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h Domingo, 20 de maio de 2012 39 OGLOBO ECONOMIA Na rocha, um rastro de polêmica Exploração do amianto no país pode estar com dias contados. STF deve julgar ação este ano E smeraldo dos Santos Teixeira vi- veu o apogeu e a decadência da cidade de Bom Jesus da Serra, no semiárido baiano, onde co- meçou no Brasil a extração de amian- to, na mina São Félix, em 1940, que du- rou até 1967, quando foi descoberta a jazida em Minaçu, em Goiás. — Conheci cinema na vila operária. Agora, lutamos para conseguir resol- ver esse enorme passivo ambiental e atender os doentes — diz Teixeira, que perdeu o pai, trabalhador da mina como classificador de amianto, aos 57 anos, com insuficiência respiratória. Enquanto isso, em Minaçu, o medo é outro. O de que a fibra seja definitiva- mente proibida no Brasil, abalando a economia da cidade. E o medo é perti- nente. O fim do uso do amianto no Bra- sil está cada vez mais próximo. O Su- premo Tribunal Federal (STF) está pronto para julgar ação direta de in- constitucionalidade proposta por pro- curadores e magistrados do Trabalho contra a lei 9.055/95, que permite o uso controlado da fibra cancerígena no pa- ís. A Procuradoria Geral da República já emitiu parecer considerando que a lei federal fere a Constituição, e o pró- prio Supremo, numa mudança de com- portamento nos últimos anos, vem permitindo que os estados legislem so- bre o assunto. Matéria que era sistema- ticamente recusada no STF. Dos 11 mi- nistros, sete já votaram a favor da proi- bição do amianto nos estados. No Congresso, os projetos de bani- mento ganham força à medida que a bancada de Goiás, que apoia a explora- ção do minério, fica enfraquecida com as suspeitas de envolvimento de parla- mentares com o bicheiro Carlinhos Ca- choeira. Até a Eternit, que controla a única mina existente no país, diminui os investimentos na extração diante da possibilidade de banimento. — Com a atual composição do Su- premo e decisões anteriores, a ação (com pedido de inconstitucionalidade da lei) tem grandes possibilidades de êxito. Os ministros na atual composi- ção se inclinam muito a atender apelos de cunho social. E essa é uma questão eminentemente social. As ações que vi- sem a resguardar esses direitos proce- dem — afirmou o jurista Célio Borja, ex-ministro do STF. — Não acreditamos que o fim é imi- nente. Mas sabemos que é uma amea- ça real e estamos fazendo pesquisas para produzir sem amianto — diz Élio Martins, presidente da Eternit. A um mês da conferência sobre de- senvolvimento sustentável Rio+20, O GLOBO inicia hoje a série de reporta- gens “O Brasil sem amianto”, que fará também uma radiografia da saúde dos trabalhadores expostos à fibra, usada em telhas e caixas d’água, além dos efeitos no meio ambiente. Se a decisão do STF for pelo bani- mento, irá ao encontro de 66 países mundo afora, que também aboliram a fibra do processo produtivo. Há fibras alternativas, nascidas da necessidade de se encontrar produto tão poderoso quanto o amianto (a palavra asbesto, como também é conhecido a fibra, vem do grego e significa indestrutível, imortal, inextinguível), mas que não provocasse câncer e doenças pulmo- nares. Entre elas, a asbestose, fibrose pulmonar que vai paulatinamente ti- rando a capacidade respiratória do tra- balhador. O amianto foi considerado cancerígena pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1977. Mas a produção da fibra alternativa, com polipropileno, ainda não é sufici- ente para cobrir os lares brasileiros em construção, diz a Eternit. Já a Brasilit, única empresa que produz a telha sem amianto, antiga sócia da Eternit e que hoje divide o banco dos réus nas ações judiciais dos ex-trabalhadores por ado- ecimento ou morte, diz, por meio da associação de fibrocimento, que não haverá impacto significativo e que po- de atender a esse mercado. Acrescen- ta que a telha ficará, no máximo, de 7% a 12% mais cara. A Eternit contesta: o preço subirá 30%. Há ainda a situação de Minaçu, de- pendente do amianto, assim como foi Bom Jesus da Serra, no sertão baiano, até 1967 e que hoje vive das aposenta- dorias rurais, Bolsa Família e agricul- tura de subsistência. Pela complexidade do tema, o minis- tro Marco Aurélio aceitou pedido do Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) e determinou a realização de audiência pública para ouvir argumentos sobre a inconstitucionalidade da lei paulista que impede a passagem de amianto no Estado de São Paulo. A audiência ocor- rerá nos moldes de outros temas polê- micos, como aborto de bebês anencé- falos ou cotas raciais em universidade. Se for pelo banimento, trabalha- dores, políticos e empresas apos- tam que a decisão do STF