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JASMIM RODRIGUES SILVA AFEGANISTÃO: UMA HISTÓRIA DE FALÊNCIA INSTITUCIONAL DO ESTADO Belo Horizonte 2008

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Page 1: Jasmim Silva - Afeganistão uma história de falência ... invasões bárbaras, segundo elemento, serviram como propulsoras das grandes transformações na ordem estabelecida. A constante

JASMIM RODRIGUES SILVA

AFEGANISTÃO: UMA HISTÓRIA DE FALÊNCIA INSTITUCIONAL DO ESTADO

Belo Horizonte

2008

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JASMIM RODRIGUES SILVA

AFEGANISTÃO: UMA HISTÓRIA DE FALÊNCIA INSTITUCIONAL DO ESTADO

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do titulo de bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Dawisson Elvécio Belém Lopes

Belo Horizonte

2008

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Silva, Jasmim Rodrigues Afeganistão: uma história de falência institucional do Estado / Jasmim Rodrigues Silva; Orientador: professor Dawisson Elvecio Belém Lopes. -- Belo Horizonte, 2008. 53 f. Monografia (Graduação) - Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH) – Departamento de Ciências Jurídicas, Políticas e Gerenciais (DCJPG) CDD:________

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JASMIM RODRIGUES SILVA

AFEGANISTÃO: UMA HISTÓRIA DE FALÊNCIA

INSTITUCIONAL DO ESTADO

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do titulo de bacharel em Relações Internacionais. Orientador: Dawisson Elvécio Belém Lopes

Monografia apresentada em: 15 de dezembro de 2008.

Banca examinadora:

______________________________________________________________________

Profa. Alexandra do Nascimento Passos - DCJPG/ Uni-BH

______________________________________________________________________

Prof. Rodrigo Correa Teixeira - DCJPG/ Uni-BH

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Dedico este trabalho a quem sempre

acreditou em mim, meus amados pais.

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Agradeço ao Dawisson, meu orientador, que acreditou neste trabalho. Ao Rafão que

sempre sanou minhas dúvidas. O Leandro, que sem ele nada seria. Afonso que na hora

mais importante teve uma ótima idéia. O Gustavo que segurou as pontas enquanto todas

minhas forças estavam voltadas para este trabalho. Minha mãe querida, meu norte, que

sem ela nada teria sido escrito. Meu pai, meu herói, que nas horas mais difíceis estava lá

com um sorriso para me alegrar. Minhas irmãs, Sodinha pelo companheirismo e Manu

pelas palavras de apoio. Meus irmãos Josué, pelo carinho, Jan e Hari pela atenção. A

minha cunhada e amiga, Fernanda, que me acolheu com muito carinho. Ao Rudolfo,

meu amor, que sempre esteve ao meu lado, me apoiando, me aturando e que sempre

acreditando em mim. A todos aqueles que direta ou indiretamente me ajudaram; meu

sincero agradecimento. Sem vocês todos eu não teria dado este passo importante.

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“Turquestão, Afeganistão, Transcaucásia, Pérsia – para muitos essas palavras exalam um

sentido de longínquos extremos, a lembrança de inesperadas vicissitudes e de um fascínio

agonizante. Para mim, confesso, elas representam as peças de um tabuleiro de xadrez, em

que se joga o jogo de dominação do mundo.”

George Lord Curzon

Vice-Rei da Índia

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Resumo

O objetivo deste trabalho é estudar falência do Estado afegão e suas causas. Desta

forma, serão analisadas questões como teoria e elementos do Estado moderno, teoria do

Estado fracassado, tipos de poder paralelo e a história moderna afegã. Esses elementos

contribuem para sustentar a hipótese de que o Afeganistão pode ser um Estado falido.

Abstract

The main goal of this work is to study the Afghan State failure and its causes. This

way, questions such as the theory and elements of the modern State, theory of a failed

State, types of parallel power and Afghan modern history will be analyzed. These elements

contribute to support the hypothesis that Afghanistan can be a failed State.

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Abreviaturas

ACNUR - Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados

CIA - Central Intelligence Agency

EUA - Estados Unidos da América

ISAF - Força de Assistência e Segurança Internacional

OEF - Operation Enduring Freedom

OTAN - Organização do Tratado do Atlântico Norte

PDPA - Partido Democrático do Povo do Afeganistão

PIB – Produto Interno Bruto

URSS - União das Repúblicas Socialistas Soviéticas

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 10

1 O ESTADO

1.1 Como foi se construindo e mudando o conceito de Estado: breve histórico................... 12 1.2. Estado segundo a teoria weberiana............................................................................... 16 1.3. Estados Fracassados..................................................................................................... 19 1.4. Poder paralelo................................................................................................................ 22

2 A HISTÓRIA RECENTE

2.1 Afeganistão moderno, 35 anos de luta............................................................................ 27

3 ARTICULAÇÕES FINAIS

3.1 Um diálogo entre a teoria e a história.............................................................................. 44

4 CONCLUSÃO .................................................................................................................... 48

REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 49

ANEXOS............................................................................................................................... 52

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Introdução

Partindo do pressuposto weberiano de que os Estados detêm soberania sobre seu

território e o monopólio do uso legítimo da violência física, por que existem lacunas que

possibilitam a formação de poderes paralelos dentro do próprio Estado, levando-o ao

fracasso e afetando inclusive sua sobrevivência institucional?

Embora o Estado usufrua de soberania, nem sempre consegue emanar poder

sobre todos os aspectos sociopolíticos de seu território. Essa ausência de poder, em

determinados locais e situações, gera um espaço para a formação de um novo poder

alheio ao controle do Estado.

Frente aos problemas enfrentados pelo poder do Estado no tocante à formação de

forças paralelas dentro de seu território e a inépcia para solucioná-los, torna-se importante

compreender e perceber as possíveis lacunas deixadas pelo Estado, que possibilitam o

surgimento de poderes alheios a autoridade e ao controle.

O Afeganistão é uma ilustração de um Estado impossibilitado de manter sua

soberania, que passa atualmente por uma reestruturação e sofre constantemente de

ataques do poder paralelo Talibã em território. Este estudo se baseia, então, em entender

através da história as conseqüências de um poder paralelo no Estado Afegão. O

Afeganistão tem sua soberania ameaçada pelo Talibã? E como o Estado peca ao não ter

controles sobre seu território e povo?

Para dar base ao trabalho, dois autores serão estudados, Max Weber e Robert H.

Jackson. O primeiro capítulo desta monografia será uma breve introdução sobre Estados,

à apresentação das teorias dos autores supracitados e a conceituação da expressão

“poder paralelo”.

No segundo capítulo será contextualizada a história do Afeganistão moderno (1973

a 2008). Com o histórico pronto será possível descobrir os objetivos e razões de ambos

os atores e, as implicações do surgimento do deste poder que se contrapõe e interfere a

soberania do Estado.

Após a explanação sobre a teoria e a história, será feito um diálogo entre os dois

capítulos, sendo este o último deste trabalho.

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A hipótese a ser comprovada é a da falência do Estado afegão causada, entre

vários fatores, pelo grupo Talibã, pelo governo precário, pela pobreza e pela presença dos

EUA no seu território.

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Capítulo 1. O Estado

1.1 Como foi se construindo e mudando o conceito de Estado: breve histórico

A construção histórica do Estado baseia-se nas formas fundamentais apresentadas

durante a passagem dos séculos. Apesar de organizar cronologicamente as configurações

do Estado, pois os tipos estatais não possuem um curso uniforme, e mesmo depois de seu

tempo ainda influenciavam as outras formas, por o objetivo didático, o mesmo será

separado em fases: Estado Antigo, Estado Grego, Estado Romano, Estado Medieval e

Estado Moderno. (MENEZES, 1996, p. 105).

O Estado Antigo, também conhecido como Estado Oriental ou Teocrático, é a forma

estatal mais antiga, encontrada juntamente com a criação das antigas civilizações. Nesta

época não era possível fazer uma diferenciação entre as instituições do Estado, família,

religião e organização econômica, causando uma miscigenação entre o pensamento político

e religioso. Nesse período encontram-se dois pensamentos basilares fundamentais: a

natureza unitária e a religião. O Estado Antigo deveria ser uma unidade única, tendo uma

uniformidade sem divisões em seu interior, territoriais ou de funções. O aspecto religioso

tem peso tão grande neste período que alguns autores o nomearam de Estado Teocrático.

As normas de conduta e a autoridade dos governantes eram a representação do poder

divino. Há neste caso, então, uma convivência entre dois poderes, o Estado e a divindade,

cuja influência do segundo sobressai, sendo então seus limites o religioso e não o jurídico.

O Estado Grego, ou Estado-cidade, diz respeito a todos os Estados que surgiram

entre os povos helênicos. Apesar de profundas diferenças entre seus costumes, possuíam

características fundamentais similares. A particularidade são as cidades-Estado, polis,

sendo a representação da sociedade política.

A cidade-Estado tinha como ideal a auto-suficiência, esplanada por Aristóteles (1965,

p. 16) como sendo “a sociedade constituída por diversos pequenos burgos formando uma

cidade completa, com todos os meios de se abastecer por si, tendo atingido, por assim

dizer, o fim a que se propôs.” O ideal supracitado influenciou na preservação do caráter da

cidade-Estado pois, ao conquistar e dominar um povo não havia a expansão territorial nem a

integração dos vencedores e vencidos sob uma mesma ordem. (DALLARI, 2005.)

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Mesmo que o Estado Romano, que nasceu como cidade-Estado, tivesse um caráter

heterogêneo, seu caminho foi de sucesso, uma vez que teve seu início com um pequeno

agrupamento, passando por vários tipos de governos, obteve uma extensa expansão,

atingindo povos de costumes e organizações completamente diferentes e teve também a

pretensão de criar um império mundial. Roma por muito tempo manteve as formas básicas

das cidades-Estado conquistadas, entretanto, por conta do domínio extenso e do

cristianismo, as cidades-Estado foram substituídas por novas formas de sociedades

políticas, ligadas ao que se tornariam no futuro, o Estado Medieval.

A base familiar da organização foi uma das peculiaridades mais importantes do

período. A reunião de grupos familiares (gens) fez surgir, segundo alguns autores, o

primitivo Estado (civitas), concedendo sempre o privilégio as famílias patriarcas, fundadoras

do Estado. Da mesma forma que ocorria no Estado Grego, no Estado Romano a

participação do povo no governo era ativa, contudo a noção de povo era limitada a uma

pequena parcela da população.

Em seus últimos tempos, quando se aspirava ao Império, houve a integração dos

povos, naturalizando a todos, buscando um núcleo sólido de poder político que mantivesse

o poder da Cidade de Roma. Nesse contexto que o Imperador de Roma, Caracala, no ano

212, concedeu a naturalização de todos os povos do Império.

“O objetivo do edito Caracala foi político, a unificação do Império; foi religioso, visa a aumentar os adoradores dos deuses de Roma; foi fiscal, quer obrigar os peregrinos a pagar impostos nas sucessões; foi social, com vistas a simplificar a facilitar as decisões jurídicas, nos casos obre o estado e constituição das pessoas.” (CINTRA apud DALLARI, 2005, p.65)

Porém, essa abertura significou o “começo do fim”, causando uma fase de transição,

que culminaria no Estado Medieval.

O Estado Medieval se caracterizava por estar em um dos períodos mais difíceis de

toda as épocas, pela sua heterogeneidade e instabilidade. No entanto são apresentados

novos fatores na sociedade política que quebraram a organização romana rígida e definida,

e levariam ao Estado Moderno. Esse Estado se caracterizava por três elementos

fundamentais: o cristianismo, as invasões bárbaras e o feudalismo.

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O cristianismo contribuiu com a noção de universalidade, defendendo a idéia de que

todos os homens eram iguais. A impulsão religiosa levou a conclusão que todos os cristãos

deveriam estar integrados a uma só sociedade política, criando a idéia de um Estado

Universal, abrangendo todos os homens sobre os mesmos princípios e normas de

comportamento.

