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1 CAPÍTULO 2 A criação de um novo sistema de produção na fábrica de montagem de automóveis Volvo em Uddevalla, Suécia + Kajsa Ellegård + Tradução livre e com adaptações sinalizadas, realizadas por Marcelo Hoss Chapter: The creation of a new production system at the Volvo automobile assembly plant in Uddevalla, Sweden. Sandberg Å. (ed.), Enriching Production. Perspectives on Volvo’s Uddevalla plant as an alternative to lean production, Avebury, Aldershot (UK), 1995, 459 p. Digital edition, New Preface, Åke Sandberg, Stockholm, 2007. Digital publication, freyssenet.com, 2007, ISSN 7116-0941. Fonte: http://mpra.ub.uni- muenchen.de/10785/1/MPRA_paper_10785.pdf Alguns comentários serão feitos sobre a criação do novo sistema de produção, conhecido como "Sistema de Produção Reflexiva”. Ele foi criado quando a Volvo, no final de 1980, planejou uma nova fábrica de automóveis em Uddevalla, Suécia. Algumas questões fundamentais para a compreensão deste processo criativo serão discutidas adiante. O ponto de partida é que o "Sistema de Produção Reflexiva” se baseia em um conjunto de pressupostos que difere na natureza daqueles que suportam o sistema de produção em plantas com uma linha de montagem, como no caso do Fordismo e Toyotismo. Além disso, algumas características do padrão do fluxo produtivo na fábrica Uddevalla serão brevemente descritas, bem como a organização do trabalho e as condições necessárias para isso. Também são descritos as competências do trabalhador para montar um carro, as estações de montagem paralelizadas e do processo contínuo de mudança e melhoria. 1 . O que há de novo? Esta pergunta pode ser respondida ao assumir o papel de um visitante pela primeira vez na fábrica de Uddevalla: a primeira impressão refere-se a parte visível do ambiente de trabalho que, por sinal, é leve e espaçosa. Isto não difere tanto a partir de qualquer outra fábrica moderna, no entanto há outros pontos que diferem do que pode ser visto em outras fábricas de automóveis: • ela é silenciosa, ela é calma e nada parece ir com pressa, • o carro permanece no mesmo lugar durante um longo período de tempo, na ordem de grandeza de horas, os carros parados estão sendo montados estão lado a lado, • as pessoas estão trabalhando juntas em pequenos grupos e se comunicam com frequência,

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Sistemas de produção

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CAPÍTULO 2

A criação de um novo sistema de produção na fábrica de montagem de automóveis Volvo em Uddevalla, Suécia+

Kajsa Ellegård

+Tradução livre e com adaptações sinalizadas, realizadas por Marcelo Hoss

Chapter: The creation of a new production system at the Volvo automobile assembly plant in Uddevalla, Sweden. Sandberg Å. (ed.), Enriching Production. Perspectives on Volvo’s Uddevalla plant as an alternative to lean

production, Avebury, Aldershot (UK), 1995, 459 p. Digital edition, New Preface, Åke Sandberg, Stockholm, 2007. Digital publication, freyssenet.com, 2007, ISSN 7116-0941. Fonte: http://mpra.ub.uni-

muenchen.de/10785/1/MPRA_paper_10785.pdf

Alguns comentários serão feitos sobre a criação do novo sistema de produção, conhecido como "Sistema de Produção Reflexiva”. Ele foi criado quando a Volvo, no final de 1980, planejou uma nova fábrica de automóveis em Uddevalla, Suécia. Algumas questões fundamentais para a compreensão deste processo criativo serão discutidas adiante. O ponto de partida é que o "Sistema de Produção Reflexiva” se baseia em um conjunto de pressupostos que difere na natureza daqueles que suportam o sistema de produção em plantas com uma linha de montagem, como no caso do Fordismo e Toyotismo. Além disso, algumas características do padrão do fluxo produtivo na fábrica Uddevalla serão brevemente descritas, bem como a organização do trabalho e as condições necessárias para isso. Também são descritos as competências do trabalhador para montar um carro, as estações de montagem paralelizadas e do processo contínuo de mudança e melhoria.

1 . O que há de novo?

Esta pergunta pode ser respondida ao assumir o papel de um visitante pela primeira vez na fábrica de Uddevalla: a primeira impressão refere-se a parte visível do ambiente de trabalho que, por sinal, é leve e espaçosa. Isto não difere tanto a partir de qualquer outra fábrica moderna, no entanto há outros pontos que diferem do que pode ser visto em outras fábricas de automóveis:

• ela é silenciosa,

• ela é calma e nada parece ir com pressa,

• o carro permanece no mesmo lugar durante um longo período de tempo, na ordem de grandeza de horas,

• os carros parados estão sendo montados estão lado a lado,

• as pessoas estão trabalhando juntas em pequenos grupos e se comunicam com frequência,

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• e a fábrica é pequena em comparação com a maioria das outras fábricas de automóveis.

A próxima impressão refere-se aos equipamentos técnicos:

• ausência de uma linha de montagem. Ao invés disso, o fluxo produtivo é extremamente paralelizado nas oficinas de montagem,

• os conjuntos de materiais a serem instalados são embalados individualmente para cada carro (os componentes maiores são colocados em uma ordem sequenciada em prateleiras e carrinhos). O chassi do carro e seus conjuntos de materiais são enviados para a área de montagem em veículos guiados automaticamente (AGV),

• AVG são também utilizados para transportar os veículos prontos para fora da oficina de montagem,

• pessoas estão se movendo em torno do chassi do carro, realizando diferentes tarefas no trabalho de montagem, enquanto o carro está parado,

• as mesmas pessoas fazem todo o seu trabalho em uma pequena área de montagem,

• muitos equipamentos manuais e pequenos estão na área de montagem, poucas máquinas grandes e complexas.

Outra impressão que se tem é a dificuldade para descobrir o ritmo de produção. Não é imediatamente visível, devido à ausência de uma linha de montagem e aos longos tempos de ciclo manual. Uma vez que não há ciclos curtos, o grau de repetitividade é muito baixa. Ou seja, a tarefa é executada pelo mesmo trabalhador apenas poucas vezes ao dia, portanto o visitante na sua primeira vez na fábrica não toma imediatamente conhecimento da estrutura fundamental da organização do processo de montagem.

Assim, uma primeira conclusão já pode ser tirada. A verdadeira inovação é a maneira na qual a aprendizagem e o conhecimento humano são usados como ponto de partida para o desenvolvimento de novos princípios de técnicas de produção. Um dos princípios técnicos mais importantes diz respeito ao manuseio de materiais, quando o chassi fica parado durante a montagem. O manuseio de materiais é organizado de modo a facilitar o trabalho de montagem, levando em conta como as pessoas pensam e executam esse trabalho de uma forma natural.

O conhecimento humano, ou seja, o conhecimento pessoal e a capacidade individual do trabalhador foram os pré-requisitos subjacentes fundamentais para organizar uma forma alternativa de produção na fábrica de Uddevalla. O total de conhecimento do trabalho de montagem foi distribuído entre poucas pessoas e utilizado de uma forma muito diferente de outras fábricas de automóveis. Mais conhecimento é exigido de cada indivíduo. Os próprios trabalhadores exercem controle sobre a totalidade do trabalho de montagem, incluindo o ritmo de trabalho.

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Eles têm uma visão global do processo, e quando possuem o conjunto completo de materiais para a montagem de um carro podem executar seu trabalho de forma autônoma e muito eficiente.

Isso faz com que o “Sistema de Produção Reflexiva” seja muito mais flexível e resistente a perturbações quando comparado aos sistemas de produção tradicionais. A principal razão para a necessidade da extensão da competência individual foi a demanda por eficiência e rentabilidade. A extensão da competência permite uma visão geral do produto por parte dos indivíduos, o que é necessário para a compreensão do processo de montagem. Uma vez que o entendimento é alcançado, torna-se possível para os indivíduos traçarem novas e melhores maneiras de realizá-lo. Isto leva a uma maior eficiência, maior produtividade e lucratividade. Assim, a combinação entre a competência técnica e um sistema construído para atender capacidades humanas gera um maior alcance de satisfação e realização pessoal em relação ao trabalho executado.

