la com os desafios coletivos Eacute precishyso esclarecer o sentido de uma experiecircncia coletiva dos jovens e estudantes da eacutepoca que tambeacutem eacute experiecircncia individual Pode-se explorar a relaccedilatildeo que existe entre o plano coletivo e o individual isso estaacute de acordo com uma das diretrizes de pesquisa socioloacutegica de Charles Wright Mills (1967) socioacutelogo americano criacutetico que era muito lido na deacutecada de 1960

Nosso trabalho se limita a um tipo de depoimento espontacircneo sobre aspectos da vida universitaacuteria Satildeo acontecimentos que muita gente esqueceu ou quis esquecer porque potildeem em risco a manutenccedilatildeo do establisment acadecircshymico Esses aspectos precisam ser restituiacutedos em particular no que diz respeito agrave contestaccedilatildeo do ensino agrave metodologia de pesquisa agrave finalidade social de tipo progressista assumida na praacutetica do conhecimento agraves possibilidades de comushynicaccedilatildeo ativa promovidas por minorias engajadas Vaacuterias dessas preocupaccedilotildees orientaram muitos ex-alunos que se tornaram professores nos anos 70 ou 80 Com o tempo o espiacuterito criacutetico tambeacutem passou de moda De fato o tempo passou os lugares as pessoas e os contextos mudaram ou desapareceram Tem-se o sentimento de ter vivido circunstacircncias que nunca se repetiratildeo das quais poreacutem brotaram ideacuteias que iam ser desenvolvidas apenas a longo prazo

Nesta momentacircnea volta ao passado natildeo se trata de expressar nostalshygia mas de procurar o sentido de accedilotildees ideacuteias em situaccedilotildees hoje superadas mas que contribuiacuteram para a formaccedilatildeo de certos pontos de vista um modo de encarar as atividades universitaacuterias e extra-universitaacuterias ou de observar e experimentar especialmente no tocante agrave pesquisa social e a todas as formas de atuaccedilatildeo que impliquem uma relaccedilatildeo entre universitaacuterios e membros das classes trabalhadoras

Com esse tipo de reflexatildeo talvez seja possiacutevel repensar alguns prinshyciacutepios de atuaccedilatildeo no ensino e na pesquisa especialmente em mateacuteria de ciecircnshycias sociais economia educaccedilatildeo e comunicaccedilatildeo efiiosofia

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Contexto da crise universitaacuteria

As lutas que se manifestaram na universidade estatildeo inseridas no contexto global da sociedade Em alguns casos satildeo lutas corporativistas em outras satildeo lutas de natureza ideoloacutegica relativas ao conteuacutedo do ensino ao relacionamento professoresalunos etc Em outros casos ainda como em 1968 aleacutem de ideoloacutegicas satildeo lutas poliacuteticas globais categorias universitaacuterias ao lado de outras camadas sociais mobilizam-se em torno de objetivos poliacuteticos tais como democratizaccedilatildeo defesa das liberdades individuais ou coletivas deshynuacutencia contra as guerras etc

Em Paris as lutas universitaacuterias de 1968 ocorreram durante um peshyriacuteodo de tempo no qual interferiam vaacuterios outros eventos histoacutericos A oposiccedilatildeo agrave guerra americana no Vietnatilde mobilizava a juventude tanto nos EUA quanto na Europa Aleacutem disso a revolta negro-americana a luta armada na Ameacuterica Latishyna e na Aacutefrica a Revoluccedilatildeo Cultural na China (1966-1969) contribuiacuteam para o clima de revolucionarizaccedilatildeo da juventude e do mundo universitaacuterio A revolta estudantil espalhou-se na Franccedila com esse pano de fundo complexo e internacishyonal que dava exemplos heroacuteicos de possiacuteveis mudanccedilas radicais

Na Franccedila apoacutes o movimento de oposiccedilatildeo agrave guerra da Argeacutelia e de apoio agrave descolonizaccedilatildeo no iniacutecio da deacutecada havia um periacuteodo de calma relativa A poliacutetica do governo do regime gaulista instalado em 1958 estava tendo um efeito de modernizaccedilatildeo industrial importante Todavia o desempreshygo comeccedilava a crescer (ainda que dez vezes menor que o de hoje trinta anos mais tarde) Aleacutem disso com o aumento do contingente de trabalhadores natildeo qualificados em particular trabalhadores imigrados (vindos da Aacutefrica e sul da Europa) nas linhas de montagem revoltas espontacircneas comeccedilavam a surgir escapando ao controle sindical Isso foi o iniacutecio de uma crise profunda no processo de produccedilatildeo de tipo fordista que se alastrou a partir dos anos 60

O sistema educacional e universitaacuterio natildeo havia mudado durante vaacuterias deacutecadas e entrou em crise Comeccedilaram a ser encaminhados projetos de reformas que foram contestados como propostas tecnocraacuteticas pelos estushydantes A oposiccedilatildeo agrave poliacutetica gaullista em mateacuteria de ensino superior ia cresshycendo A ausecircncia de perspectivas profissionais de um grande nuacutemero de esshytudantes daquela geraccedilatildeo de estudantes de niacutevel superior contribui para fortashylecer um sentimento proletaacuterio presente em frases como Vamos lutar cashymaradas nada temos a perder Tratava-se basicamente da geraccedilatildeo do baby boom do imediato poacutes-guerra que apesar de seleccedilatildeo escolar muito rigorosa chegava aos bancos da universidade em quantidade nunca vista A velha unishyversidade elitista natildeo comportava tanta gente

Desde 1967 a esquerda universitaacuteria organizava Comitecircs Vietnam de Base e diversos grupos lutavam entre si para tentar mobilizar os estudanshytes ora em termos sindicais ora em termos poliacuteticos (cf Bensaiacuted amp Weber 1968) Entretanto no primeiro trimestre de 1968 com exceccedilatildeo da Universishydade de Paris-Nanterre tudo parecia relativamente calmo nas universidades

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francesas Assistia-se a revoltas em outras partes do mundo As lutas que ocorriam na Alemanha nos EUA e na Ameacuterica Latina davam sinais que os estudantes eram capazes de se manifestar autonomamente

Na Alemanha a contestaccedilatildeo estudantil foi organizada principalmenshyte em Berlim pelo SDS (Sozialisticher Deutscher Studentbund) cujo liacuteder Rudi Dutschke sofreu um atentado em 11 de abril de 19680 movimento fazia uma criacutetica radical ao sistema educacional e apresentava propostas de universidade criacutetica Vaacuterios grupos autodirigidos discutiam importantes problemas como imperialismo e revoluccedilotildees socialistas linguagem poliacutetica e falsa consciecircncia psicologia e sociedade (sexualidade e dominaccedilatildeo medicina desumana criacutetica agrave psicologia acadecircmica) ideologia das ciecircncias exatas e da natureza arquitetura e sociedade teologia e poliacutetica (cf Bosc amp Bouguereau 1968 p 63)

Nos EUA as lutas estavam em desenvolvimento no contexto da rejeiccedilatildeo agrave Guerra do Vietnatilde A revolta estudantil no campus de Berkeley havia comeccedilado em 1964 com reivindicaccedilatildeo de liberdade de expressatildeo (cf Capaldi 1974 Hamon amp Rotman 1987 p 368) Em vaacuterias universidades era denunciado o recrutamento de estudantes em projetos de pesquisa encoshymendadas por fornecedores de material beacutelico De modo geral questionava-se o papel da universidade e a concepccedilatildeo fragmentaacuteria da pesquisa a serviccedilo do complexo industrial-militar O conteuacutedo do ensino de ciecircncias sociais foi criticado de modo virulento e disso surgiram vaacuterias correntes radicais que substituiacuteram o positivismo vigente por tendecircncias que incluiacuteam marxismo fenomenologia psicanaacutelise e teoria criacutetica A contestaccedilatildeo universitaacuteria californiana serviu de exemplo aos franceses mas eacute curioso que Marcuse natildeo era lido antes dos acontecimentos comeccedilou a secirc-lo durante e depois

As lutas de estudantes do Brasil contra a ditadura foram comentadas na Franccedila no iniacutecio de 1968 Os movimentos de estudantes no Meacutexico tiveram granshyde impacto ateacute a sangrenta repressatildeo anterior ao iniacutecio dos Jogos Oliacutempicos

No meio dos estudantes franceses havia forte influecircncia de movishymentos maoiacutestas e trotskistas Os primeiros popularizam os ideais da Revolushyccedilatildeo Cultural chinesa em curso os segundos criticavam o stalinismo dos primeiros e dos partidos e sindicatos tradicionais (PCF e CGT)

No contexto da China durante a Revoluccedilatildeo Cultural as lutas da aacuterea universitaacuteria se concentravam em torno dos seguintes alvos contra a propriedade privada dos conhecimentos contra a busca de fama e interesse pessoal contra a superioridade da teoria e o desprezo da praacutetica contra a pedagogia livresca os exames de tipo imperial etc (cf La reforme du systegraveme denseignement en Chine 1969) A criacutetica permanente dessas disposiccedilotildees ideoloacutegicas dos professores eram consideradas como meio de revolucionari-zaccedilatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica e como condiccedilatildeo de consolidaccedilatildeo do poder vershymelho sobre a universidade Grupos maoiacutestas franceses foram bastante inshyfluenciados por essas ideacuteias Os excessos cometidos em nome da Revolushyccedilatildeo Cultural soacute foram conhecidos bem mais tarde

Por sua vez os trotskistas eram liderados por Krivine e outros dis-

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sidentes da UEC (Union des Eacutetudiants Communistes) que formaram a JCR (Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire) Este grupo teve um papel importanshyte na Universidade de Nanterre e nas manifestaccedilotildees

No dia 22 de marccedilo grupos de estudantes da Universidade de Nanterre pela primeira vez tiveram a ousadia de ocupar os locais da Admishynistraccedilatildeo A partir dessa data formou-se espontaneamente o Mouvement du 22 mars de orientaccedilatildeo proacutexima ao anarquismo liderado por Daniel Cohn-Bendit Vaacuterios livros descrevem a situaccedilatildeo da Universidade de Nanterre (cf Duteuil 1988Cohn-Benditerai71968)

A accedilatildeo estudantil contra a repressatildeo desencadeou-se inesperadamente Pela primeira vez a partir do dia 3 de maio em Paris nas manifestaccedilotildees natildeo havia mais ordem de dispersatildeo O confronto com a poliacutecia era inevitaacutevel Os estudantes jogavam paralelepiacutepedos arrancados das calccediladas Muitos carros foram incendiashydos sobretudo pela poliacutecia para produzir efeito contraacuterio na opiniatildeo puacuteblica Os estudantes gritavam CRS-SS sempre denunciando o nazismo ou fascismo dos guardas armados de cassetetes e granadas lacrimogecircneas Agrave margem dessa histoacuteshyria registra-se que o entatildeo prefeito da poliacutecia de Paris era Maurice Papon Estushydantes o acusavam tambeacutem de nazista Tal acusaccedilatildeo acabou se confirmando soshymente trinta anos mais tarde em abril de 1998 quando aos 87 anos ele foi condeshynado a dez anos de prisatildeo por causa de sua colaboraccedilatildeo com o nazismo e sua responsabilidade na deportaccedilatildeo de judeus durante aSegundaGuerraMundial

Houve um salto qualitativo a partir do dia 10 de maio quando mishylhares de trabalhadores da classe operaacuteria e da classe meacutedia assalariada comeshyccedilaram a entrar em greve muitas vezes com ocupaccedilatildeo dos locais de trabalho Em poucos dias chegaram a totalizar dez milhotildees de grevistas com manifesshytaccedilotildees de rua de tamanho nunca visto no periacuteodo poacutes-guerra

A volta agrave ordem republicana soacute foi restabelecida a partir do final no mecircs de maio (ou iniacutecio de junho) entre os trabalhadores e do final de junho entre os estudantes por meio de um mecanismo eleitoral de negociaccedilatildeo trashybalhista e de reforma universitaacuteria (cf Schwartzman 1981p 99-103)

O mecanismo eleitoral consistiu em um tipo de plebiscito apoacutes a dissoluccedilatildeo da Assembleacuteia com a organizaccedilatildeo de eleiccedilotildees que deram esmagashydora vitoacuteria ao partido da ordem o de De Gaulle

Uma negociaccedilatildeo tripartite (governo sindicatos de trabalhadores sinshydicatos de empresaacuterios) chegou a acordos em 27 de maio conhecidos como Accords de Grenelle O resultado da negociaccedilatildeo permitiu uma seacuterie de vantashygens para os trabalhadores tais como elevaccedilatildeo do salaacuterio miacutenimo reconhecishymento das seccedilotildees sindicais nas empresas com proteccedilatildeo dos delegados liberdade de expressatildeo na empresa diminuiccedilatildeo da jornada de trabalho e outras (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 46) Nos dias seguintes entretanto a ordem de retomada do trabalho natildeo foi obedecida em muitas empresas Considerando insuficientes as concessotildees do patronato e do governo o movimento grevista continuou ainda durante alguns dias O trabalho soacute foi retomado em junho

A partir de 1968 o regime gaulista instaurou progressivamente um

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sistema de participaccedilatildeo que incluiacutea a negociaccedilatildeo tripartite sobre as questotildees salashyriais com acordos coletivos por setores industriais e uma participaccedilatildeo dos trabashylhadores na reparticcedilatildeo dos lucros das grandes empresas as de tipo sociedade anocircnima Alguns sindicatos e grupos poliacuteticos criticavam essa poliacutetica como senshydo uma tentativa de instaurar a colaboraccedilatildeo de classes ou um sistema corporauvista

Por sua vez a reforma universitaacuteria chamada Reforme Edgar Faure depois do imediato poacutes-maio 68 modificou o sistema de disciplinas e a organishyzaccedilatildeo das universidades Ateacute entatildeo as grandes disciplinas (ciecircncias direito medicina farmaacutecia letras etc) eram ensinadas em faculdades separadas Com a reforma as universidades pluridisciplinaresforam criadas para favoshyrecer as evoluccedilotildees cientiacuteficas que acontecem nas fronteiras das disciplinas (Eacutetudes sd) Aleacutem disso foi introduzido o sistema de UV (unidades de valoshyres) conhecido no Brasil como sistema de creacuteditos Esse sistema permite gerenciar um grande leque de disciplinas optativas o que permite reduzir a contestaccedilatildeo Outra medida do Governo foi a criaccedilatildeo de novas universidades como a de Vincennes nos arredores de Paris onde se reuniu parte da nova esquerda intelecshytual Mais tarde esta universidade foi transferida para Saint-Denis

A contestaccedilatildeo do ensino

A revolta estudantil e da juventude percorria o mundo desde o iniacuteshycio dos anos 60 Havia formas de luta com objetivos poliacuteticos mais amplos que as questotildees estritamente universitaacuterias diplomas e incertezas de colocashyccedilatildeo dos receacutem-formados no mercado de trabalho Os objetivos agraves vezes irrealistas foram associados a elementos de contestaccedilatildeo natildeo somente do conshyteuacutedo do ensino mas do conteuacutedo da sociedade e da vida em geral Changer Ia vie verso de Arthur Rimbaud foi uma expressatildeo muito citada

A contestaccedilatildeo do ensino natildeo comeccedilou em 1968 De fato em vaacuterios lugares desde 1966 os estudantes se rebelavam contra o conteuacutedo do ensino indo ateacute o boicote das aulas julgadas inadequadas A contestaccedilatildeo estudantil se concentrou nos cursos ministrados por professores que eram tidos como consershyvadores ou reacionaacuterios Um dos primeiros exemplos foi contra o professor e ciberneacutetico Abraham Moles que foi impedido pelos alunos de dar aula na Unishyversidade de Estrasburgo em outubro de 1966 A partir de 1968 essa praacutetica se generalizou na Universidade de Nanterre onde estudava Cohn-Bendit e na Universidade de Paris Um caso que ficou famoso foi a intervenccedilatildeo de um grupo de estudantes no anfiteatro onde dava aula Michel Crozier famoso professor de sociologia das organizaccedilotildees Os estudantes queriam obrigar o professor a deishyxar de dar aula para passar um filme de Chris Marker sobre uma greve na emshypresa Rhodiaceta (o que natildeo deixava de ser um assunto de sociologia organizashycional) O professor natildeo aceitou o ultimato e ele foi entatildeo denunciado pelos alunos como inimigo do povo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 392)

No IEDES (Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Socishyal) vaacuterios professores de economia do desenvolvimento e inclusive seu diretor

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Franccedilois Perroux foram acusados pelos alunos de divulgar ideacuteias favoraacuteveis ao neocolonialismo francecircs nos paiacuteses do Terceiro Mundo Aleacutem disso no plano da concepccedilatildeo do ensino voltado para os problemas do desenvolvimento as posishyccedilotildees de Charles Bettelheim eram aprovadas pelos estudantes contra as de Perroux Uma carta escrita em 1964 pelo primeiro e endereccedilada ao segundo foi divulgada pela Associaccedilatildeo dos estudantes do IEDES em 1967 Alguns trechos significatishyvos Natildeo basta descrever de maneira livresca tal ou qual paiacutes tal ou qual mecanismo para pretender oferecer um ensino uacutetil As comparaccedilotildees a explicashyccedilatildeo das bases filosoacuteficas e teoacutericas das escolhas feitas em diversos momentos e em diferentes paiacuteses tornaram-se necessaacuterias para resguardar os estudantes de qualquer esquematismo e para permitir-lhes o entendimento e a resoluccedilatildeo por si proacuteprios das dificuldades a serem superadas nas responsabilidades que assumiratildeo em seu paiacutes socialista ou natildeo ()0 contato direto com a realidade de numerosos paiacuteses leva-nos a constatar o caraacuteter artificial e escolaacutestico de anaacutelises e projeccedilotildees quantitativas que constituem apenas uma modernaforma de mistificaccedilatildeo na medida em que como acontece frequumlentemente natildeo tradushyzem um dinamismo real mas satildeo construccedilotildees burocraacuteticas resultando de um ensino puramente econocircmico e entatildeo mal assimilado (Bettelheim 1964)

Mesmo impedido pelos estudantes de voltar a dirigir o Instituto o Professor Perroux lanccedilou em 1969 um livro de discussatildeo com Herbert Marcuse (cf Perroux 1969)

Em vaacuterias universidades a contestaccedilatildeo consistia em intervenccedilotildees orais nos cursos magistrais (dados em grandes anfiteatros) para mostrar que os proshyfessores de economia e ciecircncias sociais esqueciam os pressupostos de suas teoshyrias e de suas implicaccedilotildees com a luta de classes Isso valia tambeacutem nos cursos de estatiacutestica contabilidade nacional metodologia de pesquisa especialmente meacuteshytodos quantitativos Era questionada a utilidade social de um conhecimento absshytrato separado da praacutetica e sua recuperaccedilatildeo pela burguesia Argumentos tiacutepishycos da contestaccedilatildeo eram verbalizados desta forma O que o senhor estaacute dizenshydo dissimula as relaccedilotildees de classes ou soacute eacute uacutetil para a burguesia ou os interesses imperialistas Outra frase muito usada O que o senhor estaacute explicando aiacute em termos psicoloacutegicos tecnoloacutegicos ou culturais eacute na verdade um problema poliacuteshytico ou ideoloacutegico Geralmente esse tipo de criacutetica era sumaacuteria filosoficamen-te pobre embora algumas vezes procedente mas natildeo dava conta dos detalhes e de eventuais alternativas Parecia uma condenaccedilatildeo em bloco Para mudar qualshyquer coisa era preciso antes de tudo derrubar o capitalismo Para qualquer explicaccedilatildeo era preciso recorrer a uma idealizaccedilatildeo da teoria marxista Reflexo dos anos 60 essa visatildeo era uma resposta revolucionaacuteria agrave imposiccedilatildeo da ideoshylogia modernizadora dominante Todas as vias estavam bloqueadas somente a revoluccedilatildeo podia resolver Havia nesse sentido uma rejeiccedilatildeo da maioria do coshynhecimento oferecido pela universidade que de fato parecia bastante obsoleto e natildeo conseguia satisfazer as expectativas do grande contingente de estudantes do poacutes-guerra especialmente na aacuterea de ciecircncias sociais de escassas perspectivas profissionais

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Eram jovens alunos de graduaccedilatildeo com leituras limitadas Autores citados para contestar as visotildees de professores conservadores eram por exemshyplo Baran Sweezy e Bettelheim em economia Althusser em filosofia eciecircnshycias sociais O importante livro de Poulantzas Poder poliacutetico e classes sociais no estado capitalista soacute foi lanccedilado no segundo semestre de 1968 e foi muito lido para alimentar a criacutetica a partir de 1969 na aacuterea de ciecircncia poliacutetica

Como forma de dar continuidade agrave contestaccedilatildeo a ideacuteia de contra-cursos ou de ensino paralelo desenvolvia-se desde 1967 Aleacutem de certas tentashytivas limitadas natildeo chegou a vigorar As reformas universitaacuterias promulgadas pelo governo entre julho e outubro de 1968 conseguiram esvaziar a contestaccedilatildeo

A ideacuteia de ensino paralelo natildeo remetia a uma ilusatildeo sobre a capacishydade de modificar a universidade sem maior transformaccedilatildeo da sociedade Um dos liacutederes estudantis Cohn-Bendit declarou contra o mito da contra-uni-versidade ou do contra-ensino que o ensino burguecircs mesmo reformado fabricaraacute quadros burgueses As pessoas seratildeo tomadas na engrenagem do sistemas Quanto muito tornar-se-atildeo membros de uma esquerda bem pensante mas continuaratildeo objetivamente a ser as peccedilas que asseguram o funcionashymento da sociedade (Cohn-Bendit et alii 1968) O liacuteder do Mouvement du 22 mars concebia entretanto uma forma de ensino paralelo como ensino teacutecshynico e ideoloacutegico realizado sob forma de seminaacuterios sobre temas como problemas do movimento operaacuterio utilizaccedilatildeo da teacutecnica a serviccedilo do hoshymem possibilidades oferecidas pela automaccedilatildeo etc (cf Cohn-Benditeiacute alii 1968 p 39) Esses seminaacuterios seriam organizados como experiecircncia de ruptura sem ilusatildeo de institucionalizaccedilatildeo e com a participaccedilatildeo de professoshyres progressistas cujo progressismo fosse ateacute o ponto de renunciar agrave sua poshysiccedilatildeo de mestre

De modo geral entre os principais temas de contestaccedilatildeo universitaacuteshyria destacam-se a recusa do caraacuteter classista da universidade a denuacutencia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber a denuacutencia da parcelizaccedilatildeo e tecnocratizaccedilatildeo do saber a contestaccedilatildeo dos cursos ex cathedra a denuacutencia dos professores conservadores ligados agrave poliacutetica do governo o questionamento do lugar que na divisatildeo capitalista do trabalho os diplomados iratildeo ocupar a denuacutencia da escassez de possibilidade de empregos qualificados (problemas dos deacuteboucheacutes)

Vaacuterios aspectos da revolta estudantil francesa foram apontados como positivos por Darcy Ribeiro tais como criacutetica ao sistema de exames criacutetica ao regime capitalista vontade de estabelecer uma relaccedilatildeo entre unishyversidade e trabalhadores (cf Ribeiro 1969 p 44)

Observa-se que a contestaccedilatildeo do ensino foi uma praacutetica desenshyvolvida principalmente antes dos acontecimentos de maio de 1968 Contishynuou no ano 1969 mas depois com a multiplicidade de experiecircncias criacutetishycas ela foi substituiacuteda por uma preocupaccedilatildeo com pedagogia ou didaacutetica poliacutetica como no caso do ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais que veremos mais tarde

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Fontes intelectuais

A maior influecircncia intelectual exercida sobre os estudantes de 1968 foi o marxismo mas evidentemente natildeo o marxismo ortodoxo da Uniatildeo Soshyvieacutetica ou dos partidos comunistas do ocidente Tratava-se de variantes relacishyonadas com o nomes de Trotsky Mao Tseacute-Tung Fidel Castro Che Guevara Havia tambeacutem o ressurgimento do anarquismo e uma nova forma de anarquismo cultural chamado situacionismo (cf Debord 1972)

Antes de 1968 o marxismo natildeo fazia parte dos curriacuteculos ou proshygramas oficiais do ensino superior nas aacutereas de ciecircncias sociais ou economia com raras exceccedilotildees Havia os cursos de Charles Bettelheim e Lucien Goldmann na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes Louis Althusser e seus assistentes na Ecole Normale Supeacuterieure Henri Lefebvre em Nanterre Henri Denis na Fashyculdade de Economia etc Em geral eram cursos de tipo poacutes-graduaccedilatildeo esshytreitamente relacionados com pesquisa ou reservados a alunos adiantados

Paralelamente aos cursos obrigatoacuterios muitos alunos organizavam grupos de estudo sobre O capital de Karl Marx Tambeacutem eram lidas obras claacutesshysicas de Lecircnin Mao e Gramsci (este uacuteltimo sobretudo a partir de 1969) Aleacutem dessas leituras havia um acompanhamento da situaccedilatildeo da guerra no Vietnatilde e das lutas na Ameacuterica Latina e Aacutefrica Eram organizados muitos meetings e apreshysentaccedilotildees de filmes militantes especialmente no Palais de Ia Mutualiteacute (nesse mesmo local um grande evento foi organizado com a participaccedilatildeo de J-P Sartre em memoacuteria de Marighela em 1969) O curriacuteculo dos estudantes contestataacuterios natildeo se limitava agraves mateacuterias oferecidas nos programas oficiais

A visatildeo internacional era completada pelo conhecimento de expeshyriecircncias poliacuteticas italianas especialmente a do grupo organizado em torno da revista Quaderni Rossi Uma coletacircnea foi traduzida e publicada na Franccedila no iniacutecio de 1968

Nos anos 60 as obras de Gramsci estavam pouco difundidas na Franccedila Soacute existia uma velha ediccedilatildeo de trechos escolhidos publicada pelas Editions Sociales do PCF datada de 1959 e esgotada desde 1967 A leitura das obras completas de Gramsci soacute se tornou obrigatoacuteria no iniacutecio da deacutecashyda de 70 para acompanhar discussotildees de Hugues Portelli M A Macciocchi (1974) e Catherine Buci-Glucksman entre outros

Os estudantes da linha proacute-chinesa liam essencialmente o Pequeno livro vermelho do presidente Mao e os Quatros ensaios filosoacuteficos do mesmo autor (1967) Aleacutem desses livros as principais leituras eram as obras de Louis Althusser (1967a 1967b) Em alguns grupos com a aproximaccedilatildeo poliacutetica de Jean-Paul Sartre tambeacutem a Criacutetica da razatildeo dialeacutetica fazia parte das leitushyras Observou-se que a posiccedilatildeo de Althusser favoraacutevel agrave valorizaccedilatildeo da teoshyria contra as diversas formas de empiricismo e de positivismo reduziu as possibilidades de pesquisa concreta em ciecircncias sociais durante vaacuterios anos

As ideacuteias dos pensadores relacionados com a Escola de Frankfurt natildeo eram conhecidas na Franccedila antes de 1968 Soacute se tornaram conhecidos nes-

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se ano por intermeacutedio da imprensa e da traduccedilatildeo do Homem unidimensional de Marcuse (1968) As principais obras de Horkheimer Adorno e Habermas foshyram traduzidas e publicadas a partir de 1970 (cf Enthoven 1974)

Mesmo sem terem lido esses autores muitos estudantes pensavam quase espontaneamente que de fato ciecircncia e teacutecnica estavam a serviccedilo da dominaccedilatildeo ou faziam parte de um mecanismo de alienaccedilatildeo do homem A contestaccedilatildeo da ciecircncia ocidental do positivismo e do funcionalismo tatildeo dishyfundidos no ensino de ciecircncias sociais encontravam referecircncias filosoacuteficas ilustres em que se apoiar Entretanto a tese de Marcuse sobre a integraccedilatildeo da classe trabalhadora dentro do capitalismo desenvolvido foi bastante criticada

Em 1968 houve um renascimento das ideacuteias anarquistas Aleacutem de teshymas tradicionais (incompatibilidade do socialismo com o Estado papel fundashymental da autogestatildeo como forma de organizaccedilatildeo das empresas) foram desenvolshyvidos temas novos relacionados com a criacutetica da cultura de massa ou da sociedashyde do espetaacuteculo promovida por um grupo chamado situacionista com partishycipaccedilatildeo de Guy Debord Criado em 1957 o situacionismo se apresentou como movimento esteacutetico derivado do letrismo agraves vezes proacuteximo ao surrealismo e marcado por uma forma de neo-anarquismo Sua criacutetica agrave sociedade de consushymo agrave linguagem da propaganda comercial ao lazer organizado e agrave vida quotidiashyna em geral teve uma ampla divulgaccedilatildeo a partir de 1968 e influenciou o modo de percepccedilatildeo da vida individual e social Numa linha semelhante uma brochura de profundo impacto foi De Ia misegravere en milieu eacutetudiant divulgada pela UNEF em 1966 na Universidade de Estrasburgo e mais tarde no Quartier Latin Outro situacionista importante eacute Raoul Vaneigem auteur do Traiteacute de savoir-vivre agrave l usage desjeunes geacuteneacuterations publicado em 1967 Contrariamente a Guy Debord que se suicidou em 1994 Raoul Vaneigem continua ativo e publicou recentemente novas obras que ensinam aos jovens como criticar a sociedade a moral burguesa a escola autoritaacuteria etc

O ideaacuterio da contestaccedilatildeo natildeo se limitou a concepccedilotildees ideoloacutegicas e poliacuteticas gerais houve tambeacutem incorporaccedilatildeo de conhecimentos de origem psishycoloacutegica e educacional com tendecircncias teoacutericas diferenciadas

a) Psicologia Psicologia e psicanaacutelise natildeo eram populares entre os estudantes de esquerda antes de 1968 Criacuteticas ao psicologismo ou ao psicanalismo eram tradicionais entre autores marxistas O interesse nessas disciplinas se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel que a psicanaacuteshylise desempenha nas obras dos autores da Escola de Frankfurt

Entre os partidaacuterios de Althusser houve a descoberta da funccedilatildeo teshyoacuterica da psicanaacutelise a partir de um texto sobre a releitura de Freud por Lacan De acordo com Althusser Lacan teria realizado o corte epistemoloacutegico necesshysaacuterio para tornar cientiacutefica a psicanaacutelise

Simultaneamente a partir de 1968 as obras de W Reich comeccedilashyram a ser divulgadas Certos grupos marxistas radicais tentaram conciliar fushyzil e diva descobrindo a dimensatildeo poliacutetica do orgasmo

Na mesma eacutepoca tambeacutem foi difundida a reinterpretaccedilatildeo 4a

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

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JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

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DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Socioi USR S Paulo 102) 63-100 outubro de 1998

Contexto da crise universitaacuteria

As lutas que se manifestaram na universidade estatildeo inseridas no contexto global da sociedade Em alguns casos satildeo lutas corporativistas em outras satildeo lutas de natureza ideoloacutegica relativas ao conteuacutedo do ensino ao relacionamento professoresalunos etc Em outros casos ainda como em 1968 aleacutem de ideoloacutegicas satildeo lutas poliacuteticas globais categorias universitaacuterias ao lado de outras camadas sociais mobilizam-se em torno de objetivos poliacuteticos tais como democratizaccedilatildeo defesa das liberdades individuais ou coletivas deshynuacutencia contra as guerras etc

Em Paris as lutas universitaacuterias de 1968 ocorreram durante um peshyriacuteodo de tempo no qual interferiam vaacuterios outros eventos histoacutericos A oposiccedilatildeo agrave guerra americana no Vietnatilde mobilizava a juventude tanto nos EUA quanto na Europa Aleacutem disso a revolta negro-americana a luta armada na Ameacuterica Latishyna e na Aacutefrica a Revoluccedilatildeo Cultural na China (1966-1969) contribuiacuteam para o clima de revolucionarizaccedilatildeo da juventude e do mundo universitaacuterio A revolta estudantil espalhou-se na Franccedila com esse pano de fundo complexo e internacishyonal que dava exemplos heroacuteicos de possiacuteveis mudanccedilas radicais

Na Franccedila apoacutes o movimento de oposiccedilatildeo agrave guerra da Argeacutelia e de apoio agrave descolonizaccedilatildeo no iniacutecio da deacutecada havia um periacuteodo de calma relativa A poliacutetica do governo do regime gaulista instalado em 1958 estava tendo um efeito de modernizaccedilatildeo industrial importante Todavia o desempreshygo comeccedilava a crescer (ainda que dez vezes menor que o de hoje trinta anos mais tarde) Aleacutem disso com o aumento do contingente de trabalhadores natildeo qualificados em particular trabalhadores imigrados (vindos da Aacutefrica e sul da Europa) nas linhas de montagem revoltas espontacircneas comeccedilavam a surgir escapando ao controle sindical Isso foi o iniacutecio de uma crise profunda no processo de produccedilatildeo de tipo fordista que se alastrou a partir dos anos 60

O sistema educacional e universitaacuterio natildeo havia mudado durante vaacuterias deacutecadas e entrou em crise Comeccedilaram a ser encaminhados projetos de reformas que foram contestados como propostas tecnocraacuteticas pelos estushydantes A oposiccedilatildeo agrave poliacutetica gaullista em mateacuteria de ensino superior ia cresshycendo A ausecircncia de perspectivas profissionais de um grande nuacutemero de esshytudantes daquela geraccedilatildeo de estudantes de niacutevel superior contribui para fortashylecer um sentimento proletaacuterio presente em frases como Vamos lutar cashymaradas nada temos a perder Tratava-se basicamente da geraccedilatildeo do baby boom do imediato poacutes-guerra que apesar de seleccedilatildeo escolar muito rigorosa chegava aos bancos da universidade em quantidade nunca vista A velha unishyversidade elitista natildeo comportava tanta gente

Desde 1967 a esquerda universitaacuteria organizava Comitecircs Vietnam de Base e diversos grupos lutavam entre si para tentar mobilizar os estudanshytes ora em termos sindicais ora em termos poliacuteticos (cf Bensaiacuted amp Weber 1968) Entretanto no primeiro trimestre de 1968 com exceccedilatildeo da Universishydade de Paris-Nanterre tudo parecia relativamente calmo nas universidades

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francesas Assistia-se a revoltas em outras partes do mundo As lutas que ocorriam na Alemanha nos EUA e na Ameacuterica Latina davam sinais que os estudantes eram capazes de se manifestar autonomamente

Na Alemanha a contestaccedilatildeo estudantil foi organizada principalmenshyte em Berlim pelo SDS (Sozialisticher Deutscher Studentbund) cujo liacuteder Rudi Dutschke sofreu um atentado em 11 de abril de 19680 movimento fazia uma criacutetica radical ao sistema educacional e apresentava propostas de universidade criacutetica Vaacuterios grupos autodirigidos discutiam importantes problemas como imperialismo e revoluccedilotildees socialistas linguagem poliacutetica e falsa consciecircncia psicologia e sociedade (sexualidade e dominaccedilatildeo medicina desumana criacutetica agrave psicologia acadecircmica) ideologia das ciecircncias exatas e da natureza arquitetura e sociedade teologia e poliacutetica (cf Bosc amp Bouguereau 1968 p 63)

