lucas castro e dj menorah

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EM ESTADO DE MINAS DOMINGO, 2 DE JULHO DE 2006 EDITOR: João Paulo Cunha EDITORA-ASSISTENTE: Ângela Faria E-MAIL: [email protected] TELEFONE: (31) 3263-5126 SOFISTICAÇÃO EM SAMBA O cantor e compositor Bena Lobo lança seu segundo disco solo, ‘Sábado’. PÁGINA 8 ANDRÉ WANDERLEY LEIA MAIS SOBRE MUSICA ELETRÔNICA E RELIGIÃO PÁGINA 6 Sempre gostei de música eletrônica e hoje sei que posso preservar a minha essência e estar com a galera Lucimar Rezende, estudante MARIANA PEIXOTO A os domingos, às 18h, Lucas Castro e Samuel Parrela, ambos de 26 anos, se encontram num salão no bairro Funcionários. Aos invés de falar sobre loops, samples e beats, assuntos comuns ao universo de- les, já que são DJs, participam de um culto evangélico. Cristãos, in- tegram a comunidade Caverna de Adulão, igre- ja criada há uma década em Belo Horizonte. Nas noites da cidade, Samuel é mais conhecido co- mo Menorah – o castiçal de sete braços, símbo- lo do judaísmo, foi escolhido por ele como no- me artístico por causa da sonoridade da palavra – um dos principais DJs e produtores de tecno de BH. Toca no o circuito de clubes e casas no- turnas da cidade – Up!, A Obra, Matriz, Mary in Hell –; criou, com os DJs Tee e Duduart, o Con- teúdo Records, selo digital de eletrônica que já lançou cinco álbuns; com eles, produz a festa Co- de; e tem faixas lançadas por selos internacio- nais. Acredita que é possível que os dois “mun- dos” convivam em harmonia. DJ evangélico? Não. Menorah é um DJ que, por opção, se tornou evangélico. Seus sets não têm qualquer elemento que remeta ao universo da música gospel. Lucas Castro, por seu lado, to- ca house, que tem uma vertente – o soulfull hou- se – que utiliza muitos vocais com letras que, ge- ralmente, têm relação com o gospel. Algumas faixas do set dele podem trazer alguma mensa- gem. “Falam de Deus, do cristianismo ou de uma celebração espiritual. O que aconteceu co- migo foi que conheci o Menorah na época em que estava fazendo a minha conversão. Por in- fluência dele, comecei a tocar”, comenta. Que fi- que claro: a opção religiosa não intervém no tra- balho deles. Eles se apresentam em festas secu- lares – termo que identifica os não-evangélicos – como todos os outros DJs da cidade. Mas através de um trabalho feito aos integrantes da comu- nidade – a Caverna de Adulão conta com 200 membros – buscam aproximar os dois públicos. A comunidade surgiu em 1992; a igreja foi constituída três anos mais tarde. Na época, a ce- na alternativa belo-horizontina era dominada pelo heavy metal. “Queríamos agregar pessoas que não se adequavam ao modelo das igrejas convencionais”, conta o pastor Geraldo Luiz. O cabelo comprido daquele período acabou-lhe abrindo portas para ingressar na tribo. Freqüen- tava a Praça da Estação, o bairro de Santa Teresa, o Terminal Turístico JK, locais onde os headban- gers se concentravam. Acabou chamando a atenção de outras tribos que não se “encaixa- vam”, como o público hardcore, punk e hippie. Na virada dessa década, a eletrônica ainda longe da popularidade que tem hoje, encontrou um novo público, que acabou abraçando a causa. Hoje, os cultos da Caverna são freqüentados por hostess de casas noturnas, DJs e também pe- lo público que gosta de eletrônica. “Existia o es- tigma de que o cristão não podia ir a um evento de música secular. Sempre gostei de música ele- trônica e hoje sei que posso preservar a minha essência e estar com a galera”, afirma a estudan- te Lucimar Rezende, de 22 anos. Com Lucas Cas- tro e outros amigos, ela formou em 2001 o E.Lob (a letra e vem de eletrônica e lob é louvor em ale- mão), grupo que promove uma interação entre igreja e música. “Começamos, em 2001, a fazer uma festa anual. Mais tarde, vimos que não ha- via necessidade de fazer uma festa da igreja pa- ra fazer a interação, pois o vínculo já existia”, diz Lucas Castro. Além do culto dominical, durante a semana são feitos encontros nas casas dos integrantes para estudo bíblico e orações. E o que pode e não pode? “A gente crê que a Bíblia possui preceitos de Deus para o bem-estar da vida humana”, afir- ma o pastor Geraldo Luiz. Trocando em miúdos: drogas, excesso de bebidas e promiscuidade não são bem vistos. “Mas não somos hipócritas de dizer que beber é pecado, pois temos na comu- nidade pessoas com histórico de alcoolismo, por exemplo. Muita gente que nos procura vem de uma vida difícil”, acrescenta. E como os DJs convivem com isso? “Conheci um cara que chegou a me dizer que não enten- dia o que um crente estava fazendo com músi- ca eletrônica. Hoje ele é um dos meus melhores amigos. A verdade é que a maioria das pessoas se assusta quando digo que sou evangélico. Mas a minha postura é a de não julgar ninguém. Agora, quanto a droga, a gente sabe que qual- quer cena musical tem. E ali há gente que está pela música e outros pela droga. Às vezes bebo um pouco, mas não uso drogas, mesmo tendo amigos que consomem. Há, inclusive, aqueles que pararam porque começaram a andar comi- go. Então rola um respeito”, afirma Menorah. Ca- da um na sua e todo o mundo se entende. Drum’nJESUS DJs evangélicos conquistam cena eletrônica tocando tecno, house e drum’n’bass. Para eles, a opção religiosa não intervém na qualidade de seu trabalho musical Os DJs Menorah e Lucas Castro mostram que os universos da religião e da eletrônica podem conviver em paz MARCOS VIEIRA