deverá ser acompanhada da chamada “modulação de efeitos”, instru- mento previsto na lei 9.868/99, pe- lo qual o tribunal prevê um crono- grama para adoção de suas de- cisões. A medida tem sido tomada em decisões que implicam perda significativa de arrecadação para estados, como a determinação do fim da guerra fiscal, em 2011. Mas a decisão sobre a modulação depen- de de apoio de dois terços do STF, ou seja, oito votos em 11. Empresa poderá pedir compensação l O deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), a favor do banimento, lembra que substitutivo ao projeto de lei que tramitava sobre o tema, em 2002, pre- via cronograma com compensação de ICMS a Goiás e outros impostos à cida- de de Minaçu, aposentadoria antecipa- da de funcionários antigos da indústria e capacitação dos demais, para busca- rem novas ocupações. O texto previa ainda pagamento de seguro-desempre- go mais longo aos cidadãos de Minaçu. Se a decisão do STF indicar o bani- mento, a Sama, empresa que faz a mi- neração em Goiás, e sua controladora, a Eternit, buscarão na Justiça compen- sação pela receita a que teriam direito com a atividade em vigor. Em Simões Filho, na Região Metropo- litana de Salvador, o amianto começou a frequentar a vida das pessoas no ano em que foi abandonado no semiárido baiano. Em 1967, era construída a fábri- ca de telhas e caixas d’água da Eternit. A Associação Baiana de Expostos ao Amianto localizou mais de 300 ex-ope- rários. Muitos doentes. Têm placas pleurais (endurecimento de partes da pleura, membrana que envolve o pul- mão), asbestose (fibrose pulmonar sem cura e que mata aos poucos por incapacidade respiratória) e câncer. A indústria, por sua vez, diz que as condições de trabalho melhoraram muito a partir dos anos 80: — Todo o processo de mineração e produção é fechado.n Fotos de Márcia Foletto ESMERALDO TEIXEIRA mostra como é retirado o amianto da rocha na mina desativada desde 1967, em Bom Jesus da Serra, no sertão da Bahia. Os moradores usam o local, de fácil acesso, como área de lazer O BRASIL SEM AMIANTO • GUERRA DOS QUE PRODUZEM COM E SEM A FIBRA, na página 40 EX-OPERÁRIOS da Eternit, em Simões Filho (BA): cartaz de colega que morreu de câncer Carlos Ayres Britto (presidente do tribunal) - É relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei que permite o uso do amianto no Brasil. Votou contra o relator Marco Aurélio Mello e manteve proibido o transporte da fibra em SP, onde há lei vetando o uso da fibra. Também votou pela manutenção da lei paulista, derrubando liminar de segunda instância Joaquim Barbosa (vice-presidente) - Votou a favor da lei paulista de banimento, chegando a citar estudos científicos que comprovam o aparecimento de doenças relacionados ao uso de amianto, inclusive o câncer e que a lei paulista estaria respaldada pela Convenção 162 da OIT, que prevê o banimento Celso de Mello - Votou pela lei de proibição do amianto em São Paulo, mantendo também o transporte proibido no estado Cezar Peluso - Votou pela lei de proibição do amianto em São Paulo, mantendo também o transporte proibido no estado Carmem Lúcia - Votou num primeiro julgamento pela suspensão da lei paulista que baniu o amianto em SP, mas mudou de posição, mantendo a proibição do amianto em São Paulo. Depois votou a favor do transporte da fibra pelas estradas paulistas Ricardo Lewandowski - Votou a favor do transporte de amianto em SP, mas manteve, em julgamento anterior, a lei que proíbe o uso do amianto no estado Rosa Weber - Está há pouco tempo no Supremo, mas como vem do Tribunal Superior do Trabalho, onde são julgadas as ações de ex-trabalhadores expostos ao amianto, pode ser um voto mais sensível aos trabalhadores. A ação, inclusive, é proposta pela Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho Marco Aurélio Mello - Votou contra a lei paulista que baniu o amianto no estado e também foi o relator da ação que pedia a liberação do transporte com produtos de amianto pelas estradas paulistas. No primeiro caso, afirmou que o estado não poderia legislar sobre o assunto. No segundo caso, liberou o transporte de amianto em SP Gilmar Mendes - Votou a favor do transporte de amianto em SP José Antonio Dias Toffoli - Votou a favor do transporte de amianto em SP Luiz Fux - Seguiu o voto do relator Marco Aurélio Mello e permitiu o transporte de amianto pelas estradas paulistas QUEM VAI DECIDIR O BANIMENTO NO SUPREMO OS QUE JÁ VOTARAM A FAVOR DA PROIBIÇÃO EM OUTRAS AÇÕES OS QUE JÁ VOTARAM CONTRA O BANIMENTO Fonte: Pesquisa no site do Supremo Tribunal Federal (STF) RIO 20 + * Enviados especiais Cássia Almeida* [email protected] Danilo Fariello* [email protected] BOM JESUS DA SERRA (BA), MINAÇU (GO) e BRASÍLIA Editoria de Arte