A relação da Igreja entre e o Imperador foi perturbada durante todo período

medieval. A razão deste conflituoso relacionamento se dá por razão de, pelo menos, dois

fatores. O primeiro é a infinita quantidade de centros de poderes independentes, como por

exemplo, os reinos ou os senhorios que não se submetiam de fato ao poder do Imperador.

Assim como os poderes menores, o próprio Imperador, por sua vez, não se curvaria à

autoridade da Igreja. Isso mostra que formalmente a unidade política do Império supera a

Igreja. Essa disputa de poder só acaba com o nascimento do Estado Moderno, quando se

afirma a superioridade dos monarcas.

As invasões bárbaras, segundo elemento, serviram como propulsoras das grandes

transformações na ordem estabelecida. A constante presença destes povos possibilitou a

introdução de novos costumes e induziu as regiões invadidas a se estabelecerem como

unidades políticas independentes, resultando no aparecimento de vários Estados. Este

movimento é contrário ao feito pela Igreja e também lhe é superior.

Por último, a influência causada pelo feudalismo, uma sociedade organizada em

feudos e sem o desenvolvimento do comércio por conta das invasões e das guerras

internas. Em conseqüência deste fator, a terra passa a ser o bem mais valioso e desejado,

sendo dela retirado os meios de subsistência. Como todos dependiam da propriedade ou da

posse de uma terra, sejam pobres ou nobres, o sistema de administração e a organização

militar se desenvolvem ligados diretamente a situação patrimonial.

O Estado Medieval se resume a um Estado com:

“um poder superior, exercido pelo Imperador, como um infinita pluralidade de poderes menores, sem hierarquia definida, um incontável multiplicidade de ordens jurídicas, compreendendo as ordem imperial, a ordem eclesiástica, o direito das monarquias inferiores(...) as ordenações dos feudos e as regras (...).”(DALLARI, 2005, p.70)

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O quadro observado era causado por uma constante instabilidade política, social e

econômica, motivando uma intensa necessidade de ordem e de autoridade semeando a

geração de um Estado Moderno.

A incapacidade da sociedade medieval levou à criação das características do Estado

Moderno. A unidade do Estado Romano, jamais alcançada por conseqüência dos feudos, o

domínio de áreas menores, a ampliação de propriedades e falta de tolerância dos senhores

com as exigências dos monarcas, significaram impulso para a busca por uma unidade

soberana. Era, pois, “um Estado dotado de ordenamento unitário próprio, isento de tod e

qualquer sujeição à Igreja e ao Império, mas limitado em seus poderes por sua própria

constituição”. (DEL VECCHIO, 1957, p. 49). Os acordos de Westifália (1648) documentaram

a existência de um novo tipo de Estado, com uma unidade territorial delimitada dotada de

poder soberano. São quatro os elementos fundamentais do Estado: soberania, território,

povo e poder constituído.

Desde o século XVI, a Soberania e o Estado são conceitos que andam “irmanados”.

A existência de um depende necessariamente do outro. Segundo afirmou Norberto Bobbio

(2002, p.1179), o conceito de Soberania está ligado diretamente ao poder político. A

Soberania deve ser a racionalização jurídica do poder, transformando a força em poder

legítimo, passando, então, o “poder de fato em poder de direito” (BOBBIO, 2002, p. 1179).

A Soberania pode ser observada em dois planos e de duas formas, no plano externo

como “sinônimo de independência” e no plano interno como “poder jurídico mais alto”

(DALLARI, 2005, p. 84). Quando se trata do plano externo o Estado deve ser independente

e reconhecer os demais Estados como poderes iguais e nunca superiores. No plano interno,

dentro dos limites territoriais e limites da jurisdição do Estado, este deve ser o poder

superior a todos os outros poderes e sua decisão será sempre em ultima instância.

A definição de Soberania poderá ser, no âmbito político-juridico, “o poder de mando

de uma última instância, numa sociedade política e, conseqüentemente, a diferença entre

esta e as demais associações humanas em cuja organização não se encontra este poder

supremo, exclusivo e derivado” (BOBBIO, 2002, p. 1179).

Afirmar que a Soberania deve ser exercida sobre um determinado território pode dar

a impressão de que se trata apenas de uma limitação do poder. Entretanto, foi através

dessa delimitação que se pôde garantir a eficácia e a manutenção e estabilidade da ordem.

Não há um Estado sem território, e na falta deste elemento pode um Estado perder seu

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“estatuto”, deixando de ser um Estado em si. Contudo a falta temporária, ou as perdas

parciais, não o priva de ser um Estado enquanto haja a possibilidade de se reintegrar.

Quando o Estado reivindica para si o monopólio de ocupação de determinado espaço, se

faz impossível que haja outra soberania no mesmo local e tempo.

O povo, assim como os outros elementos, se faz extremamente necessário para a

composição e existência do Estado. Sua presença torna-se fundamental, pois é para ele que

se faz o Estado. O povo possui dois aspectos, o subjetivo e o objetivo. Seu aspecto

subjetivo diz respeito a sua participação como elemento componente na condição do

Estado, sendo o sujeito do poder público. Ao mesmo tempo, o povo é o objeto da atividade

do Estado, ou seja, um aspecto objetivo. Ressalta-se que o simples fato de reunir uma

pluralidade de homens sob uma autoridade comum não chega a constituir um Estado. Isso

se dá apenas quando, em uma manobra jurídica, associam-se estes homens a outros

elementos, formando uma unidade e conseqüentemente um Estado.

1.2. Estado segundo a teoria weberiana

Em relação à definição do Estado se torna impossível encontrar um conceito que

abarque todas as doutrinas, pois é vasta a quantidade de autores e correntes teóricas. Ao

longo do século XIX, com a ajuda da sociologia, antropologia e história, foi adotada a idéia

de que o Estado seria uma nação politicamente organizada, mas essa concepção foi

derrubada após perceberem que nem uma nação organizada nem uma organização política

fazem um Estado; são apenas organizações.

As teorias jurídicas não descartam a idéia da força e de que o Estado seja por sua

finalidade uma sociedade política, mas dão preferência ao elemento jurídico. Os demais

elementos são independentes fora do contexto e é a ordem jurídica que integra como forma

de Estado todos os elementos. Como bem mostrou Del Vecchio quando disse que o Estado

possui sua essência no

“vínculo, ou sistema de vínculos, pelo qual uma multidão de pessoas encontra uma própria unidade na forma do direito. Podem surgir relações jurídicas e até normas singulares, mesmo sem completa organização: mas onde quer que exista convivência estável e ordenada, não pode deixar de haver, por isso mesmo, determinação coerente e complexa de todas as relações intersubjetivas.” (1957, p. 36-37)

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Apesar dos diversos conceitos, será utilizado neste trabalho o dado por Max Weber

em seu livro “Economia e Sociedade”, sendo considerada a orientação que mais abrange

todos os elementos essenciais para formação de um Estado.

Para que se defina sociologicamente um Estado Moderno, não se pode levar em

consideração o que este faz, e sim um meio que lhe é exclusivo: a coação física. É

indispensável dizer que a coerção não é um meio natural e único do Estado, e sim um

elemento específico. Weberianamente, caso não existissem instituições sociais que

reconhecem o meio da coerção, seria dispensável, o conceito de Estado, e passaria a

vigorar uma situação de “anarquia”.

O Estado é uma comunidade humana que “reclama para si, com êxito, o monopólio

da coerção física legítima” (WEBER, 1999, p. 525), dentro de um determinado território. O

Estado é o único que possui o título de fonte do “direito” de usar a violência. Portanto, cabe

apenas às demais associações e pessoas individuais o uso da coerção física que o Estado

permitir.

Dentro desta divisão de “direitos”, a política é a tentativa da participação no poder ou

da influência na sua distribuição, tanto entre Estados como dentro do mesmo. Quem exerce

a política, aquele que luta pelo poder, seja ele como um meio para servir outro objetivo ou

poder “pelo próprio poder” tem, então, como finalidade usufruir o prestigio atribuído a ele.

Poder definido por Weber como sendo a “probabilidade de impor a própria vontade, dentro

de uma relação social, mesmo contra toda resistência e seja qual for o fundamento dessa

probabilidade.” (WEBER, 1984, p.43).

Apoiado pelo meio de coerção legitima, o Estado, da mesma forma que as

associações que o precedem historicamente, baseia-se na relação de dominação de

homens sobre homens, e é a obediência dos dominados aos detentores de poder que

permite a existência do Estado. Para compreender o êxito desta dominação deve-se

conhecer três justificações internas, ou fundamentos da legitimidade em que se apóia a

dominação.

O primeiro, a dominação legítima via o “eterno ontem”, está diretamente relacionada

ao costume, ou seja, seu poder é tão recuado no tempo que se obedece, mas não se sabe

desde quando nem por que e quando há uma disposição habitual (costumeira) para

respeitá-lo. Acredita-se na santidade das tradições em vigor e legitimidade do poder obtida

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através do costume. Esta é a dominação “tradicional”, que em tempos remotos era exercida

pelos patriarcas e príncipes patrimoniais, patriarcalismo e patrimonialismo. Sua ação

dominante tem a característica de ser comunitária, onde o senhor manda e os súditos

obedecem. As ordens têm o conteúdo fixado nas tradições e os princípios são os da

equidade, da justiça e da utilidade prática, mas nunca de caráter formal.

A dominação legítima via o “dom da graça”, o carisma, é baseada na “entrega

pessoal e na confiança pessoal em revelações, heroísmo ou outras qualidades de líder de

um indivíduo” (WEBER, 1999, p. 526). A dominação “carismática” é sempre praticada por

destaques, o príncipe guerreiro, um profeta, o chefe de um partido político, entre outros. Seu

carisma vem do valor pessoal, de seu heroísmo ou exemplo, sendo um homem e não uma

santidade. O dominador é obedecido não por sua posição estatuída ou por dignidade

tradicional, e sim por suas qualidades excepcionais. Seu poder existe enquanto tiver

presente o carisma e seu caráter é eminentemente autoritário e dominador.

Por fim, há o domínio “legal”, em virtude da legalidade. Esta dominação esta ligada à

crença nas regras racionalmente criadas, na validade dos estatutos legais, legitimidade dos

chefes e na competência funcional, isto é, a obediência ocorre no cumprimento dos deveres

prescritos nos estatutos. Mesmo não sendo exclusividade e havendo outros tipos de

dominação legal, este está em ascensão em todas as partes. Sendo o “Servidor do Estado”

e todos os portadores do poder que se assemelham neste aspecto, os responsáveis por

este domínio.

“Pode depender diretamente de uma constelação de interesses, ou seja, de considerações utilitárias de vantagens e inconvenientes por parte daquele que obedece. Pode também depender de mero costume, do hábito cego de um comportamento inveterado, ou pode fundar-se, finalmente, no puro afeto, na mera inclinação pessoal do súdito. Não obstante, a dominação que repousasse entre dominantes e dominados, por outro lado, a dominação costuma apoiar-se internamente em bases jurídicas, nas quais se funda a sua legitimidade, e o abalo dessa crença na legitimidade costuma acarretar conseqüências de grande alcance. Em forma totalmente pura, as bases de legitimidade da dominação são somente três, cada uma das quais se acha entrelaçada - no tipo puro – com uma estrutura sociológica fundamentalmente diversa do quadro e dos meios administrativos.” (WEBER, 1984, p. 706-707)

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Os fundamentos supracitados são tipos “puros”, a manifestação de somente um tipo

e muito raro. Costuma-se encontrar, na realidade, a combinação dos três tipos de

dominação. Vale lembrar, também, que na realidade o medo e a esperança são os motivos

condicionadores para que a dominação tenha sucesso. O medo vem da possibilidade de

vingança do detentor do poder ou de poderes mágicos, e a esperança de uma recompensa,

e além diversos outros interesses.

Finalizando, conforme Weber:

“Para nossa consideração, cabe, portanto, constatar o puramente conceitual: que o Estado moderno é uma associação de dominação institucional, que dentro de determinado território pretendeu com êxito monopolizar a coerção física legitima como meio a dominação (...)”. (WEBER, 1999, p. 529. Grifo nosso).

