julho 2013

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E D I T O R I A L ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, JULHO/2013 - ANO XVI - N o 198 O ESTAFETA Foto Arquivo Pró-Memória É impactante a visão que um visitante tem de Piquete ao chegar à cidade e se de- parar com o azulado forte e iluminado da Serra da Mantiqueira emoldurando a paisa- gem. A serra, com sua diversidade de paisa- gem, é um patrimônio natural de beleza sin- gular e valor inestimável. Protegida por lei federal, a Serra da Mantiqueira é uma unida- de de conservação (APA) desde junho de 1985. O objetivo da criação dessa unidade de conservação é garantir a conservação do conjunto paisagístico e a cultura regional. Além disso, visa a preservar a flora endêmica e andina, os remanescentes dos bosques de araucária, a continuidade da cobertura vegetal do espigão central e das manchas de vegetação primitiva e a vida selvagem. A serra é uma área significativa para a conservação dos recursos naturais, especi- almente porque nela estão as cabeceiras de importantes mananciais que abastecem com água potável o município. Piquete está inserido no domínio da mata atlântica, ecossistema que possui uma das mais importantes biodiversidades do plane- ta e que concentra grande variedade de ár- vores pioneiras, como jequitibá, jacarandá, canela, ipê, cedro etc, além da araucária, ár- vore típica da parte alta. A serra constitui o habitat de rica fauna, formada por animais ameaçados de extinção, como o lobo guará, a onça parda, o mono, a jaguatirica. Abriga, ainda, aves raras como nhambu, juruna, pa- pagaio do peito roxo... Devido aos seus atributos naturais, a região tem sido procurada como local de lazer e de fruição do clima. Suas caracterís- ticas, aliadas à facilidade de acesso à re- gião, intensificaram o turismo e a demanda por áreas para construção de residências. Com isso, os resultados mais visíveis foram a elevação do preço da terra, a especulação imobiliária e as interferências negativas so- bre os recursos naturais. Para que o desen- volvimento da região possa ocorrer associ- ado à conservação de seu patrimônio natu- ral, paisagístico e cultural, é que estão sen- do levantados dados para a elaboração de um plano de manejo e gestão dessa APA. O uso e a ocupação das áreas serão orienta- das de forma a impactar de forma compatí- vel com a conservação e o resgate do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida da população local. Valorizar e garantir a integração entre a conservação ambiental e o uso sustentável na gestão dessa importante área de prote- ção ambiental são desafios a serem enfren- tado por toda a sociedade. “O povo acordou, o povo decidiu, ou para a roubalheira ou paramos o Bra- sil!”. Frases como esta puderam ser li- das em diferentes cidades brasileiras tomadas por milhões de cidadãos que, cansados de assistir a atos de corrupção e de impunidade, principalmente nas esferas políticas em todo o país, saíram às ruas para um basta. A classe política, atônita, foi pega de surpresa. O país não é mais o mesmo. O cidadão cansou de ser tratado com desrespeito por nossos governantes e exige mudanças. Há muito tempo assistimos a uma en- xurrada de denúncias de corrupção em todas as esferas dos governos. Consta- ta-se, também, que a impunidade quase sempre prevalece, protegendo especial- mente os denunciados que ocupam al- tas posições na pirâmide do poder. Nos- sas instituições políticas se deteriora- ram ao mesmo tempo em que a cultura da corrupção penetrou profundamente na sociedade, já marcada pela tolerân- cia com atos ilícitos quando em provei- to próprio. O basta veio por meio das redes sociais. Como uma epidemia, pelo Facebook, se espalhou, num movimen- to sem precedentes que ganhou as ruas de todo o país. Os protestos que se se- guiram – a princípio para contestar o aumento nas tarifas de transporte pú- blico principalmente em grandes cida- des – ganhou forte apoio popular, le- vando grande parte da população a apoi- ar as manifestações. Atos semelhantes proliferaram rapidamente por inúmeras cidades do Brasil, passando a abranger variados temas, como gastos públicos, má qualidade dos serviços públicos e a indignação com a corrupção política em geral. Os protestos tiveram grande re- percussão nacional e internacional. Em resposta, o governo brasileiro anunciou medidas para tentar atender às reivindi- cações das ruas e o Congresso Nacio- nal votou uma série de medidas, como a que tornou a corrupção crime hedion- do. Conservação ambiental e sustentabilidade Para que o desenvolvimento da região possa ocorrer associado à preservação de seu patrimônio natural, paisagístico e cultural, é preciso garantir a integração entre a conservação ambiental e o uso sustentável na gestão dessa importante área de proteção ambiental que é a APA da Mantiqueira.

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O Estafeta Edição 198, de julho de 2013, do informativo O ESTAFETA, publicado pela Fundação Christiano Rosa, de Piquete/SP.

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Page 1: JULHO 2013

E D I T O R I A L

ÓRGÃO DA FUNDAÇÃO CHRISTIANO ROSA

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PIQUETE, JULHO/2013 - ANO XVI - No 198

O ESTAFETAFoto Arquivo Pró-Memória

É impactante a visão que um visitantetem de Piquete ao chegar à cidade e se de-parar com o azulado forte e iluminado daSerra da Mantiqueira emoldurando a paisa-gem.

A serra, com sua diversidade de paisa-gem, é um patrimônio natural de beleza sin-gular e valor inestimável. Protegida por leifederal, a Serra da Mantiqueira é uma unida-de de conservação (APA) desde junho de1985. O objetivo da criação dessa unidadede conservação é garantir a conservação doconjunto paisagístico e a cultura regional.Além disso, visa a preservar a flora endêmicae andina, os remanescentes dos bosquesde araucária, a continuidade da coberturavegetal do espigão central e das manchasde vegetação primitiva e a vida selvagem.

A serra é uma área significativa para aconservação dos recursos naturais, especi-almente porque nela estão as cabeceiras deimportantes mananciais que abastecem comágua potável o município.

Piquete está inserido no domínio da mataatlântica, ecossistema que possui uma dasmais importantes biodiversidades do plane-ta e que concentra grande variedade de ár-vores pioneiras, como jequitibá, jacarandá,canela, ipê, cedro etc, além da araucária, ár-vore típica da parte alta. A serra constitui o

habitat de rica fauna, formada por animaisameaçados de extinção, como o lobo guará,a onça parda, o mono, a jaguatirica. Abriga,ainda, aves raras como nhambu, juruna, pa-pagaio do peito roxo...