2. Por que o desenvolvimento do novo sistema de produção?

Em meados dos anos 80 a Volvo tinha a necessidade de expandir sua capacidade de produção. A demanda por carros da Volvo aumentou de forma constante durante a primeira parte da década de 80 e suas instalações existentes não podiam atender a essa demanda sem sofrerem grandes mudanças. Ao mesmo tempo, trabalhar na indústria não era atrativo para a força de trabalho sueca e as fábricas de automóveis eram meros símbolos de trabalho monótono em linhas de montagem aparentemente interminável. Além disso, o mercado de trabalho na Suécia estava muito aquecido durante meados dos anos 80 com uma taxa de desemprego de apenas cerca de 2 por cento. Por tais razões, era difícil encontrar pessoas dispostas a trabalhar na indústria automobilística.

O sindicato dos trabalhadores metalúrgicos na Suécia defendeu por vários anos a criação de “bom trabalho” para os seus membros. O sindicato nacional de metalúrgicos de Estocolmo viu os planos para uma fábrica da Volvo em Uddevalla como uma oportunidade para colocar em prática a filosofia do “bom trabalho”. Já os membros do sindicato metalúrgicos da antiga fábrica de Torslanda em Gotemburgo, no entanto, viram os planos como uma ameaça para os empregos porque eles acreditavam que a Volvo queria recrutar apenas os melhores trabalhadores de suas fábricas de automóveis, a fim de produzir carros de qualidade em um sistema de produção eficiente e flexível.

Já que as experiências da fábrica na cidade de Kalmar na Suécia (uma planta inovadora já para a época) tinham sido muito boas, não só pelos resultados de produção, mas também porque gerou uma publicidade positiva para a Volvo em todo o mundo, a empresa queria ir além do conceito empregado em Kalmar.

A Volvo expandiu suas metas para a planta de Uddevalla, que visavam a criação de uma fábrica rentável e flexível, com elevados índices de produtividade e qualidade e, ao mesmo tempo, um local onde as pessoas sentiriam que tinham um bom trabalho. Além disso, foi realizada uma cooperação entre a empresa e os sindicatos durante todo o planejamento de Uddevalla. Portanto, era importante que

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todos os representantes do sindicato fossem favoráveis para a criação de um bom ambiente de trabalho na fábrica. Isso significava algo muito diferente das tarefas de trabalho com ciclos curtos de uma linha de montagem. Os sindicatos foram representados no grupo de planejamento desde o início do projeto.

Um diretor do alto escalão da Volvo ficou fascinado com o conceito de "aprendizagem holística" e "trabalho natural" apresentado em um seminário na Universidade de Gotemburgo. Como resultado deste interesse, o pesquisador que apresentou o seminário foi inserido no planejamento da fábrica de Uddevalla desde o início.

A Volvo fez por muitos anos experimentos de montagem tanto com caminhões quanto com carros em pequena escala com novos layouts e que por consequência geravam novos fluxos produtivos. Alguns destes experimentos mostraram resultados muito bons, até melhores do que o esperado. Não houve, no entanto, nenhuma resposta óbvia à pergunta: Por que é tão bom? O principal gestor desses experimentos, uma pessoa com “mente aberta” dentro empresa, também foi envolvido desde o início no processo de planejamento da fábrica de Uddevalla. Ele também utilizou seus contatos com pesquisadores da área de layouts de linhas de montagem alternativas na Universidade Técnica Chalmers, em Gotemburgo. Eles sabiam, teoricamente, que deveria ser mais eficiente e rentável para substituir a linha de montagem com um fluxo de produto altamente paralelizado. Consequentemente, isso tornaria possível melhorar as condições de trabalho. As demonstrações teóricas de tal afirmação ainda iriam ser provadas. O envolvimento dos pesquisadores no processo de projeto tornou-se cada vez mais intenso ao longo dos anos.

Estavam envolvidos também no processo de planejamento alguns engenheiros de uma escola mais tradicional da Volvo que exerceram grande influência no início do período de planejamento. Isso implicou numa luta intelectual entre esses dois grupos de técnicos. Essa disputa é apresentada abaixo, mostrando a mudança de planos do grupo de planejamento.

Várias circunstâncias favoreceram o desenvolvimento do novo "Sistema de Produção Reflexiva”. O mais importante foi a oportunidade única de combinar as diferentes esferas de conhecimento e experiência da empresa de automóveis Volvo, de um lado, e dos pesquisadores, do outro . Esta foi uma condição necessária, e sem ela, o resultado provavelmente não seria tão bem sucedido, apesar de outras circunstâncias favoráveis. Alguns dos fatores mais importantes foram:

• Várias partes envolvidas da Volvo estavam de acordo quanto ao direcionamento do projeto e foram, assim, de fato capazes de fortalecerem os argumentos uns dos outros no trabalho diário.

• O líder do grupo de planejamento acolhia as novas ideias de maneira que favorecia o bom ambiente de trabalho da equipe de projeto. Novas sugestões não foram postas de lado apenas por falta de tempo, mas aceitas, mesmo que exigissem esforços extras para garantir a aprovação das partes envolvidas. Por exemplo, o primeiro layout sugerido para a oficina de montagem foi deixado de lado porque faltou

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inovação em relação a sua concepção. O layout era mais ou menos uma cópia da fábrica Kalmar, uma fábrica 10 anos mais velha. A maior parte do grupo de planejamento, entre eles os executivos da empresa e representantes sindicais gostariam algo melhor do que isso.

• A estreita cooperação entre os representantes dos quatro diferentes sindicatos e a criação de um novo papel adotado por estes foi de importância decisiva. Eles foram capazes de deixarem o papel de fazer reivindicações e, em vez disso, passaram a dar sugestões.

• O grupo de planejamento inteiro estava agrupado no mesmo escritório, e todos os membros, incluindo os representantes do sindicato, trabalharam em tempo integral no processo de planejamento. Esta proximidade geográfica tornou mais fácil o desenvolvimento e experimento das novas propostas de layout, como as discussões rapidamente iniciadas com todos os membros do grupo de planejamento envolvidos nelas.

• As negociações relativas a poluentes foram adiadas. Isto foi importante, uma vez que o atraso levou ao cancelamento da fabricação do chassi e oficinas de pintura. Assim, só uma oficina de montagem foi construída. Este cancelamento teve um efeito de longo prazo positivo e um negativo de curto prazo. O efeito positivo foi que o grupo de planejamento poderia se concentrar em fazer algo totalmente novo na oficina de montagem. Até a decisão de prosseguir somente com o planejamento de uma oficina de montagem fosse feita, a resistência à mudança era maior no subgrupo planejamento da oficina de montagem. Agora todas as forças estavam concentradas naquele local, e essa pressão facilitou mudanças conceituais na montagem. O efeito negativo, a decisão no Outono de 1992 para fechar a fábrica de Uddevalla, uma montadora parcial de automóveis, deveu-se em parte à falta da montagem do chassi e das oficinas de pintura nesse local.

3. Como é que o novo "Sistema de Produção Reflexiva” evoluiu?

3.1 A trajetória para alcançar a meta - um modelo descritivo

A evolução do "Sistema de Produção Reflexiva” seguiu uma trajetória não-linear ao longo do tempo. O objetivo inicial do grupo de planejamento foi o de criar uma fábrica rentável. E para isso ela teria que apresentar alta flexibilidade, alta produtividade, alta qualidade, e elevada satisfação do empregado. As metas permaneceram as mesmas durante todo o processo de planejamento. O processo de planejamento foi cada vez mais na direção de "intensificar a competência humana" dentro fábrica.