1.3. Estados Fracassados

Constitui-se a discussão proposta pelos autores do artigo “Saving Failed States”,

Gerald B. Helman e Steven Ratner, em 1992, o marco dos debates sobre o fracasso estatal.

O conceito “Estados Fracassados”, a partir de então, ganhou destaque nas esferas

acadêmicas, políticas e diplomaticas.

Os autores mostraram, em seu artigo, as primeiras impressões deste fenômeno, que

se encontra no cenário internacional:

“Do Haiti no hemisfério ocidental aos resquícios da Iugoslávia na Europa, da Somália, Sudão e Libéria na África ao Camboja no sudeste asiático, um novo fenômeno perturbador está emergindo: o Estado-nação fracassado, completamente incapaz de se sustentar como um membro da comunidade internacional. Conflito civil, falência dos governos e privação econômica estão criando mais e mais debelatios modernos, o termo usado para descrever a Alemanha destruída após a Segunda Guerra Mundial. Conforme esses Estados caem em violência e anarquia — colocando em perigo seus próprios cidadãos e ameaçando seus vizinhos através de ondas de refugiados, instabilidade política e combates aleatórios —, fica claro que algo precisa ser feito. Os abusos gigantescos aos direitos humanos — incluindo aquele direito mais básico, o direito à vida — são aflitivos o bastante, mas a necessidade de ajudar esses Estados é mais crítica ainda pela evidência de que seus problemas tendem a se espalhar. Apesar de

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aliviar o sofrimento do mundo em desenvolvimento ser a tempos uma considerável tarefa, salvar os Estados fracassados se mostrará ser um novo — e em muitas maneiras diferentes — desafio.” (HELMAN e RATNER apud MONTEIRO, 2006, p.2)

Na década de 1990, logo depois da Guerra Fria, enquanto os debates já ocorriam na

esfera acadêmica, a política passou a usar mais constantemente o debate, focando o tema

em questões práticas como de intervenção, missões de paz da ONU (Organização das

Nações Unidas), tentativa de reconstrução dos Estados, entre outros.

Após o atentado de 11 de Setembro de 2001, o mundo se focou novamente no tema

trazendo para o topo das preocupações internacionais, quando os Estados Unidos ligaram

imediatamente ao Afeganistão os atentados e com a classificação do mesmo como um

“Estado Fracassado”. Dias depois do ocorrido o “Relatório da Resenha Quadrienal de

Defesa”, do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, disse que o país tinha um

“ambiente de segurança alterado”, em que os “crescentes desafios e ameaças emanantes

dos territórios de Estados fracos e em vias de fracasso” aparecem como uma das mais

importantes “tendências de segurança”. (Quadrennial Defense Review Report, 2001, p.5)

Em conseqüência de sua relevância, foi criada pela Agência Central de Inteligência

(CIA), em 1994, a “Força-tarefa do Fracasso Estatal”, State Failure Force, e renomeada em

2003 para “Força-tarefa da Instabilidade política”, Political Instability Task Force, com a

função de estudar os casos de Estados Fracassados, baseada nos dados estatísticos de

guerras internas, revolucionárias, étnicas, mudanças de regimes e genocídios.

No decorrer dos debates sobre o tema foram apresentados, por diversos autores,

várias termologias sobre o Estado Fracassado. Algumas dentre outras apresentadas foram:

“Estados fracos (weak states), Estados em colapso (colapsing states), Estados em vias de fracasso (failing states), Estados anárquicos (anarchic states), além de versões mais curiosas como Estados fantasmas (phantom states), Estados miragem (mirage states), Estados anêmicos (anaemic states), Estados capturados (captured states) ou Estados abortados (aborted states). (BILGIN e MORTON apud MONTEIRO, 2006, p.5).

Robert H. Jackson em seus estudos sobre as práticas da soberania da comunidade

internacional contribuiu imensamente na conceituação de “Estados Fracos ou Fracassados”.

O conceito foi elaborado em seus livros “Quasi-states, Dual Regimes, and Neoclassical

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Theory: International Jurisprudence and the Third World”, de 1987 e o livro “Quasi States:

Sovereignty, International Relations and the Third World”, de 1990.

O Estado contém, segundo Jackson (1990, p.1), duas soberanias: a positiva e a

negativa. A primeira vem da Ciência Política, tem sua base no âmbito interno e fundamenta-

se na condição de uma existência empírica do Estado, a entidade empírica:

“pressupõe capacidades que permitam aos governos serem seus próprios mestres: é uma condição substantiva ao invés de formal. Um governo positivamente soberano é aquele que não apenas goza do direito de não-intervenção e de outras imunidades internacionais, mas também possui os recursos para prover bens políticos para seus cidadãos”. (JACKSON, 1990, p. 29).

E a segunda, do Direito Internacional e das Relações internacionais, está baseada

na condição de uma existência apenas jurídica do Estado. Caracteriza-se pela:

“liberdade frente à interferência externa: uma condição formal legal. A não-intervenção e a soberania, nesse sentido, são basicamente dois lados da mesma moeda. Esse é o princípio central do direito das nações clássico: a esfera da jurisdição legal exclusiva dos Estados ou o laissez-faire internacional”. (JACKSON, 1990, p. 29-30).

A segunda prevalece sobre a primeira. E foi essa divisão e distinção de caráter

empírico ao conceito de Estado nas Relações Internacionais que possibilitou a criação do

conceito de fracasso estatal. Se o Estado é entendido somente pelo reconhecimento dos

demais Estados, seria inadmissível a possibilidade de Estados Fracassados, já que para tal

seria apenas necessário o não reconhecimento dos outros países, não sendo nem um

Estado, quanto mais fracassado. Quando se fundamenta na dualidade jurídico-empírica, a

existência legal faz dele um Estado e sua debilidade empírica faz o fracasso. Para haver

uma falência, é necessário a existência de um Estado.

Apesar de certos países terem o reconhecimento da comunidade internacional, não

possuem empiricamente condições para que sejam Estados de fato. Define-se então um

Estado Fracassado como aquele que possui uma existência normativa, mas que não se

aplica empiricamente. São aqueles que ”não podem ou não irão salvaguardar

domesticamente condições civis mínimas, como paz, ordem, segurança, etc.” (JACKSON,

1998, p.2).

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No âmbito da segurança, hoje, as questões mais relevantes sobre os Estados

Fracassados são as que comparam a capacidade dos governos de manterem seus

territórios e a ordem interna, principalmente depois da relação feita entre o terrorismo e o

fracasso do Estado. “Se adotássemos um critério empírico estreito de estatalidade — como

o monopólio da força de Weber — teríamos que concluir que alguns países (...) não são

Estados” (JACKSON e ROSBEG apud MONTEIRO, 2006, p.34).

1.4. Poder paralelo

No sistema internacional, não existe a presença de uma autoridade internacional, e

sim uma relação entre poderes. Antigamente esses poderes, chamados de atores, eram

apenas os Estados. Mas com o passar dos séculos novos atores foram tomando poder e

conseqüentemente espaço. A divisão de poderes é chamada de polaridade, podendo ser

comandada apenas por um ator ou por vários.

O século XX passou por varias transformações em sua polaridade No início do

século o sistema internacional se caracterizava pela multipolaridade. Após a Segunda

Guerra mundial (1939-1945) o mundo se dividiu em dois blocos, capitalista e socialista,

sendo por quase cinqüenta anos um sistema bipolar. O da Guerra Fria, causado entre

outros fatores pela falta de democracia, atraso econômico e crise nas repúblicas soviéticas,

levou a “vitória” dos Estados Unidos, que aos poucos foi implantado o capitalismo nos

países socialistas. O mundo assistiu então, a ascensão de um poder, deixando o sistema

unipolar.

O desenho que se vê no início do século XXI, apesar da unipolaridade comandada

pelos Estados Unidos durante toda a década de 90, é uma multipolaridade e que está se

encaminhando para uma nova ordem, a não-polar (ou apolar). Diferente da multipolaridade,

que consiste em diversos pólos e concentrações de poder, a não-polaridade caracteriza-se

pela grande quantidade centros de poderes significativos. Poderes estes que nem sempre

são Estados (característica também da multipolaridade) e, que acabem causando a perda

neste ator de seu monopólio de poder e sua superioridade. (HAASS, 2008, p 1-2).

“Os estados estão sendo desafiados por acima, por organizações regionais e globais; por abaixo, por milícias; e do lado, por uma variedade de organizações não

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governamentais (ONG’s) e por corporações. Poder agora é encontrado em muitas mãos, e em muitos lugares”. (ibid.)

São vários tipos de poderes, os podres regionais (Brasil, Venezuela, Chile, África do

Sul, Iran, Israel, Arábia Saudita, Austrália, Coréia do Sul, entre outros), as organizações

internacionais globais (Fundo Monetário Internacional, Organização das Nações Unidas,

Banco Mundial, etc.), as organizações internacionais regionais (Liga Árabe, União Européia,

União Africana, etc.) as organizações funcionais (Agência Internacional de Energia,

Organização Mundial de Saúde, etc.), cidades (São Paulo, Xangai, Nova York), companhias

internacionais (BBC, CNN), grupos fundamentalistas (Hamás,Talibã, Hezbollar), cartéis de

drogas, as Organizações não governamentais(Greenpeace, WWF, Médicos sem fronteiras,

entre muitos outros).

O poder dos Estados Unidos como o único no sistema internacional foi uma

realidade, mas está sendo substituído gradativamente por outros atores. Segundo Richard

N. Haass (2008, p.4) são três os motivos para esta perda de poder, o primeiro é histórico:

trata-se do desenvolvimento dos Estados, que vai culminar no melhoramento dos recursos

financeiros, humanos e tecnológicos, que por sua vez abrirá as portas para a criação de

organizações e corporações. Resultando, por fim, em um crescimento de atores no cenário

internacional, em âmbito regional e global.

O segundo motivo é a política americana, conhecida por ser agressiva. As

participações dos Estados Unidos em guerras podem estar prejudicando, e muito, a

manutenção de seu poder. O fato de estar em constante guerra, prejudica não só

financeiramente, mas também moralmente um Estado. Assim como aconteceu com a União

Soviética no final do século XX, os Estados Unidos por falta de uma boa política pode

acabar com seu poder.

Por fim, a globalização, como a terceira razão, que fez com que as informações,

pessoas, tecnologias, doenças, armas, drogas, entre outros, passassem mais rapidamente e

em maior quantidade pelas fronteiras. A globalização reafirma o sistema não-polar de duas

formas, pela troca entre fronteiras que os governos perderam o controle, por incompetência

e/ou falta de conhecimento do caso, haja visto que muitas relações são clandestinas, e pela

constante troca entre atores não governamentais reforçando seu poder.

Vale lembrar as conseqüências advindas desta nova ordem. Com a grande

quantidade de atores presentes no sistema internacional, ficará cada vez mais difícil resolver

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questões de domínio global e regional, sendo cada vez mais difícil o diálogo entre todos os

atores que reivindicam poder e influência. Tratar com alguns é mais fácil que tratar com

vários.

Outra conseqüência de uma ordem não-polar é a privatização, a autoridade, atores

reclamando uma característica que até então era apenas domínio estatal. Porém esses

atores nem sempre contribuem com a ordem do sistema internacional. Entre esses atores

podemos citar o terrorismo religioso e o crime organizado transnacional (máfia

internacional).