Nos EUA as lutas estavam em desenvolvimento no contexto da rejeiccedilatildeo agrave Guerra do Vietnatilde A revolta estudantil no campus de Berkeley havia comeccedilado em 1964 com reivindicaccedilatildeo de liberdade de expressatildeo (cf Capaldi 1974 Hamon amp Rotman 1987 p 368) Em vaacuterias universidades era denunciado o recrutamento de estudantes em projetos de pesquisa encoshymendadas por fornecedores de material beacutelico De modo geral questionava-se o papel da universidade e a concepccedilatildeo fragmentaacuteria da pesquisa a serviccedilo do complexo industrial-militar O conteuacutedo do ensino de ciecircncias sociais foi criticado de modo virulento e disso surgiram vaacuterias correntes radicais que substituiacuteram o positivismo vigente por tendecircncias que incluiacuteam marxismo fenomenologia psicanaacutelise e teoria criacutetica A contestaccedilatildeo universitaacuteria californiana serviu de exemplo aos franceses mas eacute curioso que Marcuse natildeo era lido antes dos acontecimentos comeccedilou a secirc-lo durante e depois

As lutas de estudantes do Brasil contra a ditadura foram comentadas na Franccedila no iniacutecio de 1968 Os movimentos de estudantes no Meacutexico tiveram granshyde impacto ateacute a sangrenta repressatildeo anterior ao iniacutecio dos Jogos Oliacutempicos

No meio dos estudantes franceses havia forte influecircncia de movishymentos maoiacutestas e trotskistas Os primeiros popularizam os ideais da Revolushyccedilatildeo Cultural chinesa em curso os segundos criticavam o stalinismo dos primeiros e dos partidos e sindicatos tradicionais (PCF e CGT)

No contexto da China durante a Revoluccedilatildeo Cultural as lutas da aacuterea universitaacuteria se concentravam em torno dos seguintes alvos contra a propriedade privada dos conhecimentos contra a busca de fama e interesse pessoal contra a superioridade da teoria e o desprezo da praacutetica contra a pedagogia livresca os exames de tipo imperial etc (cf La reforme du systegraveme denseignement en Chine 1969) A criacutetica permanente dessas disposiccedilotildees ideoloacutegicas dos professores eram consideradas como meio de revolucionari-zaccedilatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica e como condiccedilatildeo de consolidaccedilatildeo do poder vershymelho sobre a universidade Grupos maoiacutestas franceses foram bastante inshyfluenciados por essas ideacuteias Os excessos cometidos em nome da Revolushyccedilatildeo Cultural soacute foram conhecidos bem mais tarde

Por sua vez os trotskistas eram liderados por Krivine e outros dis-

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sidentes da UEC (Union des Eacutetudiants Communistes) que formaram a JCR (Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire) Este grupo teve um papel importanshyte na Universidade de Nanterre e nas manifestaccedilotildees

No dia 22 de marccedilo grupos de estudantes da Universidade de Nanterre pela primeira vez tiveram a ousadia de ocupar os locais da Admishynistraccedilatildeo A partir dessa data formou-se espontaneamente o Mouvement du 22 mars de orientaccedilatildeo proacutexima ao anarquismo liderado por Daniel Cohn-Bendit Vaacuterios livros descrevem a situaccedilatildeo da Universidade de Nanterre (cf Duteuil 1988Cohn-Benditerai71968)

A accedilatildeo estudantil contra a repressatildeo desencadeou-se inesperadamente Pela primeira vez a partir do dia 3 de maio em Paris nas manifestaccedilotildees natildeo havia mais ordem de dispersatildeo O confronto com a poliacutecia era inevitaacutevel Os estudantes jogavam paralelepiacutepedos arrancados das calccediladas Muitos carros foram incendiashydos sobretudo pela poliacutecia para produzir efeito contraacuterio na opiniatildeo puacuteblica Os estudantes gritavam CRS-SS sempre denunciando o nazismo ou fascismo dos guardas armados de cassetetes e granadas lacrimogecircneas Agrave margem dessa histoacuteshyria registra-se que o entatildeo prefeito da poliacutecia de Paris era Maurice Papon Estushydantes o acusavam tambeacutem de nazista Tal acusaccedilatildeo acabou se confirmando soshymente trinta anos mais tarde em abril de 1998 quando aos 87 anos ele foi condeshynado a dez anos de prisatildeo por causa de sua colaboraccedilatildeo com o nazismo e sua responsabilidade na deportaccedilatildeo de judeus durante aSegundaGuerraMundial

Houve um salto qualitativo a partir do dia 10 de maio quando mishylhares de trabalhadores da classe operaacuteria e da classe meacutedia assalariada comeshyccedilaram a entrar em greve muitas vezes com ocupaccedilatildeo dos locais de trabalho Em poucos dias chegaram a totalizar dez milhotildees de grevistas com manifesshytaccedilotildees de rua de tamanho nunca visto no periacuteodo poacutes-guerra

A volta agrave ordem republicana soacute foi restabelecida a partir do final no mecircs de maio (ou iniacutecio de junho) entre os trabalhadores e do final de junho entre os estudantes por meio de um mecanismo eleitoral de negociaccedilatildeo trashybalhista e de reforma universitaacuteria (cf Schwartzman 1981p 99-103)

O mecanismo eleitoral consistiu em um tipo de plebiscito apoacutes a dissoluccedilatildeo da Assembleacuteia com a organizaccedilatildeo de eleiccedilotildees que deram esmagashydora vitoacuteria ao partido da ordem o de De Gaulle

Uma negociaccedilatildeo tripartite (governo sindicatos de trabalhadores sinshydicatos de empresaacuterios) chegou a acordos em 27 de maio conhecidos como Accords de Grenelle O resultado da negociaccedilatildeo permitiu uma seacuterie de vantashygens para os trabalhadores tais como elevaccedilatildeo do salaacuterio miacutenimo reconhecishymento das seccedilotildees sindicais nas empresas com proteccedilatildeo dos delegados liberdade de expressatildeo na empresa diminuiccedilatildeo da jornada de trabalho e outras (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 46) Nos dias seguintes entretanto a ordem de retomada do trabalho natildeo foi obedecida em muitas empresas Considerando insuficientes as concessotildees do patronato e do governo o movimento grevista continuou ainda durante alguns dias O trabalho soacute foi retomado em junho

A partir de 1968 o regime gaulista instaurou progressivamente um

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sistema de participaccedilatildeo que incluiacutea a negociaccedilatildeo tripartite sobre as questotildees salashyriais com acordos coletivos por setores industriais e uma participaccedilatildeo dos trabashylhadores na reparticcedilatildeo dos lucros das grandes empresas as de tipo sociedade anocircnima Alguns sindicatos e grupos poliacuteticos criticavam essa poliacutetica como senshydo uma tentativa de instaurar a colaboraccedilatildeo de classes ou um sistema corporauvista

Por sua vez a reforma universitaacuteria chamada Reforme Edgar Faure depois do imediato poacutes-maio 68 modificou o sistema de disciplinas e a organishyzaccedilatildeo das universidades Ateacute entatildeo as grandes disciplinas (ciecircncias direito medicina farmaacutecia letras etc) eram ensinadas em faculdades separadas Com a reforma as universidades pluridisciplinaresforam criadas para favoshyrecer as evoluccedilotildees cientiacuteficas que acontecem nas fronteiras das disciplinas (Eacutetudes sd) Aleacutem disso foi introduzido o sistema de UV (unidades de valoshyres) conhecido no Brasil como sistema de creacuteditos Esse sistema permite gerenciar um grande leque de disciplinas optativas o que permite reduzir a contestaccedilatildeo Outra medida do Governo foi a criaccedilatildeo de novas universidades como a de Vincennes nos arredores de Paris onde se reuniu parte da nova esquerda intelecshytual Mais tarde esta universidade foi transferida para Saint-Denis

A contestaccedilatildeo do ensino

A revolta estudantil e da juventude percorria o mundo desde o iniacuteshycio dos anos 60 Havia formas de luta com objetivos poliacuteticos mais amplos que as questotildees estritamente universitaacuterias diplomas e incertezas de colocashyccedilatildeo dos receacutem-formados no mercado de trabalho Os objetivos agraves vezes irrealistas foram associados a elementos de contestaccedilatildeo natildeo somente do conshyteuacutedo do ensino mas do conteuacutedo da sociedade e da vida em geral Changer Ia vie verso de Arthur Rimbaud foi uma expressatildeo muito citada

A contestaccedilatildeo do ensino natildeo comeccedilou em 1968 De fato em vaacuterios lugares desde 1966 os estudantes se rebelavam contra o conteuacutedo do ensino indo ateacute o boicote das aulas julgadas inadequadas A contestaccedilatildeo estudantil se concentrou nos cursos ministrados por professores que eram tidos como consershyvadores ou reacionaacuterios Um dos primeiros exemplos foi contra o professor e ciberneacutetico Abraham Moles que foi impedido pelos alunos de dar aula na Unishyversidade de Estrasburgo em outubro de 1966 A partir de 1968 essa praacutetica se generalizou na Universidade de Nanterre onde estudava Cohn-Bendit e na Universidade de Paris Um caso que ficou famoso foi a intervenccedilatildeo de um grupo de estudantes no anfiteatro onde dava aula Michel Crozier famoso professor de sociologia das organizaccedilotildees Os estudantes queriam obrigar o professor a deishyxar de dar aula para passar um filme de Chris Marker sobre uma greve na emshypresa Rhodiaceta (o que natildeo deixava de ser um assunto de sociologia organizashycional) O professor natildeo aceitou o ultimato e ele foi entatildeo denunciado pelos alunos como inimigo do povo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 392)

No IEDES (Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Socishyal) vaacuterios professores de economia do desenvolvimento e inclusive seu diretor

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Franccedilois Perroux foram acusados pelos alunos de divulgar ideacuteias favoraacuteveis ao neocolonialismo francecircs nos paiacuteses do Terceiro Mundo Aleacutem disso no plano da concepccedilatildeo do ensino voltado para os problemas do desenvolvimento as posishyccedilotildees de Charles Bettelheim eram aprovadas pelos estudantes contra as de Perroux Uma carta escrita em 1964 pelo primeiro e endereccedilada ao segundo foi divulgada pela Associaccedilatildeo dos estudantes do IEDES em 1967 Alguns trechos significatishyvos Natildeo basta descrever de maneira livresca tal ou qual paiacutes tal ou qual mecanismo para pretender oferecer um ensino uacutetil As comparaccedilotildees a explicashyccedilatildeo das bases filosoacuteficas e teoacutericas das escolhas feitas em diversos momentos e em diferentes paiacuteses tornaram-se necessaacuterias para resguardar os estudantes de qualquer esquematismo e para permitir-lhes o entendimento e a resoluccedilatildeo por si proacuteprios das dificuldades a serem superadas nas responsabilidades que assumiratildeo em seu paiacutes socialista ou natildeo ()0 contato direto com a realidade de numerosos paiacuteses leva-nos a constatar o caraacuteter artificial e escolaacutestico de anaacutelises e projeccedilotildees quantitativas que constituem apenas uma modernaforma de mistificaccedilatildeo na medida em que como acontece frequumlentemente natildeo tradushyzem um dinamismo real mas satildeo construccedilotildees burocraacuteticas resultando de um ensino puramente econocircmico e entatildeo mal assimilado (Bettelheim 1964)

Mesmo impedido pelos estudantes de voltar a dirigir o Instituto o Professor Perroux lanccedilou em 1969 um livro de discussatildeo com Herbert Marcuse (cf Perroux 1969)

Em vaacuterias universidades a contestaccedilatildeo consistia em intervenccedilotildees orais nos cursos magistrais (dados em grandes anfiteatros) para mostrar que os proshyfessores de economia e ciecircncias sociais esqueciam os pressupostos de suas teoshyrias e de suas implicaccedilotildees com a luta de classes Isso valia tambeacutem nos cursos de estatiacutestica contabilidade nacional metodologia de pesquisa especialmente meacuteshytodos quantitativos Era questionada a utilidade social de um conhecimento absshytrato separado da praacutetica e sua recuperaccedilatildeo pela burguesia Argumentos tiacutepishycos da contestaccedilatildeo eram verbalizados desta forma O que o senhor estaacute dizenshydo dissimula as relaccedilotildees de classes ou soacute eacute uacutetil para a burguesia ou os interesses imperialistas Outra frase muito usada O que o senhor estaacute explicando aiacute em termos psicoloacutegicos tecnoloacutegicos ou culturais eacute na verdade um problema poliacuteshytico ou ideoloacutegico Geralmente esse tipo de criacutetica era sumaacuteria filosoficamen-te pobre embora algumas vezes procedente mas natildeo dava conta dos detalhes e de eventuais alternativas Parecia uma condenaccedilatildeo em bloco Para mudar qualshyquer coisa era preciso antes de tudo derrubar o capitalismo Para qualquer explicaccedilatildeo era preciso recorrer a uma idealizaccedilatildeo da teoria marxista Reflexo dos anos 60 essa visatildeo era uma resposta revolucionaacuteria agrave imposiccedilatildeo da ideoshylogia modernizadora dominante Todas as vias estavam bloqueadas somente a revoluccedilatildeo podia resolver Havia nesse sentido uma rejeiccedilatildeo da maioria do coshynhecimento oferecido pela universidade que de fato parecia bastante obsoleto e natildeo conseguia satisfazer as expectativas do grande contingente de estudantes do poacutes-guerra especialmente na aacuterea de ciecircncias sociais de escassas perspectivas profissionais

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Eram jovens alunos de graduaccedilatildeo com leituras limitadas Autores citados para contestar as visotildees de professores conservadores eram por exemshyplo Baran Sweezy e Bettelheim em economia Althusser em filosofia eciecircnshycias sociais O importante livro de Poulantzas Poder poliacutetico e classes sociais no estado capitalista soacute foi lanccedilado no segundo semestre de 1968 e foi muito lido para alimentar a criacutetica a partir de 1969 na aacuterea de ciecircncia poliacutetica

Como forma de dar continuidade agrave contestaccedilatildeo a ideacuteia de contra-cursos ou de ensino paralelo desenvolvia-se desde 1967 Aleacutem de certas tentashytivas limitadas natildeo chegou a vigorar As reformas universitaacuterias promulgadas pelo governo entre julho e outubro de 1968 conseguiram esvaziar a contestaccedilatildeo

A ideacuteia de ensino paralelo natildeo remetia a uma ilusatildeo sobre a capacishydade de modificar a universidade sem maior transformaccedilatildeo da sociedade Um dos liacutederes estudantis Cohn-Bendit declarou contra o mito da contra-uni-versidade ou do contra-ensino que o ensino burguecircs mesmo reformado fabricaraacute quadros burgueses As pessoas seratildeo tomadas na engrenagem do sistemas Quanto muito tornar-se-atildeo membros de uma esquerda bem pensante mas continuaratildeo objetivamente a ser as peccedilas que asseguram o funcionashymento da sociedade (Cohn-Bendit et alii 1968) O liacuteder do Mouvement du 22 mars concebia entretanto uma forma de ensino paralelo como ensino teacutecshynico e ideoloacutegico realizado sob forma de seminaacuterios sobre temas como problemas do movimento operaacuterio utilizaccedilatildeo da teacutecnica a serviccedilo do hoshymem possibilidades oferecidas pela automaccedilatildeo etc (cf Cohn-Benditeiacute alii 1968 p 39) Esses seminaacuterios seriam organizados como experiecircncia de ruptura sem ilusatildeo de institucionalizaccedilatildeo e com a participaccedilatildeo de professoshyres progressistas cujo progressismo fosse ateacute o ponto de renunciar agrave sua poshysiccedilatildeo de mestre

De modo geral entre os principais temas de contestaccedilatildeo universitaacuteshyria destacam-se a recusa do caraacuteter classista da universidade a denuacutencia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber a denuacutencia da parcelizaccedilatildeo e tecnocratizaccedilatildeo do saber a contestaccedilatildeo dos cursos ex cathedra a denuacutencia dos professores conservadores ligados agrave poliacutetica do governo o questionamento do lugar que na divisatildeo capitalista do trabalho os diplomados iratildeo ocupar a denuacutencia da escassez de possibilidade de empregos qualificados (problemas dos deacuteboucheacutes)

Vaacuterios aspectos da revolta estudantil francesa foram apontados como positivos por Darcy Ribeiro tais como criacutetica ao sistema de exames criacutetica ao regime capitalista vontade de estabelecer uma relaccedilatildeo entre unishyversidade e trabalhadores (cf Ribeiro 1969 p 44)

Observa-se que a contestaccedilatildeo do ensino foi uma praacutetica desenshyvolvida principalmente antes dos acontecimentos de maio de 1968 Contishynuou no ano 1969 mas depois com a multiplicidade de experiecircncias criacutetishycas ela foi substituiacuteda por uma preocupaccedilatildeo com pedagogia ou didaacutetica poliacutetica como no caso do ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais que veremos mais tarde

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Fontes intelectuais

A maior influecircncia intelectual exercida sobre os estudantes de 1968 foi o marxismo mas evidentemente natildeo o marxismo ortodoxo da Uniatildeo Soshyvieacutetica ou dos partidos comunistas do ocidente Tratava-se de variantes relacishyonadas com o nomes de Trotsky Mao Tseacute-Tung Fidel Castro Che Guevara Havia tambeacutem o ressurgimento do anarquismo e uma nova forma de anarquismo cultural chamado situacionismo (cf Debord 1972)

Antes de 1968 o marxismo natildeo fazia parte dos curriacuteculos ou proshygramas oficiais do ensino superior nas aacutereas de ciecircncias sociais ou economia com raras exceccedilotildees Havia os cursos de Charles Bettelheim e Lucien Goldmann na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes Louis Althusser e seus assistentes na Ecole Normale Supeacuterieure Henri Lefebvre em Nanterre Henri Denis na Fashyculdade de Economia etc Em geral eram cursos de tipo poacutes-graduaccedilatildeo esshytreitamente relacionados com pesquisa ou reservados a alunos adiantados

Paralelamente aos cursos obrigatoacuterios muitos alunos organizavam grupos de estudo sobre O capital de Karl Marx Tambeacutem eram lidas obras claacutesshysicas de Lecircnin Mao e Gramsci (este uacuteltimo sobretudo a partir de 1969) Aleacutem dessas leituras havia um acompanhamento da situaccedilatildeo da guerra no Vietnatilde e das lutas na Ameacuterica Latina e Aacutefrica Eram organizados muitos meetings e apreshysentaccedilotildees de filmes militantes especialmente no Palais de Ia Mutualiteacute (nesse mesmo local um grande evento foi organizado com a participaccedilatildeo de J-P Sartre em memoacuteria de Marighela em 1969) O curriacuteculo dos estudantes contestataacuterios natildeo se limitava agraves mateacuterias oferecidas nos programas oficiais

A visatildeo internacional era completada pelo conhecimento de expeshyriecircncias poliacuteticas italianas especialmente a do grupo organizado em torno da revista Quaderni Rossi Uma coletacircnea foi traduzida e publicada na Franccedila no iniacutecio de 1968

Nos anos 60 as obras de Gramsci estavam pouco difundidas na Franccedila Soacute existia uma velha ediccedilatildeo de trechos escolhidos publicada pelas Editions Sociales do PCF datada de 1959 e esgotada desde 1967 A leitura das obras completas de Gramsci soacute se tornou obrigatoacuteria no iniacutecio da deacutecashyda de 70 para acompanhar discussotildees de Hugues Portelli M A Macciocchi (1974) e Catherine Buci-Glucksman entre outros

Os estudantes da linha proacute-chinesa liam essencialmente o Pequeno livro vermelho do presidente Mao e os Quatros ensaios filosoacuteficos do mesmo autor (1967) Aleacutem desses livros as principais leituras eram as obras de Louis Althusser (1967a 1967b) Em alguns grupos com a aproximaccedilatildeo poliacutetica de Jean-Paul Sartre tambeacutem a Criacutetica da razatildeo dialeacutetica fazia parte das leitushyras Observou-se que a posiccedilatildeo de Althusser favoraacutevel agrave valorizaccedilatildeo da teoshyria contra as diversas formas de empiricismo e de positivismo reduziu as possibilidades de pesquisa concreta em ciecircncias sociais durante vaacuterios anos

As ideacuteias dos pensadores relacionados com a Escola de Frankfurt natildeo eram conhecidas na Franccedila antes de 1968 Soacute se tornaram conhecidos nes-

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se ano por intermeacutedio da imprensa e da traduccedilatildeo do Homem unidimensional de Marcuse (1968) As principais obras de Horkheimer Adorno e Habermas foshyram traduzidas e publicadas a partir de 1970 (cf Enthoven 1974)

Mesmo sem terem lido esses autores muitos estudantes pensavam quase espontaneamente que de fato ciecircncia e teacutecnica estavam a serviccedilo da dominaccedilatildeo ou faziam parte de um mecanismo de alienaccedilatildeo do homem A contestaccedilatildeo da ciecircncia ocidental do positivismo e do funcionalismo tatildeo dishyfundidos no ensino de ciecircncias sociais encontravam referecircncias filosoacuteficas ilustres em que se apoiar Entretanto a tese de Marcuse sobre a integraccedilatildeo da classe trabalhadora dentro do capitalismo desenvolvido foi bastante criticada

Em 1968 houve um renascimento das ideacuteias anarquistas Aleacutem de teshymas tradicionais (incompatibilidade do socialismo com o Estado papel fundashymental da autogestatildeo como forma de organizaccedilatildeo das empresas) foram desenvolshyvidos temas novos relacionados com a criacutetica da cultura de massa ou da sociedashyde do espetaacuteculo promovida por um grupo chamado situacionista com partishycipaccedilatildeo de Guy Debord Criado em 1957 o situacionismo se apresentou como movimento esteacutetico derivado do letrismo agraves vezes proacuteximo ao surrealismo e marcado por uma forma de neo-anarquismo Sua criacutetica agrave sociedade de consushymo agrave linguagem da propaganda comercial ao lazer organizado e agrave vida quotidiashyna em geral teve uma ampla divulgaccedilatildeo a partir de 1968 e influenciou o modo de percepccedilatildeo da vida individual e social Numa linha semelhante uma brochura de profundo impacto foi De Ia misegravere en milieu eacutetudiant divulgada pela UNEF em 1966 na Universidade de Estrasburgo e mais tarde no Quartier Latin Outro situacionista importante eacute Raoul Vaneigem auteur do Traiteacute de savoir-vivre agrave l usage desjeunes geacuteneacuterations publicado em 1967 Contrariamente a Guy Debord que se suicidou em 1994 Raoul Vaneigem continua ativo e publicou recentemente novas obras que ensinam aos jovens como criticar a sociedade a moral burguesa a escola autoritaacuteria etc

O ideaacuterio da contestaccedilatildeo natildeo se limitou a concepccedilotildees ideoloacutegicas e poliacuteticas gerais houve tambeacutem incorporaccedilatildeo de conhecimentos de origem psishycoloacutegica e educacional com tendecircncias teoacutericas diferenciadas

a) Psicologia Psicologia e psicanaacutelise natildeo eram populares entre os estudantes de esquerda antes de 1968 Criacuteticas ao psicologismo ou ao psicanalismo eram tradicionais entre autores marxistas O interesse nessas disciplinas se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel que a psicanaacuteshylise desempenha nas obras dos autores da Escola de Frankfurt

Entre os partidaacuterios de Althusser houve a descoberta da funccedilatildeo teshyoacuterica da psicanaacutelise a partir de um texto sobre a releitura de Freud por Lacan De acordo com Althusser Lacan teria realizado o corte epistemoloacutegico necesshysaacuterio para tornar cientiacutefica a psicanaacutelise

Simultaneamente a partir de 1968 as obras de W Reich comeccedilashyram a ser divulgadas Certos grupos marxistas radicais tentaram conciliar fushyzil e diva descobrindo a dimensatildeo poliacutetica do orgasmo

Na mesma eacutepoca tambeacutem foi difundida a reinterpretaccedilatildeo 4a

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

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JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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francesas Assistia-se a revoltas em outras partes do mundo As lutas que ocorriam na Alemanha nos EUA e na Ameacuterica Latina davam sinais que os estudantes eram capazes de se manifestar autonomamente

Na Alemanha a contestaccedilatildeo estudantil foi organizada principalmenshyte em Berlim pelo SDS (Sozialisticher Deutscher Studentbund) cujo liacuteder Rudi Dutschke sofreu um atentado em 11 de abril de 19680 movimento fazia uma criacutetica radical ao sistema educacional e apresentava propostas de universidade criacutetica Vaacuterios grupos autodirigidos discutiam importantes problemas como imperialismo e revoluccedilotildees socialistas linguagem poliacutetica e falsa consciecircncia psicologia e sociedade (sexualidade e dominaccedilatildeo medicina desumana criacutetica agrave psicologia acadecircmica) ideologia das ciecircncias exatas e da natureza arquitetura e sociedade teologia e poliacutetica (cf Bosc amp Bouguereau 1968 p 63)

Nos EUA as lutas estavam em desenvolvimento no contexto da rejeiccedilatildeo agrave Guerra do Vietnatilde A revolta estudantil no campus de Berkeley havia comeccedilado em 1964 com reivindicaccedilatildeo de liberdade de expressatildeo (cf Capaldi 1974 Hamon amp Rotman 1987 p 368) Em vaacuterias universidades era denunciado o recrutamento de estudantes em projetos de pesquisa encoshymendadas por fornecedores de material beacutelico De modo geral questionava-se o papel da universidade e a concepccedilatildeo fragmentaacuteria da pesquisa a serviccedilo do complexo industrial-militar O conteuacutedo do ensino de ciecircncias sociais foi criticado de modo virulento e disso surgiram vaacuterias correntes radicais que substituiacuteram o positivismo vigente por tendecircncias que incluiacuteam marxismo fenomenologia psicanaacutelise e teoria criacutetica A contestaccedilatildeo universitaacuteria californiana serviu de exemplo aos franceses mas eacute curioso que Marcuse natildeo era lido antes dos acontecimentos comeccedilou a secirc-lo durante e depois

As lutas de estudantes do Brasil contra a ditadura foram comentadas na Franccedila no iniacutecio de 1968 Os movimentos de estudantes no Meacutexico tiveram granshyde impacto ateacute a sangrenta repressatildeo anterior ao iniacutecio dos Jogos Oliacutempicos

No meio dos estudantes franceses havia forte influecircncia de movishymentos maoiacutestas e trotskistas Os primeiros popularizam os ideais da Revolushyccedilatildeo Cultural chinesa em curso os segundos criticavam o stalinismo dos primeiros e dos partidos e sindicatos tradicionais (PCF e CGT)

No contexto da China durante a Revoluccedilatildeo Cultural as lutas da aacuterea universitaacuteria se concentravam em torno dos seguintes alvos contra a propriedade privada dos conhecimentos contra a busca de fama e interesse pessoal contra a superioridade da teoria e o desprezo da praacutetica contra a pedagogia livresca os exames de tipo imperial etc (cf La reforme du systegraveme denseignement en Chine 1969) A criacutetica permanente dessas disposiccedilotildees ideoloacutegicas dos professores eram consideradas como meio de revolucionari-zaccedilatildeo da produccedilatildeo cientiacutefica e como condiccedilatildeo de consolidaccedilatildeo do poder vershymelho sobre a universidade Grupos maoiacutestas franceses foram bastante inshyfluenciados por essas ideacuteias Os excessos cometidos em nome da Revolushyccedilatildeo Cultural soacute foram conhecidos bem mais tarde

Por sua vez os trotskistas eram liderados por Krivine e outros dis-

THIOLLENT Micheiacute Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Pauio 10(2) 63-100 outubro de 1998

sidentes da UEC (Union des Eacutetudiants Communistes) que formaram a JCR (Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire) Este grupo teve um papel importanshyte na Universidade de Nanterre e nas manifestaccedilotildees

No dia 22 de marccedilo grupos de estudantes da Universidade de Nanterre pela primeira vez tiveram a ousadia de ocupar os locais da Admishynistraccedilatildeo A partir dessa data formou-se espontaneamente o Mouvement du 22 mars de orientaccedilatildeo proacutexima ao anarquismo liderado por Daniel Cohn-Bendit Vaacuterios livros descrevem a situaccedilatildeo da Universidade de Nanterre (cf Duteuil 1988Cohn-Benditerai71968)

A accedilatildeo estudantil contra a repressatildeo desencadeou-se inesperadamente Pela primeira vez a partir do dia 3 de maio em Paris nas manifestaccedilotildees natildeo havia mais ordem de dispersatildeo O confronto com a poliacutecia era inevitaacutevel Os estudantes jogavam paralelepiacutepedos arrancados das calccediladas Muitos carros foram incendiashydos sobretudo pela poliacutecia para produzir efeito contraacuterio na opiniatildeo puacuteblica Os estudantes gritavam CRS-SS sempre denunciando o nazismo ou fascismo dos guardas armados de cassetetes e granadas lacrimogecircneas Agrave margem dessa histoacuteshyria registra-se que o entatildeo prefeito da poliacutecia de Paris era Maurice Papon Estushydantes o acusavam tambeacutem de nazista Tal acusaccedilatildeo acabou se confirmando soshymente trinta anos mais tarde em abril de 1998 quando aos 87 anos ele foi condeshynado a dez anos de prisatildeo por causa de sua colaboraccedilatildeo com o nazismo e sua responsabilidade na deportaccedilatildeo de judeus durante aSegundaGuerraMundial

Houve um salto qualitativo a partir do dia 10 de maio quando mishylhares de trabalhadores da classe operaacuteria e da classe meacutedia assalariada comeshyccedilaram a entrar em greve muitas vezes com ocupaccedilatildeo dos locais de trabalho Em poucos dias chegaram a totalizar dez milhotildees de grevistas com manifesshytaccedilotildees de rua de tamanho nunca visto no periacuteodo poacutes-guerra

A volta agrave ordem republicana soacute foi restabelecida a partir do final no mecircs de maio (ou iniacutecio de junho) entre os trabalhadores e do final de junho entre os estudantes por meio de um mecanismo eleitoral de negociaccedilatildeo trashybalhista e de reforma universitaacuteria (cf Schwartzman 1981p 99-103)

O mecanismo eleitoral consistiu em um tipo de plebiscito apoacutes a dissoluccedilatildeo da Assembleacuteia com a organizaccedilatildeo de eleiccedilotildees que deram esmagashydora vitoacuteria ao partido da ordem o de De Gaulle

Uma negociaccedilatildeo tripartite (governo sindicatos de trabalhadores sinshydicatos de empresaacuterios) chegou a acordos em 27 de maio conhecidos como Accords de Grenelle O resultado da negociaccedilatildeo permitiu uma seacuterie de vantashygens para os trabalhadores tais como elevaccedilatildeo do salaacuterio miacutenimo reconhecishymento das seccedilotildees sindicais nas empresas com proteccedilatildeo dos delegados liberdade de expressatildeo na empresa diminuiccedilatildeo da jornada de trabalho e outras (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 46) Nos dias seguintes entretanto a ordem de retomada do trabalho natildeo foi obedecida em muitas empresas Considerando insuficientes as concessotildees do patronato e do governo o movimento grevista continuou ainda durante alguns dias O trabalho soacute foi retomado em junho

A partir de 1968 o regime gaulista instaurou progressivamente um

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sistema de participaccedilatildeo que incluiacutea a negociaccedilatildeo tripartite sobre as questotildees salashyriais com acordos coletivos por setores industriais e uma participaccedilatildeo dos trabashylhadores na reparticcedilatildeo dos lucros das grandes empresas as de tipo sociedade anocircnima Alguns sindicatos e grupos poliacuteticos criticavam essa poliacutetica como senshydo uma tentativa de instaurar a colaboraccedilatildeo de classes ou um sistema corporauvista

Por sua vez a reforma universitaacuteria chamada Reforme Edgar Faure depois do imediato poacutes-maio 68 modificou o sistema de disciplinas e a organishyzaccedilatildeo das universidades Ateacute entatildeo as grandes disciplinas (ciecircncias direito medicina farmaacutecia letras etc) eram ensinadas em faculdades separadas Com a reforma as universidades pluridisciplinaresforam criadas para favoshyrecer as evoluccedilotildees cientiacuteficas que acontecem nas fronteiras das disciplinas (Eacutetudes sd) Aleacutem disso foi introduzido o sistema de UV (unidades de valoshyres) conhecido no Brasil como sistema de creacuteditos Esse sistema permite gerenciar um grande leque de disciplinas optativas o que permite reduzir a contestaccedilatildeo Outra medida do Governo foi a criaccedilatildeo de novas universidades como a de Vincennes nos arredores de Paris onde se reuniu parte da nova esquerda intelecshytual Mais tarde esta universidade foi transferida para Saint-Denis

A contestaccedilatildeo do ensino

A revolta estudantil e da juventude percorria o mundo desde o iniacuteshycio dos anos 60 Havia formas de luta com objetivos poliacuteticos mais amplos que as questotildees estritamente universitaacuterias diplomas e incertezas de colocashyccedilatildeo dos receacutem-formados no mercado de trabalho Os objetivos agraves vezes irrealistas foram associados a elementos de contestaccedilatildeo natildeo somente do conshyteuacutedo do ensino mas do conteuacutedo da sociedade e da vida em geral Changer Ia vie verso de Arthur Rimbaud foi uma expressatildeo muito citada

A contestaccedilatildeo do ensino natildeo comeccedilou em 1968 De fato em vaacuterios lugares desde 1966 os estudantes se rebelavam contra o conteuacutedo do ensino indo ateacute o boicote das aulas julgadas inadequadas A contestaccedilatildeo estudantil se concentrou nos cursos ministrados por professores que eram tidos como consershyvadores ou reacionaacuterios Um dos primeiros exemplos foi contra o professor e ciberneacutetico Abraham Moles que foi impedido pelos alunos de dar aula na Unishyversidade de Estrasburgo em outubro de 1966 A partir de 1968 essa praacutetica se generalizou na Universidade de Nanterre onde estudava Cohn-Bendit e na Universidade de Paris Um caso que ficou famoso foi a intervenccedilatildeo de um grupo de estudantes no anfiteatro onde dava aula Michel Crozier famoso professor de sociologia das organizaccedilotildees Os estudantes queriam obrigar o professor a deishyxar de dar aula para passar um filme de Chris Marker sobre uma greve na emshypresa Rhodiaceta (o que natildeo deixava de ser um assunto de sociologia organizashycional) O professor natildeo aceitou o ultimato e ele foi entatildeo denunciado pelos alunos como inimigo do povo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 392)

No IEDES (Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Socishyal) vaacuterios professores de economia do desenvolvimento e inclusive seu diretor