Quando o "Sistema de Produção Reflexiva” na fábrica de Uddevalla foi desenvolvido, houve uma interdependência entre a indústria e a academia. Passo a passo, as afirmações teóricas foram testadas na fábrica. O desenvolvimento gradual ocorreu, mesmo com uma forte resistência de muitos tradicionalistas, tanto em diferentes níveis da empresa quanto dentro dos sindicatos.

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Assim, durante o processo de desenvolvimento os níveis teóricos e práticos estavam estreitamente ligados uns aos outros e as afirmações teóricas foram testadas na prática e funcionaram. Como, por exemplo, a oficina pedagógica que foi iniciada na primavera de 1986 antes mesmo da decisão final para construir a fábrica. Nessa oficina, 20 pessoas foram selecionadas e estas estavam na folha de pagamento de outras fábricas da Volvo. Juntos, os pesquisadores e essas pessoas confirmaram os princípios teóricos na prática de que (1) a tecnologia de montagem em layout estacionário e que (2) a aprendizagem holística do operador para executar grande parcela de montagem eram possíveis. Mostraram que era possível aprender a montar um carro com tempos de ciclo longos se os materiais fossem colocados em uma sequência de tal modo que a montagem do carro fosse facilitada. Assim, os operadores rapidamente aprenderam a montar pelo menos um quarto de um carro. Depois de alguns meses muitos deles foram capazes de construir metade de um carro. Portanto, esse crescimento de competência intensivo provou ser possível quando foram praticados os novos princípios para a aprendizagem e para o agrupamento e alocação sequenciada dos materiais.

Usando um modelo descritivo para dar uma visão geral do processo de planejamento criativo, o planejamento da fábrica de montagem de Uddevalla pode ser visto como uma trajetória. A trajetória, mostrado na figura 1, move-se a partir da primeira ideia apresentada, onde cada um de cerca de 700 pessoas realizaram tarefas de cerca de dois minutos de duração num trabalho individual. A ideia final mostra uma fábrica onde pequenas equipes paralelas, independentes, com cerca de sete a dez membros, montam um carro inteiro. O tempo de duração da tarefa de um indivíduo passou a ser mais de duas horas e não de dois minutos. Abaixo, as etapas do percurso são descritos uma por uma. As etapas mostram como a nova produção e princípios de aprendizagem foram integrados no pensamento do grupo de planejamento. No início, as ideias eram simplesmente belas palavras, que pareciam ser metas inatingíveis, mas no final elas foram realizadas. É evidente que o desenvolvimento foi lento quando comparado com um processo de planejamento tradicional, mas, por outro lado, foi muito bem-sucedido e criativo.

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Figura 1. Mudança de concepção de montagem com fluxo em série (trabalhador estacionário) como em Torslanda, para a montagem com fluxo semi-paralelizado como em Kalmar até a montagem com fluxo paralelizada (produto estacionário). O primeiro layout sugerido para a fábrica de Uddevalla significaria que cerca de 700 pessoas juntas deveriam ser reunidas para montar cada carro. O layout em janeiro de 1988 fez com que 8 pessoas fizessem um carro (ver Tabela 1).

Quantidade de

operadores no layout

TC de cada operador

Tempo total para

montar um carro

Produção em 8 h

Estações paralelas necessárias para

equivaler produção da linha

Layout número min/carro min carros

Linha 700 2 1400 240 -

Estacionário 8 175 1400 2,74 87,5

*Tabela 1: São necessárias 88 estações trabalhando em paralelo, com 8 montadores cada uma (um montador repete seu trabalho a cada 2h55min), para produzirem o equivalente a uma linha de produção com 700 montadores (um montador repete seu trabalho a cada 2 min).

3.2 Maio 1985 - um layout bastante tradicional : " Não é bom o suficiente “

Em maio de 1985, meio ano após a primeira reunião, o grupo de planejamento teve que apresentar um layout completo para uma fábrica de automóveis que incluía uma oficina para chassi, uma oficina de pintura e uma oficina de montagem. O grupo apresentou um esboço de um layout da fábrica, que enfatizou os objetivos para a fábrica. A oficina de montagem, no entanto, permaneceu bastante tradicional. Por exemplo, neste esquema do fluxo produtivo na oficina de montagem era mais ou menos semelhante à da fábrica de Kalmar. Havia tempos de ciclo de dois minutos em um fluxo linear, que foram feitos para ser transformado em um fluxo parcialmente paralelo mais tarde. As 700 pessoas juntas tinham a competência para construir um carro, com TC de 2 min cada, com oportunidades para os operadores agrupar cerca de

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10 ciclos de trabalho, totalizando aproximadamente 20 minutos de trabalho. Muitos membros do grupo de planejamento entre eles os representantes do sindicato não viam essa solução como correspondente às metas estabelecidas.

Era importante chegar a um acordo, como uma das metas estabelecidas para a fábrica de Uddevalla era que o próprio processo de planejamento devesse melhorar a cooperação entre a empresa e os sindicatos. Os sindicatos se recusaram a reconhecer esse layout tradicional como algo melhor do que outras fábricas já existentes. A alta direção da Volvo tinha mesma opinião. Este layout foi rejeitado em uma reunião de planejamento. Um novo layout com maior consonância com as metas iniciais estabelecidas para a fábrica foi então discutido. Além disso, as restrições impostas pela cidade para as emissões de poluentes tiveram de ser considerados no planejamento da fábrica.

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3.3 Dezembro 1985 - o começo de algo realmente novo

Um ano depois, em dezembro de 1985, o grupo de planejamento tinha proposto um novo layout. A ideia geral era ter unidades produtivas menores (oficinas) paralelas e dentro destas, zonas de trabalho ligadas em séria, onde cada zona teria um tempo de ciclo longo. Numa oficina, havia uma sequência de oito zonas, onde um carro seria montado na sua totalidade de forma independente de outra oficina que estivesse paralela a esta. Veja figura 2.

Figura 2. O segundo layout era algo novo (dezembro de 1985). O carro devia passar em cada uma das oito estações de trabalho ligadas em série. Em cada uma destas, todo o trabalho era para ser realizado por um grupo pequeno de operadores, que também eram responsáveis por seu próprio manuseio de materiais.

O carro deveria ficar parado em uma "plataforma" durante a montagem, com pares de montadores fazendo todo o trabalho de montagem em cada estação paralela. Não só o trabalho de montagem deve ser realizado nas oficinas, mas também muito do manuseio dos materiais. A maior parte dos materiais viria de outro andar do edifício. As tarefas de trabalho seriam, assim, tornadas mais variadas. Cada funcionário seria responsável não só pela montagem, mas também com o manuseio de materiais relacionados com a tarefa de montagem que ele estava se propondo a realizar. Isso significava que o tempo de ciclo para cada operador deveria aumentar, ficando cerca de 15 a 20 minutos em cada carro. Assim, este layout apresentado à direção da empresa em dezembro de 1985, apresentou algo realmente novo. Esse layout era para ser localizado sobre a doca de um grande estaleiro, onde um prédio deveria ser construído. Entretanto, seria muito caro para controlar o nível de umidade no local na expedição dos veículos para os clientes. O grupo de planejamento ainda não havia

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recebido uma resposta das autoridades da cidade em relação aos níveis de emissões de poluentes da fábrica. Estas circunstâncias resultaram no pedido da direção para um layout mais barato: fazer uso de edifícios pré-existentes na área do estaleiro, e não usar a doca.

Ao fim de um ano de planejamento um layout aceitável ainda não tinha sido encontrado. As negociações sobre as emissões também retardou o projeto. O resultado foi uma oportunidade para um tipo único de fábrica, desconhecido anteriormente pela indústria de automobilística.