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hDomingo, 20 de maio de 2012 39OGLOBO

ECONOM I A

Na rocha, um rastro de polêmicaExploração do amianto no país pode estar com dias contados. STF deve julgar ação este ano

Esmeraldo dos Santos Teixeira vi-veu o apogeu e a decadência dacidade de Bom Jesus da Serra,no semiárido baiano, onde co-

meçou no Brasil a extração de amian-to, na mina São Félix, em 1940, que du-rou até 1967, quando foi descoberta ajazida em Minaçu, em Goiás.

— Conheci cinema na vila operária.Agora, lutamos para conseguir resol-ver esse enorme passivo ambiental eatender os doentes — diz Teixeira,que perdeu o pai, trabalhador da minacomo classificador de amianto, aos 57anos, com insuficiência respiratória.

Enquanto isso, em Minaçu, o medo éoutro. O de que a fibra seja definitiva-mente proibida no Brasil, abalando aeconomia da cidade. E o medo é perti-nente. O fim do uso do amianto no Bra-sil está cada vez mais próximo. O Su-premo Tribunal Federal (STF) estápronto para julgar ação direta de in-constitucionalidade proposta por pro-curadores e magistrados do Trabalhocontra a lei 9.055/95, que permite o usocontrolado da fibra cancerígena no pa-ís. A Procuradoria Geral da Repúblicajá emitiu parecer considerando que alei federal fere a Constituição, e o pró-prio Supremo, numa mudança de com-portamento nos últimos anos, vempermitindo que os estados legislem so-breoassunto.Matériaqueerasistema-ticamente recusada no STF. Dos 11 mi-nistros, sete já votaram a favor da proi-bição do amianto nos estados.