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Franccedilois Perroux foram acusados pelos alunos de divulgar ideacuteias favoraacuteveis ao neocolonialismo francecircs nos paiacuteses do Terceiro Mundo Aleacutem disso no plano da concepccedilatildeo do ensino voltado para os problemas do desenvolvimento as posishyccedilotildees de Charles Bettelheim eram aprovadas pelos estudantes contra as de Perroux Uma carta escrita em 1964 pelo primeiro e endereccedilada ao segundo foi divulgada pela Associaccedilatildeo dos estudantes do IEDES em 1967 Alguns trechos significatishyvos Natildeo basta descrever de maneira livresca tal ou qual paiacutes tal ou qual mecanismo para pretender oferecer um ensino uacutetil As comparaccedilotildees a explicashyccedilatildeo das bases filosoacuteficas e teoacutericas das escolhas feitas em diversos momentos e em diferentes paiacuteses tornaram-se necessaacuterias para resguardar os estudantes de qualquer esquematismo e para permitir-lhes o entendimento e a resoluccedilatildeo por si proacuteprios das dificuldades a serem superadas nas responsabilidades que assumiratildeo em seu paiacutes socialista ou natildeo ()0 contato direto com a realidade de numerosos paiacuteses leva-nos a constatar o caraacuteter artificial e escolaacutestico de anaacutelises e projeccedilotildees quantitativas que constituem apenas uma modernaforma de mistificaccedilatildeo na medida em que como acontece frequumlentemente natildeo tradushyzem um dinamismo real mas satildeo construccedilotildees burocraacuteticas resultando de um ensino puramente econocircmico e entatildeo mal assimilado (Bettelheim 1964)

Mesmo impedido pelos estudantes de voltar a dirigir o Instituto o Professor Perroux lanccedilou em 1969 um livro de discussatildeo com Herbert Marcuse (cf Perroux 1969)

Em vaacuterias universidades a contestaccedilatildeo consistia em intervenccedilotildees orais nos cursos magistrais (dados em grandes anfiteatros) para mostrar que os proshyfessores de economia e ciecircncias sociais esqueciam os pressupostos de suas teoshyrias e de suas implicaccedilotildees com a luta de classes Isso valia tambeacutem nos cursos de estatiacutestica contabilidade nacional metodologia de pesquisa especialmente meacuteshytodos quantitativos Era questionada a utilidade social de um conhecimento absshytrato separado da praacutetica e sua recuperaccedilatildeo pela burguesia Argumentos tiacutepishycos da contestaccedilatildeo eram verbalizados desta forma O que o senhor estaacute dizenshydo dissimula as relaccedilotildees de classes ou soacute eacute uacutetil para a burguesia ou os interesses imperialistas Outra frase muito usada O que o senhor estaacute explicando aiacute em termos psicoloacutegicos tecnoloacutegicos ou culturais eacute na verdade um problema poliacuteshytico ou ideoloacutegico Geralmente esse tipo de criacutetica era sumaacuteria filosoficamen-te pobre embora algumas vezes procedente mas natildeo dava conta dos detalhes e de eventuais alternativas Parecia uma condenaccedilatildeo em bloco Para mudar qualshyquer coisa era preciso antes de tudo derrubar o capitalismo Para qualquer explicaccedilatildeo era preciso recorrer a uma idealizaccedilatildeo da teoria marxista Reflexo dos anos 60 essa visatildeo era uma resposta revolucionaacuteria agrave imposiccedilatildeo da ideoshylogia modernizadora dominante Todas as vias estavam bloqueadas somente a revoluccedilatildeo podia resolver Havia nesse sentido uma rejeiccedilatildeo da maioria do coshynhecimento oferecido pela universidade que de fato parecia bastante obsoleto e natildeo conseguia satisfazer as expectativas do grande contingente de estudantes do poacutes-guerra especialmente na aacuterea de ciecircncias sociais de escassas perspectivas profissionais

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Eram jovens alunos de graduaccedilatildeo com leituras limitadas Autores citados para contestar as visotildees de professores conservadores eram por exemshyplo Baran Sweezy e Bettelheim em economia Althusser em filosofia eciecircnshycias sociais O importante livro de Poulantzas Poder poliacutetico e classes sociais no estado capitalista soacute foi lanccedilado no segundo semestre de 1968 e foi muito lido para alimentar a criacutetica a partir de 1969 na aacuterea de ciecircncia poliacutetica

Como forma de dar continuidade agrave contestaccedilatildeo a ideacuteia de contra-cursos ou de ensino paralelo desenvolvia-se desde 1967 Aleacutem de certas tentashytivas limitadas natildeo chegou a vigorar As reformas universitaacuterias promulgadas pelo governo entre julho e outubro de 1968 conseguiram esvaziar a contestaccedilatildeo

A ideacuteia de ensino paralelo natildeo remetia a uma ilusatildeo sobre a capacishydade de modificar a universidade sem maior transformaccedilatildeo da sociedade Um dos liacutederes estudantis Cohn-Bendit declarou contra o mito da contra-uni-versidade ou do contra-ensino que o ensino burguecircs mesmo reformado fabricaraacute quadros burgueses As pessoas seratildeo tomadas na engrenagem do sistemas Quanto muito tornar-se-atildeo membros de uma esquerda bem pensante mas continuaratildeo objetivamente a ser as peccedilas que asseguram o funcionashymento da sociedade (Cohn-Bendit et alii 1968) O liacuteder do Mouvement du 22 mars concebia entretanto uma forma de ensino paralelo como ensino teacutecshynico e ideoloacutegico realizado sob forma de seminaacuterios sobre temas como problemas do movimento operaacuterio utilizaccedilatildeo da teacutecnica a serviccedilo do hoshymem possibilidades oferecidas pela automaccedilatildeo etc (cf Cohn-Benditeiacute alii 1968 p 39) Esses seminaacuterios seriam organizados como experiecircncia de ruptura sem ilusatildeo de institucionalizaccedilatildeo e com a participaccedilatildeo de professoshyres progressistas cujo progressismo fosse ateacute o ponto de renunciar agrave sua poshysiccedilatildeo de mestre

De modo geral entre os principais temas de contestaccedilatildeo universitaacuteshyria destacam-se a recusa do caraacuteter classista da universidade a denuacutencia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber a denuacutencia da parcelizaccedilatildeo e tecnocratizaccedilatildeo do saber a contestaccedilatildeo dos cursos ex cathedra a denuacutencia dos professores conservadores ligados agrave poliacutetica do governo o questionamento do lugar que na divisatildeo capitalista do trabalho os diplomados iratildeo ocupar a denuacutencia da escassez de possibilidade de empregos qualificados (problemas dos deacuteboucheacutes)

Vaacuterios aspectos da revolta estudantil francesa foram apontados como positivos por Darcy Ribeiro tais como criacutetica ao sistema de exames criacutetica ao regime capitalista vontade de estabelecer uma relaccedilatildeo entre unishyversidade e trabalhadores (cf Ribeiro 1969 p 44)

Observa-se que a contestaccedilatildeo do ensino foi uma praacutetica desenshyvolvida principalmente antes dos acontecimentos de maio de 1968 Contishynuou no ano 1969 mas depois com a multiplicidade de experiecircncias criacutetishycas ela foi substituiacuteda por uma preocupaccedilatildeo com pedagogia ou didaacutetica poliacutetica como no caso do ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais que veremos mais tarde

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Fontes intelectuais

A maior influecircncia intelectual exercida sobre os estudantes de 1968 foi o marxismo mas evidentemente natildeo o marxismo ortodoxo da Uniatildeo Soshyvieacutetica ou dos partidos comunistas do ocidente Tratava-se de variantes relacishyonadas com o nomes de Trotsky Mao Tseacute-Tung Fidel Castro Che Guevara Havia tambeacutem o ressurgimento do anarquismo e uma nova forma de anarquismo cultural chamado situacionismo (cf Debord 1972)

Antes de 1968 o marxismo natildeo fazia parte dos curriacuteculos ou proshygramas oficiais do ensino superior nas aacutereas de ciecircncias sociais ou economia com raras exceccedilotildees Havia os cursos de Charles Bettelheim e Lucien Goldmann na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes Louis Althusser e seus assistentes na Ecole Normale Supeacuterieure Henri Lefebvre em Nanterre Henri Denis na Fashyculdade de Economia etc Em geral eram cursos de tipo poacutes-graduaccedilatildeo esshytreitamente relacionados com pesquisa ou reservados a alunos adiantados

Paralelamente aos cursos obrigatoacuterios muitos alunos organizavam grupos de estudo sobre O capital de Karl Marx Tambeacutem eram lidas obras claacutesshysicas de Lecircnin Mao e Gramsci (este uacuteltimo sobretudo a partir de 1969) Aleacutem dessas leituras havia um acompanhamento da situaccedilatildeo da guerra no Vietnatilde e das lutas na Ameacuterica Latina e Aacutefrica Eram organizados muitos meetings e apreshysentaccedilotildees de filmes militantes especialmente no Palais de Ia Mutualiteacute (nesse mesmo local um grande evento foi organizado com a participaccedilatildeo de J-P Sartre em memoacuteria de Marighela em 1969) O curriacuteculo dos estudantes contestataacuterios natildeo se limitava agraves mateacuterias oferecidas nos programas oficiais

A visatildeo internacional era completada pelo conhecimento de expeshyriecircncias poliacuteticas italianas especialmente a do grupo organizado em torno da revista Quaderni Rossi Uma coletacircnea foi traduzida e publicada na Franccedila no iniacutecio de 1968

Nos anos 60 as obras de Gramsci estavam pouco difundidas na Franccedila Soacute existia uma velha ediccedilatildeo de trechos escolhidos publicada pelas Editions Sociales do PCF datada de 1959 e esgotada desde 1967 A leitura das obras completas de Gramsci soacute se tornou obrigatoacuteria no iniacutecio da deacutecashyda de 70 para acompanhar discussotildees de Hugues Portelli M A Macciocchi (1974) e Catherine Buci-Glucksman entre outros

Os estudantes da linha proacute-chinesa liam essencialmente o Pequeno livro vermelho do presidente Mao e os Quatros ensaios filosoacuteficos do mesmo autor (1967) Aleacutem desses livros as principais leituras eram as obras de Louis Althusser (1967a 1967b) Em alguns grupos com a aproximaccedilatildeo poliacutetica de Jean-Paul Sartre tambeacutem a Criacutetica da razatildeo dialeacutetica fazia parte das leitushyras Observou-se que a posiccedilatildeo de Althusser favoraacutevel agrave valorizaccedilatildeo da teoshyria contra as diversas formas de empiricismo e de positivismo reduziu as possibilidades de pesquisa concreta em ciecircncias sociais durante vaacuterios anos

As ideacuteias dos pensadores relacionados com a Escola de Frankfurt natildeo eram conhecidas na Franccedila antes de 1968 Soacute se tornaram conhecidos nes-

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se ano por intermeacutedio da imprensa e da traduccedilatildeo do Homem unidimensional de Marcuse (1968) As principais obras de Horkheimer Adorno e Habermas foshyram traduzidas e publicadas a partir de 1970 (cf Enthoven 1974)

Mesmo sem terem lido esses autores muitos estudantes pensavam quase espontaneamente que de fato ciecircncia e teacutecnica estavam a serviccedilo da dominaccedilatildeo ou faziam parte de um mecanismo de alienaccedilatildeo do homem A contestaccedilatildeo da ciecircncia ocidental do positivismo e do funcionalismo tatildeo dishyfundidos no ensino de ciecircncias sociais encontravam referecircncias filosoacuteficas ilustres em que se apoiar Entretanto a tese de Marcuse sobre a integraccedilatildeo da classe trabalhadora dentro do capitalismo desenvolvido foi bastante criticada

Em 1968 houve um renascimento das ideacuteias anarquistas Aleacutem de teshymas tradicionais (incompatibilidade do socialismo com o Estado papel fundashymental da autogestatildeo como forma de organizaccedilatildeo das empresas) foram desenvolshyvidos temas novos relacionados com a criacutetica da cultura de massa ou da sociedashyde do espetaacuteculo promovida por um grupo chamado situacionista com partishycipaccedilatildeo de Guy Debord Criado em 1957 o situacionismo se apresentou como movimento esteacutetico derivado do letrismo agraves vezes proacuteximo ao surrealismo e marcado por uma forma de neo-anarquismo Sua criacutetica agrave sociedade de consushymo agrave linguagem da propaganda comercial ao lazer organizado e agrave vida quotidiashyna em geral teve uma ampla divulgaccedilatildeo a partir de 1968 e influenciou o modo de percepccedilatildeo da vida individual e social Numa linha semelhante uma brochura de profundo impacto foi De Ia misegravere en milieu eacutetudiant divulgada pela UNEF em 1966 na Universidade de Estrasburgo e mais tarde no Quartier Latin Outro situacionista importante eacute Raoul Vaneigem auteur do Traiteacute de savoir-vivre agrave l usage desjeunes geacuteneacuterations publicado em 1967 Contrariamente a Guy Debord que se suicidou em 1994 Raoul Vaneigem continua ativo e publicou recentemente novas obras que ensinam aos jovens como criticar a sociedade a moral burguesa a escola autoritaacuteria etc

O ideaacuterio da contestaccedilatildeo natildeo se limitou a concepccedilotildees ideoloacutegicas e poliacuteticas gerais houve tambeacutem incorporaccedilatildeo de conhecimentos de origem psishycoloacutegica e educacional com tendecircncias teoacutericas diferenciadas

a) Psicologia Psicologia e psicanaacutelise natildeo eram populares entre os estudantes de esquerda antes de 1968 Criacuteticas ao psicologismo ou ao psicanalismo eram tradicionais entre autores marxistas O interesse nessas disciplinas se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel que a psicanaacuteshylise desempenha nas obras dos autores da Escola de Frankfurt

Entre os partidaacuterios de Althusser houve a descoberta da funccedilatildeo teshyoacuterica da psicanaacutelise a partir de um texto sobre a releitura de Freud por Lacan De acordo com Althusser Lacan teria realizado o corte epistemoloacutegico necesshysaacuterio para tornar cientiacutefica a psicanaacutelise

Simultaneamente a partir de 1968 as obras de W Reich comeccedilashyram a ser divulgadas Certos grupos marxistas radicais tentaram conciliar fushyzil e diva descobrindo a dimensatildeo poliacutetica do orgasmo

Na mesma eacutepoca tambeacutem foi difundida a reinterpretaccedilatildeo 4a

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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sidentes da UEC (Union des Eacutetudiants Communistes) que formaram a JCR (Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire) Este grupo teve um papel importanshyte na Universidade de Nanterre e nas manifestaccedilotildees

No dia 22 de marccedilo grupos de estudantes da Universidade de Nanterre pela primeira vez tiveram a ousadia de ocupar os locais da Admishynistraccedilatildeo A partir dessa data formou-se espontaneamente o Mouvement du 22 mars de orientaccedilatildeo proacutexima ao anarquismo liderado por Daniel Cohn-Bendit Vaacuterios livros descrevem a situaccedilatildeo da Universidade de Nanterre (cf Duteuil 1988Cohn-Benditerai71968)

A accedilatildeo estudantil contra a repressatildeo desencadeou-se inesperadamente Pela primeira vez a partir do dia 3 de maio em Paris nas manifestaccedilotildees natildeo havia mais ordem de dispersatildeo O confronto com a poliacutecia era inevitaacutevel Os estudantes jogavam paralelepiacutepedos arrancados das calccediladas Muitos carros foram incendiashydos sobretudo pela poliacutecia para produzir efeito contraacuterio na opiniatildeo puacuteblica Os estudantes gritavam CRS-SS sempre denunciando o nazismo ou fascismo dos guardas armados de cassetetes e granadas lacrimogecircneas Agrave margem dessa histoacuteshyria registra-se que o entatildeo prefeito da poliacutecia de Paris era Maurice Papon Estushydantes o acusavam tambeacutem de nazista Tal acusaccedilatildeo acabou se confirmando soshymente trinta anos mais tarde em abril de 1998 quando aos 87 anos ele foi condeshynado a dez anos de prisatildeo por causa de sua colaboraccedilatildeo com o nazismo e sua responsabilidade na deportaccedilatildeo de judeus durante aSegundaGuerraMundial

Houve um salto qualitativo a partir do dia 10 de maio quando mishylhares de trabalhadores da classe operaacuteria e da classe meacutedia assalariada comeshyccedilaram a entrar em greve muitas vezes com ocupaccedilatildeo dos locais de trabalho Em poucos dias chegaram a totalizar dez milhotildees de grevistas com manifesshytaccedilotildees de rua de tamanho nunca visto no periacuteodo poacutes-guerra

A volta agrave ordem republicana soacute foi restabelecida a partir do final no mecircs de maio (ou iniacutecio de junho) entre os trabalhadores e do final de junho entre os estudantes por meio de um mecanismo eleitoral de negociaccedilatildeo trashybalhista e de reforma universitaacuteria (cf Schwartzman 1981p 99-103)

O mecanismo eleitoral consistiu em um tipo de plebiscito apoacutes a dissoluccedilatildeo da Assembleacuteia com a organizaccedilatildeo de eleiccedilotildees que deram esmagashydora vitoacuteria ao partido da ordem o de De Gaulle

Uma negociaccedilatildeo tripartite (governo sindicatos de trabalhadores sinshydicatos de empresaacuterios) chegou a acordos em 27 de maio conhecidos como Accords de Grenelle O resultado da negociaccedilatildeo permitiu uma seacuterie de vantashygens para os trabalhadores tais como elevaccedilatildeo do salaacuterio miacutenimo reconhecishymento das seccedilotildees sindicais nas empresas com proteccedilatildeo dos delegados liberdade de expressatildeo na empresa diminuiccedilatildeo da jornada de trabalho e outras (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 46) Nos dias seguintes entretanto a ordem de retomada do trabalho natildeo foi obedecida em muitas empresas Considerando insuficientes as concessotildees do patronato e do governo o movimento grevista continuou ainda durante alguns dias O trabalho soacute foi retomado em junho

A partir de 1968 o regime gaulista instaurou progressivamente um

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sistema de participaccedilatildeo que incluiacutea a negociaccedilatildeo tripartite sobre as questotildees salashyriais com acordos coletivos por setores industriais e uma participaccedilatildeo dos trabashylhadores na reparticcedilatildeo dos lucros das grandes empresas as de tipo sociedade anocircnima Alguns sindicatos e grupos poliacuteticos criticavam essa poliacutetica como senshydo uma tentativa de instaurar a colaboraccedilatildeo de classes ou um sistema corporauvista

Por sua vez a reforma universitaacuteria chamada Reforme Edgar Faure depois do imediato poacutes-maio 68 modificou o sistema de disciplinas e a organishyzaccedilatildeo das universidades Ateacute entatildeo as grandes disciplinas (ciecircncias direito medicina farmaacutecia letras etc) eram ensinadas em faculdades separadas Com a reforma as universidades pluridisciplinaresforam criadas para favoshyrecer as evoluccedilotildees cientiacuteficas que acontecem nas fronteiras das disciplinas (Eacutetudes sd) Aleacutem disso foi introduzido o sistema de UV (unidades de valoshyres) conhecido no Brasil como sistema de creacuteditos Esse sistema permite gerenciar um grande leque de disciplinas optativas o que permite reduzir a contestaccedilatildeo Outra medida do Governo foi a criaccedilatildeo de novas universidades como a de Vincennes nos arredores de Paris onde se reuniu parte da nova esquerda intelecshytual Mais tarde esta universidade foi transferida para Saint-Denis

A contestaccedilatildeo do ensino

A revolta estudantil e da juventude percorria o mundo desde o iniacuteshycio dos anos 60 Havia formas de luta com objetivos poliacuteticos mais amplos que as questotildees estritamente universitaacuterias diplomas e incertezas de colocashyccedilatildeo dos receacutem-formados no mercado de trabalho Os objetivos agraves vezes irrealistas foram associados a elementos de contestaccedilatildeo natildeo somente do conshyteuacutedo do ensino mas do conteuacutedo da sociedade e da vida em geral Changer Ia vie verso de Arthur Rimbaud foi uma expressatildeo muito citada

A contestaccedilatildeo do ensino natildeo comeccedilou em 1968 De fato em vaacuterios lugares desde 1966 os estudantes se rebelavam contra o conteuacutedo do ensino indo ateacute o boicote das aulas julgadas inadequadas A contestaccedilatildeo estudantil se concentrou nos cursos ministrados por professores que eram tidos como consershyvadores ou reacionaacuterios Um dos primeiros exemplos foi contra o professor e ciberneacutetico Abraham Moles que foi impedido pelos alunos de dar aula na Unishyversidade de Estrasburgo em outubro de 1966 A partir de 1968 essa praacutetica se generalizou na Universidade de Nanterre onde estudava Cohn-Bendit e na Universidade de Paris Um caso que ficou famoso foi a intervenccedilatildeo de um grupo de estudantes no anfiteatro onde dava aula Michel Crozier famoso professor de sociologia das organizaccedilotildees Os estudantes queriam obrigar o professor a deishyxar de dar aula para passar um filme de Chris Marker sobre uma greve na emshypresa Rhodiaceta (o que natildeo deixava de ser um assunto de sociologia organizashycional) O professor natildeo aceitou o ultimato e ele foi entatildeo denunciado pelos alunos como inimigo do povo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 392)

No IEDES (Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Socishyal) vaacuterios professores de economia do desenvolvimento e inclusive seu diretor

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Franccedilois Perroux foram acusados pelos alunos de divulgar ideacuteias favoraacuteveis ao neocolonialismo francecircs nos paiacuteses do Terceiro Mundo Aleacutem disso no plano da concepccedilatildeo do ensino voltado para os problemas do desenvolvimento as posishyccedilotildees de Charles Bettelheim eram aprovadas pelos estudantes contra as de Perroux Uma carta escrita em 1964 pelo primeiro e endereccedilada ao segundo foi divulgada pela Associaccedilatildeo dos estudantes do IEDES em 1967 Alguns trechos significatishyvos Natildeo basta descrever de maneira livresca tal ou qual paiacutes tal ou qual mecanismo para pretender oferecer um ensino uacutetil As comparaccedilotildees a explicashyccedilatildeo das bases filosoacuteficas e teoacutericas das escolhas feitas em diversos momentos e em diferentes paiacuteses tornaram-se necessaacuterias para resguardar os estudantes de qualquer esquematismo e para permitir-lhes o entendimento e a resoluccedilatildeo por si proacuteprios das dificuldades a serem superadas nas responsabilidades que assumiratildeo em seu paiacutes socialista ou natildeo ()0 contato direto com a realidade de numerosos paiacuteses leva-nos a constatar o caraacuteter artificial e escolaacutestico de anaacutelises e projeccedilotildees quantitativas que constituem apenas uma modernaforma de mistificaccedilatildeo na medida em que como acontece frequumlentemente natildeo tradushyzem um dinamismo real mas satildeo construccedilotildees burocraacuteticas resultando de um ensino puramente econocircmico e entatildeo mal assimilado (Bettelheim 1964)

Mesmo impedido pelos estudantes de voltar a dirigir o Instituto o Professor Perroux lanccedilou em 1969 um livro de discussatildeo com Herbert Marcuse (cf Perroux 1969)

Em vaacuterias universidades a contestaccedilatildeo consistia em intervenccedilotildees orais nos cursos magistrais (dados em grandes anfiteatros) para mostrar que os proshyfessores de economia e ciecircncias sociais esqueciam os pressupostos de suas teoshyrias e de suas implicaccedilotildees com a luta de classes Isso valia tambeacutem nos cursos de estatiacutestica contabilidade nacional metodologia de pesquisa especialmente meacuteshytodos quantitativos Era questionada a utilidade social de um conhecimento absshytrato separado da praacutetica e sua recuperaccedilatildeo pela burguesia Argumentos tiacutepishycos da contestaccedilatildeo eram verbalizados desta forma O que o senhor estaacute dizenshydo dissimula as relaccedilotildees de classes ou soacute eacute uacutetil para a burguesia ou os interesses imperialistas Outra frase muito usada O que o senhor estaacute explicando aiacute em termos psicoloacutegicos tecnoloacutegicos ou culturais eacute na verdade um problema poliacuteshytico ou ideoloacutegico Geralmente esse tipo de criacutetica era sumaacuteria filosoficamen-te pobre embora algumas vezes procedente mas natildeo dava conta dos detalhes e de eventuais alternativas Parecia uma condenaccedilatildeo em bloco Para mudar qualshyquer coisa era preciso antes de tudo derrubar o capitalismo Para qualquer explicaccedilatildeo era preciso recorrer a uma idealizaccedilatildeo da teoria marxista Reflexo dos anos 60 essa visatildeo era uma resposta revolucionaacuteria agrave imposiccedilatildeo da ideoshylogia modernizadora dominante Todas as vias estavam bloqueadas somente a revoluccedilatildeo podia resolver Havia nesse sentido uma rejeiccedilatildeo da maioria do coshynhecimento oferecido pela universidade que de fato parecia bastante obsoleto e natildeo conseguia satisfazer as expectativas do grande contingente de estudantes do poacutes-guerra especialmente na aacuterea de ciecircncias sociais de escassas perspectivas profissionais

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Eram jovens alunos de graduaccedilatildeo com leituras limitadas Autores citados para contestar as visotildees de professores conservadores eram por exemshyplo Baran Sweezy e Bettelheim em economia Althusser em filosofia eciecircnshycias sociais O importante livro de Poulantzas Poder poliacutetico e classes sociais no estado capitalista soacute foi lanccedilado no segundo semestre de 1968 e foi muito lido para alimentar a criacutetica a partir de 1969 na aacuterea de ciecircncia poliacutetica

Como forma de dar continuidade agrave contestaccedilatildeo a ideacuteia de contra-cursos ou de ensino paralelo desenvolvia-se desde 1967 Aleacutem de certas tentashytivas limitadas natildeo chegou a vigorar As reformas universitaacuterias promulgadas pelo governo entre julho e outubro de 1968 conseguiram esvaziar a contestaccedilatildeo

A ideacuteia de ensino paralelo natildeo remetia a uma ilusatildeo sobre a capacishydade de modificar a universidade sem maior transformaccedilatildeo da sociedade Um dos liacutederes estudantis Cohn-Bendit declarou contra o mito da contra-uni-versidade ou do contra-ensino que o ensino burguecircs mesmo reformado fabricaraacute quadros burgueses As pessoas seratildeo tomadas na engrenagem do sistemas Quanto muito tornar-se-atildeo membros de uma esquerda bem pensante mas continuaratildeo objetivamente a ser as peccedilas que asseguram o funcionashymento da sociedade (Cohn-Bendit et alii 1968) O liacuteder do Mouvement du 22 mars concebia entretanto uma forma de ensino paralelo como ensino teacutecshynico e ideoloacutegico realizado sob forma de seminaacuterios sobre temas como problemas do movimento operaacuterio utilizaccedilatildeo da teacutecnica a serviccedilo do hoshymem possibilidades oferecidas pela automaccedilatildeo etc (cf Cohn-Benditeiacute alii 1968 p 39) Esses seminaacuterios seriam organizados como experiecircncia de ruptura sem ilusatildeo de institucionalizaccedilatildeo e com a participaccedilatildeo de professoshyres progressistas cujo progressismo fosse ateacute o ponto de renunciar agrave sua poshysiccedilatildeo de mestre

De modo geral entre os principais temas de contestaccedilatildeo universitaacuteshyria destacam-se a recusa do caraacuteter classista da universidade a denuacutencia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber a denuacutencia da parcelizaccedilatildeo e tecnocratizaccedilatildeo do saber a contestaccedilatildeo dos cursos ex cathedra a denuacutencia dos professores conservadores ligados agrave poliacutetica do governo o questionamento do lugar que na divisatildeo capitalista do trabalho os diplomados iratildeo ocupar a denuacutencia da escassez de possibilidade de empregos qualificados (problemas dos deacuteboucheacutes)

Vaacuterios aspectos da revolta estudantil francesa foram apontados como positivos por Darcy Ribeiro tais como criacutetica ao sistema de exames criacutetica ao regime capitalista vontade de estabelecer uma relaccedilatildeo entre unishyversidade e trabalhadores (cf Ribeiro 1969 p 44)

Observa-se que a contestaccedilatildeo do ensino foi uma praacutetica desenshyvolvida principalmente antes dos acontecimentos de maio de 1968 Contishynuou no ano 1969 mas depois com a multiplicidade de experiecircncias criacutetishycas ela foi substituiacuteda por uma preocupaccedilatildeo com pedagogia ou didaacutetica poliacutetica como no caso do ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais que veremos mais tarde

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A maior influecircncia intelectual exercida sobre os estudantes de 1968 foi o marxismo mas evidentemente natildeo o marxismo ortodoxo da Uniatildeo Soshyvieacutetica ou dos partidos comunistas do ocidente Tratava-se de variantes relacishyonadas com o nomes de Trotsky Mao Tseacute-Tung Fidel Castro Che Guevara Havia tambeacutem o ressurgimento do anarquismo e uma nova forma de anarquismo cultural chamado situacionismo (cf Debord 1972)

Antes de 1968 o marxismo natildeo fazia parte dos curriacuteculos ou proshygramas oficiais do ensino superior nas aacutereas de ciecircncias sociais ou economia com raras exceccedilotildees Havia os cursos de Charles Bettelheim e Lucien Goldmann na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes Louis Althusser e seus assistentes na Ecole Normale Supeacuterieure Henri Lefebvre em Nanterre Henri Denis na Fashyculdade de Economia etc Em geral eram cursos de tipo poacutes-graduaccedilatildeo esshytreitamente relacionados com pesquisa ou reservados a alunos adiantados

Paralelamente aos cursos obrigatoacuterios muitos alunos organizavam grupos de estudo sobre O capital de Karl Marx Tambeacutem eram lidas obras claacutesshysicas de Lecircnin Mao e Gramsci (este uacuteltimo sobretudo a partir de 1969) Aleacutem dessas leituras havia um acompanhamento da situaccedilatildeo da guerra no Vietnatilde e das lutas na Ameacuterica Latina e Aacutefrica Eram organizados muitos meetings e apreshysentaccedilotildees de filmes militantes especialmente no Palais de Ia Mutualiteacute (nesse mesmo local um grande evento foi organizado com a participaccedilatildeo de J-P Sartre em memoacuteria de Marighela em 1969) O curriacuteculo dos estudantes contestataacuterios natildeo se limitava agraves mateacuterias oferecidas nos programas oficiais

A visatildeo internacional era completada pelo conhecimento de expeshyriecircncias poliacuteticas italianas especialmente a do grupo organizado em torno da revista Quaderni Rossi Uma coletacircnea foi traduzida e publicada na Franccedila no iniacutecio de 1968

Nos anos 60 as obras de Gramsci estavam pouco difundidas na Franccedila Soacute existia uma velha ediccedilatildeo de trechos escolhidos publicada pelas Editions Sociales do PCF datada de 1959 e esgotada desde 1967 A leitura das obras completas de Gramsci soacute se tornou obrigatoacuteria no iniacutecio da deacutecashyda de 70 para acompanhar discussotildees de Hugues Portelli M A Macciocchi (1974) e Catherine Buci-Glucksman entre outros

Os estudantes da linha proacute-chinesa liam essencialmente o Pequeno livro vermelho do presidente Mao e os Quatros ensaios filosoacuteficos do mesmo autor (1967) Aleacutem desses livros as principais leituras eram as obras de Louis Althusser (1967a 1967b) Em alguns grupos com a aproximaccedilatildeo poliacutetica de Jean-Paul Sartre tambeacutem a Criacutetica da razatildeo dialeacutetica fazia parte das leitushyras Observou-se que a posiccedilatildeo de Althusser favoraacutevel agrave valorizaccedilatildeo da teoshyria contra as diversas formas de empiricismo e de positivismo reduziu as possibilidades de pesquisa concreta em ciecircncias sociais durante vaacuterios anos

As ideacuteias dos pensadores relacionados com a Escola de Frankfurt natildeo eram conhecidas na Franccedila antes de 1968 Soacute se tornaram conhecidos nes-

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se ano por intermeacutedio da imprensa e da traduccedilatildeo do Homem unidimensional de Marcuse (1968) As principais obras de Horkheimer Adorno e Habermas foshyram traduzidas e publicadas a partir de 1970 (cf Enthoven 1974)

Mesmo sem terem lido esses autores muitos estudantes pensavam quase espontaneamente que de fato ciecircncia e teacutecnica estavam a serviccedilo da dominaccedilatildeo ou faziam parte de um mecanismo de alienaccedilatildeo do homem A contestaccedilatildeo da ciecircncia ocidental do positivismo e do funcionalismo tatildeo dishyfundidos no ensino de ciecircncias sociais encontravam referecircncias filosoacuteficas ilustres em que se apoiar Entretanto a tese de Marcuse sobre a integraccedilatildeo da classe trabalhadora dentro do capitalismo desenvolvido foi bastante criticada

Em 1968 houve um renascimento das ideacuteias anarquistas Aleacutem de teshymas tradicionais (incompatibilidade do socialismo com o Estado papel fundashymental da autogestatildeo como forma de organizaccedilatildeo das empresas) foram desenvolshyvidos temas novos relacionados com a criacutetica da cultura de massa ou da sociedashyde do espetaacuteculo promovida por um grupo chamado situacionista com partishycipaccedilatildeo de Guy Debord Criado em 1957 o situacionismo se apresentou como movimento esteacutetico derivado do letrismo agraves vezes proacuteximo ao surrealismo e marcado por uma forma de neo-anarquismo Sua criacutetica agrave sociedade de consushymo agrave linguagem da propaganda comercial ao lazer organizado e agrave vida quotidiashyna em geral teve uma ampla divulgaccedilatildeo a partir de 1968 e influenciou o modo de percepccedilatildeo da vida individual e social Numa linha semelhante uma brochura de profundo impacto foi De Ia misegravere en milieu eacutetudiant divulgada pela UNEF em 1966 na Universidade de Estrasburgo e mais tarde no Quartier Latin Outro situacionista importante eacute Raoul Vaneigem auteur do Traiteacute de savoir-vivre agrave l usage desjeunes geacuteneacuterations publicado em 1967 Contrariamente a Guy Debord que se suicidou em 1994 Raoul Vaneigem continua ativo e publicou recentemente novas obras que ensinam aos jovens como criticar a sociedade a moral burguesa a escola autoritaacuteria etc

O ideaacuterio da contestaccedilatildeo natildeo se limitou a concepccedilotildees ideoloacutegicas e poliacuteticas gerais houve tambeacutem incorporaccedilatildeo de conhecimentos de origem psishycoloacutegica e educacional com tendecircncias teoacutericas diferenciadas

a) Psicologia Psicologia e psicanaacutelise natildeo eram populares entre os estudantes de esquerda antes de 1968 Criacuteticas ao psicologismo ou ao psicanalismo eram tradicionais entre autores marxistas O interesse nessas disciplinas se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel que a psicanaacuteshylise desempenha nas obras dos autores da Escola de Frankfurt