Devido aos seus atributos naturais, aregião tem sido procurada como local delazer e de fruição do clima. Suas caracterís-ticas, aliadas à facilidade de acesso à re-gião, intensificaram o turismo e a demandapor áreas para construção de residências.Com isso, os resultados mais visíveis forama elevação do preço da terra, a especulaçãoimobiliária e as interferências negativas so-bre os recursos naturais. Para que o desen-volvimento da região possa ocorrer associ-ado à conservação de seu patrimônio natu-ral, paisagístico e cultural, é que estão sen-do levantados dados para a elaboração deum plano de manejo e gestão dessa APA. Ouso e a ocupação das áreas serão orienta-das de forma a impactar de forma compatí-vel com a conservação e o resgate do meioambiente e a melhoria da qualidade de vidada população local.

Valorizar e garantir a integração entre aconservação ambiental e o uso sustentávelna gestão dessa importante área de prote-ção ambiental são desafios a serem enfren-tado por toda a sociedade.

“O povo acordou, o povo decidiu,ou para a roubalheira ou paramos o Bra-sil!”. Frases como esta puderam ser li-das em diferentes cidades brasileirastomadas por milhões de cidadãos que,cansados de assistir a atos de corrupçãoe de impunidade, principalmente nasesferas políticas em todo o país, saíramàs ruas para um basta.

A classe política, atônita, foi pegade surpresa. O país não é mais o mesmo.O cidadão cansou de ser tratado comdesrespeito por nossos governantes eexige mudanças.

Há muito tempo assistimos a uma en-xurrada de denúncias de corrupção emtodas as esferas dos governos. Consta-ta-se, também, que a impunidade quasesempre prevalece, protegendo especial-mente os denunciados que ocupam al-tas posições na pirâmide do poder. Nos-sas instituições políticas se deteriora-ram ao mesmo tempo em que a culturada corrupção penetrou profundamentena sociedade, já marcada pela tolerân-cia com atos ilícitos quando em provei-to próprio. O basta veio por meio dasredes sociais. Como uma epidemia, peloFacebook, se espalhou, num movimen-to sem precedentes que ganhou as ruasde todo o país. Os protestos que se se-guiram – a princípio para contestar oaumento nas tarifas de transporte pú-blico principalmente em grandes cida-des – ganhou forte apoio popular, le-vando grande parte da população a apoi-ar as manifestações. Atos semelhantesproliferaram rapidamente por inúmerascidades do Brasil, passando a abrangervariados temas, como gastos públicos,má qualidade dos serviços públicos e aindignação com a corrupção política emgeral. Os protestos tiveram grande re-percussão nacional e internacional. Emresposta, o governo brasileiro anuncioumedidas para tentar atender às reivindi-cações das ruas e o Congresso Nacio-nal votou uma série de medidas, como aque tornou a corrupção crime hedion-do.

Conservação ambiental e sustentabilidade

Para que o desenvolvimento da região possa ocorrer associado à preservação de seu patrimônionatural, paisagístico e cultural, é preciso garantir a integração entre a conservação ambiental e o usosustentável na gestão dessa importante área de proteção ambiental que é a APA da Mantiqueira.

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Página 2 Piquete, julho de 2013

A Redação não se responsabiliza pelos artigos assinados.

Diretor Geral:Antônio Carlos Monteiro ChavesJornalista Responsável:Rosi Masiero - Mtd-20.925-86Revisor: Francisco Máximo Ferreira NettoRedação:Rua Coronel Pederneiras, 204

Tels.: (12) 3156-1192 / 3156-1207Correspondência:Caixa Postal no 10 - Piquete SP

Editoração: Marcos R. Rodrigues Ramos

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

Tiragem: 1000 exemplares

O ESTAFETA

Fundado em fevereiro / 1997

Fotos Arquivo Pró-Memória

***************

Infelizmente, nenhum registro fotográfi-co foi feito quando da emancipação políti-co-administrativa de Piquete. O jornal“Gazetinha”, de Guaratinguetá, em sua edi-ção 459, de 21/06/1891, noticiou a posse daprimeira intendência municipal, a missa so-lene celebrada pelo padre Castro e as festi-vidades que se seguiram.

A descrição mais antiga do que era apequena Vila Vieira do Piquete só mais tardefoi feita pelo engenheiro e geógrafoTheodoro Sampaio, quando por ela passoua caminho de São Francisco dos Campos,em janeiro de 1893, atendendo a um convitedo Barão da Bocaina. Dessa excursão, faziaparte, também, o fotógrafo Jules Martin,que deixou alguns registros no alto daMantiqueira, mas nenhum da pacata VilaVieira.

Carlos Drummond de Andrade, em umpoema sobre sua terra, Itabira, afirmou queela era apenas um retrato na parede, mascomo doía.

Para os historiadores contemporâneos,influenciados pela História das Mentalida-des e a História da Cultura, as fotografias,como todas as produções iconográficas, sãofontes documentais passíveis de leituras va-riadas e análises em diferentes perspecti-vas.

No acervo documental da FundaçãoChristiano Rosa, milhares de fotografias dePiquete são cuidadosamente guardadas epublicadas em O ESTAFETA, com o objeti-vo de tornar conhecido o processo de mu-

danças pelo qual passou o município ao lon-go dos tempos, compreendê-las e despertaro amor pela cidade.

Uma das características marcantes dePiquete, a exemplo do ocorrido em outroslugares, foi sua dinâmica e constante trans-formação urbana. Lenta nas primeiras déca-das do século 20, acelerou-se na década de1940 em decorrência da expansão da FPV. Oconsequente aumento populacional levouà construção de novas vilas, com o deslo-camento da malha urbana. Vários edifíciosconstruídos nesse período passaram a terimportância simbólica para a população. Aexpansão urbana levou à mudança de mar-cos referenciais espaciais. Essa experiênciano cotidiano da cidade fez com que desapa-recessem várzeas, morros, casas, ruas... Asdescrições colhidas de antigos moradores,testemunhas dessas mudanças, trazem ele-mentos preciosos para os interessados emnosso passado histórico. Muitas dessasreferências são difíceis de ser localizadasespacialmente nos dias de hoje.

A pequena Vila de taipa, surgida às mar-gens de um caminho e descrita por TheodoroSampaio no final do século 19, com casariobaixo, igreja matriz no alto de uma colinadominando a paisagem, passou por trans-formações substanciais com a construçãoda fábrica de pólvoras. O núcleo históricooriginal se transformou. São áreas quaseirreconhecíveis em nossos dias – estão nomesmo espaço, mas completamente altera-das em sua visualização. Antigos casarões

já não mais existem. O processo de renova-ção urbana criou novos marcos na paisa-gem – hoje em dia, parcela significativa doshabitantes não reconhecem os antigosreferenciais. Desapareceram os pontos deidentificação comuns, que serviam de apoiopara a memória individual e coletiva.

Recordar a cidade que desapareceu notorvelino das mudanças do cotidiano é umexercício de memória. Em nossos dias, como acervo fotográfico, é possível reconstruira memória dos lugares, dos espaços sociaise dos marcos significativos para a comuni-dade... A lembrança se reafirma, as recorda-ções se consolidam...