A autoridade política, anteriormente característica específica do Estado, está hoje se

tornando uma autoridade privada, devido ao aumento considerável de atores privados, que

conquistaram e estão conquistando certa parcela de poder no sistema internacional, não

apenas economicamente como social e politicamente. São três os grupos de atores

privados, aqueles que interessados na autoridade do mercado, maket authority, (como

empresas internacionais, redes, regimes privados), os que se preocupam pela autoridade

moral, moral authority, (organizações não governamentais, regimes transnacionais,

trasnacionalismo religioso) e aqueles que se interessam, na área de segurança, pela

autoridade privada local, private loations of authority, (sindicatos do crime organizado,

exércitos privados, agências privadas de segurança). Esses atores por terem o

consentimento e o reconhecimento social, pode-se dizer que consagram o direito de

legitimidade e responsabilidade e uma autoridade. (Hall; BIERSTEKER, 2002, p.203)

Tipos de autoridade

privada

Bases da autoridade

privada

Exemplos de

autoridade privada

Fontes de inversão potencial de autoridade

privada Autoridade comercial

- Capacidade para definir Normas reconhecidas e respeitadas pelos outros (Autoridade comercial Institucional) - Aceitação de tomadas de decisões em base mercado (Autoridade comercial normativa)

- Normas ISO - Autoridade reguladora corporativa das ONG´s - Redes de corporações transnacionais - Capacidade internacional de mobilidade

- Deslegitimação normatiza: crise global financeira – crise global do capitalismo. - Discriminação das redes Ação unilateral da autoridade publica

Autoridade moral

- Capacidade de fornecer conhecimentos especializados (autoria) - Status de atores não-estatais, não-auto

- Autoridade reguladora não- corporativa das ONG´s - Movimentos religiosos transnacionais

- Deslegitimação normatiza da ONG a capacidade de atuar - Exclusão da ONG de a autoridade pública e de mercado.

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interessados ou neutros (árbitro) - Reclama por representar socialmente ou moralmente uma transcendente posição (normativos)

- Deslegitimação normatiza dos movimentos religiosos transnacionais, em vista dos seguidores

Autoridade ilícita

- Capacidade de fornecer bens públicos prestados pela autoridade publica - controle dos meios privados de violência

- Penetrações de entidades públicas fracas por organizações criminosas transnacionais e forças armadas privadas

- Deslegitimação normatiza pela não prestação de bens públicos - Estado/instituição bem sucedido para a construção de um reforça da autoridade pública -Intervenção/policiamento bem sucedida pela autoridade transnacional pública

Fonte: Phil Williams (2002, p.218)

O terrorismo religioso não tem um estado, é um ator transnacional, sendo este um

dos maiores problemas causado por ele. Seu interresse não é estabelecer uma alternativa

ao governo, é confrontar religiosamente usando a violência a realidade política, operando

em escala transnacional. A ideologia religiosa trás justificações éticas para o uso da

violência, tendo um fundo moral nos atos cometidos. (FUERGENSMEYER, 2002, p.143)

Acreditam que a única forma de responder as injustiças é mandando uma

“mensagem”, sendo ela pela mídia ou bombardeando um espaço publico (por exemplo, um

metro). Mas os resultados não são esperados imediatamente, e sim uma mudança no

comportamento governamental, pois uma mudança real e efetiva, “não está em nossas

mãos”, mas “está na mão de Deus”. (FUERGENSMEYER, 2002, p.144) Segundo Eugenio

Diniz (2002, p.11), um ato terrorista pretende forçar o alvo a se comportar da forma

desejada por quem está utilizando o terror, rompendo um obstáculo que impede a união das

forças para mudar a situação.

“Tem como fim uma meta política; emprega como meio de ação uma forma específica do emprego da força – terror; mas emprega-a não de forma a produzir imediatamente aquela meta política, isto é, não visa a dissuadir nem a compelir, mas sim a induzir no alvo um comportamento que permita derrotá-lo.” (DINIZ, 2002, p.17)

O crime organizado, foi definido pela Interpol como sendo “qualquer grupo tenha uma

estrutura corporativa cujo principal objetivo é a obtenção de dinheiro através de atividades

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ilegais, sobrevivendo muitas vezes com medo e da corrupção.” (BRESSLER, 1993 apud

WILLIAMS, 2002, p. 164). Este se interessa pela riqueza e que não mede meios, podendo

estes ser ilícitos, para alcançar tal objetivo.

Não se trata de um novo ator, mas que se encontra atualmente em grande

quantidade e variedade. Antigamente os Estados conseguiam controlar o crime organizado,

contudo essa não é a realidade de hoje, principalmente nos Estados que estão em transição

econômica e não são completamente desenvolvidos. São característica da formação do

crime organizado um mínimo de pessoas (normalmente três), uma estrutura organizacional

e, principalmente, hierárquica, usando sempre a corrupção e a violência. Seus lucros vêm

de atividades como tráfico de drogas e amas, extorsão e infiltração em negócios lícitos.

(WILLIAMS, 2002)

O crime organizado, assim como o terrorismo religioso, desafia a soberania estatal,

principalmente no controle de quem entra e sai de seu território, e nas atividades que estão

sendo desenvolvidas dentro de sua jurisprudência.

A relação entre este ator e um Estado fraco é direta, como por exemplo, a Itália no

século XIV, a Colômbia nas décadas 80 e 90 e, a União Soviética no final do século XX.

Segundo Phil Williams (2002, p.170), esta relação sé da por conta de colapsos e

restabelecimento da estrutura estatal, grandes mudanças nos princípios no gerenciamento

financeiro, entre outros.

Os Estados são as vitimas desse fenômeno porque possuem suas fronteiras sem

proteção (ou é ineficiente), seus representantes do governo deixam em segundo plano os

interesses públicos, não há uma boa distribuição dos bens econômicos e sociais para os

cidadãos, os negócios não são regulamentas e protegidos, o sistema de justiça é ineficiente,

e as funções típicas dos Estados não são executadas eficiente e com eficazmente, deixando

sempre uma lacuna que será aproveitada pelo crime organizado. As lacunas de capacidade

e os buracos encontrados são as múltiplas oportunidades encontradas pelo crime

organizado.

O crime organizado enfrenta claramente o monopólio da violência concedido

exclusivamente ao Estado. Mesmo que alguns Estados não são capazes e/ou fortes o

suficiente para resistir ao crime organizado transnacional, devido aos diferentes grupos de

vulnerabilidade, procuram enfrentar-los tentando reduzir seu poder, quebrar a raiz de suas

atividades e destruir sua estrutura organizacional.

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Capítulo 2. A história recente

2.1 Afeganistão moderno, 35 anos de lutas

Neste ponto faz-se necessário o estudo da história do Afeganistão. Por se tratar de

um estudo de caso, o recurso da história é imprescindível, visto que o país esta em conflito

nos últimos vinte e cinco anos. Revisitarei a história do Afeganistão, acreditando ser para o

estudo mais um instrumento importante para a compreensão dos casos e

consequentemente, para melhor visualizar, além da importância em se desenhar

historicamente os dados, fatos e acontecimentos.

Por se tratar de uma vasta história será apresentado neste capítulo um recorte, que

tem seu início na década de 1970 com a invasão dos soviéticos e tendo seu fim nos últimos

ocorridos em 2008. Trata-se de um recorte pontual para a apresentação do problema.

Mapa 1 - Mapa do Afeganistão

Fonte: Revista Militar

O Afeganistão está dentro do continente asiático e possui fronteira com a China (76

km), o Irã (936 km), Paquistão(2,430 km), Tadjiquistão (1206 km), Turquemenistão (744

km),e o Uzbequistão (137 km). Ao Sul sua fronteira se mistura com a do Paquistão devido à

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presença da etnia Pasthuns, ao Norte sua fronteira é dividida com territórios da URSS.

Encontra-se dividido em 32 províncias que se subdividem em 329 distritos provinciais, sendo

a sua capital Cabul. Os mulçumanos Sunitas são a religião de maior representatividade,

sendo 80% da população, 19% são mulçumanos Xiitas, e apenas 1% de outras religiões.

Segundo dados da CIA há no país várias etnias, mas as mais representativas são: os

Pasthus com 42% da população afegã, os Hazaras sendo 9%, Tadjiques sendo 27%,

Uzebeques com 9%, Turcomenos 3%, outros que somam 4%. 1

Mapa 2 - Mapa das étnicas do Afeganistão

Fonte: http://www.bibvirt.futuro.usp.br/imagens/cliparts/mapas_do_mundo/afeganistao

Os Pashtuns são a etnia mais numerosa e que ocupam a maior territoriedade, ao sul

de Kandahar, possuem uma língua própria, havendo tantos pashtuns no lado paquistanês

1 CIA The World Factbook , acessado em 05.10.2008. https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/af.html

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da fronteira, como no Afeganistão. Os pushtuns são conhecidos por serem ferozes, bastante

tradicionais, com códigos de conduta muito rígidos, sendo um dos grupos mais radicais e

agressivos.

Os Tadjiques (predominantemente sunitas), os Uzbeques e os Turcomanos ocupam

uma ampla faixa no norte junto às fronteiras das repúblicas centro-asiáticas.

Os Hazaras (xiitas e que usam o dialeto persa) ocupam o centro do país e são eles

que causam a complexidade do quadro étnico afegão. Visto que eles são marginalizados da

política e da economia, são considerados inferiores, seja por suas características físicas, ou

pelo fato de serem uma minoria xiita, em um país majoritariamente sunita. Este grupo é

bastante conservador, embora com códigos de conduta menos rígidos que os pashtuns.

Com o governo Talibã sua população foi praticamente dizimada.

O resto da população, os grupos menores, são “populações” nômades, como os

Quirguizes, os Balouches, os Nouristanis, os Pamiris, representam menos de 4% dos

afegãos.

Os idiomas oficiais são o Persa Afegão ou o Dari falado por 50% e o Pashto

(usada por 35% da população), 11% falam idiomas turcos (Uzbeques e os Turcomanos),

sendo o resto falado por dialetos.2

A história moderna do Afeganistão começa na década de 1970 com a mudança

radical de governo. A queda da monarquia em 1973 não foi por acaso, ao contrário, foi um

golpe programado. A introdução da monarquia constitucional e as tentativas de polarizar

uma política em um país completamente dividido em razão das várias etnias e poderes

locais, fez com que a idéia de democratização do Afeganistão, feitas pelo rei Zahir, fosse um

dos principais motivos para o golpe.

A democratização foi difícil por se tratar de um país tão tradicional e religioso, sendo

assim o plano já estava fadado ao fracasso. A nova constituição previa a limitação dos

poderes reais e aumentaria a participação na vida política do povo organizado, vetando aos

membros da família real a participação na vida política e no governo, exceto ao Rei que

manteve grande parte de seu poder. Porém, mesmo ele, o idealizador, quando as leis mais

liberais passavam pelo parlamento, inexperiente e despreparado, eram vetadas. Além disso,

2 CIA The World Factbook , acessado em 05.10.2008. https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/af.html

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o rei também passava muito tempo fora do país e deixava as coisas “correrem soltas”,

sendo incapaz de fazer frente ao aumento da corrupção e à deterioração da situação

econômica. Limitava-se a mudar consecutivamente de primeiro-ministro e não conseguia

evitar o progressivo enfraquecimento do seu novo regime. (HAMMOND, 1987)

Dez anos após ter renunciado seu cargo de primeiro-ministro, o Príncipe Mohammad

Daoud Khan começou a movimentar as Forças Armadas a seu favor. Não foi difícil ter a

ajuda do exército e da força aérea, por que ele como primeiro-ministro conseguiu grandes

suprimentos de armamento moderno da URSS, e também por ter vinculo cerrado com a

grande potência, isso sensibilizou os oficiais pró-soviéticos.

Dentre os principais grupos oposicionistas, há o Hezb-e-Democratic-e-Khalq ou

Partido Democrático do Povo (PDPA), formado por diversos setores da esquerda afegã.

Este ator era divido em duas facções o Khalq (povo ou massas) de Taraki, composta por

uma maioria das etnias tadjique e hazara, voltada para a revolução operária-camponesa, e a

Parcham (bandeira) de Babrak Karmal, com predomínio pashtun e que almejava a união

popular com a participação da classe média, intelectuais e militares.