No Congresso, os projetos de bani-mento ganham força à medida que abancada de Goiás, que apoia a explora-ção do minério, fica enfraquecida comas suspeitas de envolvimento de parla-mentares com o bicheiro Carlinhos Ca-choeira. Até a Eternit, que controla aúnica mina existente no país, diminuios investimentosnaextraçãodiantedapossibilidade de banimento.

— Com a atual composição do Su-premo e decisões anteriores, a ação(com pedido de inconstitucionalidadeda lei) tem grandes possibilidades deêxito. Os ministros na atual composi-

ção se inclinam muito a atender apelosde cunho social. E essa é uma questãoeminentementesocial.Asaçõesquevi-sem a resguardar esses direitos proce-dem — afirmou o jurista Célio Borja,ex-ministro do STF.

— Não acreditamos que o fim é imi-nente. Mas sabemos que é uma amea-ça real e estamos fazendo pesquisaspara produzir sem amianto — diz ÉlioMartins, presidente da Eternit.

A um mês da conferência sobre de-senvolvimento sustentável Rio+20, OGLOBO inicia hoje a série de reporta-gens “O Brasil sem amianto”, que fará

também uma radiografia da saúde dostrabalhadores expostos à fibra, usadaem telhas e caixas d’água, além dosefeitos no meio ambiente.

Se a decisão do STF for pelo bani-mento, irá ao encontro de 66 paísesmundo afora, que também aboliram afibra do processo produtivo. Há fibrasalternativas, nascidas da necessidadede se encontrar produto tão poderosoquanto o amianto (a palavra asbesto,como também é conhecido a fibra,vem do grego e significa indestrutível,imortal, inextinguível), mas que nãoprovocasse câncer e doenças pulmo-

nares. Entre elas, a asbestose, fibrosepulmonar que vai paulatinamente ti-randoacapacidaderespiratóriadotra-balhador. O amianto foi consideradocancerígena pela Organização Mundialda Saúde (OMS) em1977.

Mas a produção da fibra alternativa,com polipropileno, ainda não é sufici-enteparacobriros laresbrasileirosemconstrução, diz a Eternit. Já a Brasilit,única empresa que produz a telha semamianto, antiga sócia da Eternit e quehoje divide o banco dos réus nas açõesjudiciaisdosex-trabalhadoresporado-ecimento ou morte, diz, por meio daassociação de fibrocimento, que nãohaverá impacto significativo e que po-de atender a esse mercado. Acrescen-ta que a telha ficará, no máximo, de 7%a 12% mais cara. A Eternit contesta: opreço subirá 30%.

Há ainda a situação de Minaçu, de-pendente do amianto, assim como foiBom Jesus da Serra, no sertão baiano,até1967 e que hoje vive das aposenta-dorias rurais, Bolsa Família e agricul-tura de subsistência.

Pela complexidade do tema, o minis-tro Marco Aurélio aceitou pedido doInstituto Brasileiro do Crisotila (IBC) edeterminou a realização de audiênciapública para ouvir argumentos sobre ainconstitucionalidade da lei paulistaque impede a passagem de amianto noEstado de São Paulo. A audiência ocor-rerá nos moldes de outros temas polê-micos, como aborto de bebês anencé-

falos ou cotas raciais em universidade.Se for pelo banimento, trabalha-

dores, políticos e empresas apos-tam que a decisão do STF deveráser acompanhada da chamada“modulação de efeitos”, instru-mento previsto na lei 9.868/99, pe-lo qual o tribunal prevê um crono-grama para adoção de suas de-cisões. A medida tem sido tomadaem decisões que implicam perdasignificativa de arrecadação paraestados, como a determinação dofim da guerra fiscal, em 2011. Mas adecisão sobre a modulação depen-de de apoio de dois terços do STF,ou seja, oito votos em 11.