Ver e rever antigas fotografias é re-lembrar uma outra cidade. É reencontrar umtempo desaparecido, comportamentosesquecidos, espaços significativos, crençase valores hoje questionados.

Relembrando uma outra Piquete...

Imagem - Memória

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O ESTAFETA

GENTE DA CIDADEGENTE DA CIDADE

Página 3Piquete, julho de 2013

Ademir

Piquete nasceu a partir de caminhostropeiros... Parte de nossas tradições vemdesse movimento, que foi essencial para acultura e a economia do país.

O mineiro Ademir Laureano de Souzasempre buscou manter viva essa tradiçãotropeira. Nascido em 13/03/1955 em umrecanto da Mantiqueira, numa regiãoconhecida como “Ponte de Zinco”, zonarural de Delfim Moreira, Ademir traz otropeirismo no coração: “meus pai, avô ebisavô foram tropeiros... O amor pelas tropasestá no sangue...”.

Em 1966, a mãe, Therezinha Pereira deSouza, veio com Ademir e os outros três fi-lhos para Piquete. Deixaram a calma da roçaem função da necessidade de melhores con-dições de vida e de estudo para os filhos. Opai, Geraldo Leodério de Souza, ficou emMinas – “Ele ficou lá tomando conta dasterras... A escola na roça era muito precá-ria... Não tínhamos como ficar por lá...”.

Ao chegar a Piquete, foram morar nobairro da Caixa D’Água: “Chegamos e fo-mos direto para lá e de lá não saímos mais...”.Ademir cita famílias e personagens dessetradicional bairro de Piquete: Rapinha, ZéAlckmin, Pacheco, Ananias, Alice do Ama-do... Dos contemporâneos, citou os amigosEros, Sérgio, Jurandir, Rubão, Reinaldo,Luizinho, Nê Pacheco, Beto, Paulão daCESP... “Foi uma infância e adolescênciaanimadas, com amigos e muita bagunça...As ruas da Caixa D’Água eram todas semcalçamento... Dali até a casa do seu Pascoaleram pouquíssimas casas”. Cita, com cari-nho, o Orfanato: “era um local imenso, comfrutas, flores, atividades diversas... As ir-mãs foram muito importante para os jo-vens...”. Lembrou-se, ainda, do seu Gabriel,“charreteiro oficial” das irmãs.

Ademir estudou no Antônio João, noGinásio Industrial e no Colégio Leonor Gui-marães. “Depois fui pra faculdade, emLorena. Iniciei Letras, mas não terminei...”.

Em 1977 entrou para a Polícia Militar doEstado de São Paulo, instituição na qual seaposentou como sargento, em 2004. Comopolicial, atuou em diversas cidades até aaposentadoria, em Cruzeiro.

Ademir nunca deixou de frequentar aPonte de Zinco. “É minha paixão, é ondeestão minhas raízes. É meu recanto...”.

Em 1999, Ademir participou, com o apoioda Fundação Christiano Rosa, do Revelan-do São Paulo, evento cultural de grande im-portância da Secretaria de Estado da Cultu-ra. “Foi uma experiência única. Levamosduas tropas completas e três carros de boi...Os carreiros fizeram a alegria das criançasno Parque da Água Branca com passeiosem carros de boi... Desfilamos pelas ruas deSão Paulo; foi impressionante... Piquete foio destaque daquela edição do Revelando”,conta Ademir.

A voz muda, a feição de Ademir se trans-forma quando ele fala sobre tropeirismo...“Sou tropeiro de coração...”. Em Piquete,participou da primeira edição da “Festa doTropeiro” e ergueu, em 2003, uma “Casa doTropeiro” no Recinto de Festas. “Pena quefoi demolida...” resigna-se. Conta orgulho-so a colaboração que deu para Sorocaba,SP, no resgate dessa tradição. Juntamentecom historiadores daquela região, colabo-rou no resgate da história daquele que foium dos maiores centros tropeiros do país.“Em 2007, um encontro contou com cercade 50 tropeiros. Em 2011, último ano de queparticipei, já foram mais de três mil...”, relataorgulhoso.

Ademir reverencia emocionado o amigoque “muito contribuiu para o tropeirismo”:Sinésio Ferreira. “Era um homem bom,tropeiro de raiz, dedicado e parceiro... ”.

O tropeiro Ademir conheceu, em 1974,sua companheira, Carmem... Casaram-se em18 de dezembro de 1982 e tiveram dois fi-lhos. O mais velho, já casado, deu-lhe umcasal de netos, xodó dos avós... A famíliatoda foi envolvida pelo amor do pai pelatradição tropeira. Acompanham-no quandoleva a tropa para encontros e feiras, curtemas músicas, danças e comidas...

Ademir mantém um rico acervo de tra-lhas tropeiras no sítio da Ponte de Zinco.“É lá que reúno amigos, que acendemos afogueira para cantar, dançar e contarcausos. É lá que está minha tropa, queguardo meu quadro de fotos... É lá queestá minha vida”.

E assim resiste um tropeiro... E assimresiste a história...

Não participei, mas conversei com mui-tos que receberam, em Piquete, jovens es-trangeiros (aqui, da Colômbia, especifica-mente...) que vieram para o Brasil a fim departicipar da Jornada Mundial da Juven-tude. Esse encontro internacional que acon-tecerá no Rio de Janeiro mostra que há,sim, esperança de um mundo mais frater-no, mais pacífico, mais alegre.

Em Piquete, as histórias que ouvi rela-tam emoção, carinho, troca de experiênci-as, de presentes... Ainda que separadospor fronteiras e grandes distâncias, as ami-zades aqui nascidas perdurarão, estou cer-to. Afinal, a internet nos permite uma pro-ximidade constante e isso é fonte de no-vos caminhos, de novos horizontes, denovas oportunidades... Quem conhece ofuturo?

A saída de Bento XVI e a chegada deFrancisco foram, acredito eu, um marco naIgreja Católica. A austeridade, a intelec-tualidade e a idade avançada foramsubstituídas pela espontaneidade, simpli-cidade e jovialidade de Francisco, que vejomais como um “padre de uma grande paró-quia mundial” do que como o distante che-fe de Estado que também é. Bento XVI foiimportante para a Igreja Católica, não hádívidas. Mas a mudança que vem mostran-do Francisco é excelente para todos. A Igre-ja – seja ela qual for – é uma fonte de valo-res e procedimentos que só proporcionambons frutos. Todos sabemos dos proble-mas existentes – também em todas elas –,mas, bem conduzida por seus líderes, aIgreja torna real a unidade, permite a leve-za da alma (em que todos, de alguma for-ma, acreditam), apresenta caminhos e fazpensar... A fé, a crença em algo divino éforça que nos completa. Não dá para igno-rar os frutos de ações efetivadas por meiode membros de instituições relacionadasàs diferentes Igrejas em todo o mundo; sãoelas que salvam da morte – física e espiri-tual – levas de desesperançados.