Na primeira oportunidade, em 17 de julho de 1973, uma viagem do rei á Itália, Daoud

e seus aliados tomaram a capital Cabul. Sem derramamento de sangue e em poucas horas,

o príncipe, declarou o Afeganistão como sendo uma República e tornou-se fundador,

presidente e Primeiro-Ministro da República do Afeganistão. (HAMMOND, 1987)

Como forma de recompensa Daoud nomeou diversos membros do Parcham, Partido

Democrata do Povo, pró-soviético, para cargos no governo. Vários deles foram enviados

para o interior do Estado ara reformar a administração rural, porém não demorou muito para

que Daoud começasse a reduzir o poder dos esquerdistas. Aos poucos um a um foram

sendo retirados do governo, ou eram demitidos ou eram enviados para o exterior como

diplomatas, devido a insegurança de Daoud.

Para aumentar a insatisfação dos esquerdistas, em 1977, o Presidente apresentou

uma nova constituição, ela estipulava a nomeação de um novo gabinete, e no lugar dos

esquerdistas foram nomeados amigos pessoais e parentes. Neste ano ele já tinha

eliminada a esfera de poder todos que pudessem ameaçá-lo politicamente, começando

pelos Parcham que o tinham ajudado a conquistar o poder e que foram gradativamente

afastados.

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Outro ponto que desapontou aos esquerdistas foi a sua nova política externa.

Enfraquecendo seus vínculos de dependência da U.R.S.S, seu protetor e “padrinho”, e

fortalecendo laços com outros países como o Paquistão e Irã, aliados dos E.U.A. Sua

aproximação de seu vizinho pode ser explicada por duas razões, a tentativa de redução do

conflito sobre a questão os pushtuns, etnia do sul do Afeganistão que esta presente também

no Paquistão, tanto para não perder a rota de comércio, quanto por influência dos Estados

Unidos. Por fim, sua tentativa de explorar a rivalidade entre as grandes potências, levou as

facções esquerdistas que se unem as forças contrárias a Daoud. Porém, mesmo com sua

nova política externa, a União Soviética não perdeu o posto de ser o país mais influente na

política do Afeganistão. (HAMMOND, 1987)

Em 27 de abril de 1978, no ano seguinte da união das duas facções, um novo golpe

foi realizado sob o comando do Coronel Watanjar, líder do Conselho Militar Revolucionário

da Forcas Militares Afegãs, que teve papel importante na ascensão de Daoud. O presidente

foi rendido em seu palácio residencial, sendo protegido apenas pela Guarda Republicana,

porém ele é deposto e morto e o país passa a se chamado de República Democrática do

Afeganistão, sob chefia de Mohammed Taraki, dando fim ao domínio dos Mohammadzais

(família real afegã) e deixando o Estado sobre a completa dependência da União Soviética

(ALVES, 2001, p.216)

O poder foi dividido, Mohammad Taraki, conhecido como “O Líder Amado”, sucessor

de Dauod na Presidência, passou a comandar os principais órgãos do Estado, Hafizullah

Amin, chamado de “seu aluno brilhante”, foi designado a ser o novo vice-presidente do

Conselho Revolucionário, mas depois foi enviado para ser embaixador na Checoslováquia

em virtude de lutas dentro das duas facções.

Se aproveitando das divergências entres os lideres e a fraqueza do presidente e

controlando uma importante parte dos meios repressivos do Estado, Hafizullah Amin

começou a fazer oposição ao mandato de Taraki.

“Contando com uma base de apoio extremamente reduzida e quase exclusivamente urbana, a nova liderança comunista enfrentou uma escalada de rebeliões e revoltas, e a sistemática utilização da violência, longe de resolver o problema, só aumentou o fosso entre o PDPA e a maioria da população.” (ALVES, 2001, p.217)

Em março de 1979 as revoltas chegaram ao auge. Descontentes com a reforma

educacional, inspirados pela revolução religiosa do Irã e apoiados por grande parte do

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exercito afegão, os rebeldes tomaram temporariamente Herat, esse acontecimento é

conhecido como Revolução de Saur. A resposta a esse ato foi uma atitude incapaz por parte

do governo, pois não havia força suficiente apoiando-o. Fazia tempo que Taraki e Amin

sempre solicitavam repetidamente aos líderes do Kremlin o envio de tropas do Exército

Vermelho para esmagar a rebelião.

Era-lhes negada a ajuda, pois uma interferência soviética desacreditaria os

governantes do Afeganistão perante seu povo e abriria precedente para países

anticomunistas colocarem suas forças também justificando um apoio ao país. (ALVES,

2001)

Taraki foi obrigado a agir quando a liderança soviética comunicou seu

descontentamento com o rumo radical que havia tomado a Revolução de Saur e após saber

de fontes secretas que Amin estava programando um golpe. Em 10 de outubro de 1979, o

golpe já havia sido iniciado e a luta de poder entre os líderes esquerdistas na capital, Cabul,

foi vencida por Amin. Taraki foi morto e foi garantido o poder absoluto a Amin, pois ele era o

segundo representante do poder abaixo de Taraki. Os esforços dos lideres soviéticos em

evitar uma nova confrontação no Afeganistão foram ineficientes.

Com a ascensão de Amin, perseguições no interior do Partido foram intensificadas e,

novos cargos no Estado e no Partido foram distribuídos por familiares e apoiadores

próximos do novo líder. Seu poder durou três meses e meio, que tive fim após uma

desconfiança declarada dos soviéticos e uma tentativa de alinhamento com os Estados

Unidos, pretendendo mudar radicalmente a política externa afegã.

Prevendo que os soviéticos iram matá-lo, Hafizullah Amin tentou em vão melhorar a

imagem que havia criado no começo de seu mandato. Passou a prometer liberdade

religiosa, a patrocinar e participar de eventos religiosos, restaurando mesquitas, usando

como início de seu discurso referência a Alá. Todavia não foi suficiente para convencer o

povo que era um bom muçulmano e um representante de Alá, nem tirar da cabeça dos

afegãos que apenas se tratava de mais um marxista. (ALVES, 2001)

Outra tentativa foi a de prometer a liberdade dos presos, que o governo passaria a

não tolerar ações impiedosas e impopulares, sendo recebido pelos afegãos como uma idéia

irrisória visto que quem era torturado e preso era por capricho do presidente. A mudança

tão radical foi praticamente um atestado de incompetência. (HAMMOND, 1987, p.93)

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Vendo os movimentos de Amin, o Exército Vermelho começou a fazer planos para

uma intervenção militar, o que já havia sido cogitado com a rebelião em Herat, na qual os

rebeldes invadiram a cidade. No dia 1º de setembro foi elaborado um memorando pela KGB,

atribuindo a responsabilidade ao Primeiro-Ministro Afegão pelo descontrole dos

acontecimentos no país. Mesmo que a grande maioria dos comandantes militares achasse

que não era uma boa idéia a ocupação soviética no Afeganistão, justificada pela tradicional

resistência afegã, pelo desastroso exemplo que os Estados Unidos deram na ocupação o

Vietnã e também pelo grande esforço que seria movimentar suas forças que estavam na

Europa e na fronteira da China, o governo soviético ateve-se à idéia de que a perda do

controle no Afeganistão seria uma catástrofe, porque o país assegurava-lhes uma zona de

influência, que maximizava seu poder e segurança na região. (ALVES, 2001, p.219)

As atitudes de Hafizullah causaram grandes preocupações, e em resposta Moscou

enviou tropas, em 27 de dezembro de 1979, para ajudar a retirar Amin do poder e ele é

executado. Todo o poder passa para Babrak Karmal, iniciando a era Parcham com a

presença dos militares soviéticos, que permaneceriam por dez anos e que desempenharia

um importante papel na desintegração da própria URSS.

Karmal assumiu a posição de Secretário-Geral do Partido Democrático do Povo,

presidente do conselho Revolucionário, Primeiro-Ministro e Comandante-Chefe. Seu novo

programa de governo pretendia corrigir e evitar os erros cometidos por Taraki e Amin. Sua

campanha tinha como slogan: ”Para frente em busca da paz, liberdade independência

nacional, democracia, progresso e justiça social “(HAMMOND, 1987, p.154), e que era

composto por seis pontos:

“1....libertar todos os prisioneiros políticos que sobreviveram ao machado de Carrasco Hafizullah Amin e abolir a execução... 2. Abolir todas as regulamentações antidemocráticas e anti-humanas e proibir todas as prisões, encarceramentos, perseguições arbitrárias, buscas em domicílios e interrogatórios. 3. Respeitar os sagrados princípios do Islã, liberdade de consciência e de crença e de prática religiosa, proteger a unidade da família, observar o principio de propriedade legal, jurídica, justa e privada. 4. Reviver a segurança e a imunidade individual e coletiva, a tranqüilidade revolucionária, a paz e a ordem no país. 5. Assegurar condições saudáveis propiciadoras das liberdades democráticas, tais como a liberdade de constituir partidos progressistas e patrióticos e organizações de massa ou sociais, liberdade de imprensa, de demonstração,... inviolabilidade de correspondência e comunicações, viagem e inviolabilidade de domicilio. 6. Dedicar grande atenção e ajudar as gerações mais jovens, os secundaristas, os universitários e a intelectualidade.” (idem, p. 155)

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Mesmo com um novo programa de governo, totalmente diferente de seu antecessor,

Karmal não conseguiu apoio popular. Sua imagem estava completamente quebrada perante

aos afegãos. Para o povo ele não passava de um brinquedo, um fantoche na mão dos

soviéticos, que tinha sido colocado e não conquistado seu lugar. Diziam que ele havia se

vendido aos inimigos (neste caso os soviéticos). Era conhecido com ateu e comunista,

levando-o a ser visto como um infiel por quase noventa por cento da população. Por fim,

vivia com soviéticos em sua volta, como por exemplo, seu motorista, médico, conselheiros

entre outros, deixando mais claro que ele estava sendo manipulado pela URSS.

Com tal cenário de tantos descontentamentos com o novo Primeiro-Ministro, uma

guerra civil não era imprevista. A situação econômica no início dos anos 80 foi um dos

principais motivos para o desgosto do povo afegão e para terem início a novas revoltas.

Estava claro dentro do governo que as duas facções não demorariam muito a se matar,

obrigando ao Kremlin a deixar de lado a idéia de criar uma frente unificada contra a

oposição islâmica radical que estava crescendo consideravelmente, tendo que conter-los

com ações militares. (HAMMOND, 1987)

A capacidade do governo de Karmal de controlar o seu território e de conter os

rebeldes era mínima, então todo o esforço de impedir mais uma guerra passou a ser

responsabilidade soviética. Nem mesmo a considerável presença do Exército Vermelho

conseguiu evitar a atuação dos grupos guerrilheiros.3

A presença soviética no país, em vez de contribuir para estabilizar a situação, serviu

principalmente para instigar a resistência afegã à ocupação estrangeira e o que era uma

guerra entre facções e grupos, passou a ser uma guerra de libertação nacional comandada

por guerrilheiros afegãos de todas as classes e etnias. Tais guerrilheiros são chamados de

Mujahedin, o plural de Majahed, que em árabe significa um muçulmano envolvido em uma

jihad, guerra santa.

O jihad, para os mulçumanos é muito importante e tem um imenso significado

religioso. Para eles trata-se de uma luta mulçumana seguindo o caminho de Deus, de si

mesmo e uma melhoria da sua sociedade. Jihad tornou-se uma discrição comum entre os

extremistas que lutam contra os infiéis, como por exemplo, os palestinos contra os israelitas,

3 Segundo Taber (1965) guerrilha “é uma guerra revolucionária, engajando população civil, ou uma significante parte dessa população, contra as forcas militares de uma autoridade governamental estabelecida ou usurpadora”

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num confronto que já dura muito tempo. Passou a ser comum entre os fundamentalistas e

extremistas que defendem o uso da força contra os não-islâmicos e suas sociedades.

Os grupos rebeldes são divididos de mediante suas culturas, lingüística, tribo,

ideologias e etnia. Dificultando a organização entre os diversos grupos, uma vez que eles

são extremamente diferentes, entretanto há a cooperação entre si para eliminar o inimigo

em comum, mesmo entre tribos rivais há séculos. (HAMMOND, 1987)

No começo da ocupação, a desunião entre os movimentos de resistência dificultou

ações em grande escala, seus movimentos eram limitados a conquistar um ou outro vilarejo

que o exército havia devastado e que tinha ido embora. Nesse tempo os soviéticos

circulavam livremente por oitenta por cento do território. Mesmo sem muita eficácia, a

princípio, os grupos da resistência eram uma expressão de força, se os soviéticos

derrotassem alguns grupos, muitos deles ainda restariam, como disse Hammond (1987,

p.163): “Como o urso é atacado por uma nuvem de abelhas, o exército soviético está

molestado por ações oriundas de todas as direções.”