3.4 Colocando a linha de montagem para a história

Esta oportunidade foi sentida "no ar" pelo líder do projeto. Ele montou um pequeno sub-grupo, formado por um conjunto de engenheiros de mente mais aberta e um representante sindical. Juntos, eles produziram um layout baseado em duas ideias principais. A primeira delas favorecendo o fluxo produtivo em paralelo e a segunda fazendo o manuseio de materiais de acordo com esse fluxo. O que significava que os materiais seriam agrupados em conjuntos funcionais do carro e levados a cada uma das estações de montagem que estavam distribuídas pela oficina (não mais sendo os materiais individualmente sempre alocados a uma área específica ao lado da linha de montagem – por exemplo, agora os pneus deveriam ser entregues em todas as oficinas e não apenas em um local da fábrica com linha de montagem ). A outra ideia focava na capacidade do ser humano de aprender tarefas mais longas na sua execução, na qual a visão e a compreensão do processo de montagem de um carro como um todo são enfatizadas. Isto ocorre quando o operador tem controle sobre o seu ritmo de trabalho (não ditado por uma esteira), encontrando assim um significado naquilo que realiza. Já havia sido demonstrado que, teoricamente, um operador montando cerca de um quarto de um carro atenderia a ideia de uma intensa competência humana para realizar o trabalho. Esses foram os pontos de partida básicos para o subgrupo. Um resultado importante do trabalho do subgrupo foi que as pequenas unidades produtivas, as oficinas de montagem, fossem não ficassem ligadas como um fluxo em série. Ao contrário, elas deveriam ser independentes uma do outra. Isto significa que elas deveriam ser paralelas e, assim, que os carros fossem sendo montados inteiramente em cada uma delas. Esta foi uma mudança radical em relação aos layouts anteriores colocadas pelo grupo de planejamento.

3.5 Junho 1986 - Os edifícios pré-existentes para apoiarem a ideia de oficinas de montagem paralelas

Essa ideia interessante e tão progressiva que foi identificada como um novo sistema de produção. Um ponto, no entanto, que fez algumas pessoas ficarem apreensivas era a falta de oportunidades para voltar a um fluxo em linha, caso o novo sistema de produção não fosse funcionar. No layout final apresentado à direção, em junho de 1986, as oficinas de montagem que deviam ser independentes foram alocadas em lados opostos em duas configurações de folha de trevo de três oficinas cada. Veja figura 3. Assim, com essa nova proposição, seria possível, mas a um alto custo, mudar o fluxo paralelo para o em linha. A preparação dos conjuntos de materiais para cada carro seria realizada em outro edifício já existente desde a época

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do estaleiro. Isto significava que haveria uma separação física entre as áreas de preparação de materiais e da montagem. Alguns meses antes da decisão ser tomada para construir uma fábrica de montagem de acordo com este esquema, também foi decidido que nenhum chassi ou oficina de pintura fosse construído em Uddevalla. O principal motivo foi que ainda não havia resposta das autoridades em ao nível permitido de emissões de poluentes. Outra razão era alto custo para instalar uma oficiona.

Figura 3. A forma da planta de Uddevalla na decisão final para começar a construir a fábrica (a legenda número 2 indica uma unidade de montagem, ou seja, uma oficina).

3.6 A oficina pedagógica - testar as afirmações teóricas

Todos os esforços criativos estavam concentrados para planejar uma fábrica de montagem que atingisse as metas propostas. Os pesquisadores da área já tinham fornecido uma visão de como fazer isso. Teoricamente, foi mostrado que o tempo total para montar um carro deve ser muito mais curto em um fluxo paralelo do que em um fluxo em linha. Além disso, haveria para o operador um maior entendimento do carro como um todo. A grande questão permaneceu se estas verdades teóricas correspondem ao que parece, no mundo real, quando os princípios fossem postos em prática. Esta questão foi respondida quando a oficina pedagógica foi iniciada na primavera de 1986. Os primeiros 20 operadores aprendizes estavam profundamente envolvidos no planejamento e na implantação de equipamentos na oficina pedagógica. Métodos de trabalho foram avaliados, por exemplo, como os operadores aprenderiam o conteúdo de trabalho para montar pelo menos um quarto de um carro. Nenhum

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deles havia trabalhado como operador na linha de montagem das fábricas da Volvo de onde eram originários. Na oficina, os aprendizes provaram depois que era possível aprender rapidamente a montar um quarto de carro e realizar o trabalho com alta qualidade. Havia duas razões principais para isso: a primeira é que todos os materiais para cada carro fossem agrupados em conjuntos funcionais previamente preparados, e a segunda é que os conjuntos colocados em sequência de tal modo que o trabalho de montagem fosse facilitado (ver figura 4). Alguns meses mais tarde, todos os operadores dominavam a montagem de um quarto de carro, muitos deles a metade do carro e outros ainda haviam conseguido três quartos de carro. Algum tempo depois, duas pessoas foram capazes de montar o carro inteiro. Quando foi tomada a decisão de construir a fábrica de Uddevalla, o grupo de planejamento sabia que teria sucesso se mantivesse esses princípios. Em junho de 1986, a decisão final da construção havia sido feita. Mudanças substanciais foram feitas no que seria realizado em cada edifício, mas não em relação ao layout paralelo nas oficinas de montagem. Este processo foi constantemente alimentado com argumentos baseados obtidos nas experiências da oficina pedagógica. Nele, novas ideias e melhorias foram experimentadas. A competência para construir um carro completo toda foi, passo a passo, geograficamente concentrada.

Figura 4: A fotografia é o trabalho sendo desenvolvido por pesquisadores na joint venture Autonova em 1995, na planta de Uddevalla. Este trabalho essencialmente repetiu aquele feito para o projeto da fábrica Volvo em Uddevalla dez anos antes. O carro desmontado era organizado pelo uso de várias etiquetas e cartões com ilustrações que mostravam a montagem de pequenos conjuntos funcionais de materiais totalizando, cada conjunto, um pequeno tempo de ciclo, mas na montagem do coletivo de vários conjuntos representavam um longo tempo de ciclo de trabalho1.

3.7 Carros inteiros em uma oficina: um carro é feito por 80 pessoas

Em cada uma das seis oficinas (dispostas em duas folhas de trevo na figura 3), carros inteiros deveriam ser montados de forma paralela, de acordo com o esquema apresentado em Junho de 1986. Ou seja, na oficina 1 sairia uma quantidade de carros igual ao da oficina 2 de forma independente. Em cada oficina, o conjunto total de trabalho para montar um carro foi dividido em quatro quadrantes (ao invés de oito

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como na figura 2), e cada quarto teria uma área separada. As quatro áreas foram ligadas em série. Isso significava que um quarto da oficina foi organizada para montar o primeiro quarto do carro (como o conjunto funcional de cabeamentos elétricos e de controle climático). O carro ficaria parado até que esse quarto fosse terminado. Após o término desse trabalho, o carro era movido para o próximo quarto e assim por diante. Veja a figura 5. Essas quatro áreas na oficina foram rotuladas de “zona de trabalho", e em cada uma delas havia duas equipes de 10 pessoas trabalhando cada uma delas em uma estação com um carro de forma independente (1 zona, 2 estações, 2 carros paralelos). Assim, a oficina teria 80 pessoas, 20 em cada zona, 10 em cada estação onde sempre estariam saindo dois carros. Quando o carro estava completo, ele havia passado pelas quatro zonas.

Figura 5. Fluxo produtivo de uma das seis oficinas de montagem (as outras seriam iguais a essa), em Junho de 1986. Carros inteiros na oficina são montados por 80 pessoas. Cada 1/4 do carro (I. cabeamentos, II. decoração, III. transmissão III. interior), definiam o conteúdo do trabalho em cada zona de trabalho (que é 1/4 do espaço físico da oficina). Duas equipes de 10 pessoas constituíam cada zona (* sendo uma estação de trabalho extra, caso houvesse aumento da demanda, poderia sair 3 carros ou invés de 2, totalizando 30 pessoas numa zona).