Polêmicas à parte, a vinda de Francis-co ao Brasil é importante para nosso país,pois reunirá milhões de jovens e adultosque têm objetivos comuns e que se forta-lecerão na fé. Essas pessoas, renovadas,multiplicarão suas experiências e, certa-mente, farão a diferença em seus lares ecomunidades. E é isso que precisamos:agentes transformadores que, pelo exem-plo, resgatem aqueles que, por algum mo-tivo, estão em caminhos duvidosos.

Que a Jornada Mundial da Juventudeseja fonte de amor entre povos e de aindamais comunhão! Que o papa Franciscocontinue a trazer renovação! Que ele per-sista em seu apostolado de fé sem rebus-camentos; que ele consiga o milagre doecumenismo, que fortaleça a herança cristãpor onde passar. Piquete, ainda que poraqui o papa não passe fisicamente, já foiabençoada. Francisco já se fez presentepor meio de sua mensagem e, certamente,operou milagres em muitos corações ementes. Amém, meus amigos!

Laurentino Gonçalves Dias Jr.

O milagre darenovação...

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O ESTAFETA Piquete, julho de 2013Página 4

Cada cidade tem feição própria represen-tada pela paisagem que a identifica, diferen-cia, lhe dá nome e faz reconhecer sua histó-ria. Esta, simbolizada pelos elementos que acompõem, físicos, culturais e tornados tra-dicionais nos relatos dos habitantes, visi-tantes e referenciadores.

A cidade antiga teve em Jerusalém e naBabilônia os modelos que serviram de basepara a instalação das demais, guardadas asproporções e sinais identificadores, para es-tampar os motivos de todas, ou seja, as re-presentações de todas as outras. ÍtaloCalvino, reconhecendo esses motivos e im-portância, escreveu obra tornada célebre –“As cidades invisíveis”, na qual trabalhacom uma imaginação fantástica para, para-digmaticamente, traçar suas imagens, con-teúdos, destinações, interesses, narrativasépicas e históricas, e toda uma literatura ricade referências.

Na velha Jerusalém, com toda glória emagnificência, os profetas traçaram as linhasque compõem o embasamento cristão atra-vés do Velho Testamento. Jerusalém foi asede imantada dos grandes pensadores efilósofos religiosos, que, da colina sagrada,privilegiava as vistas dos caminhos e dasdireções que balizaram os alicerces do anún-cio de um poder aglutinador quando as ter-ras férteis eram disputadas nas lanças e es-padas, nos dardos e no fogo para domar osdesertos e buscar espaço vital. Esses espa-ços dados como conquistas para a sobrevi-vência e o poder. A leitura bíblica é rica des-sas narrativas que os cristãos, em sua maiorparte, leem como exercício ritual, pouco en-tendem e menos se preocupam emaprofundar o conhecimento. As narrativastêm várias fontes ou vozes – são os profe-

tas que as manifestam no Velho Testamentojá preocupados com o anúncio de um novotempo emblematizado na promessa de umMessias, reparador dos sofrimentos, das an-gústias, dos medos, lutas e perdas, para serele próprio luz, vida, caminho, redenção esalvação. E na promessa de eternidade, naqual os sofrimentos seriam mitigados peloperdão, a partir das escolhas, atos e virtu-des, contrapostos às crueldades, vícios, pe-cados, omissões e erros.

É por isso que o grande profeta Jeremias,apoiando-se em Josias, rei de Judá, registrano seu livro a palavra do Senhor, que nãoera visível, mas transmitia sabedoria paraser revelada profeticamente por palavras ouparábolas que exigem explicações e méto-dos de decifração. Para anunciar que sendoo prometido, sendo Senhor do tempo, poresse não era medido, por não ter começo,nem fim. Entretanto, predizia conhecer seusprofetas mesmo antes das corporificaçõesque os tornavam indivíduos com tempo paranascer e morrer. Diz, então, Jeremias, citan-do as palavras do Senhor (em Jeremias, 1,4-5.17-19), “Antes de formar-te no ventre ma-terno eu te conheci, antes de saíres do seiode tua mãe eu te consagrei e te fiz profetadas nações. (...) não tenhas medo, senão eute farei tremer na presença deles. Com efei-to, eu te transformarei hoje numa cidadefortificada, numa coluna de ferro, num murode bronze contra todo o mundo, frente aosreis de Judá e seus príncipes, aos sacerdo-tes e ao povo da terra. Eles farão guerra con-tra ti, mas não prevalecerão porque eu es-tou contigo para defender-te”. Eis assimJeremias investido de um poder maior quelhe é concedido para ser profeta, e assimfalar em nome do Senhor, que por ser

atemporal, delimita nesse profeta uma capa-cidade que transcende a mera condição hu-mana.

Portanto, bom conhecedor dos ensina-mentos da Bíblia, Barack Obama já em se-gundo mandato como presidente da Repú-blica dos Estados Unidos da América doNorte, invoca a situação privilegiada de Je-rusalém alteada, murada e inexpugnável nacolina em expectativa dos arredores. Paraos habitantes da América, estariam tambémeles em posição hegemônica na constitui-ção de uma superpotência capaz de decidiros destinos do mundo. Discurso em possedo primeiro mandato, e mudado no segun-do, para um apelo à igualdade. Para, comaparente humildade, repetir o que o apósto-lo Paulo afirmava na Primeira Carta aosCoríntios – “Irmãos, aspirai aos dons maiselevados. (...) se eu falasse todas as línguas,as dos homens e as dos anjos, mas não ti-vesse caridade eu seria como um bronze quesoa ou um címbalo que retine”. E o apóstoloprossegue enfatizando a importância em tera caridade para viver nos conjuntos huma-nos e concluir que o maior dos dons aspira-dos para a vida em comunidade é a carida-de. Pois sem esta de nada valeria acumularbens materiais, conhecimento científico, ma-nifestações de fé. Provavelmente, por isso,Barack Obama em seu discurso de posseenfatizou a necessidade de incluir na socie-dade norte-americana todos aqueles excluí-dos por etnias, origens, pobreza ou estran-geirismos à busca do que os próprios ameri-canos enfatizam, uma Canaã, ou terra pro-metida, vista como a nação representadacomo a cidade proeminente como Jerusa-lém fora para os povos antigos.

Dóli de Castro Ferreira

A cidade

Redescobrindo Piquete...Todos buscamos viajar sempre... E é,

certamente, um dos maiores prazeres quepodemos nos proporcionar. Quase umclichê, viajar é descobrir novos horizontes,conhecer novas culturas e pessoas; é serenovar... Às vezes, no entanto, buscamosroteiros tão distantes e caros enquantoestamos próximos a lugares belos e de cus-to muito mais acessível, isso quando não éde graça...