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DJs evangélicos conquistam cena eletrônica tocando tecno, house e drum’n’bass. Para eles, a opção religiosa não intervém na qualidade de seu trabalho musical

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Page 1: Lucas Castro e Dj Menorah

E MESTADO DE MINAS ● D O M I N G O , 2 D E J U L H O D E 2 0 0 6 ● E D I T O R : J o ã o P a u l o C u n h a ● E D I T O R A - A S S I S T E N T E : Â n g e l a F a r i a ● E - M A I L : c u l t u r a . e m @ u a i . c o m . b r ● T E L E F O N E : ( 3 1 ) 3 2 6 3 - 5 1 2 6

★★

SOFISTICAÇÃOEM SAMBA

O cantor e compositor Bena Lobo lança seu segundo disco solo,‘Sábado’.

PÁGINA 8

ANDRÉ WANDERLEY

❚ ❚LEIA MAIS SOBRE MUSICA ELETRÔNICA E RELIGIÃO

PÁGINA 6

Sempre gostei de música eletrônica e hoje sei que posso preservar a minha

essência e estar com a galera

■ Lucimar Rezende, estudante

MARIANA PEIXOTO

Aos domingos, às 18h, Lucas Castroe Samuel Parrela, ambos de 26anos, se encontram num salão nobairro Funcionários. Aos invés defalar sobre loops, samples e beats,assuntos comuns ao universo de-les, já que são DJs, participam deum culto evangélico. Cristãos, in-

tegram a comunidade Caverna de Adulão, igre-ja criada há uma década em Belo Horizonte. Nasnoites da cidade, Samuel é mais conhecido co-mo Menorah – o castiçal de sete braços, símbo-lo do judaísmo, foi escolhido por ele como no-me artístico por causa da sonoridade da palavra– um dos principais DJs e produtores de tecnode BH. Toca no o circuito de clubes e casas no-turnas da cidade – Up!, A Obra, Matriz, Mary inHell –; criou, com os DJs Tee e Duduart, o Con-teúdo Records, selo digital de eletrônica que jálançou cinco álbuns; com eles, produz a festa Co-de; e tem faixas lançadas por selos internacio-nais. Acredita que é possível que os dois “mun-dos” convivam em harmonia.