3.8 Carros inteiros em uma zona de trabalho: um carro é montado por cerca de 20 pessoas

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Em janeiro de 1987, o grupo de planejamento percebeu que a produção organizada de acordo com o plano de junho de 1986, ainda dava apenas uma visão limitada aos trabalhadores sobre o conjunto do carro. Eles não tinham feedback imediato quanto ao resultado de seu trabalho. Por que não, então, concentrar o trabalho e montar o carro completo em uma zona de trabalho, ou seja, em um quarto do espaço físico da oficina? Nenhum dos edifícios ainda havia sido equipado, então essa mudança não seria cara. O grupo de planejamento decidiu seguir a ideia e, portanto, haveria quatro zonas de trabalho paralelas em cada oficina. Em cada zona, cerca de 20 pessoas montariam todo o carro. Veja a figura 6. Suas estações de trabalho paralelas foram equipadas para cada quarto do carro. A área do prédio era uma restrição decisiva. No entanto, quando este esquema estava relacionado com o volume de produção necessário, ficou claro que ele não iria atender aos requisitos de 40.000 carros por ano, em um turno de trabalho.

Figura 6. Fluxo produtivo em uma das zonas de trabalho no layout de janeiro de 1987. Carros inteiros são montados por 20 pessoas em uma zona. Este layout é primordialmente o mesmo que o anterior, mas a escala é reduzida e agora quatro zonas paralelas fazem carros completos (ao invés de oficinas paralelas).

3.9 Carros inteiros em uma estação de trabalho I: Um carro é feito por oito pessoas em duas plataformas

Devido à área restrita, foi necessário agora utilizar muito menos espaço para alcançar o volume de produção exigido. Isso só poderia ser feito pela concentração geográfica ainda maior das tarefas de trabalho. Os resultados mostraram que um carro

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deveria ser construído em uma estação de trabalho onde teriam duas plataformas, com metade do carro montado em cada plataforma. Cada oficina teria 4 zonas de trabalho, cada zona 4 estações de trabalho, cada estação teria 2 plataformas, e cada plataforma permitiria trabalhar com um carro estacionário (metade do carro montado numa plataforma de inclinação e a outra metade na plataforma de elevação). As três primeiras oficinas na fábrica Uddevalla foram equipadas de acordo com esta disposição. Veja a figura 7. Quando a produção cessou em 1993, o fluxo produtivo ainda era o mesmo nestas três oficinas.

Figura 7. O layout da fábrica de Uddevalla completo (ilustração da esquerda) a partir do qual o layout de uma oficina (ilustração da direita) está distribuída em 4 zonas de trabalho (janeiro de 1988). Na zona há quatro estações de trabalho e 8 plataformas a sua disposição, sendo metade do tipo elevatória e a outra metade de inclinação, onde cada plataforma é utilizada para um carro. Quatro montadores trabalham com a plataforma de inclinação construindo metade do carro, então o carro é movido para uma plataforma elevatória ao lado, onde outro quarteto de trabalhadores monta a outra metade do carro.

3.10 Argumentos ergonômicos para a eficiência

Se uma tarefa de trabalho é facilmente realizada, também pode ser eficientemente realizada, muito embora possa ser relacionado com os esforços mentais. Variações nas tarefas de trabalho são boas tanto para o corpo humano quanto para a mente. Tais questões foram debatidas no grupo de planejamento e se apontou que um dos componentes centrais de qualquer trabalho está relacionado com a ergonomia. O grupo de planejamento se dedicou para melhorar a ergonomia na fábrica de Uddevalla. O resultado: tarefas menos repetitivas com cerca de duas horas de tempo de ciclo. Quando você repetir a mesma tarefa apenas quatro vezes por dia, o seu corpo não se desgasta mais rapidamente do que se você tiver que repetir a mesma

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tarefa mais de 200 vezes por dia. Outra dedicação foi o desenvolvimento de equipamentos manuais adaptados ao tamanho da mão de mulheres. O argumento ergonômico também foi relevante para como as tarefas de montagem são executadas. No trabalho de montagem tradicional de um carro, apenas 20 por cento do trabalho nas tarefas são executadas em pé na posição vertical. Os 80 por cento restantes são realizados inclinados ou em pé com as mãos acima da cabeça. A ergonomia do trabalho de montagem foi melhorada nas três primeiras oficinas em Uddevalla, mas outras melhorias ainda seriam possíveis de alcançar. Foi claramente demonstrado que, quando a questão da ergonomia é melhorada, o resultado não é apenas um "bom trabalho" para os empregados, mas também um desempenho de produção mais eficiente na planta.

3.11 Carros inteiros em uma estação de trabalho II: Um carro é feito por oito pessoas em uma plataforma

Um pequeno grupo de operadores teve a oportunidade de experimentar uma nova maneira de executar o trabalho de montagem completamente ergonômico e pelo menos tão eficiente quanto a anterior. Eles trabalharam juntos com um engenheiro de ergonomia. A maneira de construir carros que eles desenvolveram envolvia ainda outra mudança no layout básico da oficina, como o carro montado completamente agora em apenas uma plataforma. Essa plataforma era equipada com dois mecanismos, o que tornou possível não só levantar a carroçaria do automóvel, mas também incliná-los 90 graus em ambos os sentidos. Isto tornou possível executar as tarefas de trabalho de forma mais eficiente e reduziu o risco de ferimentos pessoais. Assim, as três novas oficinas que deveriam ser iniciados depois de 1989, agora estavam equipadas de acordo com essa forma de montar carros. Portanto, a fábrica de Uddevalla continuou a ser inovadora, mesmo depois da operação ter começado em 1989. Esta disposição não só resultou em uma melhor ergonomia, mas também permitiu uma maior flexibilidade no que diz respeito de como o trabalho de montagem pode ser realizado. Mais tarde neste esquema, cada equipe permaneceu como o mesmo tamanho (cerca de oito membros) em uma estação (*duas plataformas por estação), podendo facilmente dividir-se em subgrupos. Onde dois indivíduos poderiam montar todo o carro em uma plataforma, caso tivessem a competência adequada, formando um subgrupo. Ao mesmo tempo na outra plataforma, os demais membros da equipe formariam outro subgrupo, montando os carros de acordo com sua competência e na sequência mais adequada para execução do trabalho que havia sido auto distribuída pelos 6 membros remanescentes.

3.12 A perspectiva comparativa sobre o resultado do processo de planejamento

Agora é possível colocar dentro de uma perspectiva do desenvolvimento do sistema de produção e comparar os dois diferentes tipos de trabalhos de montagem.

I. Um carro completo é montado em uma estação (em duas plataformas sequenciais), por uma equipe de oito pessoas.

II. Um carro completo é montado numa linha de 200 estações (todas sequenciais), por uma equipe de 700 pessoas.

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Há algumas conclusões óbvias a serem tiradas desta comparação. Em primeiro lugar, a competência individual do trabalhador deve ser maior, no primeiro caso, pois a competência para montar todo o carro está dividida entre oito pessoas. No segundo caso, a mesma competência é dividida por 700 indivíduos. Em segundo lugar, a possibilidade de alcançar uma visão geral da montagem é muito maior no primeiro caso, quando o carro está no mesmo local durante toda a montagem, mudando apenas uma vez de posição antes de ser finalizado. Assim, o feedback é imediato e facilitado se ocorrer algum problema que está relacionado com a montagem realizada em algum momento anterior.

4. Quais foram os resultados alcançados pela nova fábrica?

Os resultados alcançados pela nova planta podem ser entendidos a partir de diferentes perspectivas. Devido ao encerramento da fábrica de Uddevalla, apenas efeitos de curto prazo podem ser observados, apesar de existirem também vários indícios de um potencial favorável no longo prazo.