Não preparados para lutar contra uma guerrilha e sem conhecer bem o território, os

militares eram constantemente surpreendidos por emboscadas, tendo baixas em seu

exército, ao contrário da resistência que estava sempre recebendo mais voluntários do

mundo islâmico para combater no jihad contra os invasores infiéis.

Os rebeldes após algum tempo passaram a receber ajuda externa, visto que suas

armas eram ultrapassadas e ineficazes na luta contra o Exército Vermelho. Suas armas

eram velhos fuzis chamados de Enfield Inglês, usados na 1ª Guerra Mundial. As fronteiras

com o Paquistão e Irã foram grandes aliadas, visto que elas se misturavam com a do

Afeganistão e também porque era por elas que chegavam os carregamentos de armas e os

treinamentos. Era pelas as fronteiras que os Mujahedin iam descansar, obter mais armas,

construir um novo lar com suas famílias e planejar novos ataques. O Paquistão é um

grande ator nessa situação, pois é na fronteira entre os dois países que residem a maior

quantidade de afegãos. Os pushtuns, um grupo de uma etnia conhecida por serem ferozes.

A mudança dos guerrilheiros de grupos mal organizados e mal armados para

temíveis combatentes foi graças a um plano de apoio norte-americano, não oficialmente

declarado, que previa dar aos afegãos armamentos soviéticos para não levantar suspeita de

uma ajuda externa, uma vez que a URSS vendeu por muito tempo seus armamentos para

outros países, além da possibilidade de furto aos exércitos. Outro fato que ajudou ao plano

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norte-americano foi a enorme deserção do exercito afegão, sendo individualmente ou em

grupo, mas sempre levando as armas com eles. (ALVES, 2001)

A partir da segunda metade dos anos oitenta, com a ajuda de outros países, além

dos supracitados como a Arábia Saudita que enviava dinheiro para obtenção de

armamentos, o Egito que repassou a maioria das armas entre os quais estavam os fuzis de

assalto Kalashnikov, os chineses colaboraram com a maioria dos mísseis SAM, de

acionamento manual, e armas anticarro. Os fornecimentos de armamento aumentaram não

só em quantidade como em qualidade. Em 1986, um poderoso “lobby”, do Congresso

Americano, estimulava aos aliados a aumentar o apoio financeiro aos guerrilheiros afegãos

e defendia o fornecimento de armamento cada vez mais sofisticado. Armas de fabricação

norte-americana passaram a se entregues aos Mujahedin, como por exemplo, os poderosos

e manobráveis mísseis terra-ar Stinger, que num conseqüentemente se transformaram no

terror da aviação soviética. (ALVES, 2001, p.225)

Os soviéticos responderam à mudança com o aumento de efetivos militares, e

tentaram adequar seus meios e táticas de combate às condições específicas da guerra no

Afeganistão. Passaram a usar o suborno nos chefes das tribos e de alguns grupos de

bandidos armados, aproveitando de uma fraqueza da resistência que eram as questões

política, étnicas ou religiosas, promovendo desconfiança e antipatia entre os grupos. Era

comum que as forças soviéticas usassem comumente a política de “terra queimada”

eliminando as bases de apoio e sobrevivência dos rebeldes e do povo.

Também era comum a utilização de ataques contra povoações suspeitas de

apoiarem a oposição, eram usadas as minas terrestres deixar alejados aos adultos, e minas

em formas de brinquedos para matar as crianças (mas o que acontecia normalmente era

deixá-las sem os braços ou as pernas), atentados com bombas e outras ações violentas

causavam indiscriminadamente vítimas nas áreas urbanas e rurais. A política soviética

parecia não ser apenas uma questão de controlar o Afeganistão e sim substituir ou enxotá-

los para fora do país, sendo considerado por Hammond (1987, p 168) um “genocídio

migratório”. Em conseqüência, o número de refugiados em 1983 era aproximadamente 3

milhões de afegãos que haviam abandonado seu país, para o Paquistão, Irã, Europa e

Estados Unidos.

A situação da URSS chegou a um ponto em que não seria possível resolver a

questão por meios militares, muito menos por meios políticos, visto que sua imagem perante

o sistema internacional estava manchada, tanto que em 1980 os jogos olímpicos de Moscou

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foram boicotados, e logo no início da década começaram as sanções econômicas e as

pressões internacionais. Além de demonstrar que a única saída ao regime comunista seria

um governo islâmico profundamente anti-soviético, expondo seus homens e suas repúblicas

ao fundamentalismo radical. (HAMMOND, 1987)

Outra razão que ajudou na retirada dos soviéticos foi o enfraquecimento moral de

seu exército, que praticava constantemente o contrabando, furtos, estupros, consumo

excessivo de álcool, drogas e a desilusão de quem voltava que não era tratado como herói e

ainda sofria os problemas sociais e econômicos que havia na URSS.

A ascensão do novo Primeiro-Ministro Mikhail Gorbachev em 1985, na URSS,

marcou o início de uma série de reformas no corpo socialista. Interessado em promover a

democratização de seu país e reestruturar a economia que estava arrasada, ele reduziu

sensivelmente os gastos com o aparelho militar. E como os gastos com a ocupação não

passaram de desperdícios econômicos e físicos. Levando aos dirigentes soviéticos a

planejarem uma retirada do Afeganistão, evitando mais desgastes em uma guerra

indeterminável, pois os rebeldes estavam resistindo bravamente. (HAMMOND, 1987)

Sendo o saldo da invasão soviética o total de:

“- 115 mil soldados soviéticos enviados, - 15 mil soviéticos mortos durante os dez anos de ocupação, - 35 mil feridos, - 311 desaparecidos, - 1,3 milhões de afegãos mortos em combate desde 1979, - 3,5 milhões de exilados no Paquistão, - 2 milhões de refugiados no Irã, - 2,5 milhões refugiados em território afegão” (OLIC, 1996, p.28)

Começaram mexendo na cúpula do governo afegão, em 1986 Karmal, quem

Primeiro-Ministro desde invasão soviética, renunciou a Presidência, sendo ela passada para

um islâmico liberal, Hadj Muhammad Chamkani. Seu mandato durou apenas um ano, e ele

foi substituído por Mohammad Najibullah, que ocupava a liderança do PDPA desde 1986,

porém ele não permaneceu por muito tempo no poder (1987-1992).

Com um novo governo em Cabul, uma reconciliação nacional começou a ser

desenhada, e para que tivesse apoio popular, foi decretado um cessar-fogo e uma anistia.

Em fevereiro de 1988 foi anunciado pelo presidente soviético, Gorbachev, a retirada das

tropas soviéticas, e sem glorias. Deixaram mais fácil as negociações entre as partes, sendo

elas realizadas em dois meses. O insucesso nas tentativas de reconciliação nacional de

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Najibullah tornou evidente que o conflito no país ainda estava longe de ter uma resolução

definitiva.

Mesmo completamente diferentes e muitas vezes inimigos quando se tratava de uma

causa maior, as facções de resistência trabalhavam juntas, uma vez que o inimigo havia

sido derrotado, voltaram aos choques entre eles. Com a grande fragmentação étnica e a

relevante interferência externa, juntamente com o tradicional espírito guerreiro afegão mais

a abundância de armamento, resultaram na continuação dos combates, que se tornaria uma

guerra civil. A situação foi piorando cada vez mais, uma vez que os grupos se digladiavam

entre si, buscando o poder, fazendo e desfazendo acordos e alianças de acordo com

caprichos de lideres. A presença dos Mujahedin acabou por ser igual ou pior que a dos

soviéticos, os direitos humanos foram consideravelmente desrespeitados, houve o

desenvolvimento das mais diversas atividades ilícitas. As condições de vida eram sub-

humanas, então o fluxo de refugiados para os países vizinhos aumentou substancialmente.

(HAMMOND, 1987)

O Afeganistão tornou um palco de guerra internas, local de treinamento de grupos

terroristas, e mercado de interesses países, como por exemplo, o Paquistão, a Arábia

Saudita e o Irã, entre outros que procuraram apoiar os grupos ou facções que melhor

defendessem os seus respectivos interesses ou impedissem os objetivos de seus rivais,

criando uma complicado rede de influência com os diversos grupos locais.

O Regime de Najibullah foi derrubado quando a ajuda financeira que vinha da

Moscou foi cortada, e o governo passou a não honrar com os pagamentos aos chefes

locais. Foi em 1992 com a junção de alguns grupos que a Aliança do Norte4 dominou Cabul.

Eram eles os Jumbesh-e-Milli-Islami (Movimento Nacional Islâmico) que eram forças

Usbeques, os Hazaras do Hezb-e-Wahdat (Partido de Unidade Islâmica), e os Tajiques do

Jamiat-e-islamic. Foi proclamado o Estado Islâmico do Afeganistão sob a Presidência de

Rabbani (1992-1996). (ALVES, 2001)

O afastamento do grupo Hezb-e-Islami, liderado por Gulbuddin Hekmatyar,

representantes dos setores islâmicos mais radicais, impedia qualquer tentativa de unificação

nacional. Até 1995 Hekmatyar liderou bombardeios na capital, que causaram uma grande

destruição, durante todo o período que não participaram do governo. Para tentar impedir

que os Hezb-e-Islami, continuassem a bombardear Cabul, em 1993 foi assinado um acordo,

4 Jabha-yi Muttahid-i Islami-yi Milli bara-yi Nijat-i Afghanistan ou Frente Nacional Islâmica Unida para a Salvação do Afeganistão, muitas vezes referida pelas iniciais inglesas (UNIFSA) ou por Aliança do Norte

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Acordo de Islamabad, sobre a mediação do Paquistão e o Irã, possibilitou a participação do

grupo no governo.

Em 1994 Hekmatyar aliou-se a Dostum líder do Movimento Nacional Islâmico para

darem um golpe de Estado. A guerra civil “produziu”, com os seus combates que atingiram

novamente o centro de Cabul, milhares de mortos e refugiados. O país não passava de um

palco de brigas entres grupos, onde a população ultrapassava o nível do sofrimento

humano, dependendo cada vez mais de ajuda internacional para sobreviver. (ALVES, 2001)

No ano de 1996, Hekmatyar com um grupo antigo composto por Mujahedin em sua

maioria da etnia Pustuns, na tentativa de lutar contra a anarquia em que se encontrava o

Afeganistão liderou campanhas militares na região de Kandahar o que lhes garantiu o

comando em quase todo o território afegão. Em uma campanha conquistou Cabul,

colocando no poder Hekmatyar. Entretanto a conquista de Cabul, que deu fim no domínio

dos Tadjiques, não tirou o reconhecimento internacional de Rabbani como o representante

do Afeganistão.

O grupo que ajudou a ascensão de Hekmatyar era um grupo fundamentalista radical,

o Talibã (que vem da palavra talib) teve sua origem na cidade de Kandahar, onde os

Pashtun era maioria. Ao tomar a cidade uma relativa paz e segurança começaram a ser

notados no local, porém esse período não durou muito, pois o Talibã passou a instalar suas

idéias em todo o território. (BAPTISTA, 2006)

O Talibã avançou para o Norte, e para tentar impedir o seu avanço foi convocada a

Aliança do Norte. Mesmo com a Aliança composta de lideres com grandes diferenças e

rivais, conseguiram a, princípio, impedir que os Talibãs avançassem, mas sem uma

estratégia unificada e incapazes de lidar uns com os outros, foi quase impossível a

concretizar de uma contra-ofensiva consistente.