É o caso de Piquete. Em nossa cidade,há muitos lugares que valem um passeiotranquilo e despreocupado... Basta disposi-ção para uma caminhada e serão muitas as

belas surpresas descobertas.Aos que curtem a natureza, temos a pou-

cos minutos do centro, o bairro da Tabule-ta, onde podemos encontrar cachoeiras emuito verde. Nem é preciso falar do bairroou do Pico dos Marins, da cachoeira doJaracatiá... São opções, porém, de acessomais difícil... Estar no cume dos Marins,porém, é um esforço impagável. Visualizarboa parte do Vale do Paraíba é emoção nacerta... Se for um bate-e-volta, é bom saircedo e estar preparado fisicamente eheh...Com mais calma, dormir a 2422m de altitudeé uma experiência fria mas muito prazerosa:

o amanhecer é um presente...Aos que curtem História, uma boa op-

ção é um passeio pela Vila Militar da Estrellado Norte é um retorno ao passado. Além daCasa 1 e das belas residências dos oficiais,pode-se visitar o Memorial da Usina Rodri-gues Alves, instalado no prédio da antigausina hidrelétrica da Fábrica. Lá está expos-ta em painéis a história da Fábrica Presiden-te Vargas, num trabalho realizado pelaIMBEL/FPV em parceria com a FundaçãoChristiano Rosa. Portanto, meus amigos,vamos redescobrir Piquete! Vamos viajar pornossa terra!

Fotos Arquivo Pró-Memória

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O ESTAFETA Página 5Piquete, julho de 2013

A morte do menino boliviano em SãoPaulo trouxe uma informaçãoestarrecedora: há trezentos e cinquenta milbolivianos na cidade de São Paulo – ape-nas oitenta mil estão em situação legal.

Vivem em condições precárias e se sub-metem a regimes quase escravos de traba-lho em confecções clandestinas.

Temos notícia de que, através da Bolí-via, grande número de haitianos estão en-trando no país pelo estado do Acre. Se nãohouver triagem e encaminhamento destapopulação e ela se concentrar na cidadede São Paulo, até quando a cidade poderáresistir?

Os jovens estrangeiros que estão visi-tando o país são levados às favelas dascapitais e ao semiárido sergipano.

Devem estar-se orgulhando:Como pode parte expressiva da popu-

lação de um país de oito milhões e meio dequilômetros quadrados morar amontoadaprincipalmente em morros?

Como pode um país que guarda um dosmaiores reservatórios de água doce domundo permitir que a população de um es-tado pequeno, encostado em rio portento-so como o São Francisco seja tão maltrata-da pela falta de água?

E a pergunta que eu me faço é:É possível gerir o território de um país

colocando sua população nos lugares ade-quados?

Quando o governador paulista Ores-

tes Quércia sugeriu que era precisointeriorizar as indústrias, sofreu muita resis-tência dos paulistanos por causa da possí-vel perda de empregos.

Se os governadores do Nordeste fos-sem competentes para gerir o problema daseca, haveria menos favelas no Rio e em SãoPaulo?

Os baixos salários não permitem que apopulação tome as rédeas da própria ascen-são social.

De onde virá a última palavra? do poderpúblico, da potencialização da criminalidadeou do caos?

Não dá mais para esperar.Se o país não tem soluções, que busque

modelos externos. Que copie.Quantos passos à frente demos com a

criação de Brasília e de Palmas!Quantos dividendos alcançamos com a

transferência das famílias do sul-sudestepara o centro-oeste.

Cidades inchadas acumulam problemasdifíceis de resolver.

Se é preciso dividir, dividamos. Se é pre-ciso desalojar, desalojemos, mas com crité-rio, sem prejudicar a escola das crianças,sem expor os cidadãos às intempéries.

As limitações chegaram ao ápice. Che-gamos ao limite do limite.

Os cidadãos cariocas e os cidadãospaulistanos têm que fazer uma reflexão cui-dadosa para não atribuir a responsabilida-de da desordem administrativa aos últimos

governadores e prefeitos.O Rio de Janeiro foi Capital da Repúbli-

ca e, depois, estado da Guanabara.Foi neste período, desde os primeiros

anos da República que tiveram início ashabitações precárias nos morros.

Os políticos gastaram mais tempo e di-nheiro com as vaidades pessoais do quecom as necessidades do povo.

A tarefa dos novos governadores e pre-feitos é pesada demais. Os habitantes dascomunidades precisam virar as costas aosbandidos do tráfico e apoiar todas as inici-ativas do Governo.

O crescimento da cidade de São Paulofoi muito rápido. A promessa de empregona indústria atraiu enormes contingentesde trabalhadores.

É preciso que o Governo, a Universida-de e a população tracem um plano de lon-go prazo para que principalmente a perife-ria que mais sofre com os problemas cujasolução foi sistematicamente procrastinadasinta que não perdeu sua cidadania.

A gestão pública não pode cochilar, por-que a cada dias os problemas aumentam.

Que todos ajudem a identificar osdepredadores. E que ele sejam obrigados aressarcir os prejuízos causados à proprie-dade pública ou privada.

A praça é do povo. Na praça, o povomostra que pode exigir seus direitos, por-que cumpre seus deveres.

Abigayl Lea da Silva

Limites e limitações

A luta em defesa do meio ambiente érecente. Foi a partir das viagens espaciaise da chegado do homem à Lua, em julho de1969, que a humanidade foi se cons-cientizando da fragilidade do pequenoplaneta azul. A partir de então, começarama discutir as questões referentes aosagravos à natureza e suas repercussõessobre o próprio homem. Nascia o movi-mento ambientalista.

O surgimento de problemas socio-ambientais, ameaçando a sobrevivência davida na Terra, é um fenômeno novo. A partirdo século 20, com o acelerado crescimentoindustrial e o uso cada vez maior dosrecursos naturais transformados em bens de

consumo, é que o desequilíbrio ambientalcresceu. O ser humano, que até então viviaem harmonia com a natureza, passou aexplorá-la cada vez mais, numa ânsia desen-freada pelo progresso e pela descoberta denovos objetos de consumo. O bem-estar e asedução ilusória pelo novo mostradosdiuturnamente pela indústria do marketingnos meios de comunicação criaram umamentalidade perdulária consumista que nãose importa com a origem da matéria-primausada na fabricação desses objetos.

Nas últimas décadas, a natureza temdado sinais de falência e pede socorro. Des-cobriu-se, então, que esse modelo consu-mista não é sustentável, uma vez que os re-

cursos naturais são finitos e insuficientespara alimentar as crescentes demandas dasociedade.