Entre os partidaacuterios de Althusser houve a descoberta da funccedilatildeo teshyoacuterica da psicanaacutelise a partir de um texto sobre a releitura de Freud por Lacan De acordo com Althusser Lacan teria realizado o corte epistemoloacutegico necesshysaacuterio para tornar cientiacutefica a psicanaacutelise

Simultaneamente a partir de 1968 as obras de W Reich comeccedilashyram a ser divulgadas Certos grupos marxistas radicais tentaram conciliar fushyzil e diva descobrindo a dimensatildeo poliacutetica do orgasmo

Na mesma eacutepoca tambeacutem foi difundida a reinterpretaccedilatildeo 4a

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Pauio 10(2) 63-100 outubro de 1998

sistema de participaccedilatildeo que incluiacutea a negociaccedilatildeo tripartite sobre as questotildees salashyriais com acordos coletivos por setores industriais e uma participaccedilatildeo dos trabashylhadores na reparticcedilatildeo dos lucros das grandes empresas as de tipo sociedade anocircnima Alguns sindicatos e grupos poliacuteticos criticavam essa poliacutetica como senshydo uma tentativa de instaurar a colaboraccedilatildeo de classes ou um sistema corporauvista

Por sua vez a reforma universitaacuteria chamada Reforme Edgar Faure depois do imediato poacutes-maio 68 modificou o sistema de disciplinas e a organishyzaccedilatildeo das universidades Ateacute entatildeo as grandes disciplinas (ciecircncias direito medicina farmaacutecia letras etc) eram ensinadas em faculdades separadas Com a reforma as universidades pluridisciplinaresforam criadas para favoshyrecer as evoluccedilotildees cientiacuteficas que acontecem nas fronteiras das disciplinas (Eacutetudes sd) Aleacutem disso foi introduzido o sistema de UV (unidades de valoshyres) conhecido no Brasil como sistema de creacuteditos Esse sistema permite gerenciar um grande leque de disciplinas optativas o que permite reduzir a contestaccedilatildeo Outra medida do Governo foi a criaccedilatildeo de novas universidades como a de Vincennes nos arredores de Paris onde se reuniu parte da nova esquerda intelecshytual Mais tarde esta universidade foi transferida para Saint-Denis

A contestaccedilatildeo do ensino

A revolta estudantil e da juventude percorria o mundo desde o iniacuteshycio dos anos 60 Havia formas de luta com objetivos poliacuteticos mais amplos que as questotildees estritamente universitaacuterias diplomas e incertezas de colocashyccedilatildeo dos receacutem-formados no mercado de trabalho Os objetivos agraves vezes irrealistas foram associados a elementos de contestaccedilatildeo natildeo somente do conshyteuacutedo do ensino mas do conteuacutedo da sociedade e da vida em geral Changer Ia vie verso de Arthur Rimbaud foi uma expressatildeo muito citada

A contestaccedilatildeo do ensino natildeo comeccedilou em 1968 De fato em vaacuterios lugares desde 1966 os estudantes se rebelavam contra o conteuacutedo do ensino indo ateacute o boicote das aulas julgadas inadequadas A contestaccedilatildeo estudantil se concentrou nos cursos ministrados por professores que eram tidos como consershyvadores ou reacionaacuterios Um dos primeiros exemplos foi contra o professor e ciberneacutetico Abraham Moles que foi impedido pelos alunos de dar aula na Unishyversidade de Estrasburgo em outubro de 1966 A partir de 1968 essa praacutetica se generalizou na Universidade de Nanterre onde estudava Cohn-Bendit e na Universidade de Paris Um caso que ficou famoso foi a intervenccedilatildeo de um grupo de estudantes no anfiteatro onde dava aula Michel Crozier famoso professor de sociologia das organizaccedilotildees Os estudantes queriam obrigar o professor a deishyxar de dar aula para passar um filme de Chris Marker sobre uma greve na emshypresa Rhodiaceta (o que natildeo deixava de ser um assunto de sociologia organizashycional) O professor natildeo aceitou o ultimato e ele foi entatildeo denunciado pelos alunos como inimigo do povo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 392)

No IEDES (Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Socishyal) vaacuterios professores de economia do desenvolvimento e inclusive seu diretor

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Franccedilois Perroux foram acusados pelos alunos de divulgar ideacuteias favoraacuteveis ao neocolonialismo francecircs nos paiacuteses do Terceiro Mundo Aleacutem disso no plano da concepccedilatildeo do ensino voltado para os problemas do desenvolvimento as posishyccedilotildees de Charles Bettelheim eram aprovadas pelos estudantes contra as de Perroux Uma carta escrita em 1964 pelo primeiro e endereccedilada ao segundo foi divulgada pela Associaccedilatildeo dos estudantes do IEDES em 1967 Alguns trechos significatishyvos Natildeo basta descrever de maneira livresca tal ou qual paiacutes tal ou qual mecanismo para pretender oferecer um ensino uacutetil As comparaccedilotildees a explicashyccedilatildeo das bases filosoacuteficas e teoacutericas das escolhas feitas em diversos momentos e em diferentes paiacuteses tornaram-se necessaacuterias para resguardar os estudantes de qualquer esquematismo e para permitir-lhes o entendimento e a resoluccedilatildeo por si proacuteprios das dificuldades a serem superadas nas responsabilidades que assumiratildeo em seu paiacutes socialista ou natildeo ()0 contato direto com a realidade de numerosos paiacuteses leva-nos a constatar o caraacuteter artificial e escolaacutestico de anaacutelises e projeccedilotildees quantitativas que constituem apenas uma modernaforma de mistificaccedilatildeo na medida em que como acontece frequumlentemente natildeo tradushyzem um dinamismo real mas satildeo construccedilotildees burocraacuteticas resultando de um ensino puramente econocircmico e entatildeo mal assimilado (Bettelheim 1964)

Mesmo impedido pelos estudantes de voltar a dirigir o Instituto o Professor Perroux lanccedilou em 1969 um livro de discussatildeo com Herbert Marcuse (cf Perroux 1969)

Em vaacuterias universidades a contestaccedilatildeo consistia em intervenccedilotildees orais nos cursos magistrais (dados em grandes anfiteatros) para mostrar que os proshyfessores de economia e ciecircncias sociais esqueciam os pressupostos de suas teoshyrias e de suas implicaccedilotildees com a luta de classes Isso valia tambeacutem nos cursos de estatiacutestica contabilidade nacional metodologia de pesquisa especialmente meacuteshytodos quantitativos Era questionada a utilidade social de um conhecimento absshytrato separado da praacutetica e sua recuperaccedilatildeo pela burguesia Argumentos tiacutepishycos da contestaccedilatildeo eram verbalizados desta forma O que o senhor estaacute dizenshydo dissimula as relaccedilotildees de classes ou soacute eacute uacutetil para a burguesia ou os interesses imperialistas Outra frase muito usada O que o senhor estaacute explicando aiacute em termos psicoloacutegicos tecnoloacutegicos ou culturais eacute na verdade um problema poliacuteshytico ou ideoloacutegico Geralmente esse tipo de criacutetica era sumaacuteria filosoficamen-te pobre embora algumas vezes procedente mas natildeo dava conta dos detalhes e de eventuais alternativas Parecia uma condenaccedilatildeo em bloco Para mudar qualshyquer coisa era preciso antes de tudo derrubar o capitalismo Para qualquer explicaccedilatildeo era preciso recorrer a uma idealizaccedilatildeo da teoria marxista Reflexo dos anos 60 essa visatildeo era uma resposta revolucionaacuteria agrave imposiccedilatildeo da ideoshylogia modernizadora dominante Todas as vias estavam bloqueadas somente a revoluccedilatildeo podia resolver Havia nesse sentido uma rejeiccedilatildeo da maioria do coshynhecimento oferecido pela universidade que de fato parecia bastante obsoleto e natildeo conseguia satisfazer as expectativas do grande contingente de estudantes do poacutes-guerra especialmente na aacuterea de ciecircncias sociais de escassas perspectivas profissionais

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Eram jovens alunos de graduaccedilatildeo com leituras limitadas Autores citados para contestar as visotildees de professores conservadores eram por exemshyplo Baran Sweezy e Bettelheim em economia Althusser em filosofia eciecircnshycias sociais O importante livro de Poulantzas Poder poliacutetico e classes sociais no estado capitalista soacute foi lanccedilado no segundo semestre de 1968 e foi muito lido para alimentar a criacutetica a partir de 1969 na aacuterea de ciecircncia poliacutetica

Como forma de dar continuidade agrave contestaccedilatildeo a ideacuteia de contra-cursos ou de ensino paralelo desenvolvia-se desde 1967 Aleacutem de certas tentashytivas limitadas natildeo chegou a vigorar As reformas universitaacuterias promulgadas pelo governo entre julho e outubro de 1968 conseguiram esvaziar a contestaccedilatildeo

A ideacuteia de ensino paralelo natildeo remetia a uma ilusatildeo sobre a capacishydade de modificar a universidade sem maior transformaccedilatildeo da sociedade Um dos liacutederes estudantis Cohn-Bendit declarou contra o mito da contra-uni-versidade ou do contra-ensino que o ensino burguecircs mesmo reformado fabricaraacute quadros burgueses As pessoas seratildeo tomadas na engrenagem do sistemas Quanto muito tornar-se-atildeo membros de uma esquerda bem pensante mas continuaratildeo objetivamente a ser as peccedilas que asseguram o funcionashymento da sociedade (Cohn-Bendit et alii 1968) O liacuteder do Mouvement du 22 mars concebia entretanto uma forma de ensino paralelo como ensino teacutecshynico e ideoloacutegico realizado sob forma de seminaacuterios sobre temas como problemas do movimento operaacuterio utilizaccedilatildeo da teacutecnica a serviccedilo do hoshymem possibilidades oferecidas pela automaccedilatildeo etc (cf Cohn-Benditeiacute alii 1968 p 39) Esses seminaacuterios seriam organizados como experiecircncia de ruptura sem ilusatildeo de institucionalizaccedilatildeo e com a participaccedilatildeo de professoshyres progressistas cujo progressismo fosse ateacute o ponto de renunciar agrave sua poshysiccedilatildeo de mestre

De modo geral entre os principais temas de contestaccedilatildeo universitaacuteshyria destacam-se a recusa do caraacuteter classista da universidade a denuacutencia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber a denuacutencia da parcelizaccedilatildeo e tecnocratizaccedilatildeo do saber a contestaccedilatildeo dos cursos ex cathedra a denuacutencia dos professores conservadores ligados agrave poliacutetica do governo o questionamento do lugar que na divisatildeo capitalista do trabalho os diplomados iratildeo ocupar a denuacutencia da escassez de possibilidade de empregos qualificados (problemas dos deacuteboucheacutes)

Vaacuterios aspectos da revolta estudantil francesa foram apontados como positivos por Darcy Ribeiro tais como criacutetica ao sistema de exames criacutetica ao regime capitalista vontade de estabelecer uma relaccedilatildeo entre unishyversidade e trabalhadores (cf Ribeiro 1969 p 44)

Observa-se que a contestaccedilatildeo do ensino foi uma praacutetica desenshyvolvida principalmente antes dos acontecimentos de maio de 1968 Contishynuou no ano 1969 mas depois com a multiplicidade de experiecircncias criacutetishycas ela foi substituiacuteda por uma preocupaccedilatildeo com pedagogia ou didaacutetica poliacutetica como no caso do ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais que veremos mais tarde

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A maior influecircncia intelectual exercida sobre os estudantes de 1968 foi o marxismo mas evidentemente natildeo o marxismo ortodoxo da Uniatildeo Soshyvieacutetica ou dos partidos comunistas do ocidente Tratava-se de variantes relacishyonadas com o nomes de Trotsky Mao Tseacute-Tung Fidel Castro Che Guevara Havia tambeacutem o ressurgimento do anarquismo e uma nova forma de anarquismo cultural chamado situacionismo (cf Debord 1972)

Antes de 1968 o marxismo natildeo fazia parte dos curriacuteculos ou proshygramas oficiais do ensino superior nas aacutereas de ciecircncias sociais ou economia com raras exceccedilotildees Havia os cursos de Charles Bettelheim e Lucien Goldmann na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes Louis Althusser e seus assistentes na Ecole Normale Supeacuterieure Henri Lefebvre em Nanterre Henri Denis na Fashyculdade de Economia etc Em geral eram cursos de tipo poacutes-graduaccedilatildeo esshytreitamente relacionados com pesquisa ou reservados a alunos adiantados

Paralelamente aos cursos obrigatoacuterios muitos alunos organizavam grupos de estudo sobre O capital de Karl Marx Tambeacutem eram lidas obras claacutesshysicas de Lecircnin Mao e Gramsci (este uacuteltimo sobretudo a partir de 1969) Aleacutem dessas leituras havia um acompanhamento da situaccedilatildeo da guerra no Vietnatilde e das lutas na Ameacuterica Latina e Aacutefrica Eram organizados muitos meetings e apreshysentaccedilotildees de filmes militantes especialmente no Palais de Ia Mutualiteacute (nesse mesmo local um grande evento foi organizado com a participaccedilatildeo de J-P Sartre em memoacuteria de Marighela em 1969) O curriacuteculo dos estudantes contestataacuterios natildeo se limitava agraves mateacuterias oferecidas nos programas oficiais

A visatildeo internacional era completada pelo conhecimento de expeshyriecircncias poliacuteticas italianas especialmente a do grupo organizado em torno da revista Quaderni Rossi Uma coletacircnea foi traduzida e publicada na Franccedila no iniacutecio de 1968

Nos anos 60 as obras de Gramsci estavam pouco difundidas na Franccedila Soacute existia uma velha ediccedilatildeo de trechos escolhidos publicada pelas Editions Sociales do PCF datada de 1959 e esgotada desde 1967 A leitura das obras completas de Gramsci soacute se tornou obrigatoacuteria no iniacutecio da deacutecashyda de 70 para acompanhar discussotildees de Hugues Portelli M A Macciocchi (1974) e Catherine Buci-Glucksman entre outros

Os estudantes da linha proacute-chinesa liam essencialmente o Pequeno livro vermelho do presidente Mao e os Quatros ensaios filosoacuteficos do mesmo autor (1967) Aleacutem desses livros as principais leituras eram as obras de Louis Althusser (1967a 1967b) Em alguns grupos com a aproximaccedilatildeo poliacutetica de Jean-Paul Sartre tambeacutem a Criacutetica da razatildeo dialeacutetica fazia parte das leitushyras Observou-se que a posiccedilatildeo de Althusser favoraacutevel agrave valorizaccedilatildeo da teoshyria contra as diversas formas de empiricismo e de positivismo reduziu as possibilidades de pesquisa concreta em ciecircncias sociais durante vaacuterios anos

As ideacuteias dos pensadores relacionados com a Escola de Frankfurt natildeo eram conhecidas na Franccedila antes de 1968 Soacute se tornaram conhecidos nes-

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se ano por intermeacutedio da imprensa e da traduccedilatildeo do Homem unidimensional de Marcuse (1968) As principais obras de Horkheimer Adorno e Habermas foshyram traduzidas e publicadas a partir de 1970 (cf Enthoven 1974)

Mesmo sem terem lido esses autores muitos estudantes pensavam quase espontaneamente que de fato ciecircncia e teacutecnica estavam a serviccedilo da dominaccedilatildeo ou faziam parte de um mecanismo de alienaccedilatildeo do homem A contestaccedilatildeo da ciecircncia ocidental do positivismo e do funcionalismo tatildeo dishyfundidos no ensino de ciecircncias sociais encontravam referecircncias filosoacuteficas ilustres em que se apoiar Entretanto a tese de Marcuse sobre a integraccedilatildeo da classe trabalhadora dentro do capitalismo desenvolvido foi bastante criticada

Em 1968 houve um renascimento das ideacuteias anarquistas Aleacutem de teshymas tradicionais (incompatibilidade do socialismo com o Estado papel fundashymental da autogestatildeo como forma de organizaccedilatildeo das empresas) foram desenvolshyvidos temas novos relacionados com a criacutetica da cultura de massa ou da sociedashyde do espetaacuteculo promovida por um grupo chamado situacionista com partishycipaccedilatildeo de Guy Debord Criado em 1957 o situacionismo se apresentou como movimento esteacutetico derivado do letrismo agraves vezes proacuteximo ao surrealismo e marcado por uma forma de neo-anarquismo Sua criacutetica agrave sociedade de consushymo agrave linguagem da propaganda comercial ao lazer organizado e agrave vida quotidiashyna em geral teve uma ampla divulgaccedilatildeo a partir de 1968 e influenciou o modo de percepccedilatildeo da vida individual e social Numa linha semelhante uma brochura de profundo impacto foi De Ia misegravere en milieu eacutetudiant divulgada pela UNEF em 1966 na Universidade de Estrasburgo e mais tarde no Quartier Latin Outro situacionista importante eacute Raoul Vaneigem auteur do Traiteacute de savoir-vivre agrave l usage desjeunes geacuteneacuterations publicado em 1967 Contrariamente a Guy Debord que se suicidou em 1994 Raoul Vaneigem continua ativo e publicou recentemente novas obras que ensinam aos jovens como criticar a sociedade a moral burguesa a escola autoritaacuteria etc

O ideaacuterio da contestaccedilatildeo natildeo se limitou a concepccedilotildees ideoloacutegicas e poliacuteticas gerais houve tambeacutem incorporaccedilatildeo de conhecimentos de origem psishycoloacutegica e educacional com tendecircncias teoacutericas diferenciadas

a) Psicologia Psicologia e psicanaacutelise natildeo eram populares entre os estudantes de esquerda antes de 1968 Criacuteticas ao psicologismo ou ao psicanalismo eram tradicionais entre autores marxistas O interesse nessas disciplinas se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel que a psicanaacuteshylise desempenha nas obras dos autores da Escola de Frankfurt

Entre os partidaacuterios de Althusser houve a descoberta da funccedilatildeo teshyoacuterica da psicanaacutelise a partir de um texto sobre a releitura de Freud por Lacan De acordo com Althusser Lacan teria realizado o corte epistemoloacutegico necesshysaacuterio para tornar cientiacutefica a psicanaacutelise

Simultaneamente a partir de 1968 as obras de W Reich comeccedilashyram a ser divulgadas Certos grupos marxistas radicais tentaram conciliar fushyzil e diva descobrindo a dimensatildeo poliacutetica do orgasmo

Na mesma eacutepoca tambeacutem foi difundida a reinterpretaccedilatildeo 4a

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioi USR S Paulo 102) 63-100 outubro de 1998

Franccedilois Perroux foram acusados pelos alunos de divulgar ideacuteias favoraacuteveis ao neocolonialismo francecircs nos paiacuteses do Terceiro Mundo Aleacutem disso no plano da concepccedilatildeo do ensino voltado para os problemas do desenvolvimento as posishyccedilotildees de Charles Bettelheim eram aprovadas pelos estudantes contra as de Perroux Uma carta escrita em 1964 pelo primeiro e endereccedilada ao segundo foi divulgada pela Associaccedilatildeo dos estudantes do IEDES em 1967 Alguns trechos significatishyvos Natildeo basta descrever de maneira livresca tal ou qual paiacutes tal ou qual mecanismo para pretender oferecer um ensino uacutetil As comparaccedilotildees a explicashyccedilatildeo das bases filosoacuteficas e teoacutericas das escolhas feitas em diversos momentos e em diferentes paiacuteses tornaram-se necessaacuterias para resguardar os estudantes de qualquer esquematismo e para permitir-lhes o entendimento e a resoluccedilatildeo por si proacuteprios das dificuldades a serem superadas nas responsabilidades que assumiratildeo em seu paiacutes socialista ou natildeo ()0 contato direto com a realidade de numerosos paiacuteses leva-nos a constatar o caraacuteter artificial e escolaacutestico de anaacutelises e projeccedilotildees quantitativas que constituem apenas uma modernaforma de mistificaccedilatildeo na medida em que como acontece frequumlentemente natildeo tradushyzem um dinamismo real mas satildeo construccedilotildees burocraacuteticas resultando de um ensino puramente econocircmico e entatildeo mal assimilado (Bettelheim 1964)

Mesmo impedido pelos estudantes de voltar a dirigir o Instituto o Professor Perroux lanccedilou em 1969 um livro de discussatildeo com Herbert Marcuse (cf Perroux 1969)

Em vaacuterias universidades a contestaccedilatildeo consistia em intervenccedilotildees orais nos cursos magistrais (dados em grandes anfiteatros) para mostrar que os proshyfessores de economia e ciecircncias sociais esqueciam os pressupostos de suas teoshyrias e de suas implicaccedilotildees com a luta de classes Isso valia tambeacutem nos cursos de estatiacutestica contabilidade nacional metodologia de pesquisa especialmente meacuteshytodos quantitativos Era questionada a utilidade social de um conhecimento absshytrato separado da praacutetica e sua recuperaccedilatildeo pela burguesia Argumentos tiacutepishycos da contestaccedilatildeo eram verbalizados desta forma O que o senhor estaacute dizenshydo dissimula as relaccedilotildees de classes ou soacute eacute uacutetil para a burguesia ou os interesses imperialistas Outra frase muito usada O que o senhor estaacute explicando aiacute em termos psicoloacutegicos tecnoloacutegicos ou culturais eacute na verdade um problema poliacuteshytico ou ideoloacutegico Geralmente esse tipo de criacutetica era sumaacuteria filosoficamen-te pobre embora algumas vezes procedente mas natildeo dava conta dos detalhes e de eventuais alternativas Parecia uma condenaccedilatildeo em bloco Para mudar qualshyquer coisa era preciso antes de tudo derrubar o capitalismo Para qualquer explicaccedilatildeo era preciso recorrer a uma idealizaccedilatildeo da teoria marxista Reflexo dos anos 60 essa visatildeo era uma resposta revolucionaacuteria agrave imposiccedilatildeo da ideoshylogia modernizadora dominante Todas as vias estavam bloqueadas somente a revoluccedilatildeo podia resolver Havia nesse sentido uma rejeiccedilatildeo da maioria do coshynhecimento oferecido pela universidade que de fato parecia bastante obsoleto e natildeo conseguia satisfazer as expectativas do grande contingente de estudantes do poacutes-guerra especialmente na aacuterea de ciecircncias sociais de escassas perspectivas profissionais

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Eram jovens alunos de graduaccedilatildeo com leituras limitadas Autores citados para contestar as visotildees de professores conservadores eram por exemshyplo Baran Sweezy e Bettelheim em economia Althusser em filosofia eciecircnshycias sociais O importante livro de Poulantzas Poder poliacutetico e classes sociais no estado capitalista soacute foi lanccedilado no segundo semestre de 1968 e foi muito lido para alimentar a criacutetica a partir de 1969 na aacuterea de ciecircncia poliacutetica

Como forma de dar continuidade agrave contestaccedilatildeo a ideacuteia de contra-cursos ou de ensino paralelo desenvolvia-se desde 1967 Aleacutem de certas tentashytivas limitadas natildeo chegou a vigorar As reformas universitaacuterias promulgadas pelo governo entre julho e outubro de 1968 conseguiram esvaziar a contestaccedilatildeo

A ideacuteia de ensino paralelo natildeo remetia a uma ilusatildeo sobre a capacishydade de modificar a universidade sem maior transformaccedilatildeo da sociedade Um dos liacutederes estudantis Cohn-Bendit declarou contra o mito da contra-uni-versidade ou do contra-ensino que o ensino burguecircs mesmo reformado fabricaraacute quadros burgueses As pessoas seratildeo tomadas na engrenagem do sistemas Quanto muito tornar-se-atildeo membros de uma esquerda bem pensante mas continuaratildeo objetivamente a ser as peccedilas que asseguram o funcionashymento da sociedade (Cohn-Bendit et alii 1968) O liacuteder do Mouvement du 22 mars concebia entretanto uma forma de ensino paralelo como ensino teacutecshynico e ideoloacutegico realizado sob forma de seminaacuterios sobre temas como problemas do movimento operaacuterio utilizaccedilatildeo da teacutecnica a serviccedilo do hoshymem possibilidades oferecidas pela automaccedilatildeo etc (cf Cohn-Benditeiacute alii 1968 p 39) Esses seminaacuterios seriam organizados como experiecircncia de ruptura sem ilusatildeo de institucionalizaccedilatildeo e com a participaccedilatildeo de professoshyres progressistas cujo progressismo fosse ateacute o ponto de renunciar agrave sua poshysiccedilatildeo de mestre

De modo geral entre os principais temas de contestaccedilatildeo universitaacuteshyria destacam-se a recusa do caraacuteter classista da universidade a denuacutencia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber a denuacutencia da parcelizaccedilatildeo e tecnocratizaccedilatildeo do saber a contestaccedilatildeo dos cursos ex cathedra a denuacutencia dos professores conservadores ligados agrave poliacutetica do governo o questionamento do lugar que na divisatildeo capitalista do trabalho os diplomados iratildeo ocupar a denuacutencia da escassez de possibilidade de empregos qualificados (problemas dos deacuteboucheacutes)

Vaacuterios aspectos da revolta estudantil francesa foram apontados como positivos por Darcy Ribeiro tais como criacutetica ao sistema de exames criacutetica ao regime capitalista vontade de estabelecer uma relaccedilatildeo entre unishyversidade e trabalhadores (cf Ribeiro 1969 p 44)

Observa-se que a contestaccedilatildeo do ensino foi uma praacutetica desenshyvolvida principalmente antes dos acontecimentos de maio de 1968 Contishynuou no ano 1969 mas depois com a multiplicidade de experiecircncias criacutetishycas ela foi substituiacuteda por uma preocupaccedilatildeo com pedagogia ou didaacutetica poliacutetica como no caso do ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais que veremos mais tarde

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Fontes intelectuais

A maior influecircncia intelectual exercida sobre os estudantes de 1968 foi o marxismo mas evidentemente natildeo o marxismo ortodoxo da Uniatildeo Soshyvieacutetica ou dos partidos comunistas do ocidente Tratava-se de variantes relacishyonadas com o nomes de Trotsky Mao Tseacute-Tung Fidel Castro Che Guevara Havia tambeacutem o ressurgimento do anarquismo e uma nova forma de anarquismo cultural chamado situacionismo (cf Debord 1972)

Antes de 1968 o marxismo natildeo fazia parte dos curriacuteculos ou proshygramas oficiais do ensino superior nas aacutereas de ciecircncias sociais ou economia com raras exceccedilotildees Havia os cursos de Charles Bettelheim e Lucien Goldmann na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes Louis Althusser e seus assistentes na Ecole Normale Supeacuterieure Henri Lefebvre em Nanterre Henri Denis na Fashyculdade de Economia etc Em geral eram cursos de tipo poacutes-graduaccedilatildeo esshytreitamente relacionados com pesquisa ou reservados a alunos adiantados

Paralelamente aos cursos obrigatoacuterios muitos alunos organizavam grupos de estudo sobre O capital de Karl Marx Tambeacutem eram lidas obras claacutesshysicas de Lecircnin Mao e Gramsci (este uacuteltimo sobretudo a partir de 1969) Aleacutem dessas leituras havia um acompanhamento da situaccedilatildeo da guerra no Vietnatilde e das lutas na Ameacuterica Latina e Aacutefrica Eram organizados muitos meetings e apreshysentaccedilotildees de filmes militantes especialmente no Palais de Ia Mutualiteacute (nesse mesmo local um grande evento foi organizado com a participaccedilatildeo de J-P Sartre em memoacuteria de Marighela em 1969) O curriacuteculo dos estudantes contestataacuterios natildeo se limitava agraves mateacuterias oferecidas nos programas oficiais

A visatildeo internacional era completada pelo conhecimento de expeshyriecircncias poliacuteticas italianas especialmente a do grupo organizado em torno da revista Quaderni Rossi Uma coletacircnea foi traduzida e publicada na Franccedila no iniacutecio de 1968

Nos anos 60 as obras de Gramsci estavam pouco difundidas na Franccedila Soacute existia uma velha ediccedilatildeo de trechos escolhidos publicada pelas Editions Sociales do PCF datada de 1959 e esgotada desde 1967 A leitura das obras completas de Gramsci soacute se tornou obrigatoacuteria no iniacutecio da deacutecashyda de 70 para acompanhar discussotildees de Hugues Portelli M A Macciocchi (1974) e Catherine Buci-Glucksman entre outros

Os estudantes da linha proacute-chinesa liam essencialmente o Pequeno livro vermelho do presidente Mao e os Quatros ensaios filosoacuteficos do mesmo autor (1967) Aleacutem desses livros as principais leituras eram as obras de Louis Althusser (1967a 1967b) Em alguns grupos com a aproximaccedilatildeo poliacutetica de Jean-Paul Sartre tambeacutem a Criacutetica da razatildeo dialeacutetica fazia parte das leitushyras Observou-se que a posiccedilatildeo de Althusser favoraacutevel agrave valorizaccedilatildeo da teoshyria contra as diversas formas de empiricismo e de positivismo reduziu as possibilidades de pesquisa concreta em ciecircncias sociais durante vaacuterios anos

As ideacuteias dos pensadores relacionados com a Escola de Frankfurt natildeo eram conhecidas na Franccedila antes de 1968 Soacute se tornaram conhecidos nes-

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se ano por intermeacutedio da imprensa e da traduccedilatildeo do Homem unidimensional de Marcuse (1968) As principais obras de Horkheimer Adorno e Habermas foshyram traduzidas e publicadas a partir de 1970 (cf Enthoven 1974)

Mesmo sem terem lido esses autores muitos estudantes pensavam quase espontaneamente que de fato ciecircncia e teacutecnica estavam a serviccedilo da dominaccedilatildeo ou faziam parte de um mecanismo de alienaccedilatildeo do homem A contestaccedilatildeo da ciecircncia ocidental do positivismo e do funcionalismo tatildeo dishyfundidos no ensino de ciecircncias sociais encontravam referecircncias filosoacuteficas ilustres em que se apoiar Entretanto a tese de Marcuse sobre a integraccedilatildeo da classe trabalhadora dentro do capitalismo desenvolvido foi bastante criticada

Em 1968 houve um renascimento das ideacuteias anarquistas Aleacutem de teshymas tradicionais (incompatibilidade do socialismo com o Estado papel fundashymental da autogestatildeo como forma de organizaccedilatildeo das empresas) foram desenvolshyvidos temas novos relacionados com a criacutetica da cultura de massa ou da sociedashyde do espetaacuteculo promovida por um grupo chamado situacionista com partishycipaccedilatildeo de Guy Debord Criado em 1957 o situacionismo se apresentou como movimento esteacutetico derivado do letrismo agraves vezes proacuteximo ao surrealismo e marcado por uma forma de neo-anarquismo Sua criacutetica agrave sociedade de consushymo agrave linguagem da propaganda comercial ao lazer organizado e agrave vida quotidiashyna em geral teve uma ampla divulgaccedilatildeo a partir de 1968 e influenciou o modo de percepccedilatildeo da vida individual e social Numa linha semelhante uma brochura de profundo impacto foi De Ia misegravere en milieu eacutetudiant divulgada pela UNEF em 1966 na Universidade de Estrasburgo e mais tarde no Quartier Latin Outro situacionista importante eacute Raoul Vaneigem auteur do Traiteacute de savoir-vivre agrave l usage desjeunes geacuteneacuterations publicado em 1967 Contrariamente a Guy Debord que se suicidou em 1994 Raoul Vaneigem continua ativo e publicou recentemente novas obras que ensinam aos jovens como criticar a sociedade a moral burguesa a escola autoritaacuteria etc

O ideaacuterio da contestaccedilatildeo natildeo se limitou a concepccedilotildees ideoloacutegicas e poliacuteticas gerais houve tambeacutem incorporaccedilatildeo de conhecimentos de origem psishycoloacutegica e educacional com tendecircncias teoacutericas diferenciadas

a) Psicologia Psicologia e psicanaacutelise natildeo eram populares entre os estudantes de esquerda antes de 1968 Criacuteticas ao psicologismo ou ao psicanalismo eram tradicionais entre autores marxistas O interesse nessas disciplinas se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel que a psicanaacuteshylise desempenha nas obras dos autores da Escola de Frankfurt

Entre os partidaacuterios de Althusser houve a descoberta da funccedilatildeo teshyoacuterica da psicanaacutelise a partir de um texto sobre a releitura de Freud por Lacan De acordo com Althusser Lacan teria realizado o corte epistemoloacutegico necesshysaacuterio para tornar cientiacutefica a psicanaacutelise

Simultaneamente a partir de 1968 as obras de W Reich comeccedilashyram a ser divulgadas Certos grupos marxistas radicais tentaram conciliar fushyzil e diva descobrindo a dimensatildeo poliacutetica do orgasmo

Na mesma eacutepoca tambeacutem foi difundida a reinterpretaccedilatildeo 4a

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

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JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

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DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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Eram jovens alunos de graduaccedilatildeo com leituras limitadas Autores citados para contestar as visotildees de professores conservadores eram por exemshyplo Baran Sweezy e Bettelheim em economia Althusser em filosofia eciecircnshycias sociais O importante livro de Poulantzas Poder poliacutetico e classes sociais no estado capitalista soacute foi lanccedilado no segundo semestre de 1968 e foi muito lido para alimentar a criacutetica a partir de 1969 na aacuterea de ciecircncia poliacutetica

Como forma de dar continuidade agrave contestaccedilatildeo a ideacuteia de contra-cursos ou de ensino paralelo desenvolvia-se desde 1967 Aleacutem de certas tentashytivas limitadas natildeo chegou a vigorar As reformas universitaacuterias promulgadas pelo governo entre julho e outubro de 1968 conseguiram esvaziar a contestaccedilatildeo

A ideacuteia de ensino paralelo natildeo remetia a uma ilusatildeo sobre a capacishydade de modificar a universidade sem maior transformaccedilatildeo da sociedade Um dos liacutederes estudantis Cohn-Bendit declarou contra o mito da contra-uni-versidade ou do contra-ensino que o ensino burguecircs mesmo reformado fabricaraacute quadros burgueses As pessoas seratildeo tomadas na engrenagem do sistemas Quanto muito tornar-se-atildeo membros de uma esquerda bem pensante mas continuaratildeo objetivamente a ser as peccedilas que asseguram o funcionashymento da sociedade (Cohn-Bendit et alii 1968) O liacuteder do Mouvement du 22 mars concebia entretanto uma forma de ensino paralelo como ensino teacutecshynico e ideoloacutegico realizado sob forma de seminaacuterios sobre temas como problemas do movimento operaacuterio utilizaccedilatildeo da teacutecnica a serviccedilo do hoshymem possibilidades oferecidas pela automaccedilatildeo etc (cf Cohn-Benditeiacute alii 1968 p 39) Esses seminaacuterios seriam organizados como experiecircncia de ruptura sem ilusatildeo de institucionalizaccedilatildeo e com a participaccedilatildeo de professoshyres progressistas cujo progressismo fosse ateacute o ponto de renunciar agrave sua poshysiccedilatildeo de mestre