4.1 O desempenho da fábrica de Uddevalla: Competência

Conteúdo do trabalho

Na maioria das fábricas de montagem existem tarefas de curtos tempo de ciclo (cerca de um ou dois minutos de duração). Tal ciclo é chamado de "balanço". Um operário polivalente numa linha de montagem é responsável por até dez "balanços", o que significa que eles têm um bom domínio de cerca de 20 minutos de trabalho de montagem. Nestas plantas, a linha de montagem é controlada pelo ritmo da esteira medido em minutos por metro, e não pelo conteúdo de trabalho total de um carro. Na fábrica de Uddevalla, todos os trabalhadores sabiam como montar pelo menos um quarto de um carro, o que significa que todos os trabalhadores controlavam a montagem de pelo menos um "grupo de montagem-funcional de materiais". Um quarto de um carro equivale a cerca de duas horas de trabalho. Esse é ponto positivo no “sistema de produção reflexivo", que o conteúdo de trabalho é superior qualitativamente à mensuração do tempo para realizá-lo. A competência fundamental derivada disso é a compreensão do carro produzido como um todo significativo, pois o trabalhador consegue descrever completamente as partes do objeto de trabalho e as tarefas necessárias de um dia de trabalho para alcançar o todo, ou seja, o carro. Além disso, o controle autônomo sobre a distribuição de trabalho e o ritmo de trabalho das equipes é essencial para um bom resultado. Tudo isso significa que a qualidade do trabalhador é o mais importante, e tempo e volume de produção são meras restrições.

Flexibilidade no trabalho

Na fábrica de Uddevalla, houve uma grande flexibilidade sobre competência e desempenho no trabalho. Foi possível, ainda que não fosse comum, para as equipes formarem subgrupos. Foi mais fácil nas oficinas mais recentes, as que estavam equipadas com plataformas com ambos mecanismos elevatórios e de inclinação de acordo com as ideias de eficiência ergonômica, do que nas três oficinas mais antigas onde o carro era montado em duas plataformas diferentes. Como indicado acima, foi

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possível para duas pessoas montarem um carro inteiro, se eles tivessem a competência adequada. Além disso, quando a fábrica Uddevalla foi fechada, cerca de 25 pessoas dominavam a montagem de um veículo completo, com alta qualidade e com o ritmo de produção elevado. Na verdade, cada um deles dominava todo o conhecimento do conteúdo do trabalho que é distribuído ao longo de centenas de pessoas em uma tradicional fábrica de linha de montagem.

Melhorar a competência

Melhorar a competência é uma tarefa fundamental na indústria. No início da produção da fábrica de Uddevalla, havia outros tipos de problemas do que aqueles que aparecem em uma fábrica com um fluxo produtivo em linha. O padrão incomum do fluxo paralelo em Uddevalla causou alguns problemas no início. Primeiro, houve alguns problemas relacionados com a independência entre as equipes paralelas nas oficinas, tornando a difusão de melhorias difícil porque cada um delas estava ansiosa para criar um ambiente produtivo por si só. Havia também problemas causados pelo alto nível de dependência entre as oficinas de forneciam materiais e as oficinas de montagem, pois eram ligadas umas as outras em um fluxo em linha. Os problemas entre as pessoas eram provocados principalmente pela ausência de um fluxo de informação suave. Foram tomadas duas medidas que levaram a uma solução. Uma delas foi achatar a fábrica organizacionalmente para apenas três níveis. Assim os líderes da oficina de montagem não estariam sob o comando do líder de produção. Isso deu aos líderes das oficinas de montagem e os líderes da oficina de materiais maior igualdade na hierarquia e, como consequência, melhores insights sobre as condições, problemas e gargalos de cada um. A segunda medida visava difundir as experiências encontradas para as novas e melhores formas de organizar o trabalho de montagem. Aqui, os engenheiros foram descentralizados para as oficinas de montagem, onde suas atividades foram definidas em duas. Uma delas era fazer o trabalho técnico no escritório e se manter em contato com as melhorias espalhando-as para outras partes da fábrica. A outra atividade a ser realizada foi trabalhar com as equipes montando os carros junto com os trabalhadores. Isso fez com que eles que eram mais qualificados nas diversas tarefas de montagem refletissem sobre "categorias reais" e não em "categorias administrativas" na elaboração dos kits de montagem (conjuntos funcionais de materiais). Desse modo, um processo de melhoria muito rápido e bem estruturado foi iniciado em toda a fábrica. Alguns bons resultados foram colhidos imediatamente e a probabilidade de ocorrer mais resultados era provável.

Estratégia de emprego

A estratégia de emprego utilizada foi estreitamente relacionada com os princípios de crescimento e utilização de competências. A estratégia também foi feita para levar a uma redução nas faltas por doença e um aumento no espírito de equipe. O pessoal na fábrica Uddevalla realizava reuniões frequentemente. Havia cerca de 40 por cento de mulheres, uma mistura de idades e no início a Volvo olhou para os ex-trabalhadores do estaleiro. O objetivo era empregar 25 por cento dos funcionários de idade de 25 anos e mais jovens, 50 por cento entre 25 e 45 anos e outra de 25 por cento mais de 45 anos de idade. Cada equipe foi composta de modo que ambos os

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sexos e mais de uma faixa etária estivessem representados. O objetivo era fazer uso do fato de que as pessoas são diferentes e que têm diferentes qualidades positivas e negativas. A licença médica foi menor do que em outras fábricas da indústria automobilística sueca, mas não tão baixo como muitas pessoas esperavam durante a fase prévia de planejamento.

Organização horizontal

O objetivo era formar uma organização horizontal na fábrica de Uddevalla. No início, havia quatro níveis no sistema organizacional: gerente de planta, líder de produção, líderes de oficinas e equipes. Durante o último ano de vida da fábrica, havia apenas três níveis, ou seja, gerente de planta, líderes de oficinas e equipes. Portanto, o fluxo de informações entre o gerente e o chão de fábrica era muito rápido, em comparação com qualquer outra montadora. Nas oficinas de montagem, as equipes foram colocadas em foco por terem que cumprir dois tipos de tarefas pelos seus membros. O mais importante era a montagem do carro, uma vez que não existiria nenhuma planta sem produção para ser entregue aos clientes. Todos os membros da equipe, portanto, eram primeiramente montadores de automóveis. Havia, entretanto outras tarefas complementares a serem dominados pelas equipes. Os membros que haviam manifestado interesse na realização de tarefas complementares foram ensinados a realizá-las. As tarefas eram, por exemplo, questões de RH (informações, recrutamento e dias planejados de folga), de manutenção de ferramentas, de inspeção da qualidade e de ensino aos colegas. Também o papel de líder da equipe surgiu. Este realizava a maioria das tarefas do trabalho feito por capatazes das fábricas tradicionais. O líder era nomeado pelos membros da equipe e o pelo líder da oficina em conjunto. O papel de líder da equipe era rotacionado entre os membros da equipe que haviam adquirido as competências e as habilidades necessárias para esse papel. O líder da equipe, bem como os outros especialistas de cada equipe, se envolviam na montagem do carro durante a maior parte do dia de trabalho (*a equipe é quem decidia, num processo de autogestão, qual atividade de montagem que cada membro executaria).

Como indicado acima, cada oficina tinha um engenheiro de produção, que era o especialista mais qualificado em aspectos técnicos relacionados com a montagem. Esse profissional também era responsável pela disseminação de melhorias técnicas bem como organizacionais para todas as equipes da oficina, bem como para os engenheiros das outras oficinas. Para ter sucesso e manter atualizado o conhecimento prático, os engenheiros trabalhavam com as equipes uma parte da semana. O salário dos trabalhadores da equipe tinha um valor base que dependia do tempo de trabalho na fábrica. Também foi criado um sistema para aumentar o valor do salário de acordo com a competência adicional desenvolvida (liderança, RH, qualidade, manutenção e ensino) e/ou na habilidade individual na montagem de mais de 1/4 do carro. Além disso, havia um sistema de bonificações com base no desempenho da equipe nos quesitos qualidade e quantidade produzida.