À medida que o homem se distanciouda natureza, contribuindo para seu dese-quilíbrio, agravos ambientais de diferentesordens vêm causando danos ao planeta. Anatureza passou a se voltar contra o própriohomem. É preciso reverter essa situação.

Das milhares de espécies existentes naTerra, o homem é a única que tem consciên-cia e capacidade de barrar o processo dedestruição ambiental, buscando alternativaspara seu equilíbrio.

Paraíso ameaçado

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Fotos Arquivo Pró-Memória

Page 6: JULHO 2013

O ESTAFETA

Edival da Silva Castro

Página 6 Piquete, julho de 2013

Crônicas Pitorescas

Palmyro Masiero

Acidentes de trabalho...

Peixe invisível

Pescar é relaxante, envolvente, salutar.Quando eu passava algumas semanas semembarcar no trem que nos levava ao rioParaíba do Sul, praticava a pesca aqui mes-mo, no ribeirão Benfica.

Meu ponto preferido era ao lado da pon-te que fica na rua Cel. Pederneiras, isto é, naPraça do Jambeiro. Ali o ribeirão formavaum remanso e a prática da pesca se tornavapossível, principalmente quando chovia,pois as águas ficavam cor de barro e osbagres desentocavam.

Certa noite de verão, céu estrelado e luacheia, fui dar banho em minhoca – como di-ziam os tiradores de sarro. Passava das 23hquando, de repente, um puxão na linha meacordou. Fiquei na expectativa. Outro pu-xão logo aconteceu, mas aí foi fatal para opeixe. Fisgado e retirado da água, era umlindo exemplar de bagre, pesando entre seis-centos e oitocentos gramas. Contente eemocionado, coloquei-o num saquinho plás-tico e rumei para casa, já que morava a al-guns quarteirões de onde pescava.

Em casa todos dormiam. Achei conveni-ente ir até o tanque, enchê-lo de água e dei-xar o bagre pousar ali.

Quando me levantei no dia seguinte, to-dos faziam o desjejum. Ao me ver pergunta-ram:

– E aí, pescador... Cadê o peixe?– O peixe está aqui pertinho, dentro do

tanque.Todos se levantaram para vê-lo.Ao chegarmos ao tanque, a água estava

no mesmo nível em que eu a tinha deixado.Tudo se encontrava em ordem. Para meuespanto, porém, o peixe tinha sumido;escafedeu-se não sei como.

Com cara de tacho, fui obrigado a ouvirdos meus pais e irmãos que essa era maisuma estória de pescador – o tal do peixeinvisível.

Tive que me calar com a risadaria.Alguns dias depois do fato, numa tardi-

nha, encontrava-me no alpendre, deitadonuma rede. Cochilava quando, de repente,o miado dum gato me despertou. O felinocaminhava sobre o muro que dividia a nos-sa casa com a do vizinho. O mesmo, ao mever, parou, olhou-me e ficou a me olhar. E eutambém firmei meu olhar nos olhos do gatoe procurei adivinhar o que ele estava pen-sando. Cheguei à conclusão de que ele pen-sava: “este é o menino pescador. Pesca mais,pesca mais...”.

Acesse na internet, leia edivulgue o informativo

“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”“O ESTAFETA”www.issuu.com/oestafeta

O camarada era especialista nos proble-mas de acidentes do trabalho e, por isso,fora convidado a fazer uma conferência paraos operários de uma grande indústria sobreo tema. A palestra seria dividida em duaspartes. Na primeira, teórica, causas, efeitose prejuízos provocados por acidentes notrabalho. Na segunda, uma apresentação deaudiovisuais, quadros estatísticos etc.

O refeitório fora escolhido como o me-lhor local. Antes de iniciar, o conferencistamandou chamar um chefe de turma que tam-bém estaria assistindo a preleção e fez comele certa combinação.

Com o recinto lotado, chegou o gerente,disse umas palavras de abertura e passou-se para o especialista convidado. Houveuma parolação à guisa de um exórdio e logose dirigiu aos operários:

– Peço-lhes que me perdoem se por aca-so cansá-los com minhas explanações, mas,como sofro de logorreia, temo afetá-los umpouco. Mas procurarei ser o mais concisopossível.

Notou-se um sussurro generalizado nosouvintes. Segundos após, começou propri-amente a versar sobre as causas maiores queprovocam a alta incidência de acidentes.Falou, falou...

Quase duas horas depois, deu por en-cerrada a primeira parte. Foi na hora do caféque entrou em ação aquele chefe de turmacom quem o orador havia combinado algo.Minutos antes de começar, o chefe de tur-ma colocou o conferencista ao par do quelhe havia sido solicitado. Fez-se silêncio aotoque de uma campainha e o orador reiniciou:

– Muito bem... Falamos quase duas ho-ras e praticamente de nada adiantou. Vocêsouviram, mentalizaram muita coisa, princi-palmente o que era específico do trabalhode cada um, mas, na realidade, todos semostraram autossuficientes, cônscios daspróprias experiências, seguros das própriasdeduções e isso são causas de acidentes.

Fez uma pausa, olhando direto para osrostos que o fitavam silenciosos...

– Logo ao iniciar, pedi desculpas porsofrer de logorreia. Algum dos senhores, poracaso, teve a coragem de me perguntar o

que era isso? Não, ninguém... Basearam-sena rima ou na aparência sonora, tiraram suaspróprias conclusões e com ela voltaram ame ouvir seguros de si. Todos vocês, mui-tos até com gracejos, durante o intervalodiscutiram e concordaram unanimemente queeu estava com doença venérea. Não foi oque aconteceu?

Um silêncio sepulcral envolveu a plateia.O orador, olhando-os desafiadoramente. Osassistentes olhando para o chão.

– Pois bem, meus amigos – voltou a fa-lar... Isso foi premeditado: não foi com o in-tuito de diminuí-los ou mostrar elitismo novocabulário. Sabia que provavelmente qua-se nenhum dos senhores saberia o signifi-cado dessa palavra e iria confundi-la comdoença venérea. Era justamente o que que-ria que acontecesse.

Nova pausa para sussurros...– Uma das maiores causas de acidentes

em trabalho vem do fato de ignorarmos cer-tos detalhes, certos mecanismos,consequências de determinadas coisas e,ao invés de primeiro nos informarmos, per-guntarmos, procurarmos saber o porquê dascoisas, partimos para a intuição, inferimos ànossa maneira, chegamos a conclusões apriori e daí... a porca torce o rabo, cai-se docavalo, a vaca vai pro brejo e outras compa-rações populares que existam... Nem sem-pre aquilo que nos parece evidente é segu-ro e, por desconhecê-lo na base, não procu-ramos sua real verdade e nos estrepamos.Essa foi a razão de colocar aquele termo noinício...