De modo geral entre os principais temas de contestaccedilatildeo universitaacuteshyria destacam-se a recusa do caraacuteter classista da universidade a denuacutencia da falsa neutralidade e da falsa objetividade do saber a denuacutencia da parcelizaccedilatildeo e tecnocratizaccedilatildeo do saber a contestaccedilatildeo dos cursos ex cathedra a denuacutencia dos professores conservadores ligados agrave poliacutetica do governo o questionamento do lugar que na divisatildeo capitalista do trabalho os diplomados iratildeo ocupar a denuacutencia da escassez de possibilidade de empregos qualificados (problemas dos deacuteboucheacutes)

Vaacuterios aspectos da revolta estudantil francesa foram apontados como positivos por Darcy Ribeiro tais como criacutetica ao sistema de exames criacutetica ao regime capitalista vontade de estabelecer uma relaccedilatildeo entre unishyversidade e trabalhadores (cf Ribeiro 1969 p 44)

Observa-se que a contestaccedilatildeo do ensino foi uma praacutetica desenshyvolvida principalmente antes dos acontecimentos de maio de 1968 Contishynuou no ano 1969 mas depois com a multiplicidade de experiecircncias criacutetishycas ela foi substituiacuteda por uma preocupaccedilatildeo com pedagogia ou didaacutetica poliacutetica como no caso do ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais que veremos mais tarde

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Fontes intelectuais

A maior influecircncia intelectual exercida sobre os estudantes de 1968 foi o marxismo mas evidentemente natildeo o marxismo ortodoxo da Uniatildeo Soshyvieacutetica ou dos partidos comunistas do ocidente Tratava-se de variantes relacishyonadas com o nomes de Trotsky Mao Tseacute-Tung Fidel Castro Che Guevara Havia tambeacutem o ressurgimento do anarquismo e uma nova forma de anarquismo cultural chamado situacionismo (cf Debord 1972)

Antes de 1968 o marxismo natildeo fazia parte dos curriacuteculos ou proshygramas oficiais do ensino superior nas aacutereas de ciecircncias sociais ou economia com raras exceccedilotildees Havia os cursos de Charles Bettelheim e Lucien Goldmann na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes Louis Althusser e seus assistentes na Ecole Normale Supeacuterieure Henri Lefebvre em Nanterre Henri Denis na Fashyculdade de Economia etc Em geral eram cursos de tipo poacutes-graduaccedilatildeo esshytreitamente relacionados com pesquisa ou reservados a alunos adiantados

Paralelamente aos cursos obrigatoacuterios muitos alunos organizavam grupos de estudo sobre O capital de Karl Marx Tambeacutem eram lidas obras claacutesshysicas de Lecircnin Mao e Gramsci (este uacuteltimo sobretudo a partir de 1969) Aleacutem dessas leituras havia um acompanhamento da situaccedilatildeo da guerra no Vietnatilde e das lutas na Ameacuterica Latina e Aacutefrica Eram organizados muitos meetings e apreshysentaccedilotildees de filmes militantes especialmente no Palais de Ia Mutualiteacute (nesse mesmo local um grande evento foi organizado com a participaccedilatildeo de J-P Sartre em memoacuteria de Marighela em 1969) O curriacuteculo dos estudantes contestataacuterios natildeo se limitava agraves mateacuterias oferecidas nos programas oficiais

A visatildeo internacional era completada pelo conhecimento de expeshyriecircncias poliacuteticas italianas especialmente a do grupo organizado em torno da revista Quaderni Rossi Uma coletacircnea foi traduzida e publicada na Franccedila no iniacutecio de 1968

Nos anos 60 as obras de Gramsci estavam pouco difundidas na Franccedila Soacute existia uma velha ediccedilatildeo de trechos escolhidos publicada pelas Editions Sociales do PCF datada de 1959 e esgotada desde 1967 A leitura das obras completas de Gramsci soacute se tornou obrigatoacuteria no iniacutecio da deacutecashyda de 70 para acompanhar discussotildees de Hugues Portelli M A Macciocchi (1974) e Catherine Buci-Glucksman entre outros

Os estudantes da linha proacute-chinesa liam essencialmente o Pequeno livro vermelho do presidente Mao e os Quatros ensaios filosoacuteficos do mesmo autor (1967) Aleacutem desses livros as principais leituras eram as obras de Louis Althusser (1967a 1967b) Em alguns grupos com a aproximaccedilatildeo poliacutetica de Jean-Paul Sartre tambeacutem a Criacutetica da razatildeo dialeacutetica fazia parte das leitushyras Observou-se que a posiccedilatildeo de Althusser favoraacutevel agrave valorizaccedilatildeo da teoshyria contra as diversas formas de empiricismo e de positivismo reduziu as possibilidades de pesquisa concreta em ciecircncias sociais durante vaacuterios anos

As ideacuteias dos pensadores relacionados com a Escola de Frankfurt natildeo eram conhecidas na Franccedila antes de 1968 Soacute se tornaram conhecidos nes-

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se ano por intermeacutedio da imprensa e da traduccedilatildeo do Homem unidimensional de Marcuse (1968) As principais obras de Horkheimer Adorno e Habermas foshyram traduzidas e publicadas a partir de 1970 (cf Enthoven 1974)

Mesmo sem terem lido esses autores muitos estudantes pensavam quase espontaneamente que de fato ciecircncia e teacutecnica estavam a serviccedilo da dominaccedilatildeo ou faziam parte de um mecanismo de alienaccedilatildeo do homem A contestaccedilatildeo da ciecircncia ocidental do positivismo e do funcionalismo tatildeo dishyfundidos no ensino de ciecircncias sociais encontravam referecircncias filosoacuteficas ilustres em que se apoiar Entretanto a tese de Marcuse sobre a integraccedilatildeo da classe trabalhadora dentro do capitalismo desenvolvido foi bastante criticada

Em 1968 houve um renascimento das ideacuteias anarquistas Aleacutem de teshymas tradicionais (incompatibilidade do socialismo com o Estado papel fundashymental da autogestatildeo como forma de organizaccedilatildeo das empresas) foram desenvolshyvidos temas novos relacionados com a criacutetica da cultura de massa ou da sociedashyde do espetaacuteculo promovida por um grupo chamado situacionista com partishycipaccedilatildeo de Guy Debord Criado em 1957 o situacionismo se apresentou como movimento esteacutetico derivado do letrismo agraves vezes proacuteximo ao surrealismo e marcado por uma forma de neo-anarquismo Sua criacutetica agrave sociedade de consushymo agrave linguagem da propaganda comercial ao lazer organizado e agrave vida quotidiashyna em geral teve uma ampla divulgaccedilatildeo a partir de 1968 e influenciou o modo de percepccedilatildeo da vida individual e social Numa linha semelhante uma brochura de profundo impacto foi De Ia misegravere en milieu eacutetudiant divulgada pela UNEF em 1966 na Universidade de Estrasburgo e mais tarde no Quartier Latin Outro situacionista importante eacute Raoul Vaneigem auteur do Traiteacute de savoir-vivre agrave l usage desjeunes geacuteneacuterations publicado em 1967 Contrariamente a Guy Debord que se suicidou em 1994 Raoul Vaneigem continua ativo e publicou recentemente novas obras que ensinam aos jovens como criticar a sociedade a moral burguesa a escola autoritaacuteria etc

O ideaacuterio da contestaccedilatildeo natildeo se limitou a concepccedilotildees ideoloacutegicas e poliacuteticas gerais houve tambeacutem incorporaccedilatildeo de conhecimentos de origem psishycoloacutegica e educacional com tendecircncias teoacutericas diferenciadas

a) Psicologia Psicologia e psicanaacutelise natildeo eram populares entre os estudantes de esquerda antes de 1968 Criacuteticas ao psicologismo ou ao psicanalismo eram tradicionais entre autores marxistas O interesse nessas disciplinas se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel que a psicanaacuteshylise desempenha nas obras dos autores da Escola de Frankfurt

Entre os partidaacuterios de Althusser houve a descoberta da funccedilatildeo teshyoacuterica da psicanaacutelise a partir de um texto sobre a releitura de Freud por Lacan De acordo com Althusser Lacan teria realizado o corte epistemoloacutegico necesshysaacuterio para tornar cientiacutefica a psicanaacutelise

Simultaneamente a partir de 1968 as obras de W Reich comeccedilashyram a ser divulgadas Certos grupos marxistas radicais tentaram conciliar fushyzil e diva descobrindo a dimensatildeo poliacutetica do orgasmo

Na mesma eacutepoca tambeacutem foi difundida a reinterpretaccedilatildeo 4a

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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Fontes intelectuais

A maior influecircncia intelectual exercida sobre os estudantes de 1968 foi o marxismo mas evidentemente natildeo o marxismo ortodoxo da Uniatildeo Soshyvieacutetica ou dos partidos comunistas do ocidente Tratava-se de variantes relacishyonadas com o nomes de Trotsky Mao Tseacute-Tung Fidel Castro Che Guevara Havia tambeacutem o ressurgimento do anarquismo e uma nova forma de anarquismo cultural chamado situacionismo (cf Debord 1972)

Antes de 1968 o marxismo natildeo fazia parte dos curriacuteculos ou proshygramas oficiais do ensino superior nas aacutereas de ciecircncias sociais ou economia com raras exceccedilotildees Havia os cursos de Charles Bettelheim e Lucien Goldmann na Eacutecole Pratique des Hautes Eacutetudes Louis Althusser e seus assistentes na Ecole Normale Supeacuterieure Henri Lefebvre em Nanterre Henri Denis na Fashyculdade de Economia etc Em geral eram cursos de tipo poacutes-graduaccedilatildeo esshytreitamente relacionados com pesquisa ou reservados a alunos adiantados

Paralelamente aos cursos obrigatoacuterios muitos alunos organizavam grupos de estudo sobre O capital de Karl Marx Tambeacutem eram lidas obras claacutesshysicas de Lecircnin Mao e Gramsci (este uacuteltimo sobretudo a partir de 1969) Aleacutem dessas leituras havia um acompanhamento da situaccedilatildeo da guerra no Vietnatilde e das lutas na Ameacuterica Latina e Aacutefrica Eram organizados muitos meetings e apreshysentaccedilotildees de filmes militantes especialmente no Palais de Ia Mutualiteacute (nesse mesmo local um grande evento foi organizado com a participaccedilatildeo de J-P Sartre em memoacuteria de Marighela em 1969) O curriacuteculo dos estudantes contestataacuterios natildeo se limitava agraves mateacuterias oferecidas nos programas oficiais

A visatildeo internacional era completada pelo conhecimento de expeshyriecircncias poliacuteticas italianas especialmente a do grupo organizado em torno da revista Quaderni Rossi Uma coletacircnea foi traduzida e publicada na Franccedila no iniacutecio de 1968

Nos anos 60 as obras de Gramsci estavam pouco difundidas na Franccedila Soacute existia uma velha ediccedilatildeo de trechos escolhidos publicada pelas Editions Sociales do PCF datada de 1959 e esgotada desde 1967 A leitura das obras completas de Gramsci soacute se tornou obrigatoacuteria no iniacutecio da deacutecashyda de 70 para acompanhar discussotildees de Hugues Portelli M A Macciocchi (1974) e Catherine Buci-Glucksman entre outros

Os estudantes da linha proacute-chinesa liam essencialmente o Pequeno livro vermelho do presidente Mao e os Quatros ensaios filosoacuteficos do mesmo autor (1967) Aleacutem desses livros as principais leituras eram as obras de Louis Althusser (1967a 1967b) Em alguns grupos com a aproximaccedilatildeo poliacutetica de Jean-Paul Sartre tambeacutem a Criacutetica da razatildeo dialeacutetica fazia parte das leitushyras Observou-se que a posiccedilatildeo de Althusser favoraacutevel agrave valorizaccedilatildeo da teoshyria contra as diversas formas de empiricismo e de positivismo reduziu as possibilidades de pesquisa concreta em ciecircncias sociais durante vaacuterios anos

As ideacuteias dos pensadores relacionados com a Escola de Frankfurt natildeo eram conhecidas na Franccedila antes de 1968 Soacute se tornaram conhecidos nes-

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se ano por intermeacutedio da imprensa e da traduccedilatildeo do Homem unidimensional de Marcuse (1968) As principais obras de Horkheimer Adorno e Habermas foshyram traduzidas e publicadas a partir de 1970 (cf Enthoven 1974)

Mesmo sem terem lido esses autores muitos estudantes pensavam quase espontaneamente que de fato ciecircncia e teacutecnica estavam a serviccedilo da dominaccedilatildeo ou faziam parte de um mecanismo de alienaccedilatildeo do homem A contestaccedilatildeo da ciecircncia ocidental do positivismo e do funcionalismo tatildeo dishyfundidos no ensino de ciecircncias sociais encontravam referecircncias filosoacuteficas ilustres em que se apoiar Entretanto a tese de Marcuse sobre a integraccedilatildeo da classe trabalhadora dentro do capitalismo desenvolvido foi bastante criticada

Em 1968 houve um renascimento das ideacuteias anarquistas Aleacutem de teshymas tradicionais (incompatibilidade do socialismo com o Estado papel fundashymental da autogestatildeo como forma de organizaccedilatildeo das empresas) foram desenvolshyvidos temas novos relacionados com a criacutetica da cultura de massa ou da sociedashyde do espetaacuteculo promovida por um grupo chamado situacionista com partishycipaccedilatildeo de Guy Debord Criado em 1957 o situacionismo se apresentou como movimento esteacutetico derivado do letrismo agraves vezes proacuteximo ao surrealismo e marcado por uma forma de neo-anarquismo Sua criacutetica agrave sociedade de consushymo agrave linguagem da propaganda comercial ao lazer organizado e agrave vida quotidiashyna em geral teve uma ampla divulgaccedilatildeo a partir de 1968 e influenciou o modo de percepccedilatildeo da vida individual e social Numa linha semelhante uma brochura de profundo impacto foi De Ia misegravere en milieu eacutetudiant divulgada pela UNEF em 1966 na Universidade de Estrasburgo e mais tarde no Quartier Latin Outro situacionista importante eacute Raoul Vaneigem auteur do Traiteacute de savoir-vivre agrave l usage desjeunes geacuteneacuterations publicado em 1967 Contrariamente a Guy Debord que se suicidou em 1994 Raoul Vaneigem continua ativo e publicou recentemente novas obras que ensinam aos jovens como criticar a sociedade a moral burguesa a escola autoritaacuteria etc

O ideaacuterio da contestaccedilatildeo natildeo se limitou a concepccedilotildees ideoloacutegicas e poliacuteticas gerais houve tambeacutem incorporaccedilatildeo de conhecimentos de origem psishycoloacutegica e educacional com tendecircncias teoacutericas diferenciadas

a) Psicologia Psicologia e psicanaacutelise natildeo eram populares entre os estudantes de esquerda antes de 1968 Criacuteticas ao psicologismo ou ao psicanalismo eram tradicionais entre autores marxistas O interesse nessas disciplinas se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel que a psicanaacuteshylise desempenha nas obras dos autores da Escola de Frankfurt

Entre os partidaacuterios de Althusser houve a descoberta da funccedilatildeo teshyoacuterica da psicanaacutelise a partir de um texto sobre a releitura de Freud por Lacan De acordo com Althusser Lacan teria realizado o corte epistemoloacutegico necesshysaacuterio para tornar cientiacutefica a psicanaacutelise

Simultaneamente a partir de 1968 as obras de W Reich comeccedilashyram a ser divulgadas Certos grupos marxistas radicais tentaram conciliar fushyzil e diva descobrindo a dimensatildeo poliacutetica do orgasmo

Na mesma eacutepoca tambeacutem foi difundida a reinterpretaccedilatildeo 4a

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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se ano por intermeacutedio da imprensa e da traduccedilatildeo do Homem unidimensional de Marcuse (1968) As principais obras de Horkheimer Adorno e Habermas foshyram traduzidas e publicadas a partir de 1970 (cf Enthoven 1974)

Mesmo sem terem lido esses autores muitos estudantes pensavam quase espontaneamente que de fato ciecircncia e teacutecnica estavam a serviccedilo da dominaccedilatildeo ou faziam parte de um mecanismo de alienaccedilatildeo do homem A contestaccedilatildeo da ciecircncia ocidental do positivismo e do funcionalismo tatildeo dishyfundidos no ensino de ciecircncias sociais encontravam referecircncias filosoacuteficas ilustres em que se apoiar Entretanto a tese de Marcuse sobre a integraccedilatildeo da classe trabalhadora dentro do capitalismo desenvolvido foi bastante criticada

Em 1968 houve um renascimento das ideacuteias anarquistas Aleacutem de teshymas tradicionais (incompatibilidade do socialismo com o Estado papel fundashymental da autogestatildeo como forma de organizaccedilatildeo das empresas) foram desenvolshyvidos temas novos relacionados com a criacutetica da cultura de massa ou da sociedashyde do espetaacuteculo promovida por um grupo chamado situacionista com partishycipaccedilatildeo de Guy Debord Criado em 1957 o situacionismo se apresentou como movimento esteacutetico derivado do letrismo agraves vezes proacuteximo ao surrealismo e marcado por uma forma de neo-anarquismo Sua criacutetica agrave sociedade de consushymo agrave linguagem da propaganda comercial ao lazer organizado e agrave vida quotidiashyna em geral teve uma ampla divulgaccedilatildeo a partir de 1968 e influenciou o modo de percepccedilatildeo da vida individual e social Numa linha semelhante uma brochura de profundo impacto foi De Ia misegravere en milieu eacutetudiant divulgada pela UNEF em 1966 na Universidade de Estrasburgo e mais tarde no Quartier Latin Outro situacionista importante eacute Raoul Vaneigem auteur do Traiteacute de savoir-vivre agrave l usage desjeunes geacuteneacuterations publicado em 1967 Contrariamente a Guy Debord que se suicidou em 1994 Raoul Vaneigem continua ativo e publicou recentemente novas obras que ensinam aos jovens como criticar a sociedade a moral burguesa a escola autoritaacuteria etc

O ideaacuterio da contestaccedilatildeo natildeo se limitou a concepccedilotildees ideoloacutegicas e poliacuteticas gerais houve tambeacutem incorporaccedilatildeo de conhecimentos de origem psishycoloacutegica e educacional com tendecircncias teoacutericas diferenciadas

a) Psicologia Psicologia e psicanaacutelise natildeo eram populares entre os estudantes de esquerda antes de 1968 Criacuteticas ao psicologismo ou ao psicanalismo eram tradicionais entre autores marxistas O interesse nessas disciplinas se desenvolveu a partir do reconhecimento do papel que a psicanaacuteshylise desempenha nas obras dos autores da Escola de Frankfurt

Entre os partidaacuterios de Althusser houve a descoberta da funccedilatildeo teshyoacuterica da psicanaacutelise a partir de um texto sobre a releitura de Freud por Lacan De acordo com Althusser Lacan teria realizado o corte epistemoloacutegico necesshysaacuterio para tornar cientiacutefica a psicanaacutelise

Simultaneamente a partir de 1968 as obras de W Reich comeccedilashyram a ser divulgadas Certos grupos marxistas radicais tentaram conciliar fushyzil e diva descobrindo a dimensatildeo poliacutetica do orgasmo

Na mesma eacutepoca tambeacutem foi difundida a reinterpretaccedilatildeo 4a

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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esquizofrenia agrave luz da antipsiquiatria de Ronald Laing e de suas concepccedilotildees de vida expostas emAcirc poliacutetica da experiecircncia (1969)

Uma tendecircncia psicossocioloacutegica ou socioanaliacutetica que ampliou o ciacuterculo de seus iniciados em 1968 foi a da anaacutelise institucional de R Lourau e G Lapassade Desde o iniacutecio dos anos 60 Lapassade (1963) jaacute tinha formashydo membros do movimento estudantil em anaacutelise de grupos e criacutetica da vida institucional Depois de 1968 a corrente sistematizou seus princiacutepios e amshypliou sua audiecircncia inclusive no Canadaacute e no Brasil

Entre aqueles que atribuiacuteam pouca importacircncia agrave psicologia antes de 1968 aconteceram muitas conversotildees que se manifestaram pela adesatildeo a uma ou outra daquelas tendecircncias psicoloacutegicas Isso parece ser um reflexo da crise de 1968 na esfera individual e no relacionamento interpessoal Talvez seja o sinal avant-coureur do advento do que ia ser chamado mais tarde o individualismo contemporacircneo

b) Educaccedilatildeo Didaacutetica pedagogia e ciecircncias da educaccedilatildeo de modo geral foram bastante discutidas a partir de maio de 1968 Ficou patente que era necessaacuterio superar qualquer didaacutetica centrada na transmissatildeo de um coshynhecimento preestabelecido Nas universidades o curso magistral e o ensino centrado na leitura apareceram como meacutetodos de transmissatildeo oral ou livresca insuficientes para desencadear uma verdadeira comunicaccedilatildeo pedagoacutegica Paulo Freire jaacute era conhecido

Nas atividades de formaccedilatildeo extra-universitaacuteria no campo das ideacuteias pedagoacutegicas havia um grande espaccedilo ocupado por Carl Rogers e sua orientashyccedilatildeo natildeo-diretiva Evidentemente essa orientaccedilatildeo natildeo era utilizada pelos grushypos radicais mas foi bastante divulgada nas praacuteticas de formaccedilatildeo inclusive em acircmbito sindical

Desenvolveu-se outra tendecircncia a da autogestatildeo pedagoacutegica (cf Le Boterf 1974) que foi reintepretada pela escola socioanaliacutetica de Georges Lapassade

Por parte de professores ou formadores inspirados nas ideacuteias de maio de 1968 houve insistecircncia na dimensatildeo poliacutetica de qualquer relaccedilatildeo pedagoacutegishyca A concepccedilatildeo da didaacutetica foi marcada por essa dimensatildeo poliacutetica e pelo conshyteuacutedo cognitivo e psicossocial progressivamente construiacutedo na relaccedilatildeo entre professores e alunos Aleacutem disso houve naquela eacutepoca um movimento favoraacuteshyvel a uma pedagogia de abertura ao mundo exterior Tratava-se de sair da sala de aula para mostrar as situaccedilotildees no mundo real osghettos por exemplo

Maio de 1968 e a comunicaccedilatildeo

Os acontecimentos de maio e junho de 1968 satildeo interessantes do ponto de vista da comunicaccedilatildeo por vaacuterias razotildees

1) o papel dos meios de comunicaccedilatildeo de massa na ampliaccedilatildeo do movimento

2) a crise interna dos meios de comunicaccedilatildeo de massa 3) o surgimento de meios de comunicaccedilatildeo alternativos

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

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JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

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DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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4) de modo mais difuso o estabelecimento de uma comunicaccedilatildeo entre o mundo universitaacuterio e o mundo dos trabalhadores que antes estavam totalmente separados (cf Gombin 1971 p 158)

Apesar do estreito controle ideoloacutegico sobre os meios de comunicashyccedilatildeo de massa do setor puacuteblico por parte do governo e dos grupos financeiros sobre os meios de comunicaccedilatildeo de massa do setor privado alguns desses meios exerceram um papel positivo para o movimento no iniacutecio dos acontecimentos Em particular destaca-se o papel do raacutedio Ao dar cobertura agraves manifestaccedilotildees de ruas com barricadas apoacutes o fracasso das negociaccedilotildees entre governo e estushydantes na noite do dia 10 de maio sem querer o raacutedio tornou mais legiacutetima a accedilatildeo estudantil e espalhou entre os trabalhadores um sentimento de determinashyccedilatildeo que os incitarem a entrar em greve apesar da reticecircncia dos sindicatos

Nos dias seguintes o governo pressionou o ORTF para que a informashyccedilatildeo fosse filtrada O pessoal desta organizaccedilatildeo reagiu sobre a questatildeo da objetivishydade e mobilizou-se No iniacutecio dos acontecimentos alguns produtores de televisatildeo denunciaram a falta de objetividade e a falta de informaccedilatildeo nos noticiaacuterios no que diz respeito ao movimento estudantil No dia 17 de maio vaacuterias categorias de pessoal entraram em greve protestando contra a censura e a favor da objetividade da informaccedilatildeo No dia 21 o conjunto do pessoal inclusive os jornalistas estava em greve Certas emissoras e as estaccedilotildees de retransmissatildeo foram ocupadas pelo Exeacutercito a partir do dia 19 de maio (cf Documentationfranccedilaise 1970 p 27)

No mecircs de junho organizaram-se grupos de jornalistas fura-gre-ve e delatores Com o teacutermino do movimento apoacutes as eleiccedilotildees legislativas que deram a vitoacuteria ao general De Gaulle o fim da greve do ORTF foi decidishydo dia 25 de junho Nas semanas seguintes vaacuterios jornalistas e outros profisshysionais foram demitidos A orientaccedilatildeo do ORTF ficou marcada por uma crise profunda que se alastrou durante vaacuterios anos Nos anos 70 a poliacutetica do goshyverno se manifestou no desmembramento da organizaccedilatildeo em vaacuterias compashynhias independentes e na privatizaccedilatildeo de alguns canais de televisatildeo

Vaacuterios meios de comunicaccedilatildeo paralela foram utilizados em maio e junho de 1968

a) Panfletagem Milhotildees de panfletos foram distribuiacutedos nas unishyversidades nas faacutebricas nas ruas no metrocirc etc Seus objetivos consistiam em denunciar as manobras do governo e em chamar o povo a apoiar o movimento e participar Na sua maioria os panfletos eram produzidos por mimeografia ou impressatildeo offset nos diretoacuterios acadecircmicos e com o proacuteprio material das universidades ocupadas

Os panfletos de maio de 1968 foram nos anos 70 objeto de uma ampla pesquisa lexicoloacutegica por parte de um grupo de linguumlistas da ENS de StCloud O objetivo era o de tentar captar a peculiaridade lexical do discurso das organizaccedilotildees poliacuteticas durante os acontecimentos e apoacutes para observar a eventual possibilidade de constatar a emergecircncia de uma nova filosofia poliacutetishyca A anaacutelise lexicomeacutetrica consistiu em quantificar a frequumlecircncia de certos vocaacutebulos e as distacircncias que existem entre eles com programas de computa-

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

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dores para elaborar os lexicogramas (cf Tournier 1975 Maingueneau 1976 Robin 1977) Os resultados dessa pesquisa natildeo pareceram convincentes e a nova filosofia natildeo foi encontrada pelos computadores Talvez ela tenha pershymanecido escondida nas entrelinhas

b) Slogans e pichaccedilotildees dos muros As universidades e as ruas esshypecialmente nos locais de manifestaccedilotildees foram cobertas de pichaccedilotildees Destashycaram-se certos slogans lanccedilados por grupos anarquistas ou situacionistas por exemplo Eacute proibido proibir Debaixo dos paralelepiacutepedos a praia (Veja-se lista dos mais conhecidos slogans com traduccedilatildeo portuguesa cmMaio de 1968 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997b)

c) Cartazes Os cartazes cobriram a cidade Eram de trecircs tipos cartazes feitos a matildeo escritos com canetas de tipo hidrocor cartazes serigraacuteficos e cartazes impressos por meios convencionais Os cartazes feitos a matildeo lembravam os dazibao entatildeo utilizados na China durante a Revoluccedilatildeo Cultural As informaccedilotildees ficavam expostas em lugares estrateacutegicos nas ruas ou praccedilas para facilitar pequenos agrupamentos e discussotildees No que diz respeito aos cartazes serigraacuteficos nota-se que tiveram o maior impacto A serigrafia era uma teacutecnica pouco conhecida e foi amplamente utilizada por grupos de estudantes inclusive com auxiacutelio de alunos de Belas Artes e artistas independentes nos seus ateliers Houve uma divulgaccedilatildeo da teacutecnica Listas do material necessaacuterio circularam nas universidades e comitecircs de accedilatildeo Alguns cartazes tomaram-se antoloacutegicos e satildeo reproduzidos ateacute hoje vendidos comoposters em drugstores parisienses Podem ser tambeacutem consultashydos nas paacuteginas da Internet (cf Maio de 68 A Imaginaccedilatildeo ao Poder 1997a) Finalmente os cartazes convencionais de maior custo eram sobretudo utilizados pelas organizaccedilotildees poliacuteticas e sindicais tradicionais Por sua vez governo e partishydos conservadores utilizaram outdoors

d) Jornais Os comitecircs de accedilatildeo e comitecircs de base nas universidades e nos bairros populares lanccedilaram diversos jornais Alguns foram efecircmeros outros se mantiveram durante vaacuterios meses ou anos No comeccedilo dos acontecimentos foram lanccedilados os tabloacuteides Action e Uenrageacute que divulgaram os apelos dos grupos de estudantes da linha de frente Desapareceram rapidamente A atividade contra-inf ormativa e contracultural se manifestou nos bairros pelo lanccedilamento de folhas volantes uma delas na regiatildeo sul de Paris chamava-se Vantimite Vale salientar a existecircncia de outras publicaccedilotildees que circularam mais tempo Eacute o caso em particular dos Cahiers de Mai revista que representa uma interessante expeshyriecircncia de jornalismo militante que funcionou com alguns semiproflssionais Sua orientaccedilatildeo natildeo era didata por nenhuma organizaccedilatildeo poliacutetica constituiacuteda e pretenshydia refletir a vida dos comitecircs de accedilatildeo especialmente nas empresas e bairros A periodicidade no comeccedilo irregular tomou-se mensal Contrariamente a outros jornais os Cahiers de Mai se destacaram por sua legibilidade A redaccedilatildeo dos artigos era feita a partir da gravaccedilatildeo da fala dos trabalhadores o que permitia um estilo vivo e concreto Havia tambeacutem desenhos e caricaturas

Em mateacuteria de jornalismo profissional o mais importante fato poacutes-68 foi a criaccedilatildeo do quotidiano Liberation inicialmente lanccedilado por militan-

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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tes com a participaccedilatildeo de J P Sartre O jornal conseguiu inovar no estilo e no conteuacutedo manteacutem-se ateacute hoje

e) Histoacuterias em quadrinhos Antes dos anos 60 as histoacuterias em quadrishynhos eram sobretudo um produto da induacutestria cultural de conteuacutedo conformista (por exemplo Tintin do belga Hergeacute) A partir de 1966 e sobretudo de 1968 as histoacuterias em quadrinhos e cartoons comeccedilaram a ser utilizados pela imprensa contestataacuteria de conteuacutedo criacutetico ou subversivo Existiram diversas concepccedilotildees Por exemplo a Internationale Situationniste de orientaccedilatildeo anarquista utilizou desenhos de tipo americano convencional acoplados a um discurso subversivo nas legendas Firmou-se o cartunista Sineacute cujas charges marcaram eacutepoca Por outro lado a nova geraccedilatildeo de desenhistas surgida em 1968 (Wolinski Reiser e outros) recorreu a tipos de desenhos graficamente natildeo convencionais (o mesmo fato aconshyteceu no Brasil na mesma eacutepoca com os desenhistas do Pasquim)

Nicole de Maupeacuteou-Abboud nota que no periacuteodo 1966-1967 o mais tangiacutevel produto da crise cultural a respeito do qual falam retrospectishyvamente os antigos militantes e estudantes especialmente os do setor de leshytras foi talvez o desenvolvimento da produccedilatildeo e do consumo de estoacuterias em quadrinhos e de desenhos humoriacutesticos por parte dos mais seacuterios estudantes no campo da teorizaccedilatildeo poliacutetica Esse fenocircmeno natildeo deve ser confundido com a claacutessica mania dos universitaacuterios que consiste em ler ostensivamente ilustrados durante as aulas E em uma publicaccedilatildeo da UNEF em final de 1966 que apareceu o modo de expressatildeo dos quadrinhos e este foi utilizado como contralinguagem para negar a linguagem e o saber acadecircmicos () Nessa publicaccedilatildeo intitulada Lamba os personagens de Asterix ridicularizavam a escola e a pedagogia tradicionais (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 216-217)

A partir de 1968 essa forma de expressatildeo se generalizou em divershysas publicaccedilotildees e mesmo sob forma de panfletos O quadrinho se tornou uma teacutecnica de expressatildeo muito utilizada no contexto associativo e sindical Foi tambeacutem utilizado por professores ou pesquisadores que criticavam os granshydes mandarins da universidade

f) Fotografia A fotografia adquiriu um papel significativo no periacuteodo considerado mas com ambiguumlidade De um lado as cenas de violecircncia policial contra os manifestantes desarmados ou mesmo contra simples curiosos divulgadas em jornais tiveram um impacto contraacuterio agraves forccedilas da ordem Por outro lado cenas de barricadas carros incendiados e outras depredaccedilotildees - mesmo que fosshysem praticadas pela poliacutecia - exerciam um impacto desfavoraacutevel contraacuterio aos manifestantes Aleacutem disso as fotografias publicadas em jornais eram instrumento de identificaccedilatildeo utilizado pela poliacutecia para perseguiccedilatildeo Por essa razatildeo a fotograshyfia natildeo foi uma teacutecnica comunicativa valorizada pelo movimento

g) Comunicaccedilatildeo oral Maio de 1968 foi um periacuteodo de redescoberta da comunicaccedilatildeo oral em particular sob forma de discussatildeo improvisada nas praccedilas puacuteblicas nas esquinas nos anfiteatros nas assembleacuteias gerais nos teatros nos locais de trabalho em minicomiacutecios na porta das faacutebricas com a participaccedilatildeo de estudantes e trabalhadores Jovens e pessoas idosas isoladas na cidade pelapri-

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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meira vez podiam discutir os problemas da vida em qualquer lugar improvisado Independentemente dos meios de comunicaccedilatildeo utilizados pelos estushy

dantes no periacuteodo de maio-junho de 1968 manifestaram-se numerosos fenocircmeshynos de comunicaccedilatildeo oral descontrolada ou natildeo-desejada de tipo rumores Segunshydo Rouquette (1975) os rumores circulam em canais de transmissatildeo mal conheshycidos com ocultaccedilatildeo das fontes No meio de manifestantes parisienses vaacuterias vezes circularam rumores de uma iminente intervenccedilatildeo de tropas do Exeacutercito estacionadas nos arredores Aleacutem disso em 29 de maio dia do desaparecimento do general De Gaulle houve especulaccedilotildees e rumores a respeito da vacacircncia do poder e de uma possiacutevel intervenccedilatildeo do Exeacutercito francecircs estacionado na Alemashynha sob comando do general Massu De fato naquele dia os dois generais fizeshyram as pazes apoacutes um desentendimento de vaacuterios anos ligado agrave fase final da guerra de Argeacutelia e definiram uma atitude conjunta em caso de emergecircncia

Em certas regiotildees rurais afastadas e tradicionalmente conservadoras como a Vendeacutee circularam rumores segundo os quais grupos de combatentes chineses participavam nas manifestaccedilotildees violentas em Paris Esse fato pode ser atribuiacutedo agrave ambiguumlidade de notiacutecias veiculadas pelos meios de comunicaccedilatildeo a respeito dos grupos de militantes de orientaccedilatildeo proacute-chinesa Tambeacutem circulashyram rumores a respeito de uma iminente tomada do poder pelos comunistas que teriam guardado em esconderijos armas da Segunda Guerra Mundial