O Talibã, “estudantes do Islã”, é um grupo comandado por antigos Mujahedin, de

maioria étnica Pushtuns e que pertenciam aos grupos mais radicais do jihad, chamou muita

atenção e rapidamente começou a ter adeptos dos afegãos mais radicais. Mas os principais

eram os refugiados que moravam no Paquistão que freqüentavam as “escolas corânicas”,

que eram sustentadas principalmente pela ajuda Saudita e que muitas vezes eram a única

possibilidade para se obter alimentação, alojamento e treinamento militar. Eram refugiados

dos meios rurais e analfabetos, sendo as escolas uma boa saída para sobrevivência.

(ALVES, p. 31)

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Como líder foi nomeado Muhammad Omar Mujahid, líder religioso de sua região e de

origens modestas. O Talibã ligeiramente começou a mostrar que regime iria impor para por

ordem no país, através da Xaria5. Rapidamente começaram desarmando a população, e

controlando os senhores de guerra, substituindo o terror da desordem por uma ordem

aterrorizadora. Como forma de legalizar as atrocidades os Talibãs usavam o Ministério para

a Promoção da Virtude e Prevenção do Vício, o al-Amr bi al-Ma’ruf wa al-Nahi‘an al-Munkir,

que era responsavel pela manutenção da moral e dos costumes.

O regime era estrito em relação às regras e normas de conduta. O tratamento dado

às mulheres é mais um capítulo na história afegã. Durante muito tempo não se teve notícia

das atrocidades cometidas contra elas. Quando tomaram o poder o Talibã fechou todas as

escolas femininas e todas as universidades, elas eram foram proibidas de trabalhar fora de

casa, só podiam andar pelas ruas usando a burca, ou burqa, um véu que as cobre da

cabeça aos pés e somente acompanhada de um homem da família, diferente disso elas

seriam apedrejadas, espancadas, presas, ou ate mortas na rua. Para os homens era

obrigatório o uso das roupas típicas, repudiando qualquer vestimenta ocidental, tinham que

usar a barba grande, os cabelos deveriam ser curtos. As pessoas eram proibidas de escutar

musica e ver televisão, de soltar pipa, tirar fotos ou ter porta-retratos. (BAPTISTA, 2006)

A Xaria era a maior lei de ordem, e a sua imposição com uma visão extremamente

limitada do Islã tornou-se cada vez mais radical e problemática. A ordem era garantida

através do terror, e a única forma de diversão autorizada eram os castigos corporais e as

execuções sumárias, de mulheres e infiéis. A situação ficou pior quando o Talibã foi

conquistando regiões ocupadas por outras etnias, uma vez que era declarada a

intransigência religiosa e étnica.

Eles eram declaradamente anti-xiitas, como os Hazaras, e contra outras etnias e

grupos que não Pusthuns. A intolerância chegou a um ponto tão “irreal” que no ano de 1998

perto da cidade de região Mazar-e-Sharif, quarto mil pessoas foram mortas pelo regime,

uma resposta à resistência Haraza. (MARTINS et al., 2008, p. 44)

Outra característica do governo de mulá Omar era o incentivo ao terrorismo. Desde

que lhes era garantido o lucro, a presença das organizações terroristas em seu território era

permitida. A mais famosa dentro delas é a Al-Qaeda, comandada por Osama Bin Laden.

5 A Charia, Chariá, Xaria ou Xariá, também grafada como Sharia, Shariah, Shari'a ou Syariah, é o nome que se dá ao código de leis do islamismo. (ALVES, 2001)

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Como era um ex-Mujahedin, sua influência no Talibã era grande, pois tinha lutado junto com

os lideres desde a luta pela expulsão dos soviéticos. O papel da Al-Qaeda e de Bin Laden

dentro do Afeganistão foi aumentando consideravelmente, influenciando numa política cada

vez mais anti-ocidental. (ALVES, 2001)

O poder não tinha uma estrutura definida, todo o processo decisório era coordenado

pelo mulá Omar e seu grupo restrito, acabando com a autonomia dos clãs e das etnias.

Eram intolerantes aos demais, pois acreditavam que eles eram enviados para uma divina

missão. Suas ações causavam verdadeiros massacres, dissolução de tribos, mais

emigrantes, e conseqüentemente atrapalhando a estabilização na relação entre o

Afeganistão e seus vizinhos.

Como a liderança de Omar o país mudou novamente de nome passando a ser o

Emirado Islâmico do Afeganistão. O novo líder não era apenas visto como aquele que

unificou o país, e sim como uma figura mítica, com a legitimidade religiosa, tendo como

domínio então todas as decisões e administração do governo e das leis, interpretadas do

Xaria. (BAPTISTA, 2006)

O sustento do governo vinha dos impostos arrecadados dos produtores de ópio e de

cobranças feitas às caravanas de caminhões que atravessam o país, mas esse dinheiro não

era usado para reestruturar o país devastado pelos anos de guerra ou melhorar as

condições de vida da população que restava.

A ascensão do Talibã contribuiu para uma instabilidade na região. Principalmente na

questão dos refugiados, que não retornaram as suas casas. Outro problema era a

permeabilidade das suas fronteiras que permitiam a entrada grupos islâmicos radicais e o

crescimento das máfias de tráfico de armas e de drogas que operavam com a conivência

dos Talibãs.

A relação com o ocidente piorou em 1998, após informações de que a Al-Qaeda era

a responsável pelos bombardeiros, nas embaixadas da Tanzânia e do Kenia, que Bin Laden

estava escondido no Afeganistão sob a proteção do Talibã. O Conselho de Segurança da

ONU impôs sanções ao regime, todavia não tiveram efeito porque tanto o Talibã quanto os

grupos terroristas ignoraram a decisão da ONU e continuaram a agir livremente. (ALVES,

2001)

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Com as suas repreensões e opressão contra a população, e o estágio que tomou a

questão da fome, em 2001, o Afeganistão foi considerado o país com a pior condição

humanitária. Para ilustrar a opressão aos diferentes, em março, o grupo destruiu obras do

budismo pré-islâmico, os Budas Gigantes de Bamiyán, que mediam 55 metros e 38 metros.

Após o atentado de 11 de Setembro a luta contra o Talibã se intensificou. No dia 7 de

Outubro, alegando que o grupo estava protegendo Osama e seus aliados da Al-Qaeda, os

EUA com a ajuda da Aliança do Norte, começaram uma campanha contra eles. A Operation

Enduring Freedom, nome dado para a tentativa de derrubada do Talibã, começou com

bombardeios aéreos e ataques com mísseis americanos. (ALVES, 2001)

Foi em 9 de Novembro que a Aliança do Norte conquistou a última cidade ao Norte,

Mazar-e Shari. Dias depois, após tal derrota o Talibã, acuado, deixou Cabul sem uma luta,

deixando o povo a mercê da sorte. No início de Dezembro mula Omar, declarou a rendição

de Kandahar, uma das primeiras cidades conquistadas pelo Talibã em 1995, e último reduto

de seu regime. Tal decisão foi tomada para impedir que a cidade também fosse

devastada.No dia 6 de Dezembro, após esse ato mulá Omar abdicou de seu poder político

no Afeganistão, tal ato fez com que muitos lideres Talibãs, fossem para o Paquistão ou se

refugiaram nas montanhas afegãs.

Em Junho de 2002 foi eleito o líder interino do Afeganistão, um líder do Conselho

Tribal, o Hamid Karzai, numa Loya Jirga, grande conselho, uma assembléia que reúne

representantes tribais de todo o país. Karzai ganhou renome durante os seis meses que

liderar o governo interino afegão. (BAPTISTA, 2006)

No início de 2002, tropas estrangeiras de peacekeeping chegaram para auxiliar a

Operation Enduring Freedom, como parte da Força de Assistência e Segurança

Internacional (ISAF), que está sob os auspícios da OTAN. Tal programa trata-se de uma

missão militar estabelecida pela ONU em Dezembro de 2001, com o objetivo de garantir a

segurança na capital afegã e estabelecer a Administração Transitória Afegã. No final do ano

começaram uma cadeia de incidentes violentos na fronteira do leste nas áreas montanhosas

perto da cidade de Herat. Os ataques foram atribuídos aos membros do Talibã e da Al-

Qaeda. (ALVES, 2001)

Os ataques do grupo continuam até os dias de hoje, mesmo após tanto tempo.

Fortalezas foram construídas em províncias do sul, impedindo que o governo e sua

influência cheguem nessa região. A força do Talibã e a incapacidade do governo de

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controlá-lo podem ser explicadas pelo fato da complicada e complexa tentativa de

conciliação política. Para não causar insatisfação o governo incluiu, na esfera política, todos

os grupos étnicos. Dada a situação os não-Pusthuns o acusam de ser brando com o Talibã,

que assim como o Presidente, são Pusthuns, enquanto os Pusthuns o acusam de favorecer

os Tadjiques. Mesmo depois de eleito democraticamente em 2004 com 55% dos votos, o

Presidente continuou sendo criticado ferozmente pelo povo. (MARTINS et al., 2008, p. 47)

Os constantes esforços da ISAF e de forças militares afegãs, não foram suficientes

para reprimir e conter as ações do Talibã nas montanhas e na região ao redor de Cabul. No

final de 2006, a OTAN estimou que as áreas afetadas pelos ataques quadruplicaram

naquele ano, uma vez que a quantidade de ataques suicídas aumentou consideravelmente.

Atualmente a situação do Afeganistão continua instável, por conta do Talibã, que

constantemente ataca as cidades e por causa das drogas e suas organizações. Eles

ameaçam as instituições políticas. E econômicas e sociais ainda inexperientes e frágeis. É

fato que a uma vitória sobre estes anti-governo está longe de ser alcançado. E de acordo

com a Resolução do Conselho de Segurança da ONU “S/RES/1817 (2008)” aprovado em 11

junho 2008, a maioria dos distritos do Leste, Sudeste e Sul permanecem inacessíveis a

grande parte de funcionários do governo afegão funcionários e aid-workers, tornando-se

praticamente impossível a unidade nacional.

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Capítulo 3. Articulações finais

3.1 Um diálogo entre a teoria e a história Após a compreensão das questões teóricas e conceituais, e de uma ilustração

histórica, faz-se necessária uma interpretação mais aprofundada da realidade afegã. A

análise se dará à luz da teoria de Weber (1999), usando também os elementos constitutivos

do Estado, quais sejam povo, território, poder constitutivo e soberania, explanados no

primeiro capítulo.

No que se relaciona com o elemento do povo, há o problema das etnias. O

Afeganistão é construído por várias etnias, diferentes entre si e muitas vezes rivais. Por ser

um Estado com tamanhas diferenças internas torna-se muito difícil a concretização de uma

característica do povo, a unidade. Não passam de diversas unidades sob um mesmo

Estado. A consciência de que as outras etnias são inferiores à sua, faz com que a

convivência seja uma conjuntura de caos, os pusthuns e os hazaras, por exemplo: para os

primeiros os hazaras, não passam de seres inferiores, imundos e infiéis, sendo então

tratados como tal.

As etnias são divididas em muitas peculiaridades, entre elas: a religião, a cultura, os

traços faciais, a região de origem da etnia. Algumas são inimigas há milhares de anos, mas

outras adotaram padrões para marginalizem outros grupos.

A rivalidade entre os grupos causa outro problema para o Estado Afegão, as

migrações. Durante os últimos trinta e cinco anos o Afeganistão passou por diversas

guerras, o que provocou milhares de refugiados e conseqüentemente problemas de âmbito

internacional. O Paquistão desde a invasão soviética, em 1979, é o país que mais possui

emigrantes do Afeganistão. A presença de afegãos ficou hostil na fronteira entre o

Afeganistão e o Paquistão, pois, após anos de ocupação eles não demonstravam intenção

de saírem de lá. Entre vários motivos, o principal era que o seu país de origem esteve em

conflito até 1996 com a tomada de poder Talibã, e até 2001 com a queda do mesmo. O fim

do conflito durante o Período Talibã não acabou com o fluxo de refugiados, pois foi nessa

época que aldeias e etnias foram dizimadas, as perseguições aumentaram, mulheres eram

assassinadas em público, o terror tomou conta do país. O problema estava relacionado

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também pela construção de uma cidade de afegãos, no Paquistão, sem respeitar as leis e a

ordem do país.