Vieram a seguir a projeção de uma sériede “slides”, quadros estatísticos e cerca deuma hora e pouco depois foi encerrada aapresentação, com os agradecimentos. An-tes, porém, que os operários se levantas-sem e o orador saísse, aquele mestre de tur-ma levantou-se e perguntou:

– Mas, senhor, o que é logorreia?!– Também uma das causas de graves

acidentes. E acidentes nos mais variadossentidos e ramos da vida humana: logorreiaé o hábito de falar demais, falar em excesso.

Talvez tenha sido o conselho que maismarcou...

No tempo dos tropeiros

na época dos pioneiros,

eu também estive lá.

Respirei muita poeira

atravessei tanta fronteira,

tomei muitas com juá.

Um tempo de vida dura

mas a saudade da aventura,

da boa comida no panelão...

A besta da frente e seu sino

ainda soa como um hino,

nas montanhas do sertão.

Do descanço nas madrugadas

das noites tão estreladas,

do cavaquinho e do violão.

Quando ecoava a melodia

cantando minha poesia,

que compunha meu coração.

Daquele tempo dos tropeiros

que por tantos desfiladeiros,

completei a travessia.

Saudade, a esse passado leva

das noites de chuva e treva,

mas se pudesse, lá voltaria

No tempo dos tropeiros

Gil de Olive

Page 7: JULHO 2013

O ESTAFETAPiquete, julho de 2013 Página 7

No evento da substituiçãodo papa Bento XVI por Francis-co, a mobilização popular se fezsob duas razões de comentáriosambos pertinentes, a surpresacausada pelo anúncio da renún-cia de Bento XVI e a aceitaçãocomemorada de Francisco, quechega ao pontificado no Vati-cano sob a égide da opção pelospobres. Ao intelectual e teólogode primeira linha sucede o jesuíta,cuja palavra plantada na diantei-ra com Cristo, valoriza a técnica,a arte e a fé. Essas cogitaçõesdevem ser colocadas frente à su-perficialidade das análises apressadas quea mídia expôs para preencher editoriais e ar-tigos nos quais os chamados “Vatileaks”(documentos vazados do Vati-cano para ali-mentar intrigas de poder na Santa Sé) ga-nharam corpo para definir o momento.

A fragilidade física exposta por BentoXVI e comentada por Frei Beto quando es-teve com ele em Havana, em março de 2012,foi, segundo este, a causa principal alegadapara a renúncia ao pontificado por JosefRatzinger. Que agora demonstrou assimquerer ser reconhecido, não sem a atribui-ção de emérito por parte da Cúria e da SantaSé, até porque segundo a própria condiçãode Bispo de Roma, será na história do pon-tificado reconhecido por sua atuação emtentar equilibrar o papel da Igreja em meioàs contradições geradas por um novo tem-po de mudanças radicais no campo social eda moral estabelecida. Por exemplo, constater Bento XVI deixado num relatório o co-mentário da existência de um “lobby gay”que operaria no Vaticano competindo porpoder e influência. O relatório acima citadoseria retirado de um suposto dossiê elabo-rado por três cardeais e aceito por BentoXVI, como consta nas atribuições dasmídias. Mudanças em estruturas como asque compõem a instituição do Vaticano nãose fazem intempestivamente, ainda que pres-sionadas. Esse talvez tenha sido o maior di-lema de Bento XVI, um intelectual e homemdo seu tempo, designado para manter o edi-fício eclesial incorruptível. À propósito,como homem de seu tempo, sabe muito bemas tendências do mundo na modernidade ena discussão das ideias que permeiam osnovos tempos. Mas sabe, nesse mesmo tem-

Bento XVI – uma discussão necessáriaJulho é o mês da visita do papa Francisco ao Brasil, o sucessor de Bento XVI, oportunidade para

considerarmos a mudança no domínio papal.

po, quais os cuidados para com a integrida-de do princípio que rege a Instituição. E noseu discurso de despedida alega estar ple-namente consciente de que a Igreja, “comoorganismo vivo”, não é uma simples “orga-nização associativa de funções religiosas ehumanitárias”, mas uma comunidade de ir-mãos e irmãs voltada para que se possaquase “tocar com as mãos o poder de suaverdade”, e de que “seu amor é como fontede alegria em um tempo em que muitos fa-lam do declínio dela”. Alega que tomava adecisão por sentir a “força diminuída”, en-tretanto não pelo próprio bem, mas o da Igre-ja, e ainda que ao dar o passo decisivo, ofazia com “plena consciência de sua severi-dade e caráter inovador” e “para semprecomprometido com o Senhor”.

Assim como para Celestino V, outro re-nunciante, o importante é a manutenção do“árduo combate pela dignidade da fé”. Ple-namente voltado aos propósitos do Concí-lio Vaticano II, Bento XVI, sabedor da im-portância da força renovadora necessária àIgreja, usa da ordem das palavras com a“competência do estudioso e a ampla erudi-ção” para demonstrar que o mistério insere-se envolvido nas palavras, no espírito e naletra dos documentos conciliares, e, dessamaneira, dialoga com a tradição cristã. Porisso, a grande importância das Audiênciasa que se dedicou para comentar as Sagra-das Escrituras tendo presente o método his-tórico-crítico. Estas foram publicadas natrilogia “Jesus de Nazaré”, com dois volu-mes e mais o terceiro, “A infância de Jesus”.Nos dois primeiros, comenta as etapas davida de Jesus segundo os registros da Bí-blia, tendo sempre presentes a tradição e ocontexto da aplicação no presente, não pelo

que é propriamente “atual”, maspelo que representa como forçano rigor do limite. Posto que alémdas palavras contingenciadas emfragilidades próprias do humano,o tratamento do passado é dado,mas não para simplesmenteagarrá-lo e transpô-lo. Dada a di-ficuldade da leitura dos textos deBento XVI, muitas pessoas po-dem desanimar, mas o ganho énotável. Vale a experiência em dis-ciplinar-se para entendê-la.

Por essas razões, o papel deBento XVI na Congregação paraa Doutrina da Fé foi relevante.

Sua presença mostrou-se consistente nasdiscussões conciliares, tema fundamentalnos caminhos da Igreja da atualidade. Per-mitiram, por exemplo, o entendimento doecumenismo, marcante das novas disposi-ções por ocasião do complexo diálogo ca-tólico-luterano centrado na fé, frente àanálise da relação entre o ato de crer e oconteúdo que ela, a fé, tem como atos dis-tintos, mas inseparáveis. Daí ele tirou a de-claração formal da “Carta Apostólica PortaFidei” (Porta da Fé). A profundidade dessadeclaração exige leitura bastante complexae não cabe aqui comentá-la. Mas lembrarque ela se propõe demonstrar que Jesusmorreu por todos os seres humanos no âm-bito do amor. É por isso que para Bento XVIa ética deve ser vista sob a perspectiva dajustiça e do amor.