Em resumo paralelamente agrave crise universitaacuteria no contexto da coshymunicaccedilatildeo a crise geral da sociedade abalou o sistema dos meios de comunicashyccedilatildeo em massa especialmente a raacutedio-televisao estatal que ficou contestada tanshyto de fora como de dentro Por outro lado no decorrer dos acontecimentos forshymas de comunicaccedilatildeo alternativa foram espontaneamente utilizadas cartazes serigraacuteficos meetings improvisados nas ruas ou praccedilas assembleacuteias gerais pershymanentes nas universidades e teatros panfletos e imprensa paralela Isso criou um espaccedilo de criatividade que marcou eacutepoca e posteriormente foi ateacute em parte recuperado pela miacutedia para modernizar (ou poacutes-modernizar) sua linguagem

Relaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores

No funcionamento normal da sociedade existe pouco contato entre unishyversitaacuterios e trabalhadores Na sua grande maioria os estudantes provecircm das classhyses meacutedia e alta A vida social eacute organizada de modo separado Os estudantes satildeo concentrados em compi ou em centros urbanos onde prevalece o setor terciaacuterio Os trabalhadores se concentram na periferia da cidade nos subuacuterbios ou cidades-dormitoacuterios A localizaccedilatildeo no espaccedilo urbano a estrutura da jornada de trabalho e as clivagens socioculturais no lazer afastam estudantes e operaacuterios Em maio de 1968 criou-se espontaneamente um relativo rompimento dessa separaccedilatildeo Pela primeira vez estabeleceu-se um contato direto entre estudantes e operaacuterios nas ruas nas assembleacuteias em debates improvisados nos comitecircs de bairro na porta das faacutebricas Grupos de estudantes estimulavam esse contato agraves vezes barrados por representantes de sindicatos Por sua vez muitos trabalhadores individual-

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mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

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JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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THIOIXENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol UumlSR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

mente ou em pequenos grupos procuravam a discussatildeo com estudantes nas unishyversidades ocupadas A principal forma na qual se manifestava o diaacutelogo entre estudantes e trabalhadores era o comitecirc de accedilatildeo em diversos bairros Nos meses que seguiram aos acontecimentos tais comitecircs se esvaziaram foram controlados por pequenos grupos de intelectuais doutrinaacuterios e finalmente desapareceram

A comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadores durante e depois os acontecimentos foi mantida pelos diversos meios de comunicaccedilatildeo paralela anteriormente descritos (panfletos cartazes jornais etc)

Entre 1968 e 69 os estudantes mais politizados se dividiam a resshypeito das prioridades de accedilatildeo accedilatildeo interna de transformaccedilatildeo das universidashydes versus accedilatildeo externa junto aos trabalhadores urbanos ou rurais ou aos comitecircs de accedilatildeo de moradores surgidos espontaneamente em bairros populashyres no decorrer dos acontecimentos

A questatildeo do relacionamento com trabalhadores foi objeto de inshytensas discussotildees entre estudantes Havia uma oposiccedilatildeo entre duas grandes tendecircncias A primeira considerava como prioritaacuterio a reestruturaccedilatildeo da unishyversidade e a formaccedilatildeo criacutetica dos intelectuais ou futuros profissionais o que tornava secundaacuterio a relaccedilatildeo com os trabalhadores A segunda tendecircncia crishyticava a primeira como sendo reformista e corporativista Para aquela as cirshycunstacircncias histoacutericas exigiam da parte dos estudantes um maior engajamento ao lado das lutas operaacuterias O objetivo era entatildeo sair das universidades e militar nos comitecircs de accedilatildeo junto com os trabalhadores Partidaacuterios desta tenshydecircncia um grande contingente de estudantes maoiacutestas abandonaram a univershysidade e estabeleceram-se como operaacuterios natildeo qualificados em diversas emshypresas dos subuacuterbios Foi o caso de Robert Linhart que trabalhou na Citroen e mais tarde relatou sua experiecircncia e descreveu o sistema de vigilacircncia da empresa no livro Ueacutetabli traduzido em portuguecircscom o tiacutetulo^ greve na faacutebrica (1980) Para intelectuais militantes o estabelecimento em faacutebricas como operaacuterios foi uma experiecircncia difiacutecil que natildeo durou muito tempo

Outros estudantes de diversas tendecircncias optaram pelo prosseguishymento dos estudos no quadro da universidade tradicional Mas a experiecircncia teve sobre eles o efeito de uma busca de novas orientaccedilotildees de estudo relacioshynadas com os interesses das classes trabalhadoras

Nota-se que uma das formas de comunicaccedilatildeo que grupos de estushydantes tentaram implementar como modo de manter o contato com os trabashylhadores foi atraveacutes de Universidades Populares

Experiecircncia de universidade popular

Sobre a revolta estudantil de 1968 na Franccedila vaacuterios comentaristas soacute retiveram a interpretaccedilatildeo de que os estudantes pretendiam o impossiacutevel e acabaram quebrando tudo Ficou bastante esquecido o fato que diversos grushypos de estudantes tinham propostas alternativas em mateacuteria de ensino didaacutetishycacopy metodologia de pesquisa Algumas dessas propostas conheceram efecircmeras

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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concretizaccedilotildees nas Universidades Populares do veratildeo de 1968 A mesma preshyocupaccedilatildeo politizante acerca da didaacutetica e metodologia jaacute existia desde 1966-1967 entre estudantes alematildees no contexto da universidade criacutetica

De modo geral as universiteacutes populaires de 1968 na Franccedila foshyram influenciadas por experiecircncias alematildes em particular a da Universidade Criacutetica de Berlim criada em 1967 onde jaacute havia estudos com reuniotildees de estudantes e trabalhadores O principal objetivo era a aquisiccedilatildeo de meacutetodos de anaacutelise poliacutetica rigorosa e cientiacutefica que a universidade natildeo oferece (Bosc amp Bouguereau 1968 p 60)

A partir de julho de 1968 existiram vaacuterias universidades populares em Paris e cidades do interior Eram experiecircncias espontacircneas uma forma de atividade escolhida por grupos de estudantes para deixar acesa a chama do movimento de maio durante as feacuterias e a grande desmobilizaccedilatildeo que ocorreu apoacutes dois meses de ocupaccedilatildeo das faculdades e de manifestaccedilotildees de rua Em Grenoble em uma universidade popular psicoacutelogos e socioacutelogos experimenshytaram meacutetodos de pedagogia ativa e de animaccedilatildeo com princiacutepio de autogestatildeo (cfLeBoterf 1970 1974)

Estudantes da Cite Universitaire Internationale de Paris criaram uma Universidade Criacutetica de Veratildeo onde foram promovidas palestras e seminaacuteshyrios inclusive sobre os problemas do Terceiro Mundo e da Ameacuterica Latina

Descreveremos alguns aspectos da Universiteacute Populaire du 13egraveme

arrondissement experiecircncia mais bem conhecida pelo fato de termos dela parshyticipado Essa experiecircncia eacute localizada no tempo de julho a outubro de 1968 e no espaccedilo um dos bairros populares do 13deg distrito de Paris ao sul do Quartier Latin Sem duacutevida sua importacircncia eacute limitada mas foi mencionada como exemplar (Maupeacuteou-Abboud 1974 p 291) Aleacutem disso natildeo foi isolada outras ocorreram em diversas universidades inclusive no interior

Parte dos alunos do IEDES criaram uma Universiteacute Populaire em julho de 1968 para dar continuidade durante as feacuterias de veratildeo agrave mobilizaccedilatildeo dos meses precedentes e levar adiante a anaacutelise da situaccedilatildeo social e poliacutetica depois do restabelecimento da ordem Era um meio de ampliar a discussatildeo coletiva entre operaacuterios e habitantes de um bairro popular do 13deg distrito que estava em via de demoliccedilatildeo graccedilas a um plano de renovaccedilatildeo urbana

Em lugar de discutir acerca da reforma universitaacuteria certos estushydantes deram privileacutegio a formas de atuaccedilatildeo externa A ideacuteia da universidade popular era um meio provisoacuterio para desenvolver uma atividade externa sem compromisso com o sistema universitaacuterio vigente Manifestava-se a vontade de se colocar a serviccedilo da classe trabalhadora dentro de um sistema de relashyccedilotildees pedagoacutegicas natildeo convencionais

A concepccedilatildeo da universidade popular de 1968 era diferente das universidades populares do iniacutecio do seacuteculo XX que foram criticadas por Gramsci (1959 p 24-25) Na sua concepccedilatildeo antiga as universidades populashyres eram instituiccedilotildees reconhecidas com docentes profissionais expondo a ciecircnshycia ao povo Gramsci criticava essas universidades por serem marcadas pela

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ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

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JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USFJ S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

ausecircncia de uma relaccedilatildeo orgacircnica com os trabalhadores A forma de exposishyccedilatildeo permanecia abstrata e sem conexatildeo com a praacutetica Natildeo havia capacidade de se estabelecer uma ponte entre o saber erudito e a criacutetica ao senso comum Tambeacutem foi criticada a reproduccedilatildeo de haacutebitos das universidades burguesas

Na Universidade Popular do 13deg natildeo havia professores fixos nem aulas propriamente ditas tratava-se de um foacuterum de discussatildeo com estudanshytes e trabalhadores Alguns professores assistentes e jornalistas (como por exemplo GilbertMatthieu jornalista econocircmico do jornalLe Monde) particishyparam de alguns debates Os debates eram semanais organizados em funccedilatildeo de temas definidos com antecedecircncia e anunciados na rua por meio de cartashyzes jornais murais e serigrafia produzidos no ateliecirc de um artesatildeo ceramista A organizaccedilatildeo era miacutenima durante o veratildeo e baseada no voluntariado Depois de um periacuteodo de dificuldades iniciais o trabalho da Universidade Popular tornou-se produtivo Pela primeira vez em julho e agosto os estudos estavam relacionados com uma praacutetica externa com trabalhadores reais

Mas sendo natildeo fechada a organizaccedilatildeo adotada acabou favorecendo a infiltraccedilatildeo de pessoas externas filiadas a grupuacutesculos poliacuteticos e estranhas agrave proshyposta inicial Esse fato acelerou a partir de setembro a fase de decliacutenio da expeshyriecircncia Nessa fase a discussatildeo de problemas reais regrediu em prol de debates doutrinaacuterios em tomo de velhas divergecircncias existentes entre diversas correntes do marxismo e do anarquismo (por exemplo acerca da guerra civil da Espanha de 1936) o que redundou no esvaziamento das sessotildees na fuga dos trabalhadores ateacute o momento em outubro em que foi dada por encerrada a experiecircncia

Como elemento de balanccedilo pode-se considerar que a Universidade Popular do 13o despertou dentro de um pequeno grupo de estudantes e de trabalhadores assiacuteduos um vivo interesse pelos estudos Os trabalhadores em questatildeo exigiram da Comissatildeo de Faacutebrica uma compra de livros para a biblioshyteca da empresa em que atuavam Fortaleceu-se o sentimento de serem capashyzes de entender a situaccedilatildeo e de realizar pequenas enquetes sobre as condiccedilotildees de moradia em um bairro ameaccedilado pela especulaccedilatildeo imobiliaacuteria Finalmente todas essas pessoas se dispersaram a partir de 1969 quando a faacutebrica foi fechada e a linha de produccedilatildeo reestruturada em diversas faacutebricas do interior Em seguida o proacuteprio bairro foi em grande parte destruiacutedo dando lugar a preacutedios de classe meacutedia e centros comerciais

Essa experiecircncia teve um efeito importante pois deu aos estudanshytes implicados a vontade de estudar de modo mais aprofundado sociologia pedagogia e metodologia de pesquisa social inclusive no sentido de fortalecer propostas de tipo enquete operaacuteria pesquisa-accedilatildeo e pesquisa participante A concepccedilatildeo de enquete foi reestudada a partir dos textos de Marx e dos Quaderni Rossi italianos (cf Thiollent 1980) A pesquisa ativa e participativa foi considerada sobretudo a partir da concepccedilatildeo de Dumazedier (1973) Apeshysar de suas fraquezas e de seus erros sectaacuterios a Universidade Popular do 13deg teve como efeito beneacutefico o de sensibilizar estudantes para novas probleshymaacuteticas de pesquisa desconhecidas nos programas oficiais da universidade

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Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USF S Pauto 10(2) 63-100 outubro de 1998

Os acontecimentos da primavera de 1968 e as experiecircncias de veratildeo constituiacuteshyram aulas de efeito mais prolongado que as aulas convencionais

Considerando seu aspecto efecircmero a experiecircncia das Universidashydes Populares talvez pudesse ter sido denominada apropriadamente Unishyversidade Popular de Veratildeo e ter sido formulada como experiecircncia a ser repetida o ano seguinte o que natildeo ocorreu

Ensino criacutetico em economia e ciecircncias sociais

Por volta de 1968 entre economistas de esquerda discutiam-se as teses do PCF sobre o capitalismo monopolista de Estado desenvolvidas por P Boccara e que fundamentavam a estrateacutegia poliacutetica do partido As teorias de R Baran e P Sweezy foram difundidas Sobre a Ameacuterica Latina eram discutidas a teoria de centro e periferia de Andreacute Gunther Frank o modelo de Celso Furtado a teoria da dependecircncia de Fernando Henrique Cardoso todos autores de obras entatildeo receacutem-traduzidas No IEDES discutia-se a ecoshynomia do desenvolvimento com base nesses autores

De modo geral a partir de 1968 a criacutetica da economia enquanto discishyplina de ensino e pesquisa desenvolveu-se e radicalizou-se em diversas universishydades tanto naFranccedilacomo nos EUA Em si mesma anoccedilatildeo de criacutetica agrave econoshymia poliacutetica natildeo era nova Como se sabe eacute o subtiacutetulo de O capital de Marx e permaneceu como ideacuteia central do marxismo durante muito tempo A criacutetica agrave economia poliacutetica no tocante aos conceitos teorias e meacutetodos foi essencialmente marxista Houve antecessores importantes como por exemplo Thomas Hodgskin que jaacuteem 1825 mostrava na economia poliacuteticaclaacutessicaapresenccedila da teoria da poliacutetica econocircmica desejada pela classe capitalista (cf Osier 1976)

Nos anos 60 do seacuteculo XX muitos professores de economia pretenshydiam voltar a esse lado criacutetico que o ensino tradicional ignorava Paralelamente agrave criacutetica dos fundamentos da economia e de seus compromissos com os interesses de classe desenvolveu-se uma criacutetica ao ensino da economia E conhecido o sarshycasmo de Marx para com a economia vulgar tal como costumava ser ensinada Nos anos 60-70 a concepccedilatildeo criacutetica em mateacuteria de ensino econocircmico devia acomshypanhar a proacutepria criacutetica agrave economia convencional Natildeo eacute por acaso que naquele periacuteodo as correntes radicais da economia apresentaram criacuteticas endereccediladas tanshyto ao conteuacutedo das teorias quanto agraves modalidades de divulgaccedilatildeo seja sob forma de ensino sej a sob forma de informaccedilatildeo econocircmica Essa preocupaccedilatildeo se desenshyvolveu tanto na Europa como nos EUA Na Franccedila a criacutetica foi bastante influenshyciada nesse campo por experiecircncias norte-americanas

Nos EUA jaacute existia de longa data a corrente neomarxista aacuteagraveMonthly Review animada por Paul Sweezy Ao lado dela criou-se uma corrente radical numericamente mais importante Em 1968 foi criada a Union of RadicalPolitical Economy (URPE) que teve um grande impacto em vaacuterias universidades e nas associaccedilotildees de economistas Marcados pela guerra do Vietnatilde os anos 60 foram um periacuteodo de intensa conscientizaccedilatildeo especialmente no meio estudantil Entre os

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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alunos e jovens professores de economia e ciecircncias sociais manifestou-se a defa-sagem entre as teorias tranquumlilizantes e a realidade caoacutetica e desigual (cf Attali amp Guillaume 1974) A miseacuteria dos gkettos e a situaccedilatildeo do Terceiro Mundo eram fortes elementos de tomada de consciecircncia Paralelamente agrave busca de novas explicaccedilotildees entre outras baseadas na problemaacutetica marxista receacutem-introduzida no quadro universitaacuterio americano foram experimentados novos meacutetodos pedashygoacutegicos De modo bastante empiacuterico esses meacutetodos procuravam melhorar o conshytato dos alunos com a realidade circundante por meio de visitas a faacutebricas bairros pobres etc Tambeacutem foram propostas alteraccedilotildees nas regras de avaliaccedilatildeo e no tipo de relaccedilatildeo mais flexiacutevel entre professores e alunos Apoacutes vaacuterios anos de ensino criacutetico professores radicais descobriam que quando confrontados com a tarefa de fazer pesquisas de mestrado ou de doutoramento muitos alunos satildeo insufishycientemente preparados para traduzirem sua compreensatildeo teoacuterica e substantishyva da economia poliacutetica marxista emprojeto de pesquisa concreta e significatishyva (cf Hill amp Shapiro 1978) Para enfrentarem esse tipo de problema foram organizados seminaacuterios de formaccedilatildeo dedicada aos meacutetodos de pesquisa em partishycular pesquisa documentaacuteria e levantamento de informaccedilatildeo viva Devendo estar bem informada a respeito do contexto histoacuterico no qual ocorreram os fenocircmenos investigados a pesquisa radical precisa das teacutecnicas documentaacuterias A relaccedilatildeo entre a teoria marxista tatildeo valorizada nos anos 60 e as exigecircncias da pesquisa concreta constituiacutea um problema metodoloacutegico importante classicamente discutishydo pela socioacuteloga canadense P Vaillancourt (1979)

Na Franccedila nos anos 70 dando continuidade agraves batalhas ideoloacutegicas dos anos 60 muitos alunos e alguns novos professores pretendiam desenvolver um ensino criacutetico em mateacuteria de economia e ciecircncias sociais Em 1973 foi criada acircAssociationpour Ia Critique des Sciences Economiques et Sociales (ACSES) que conseguiu reunir centenas de economistas cientistas sociais professores e estudantes da universidade professores de segundo grau e profissionais de admishynistraccedilatildeo e gestatildeo de empresas Apesar de sua heterogeneidade e das dificuldades que encontrou na definiccedilatildeo de suas prioridades a Associaccedilatildeo sensibilizou uma ampla faixa do ensino de economia e ciecircncia sociais Muitos de seus membros eram remanescentes do Movimento de Maio de 1968 Nas discussotildees que marcashyram o comeccedilo da vida dessa Associaccedilatildeo foram amplamente abordadas as quesshytotildees do ensino e da pesquisa na perspectiva criacutetica A criacutetica radical do conhecishymento que a ACSES adotou estava bastante influenciada pela URPE americana Tratava-se de criticar a economia em vaacuterios niacuteveis estatuto cientiacutefico objetivos funccedilatildeo social utilizaccedilatildeo meacutetodos condiccedilotildees de trabalho acadecircmico que lhe satildeo associadas etc A Associaccedilatildeo pretendia romper o isolamento das diversas categoshyrias de economistas e cientistas sociais superar os meacutetodos artesanais formular siacutenteses criacuteticas e intervir nos debates econocircmicos nacionais e internacionais

Para desenvolver a criacutetica das ciecircncias econocircmicas e sociais a conshycepccedilatildeo prevalecente na ACSES pretendia confrontar permanentemente os disshycursos e a realidade percebida e denunciar a utilizaccedilatildeo ideoloacutegica do conhecishymento No tocante ao ensino eracriticada a praacutetica pedagoacutegica mandarinal iacuteun-

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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dada na pretensatildeo agrave monopolizaccedilatildeo do saber pelo professor Havia uma refleshyxatildeo sobre a pedagogia econocircmica no ensino de segundo grau no qual as mateacuteshyrias socioeconocircmicas comeccedilaram a ocupar um lugar mais importante a partir dos anos 70 agraves vezes em detrimento da filosofia A partir da orientaccedilatildeo adotashyda previa-se que o ensino da economia no segundo grau devia favorecer uma visatildeo histoacuterica do desenvolvimento econocircmico recorrendo como material de aula a vaacuterios tipos de documentos a) informaccedilatildeo descritiva dados estatiacutesticos relatos de acontecimentos b) material ideoloacutegico interpretaccedilotildees partidaacuterias ponto de vista dos porta-vozes do sistema c) material teoacuterico relativo agrave explicashyccedilatildeo do modo de produccedilatildeo capitalista (ACSES 1974 1975) Essas recomendashyccedilotildees foram aplicadas a tiacutetulo individual por docentes filiados agrave associaccedilatildeo A Associaccedilatildeo foi objeto de diversas barganhas poliacuteticas que a fizeram declinar Muitos de seus soacutecios ingressaram nas fileiras do Partido Socialista ou em orgashynismos sateacutelites Finalmente ela desapareceu por volta de 1977

Um fato de grande repercussatildeo na aacuterea do conhecimento econocircmico na Franccedila foi o lanccedilamento do livro de Attali e Guillaume Uanti-eacuteconomique em 1974 Com esse livro J Attali professor da Escola Politeacutecnica e assessor do Partido Socialista tornava-se conhecido foi o iniacutecio de uma grande carreira intelectual e poliacutetica A proposta do livro consistia em apresentar de um ponto de vista criacutetico e independente do marxismo os principais temas da economia poliacutetica a serem repensados em funccedilatildeo da crise dos anos 70

Desdobramentos culturais

Embora haja controveacutersia sobre a significaccedilatildeo dos acontecimentos de 1968 natildeo se pode negar que eles foram um marco importante na histoacuteria cujos efeitos ultrapassaram as fronteiras da Franccedila e prolongaram-se nas deacuteshycadas de 70 e 80

Uma geraccedilatildeo de estudantes e de jovens trabalhadores ficou marcada por esses acontecimentos inclusive por suas ilusotildees e pelas dores provocadas pelo fim das ilusotildees mas tarde nas deacutecadas de 70 e 80

A influecircncia eacute difusa e altamente contraditoacuteria Foi minimizada por certos analistas Para estudiosos que se baseiam em relatoacuterios de governo em pesquisa de opiniatildeo ou sociologia conservadora natildeo houve efeitos importanshytes Mas existem efeitos mais sutis que natildeo satildeo perceptiacuteveis nos relatoacuterios oficiais Trata-se principalmente de efeitos difusos no contexto cultural e da vida quotidiana de um grande nuacutemero de estudantes e jovens marcados por sua participaccedilatildeo ativa nos acontecimentos

De fato o movimento de maio natildeo se limitou agrave accedilatildeo de pequenas minorias Uma grande parte dos estudantes participou dos debates universitaacuteshyrios e das manifestaccedilotildees de rua Dez milhotildees de trabalhadores pararam a proshyduccedilatildeo e as faacutebricas ficaram ocupadas durante vaacuterias semanas Alguma coisa mudou na vida quotidiana de muita gente no relacionamento interpessoal na visatildeo do mundo gostos e aversotildees De um modo que sem duacutevida extrapolou

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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previsotildees de socioacutelogos e ativistas da Internationale Situationniste a criacutetica da vida quotidiana alastrou-se no seio da juventude Tal criacutetica era acompashynhada de uma criacutetica aos meios de comunicaccedilatildeo (sistema de raacutediotelevisatildeo e imprensa) na medida em que esses adquiriam um papel crescente na organishyzaccedilatildeo da proacutepria vida quotidiana As tendecircncias contraculturais ampliaram a criacutetica agrave cultura de massa propagada pela miacutedia

Oriundos dessa geraccedilatildeo grupos de estudantes seguiram os mais diversos caminhos Alguns firmaram suas convicccedilotildees poliacuteticas e militantes outros experimentaram a vida em comunidade (na cidade ou no campo) a psicanaacutelise de grupo a poliacutetica do corpo a macrobioacutetica os alucinoacutegenos a volta agrave natureza a ecologia a emigraccedilatildeo etc

Partir para o exterior especialmente para Ameacuterica Latina ou Aacutefrica ou ao contraacuterio permanecer no paiacutes de origem isso era um dilema que muitos universitaacuterios politizados conheceram na eacutepoca Reacutegis Debray havia dado o exemplo Convidado em fim de 1965 por Fidel Castro por causa de um artigo publicado na revista Les Temps Modernes ele se inseriu na organizaccedilatildeo da revoluccedilatildeo na Ameacuterica Latina Participou da guerrilha na Boliacutevia onde ficou preso a partir de 1967 Durante operaccedilotildees de contraguerrilha da mesma eacutepoca Che Guevara encontrou a morte Entre jovens revolucionaacuterios franceses havia divergecircncias sobre a questatildeo Que fazer Alguns como Reacutegis Debray estashyvam na Ameacuterica Latina outros como Robert Linhart discordavam Segundo este militante o melhor reforccedilo que os franceses podiam levar ao Terceiro Mundo era revolucionar a Franccedila (Hamon amp Rotman 1987 p 288)

Com o grande nuacutemero de trabalhadores imigrados especialmente de origem africana grupos de militantes escolheram como bandeira a alfabe-tizaccedilatildeo e as lutas dessa categoria Uma opiniatildeo da eacutepoca era que o Terceiro Mundo tambeacutem estava ali na periferia das proacutesperas cidades

Outros militantes principalmente os que foram influenciados por ideacuteias anarquistas optaram pela vida em comunidades No periacuteodo poacutes-68 multiplicaram-se experiecircncias comunitaacuterias no campo ou na cidade A vida coletiva se sustentava as vezes sem modificaccedilatildeo da atividade profissional norshymal e outras vezes com ruptura mais radical As comunidades pretendiam sobreviver por meio de atividades artesanais ou agropecuaacuterias (por exemplo tecelagem ou criaccedilatildeo de ovelhas nos Alpes) Poucas comunidades conseguishyram sobreviver mas algumas ainda existiam em 1996 E o caso por exemplo da comunidade de Longo Mai na Provenccedila que se manteacutem graccedilas a uma estrutura de solidariedade e a uma organizaccedilatildeo em cooperativas autogeridas em aacutereas de agricultura e turismo rural (cf Carlander 1996)

Nos anos 70 com a evoluccedilatildeo da poliacutetica internacional com a situashyccedilatildeo na China e no sudeste asiaacutetico apesar da vitoacuteria vietnamita sobre os forshyccedilas americanas muita gente perdeu o otimismo revolucionaacuterio dos anos 60

Os grupos radicais de esquerda dividiram-se em uma constelaccedilatildeo de grupuacutesculos A maioria deles desapareceu Na Franccedila natildeo houve como na Itaacutelia e Alemanha opccedilatildeo pela linha de luta armada agraves vezes chamada terrorismo

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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No final da deacutecada de 70 muitos sobreviventes ou herdeiros de 1968 ingressaram no fluxo social-democrata que acedeu ao poder em 1981 com Franccedilois Mitterrand Entre aqueles que natildeo se perderam nas vias sem saiacuteda da marginalizaccedilatildeo estatildeo os que conseguiram novas maneiras de se mashynifestar no quadro da social-democracia Os acenos dos poliacuteticos social-de-mocratas presentes na manifestaccedilatildeo do estaacutedio Charleacutety no dia 27 de maio de 1968 soacute chegaram a se concretizar treze anos depois aproveitando circunsshytacircncias particulares marcadas pelo desgaste da poliacutetica de V Giscard dEstaing que foi derrotado por F Mitterrand nas eleiccedilotildees presidenciais de 1981

Muitos ex-estudantes dissidentes foram recuperados pelo sistema ou pelas coisas objetos e estilos de consumo criticados em 1968 mas assimilados depois segundo um processo que foi magistralmente descrito no romanceAs Coishysas de Georges Peacuterec (1969) A volta a um novo tipo de conformismo passou pela descoberta das deliacutecias do consumo (cf Hamon amp Rotman 1987 p 289)

No anos 70 e 80 foi divulgada uma interpretaccedilatildeo pessimista quanto aos efeitos de Maio de 1968 Deixando para traacutes sua visatildeo contestataacuteria muitos ex-militantes de boa famiacutelia haviam acedido ao poder ocupando cargos imshyportantes na miacutedia nos partidos nas artes literatura etc (Heurtaux amp Reverchon 1984) Segundo R Debray Maio de 1968 foi absorvido pela miacutedia a publicidashyde recuperou os slogans os ex-revolucionaacuterios aderiram a um estilo de vida americanizado Segundo a mesma linha de interpretaccedilatildeo ospesquisadores-militantes depois de terem sonhado iccedilar a imaginaccedilatildeo ao poder contentanshydo-se de pocircr a sua proacutepria a serviccedilo do poder estabelecido tornaram-se noshyvos catildees de guarda cujas capacidades de pesquisa no seio das massas se voltaram contra o corpo social para melhor controlar suas revoltas (Molina 1984) Na linha de R Debray a significaccedilatildeo de Maio 68 natildeo eacute de tipo revolucioshynaacuterio foi apenas um momento de ruptura da sociedade francesa que permitiu a consolidaccedilatildeo do capitalismo e a adesatildeo da juventude ao modo de consumo e de vida de tipo americano (cf Ferry amp Renaut 1985)

Ao lado desse tipo de interpretaccedilatildeo deve-se salientar que no clima cultural do poacutes-1968 para certos grupos de estudantes e de jovens surgiam novas formas de sensibilidade e de rejeiccedilatildeo dos padrotildees culturais dominantes e tipos de autoridade Isso manifestava-se como uma forma de desvio em senshytido psicossocial Por traacutes desse desvio eacute necessaacuterio enxergar a contestaccedilatildeo das posiccedilotildees hieraacuterquicas e a rejeiccedilatildeo dos papeacuteis sociais correspondentes Isso poshydia ser observado em atitudes ou comportamentos Formou-se uma nova sensishybilidade relacionada com a rejeiccedilatildeo de normas autoritaacuterias da sociedade indusshytrial natildeo somente no plano da poliacutetica tradicional de governo e ou da universishydade como no plano cultural e da vida quotidiana em geral objeto de uma nova forma de politizaccedilatildeo Houve uma modalidade de rejeiccedilatildeo que ateacute mais ampla informaccedilatildeo natildeo foi suficientemente investigada pelas ciecircncias sociais

Artistas e cineastas foram sensiacuteveis a esse fenocircmeno foi exaustishyvamente expressado em filmes do suiacuteccedilo Alain Tanner por exemplo Charles mort ou vif (969) La salamandre(91) e outros mais recentes No iniacutecio

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dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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THfOLLEcircNT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

dos anos 70 o espiacuterito de maio 68 manifestou-se no cinema suiacuteccedilo (de liacutengua francesa) no modo de mostrar a ruptura psicoloacutegica e poliacutetica dos indiviacuteduos contra o conformismo da sociedade (cf Tanner 1970)

Desvio recusa rejeiccedilatildeo tudo isso natildeo chegava a formar uma doushytrina Natildeo tinha coerecircncia suficiente para chegar a constituir um coerente sisshytema de ideacuteias A crise de sociabilidade manifestou-se intensamente nas relashyccedilotildees interpessoais Foi raacutepida a tomada de consciecircncia poliacutetica dos estudantes natildeo politizados antes dos acontecimentos de 1968 Estabeleceu-se uma relashyccedilatildeo conflituosa entre o indiviacuteduo o contexto institucional na universidade na empresa no sindicato na famiacutelia etc

As formas de adesatildeo a partidos ou outras organizaccedilotildees foram alterashydas inclusive no seio da militacircncia poliacutetica e sindical A proacutepria noccedilatildeo de militacircncia chegou a ser questionada e entrou em decliacutenio especialmente a partir de 1970

No mundo das artes complementarmente agrave comunicaccedilatildeo alternatishyva houve em 1968 e nos anos seguintes uma efervescecircncia nunca vista antes em mateacuteria de teatro cinema e muacutesica

O teatro de rua tornou-se uma atividade valorizada agraves vezes inshyfluenciada pelo Living Theater de Julian Beck com grande divulgaccedilatildeo em vaacuterias praccedilas da Europa da peccedila Paradise Now Outras formas foram inshyfluenciadas pelo teatro poliacutetico de Brecht e por novas formas desenvolvidas por Ariane Mnouchkine do Theacuteacirctre du Soleil que se tornou famoso a partir dos anos 70 No festival de teatro de Avignon maio de 1968 repercutiu na programaccedilatildeo de eventos off paralelos agrave oficial

O cinema influenciado pelo espiacuterito do maio foi um cinema que abordou temas poliacuteticos situaccedilotildees de paiacuteses do Terceiro Mundo crise cultushyral e psicoloacutegica como no caso do cinema suiacuteccedilo Jean-Luc Godard abordou os temas da eacutepoca mas era geralmente criticado por diversas tendecircncias militanshytes Em mateacuteria de cinema poliacutetico e documentaacuterio Chris Marker e o holanshydecircs Joris Ivens (1898-1989) eram as principais referecircncias

Maio 1968 teve forte incidecircncia na aacuterea musical O rock e a muacutesica anglo-americana dominavam as preferecircncias das multidotildees de jovens dos anos 60 A militacircncia tendia a ver nisso o efeito do imperialismo e da dominaccedilatildeo da induacutestria cultural capitalista Essa visatildeo comeccedilou a mudar em 1969 com o surgimento de formas mais engajadas e o impacto de grandes festivais (Woodstock Ilha de Wight) que transmitiam novas formas de protesto e noshyvos estilos de vida Tambeacutem propagava-se o rock dito progressivo

Na mesma eacutepoca aleacutem do cancioneiro revolucionaacuterio de movimenshytos de vaacuterios paiacuteses que foi redescoberto houve uma revalorizaccedilatildeo da muacutesica de protesto e da canccedilatildeo francesa engajada expressada entre outras pela canshytora Colette Magny Leacuteo Ferre poeta e cantor anarquista rejuvenesceu em 1968 e depois introduziu guitarras eleacutetricas para acompanhar seus deliacuterios poeacuteticos De modo geral a canccedilatildeo francesa de qualidade se desenvolveu no periacuteodo poacutes-68 surgindo novos talentos tais como Brigitte Fontaine Areski Catherine Ribeiro Higelin etc Mais tarde houve aredescoberta do folclore e

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

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JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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das muacutesicas regionais especialmente de Bretanha e Ocitacircnia Dos EUA chegavam os ecos da revolta negra e de sua expressatildeo

musical conhecida entatildeo como New Thing ou Free Jazz com entre outros os saxofonistas Archie Shepp e Albert Ayler O estilo gritante dessa muacutesica teve grande impacto no meio estudantil francecircs Em abril de 1968 foi organizado um concerto desse tipo de jazz em anfiteatro da Faculdade de Direito de As-sas Aleacutem de muacutesicos americanos havia grupos franceses Um deles tocou uma peccedila improvisada de tiacutetulo premonitoacuterio Le 22 mars en eacuteteacute Posteshyriormente a Maio de 1968 a influecircncia do jazz de vanguarda se acentuou poreacutem limitada a um puacuteblico intelectualizado