É clara a incapacidade do novo governo afegão para lidar com a questão dos

refugiados. Segundo a ACNUR, Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados,

os afegãos ainda são a maior população de refugiados do mundo. Em 2006, o Afeganistão

estava no topo da lista, com cerca de 3 milhões de refugiados, a maior parte deles no

Paquistão e no Irã. Calcula-se que até 2008 cerca de 5 milhões de afegãos voltaram para

casa. Ao voltarem, os afegãos encontram grandes problemas como a falta de terra e a

pobreza, muitos moram em cabanas montadas precariamente dentro das ruínas na capital.

As famílias que vivem nas ruas, não podem retornar as vilas e províncias de origem, pois a

maioria foi destruída. Cabul teve sua população triplicada desde 2001, sendo 30%

refugiados retornando, considerando que ainda há 3 milhões de afegãos no Paquistão e no

Irã. O governo terá dificuldades em lidar com tanta gente chegando a um país destruído.

Mesmo com a economia sendo movimentada pelos que voltaram, o retorno massivo está

pressionando as capacidades das cidades que restaram, vale lembrar que trata-se de um

dos maiores movimentos populacionais da história recente.6

Há outro elemento que impede que o povo do Afeganistão seja unificado, os

rebeldes. Os grupos rebeldes são constituídos por grupos étnicos e/ou religiosos. Toda a

história do Afeganistão é desenhada por invasões e guerras, mas sempre houve a

resistência afegã. Foi essa resistência, com ajuda do EUA e outros Estados, que derrotou os

soviéticos, que fez frente (mesmo que fraca) ao Talibã em 1996, que compõe a Aliança do

Norte que tirou do poder o Talibã em 2001. Com grupos rebeldes atuando contra o governo,

a desunião é mais prevista que a união entre o povo.

Após a sua queda o Talibã passou a ser o grupo rebelde mais atuante contra o

governo afegão. Os ataques assinados pelo grupo são constantes, os alvos são prédios do

governo, turistas, Hazaras e Tadjiques (etnia mais perseguida pelo Talibã por serem

consideradas uma etnia mais baixa, etnia do presidente e da maioria do que possuem

cargos no governo, respectivamente), grupos de refugiados em retorno.

Os efeitos dos ataques do grupo guerrilheiro Talibã são mais morais do que físicos.

Quando subiu ao poder Hamid Karzai prometeu capturar Omar e seus seguidores, mas essa

tarefa se mostra quase impossível. Já fazem anos que o Talibã está escondido no

6 Ver em http://www.acnur.org/t3/portugues/noticias/

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Afeganistão e no Paquistão, fazendo constantes ataques contra a população afegã e o

governo. Por isso seus ataques são de efeito moral, estão provando que o Presidente eleito

não da conta de manter a ordem (que segundo Omar eles mantinham), combater o inimigo,

as invasões, o tráfico de drogas, o ópio principalmente, que sustenta o Talibã desde sua

época no poder.

O Talibã se encontra hoje como um poder paralelo que faz frente ao governo afegão.

Segundo Bruce Hall e Thomas Biersteker (2002), é possível dizer o grupo é uma autoridade

moral, pois está mais preocupado em provar que o governo afegão é fraco, do que voltar ao

poder. Seu interesse é apenas fazer frente ao governo, visto que em 2002, foi o próprio líder

Talibã que saiu do poder abandonando seu cargo quando a Aliança do Norte alcançou

Cabul. Esse tipo de poder paralelo está diretamente ligado a questão religiosa, assim como

o Talibã, um grupo totalmente fundamentalista. Sua atuação é transacional e para eles tais

ações (sempre violentas) estão justificadas, pois a religião os protege. (FUERGENSMEYER,

2002)

Outro elemento essencial para o Estado é o seu território, que está diretamente

ligado à soberania do mesmo, uma vez que é o primeiro que limita a área de autuação da

soberania. Entende-se por soberania segundo Dallari, (2005) em plano interno como o

“poder jurídico mais alto”, onde os limites são dados pelas fronteiras.

As fronteiras do Afeganistão são divididas ao sul com o Irã e com o Paquistão, e ao

norte com antigos territórios do URSS. Porém há muito tempo há um problema de fronteiras

entres estes países. Assim como no Afeganistão, o Paquistão também tem a etnia

Pusthuns, que originalmente é da região em que está demarcada essa fronteira. Como não

um Marc físico (por exemplo, guaritas, ponte, murro, rio), e com uma legislação que controla

a entrada e atravessam pelas montanhas. Tal fluxo tem causado muito atrito entres os

países vizinhos. Não são somente os imigrantes que desencadeiam todos os problemas, o

fluxo de drogas, de armamentos, e também de ideais fundamentalistas. Lembrando que o

Talibã fica recrutando membros dos vizinhos, ficam passando para fora do Afeganistão, para

se proteger e esconder.

O exército afegão nos últimos 25 anos, não teve muita atuação. Houve o apoio ao

golpe de 1973, estavam presentes ajudando os soviéticos a manter a ordem nos anos de

ocupação, protegiam os presidentes, porém o nível de deserção era alta, muitos passaram

para o lados dos rebeldes, os mujahedin e os Talibãs, muitos foram mortos nos golpes. Em

2006, segundo o relatório do Secretário-Geral da ONU sobre a situação no país, publicado

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em 11 de setembro de 2006, a eficiência do exército havia melhorado consideravelmente,

entretanto ainda sofria de grandes carências. O problema estava no recrutamento e na

retenção das tropas, que tinham seus salários pagos com atrasos, o abastecimento de

comida, armas, equipamento e eram precários.

Desde que o governo Talibã foi derrubado, forças estrangeiras se encontram no

Afeganistão para ajudar a manter a ordem. Em 2003 o comando da ISAF foi entregue à

OTAN. A ISAF está no Afeganistão há 7 anos, dividida entre uma força que atua

independentemente e outra sob controle exclusivo dos Estados Unidos. E a Operation

Enduring Freedom (OEF), está no país para agir nas, concentra-se em operações contra-

terroristas.

A ISAF passa por dificuldades em conter os grupos terroristas que estão

constantemente atacando o país. Uma delas são as restrições nacionais, que proíbem as

forças de atacarem primeiro, somente quando forem atacadas, a falta equipamentos de

visão noturna impede que atuem ao sul onde estão as províncias mais perigosas. Impedindo

que missões sejam projetadas, e sim missões que se encaixem nas restrições nacionais.

A presença de forças externas deslegitima a nacional, e conseqüentemente o

governo. Mostra que o presidente afegão, Karzai, não consegue alcançar um pré-requisito

para ser um Estado, o monopólio legitimo da força física.

Entre tantos problemas que o Afeganistão está passando vale ressaltar também a

papoula, matéria prima do ópio e da heroína, que também dificulta muito o desempenho da

ISAF. É no Afeganistão que são produzidos 87% do ópio no mundo e 60% do PIB afegão.

Cerca de 10% das famílias afegãs estão envolvidas com o cultivo. Combater a produção da

papoula por vias econômicas, como a substituição de lavouras, não é fácil , pois a diferença

da renda é discrepante, enquanto um hectare de papoula pode render US$ 4.600 por ano,

um hectare de trigo, rende US$ 390. o que torna difícil mudar a opinião dos fazendeiros de

um país pobre.

A intervenção norte-americana também estava baseada na promoção da democracia

no Afeganistão, assim como em países fundamentalistas. Com as eleições realizadas em

2006, a democracia atingiu mais um estágio, as eleições para Presidente. Karzai foi eleito

pelo povo afegão, mas isso não garantiu uma democracia de fato ao Estado afegão. Ainda é

muito precário o governo, as estruturas governamentais e a presença como líder de Karzai.

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Dois anos após a eleição, Karzai ainda deixa muito a desejar em sua atuação para a

manutenção da ordem e da paz no Afeganistão.

Conclusão

Este trabalho pretendeu analisar a atual situação do Afeganistão, que sofre com a

presença em seu território de uma poder paralelo, o Talibã. Foi desenvolvido no primeiro

capitulo uma rápida apresentação histórica da formação dos Estados, passando pelas

modalidades: Estado Antigo, Grego, Romano, Medieval e Moderno. Foram expostas as

características do Estado moderno, sendo elas a soberania, povo, território e poder

consolidado.

Ainda no primeiro capítulo foram desenvolvidos diferentes conceitos de Estado

Moderno, e as teorias de Max Weber (1999), segundo o qual o Estado é o detentor do

monopólio do uso legítimo da força física de um determinado território. Baseado em Robert

Jackson (1990), pode-se dizer que o “Estado Fracassado” é aquele que não consegue

garantir condições mínimas de segurança e bem–estar ao seu povo.

Por último foi apresentado o conceito de “poder paralelo” e três manifestações deste,

sendo elas a autoridade privada, o terrorismo religioso, e o crime organizado transnacional.

O segundo capítulo é um recorte na historia afegã, dos últimos 35 anos de lutas que

passou o Afeganistão. A apresentação história foi fundamental para resgatar fatos que

esclarecem a situação afegã e como se chegou a esse extremo.

No último capítulo foi feito um diálogo entre a teoria explanada no início deste

trabalho e a história do Afeganistão, desde o golpe de 1973 até os últimos acontecimentos

de 2008.

Por meio dos fatos apresentados pela história, e vistos através das teorias

supracitadas, conclui-se que o Afeganistão não tem capacidade efetiva de dar aos seus civis

o mínimo exigido de um Estado moderno: ordem, segurança e integridade territorial. O

Afeganistão trata-se segundo a teoria de Jackson, de um Estado Fracassado.

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Anexos

ANEXO A – Crime organizado e o Estado.

Aspectos do

crime organizado

Entidade soberana

Sistema de regras

Instituições e pessoas Funções

Atividades, tais como diversas formas de tráficos

Contrabando, trabelho com estrutura do poder ilegal

Minar e explorar a proibição de bens e serviços

Desafio e justificação de recursos sociais e justiça penal

Desafiar a lei e a ordem

Poder, manifestado pelo uso da violência

Desafio ao monopólio estatal dos poderes coercivos e a criação de zonas impedidas

Substituir a regra de direito pela da violência

Intimidar judicialmente, aplicar a lei e garantir sanções baixas ou absolvições para figuras do crime organizado

Extorquir e ameaçar as empresas e as propriedades supostamente protegidas pelo Estado

Risco, estratégias de gestão, sobretudo da corrupção

Corrupção operacional para proteger as atividades do tráfico

Crime organizado adquire imunidade de corrupção através do sistema de regras de aplicação da lei e da justiça

Corrosão de instituições como a policial, judiciária, e militar como instituições financeiras

A corrupção mina a boa governança e procedimentos democráticos

Fonte: Phil Williams (2002, p.166)

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ANEXO B – Lacunas na capacidade, buracos funcionais e crime transnacional organizado.

Lacunas de capacidade Buracos funcionais Implicações para o crime organizado

Controle social Sistema de justiça Penal ineficaz

- O crime organizado opera com impunidade

Bem-estar social

Falta de provisão para os cidadãos

- Migração ilegal economia - Recrutamento para o crime organizado - Substituição do paternalismo estatal

Regulamentação comercial

Falta de uma estrutura de regulamento

- Crime organizado como árbitro, protetor, e coletor de dívida

Descuido e Responsabilidade

Falta de controle e de transparência

- Oportunidade para a utilização extensiva da corrupção - Desvio do processo de privatização

Controle da fronteira

Fraca capacidade de Interdição

- Utilização do Estado para o transbordamento de vários produtos ilegais

Legitimidade

Falta de autoridade e De filiação

- Construção de uma ligação cliente/consumidor e outros relacionamentos mais importantes que a lealdade ao Estado

Normas e padrões Eleitorais

Financiamento da Campanha

- Oportunidade de influenciar os resultados eleitorais e cortar acordos com os políticos

Fonte: Phil Williams (2002, p.171)