Empresa poderápedir compensaçãol O deputado federal Dr. Rosinha(PT-PR), a favor do banimento, lembraque substitutivo ao projeto de lei quetramitava sobre o tema, em 2002, pre-via cronograma com compensação deICMS a Goiás e outros impostos à cida-de de Minaçu, aposentadoria antecipa-da de funcionários antigos da indústriae capacitação dos demais, para busca-rem novas ocupações. O texto previaaindapagamentodeseguro-desempre-go mais longo aos cidadãos de Minaçu.

Se a decisão do STF indicar o bani-mento, a Sama, empresa que faz a mi-neração em Goiás, e sua controladora,a Eternit, buscarão na Justiça compen-sação pela receita a que teriam direitocom a atividade em vigor.

Em Simões Filho, na Região Metropo-litana de Salvador, o amianto começoua frequentar a vida das pessoas no anoem que foi abandonado no semiáridobaiano. Em1967, era construída a fábri-ca de telhas e caixas d’água da Eternit.A Associação Baiana de Expostos aoAmianto localizou mais de 300 ex-ope-rários. Muitos doentes. Têm placaspleurais (endurecimento de partes dapleura, membrana que envolve o pul-mão), asbestose (fibrose pulmonarsem cura e que mata aos poucos porincapacidade respiratória) e câncer.

A indústria, por sua vez, diz que ascondições de trabalho melhorarammuito a partir dos anos 80:

— Todo o processo de mineração eprodução é fechado.n

Fotos de Márcia Foletto

ESMERALDO TEIXEIRA mostra como é retirado o amianto da rocha na mina desativada desde 1967, em Bom Jesus da Serra, no sertão da Bahia. Os moradores usam o local, de fácil acesso, como área de lazer

O BRASIL SEM AMIANTO

• GUERRA DOS QUE PRODUZEMCOM E SEM A FIBRA, na página 40

EX-OPERÁRIOS da Eternit, em Simões Filho (BA): cartaz de colega que morreu de câncer

Carlos Ayres Britto (presidente do tribunal) - É relator da AçãoDireta de Inconstitucionalidade contra a lei que permite o usodo amianto no Brasil. Votou contra o relator Marco AurélioMello e manteve proibido o transporte da fibra em SP, onde hálei vetando o uso da fibra. Também votou pela manutenção dalei paulista, derrubando liminar de segunda instância

Joaquim Barbosa (vice-presidente) - Votou a favor da leipaulista de banimento, chegando a citar estudos científicos quecomprovam o aparecimento de doenças relacionados ao uso deamianto, inclusive o câncer e que a lei paulista estariarespaldada pela Convenção 162 da OIT, que prevê o banimento

Celso de Mello - Votou pela lei de proibição do amianto emSão Paulo, mantendo também o transporte proibido no estado

Cezar Peluso - Votou pela lei de proibição do amianto em SãoPaulo, mantendo também o transporte proibido no estado

Carmem Lúcia - Votou num primeiro julgamento pelasuspensão da lei paulista que baniu o amianto em SP, masmudou de posição, mantendo a proibição do amianto em SãoPaulo. Depois votou a favor do transporte da fibra pelasestradas paulistas

Ricardo Lewandowski - Votou a favor do transporte de amiantoem SP, mas manteve, em julgamento anterior, a lei que proíbe o usodo amianto no estado

Rosa Weber - Está há pouco tempo no Supremo, mas como vemdo Tribunal Superior do Trabalho, onde são julgadas as ações deex-trabalhadores expostos ao amianto, pode ser um voto maissensível aos trabalhadores. A ação, inclusive, é proposta pelaAssociação Nacional dos Magistrados do Trabalho

Marco Aurélio Mello - Votou contra a lei paulista que baniu oamianto no estado e também foi o relator da ação que pedia aliberação do transporte com produtos de amianto pelas estradaspaulistas. No primeiro caso, afirmou que o estado não poderialegislar sobre o assunto. No segundo caso, liberou o transporte deamianto em SP

Gilmar Mendes - Votou a favor do transporte de amianto em SP

José Antonio Dias Toffoli - Votou a favor do transporte de amiantoem SP

Luiz Fux - Seguiu o voto do relator Marco Aurélio Mello e permitiu otransporte de amianto pelas estradas paulistas