Ciecircncias sociais e filosofia

Na deacutecada de 60 as ciecircncias sociais especialmente sociologia antroshypologia e filosofia ficaram em evidecircncia Havia uma intensa atividade na Sorbonne em Nanterre e em outras universidades Bourdieu amp Passeron (1964) haviam pushyblicado Les heacuteritiers sobre a vida estudante e preparavam o famoso livro La reproduction sobre os mecanismos seletivos do sistema escolar Touraine desenshyvolvia a sociologia do trabalho pensava a produccedilatildeo da sociedade poacutes-industrial (19681969) e iniciava o estudo dos movimentos sociais especialmente novos movimentos (estudantes mulheres ecologia etc) Lefebvre (1968a) desenvolvia a sociologia urbana e a sociologia da vida quotidiana Balandier discutia as quesshytotildees de modernidade e tradiccedilatildeo em antropologia e sociologia da descolonizaccedilatildeo (os paiacuteses africanos sob domiacutenio francecircs se tomaram formalmente independentes a partir de 1962) Naville e Friedmann dominavam a aacuterea de sociologia do trabashylho Chombart de Lauwe (1969) desenvolvia uma psicossociologia das aspirashyccedilotildees Em antropologia reinava Leacutevi-Strauss tido como mentor do estruturalismo M Godelier com seu livro Racionalidade e irracionalide em economia comeshyccedilou a ser conhecido Barthes era muito citado na aacuterea de semiologia e criacutetica literaacuteshyria Baudrillard comeccedilou a ser conhecido

Por sua vez Raymond Aron (1968) fiel agrave sua imagem de socioacutelogo de direita publicou La reacutevolution impossible dando continuidade a um livro anterior Uopiwn des intellectuels no qual criticava a intelectualidade de esshyquerda e seus mitos

Os anos 60 foram marcados pelo auge do estruturalismo movimento intelectual que emfilosofia ciecircncias sociais e psicanaacutelise pretendia alcanccedilar um maior grau de cientificidade a partir da elucidaccedilatildeo e se possiacutevel da formalizaccedilatildeo das estruturas invariantes que estatildeo por traacutes dos discursos ou das atividades hushymanas A ideacuteia comeccedilou em linguumliacutestica na qual vigorava a anaacutelise estrutural e a semioacutetica alastrou-se em antropologia sob a influecircncia de Claude Leacutevi-Strauss A psicanaacutelise foi estruturalizada por Jacques Lacan O marxismo era objeto de uma releitura estruturalizante por parte de Althusser e seu grupo da ENS (1967b) Michel Foucault em suas obras As palavras e as coisas eArqueologia do saber convergia para um tipo de anaacutelise considerado como estruturalismo com sua con-

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

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Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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figuraccedilatildeo teoacuterica da qual o homem e o sujeito estavam ausentes No entanto Foucault nunca se considerou como expoente do estruturalismo

Antes de 1968 o clima estruturalista desenvolvia-se essencialmenshyte em tomo das obras de Foucault Lacan Althusser Derrida etc Esses autores estavam envolvidos em grandes empreendimentos teoacutericos cuja trajetoacuteria natildeo se relacionava estritamente com os acontecimentos de maio de 1968 Todos eles discutiam e reinterpretavam aspectos bastante abstratos do legado filosoacutefico germacircnico dos seacuteculos XIX e XX (Hegel Marx Nietzsche Freud Heidegger) Apesar da grande diversidade de abordagens um ponto em comum que se disshycutia nos anos 60 era o anti-humanismo teoacuterico (cf Ferry amp Renaut 1985)

O estruturalismo se posicionava contra o existencialismo de J P Sartre explicitamente definido como humanismo que dominava o palco da filosofia francesa desde o iniacutecio dos anos 50 Sartre que desenvolveu posiccedilotildees a partir da fenomenologia do existencialismo e de uma leitura de Heidegger e Marx era criticado como humanista e pensador do sujeito ou da subjetividade Os estrutu-ralistas trabalhavam a partir de fontes filosoacuteficas diversas mas tinham em coshymum a criacutetica ao homem enquanto categoria filosoacutefica e ao humanismo em geral Uma frase muito pronunciada na eacutepoca foi Uhomme connaispas

A filosofia estruturalista pretendia alcanccedilar um alto padratildeo de cientificidade O expurgo dos temas humanistas era condiccedilatildeo de acesso agrave consshytruccedilatildeo de objetos cientiacuteficos para o marxismo Althusser (1967a 1972) declashyrava que o marxismo natildeo era um humanismo As estruturas descobertas em O capital de Marx natildeo deixavam lugar agrave valorizaccedilatildeo do homem ou do sujeito O autor chegou a considerar o desvio staliniano como efeito do humanismo no marxismo Segundo ele o humanismo estaacute sempre associado agrave ideologia burguesa Muitos estudantes maoiacutestas da ENS da rua de Ulm estavam sob influshyecircncia de Althusser mas a liquidaccedilatildeo do homem natildeo impedia manifestaccedilatildeo de simpatia para com o indiviacuteduo Sartre (cf Hamon amp Rotman 1987 p 263)

Em sua maioria os estudantes que se revoltaram em 1968 natildeo possuiacuteshyam profunda leitura da filosofia estruturalista Essa filosofia era abstrata especulativa e afastada das exigecircncias da accedilatildeo Por exemplo a discussatildeo althusseriana do corte epistemoloacutegico entre as obras de juventude e de maturidade de Marx a discussatildeo de Derrida sobre a diferenccedila ontoloacutegica em Heidegger a estrutura da linguagem do inconsciente em Lacan a morte do homem em Foucault todas esses temas remetiam aquestotildees muito abstratas longe dos problemas imediashytos da universidade e dos movimentos sociais As discussotildees filosoacuteficas comeccedilashyram antes de 1968 e continuaram depois mas natildeo foram muito influenciadas peshylos acontecimentos Aleacutem disso novas questotildees emergiram desses acontecimenshytos - criacutetica agrave autoridade dissidecircncia manifestaccedilatildeo do desejo - contribuiacuteram para limitar a discussatildeo estruturalista a um exerciacutecio intelectual em ciacuterculos restritos

Maio de 68 contribuiu para desatualizar o estruturalismo Eacute compreensiacuteshyvel que um ideaacuterio centrado na morte do sujeito e na busca de in variantes nas estrushyturas da economia da sociedade do inconsciente etc natildeo podia ter grande utilidade entreos jovens preocupados com movimento a mudanccedila as barricadas etc

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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Tradicionalmente o filoacutesofo eacute uma pessoa discreta que consagra sua vida ao mundo dos livros e ao silecircncio da reflexatildeo Em 1968 grandes filoacutesofos como Sartre e Foucault saiacuteram agraves ruas participando de manifestaccedilotildees Filosoficamente manifestaram maior preocupaccedilatildeo com os problemas da eacutepoca No periacuteodo poacutes-68 Sartre deu apoio um momento ao movimento maoiacutesta Gauacuteche Proleacutetarienne e Foucault interveio de modo direto em lutas a favor de presos doentes mentais e outros marginalizados Participou do GIP (Groupe Information Prisons)

No clima anti-humanista dos anos 60 marcado pelo eclipse do homem e do sujeito os acontecimentos de 1968 tiveram como consequumlecircncia o fato de recolocar agrave tona as questotildees do sujeito ou do indiviacuteduo O edifiacutecio estruturalista foi de repente perturbado pela volta do sujeito com suas accedilotildees seus desejos e outras caracteriacutesticas Complementar ao sujeito um novo conceito teoacuterico surshygia o desejo desenvolvido entre outros por J P Dolleacute O desejo estaacute tambeacutem presente em Deleuze e Guattari que se encontraram pela primeira vez em 1968 e comeccedilaram a redigir UAnti-Oedipe Capitalisme etschizophreacutenie publicado em 1972 iniciando um ciclo de obras que dominaram as deacutecadas de 70 e 80

Aleacutem dos filoacutesofos mais consagrados o periacuteodo poacutes-68 foi marcashydo pelo surgimento de uma nova geraccedilatildeo de filoacutesofos com Andreacute Glucksman Bernard-Huvert Leacutevy etc Nos anos 70 alguns membros dessa nova geraccedilatildeo comeccedilaram a criticar o marxismo ortodoxo e posteriormente as outras forshymas de marxismo e tambeacutem o racionalismo em geral A partir de 1975 forshymaram um movimento de pensamento chamado Nova Filosofia Essa tenshydecircncia foi amplamente divulgada pela miacutedia e alimentou um ideaacuterio indivishydualista agraves vezes conservador (cf Colin 1980)

De fato a ruptura com o marxismo ortodoxo estava amplamente conshysumada pois todo o movimento de maio de 1968 organizou-se em contraposiccedilatildeo ao PCF Os liacutederes estudantis eram pejorativamente chamados aacutecgauchistes pelos dirigentes daquele partido No plano das ideacuteias gerais e em particular filosoacuteficas o marxismo ortodoxo divulgado pela URSS natildeo encontrava mais audiecircncia O esmagamento do movimento da Primavera de Praga pelas tropas do Pacto de Varsoacutevia no veratildeo 1968 completou a ruptura Esse modelo de marxismo natildeo podia ser seguido pelas novas geraccedilotildees (Ningueacutem imaginava todavia que a URSS ia deixar de existir vinte e um anos mais tarde)

Certas formas de anti-sovietismo natildeo implicavam ruptura com o marshyxismo Os trotskistas maoiacutestase gramscianos apresentavam alternativas teoacutericas aos dogmas da URSS Na deacutecada de 70 o trotskismo continuou como discurso anti-staliniano mas com poucos avanccedilos teoacutericos Rapidamente no iniacutecio dos anos 70 o maoiacutesmo ficou prejudicado pelas lutas de poder na China e as revelashyccedilotildees acerca dos excessos cometidos em nome da Revoluccedilatildeo Cultural O gramscismo por sua vez teve um grande impacto entre os intelectuais para reshypensarem seu papel na sociedade junto aos trabalhadores No entanto essa tenshydecircncia natildeo se deu uma organizaccedilatildeo consequumlente e foi viacutetima de uma retoacuterica sobre os intelectuais orgacircnicos e o bloco histoacuterico que a tomou pouco operante

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica rompeu com as concepccedilotildees marxistas de um

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modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

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DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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THIacuteOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

modo proacuteximo agrave visatildeo de R Aron O marxismo em geral foi responsabilizado pelas atrocidades do stalinismo Na visatildeo tradicional dos comunistas dos anos 60 a era Stalin tinha sido apenas um desvio relacionado com as dificuldades do sociashylismo em um uacutenico paiacutes e do confronto com o nazismo mas isso natildeo abalava a justeza da doutrina marxista-leninista Os novos filoacutesofos contestaram essa posishyccedilatildeo culpando natildeo somente Stalin como tambeacutem Lecircnin Marx Engels Hegel e outros pensadores do seacuteculo XIX No auge dessa contestaccedilatildeo entre 1975 e 1979 os novos filoacutesofos davam razatildeo a Soljenitsyne na sua denuacutencia do Gulag e sua recusa do socialismo Para a grande satisfaccedilatildeo da intelectualidade de direita Hubert-Bemard Leacutevy Andreacute Glucksman e outros dessacralizaram as obras dos fundadoshyres do marxismo Para tanto beneficiaram-se do amplo apoio da miacutedia e das granshydes editoras Os jovens dos anos 70 e 80 absorveram essa criacutetica que os afastou definitivamente da leitura do marxismo

A nova geraccedilatildeo filosoacutefica pretendia romper natildeo somente com o marshyxismo como tambeacutem com o iluminismo o racionalismo etc Foi um momento de volta ao irracionalismo de Nietzsche anteriormente anunciada por Foucault Esse momento de nova filosofia em certos aspectos foi o sinal precursor do que ia ser chamado a partir dos anos 80 de pensamento poacutes-moderno Natildeo podemos dizer que os acontecimentos de 1968 satildeo a causa desse movimento de pensamento mas eacute claro que a ruptura de 1968 foi um momento significativo nas crises do pensamento ocidental das uacuteltimas deacutecadas do seacuteculo XX

A partir do final da deacutecada de 70 Nietzsche autor de referecircncia foi adaptado ao estilo parisiense e considerado como precursor do poacutes-modemismo Por sua vez o estruturalismo deixou de ser referecircncia obrigatoacuteria mas parte de suas posiccedilotildees foram absorvidas pelo poacutes-modernismo Hoje Foucault Lyotard e Derrida satildeo considerados como formuladores da poacutes-modernidade e estatildeo sendo absorvidos pela filosofia poacutes-modema norte-americana (cfGrenz 1997)

De categoria filosoacutefica abstrata o sujeito passou a ser entendido como categoria psicoloacutegica social e poliacutetica de modo individual e coletivo De modo individual o sujeito remete a uma busca de identidade de prazer ou de responsashybilidade pessoal em diversas situaccedilotildees de vida A visatildeo individualista corresponde a uma forma exacerbada de encarar o indiviacuteduo sua moral seu comportamento de consumo ou de procura do prazer seu papel na sociedade com desinteresse por causas sociais etc O sujeito coletivo por sua vez remete ao proletariado agrave classe ao grupo enfim ao ator social capaz de mobilizar-se organizar-se e desencadear acontecimentos histoacutericos Os estruturalistas e os que vieram depois negavam a capacidade transformadora da sociedade pelo sujeito coletivo

Aparentemente o individualismo cresceu a partir do final da deacutecashyda de 60 contribuindo para uma mudanccedila cultural da juventude que se afasshytou do ideaacuterio socialista e tornou-se favoraacutevel em parte ao liberalismo Messhymo durante os quatorze anos do regime mitterrandista o individualismo natildeo se limitou agrave esfera do pensamento filosoacutefico entrou no quadro de referecircncia pessoal das condutas no caso condutas de desengajamento

Como jaacute mencionamos uma outra categoria psicoloacutegica efilosoacutefi-

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ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

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Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioi USR S Paulo 10(2 63-100 outubro de 1998

ca foi popularizada no poacutes-68 o desejo A afirmaccedilatildeo do desejo difundiu-se como modo individualista de viver minimizando os tabus e repressotildees no contexto da sexualidade

Do ponto de vista do conhecimento eacute interessante observar a relaccedilatildeo entre o mundo das ideacuteias abstratas e o mundo dos acontecimentos sociais e da vida real (rua famiacutelia escola faacutebrica etc) O mundo da ideacuteias parece lento mas as reviravoltas satildeo bruscas e inesperadas Em 1968 a lentidatildeo do pensamento parecia associada ao fato que a maioria dos pensadores da eacutepoca ainda estavam a destilar o pensamento alematildeo do seacuteculo XIX e iniacutecio do seacuteculo XX De repente os acontecimentos produziram uma aceleraccedilatildeo extraordinaacuteria com grande reviravolshyta do marxismo e da anaacutelise de modos de produccedilatildeo passou-se com rapidez ao desejo e a outros temas individualizantes Estudos de sociologia do conhecimento poderiam mostrar com maior evidecircncia de um lado os efeitos dos acontecimentos sobre o pensamento e por outro do pensamento sobre os acontecimentos Ainda seria interessante sobre a questatildeo do desejo conhecer sociologicamente quem (categorias sociais) estaacute desejando o quecirc (objetos sociais)

Yves Barel analisou formas do individualismo e da autonomia que se espalharam a partir de 1968 nos campos econocircmico poliacutetico e cultural e em novos tipos de marginalidade (cf Barel 1982 e 1984) Gilles Lipovetsky analisou o individualismo nas artes e na vida cotidiana que se manifesta em comportamentos narcisistas e caracteriza a formaccedilatildeo da poacutes-modernidade (cf Lipovetsky 1983) Esse novo individualismo foi objeto de discussatildeo em Ferry amp Renaut (1985) e no Brasil em Cardoso (1989)

A ecircnfase no individualismo poacutes-modemo foi no entanto criticado por autores como C Castoriadis o indiviacuteduo livre soberano autaacutertico substancial natildeo eacute muito mais na maioria dos casos que uma marionete cumprindo espasmodicamente os gestos que lhe impotildee o campo social-his-toacuterico ganhar dinheiro consumire gozar (se conseguir) Supostamente livre de dar a sua vida o sentido que ele quer ele lhe daacute na esmagadoshyra maioria dos casos apenas o sentido jaacute difundido isto eacute o natildeo-senso do indefinido aumento do consumo Sua autonomia volta a ser heteronomia sua autenticidade eacute o conformismo generalizado que reina a nosso reshydor (Castoriadis apudVogeacutei s d)

Como podemos observar as ideacuteias de 1968 satildeo o preluacutedio de transshyformaccedilotildees profundas no mundo das ciecircncias sociais e da filosofia O debate natildeo estaacute encerrado

Consideraccedilotildees finais

Um projeto de pesquisa eacute como urn projeto de vida dizia um velho professor Maio de 68 marcou quem quis fazer da vida um projeto de pesquisa Em qualquer projeto de pesquisa eacute possiacutevel ver agraves vezes nas entreshylinhas atitudes profundas de seus autores Projetos de caraacuteter emancipatoacuterio metodologia de pesquisa participativa e outros objetivos ou meacutetodos voltados

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para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

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MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997b) Cartazes e cartoons http wwwdeutadpt-fgouveiamaio68maio68sloghtml

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VOGEL J Reacutesisteragravel insigniflance et au conformisme lthttpwwwintibe cesepvogelshtmgt

WRIGHT MILLS C (1967) Limagination sociologique Paris Franccedilois Maspero

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Page 30: Maio de 1968 em Paris - jorgesapia.files.wordpress.com · THIOLLENT, Michel. Maio de 1968 em Paris: testemunho de um estudante. Tempo Social; Rev. Socioí. USR S. Paulo, 10(2): 63-100,

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

para a conscientizaccedilatildeo popular ganharam espaccedilo depois de 1968 dentro de um ideal de ciecircncia compromissada com os atores da realidade e seus probleshymas Isso natildeo deve ser confundido com a velha atitude iluminista Nas ciecircnshycias sociais esse momento representou uma profunda ruptura no plano da metodologia e da concepccedilatildeo de ciecircncia

Muitas discussotildees de maio de 1968 giravam em torno da educaccedilatildeo e da comunicaccedilatildeo Ambas estiveram no centro das atenccedilotildees desde aquela eacutepoca De um lado havia crise profunda no sistema de ensino tradicional com vioshylenta contestaccedilatildeo estudantil e procura de experiecircncias alternativas (contra-cursos universidade criacutetica etc) Por outro lado manifestava-se a vontade de se estabelecer novas formas de comunicaccedilatildeo entre estudantes e trabalhadoshyres inclusive recorrendo a novos canais de divulgaccedilatildeo das ideacuteias como por exemplo por meio das tentativas de Universidades Populares

Os acontecimentos de Maio 1968 mostraram que as transformaccedilotildees educacionais comunicacionais e sociais desencadeiam-se sob pressatildeo do movishymento de base e com antecipaccedilatildeo ativa de grupos de estudantes ou trabalhadoshyres As reformas planejadas de cima para baixo satildeo lentas e ineficazes

Aleacutem do objetivo de tomada de poder em sentido convencional criou-se um espaccedilo para uma accedilatildeo cultural nas instituiccedilotildees contra diversas formas de autoritarismo Surgiram elementos de esteacutetica e uma contra-cultura favoraacutevel agrave visatildeo ecoloacutegica (cf Boochkin 1978) A criacutetica ao mundo industrial (industrialismo) gerada pela revolta formou uma base de pensamento que se desenvolveu nos posteriores movimentos ecoloacutegicos ou partidos verdes O proacuteshyprio itineraacuterio de Cohn-Bendit e de muitos outros confirma isso O ex-liacuteder do Mouvement du 22 mars eacute militante do Partido Verde alematildeo (Die Gruumlnen) desshyde 1984 e foi eleito deputado do parlamento europeu em 1994 (cf Biographie sd) Sua evoluccedilatildeo e seu posicionamento continuam coerentes

Em 1968 cresceu a desconfianccedila para com as autoridades e hierarshyquias em diversas instituiccedilotildees especialmente nas universidades e centros de pesquisa Havia uma criacutetica ao conteuacutedo do ensino aos meacutetodos de didaacutetica e de pesquisa No imediato poacutes-maio 68 muitos cursos de marxismo e de mateacuteshyrias de conteuacutedo criacutetico foram implantados Havia uma ampla sensibilizaccedilatildeo aos problemas do adestramento A criacutetica aos condicionamentos valia tanto na aacuterea de educaccedilatildeo (criacutetica agrave pedagogia autoritaacuteria) como na de comunicashyccedilatildeo (criacutetica agrave linguagem da miacutedia)

No caso dos estudantes do IEDES voltado para os problemas do Terceiro Mundo houve um acirramento da criacutetica das concepccedilotildees do desenvolshyvimento da poliacutetica francesa na Aacutefrica e da poliacutetica americana no sudeste asiaacuteshytico e na Ameacuterica Latina Menciona-se de passagem que mais tarde nos anos 70 as novas geraccedilotildees de alunos que ingressaram na Universidade exigiam no conteuacutedo do ensino menos marxismo menos criacutetica e mais instrumentos

A velha ideacuteia de autogestatildeo formulada inicialmente por anarquisshytas ganhou a partir de 1968 uma ampla aceitaccedilatildeo como proposta de gestatildeo de empresas ou cooperativas e tambeacutem no campo das praacuteticas educacionais na

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investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

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contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

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UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

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Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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(1984)Lasocieacuteteacuteduvide Paris Seuil BENSAIacuteD D ampWEBER H (1968) Mai 1968 une reacutepeacutetition geacuteneacuterale Paris

Franccedilois Maspero

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MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997b) Cartazes e cartoons http wwwdeutadpt-fgouveiamaio68maio68sloghtml

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VOGEL J Reacutesisteragravel insigniflance et au conformisme lthttpwwwintibe cesepvogelshtmgt

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THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociacuteol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

investigaccedilatildeo social na formulaccedilatildeo de reivindicaccedilotildees e na conduta de movishymentos grevistas A autogestatildeo se apresentou como modelo de gestatildeo social da produccedilatildeo e como sistema poliacutetico alternativo agrave ditadura do proletariado ateacute entatildeo admitido como dogma pelo movimento comunista

As novas formas espontacircneas de accedilatildeo como ocupaccedilatildeo dos locais de poder por exemplo escritoacuterio de diretorias foi uma praacutetica adotada por grupos militantes em universidades e empresas Antes de 1968 parecia difiacutecil praticar accedilotildees de tanta ousadia para exigir respostas imediatas dos diretores e evitar subterfuacutegios

Para muitos estudantes da geraccedilatildeo 68 os acontecimentos e o contexto geral da eacutepoca foram propiacutecios agrave aquisiccedilatildeo de uma concepccedilatildeo de vida diferente um olhar uma independecircncia para com as doutrinas e hierarquias estabelecidas Inclusive nas artes jovens procuravam expressar algo diferente estabelecendo relaccedilotildees com movimentos populares e desafiando vaacuterios tipos de poder Nos estushydos adquiriram uma estrutura de relevacircncia diferente do saber acadecircmico tradishycional Na pesquisa social e na educaccedilatildeo procurava-se um novo ideaacuterio metodoloacutegico capaz de dar outra relevacircncia aos fatos e de estabelecer uma particishypaccedilatildeo entre os interessados ou forma de atuaccedilatildeo praacutetica e permanente

No meio estudantil o clima cultural poacutes-1968 foi marcado por uma forma de alergia aos fatos de autoridade e havia ateacute certo ponto negaccedilatildeo de qualquer forma de lideranccedila Isso levou alguns a um comportamento descritishyvo isto eacute orientado para analisar os fatos mas com enfraquecimento do papel de ator As ideacuteias natildeo podiam ser usadas para influenciar ou oprimir os outros Com esse argumento houve uma forma de retraimento que deixou espaccedilo a ativistas de outro tipo que eram mais oportunistas manipuladores ou arrivistas

A partir de 1969 entre os estudantes que conheciacuteamos manifesshytou-se maior sensibilidade por assuntos educacionais agudizados pelas frusshytraccedilotildees geradas pelo sistema universitaacuterio vigente No iniacutecio dos anos 70 no que temos percebido o sentimento prevalecente entre participantes do movishymento era de natildeo ter feito o suficiente de ter perdido muitas oportunidades ou deixado de formular projetos mais ambiciosos Posteriormente durante vaacuterios anos para aqueles que se engajaram na vida universitaacuteria o essencial era conseguir sobreviver de um lado sem cair nas loucuras individuais e coleshytivas nas quais muita gente de 1968 acabava se precipitando e por outro lado sem sair pela porta da facilidade da concessatildeo ou acomodaccedilatildeo A perseveranshyccedila era necessaacuteria assim como certa indiferenccedila para com os aspectos negatishyvos da vida cotidiana e a falta de estiacutemulo do meio circundante

Aleacutem de seus excessos de suas ilusotildees ou confusotildees o movimento de maio de 1968 incentivou em muitos lugares do mundo a criacutetica coletiva do conhecimento inadequado aquele que soacute eacute capaz de justificar o statu quo Em 1968 lia-se a criacutetica ao homem unidimensional endereccedilada por Marcuse ao conhecimento moldado pela dominaccedilatildeo capitalista Hoje trinta anos depois de 1968 o mundo eacute bastante diferente A cultura valoriza mais o individualismo O socialismo se tomou assunto pouco estudado e aparentemente natildeo existe mais

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

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THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

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DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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BETTELHEIM B (1964)Socialchange andprejudice includingdynamics of prejudice [by] Bruno Bettelheim and Morris Janowitz New York Free Press of Glencoe

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THIQLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

BOOCHKIN M (1978) Por una sociedad ecoloacutegica Barcelona Gustavo Gili

Bosc S amp BOUGUEREAU J M (1968) O movimento dos estudantes berlinenses Um precedente In amp GAVI P (1968)A crise europeacuteia revolta ou revoluccedilatildeo Rio de Janeiro Degrau Promoshyccedilotildees

BOURDIEU P amp PASSERON J C (1964) Les heacuteritiers Paris Minuit Trad espanhola Los estudiantes y Ia cultura Barcelona Editorial Lashybor 1967

CAPALDI N (org) (1974) Da liberdade de expressatildeo Rio de Janeiro Editoshyra FGV

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CARLANDER I (1996) Coopeacuterer changer Ia vie Les irreacuteductibles de Longo Maiacute http www mit edupeopledrorlondrorhtml

CHOMBART DE LAUWE P H (1969) Pour une sociologie des aspirations Paris Denoel

COHN-BENDIT D et alii (1968) A Revolta estudantil Rio de Janeiro Editoshyra Laudes

Biographie (sd) Online Eurpospeed httpwwwoeko-netde eurospeed7dcbfranzhtm

COLIN P (1980) Os Novos Filoacutesofos - sua relaccedilatildeo com o marxismo e com o estmturalismo Reflexatildeo Puccamp Campinas 165-26

DELEUZE G amp GUATTARI F (1972) UAnti-Oedipe Capitalisme et schizophreacutenie Paris Eacuteditions de Minuit

DEBORD G (1972) A sociedade do espectaacuteculo Lisboa Afrodite

DOCUMENTATION FRANCcedilAISE Chronologie des eacutevegravenements de mai-juin 1968 Notes et Eacutetudes Documentaires 3722-3723

DUMAZEDIER J (913) Lazer e cultura popular Satildeo Paulo Perspectiva

DUTEUIL J P (1988) Nanterre 1965-68 vers le mouvement du 22 mars Mauleacuteon Acratie

ENTHOVEN J P (1974) Les preacutecurseurs allemands de mai 1968 Le Nouvel Observateur 9111974 p 72-73

EacuteTUDES lthttpwwwphosphorecomfrenchlexiquelexique_etudes htmlgt

FERRY L amp RENAUT A (1985) Lapenseacutee 68 Essai sur Vanti-humanisme contemporain Paris Gallimard Trad bras Pensamento 68 Satildeo Paulo Ensaio 1989

GOLDMAN R (1975) Souvenirs obscurs dun juif polonais neacute en France Paris Seuil

GOMBIN R (1971) Les origines du gauchisme Paris Seuil

GRAMSCI A (1959) Oeuvres choisiesParis Eacuteditions Sociales

THiOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

GRENZ S J (1977) Poacutes-modernismo Um guia para entender a filosofia do nosso tempo Satildeo Paulo Vida Nova

HAMON H ampROTMAN R (1987) Geacuteneacuteration Lesanneacuteesde recircve Paris Seuil

HEURTAUX M ampREVERCHON O (1984)Ou eacutetaient-ils enMaiLesNouvelles 3-10maip 80-83

HILL R C ampSHAPIRO B J (1978) Training the radical researcher A course on bibliographic methods for document research The Insurgent Sociologist VIII 51-63

INTERNATIONALE SITUATIONNISTE (1966) De Ia misegravere en milieu eacutetudiant httpwwwnothingnessorgSIjournalfrmiserehtml

LA REFORME DU SYSTEgraveME DENSEIGNEMENT EN CHINE (1969) Suppleacutement agrave Chine Aujourdhui 13

LAING R (1969) Lapolitique de Vexpeacuterience Paris Stock

LAPASSADE G (1963) Psychologie et politique Recherche Universitaire 4-5 75-85

LE BOTERF G (1970) Une expeacuterience dautogestion dans Ia formation Autogestion et Socialisme 13-14111-121

(1974) Formation et autogestion Paris ESFEME

LEFEBVRE H (1968a) La vie quotidienne dans le monde moderne Paris Gallimard

et alii (1968b) Irrupccedilatildeo a revolta dos jovens na sociedade indusshytrial causas e efeitos Satildeo Paulo Documentos

LINHART R (1980) A greve na faacutebrica Rio de Janeiro Paz e Terra

LIPOVETSKYG (1983) UEre duvide Essai sur Vindividualisme contemporain Trad port Lisboa Reloacutegio dAacutegua 1989 Paris Gallimard (Folio-Essais 1993)

MACCIOCCHI M A (1974) Pour Gramsci Paris Seuil

MAINGUENEAU D (1976) Initiation aux meacutethodes de l analyse du discours Paris Hachette-Universiteacute

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997a) Cartazes e cartoons http wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68cartlhtml

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997b) Cartazes e cartoons http wwwdeutadpt-fgouveiamaio68maio68sloghtml

MAO TSEacute-TOUNG (1967) Quatre essais philosophiques Pekin Eacuteditions en Langues Etrangegraveres

MARCUSE H (1968) Uhomme unidimensionnel Paris Eacuteditions de Minuit

MAUPEacuteOU-ABBOUD N de (1974) Ouverture du ghetto eacutetudiant La gauacuteche eacutetudiante agrave Ia recherche dun nouveau mode dintervention politique (1960-1970) Paris Anthropos

99

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

MOLINA G (1984) Les reacutevisionnistes de 1apregraves-Mai Les Nouvelles 3-10 mai

MORIN E amp LEFORT C amp COUDRAY J-M (1968) La Bregraveche Premiegraveres reacuteflexions sur les eacuteveacutenements Paris Fayard mai

OSIER J-P (1976) Thomas Hodgskin Une critique proleacutetarienne de V eacuteconomie politique Paris Franccedilois Maspero

PEacuteREC G (1969) A Iacute coisas Satildeo Paulo Nova Criacutetica

PERROUX F (1969) Franccedilois Perroux interroge Herbert Marcuse qui reacutepond Paris Aubier-Montaigne

PORTELLI H (1972) Gramsci et le bloc historique Paris PUF

POULANTZAS N (1968) Pouvoir politique et classes sociales de Veacutetat capitaliste Paris Franccedilois Maspero

QUADERNI Rossi (1968) Lutas ouvriegraveres et capitalisme daujourdhui Pashyris Franccedilois Maspero

RIBEIRO D (1969)A universidade necessaacuteria Rio de Janeiro Paz e Terra

ROBIN R (1977) Histoacuteria e linguumliacutestica Satildeo Paulo Cultrix

ROUQUETTE M L (1975) Lei rumeurs Paris PUF

SCHWARTZMAN S (1981) Ciecircncia universidade e ideologia Rio de Janeiro Zaharp 99-103

TANNER A (1970) Charles mort ou vif UAvant Scegravene-Cineacutema 108

THIOLLENT M (1980) Criacutetica metodoloacutegica investigaccedilatildeo social e enquecircte operaacuteria Satildeo Paulo Polis

TOURAINE A (1968) Le Mouvement de Mai ou le communisme utopique Paris Seuil

(1969) La socieacuteteacutepost-industrielle Paris Denoegravel

TOURNIER Metalii (1915) Des tracts em mai 1968 analyse de vocabulaire et de contenu Paris Armand Colin

VAILLANCOURT P (1979) Le marxisme empirique dans les pays de lOuest Cahiers du Socialisme Montreal 4108-179

VANEIGEM R (1967) Traiteacutede savoir-vivre agrave Vusage desjeunes geacutenecircrations lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traiteindexhtmlgt

VOGEL J Reacutesisteragravel insigniflance et au conformisme lthttpwwwintibe cesepvogelshtmgt

WRIGHT MILLS C (1967) Limagination sociologique Paris Franccedilois Maspero

100

Page 32: Maio de 1968 em Paris - jorgesapia.files.wordpress.com · THIOLLENT, Michel. Maio de 1968 em Paris: testemunho de um estudante. Tempo Social; Rev. Socioí. USR S. Paulo, 10(2): 63-100,

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

contestaccedilatildeo por parte de estudantes universitaacuterios As teacutecnicas de gestatildeo e o ideaacuterio do neoliberalismo ou da globalizaccedilatildeo satildeo vistos como mais importantes que o conhecimento criacutetico Isso corresponde ao chamado pensamento uacutenico especialmente em economia que pretende excluir qualquer alternativa Um grande desafio para o conhecimento criacutetico seria justamente poder considerar como alvo principal a desconstruccedilatildeo desse pensamento uacutenico Tanto na universishydade como fora dela seria entatildeo possiacutevel imaginar novas alternativas de ensino criacutetico e de pesquisa que pudessem aproximar alunos e docentes de problemas reais vividos pela grande maioria da populaccedilatildeo

Recebido para publicaccedilatildeo em agosto1998

THIOLLENT Michel Paris May 1968 witness of a student Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 october 1998

A B S T R A C T This article aims to present the happenigs occured in France in May 1968 and its consequences in the intelectual and university wor ld The topics are the context of the university crises the forms of s tudanfs complaint against the teaching of Social Sciences and Economy and the intelectual sources of the movement Based on unpublished documents many experiences of al ternative communicat ion are descr ibed and the relat ionship between students and employees during the happenning and even an attempt to make a Popular University in the 131 district of Paris f rom July to October 1968 as wel l Some aspects of the debates and the evolution of the Social Sciences and the Philosophy post 68 are anal ised This per iod was remarked by the crises of the socialist set of ideas and the growth of the individual ism

Anexo 1

Em 1997 e 1998 na Franccedila foram publicados vaacuterias dezenas de noshyvos livros sobre os acontecimentos de 1968 ou suas consequumlecircncias que natildeo puderam ser incorporados no presente trabalho Entre os principais

AURON Y (1998) Lesjuifs dextreme gauacuteche en mai 68 Paris Albin Michel CARONG (1998) Afaz 68 lejournai ParisCalmann-Leacutevy CORBIN A amp MAYEUR J M (1998) La Barricade Paris Publications de Ia