Comentários sobre a qualidade, volume de produção, produtividade e mudanças no modelo do carro:

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O índice de qualidade seguiu uma curva positiva de 1988 até ao encerramento da fábrica. A taxa mais alta de qualidade ocorreu durante a primavera de 1993, o período em que as pessoas sabiam que eles poderiam estar desempregadas dentre alguns meses. Devido aos números das vendas caírem constantemente para a Volvo, o volume de produção nunca chegou ao nível de sua capacidade total. Mas, foram obtidos os níveis de produtividade planejados. Além, disso a produtividade se mostrou com um desenvolvimento positivo. No outono de 1992, antes da decisão de fechar a fábrica ser tomada, os números de produtividade das últimas semanas era muito maior na fábrica de Uddevalla do que na velha planta Torslanda (fábrica nos moldes fordistas). A fábrica de Uddevalla também obteve sucesso na mudança anual para atualização do novo modelo do automóvel. A fábrica de Uddevalla fez as alterações mais rápidas e com o menor custo por carro, por três anos consecutivos do que as plantas tradicionais da Volvo. Isto é devido ao elevado nível de competência por cada trabalhador e ao baixo nível de mecanização (*não é necessário fazer adaptações em máquinas, pois a maior parte do trabalho é manual).

4.2 Potenciais do "Sistema de Produção Reflexivo" apresentado na planta Uddevalla

Alguns benefícios de longo prazo, decorrentes do “Sistema de Produção Reflexiva”, já estavam sendo obtidos em Uddevalla, durante o último semestre, antes da decisão de fechar a fábrica. Decisões estratégicas foram tomadas em relação ao mercado. Em primeiro lugar, a fábrica produzia somente carros já vendidos, ou seja, sob encomenda. Durante seu funcionamento, nenhum estoque de carros foi produzido na fábrica de Uddevalla. Em segundo lugar, um certo número de clientes era convidado para acompanhar in loco a montagem do carro que haviam comprado . Este procedimento foi favorável para a Volvo. Onde mais no mundo poderia um cliente poderia acompanhar o nascimento de seu próprio carro, e obter uma visão geral sobre o processo? O sistema de produção também foi favorável ao cliente, pois permitia personalizar seus desejos. Isso consequentemente estimulava as equipes realizarem o trabalho com qualidade superior.

O sistema de produção também foi favorável para a equipe, que permitia uma relação pessoal direta com o cliente tornando o trabalho ainda mais estimulante por saber quem estava comprando o produto que a equipe estava montando. O planejamento da produção na fábrica possuía flexibilidade no fator tempo de entrega. O cliente podia fazer alterações no seu pedido para a fábrica, por exemplo, adição de acessórios e isso gerava atrasos negligenciáveis. Mudanças nos pedidos não causava o reordenamento inteiro do sequenciamento da produção. Qualquer modificação feita após o pedido causa atrasos na entrega em plantas tradicionais. Assim, o planejamento de produção pode ser usado como uma ferramenta para a flexibilidade, e isso tornou mais fácil para produzir carros em fluxo paralelizado exatamente à demanda específica de cada cliente devido ao alto índice de conteúdo de trabalho manual independente.

Outro benefício de longo prazo refere-se à relação entre a produção e pré-produção, que é uma área de importância crescente na indústria automobilística. A

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fábrica de Uddevalla tinha possibilidades únicas para usar o conhecimento qualificado de todos os membros da equipe a fim de melhorar os produtos, bem como as ferramentas e os processos. Esta potencialidade torna-se claro apenas para aqueles que adotam o pensamento que está na base do "Sistema de Produção Reflexiva”. Outros, não serão capazes de reconhecer. Eles vão pensar que sim, que o "Sistema de Produção Reflexiva“ é na melhor das hipóteses, uma melhoria sueca na produção para fins sociais locais. Realmente era verdade que os fatores sociais estavam presentes na fábrica de Uddevalla, mas o sistema provou ser um bom investimento para alcançar não somente alta efetividade, mas também alta produtividade e flexibilidade.

5. Os princípios de produção Uddevalla2

O processo de projeto e planejamento da planta Uddevalla da Volvo gerou cinco novos princípios de produção. A seguir o método para se alcançar uma elevada produtividade, de qualidade, bem como, a flexibilidade:

1. Fluxo produtivo paralelizado e trabalho em equipes autônomas. Na verdade, este foi um padrão orgânico caracterizado pela diminuição sucessiva da mecanização, aumento da paralelização e manutenção da capacidade de detecção de problemas de qualidade do início do processo até se obter o produto acabado. Os membros das equipes realizavam a montagem de vários carros ao mesmo tempo. Raramente ocorreu de mais de dois trabalhadores estarem trabalhando no mesmo carro ao mesmo tempo. Assim, com dois montadores era possível variar mais o método e ritmo de trabalho do que com 3 montadores ao mesmo tempo. O método e o ritmo do grupo também eram independentes do estado em que se encontravam os outras equipes de trabalho.

2. Materiais pré-selecionados e organizados em conjuntos funcionais para ser abastecidos nas oficinas de montagem. Os componentes maiores, com suas posições óbvias no produto eram levados para o local de montagem em prateleiras. Sobre os carrinhos havia um número de caixas plásticas contendo componentes de médio porte, bem como sacos de plástico contendo pequenos componentes. O grande número dos componentes pequenos representava a maior parte do tempo de montagem. Através de uma sequência disposta nos carrinhos e prateleiras, se conseguiu uma redução considerável no tempo de montagem. Além disso, esta forma de abastecimento de materiais servia como um facilitador para aprendizagem bem como mecanismo de instrução para realizar o trabalho.

3. Uma estrutura do produto orientado para a montagem final. Isto conduz a informações mais eficientes, porque o trabalho é derivado de uma estrutura orientada para a montagem facilitada do produto. O trabalho é descrito usando uma série de figuras predefinidas e inter-relacionadas (ver figura 8). As diferentes partes para montar um carro foram agrupadas da forma mais natural possível. Depois, essas informações foram inseridas em um sistema de informação computacional que era capaz de desdobrar o produto em seus menores componentes relacionando cada componente ao seu conjunto funcional de montagem bem como o tempo necessário para ser montado.

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Figura 8: A estrutura do produto orientado para a montagem final em um nível agregado em que cada grupo funcional distinguível corresponde a 1/4 do trabalho de montagem de um automóvel2.

4. Tarefas de montagem naturalmente agrupadas. Isto pressupõe que a desagregação tradicional de tarefas não funciona mais, onde se buscava uma distribuição de tarefas ao longo de uma linha para que cada trabalhador possua o mesmo tempo de ciclo. Novas habilidades profissionais são criadas (ritmo natural de trabalho, visão holística do produto e orientação para os resultados) quando uma série de tarefas de montagem são agrupadas em conjuntos funcionais (cabeamentos, transmissão, interior, etc). Na prática, isto significa que as relações naturais entre a visualização de materiais pelos kits dos conjuntos funcionais, descrição do método de trabalho pelas figuras e o método de trabalho aplicado pelo trabalhador realmente são preservados. [Este, por sua vez, levou ao desenvolvimento no chão de fábrica de uma terminologia específica e diferente da habitual. A fim de facilitar a comunicação e a montagem das diferentes funções, números das peças como 25792, 22367 e 15178 foram substituídos por nomes próprios, como cilindro de freio, cabos de freio e pedal de freio.]3

5. Auto-gestão sobre qual método montagem a ser adotado. Assim os materiais permitiam sequências diferentes de montagem do carro, mesmo que esses fossem alimentados em uma dada ordem pré-estabelecida ou descritos por uma instrução de trabalho como deveriam ser montados. Isso porque cada trabalhador decidia qual seria a melhor sequencia para si. Como consequência, houve uma menor necessidade de replanejamento das sequências de abastecimento de materiais e instruções de trabalho.