DJ evangélico? Não. Menorah é um DJ que,por opção, se tornou evangélico. Seus sets nãotêm qualquer elemento que remeta ao universoda música gospel. Lucas Castro, por seu lado, to-ca house, que tem uma vertente – o soulfull hou-se – que utiliza muitos vocais com letras que, ge-ralmente, têm relação com o gospel. Algumasfaixas do set dele podem trazer alguma mensa-gem. “Falam de Deus, do cristianismo ou deuma celebração espiritual. O que aconteceu co-migo foi que conheci o Menorah na época emque estava fazendo a minha conversão. Por in-fluência dele, comecei a tocar”, comenta. Que fi-que claro: a opção religiosa não intervém no tra-balho deles. Eles se apresentam em festas secu-lares – termo que identifica os não-evangélicos –como todos os outros DJs da cidade. Mas atravésde um trabalho feito aos integrantes da comu-nidade – a Caverna de Adulão conta com 200membros – buscam aproximar os dois públicos.

A comunidade surgiu em 1992; a igreja foiconstituída três anos mais tarde. Na época, a ce-na alternativa belo-horizontina era dominadapelo heavy metal. “Queríamos agregar pessoasque não se adequavam ao modelo das igrejasconvencionais”, conta o pastor Geraldo Luiz. Ocabelo comprido daquele período acabou-lheabrindo portas para ingressar na tribo. Freqüen-tava a Praça da Estação, o bairro de Santa Teresa,o Terminal Turístico JK, locais onde os headban-gers se concentravam. Acabou chamando aatenção de outras tribos que não se “encaixa-vam”, como o público hardcore, punk e hippie.Na virada dessa década, a eletrônica ainda longeda popularidade que tem hoje, encontrou umnovo público, que acabou abraçando a causa.

Hoje, os cultos da Caverna são freqüentadospor hostess de casas noturnas, DJs e também pe-lo público que gosta de eletrônica. “Existia o es-tigma de que o cristão não podia ir a um eventode música secular. Sempre gostei de música ele-trônica e hoje sei que posso preservar a minhaessência e estar com a galera”, afirma a estudan-te Lucimar Rezende, de 22 anos. Com Lucas Cas-tro e outros amigos, ela formou em 2001 o E.Lob(a letra e vem de eletrônica e lob é louvor em ale-mão), grupo que promove uma interação entreigreja e música. “Começamos, em 2001, a fazeruma festa anual. Mais tarde, vimos que não ha-via necessidade de fazer uma festa da igreja pa-ra fazer a interação, pois o vínculo já existia”, dizLucas Castro.

Além do culto dominical, durante a semanasão feitos encontros nas casas dos integrantespara estudo bíblico e orações. E o que pode e nãopode? “A gente crê que a Bíblia possui preceitosde Deus para o bem-estar da vida humana”, afir-ma o pastor Geraldo Luiz. Trocando em miúdos:drogas, excesso de bebidas e promiscuidade nãosão bem vistos. “Mas não somos hipócritas dedizer que beber é pecado, pois temos na comu-nidade pessoas com histórico de alcoolismo, porexemplo. Muita gente que nos procura vem deuma vida difícil”, acrescenta.

E como os DJs convivem com isso? “Conhecium cara que chegou a me dizer que não enten-dia o que um crente estava fazendo com músi-ca eletrônica. Hoje ele é um dos meus melhoresamigos. A verdade é que a maioria das pessoasse assusta quando digo que sou evangélico. Masa minha postura é a de não julgar ninguém.Agora, quanto a droga, a gente sabe que qual-quer cena musical tem. E ali há gente que estápela música e outros pela droga. Às vezes beboum pouco, mas não uso drogas, mesmo tendoamigos que consomem. Há, inclusive, aquelesque pararam porque começaram a andar comi-go. Então rola um respeito”, afirma Menorah. Ca-da um na sua e todo o mundo se entende.

Drum’n’

JESUS

DJs evangélicos conquistam cena eletrônica tocando tecno, house e drum’n’bass. Para eles, a opção religiosa não intervém na qualidade de seu trabalho musical

Os DJs Menorah e LucasCastro mostram que osuniversos da religião eda eletrônica podem

conviver em paz

MARCOS VIEIRA