Sorbonne FAUREacute CMai 68 jour etnuit Paris Gallimard Deacutecouvertes350 FOCCART J (1998) Le General en Mai Journal de 1Elyseacutee - H 1968-1969

Paris FayardJeune Afrique GALLANT M (1998) Chroniques de Mai 68 (The events in may a Paris

notebook) Paris Rivages-Poches JOFFRIN L (1998) Mai 68 une histoire dumouvement Paris PointsSeuil

UumlNIacuteTERMS May 1968 complaint students movement social crise university

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

95

THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ACSES (1914) Bulletin 3jan

(1975) Bulletin 13 mai

ALTHUSSER L (1967a) Pour Marx Paris Franccedilois Maspero

amp RANCIEgraveRE J amp MACHEREY P (1967b) Lire le capital Tome I

Paris Franccedilois Maspero

(1972) Reacuteponse agrave John Lewis Paris Franccedilois Maspero

ARON R (1968) La reacutevolution introuvable Paris Gallimard

ATTALI J amp GUILLAUME M (1974) Uanti-eacuteconomique Paris PUF

BAREL Y (1982) La marginaliteacute sociale Paris PUF

(1984)Lasocieacuteteacuteduvide Paris Seuil BENSAIacuteD D ampWEBER H (1968) Mai 1968 une reacutepeacutetition geacuteneacuterale Paris

Franccedilois Maspero

BETTELHEIM B (1964)Socialchange andprejudice includingdynamics of prejudice [by] Bruno Bettelheim and Morris Janowitz New York Free Press of Glencoe

97

THIQLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

BOOCHKIN M (1978) Por una sociedad ecoloacutegica Barcelona Gustavo Gili

Bosc S amp BOUGUEREAU J M (1968) O movimento dos estudantes berlinenses Um precedente In amp GAVI P (1968)A crise europeacuteia revolta ou revoluccedilatildeo Rio de Janeiro Degrau Promoshyccedilotildees

BOURDIEU P amp PASSERON J C (1964) Les heacuteritiers Paris Minuit Trad espanhola Los estudiantes y Ia cultura Barcelona Editorial Lashybor 1967

CAPALDI N (org) (1974) Da liberdade de expressatildeo Rio de Janeiro Editoshyra FGV

CARDOSO I A R (1989) Maio de 1968 o advento do individualismo e da heteronomia Tempo Social Satildeo Paulo 1(1) 235-246

CARLANDER I (1996) Coopeacuterer changer Ia vie Les irreacuteductibles de Longo Maiacute http www mit edupeopledrorlondrorhtml

CHOMBART DE LAUWE P H (1969) Pour une sociologie des aspirations Paris Denoel

COHN-BENDIT D et alii (1968) A Revolta estudantil Rio de Janeiro Editoshyra Laudes

Biographie (sd) Online Eurpospeed httpwwwoeko-netde eurospeed7dcbfranzhtm

COLIN P (1980) Os Novos Filoacutesofos - sua relaccedilatildeo com o marxismo e com o estmturalismo Reflexatildeo Puccamp Campinas 165-26

DELEUZE G amp GUATTARI F (1972) UAnti-Oedipe Capitalisme et schizophreacutenie Paris Eacuteditions de Minuit

DEBORD G (1972) A sociedade do espectaacuteculo Lisboa Afrodite

DOCUMENTATION FRANCcedilAISE Chronologie des eacutevegravenements de mai-juin 1968 Notes et Eacutetudes Documentaires 3722-3723

DUMAZEDIER J (913) Lazer e cultura popular Satildeo Paulo Perspectiva

DUTEUIL J P (1988) Nanterre 1965-68 vers le mouvement du 22 mars Mauleacuteon Acratie

ENTHOVEN J P (1974) Les preacutecurseurs allemands de mai 1968 Le Nouvel Observateur 9111974 p 72-73

EacuteTUDES lthttpwwwphosphorecomfrenchlexiquelexique_etudes htmlgt

FERRY L amp RENAUT A (1985) Lapenseacutee 68 Essai sur Vanti-humanisme contemporain Paris Gallimard Trad bras Pensamento 68 Satildeo Paulo Ensaio 1989

GOLDMAN R (1975) Souvenirs obscurs dun juif polonais neacute en France Paris Seuil

GOMBIN R (1971) Les origines du gauchisme Paris Seuil

GRAMSCI A (1959) Oeuvres choisiesParis Eacuteditions Sociales

THiOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

GRENZ S J (1977) Poacutes-modernismo Um guia para entender a filosofia do nosso tempo Satildeo Paulo Vida Nova

HAMON H ampROTMAN R (1987) Geacuteneacuteration Lesanneacuteesde recircve Paris Seuil

HEURTAUX M ampREVERCHON O (1984)Ou eacutetaient-ils enMaiLesNouvelles 3-10maip 80-83

HILL R C ampSHAPIRO B J (1978) Training the radical researcher A course on bibliographic methods for document research The Insurgent Sociologist VIII 51-63

INTERNATIONALE SITUATIONNISTE (1966) De Ia misegravere en milieu eacutetudiant httpwwwnothingnessorgSIjournalfrmiserehtml

LA REFORME DU SYSTEgraveME DENSEIGNEMENT EN CHINE (1969) Suppleacutement agrave Chine Aujourdhui 13

LAING R (1969) Lapolitique de Vexpeacuterience Paris Stock

LAPASSADE G (1963) Psychologie et politique Recherche Universitaire 4-5 75-85

LE BOTERF G (1970) Une expeacuterience dautogestion dans Ia formation Autogestion et Socialisme 13-14111-121

(1974) Formation et autogestion Paris ESFEME

LEFEBVRE H (1968a) La vie quotidienne dans le monde moderne Paris Gallimard

et alii (1968b) Irrupccedilatildeo a revolta dos jovens na sociedade indusshytrial causas e efeitos Satildeo Paulo Documentos

LINHART R (1980) A greve na faacutebrica Rio de Janeiro Paz e Terra

LIPOVETSKYG (1983) UEre duvide Essai sur Vindividualisme contemporain Trad port Lisboa Reloacutegio dAacutegua 1989 Paris Gallimard (Folio-Essais 1993)

MACCIOCCHI M A (1974) Pour Gramsci Paris Seuil

MAINGUENEAU D (1976) Initiation aux meacutethodes de l analyse du discours Paris Hachette-Universiteacute

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997a) Cartazes e cartoons http wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68cartlhtml

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997b) Cartazes e cartoons http wwwdeutadpt-fgouveiamaio68maio68sloghtml

MAO TSEacute-TOUNG (1967) Quatre essais philosophiques Pekin Eacuteditions en Langues Etrangegraveres

MARCUSE H (1968) Uhomme unidimensionnel Paris Eacuteditions de Minuit

MAUPEacuteOU-ABBOUD N de (1974) Ouverture du ghetto eacutetudiant La gauacuteche eacutetudiante agrave Ia recherche dun nouveau mode dintervention politique (1960-1970) Paris Anthropos

99

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

MOLINA G (1984) Les reacutevisionnistes de 1apregraves-Mai Les Nouvelles 3-10 mai

MORIN E amp LEFORT C amp COUDRAY J-M (1968) La Bregraveche Premiegraveres reacuteflexions sur les eacuteveacutenements Paris Fayard mai

OSIER J-P (1976) Thomas Hodgskin Une critique proleacutetarienne de V eacuteconomie politique Paris Franccedilois Maspero

PEacuteREC G (1969) A Iacute coisas Satildeo Paulo Nova Criacutetica

PERROUX F (1969) Franccedilois Perroux interroge Herbert Marcuse qui reacutepond Paris Aubier-Montaigne

PORTELLI H (1972) Gramsci et le bloc historique Paris PUF

POULANTZAS N (1968) Pouvoir politique et classes sociales de Veacutetat capitaliste Paris Franccedilois Maspero

QUADERNI Rossi (1968) Lutas ouvriegraveres et capitalisme daujourdhui Pashyris Franccedilois Maspero

RIBEIRO D (1969)A universidade necessaacuteria Rio de Janeiro Paz e Terra

ROBIN R (1977) Histoacuteria e linguumliacutestica Satildeo Paulo Cultrix

ROUQUETTE M L (1975) Lei rumeurs Paris PUF

SCHWARTZMAN S (1981) Ciecircncia universidade e ideologia Rio de Janeiro Zaharp 99-103

TANNER A (1970) Charles mort ou vif UAvant Scegravene-Cineacutema 108

THIOLLENT M (1980) Criacutetica metodoloacutegica investigaccedilatildeo social e enquecircte operaacuteria Satildeo Paulo Polis

TOURAINE A (1968) Le Mouvement de Mai ou le communisme utopique Paris Seuil

(1969) La socieacuteteacutepost-industrielle Paris Denoegravel

TOURNIER Metalii (1915) Des tracts em mai 1968 analyse de vocabulaire et de contenu Paris Armand Colin

VAILLANCOURT P (1979) Le marxisme empirique dans les pays de lOuest Cahiers du Socialisme Montreal 4108-179

VANEIGEM R (1967) Traiteacutede savoir-vivre agrave Vusage desjeunes geacutenecircrations lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traiteindexhtmlgt

VOGEL J Reacutesisteragravel insigniflance et au conformisme lthttpwwwintibe cesepvogelshtmgt

WRIGHT MILLS C (1967) Limagination sociologique Paris Franccedilois Maspero

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Page 33: Maio de 1968 em Paris - jorgesapia.files.wordpress.com · THIOLLENT, Michel. Maio de 1968 em Paris: testemunho de um estudante. Tempo Social; Rev. Socioí. USR S. Paulo, 10(2): 63-100,

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

JONQUET T (1998) Rougecest Ia vie Paris Seuil LAVABRE M C ampREY H (1998)Lesmouvementsde 1968 Paris Casterman

Giunti LE GOFF J P (1998)Mai 68 Uhecircritage impossible Paris La Deacutecouverte LE MONDE (1998) 68 une reacutevolution mondiale Paris Le Monde-Boutique

CD-ROM (1998) Aiacuteai 68-98 Cahier speacutecial 02mai

MAGAZINE LITTEacuteRAIRE (1998) Eacuteloge de Ia revolte mai RAJSFUS M (1998) Mai 68 sous les paveacutes Ia reacutepression Paris Le Cherche

Midi

Anexo 2 - Documentos recuperados

I - Experiecircncia da Universiteacute Populaire du 13egraveme (julho-outubro de 1968)

1) Cadernos Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egraveme ndeg 1 12 p (mimeo) Cahiers de VUniversiteacute Populaire du 13egravem ndeg 2 19 p (mimeo) Esses cadernos escritos por estudantes contecircm artigos sobre diversos temas tais como participaccedilatildeo gaullista via parlamentar via recolucionaacuteria autogestatildeo como forma de luta etc

2) Panfletos da Universidade Popular do 13o e material de divulgaccedilatildeo Propositions pour une Universiteacute Populaire (IEDES) 270668 Universiteacute Populaire dans le 13egraveme ouverte agrave tous 040768 Universiteacute Populaire du 13egraveme 110868 Universiteacute Populaire du 13egraveme 010968

3) Documentos de trabalho Quelques indications pour une nouvelle mecircthode de travail Agosto 19688 p (mimeo) Projetdenquecircte ouvriegravere 071068 5 p mimeo

4) Panfletos de Comitecircs de Accedilatildeo (maio-outubro de 1968) Comitecirc daction XHIBase politique 250568 Comitecirc d action XIII Pourquoi luttons-nous La deacutemocratie bourgeoise se deacutemasque Uniteacute agrave Ia base ou fascisme Laluttesorganise La lutte continue

5) Outros panfletos Universiteacute dEacuteteacute Critique Commission Tiers-Monde Comitecirc de base CESCO Qui croire Qu en pensez-vous

II - Documentos da Associaccedilatildeo dos Estudantes do IEDES

UNEFFGELAIEDES Rapport dorientation de Ia liste preacutesenteacutee en A G deacutelection du groupedeacutetude le 25 Janvier 1968 8 p

UNEFFGELAIEDES Copie de Ia lettre de deacutemission de M Charles Bettelheim agrave M Franccedilois Perroux 29101964 (Divulgada em 1967)

UNEFFGELAIEDES Ou valInstitut-Fev196822p AE-IEDES Rapport du Bureau de 1Association 160519683 p

95

THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ACSES (1914) Bulletin 3jan

(1975) Bulletin 13 mai

ALTHUSSER L (1967a) Pour Marx Paris Franccedilois Maspero

amp RANCIEgraveRE J amp MACHEREY P (1967b) Lire le capital Tome I

Paris Franccedilois Maspero

(1972) Reacuteponse agrave John Lewis Paris Franccedilois Maspero

ARON R (1968) La reacutevolution introuvable Paris Gallimard

ATTALI J amp GUILLAUME M (1974) Uanti-eacuteconomique Paris PUF

BAREL Y (1982) La marginaliteacute sociale Paris PUF

(1984)Lasocieacuteteacuteduvide Paris Seuil BENSAIacuteD D ampWEBER H (1968) Mai 1968 une reacutepeacutetition geacuteneacuterale Paris

Franccedilois Maspero

BETTELHEIM B (1964)Socialchange andprejudice includingdynamics of prejudice [by] Bruno Bettelheim and Morris Janowitz New York Free Press of Glencoe

97

THIQLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

BOOCHKIN M (1978) Por una sociedad ecoloacutegica Barcelona Gustavo Gili

Bosc S amp BOUGUEREAU J M (1968) O movimento dos estudantes berlinenses Um precedente In amp GAVI P (1968)A crise europeacuteia revolta ou revoluccedilatildeo Rio de Janeiro Degrau Promoshyccedilotildees

BOURDIEU P amp PASSERON J C (1964) Les heacuteritiers Paris Minuit Trad espanhola Los estudiantes y Ia cultura Barcelona Editorial Lashybor 1967

CAPALDI N (org) (1974) Da liberdade de expressatildeo Rio de Janeiro Editoshyra FGV

CARDOSO I A R (1989) Maio de 1968 o advento do individualismo e da heteronomia Tempo Social Satildeo Paulo 1(1) 235-246

CARLANDER I (1996) Coopeacuterer changer Ia vie Les irreacuteductibles de Longo Maiacute http www mit edupeopledrorlondrorhtml

CHOMBART DE LAUWE P H (1969) Pour une sociologie des aspirations Paris Denoel

COHN-BENDIT D et alii (1968) A Revolta estudantil Rio de Janeiro Editoshyra Laudes

Biographie (sd) Online Eurpospeed httpwwwoeko-netde eurospeed7dcbfranzhtm

COLIN P (1980) Os Novos Filoacutesofos - sua relaccedilatildeo com o marxismo e com o estmturalismo Reflexatildeo Puccamp Campinas 165-26

DELEUZE G amp GUATTARI F (1972) UAnti-Oedipe Capitalisme et schizophreacutenie Paris Eacuteditions de Minuit

DEBORD G (1972) A sociedade do espectaacuteculo Lisboa Afrodite

DOCUMENTATION FRANCcedilAISE Chronologie des eacutevegravenements de mai-juin 1968 Notes et Eacutetudes Documentaires 3722-3723

DUMAZEDIER J (913) Lazer e cultura popular Satildeo Paulo Perspectiva

DUTEUIL J P (1988) Nanterre 1965-68 vers le mouvement du 22 mars Mauleacuteon Acratie

ENTHOVEN J P (1974) Les preacutecurseurs allemands de mai 1968 Le Nouvel Observateur 9111974 p 72-73

EacuteTUDES lthttpwwwphosphorecomfrenchlexiquelexique_etudes htmlgt

FERRY L amp RENAUT A (1985) Lapenseacutee 68 Essai sur Vanti-humanisme contemporain Paris Gallimard Trad bras Pensamento 68 Satildeo Paulo Ensaio 1989

GOLDMAN R (1975) Souvenirs obscurs dun juif polonais neacute en France Paris Seuil

GOMBIN R (1971) Les origines du gauchisme Paris Seuil

GRAMSCI A (1959) Oeuvres choisiesParis Eacuteditions Sociales

THiOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

GRENZ S J (1977) Poacutes-modernismo Um guia para entender a filosofia do nosso tempo Satildeo Paulo Vida Nova

HAMON H ampROTMAN R (1987) Geacuteneacuteration Lesanneacuteesde recircve Paris Seuil

HEURTAUX M ampREVERCHON O (1984)Ou eacutetaient-ils enMaiLesNouvelles 3-10maip 80-83

HILL R C ampSHAPIRO B J (1978) Training the radical researcher A course on bibliographic methods for document research The Insurgent Sociologist VIII 51-63

INTERNATIONALE SITUATIONNISTE (1966) De Ia misegravere en milieu eacutetudiant httpwwwnothingnessorgSIjournalfrmiserehtml

LA REFORME DU SYSTEgraveME DENSEIGNEMENT EN CHINE (1969) Suppleacutement agrave Chine Aujourdhui 13

LAING R (1969) Lapolitique de Vexpeacuterience Paris Stock

LAPASSADE G (1963) Psychologie et politique Recherche Universitaire 4-5 75-85

LE BOTERF G (1970) Une expeacuterience dautogestion dans Ia formation Autogestion et Socialisme 13-14111-121

(1974) Formation et autogestion Paris ESFEME

LEFEBVRE H (1968a) La vie quotidienne dans le monde moderne Paris Gallimard

et alii (1968b) Irrupccedilatildeo a revolta dos jovens na sociedade indusshytrial causas e efeitos Satildeo Paulo Documentos

LINHART R (1980) A greve na faacutebrica Rio de Janeiro Paz e Terra

LIPOVETSKYG (1983) UEre duvide Essai sur Vindividualisme contemporain Trad port Lisboa Reloacutegio dAacutegua 1989 Paris Gallimard (Folio-Essais 1993)

MACCIOCCHI M A (1974) Pour Gramsci Paris Seuil

MAINGUENEAU D (1976) Initiation aux meacutethodes de l analyse du discours Paris Hachette-Universiteacute

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997a) Cartazes e cartoons http wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68cartlhtml

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997b) Cartazes e cartoons http wwwdeutadpt-fgouveiamaio68maio68sloghtml

MAO TSEacute-TOUNG (1967) Quatre essais philosophiques Pekin Eacuteditions en Langues Etrangegraveres

MARCUSE H (1968) Uhomme unidimensionnel Paris Eacuteditions de Minuit

MAUPEacuteOU-ABBOUD N de (1974) Ouverture du ghetto eacutetudiant La gauacuteche eacutetudiante agrave Ia recherche dun nouveau mode dintervention politique (1960-1970) Paris Anthropos

99

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

MOLINA G (1984) Les reacutevisionnistes de 1apregraves-Mai Les Nouvelles 3-10 mai

MORIN E amp LEFORT C amp COUDRAY J-M (1968) La Bregraveche Premiegraveres reacuteflexions sur les eacuteveacutenements Paris Fayard mai

OSIER J-P (1976) Thomas Hodgskin Une critique proleacutetarienne de V eacuteconomie politique Paris Franccedilois Maspero

PEacuteREC G (1969) A Iacute coisas Satildeo Paulo Nova Criacutetica

PERROUX F (1969) Franccedilois Perroux interroge Herbert Marcuse qui reacutepond Paris Aubier-Montaigne

PORTELLI H (1972) Gramsci et le bloc historique Paris PUF

POULANTZAS N (1968) Pouvoir politique et classes sociales de Veacutetat capitaliste Paris Franccedilois Maspero

QUADERNI Rossi (1968) Lutas ouvriegraveres et capitalisme daujourdhui Pashyris Franccedilois Maspero

RIBEIRO D (1969)A universidade necessaacuteria Rio de Janeiro Paz e Terra

ROBIN R (1977) Histoacuteria e linguumliacutestica Satildeo Paulo Cultrix

ROUQUETTE M L (1975) Lei rumeurs Paris PUF

SCHWARTZMAN S (1981) Ciecircncia universidade e ideologia Rio de Janeiro Zaharp 99-103

TANNER A (1970) Charles mort ou vif UAvant Scegravene-Cineacutema 108

THIOLLENT M (1980) Criacutetica metodoloacutegica investigaccedilatildeo social e enquecircte operaacuteria Satildeo Paulo Polis

TOURAINE A (1968) Le Mouvement de Mai ou le communisme utopique Paris Seuil

(1969) La socieacuteteacutepost-industrielle Paris Denoegravel

TOURNIER Metalii (1915) Des tracts em mai 1968 analyse de vocabulaire et de contenu Paris Armand Colin

VAILLANCOURT P (1979) Le marxisme empirique dans les pays de lOuest Cahiers du Socialisme Montreal 4108-179

VANEIGEM R (1967) Traiteacutede savoir-vivre agrave Vusage desjeunes geacutenecircrations lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traiteindexhtmlgt

VOGEL J Reacutesisteragravel insigniflance et au conformisme lthttpwwwintibe cesepvogelshtmgt

WRIGHT MILLS C (1967) Limagination sociologique Paris Franccedilois Maspero

100

Page 34: Maio de 1968 em Paris - jorgesapia.files.wordpress.com · THIOLLENT, Michel. Maio de 1968 em Paris: testemunho de um estudante. Tempo Social; Rev. Socioí. USR S. Paulo, 10(2): 63-100,

THIOLLENT Michei Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Socioiacute USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

AE-IEDES Rapportdorientation 280519683 p Comitecirc de greve IEDES Bref historique de 1occupation des locaux par les

eacutetudiants 090619682 p Charte de 1IEDES Mai 19685 p Finaliteacute de 1enseignement et de Ia recherche de 1IEDES 2 p Proposition de reformulation des programmes 4 p

Anexo 3 - Maio de 1968 na Internet

A Internet permite o acesso imediato a informaccedilotildees relacionadas com todos os assuntos imaginaacuteveis No caso de Maio de 1968 existem divershysos sites e paacuteginas organizados por pessoas ou grupos que participaram dos acontecimentos ou instituiccedilotildees de pesquisa social ou histoacuterica e que estatildeo estudando seus desdobramentos Para procurar essas informaccedilotildees basta usar palavras-chave nos sistemas de busca de Alta Vista Yahoo Lycos Open Text entre outros Palavras-chaves como mai 1968 mouvement de mar Cohn-Bendit Internationale Situationniste Debord Herbert Marcuse contestation eacutetudiante trazem uma longa lista de artigos e informaccedilotildees que muitas vezes se referem aos acontecimentos

Alguns endereccedilos eletrocircnicos CHRONOLOGIE DE MAI 1968 lthttphomerspanchspaw2154chronohtmgt MAXIMES DE MAI lthttphomerspanchspaw2154maxihtmgt COHN-BENDIT D Biographie Online Eurpospeed lthttpwwwoeko-netde

eurospeeddcbfranzhtmgt INTERNATIONALE SITUATIONNISTE De Ia misegravere en milieu eacutetudiant Manifesto reshy

digido por Mustapha Khayati e publicado na Universidade de Estrasburgo pela UNEF em 19660 texto estaacute atualmente disponiacutevel no lthttpwwwnothingnessorgSIjoumalfrmiserehtmlgt

DEBORD G La socieacuteteacute du spectacle (1967) lthttpwww-biouniv-mrsfr-bech d_specgt

DEBORD G Philosophe sociologue strategravege ou poete lthttpwwwworldnetnet ~mannonidebordhtmlgt

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997) Cartazes e cartoons lthttp wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68htmlcartlgtNesseyiacutefocircde Portugal existe uma excelente coleccedilatildeo de cartazes franceses de Maio 1968 Em paacutegina anexa encontra-se uma longa lista de slogans em ediccedilatildeo biliacutenguumle

VANEIGEM R (1967) Traiteacute de savoir-vivre agrave 1usage desjeunes geacuteneacuterations Disponiacutevel em lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traite indexhtmlgt O mesmo autor possui vaacuterias outras obras acessiacuteveis pela Internet na iacutentegra

DIALECTIQUES eacute o nome de um site em que eacute possiacutevel encontrar bibliografia das obras de Marcuse e comentaacuterios lthttpwwwchezcompatder bibmarchtmgt

Sobre as questotildees do individualismo contemporacircneo o filoacutesofo Gilles Lipovetsky eacute objeto de muitas informaccedilotildees por exemplo na paacutegina LIPOVETSKY

G La spirale de Vindividualisme lthttpimedfgdffrimhtmlfrbib bic2914htmgt

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

REFEREcircNCIAS BIBLIOGRAacuteFICAS

ACSES (1914) Bulletin 3jan

(1975) Bulletin 13 mai

ALTHUSSER L (1967a) Pour Marx Paris Franccedilois Maspero

amp RANCIEgraveRE J amp MACHEREY P (1967b) Lire le capital Tome I

Paris Franccedilois Maspero

(1972) Reacuteponse agrave John Lewis Paris Franccedilois Maspero

ARON R (1968) La reacutevolution introuvable Paris Gallimard

ATTALI J amp GUILLAUME M (1974) Uanti-eacuteconomique Paris PUF

BAREL Y (1982) La marginaliteacute sociale Paris PUF

(1984)Lasocieacuteteacuteduvide Paris Seuil BENSAIacuteD D ampWEBER H (1968) Mai 1968 une reacutepeacutetition geacuteneacuterale Paris

Franccedilois Maspero

BETTELHEIM B (1964)Socialchange andprejudice includingdynamics of prejudice [by] Bruno Bettelheim and Morris Janowitz New York Free Press of Glencoe

97

THIQLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

BOOCHKIN M (1978) Por una sociedad ecoloacutegica Barcelona Gustavo Gili

Bosc S amp BOUGUEREAU J M (1968) O movimento dos estudantes berlinenses Um precedente In amp GAVI P (1968)A crise europeacuteia revolta ou revoluccedilatildeo Rio de Janeiro Degrau Promoshyccedilotildees

BOURDIEU P amp PASSERON J C (1964) Les heacuteritiers Paris Minuit Trad espanhola Los estudiantes y Ia cultura Barcelona Editorial Lashybor 1967

CAPALDI N (org) (1974) Da liberdade de expressatildeo Rio de Janeiro Editoshyra FGV

CARDOSO I A R (1989) Maio de 1968 o advento do individualismo e da heteronomia Tempo Social Satildeo Paulo 1(1) 235-246

CARLANDER I (1996) Coopeacuterer changer Ia vie Les irreacuteductibles de Longo Maiacute http www mit edupeopledrorlondrorhtml

CHOMBART DE LAUWE P H (1969) Pour une sociologie des aspirations Paris Denoel

COHN-BENDIT D et alii (1968) A Revolta estudantil Rio de Janeiro Editoshyra Laudes

Biographie (sd) Online Eurpospeed httpwwwoeko-netde eurospeed7dcbfranzhtm

COLIN P (1980) Os Novos Filoacutesofos - sua relaccedilatildeo com o marxismo e com o estmturalismo Reflexatildeo Puccamp Campinas 165-26

DELEUZE G amp GUATTARI F (1972) UAnti-Oedipe Capitalisme et schizophreacutenie Paris Eacuteditions de Minuit

DEBORD G (1972) A sociedade do espectaacuteculo Lisboa Afrodite

DOCUMENTATION FRANCcedilAISE Chronologie des eacutevegravenements de mai-juin 1968 Notes et Eacutetudes Documentaires 3722-3723

DUMAZEDIER J (913) Lazer e cultura popular Satildeo Paulo Perspectiva

DUTEUIL J P (1988) Nanterre 1965-68 vers le mouvement du 22 mars Mauleacuteon Acratie

ENTHOVEN J P (1974) Les preacutecurseurs allemands de mai 1968 Le Nouvel Observateur 9111974 p 72-73

EacuteTUDES lthttpwwwphosphorecomfrenchlexiquelexique_etudes htmlgt

FERRY L amp RENAUT A (1985) Lapenseacutee 68 Essai sur Vanti-humanisme contemporain Paris Gallimard Trad bras Pensamento 68 Satildeo Paulo Ensaio 1989

GOLDMAN R (1975) Souvenirs obscurs dun juif polonais neacute en France Paris Seuil

GOMBIN R (1971) Les origines du gauchisme Paris Seuil

GRAMSCI A (1959) Oeuvres choisiesParis Eacuteditions Sociales

THiOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

GRENZ S J (1977) Poacutes-modernismo Um guia para entender a filosofia do nosso tempo Satildeo Paulo Vida Nova

HAMON H ampROTMAN R (1987) Geacuteneacuteration Lesanneacuteesde recircve Paris Seuil

HEURTAUX M ampREVERCHON O (1984)Ou eacutetaient-ils enMaiLesNouvelles 3-10maip 80-83

HILL R C ampSHAPIRO B J (1978) Training the radical researcher A course on bibliographic methods for document research The Insurgent Sociologist VIII 51-63

INTERNATIONALE SITUATIONNISTE (1966) De Ia misegravere en milieu eacutetudiant httpwwwnothingnessorgSIjournalfrmiserehtml

LA REFORME DU SYSTEgraveME DENSEIGNEMENT EN CHINE (1969) Suppleacutement agrave Chine Aujourdhui 13

LAING R (1969) Lapolitique de Vexpeacuterience Paris Stock

LAPASSADE G (1963) Psychologie et politique Recherche Universitaire 4-5 75-85

LE BOTERF G (1970) Une expeacuterience dautogestion dans Ia formation Autogestion et Socialisme 13-14111-121

(1974) Formation et autogestion Paris ESFEME

LEFEBVRE H (1968a) La vie quotidienne dans le monde moderne Paris Gallimard

et alii (1968b) Irrupccedilatildeo a revolta dos jovens na sociedade indusshytrial causas e efeitos Satildeo Paulo Documentos

LINHART R (1980) A greve na faacutebrica Rio de Janeiro Paz e Terra

LIPOVETSKYG (1983) UEre duvide Essai sur Vindividualisme contemporain Trad port Lisboa Reloacutegio dAacutegua 1989 Paris Gallimard (Folio-Essais 1993)

MACCIOCCHI M A (1974) Pour Gramsci Paris Seuil

MAINGUENEAU D (1976) Initiation aux meacutethodes de l analyse du discours Paris Hachette-Universiteacute

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997a) Cartazes e cartoons http wwwdeutadpt~fgouveiamaio68maio68cartlhtml

MAIO DE 68 A IMAGINACcedilAtildeO AO PODER (1997b) Cartazes e cartoons http wwwdeutadpt-fgouveiamaio68maio68sloghtml

MAO TSEacute-TOUNG (1967) Quatre essais philosophiques Pekin Eacuteditions en Langues Etrangegraveres

MARCUSE H (1968) Uhomme unidimensionnel Paris Eacuteditions de Minuit

MAUPEacuteOU-ABBOUD N de (1974) Ouverture du ghetto eacutetudiant La gauacuteche eacutetudiante agrave Ia recherche dun nouveau mode dintervention politique (1960-1970) Paris Anthropos

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THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudante Tempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

MOLINA G (1984) Les reacutevisionnistes de 1apregraves-Mai Les Nouvelles 3-10 mai

MORIN E amp LEFORT C amp COUDRAY J-M (1968) La Bregraveche Premiegraveres reacuteflexions sur les eacuteveacutenements Paris Fayard mai

OSIER J-P (1976) Thomas Hodgskin Une critique proleacutetarienne de V eacuteconomie politique Paris Franccedilois Maspero

PEacuteREC G (1969) A Iacute coisas Satildeo Paulo Nova Criacutetica

PERROUX F (1969) Franccedilois Perroux interroge Herbert Marcuse qui reacutepond Paris Aubier-Montaigne

PORTELLI H (1972) Gramsci et le bloc historique Paris PUF

POULANTZAS N (1968) Pouvoir politique et classes sociales de Veacutetat capitaliste Paris Franccedilois Maspero

QUADERNI Rossi (1968) Lutas ouvriegraveres et capitalisme daujourdhui Pashyris Franccedilois Maspero

RIBEIRO D (1969)A universidade necessaacuteria Rio de Janeiro Paz e Terra

ROBIN R (1977) Histoacuteria e linguumliacutestica Satildeo Paulo Cultrix

ROUQUETTE M L (1975) Lei rumeurs Paris PUF

SCHWARTZMAN S (1981) Ciecircncia universidade e ideologia Rio de Janeiro Zaharp 99-103

TANNER A (1970) Charles mort ou vif UAvant Scegravene-Cineacutema 108

THIOLLENT M (1980) Criacutetica metodoloacutegica investigaccedilatildeo social e enquecircte operaacuteria Satildeo Paulo Polis

TOURAINE A (1968) Le Mouvement de Mai ou le communisme utopique Paris Seuil

(1969) La socieacuteteacutepost-industrielle Paris Denoegravel

TOURNIER Metalii (1915) Des tracts em mai 1968 analyse de vocabulaire et de contenu Paris Armand Colin

VAILLANCOURT P (1979) Le marxisme empirique dans les pays de lOuest Cahiers du Socialisme Montreal 4108-179

VANEIGEM R (1967) Traiteacutede savoir-vivre agrave Vusage desjeunes geacutenecircrations lthttpwww-biol-univmrsfr~bechd_traiteindexhtmlgt

VOGEL J Reacutesisteragravel insigniflance et au conformisme lthttpwwwintibe cesepvogelshtmgt

WRIGHT MILLS C (1967) Limagination sociologique Paris Franccedilois Maspero

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Page 35: Maio de 1968 em Paris - jorgesapia.files.wordpress.com · THIOLLENT, Michel. Maio de 1968 em Paris: testemunho de um estudante. Tempo Social; Rev. Socioí. USR S. Paulo, 10(2): 63-100,

THIOLLENT Michel Maio de 1968 em Paris testemunho de um estudanteTempo Social Rev Sociol USR S Paulo 10(2) 63-100 outubro de 1998

Questotildees atuais do marxismo satildeo tratadas no site Actuel Marx que reuacutene vaacuterios grupos de estudo e revistas O Congresso Marx Internacional II seraacute organizado em setembro e outubro de 1998 lthttpwwwu-parislOfr ActuelMarxprogrammhtmgt

Sobre o pensamento uacutenico (penseacutee unique) dos anos 90 existem muitas informaccedilotildees em sites dos jornais Le Monde Diplomatique e UHwnaniteacute por exemshyplo lthttpwwwmonde-diplomatiquefrmd199501editofrhtmlgt lthttpwwwhumaniteptessefrjoumal9696-1096-10-22-048htmlgt

Siglas e acrocircnimos

ACSES Association pour iacutea Critique des Sciences Economiques et Sociales CGT Confeacutedeacuteration Geacuteneacuterale des Travailleurs CRS Compagnie Reacutepublicaine de Seacutecuriteacute ENS EcoleNormale Supeacuterieure EUA Estados Unidos de Ameacuterica IEDES Institut dEacutetude du Deacuteveloppement Eacuteconomique et Social IS Internationale Situationniste JCR Jeunesse Communiste Reacutevolutionnaire ORTF Office de Radio Teacuteleacutevision Franccedilaise PCF Parti Communiste Franccedilais UEC Union des eacutetudiants communistes UNEF Union Nationale des Eacutetudiants de France URPE Union of Radical Political Economy

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