A aplicação destes princípios de produção implicou nos seguintes efeitos não óbvios, ou inicialmente aceitos:

• Redução das necessidades de espaço, incluindo menores estoques pulmão de carros a serem montados em comparação com a linha de montagem tradicional. Isto foi devido ao fato dos carros não serem colocados em pulmões intermediários entre as diferentes etapas de montagem. Este foi o caso na maioria das oficinas onde os automóveis que ali estavam, estavam sendo efetivamente montados e não apenas na condição de estoque pulmão para a segurança em caso parte da linha pare. Apesar do

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aumento de espaço resultante devido à sub-utilização das posições de operação em torno do carro por parte do trabalhado, o trabalho era mais eficiente como um todo devido a menor necessidade de zonas de transporte para o carro de uma estação para outra como na linha de montagem. Dito de outra forma, no fluxo paralelo o espaço é aumentado porque as estações de trabalho são de maiores dimensões, mas esse aumento é compensado pela redução dos espaços ocupados pelos carros nos estoques pulmão que são necessários por razões técnicas no fluxo em linha. (* se a estação anterior por algum motivo parar, a estação posterior também para em seguida, pois suas tarefas são dependentes e sequenciadas. Logo uma forma de contornar a situação é colocar estoques pulmão em diferentes partes da linha de montagem, assim no caso da estação anterior parar, a posterior ainda tem carros para trabalhar enquanto a estação anterior volta a situação normal de produção. Entretanto, no fluxo paralelizado, se uma estação parar, todas as outras estações continuam seu trabalho normal pois suas tarefas de montar o carro do início ao fim são independentes).

• Menor necessidade de ferramentas de elevado custo em comparação com linha de montagem tradicional por várias razões: (1) o grau de mecanização foi reduzido por conta de um maior conteúdo de trabalho manual e ferramentas mais simples do tamanho da mão (2) foram necessárias um menor número de ferramentas com a função de aparafusamento, pois o produto foi projetado para ter uma maior quantidade de peças encaixadas (3) equipamentos mais caros foram compartilhados por várias equipes de trabalho (ex: área de testes de carros prontos), e (4) componentes a serem colados foram desenvolvidos usando pequena pressão manual, mas com maior tempo aplicando a pressão (em contraste com o trabalho de tempo de ciclo curto onde os produtos que se movem de estação para estação rapidamente, o que implica que na colagem requerendo alta pressão e um curto período de aplicação, *implicando em problemas ergonômicos).

• A eficiente manipulação da informação (tanto no sistema computacional onde se armazenava as figuras e códigos das instruções de trabalho quanto na troca de informação direta entre trabalhadores da equipe no chão de fábrica) levou a uma aceleração no tempo para efetuar a alteração de pedido do cliente e a uma diminuição dos recursos necessários para implementar a mudança anual de modelo novo de carro. Nesses dois pontos, a fábrica de Uddevalla também se mostrou superior às outras fábricas de automóveis da Volvo.

• Redução sucessiva da necessidade de apoio técnico nas funções de supervisão e de engenharia para as equipes de trabalho (*pois essas se auto-gereciavam).

• Programação do trabalho era flexível, o que levou a menores tempos de atravessamento do que nas linhas de montagem tradicionais. Na prática, isso só se torna possível para a montagem de automóveis que já foram vendidos ao cliente. (*caso desejassem, os operadores poderiam acelerar seu ritmo de trabalho para que o cliente recebesse o produto mais rápido, logo com menor tempo de atravessamento ou os operadores poderiam desacelerar seu trabalho, desde que cumprissem com a meta de produção daquilo que havia sido vendido no dia).

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• As variantes nos modelos de automóvel que eram mais difíceis, demoradas ou complexas poderiam ser montadas por trabalhadores mais experientes ao mesmo tempo que as variantes mais comuns eram montados por trabalhadores menos experientes, sem gerar perturbações no sistema de produção (* no fluxo em linha, a produção das variantes mais difíceis, demoradas ou complexas ocorre em algum momento após a produção das variantes mais comuns, e isso requer o rebalanceamento de cada estação de trabalho porque atividades desses são diferentes das variantes mais comuns). Isso permitiu identificar novas possibilidades de variações no modelo pelas equipes que montavam essas variantes e pelos engenheiros, pois esses carros estavam sendo montados em locais específicos permitindo a visão holística e não parcelizada do produto.

6. Observações finais sobre a produção reflexiva

Neste documento, a apresentação dos princípios do novo “Sistema de Produção Reflexiva” não é feito de uma forma teórica. Em vez disso, uma descrição prática e concreta da longa história em que foi desenvolvido. Alguns dos seus problemas e vantagens foram demonstrados. A importância da competência foi enfatizada, baseado na aprendizagem holística, em combinação com a tecnologia de produção ajustada para a maneira pela qual as pessoas pensam, aprendem e agem no trabalho industrial. O documento será fechado com dois exemplos, mostrando a necessidade de se pensar em novas formas, caso uma empresa queira liderar o caminho futuro da indústria automobilística.

A maioria das pessoas dentro da empresa Volvo, em Gotemburgo, não foram motivados pelos princípios subjacentes ao "Sistema de Produção Reflexiva”. Durante toda a história da fábrica de Uddevalla houve uma luta intensa tanto dentro da empresa quanto dentro dos sindicatos, uma luta muito parecida entre grupos religiosos. O problema básico é que as duas formas de raciocínio (o fluxo em linha em comparação com o fluxo paralelo de equipes de montagem estacionárias na fábrica de Uddevalla), pode muito bem usar o mesmo conjunto de medidas para avaliação de desempenho (como produtividade, qualidade, etc), mas cada grupo pode se apoiar fundamentalmente em diferentes pressupostos básicos.

Se as avaliações de desempenho revelam que os resultados da antiga fábrica e da nova fábrica são igualmente bons, então os pressupostos fundamentais por trás destes poderiam ser de importância decisiva para a conclusão final sobre como agir. Por exemplo, uma pessoa que não aceita os princípios subjacentes ao “Sistema de Produção Reflexiva” alcançados na fábrica de Uddevalla claro que não consegue ver as suas potencialidades inerentes, uma vez que o “Sistema de Produção Reflexiva” como um todo contradiz suas premissas básicas. Estes potenciais, no entanto, são imediatamente claros para a pessoa convencida da justeza dos princípios básicos da fábrica de Uddevalla (*ou seja, qual sistema traz maior qualidade de vida para o trabalhador?).

Finalmente, vou lembrar uma observação interessante feita na primavera de 1993, por um visitante, com a mente aberta, pela primeira vez na fábrica de Uddevalla. Durante a visita, um dos montadores de automóveis, que tinha a competência para

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construir todo um carro, pediu a seus colegas de trabalho para cobrir seus os olhos com um lenço. Ele então pediu ao visitante para pegar qualquer componente em que equipe estava trabalhando. O visitante escolheu depois de um tempo um pequeno componente e deu para o montador do carro que disse, depois de ter sentido o componente com os dedos: "Esta foi fácil! Levem-me para o motor”. E aí ele colocou o componente em sua posição correta, ainda com os olhos cobertos. Em seguida, o visitante exclamou: "É Hocus Pocus?...Ou é assim tão fácil?”.

Material adicionado ao texto

1 – Artigo: The Volvo Uddevalla plant and interpretations of industrial design processes <http://dx.doi.org/10.1108/09576069810230392>

2 – Capítulo 3 do mesmo livro - Production system design – a brief summary of some Swedish design Efforts

3 – Capítulo 1 do mesmo livro - The Uddevalla experience in perspective

* explicações adicionadas e realizadas pelo tradutor