Há vozes discordantes dos discursos deBento XVI e, entre eles o de José Saramago,escritor português, que atribui a JosephRatzinger o epíteto de “portador de umneomedievalismo universal”, sob a alega-ção de que ele propõe poder de controlesobre os corpos, “sem se interessar pelodestino das almas”. Para outros, Bento XVIseria um bom teólogo, mas um “fracoeticista”.

Preso à discussão entre a fé e a razão, oautor Joseph Ratzinger molda seu pensa-mento, tem publicado muitos livros e expõe-se às análises dos cultores, estudiosos eopositores.

Francisco estará entre nós neste mês dejulho. Há muitos focos de atenção voltadospara esta visita. Que seja bem-vindo.

Dóli de Castro Ferreira

“Sejamos ‘guardiões’ da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que

sinais de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo! Mas, para 'guardar', devemos também cuidar de nós

mesmos. Lembremo-nos de que o ódio, a inveja, o orgulho sujam a vida; então devemos vigiar sobre os nossos sentimentos, o nosso

coração, porque é dele que saem as boas intenções e as más: aquelas que edificam e as que destroem. Não devemos ter medo de

bondade, ou mesmo de ternura.”Papa Francisco, em 19/03/2013

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O ESTAFETA Piquete, julho de 2013Página 8

Com quase 2000 anos a Igreja permanece jovemA Jornada Mundial da Juventude, pro-

movida a cada dois anos, é um momentode fraternidade entre os povos. Jovens detodos os continentes se reúnem comomembros da mesma família, guardam a tra-dição fundada por Jesus: Chamar Deus deNosso Pai e os demais homens e mulhe-res, mesmo que sejam de outros povos enações, de irmãos e irmãs.

 Numa das Orações Eucarísticas doMissal Romano, rezamos: Que neste mun-do dilacerado por discórdias a Igreja bri-lhe como sinal profético de unidade e depaz. Essa oração, muitas vezes repetida pe-los cristãos, é sempre ouvida por Deus. Elemantém os cristãos unidos e em fra-ternidade, embora existam tensões e for-ças desagregadoras.

Vivemos num mundo fragmentado emarcado por conflitos entre os povos, exis-tem constantes ameaças de guerras, inú-meros enfrentamentos e disputas violen-tas entre etinias, tendências políticas e re-ligiosas divergentes. A Jornada Mundialda Juventude é uma forte expressão deque a comunhão entre os homens é algo

possível. Esse grande encontro dos po-vos, promovido pelo Bispo de Roma quepreside toda a Igreja na Caridade, causagrande esperança, sobretudo por ser umencontro da juventude. É uma nova gera-ção que aprende o caminho da frater-nidade e da paz como o único viável paraa humanidade.

O Papa Francisco, em seus discursos egestos, tem resgatado valores fundamen-tais do cristianismo. A humildade, o desa-pego às riquezas e privilégios, a atenção e oserviço aos mais vulneráveis e débeis, o

comprometimento com a justiça e a ho-nestidade e o amor pelas pessoas têm sidoensinamentos constantes dados à Igrejapor ele. Talvez esses elementos da fé, quenão estavam sendo tão recordados nosúltimos tempos pelos cristãos, venham aser as marcas mais significativas de seupontificado.

Em pouco tempo à frente da Igreja,Francisco já é um Papa querido e admira-do, um líder carismático e muito popular.O encontro com a juventude do mundoserá, creio, um forte momento de encon-

tro com o evangelho de Cristo. A Igreja, queestá próxima de completar dois mil anos, serávista por todos nós com um rosto jovial.Isso é motivo de alegria e esperança para omundo.

Que a Jornada Mundial da Juventude, arealizar-se no Brasil, seja um grande suces-so. Que a luz de Cristo brilhe para todos ospovos da Terra como uma chama viva naIgreja que, ao longo dos séculos, tem-seconservado bela e jovem.

Pe. Fabrício Beckmann

No momento em que se discute um pla-no de manejo para a APA da Mantiqueira, ésempre bom termos em vista uma singularatividade econômica e cultural que, aindahoje, como no passado, continua presenteno cotidiano serrano, resistindo àmodernidade. Trata-se do tropeirismo, ati-vidade praticada no Brasil desde o século18, que aqui encontrou terreno fértil parasua fase de maior expansão.

Com a descoberta do ouro, o tropeirismose tornou uma atividade econômica essen-cial. As tropas de muares eram o único meiode transporte capaz de superar as precarie-dades dos caminhos, principalmente naMantiqueira, vencendo todo tipo de obstá-culo. Foi no lombo de mulas que o ouro dasminas escoou até o litoral. E foi, também,por meio delas que ocorreu o abastecimen-to da região dos garimpos.

As dificuldades encontradas durante ostrajetos, somando-se à necessidade de pa-radas para descanso dos animais e dos pró-prios condutores, obrigaram que se estabe-lecessem ranchos para abrigo da tropa aofinal de cada dia de jornada. Esses ranchos,em muitos casos, eram construídos por fa-

zendeiros, para que os tropeiros que trans-portavam seus produtos pudessem descan-sar e seguir viagem na madrugada seguinte.

Depois de estabelecidos os ranchos, osfazendeiros não tardavam em erguer umacapela, símbolo de sua devoção. Em segui-da, instalava-se uma pequena venda parasuprir as necessidades básicas dos tropeirose viajantes em geral que por ali trafegassem.Depois, algumas famílias fixavam moradiasno entorno... Estava dado o ponto de parti-da para o estabelecimento de mais uma vilano interior do país.

O surgimento de Piquete, como o demuitos outros lugares, ocorreu como o des-crito acima. O caminho ao longo do qualsurgiu o município, ligando o Vale do Paraíbaao Sul de Minas, cortando a Mantiqueira,foi aberto no século 18. Mais tarde, com oestabelecimento das primeiras fazendas decafé, os tropeiros passaram a transportaresse produto para os portos de Mambucabae Paraty. A importância desse caminho eratal que, segundo o escritor português EmílioZaluar, em seu livro “Peregrinação pela Pro-víncia de São Paulo”, em 1860, mais de vintemil mulas passaram pela barreira piquetense.

Piquete esteve intimamente vinculado aociclo do tropeirismo. A figura do tropeirotornou-se emblemática e influenciou o modode vida dos moradores. Ainda hoje, peloscaminhos serranos, na Mantiqueira, cruza-mos com tropeiros conduzindo seus animaisna lida do dia a dia. Preservar essa cultura eo direito do homem que dela vive é funda-mental quando se fala em sustentabilidadee preservação da Serra da Mantiqueira.

Piquete e o tropeirismo

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