QUEM VAI DECIDIR O BANIMENTO NO SUPREMOOS QUE JÁ VOTARAM A FAVORDA PROIBIÇÃO EM OUTRAS AÇÕES

OS QUE JÁ VOTARAMCONTRA O BANIMENTO

Fonte: Pesquisa no site do Supremo Tribunal Federal (STF)

RIO20+

* Enviados especiais

Cássia Almeida*[email protected] Fariello*

[email protected]

BOM JESUS DA SERRA (BA), MINAÇU (GO) e BRASÍLIA

Editoria de Arte

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40 • ECONOMIA O GLOBO Domingo, 20 de maio de 2012

COM ALVARO GRIBEL

MÍRIAMLEITÃO

oglobo.com.br/economia/miriam

l Nove da noite no horário local — uma hora a menosque no resto do Brasil —, e eu estou no aeroporto de Si-nop, em Mato Grosso. Espero o avião para Alta Floresta.O aeroporto parece ter sofrido uma devastação. Está emobras. O espaço que já era mínimo ficou ainda menorcom as áreas isoladas pelas fitas amarelas e pretas. Nãohá lugarparasentareesperaroavião,queestáatrasado.A internet funciona, e a rede tem o nome de “Evo”.

Campo da floresta

Tento achar algo abertono andar de cima paracomprar uma barra de ce-reais que me aplaque a fo-me depois de um dia de tra-balho sem tempo para o al-moço. Tudo o que se vê sãocadeiras sobre as mesas eum correntão cercando ageladeira. Haveria suco pa-ra vender, se houvessegente atendendo, mas aúnica lanchonete está fe-chada também.

O nome do aeroporto éPresidente João Figueiredo.Nada estranho, afinal, foi naditadura que nasceram estae várias outras cidadesaqui. Desde então, a regiãoé uma área de expansão desoja, algodão, milho e, so-bretudo, pecuária. A flores-ta é abatida de maneira in-cessante ano após ano.

As conversas com espe-cialistas e estudiosos —que tive em Sinop, e, no diaanterior, em Campinas —deixaram claro para mim,mais uma vez, que o rura-lismo brasileiro é mesmoestranho. Ele avança suafronteira de culturas dealimentos e pecuária, queseriam modernas não fos-se o fato de que destroemáreas protegidas. Descui-da-se do respeito aos di-reitos dos trabalhadores edeixa atrás de si terra de-gradada. Ele se mobilizapara eleger representan-tes que tomam o Congres-so e invertem a direção dotempo na negociação doCódigo Florestal. Era horade discutir como integrarmelhor produção e prote-ção, mas o ruralismo pre-fere gastar todo o seu capi-tal político na discussãosobre quantos metros de-ve haver na beira dos rios.Ele se mobiliza contra aaprovação da PEC do tra-balho escravo. E isso nemjustiça à classe faz, porqueos ruralistas não são to-dos iguais. Há boas e ve-lhas formas de agir, e ashistórias modernas sãoanimadoras.

No final, de tanto brigarpara reduzir as matas cili-ares, a reforma do CódigoFlorestal que foi aprovadapelo Congresso criou re-gras que não fazem senti-do. Há várias maluquices.Uma delas é que de tantosuprimir aqui, mudar ali,restaurar acolá, os riosmenores são protegidos,os grandes, não. Ficou es-tabelecido que em rios deaté 10 metros de largura épreciso recuperar 15 me-tros de APP devastada.Mas em rios com mais de10 metros de largura não épreciso recuperar nada.Apesar de ter passado pe-lo Congresso, o Códigonão representa o pensa-mento majoritário do pa-ís. Se a presidente Dilma ovetar, estará dando umasegunda chance ao Con-gresso, ao patrimônio na-tural, à agricultura mo-derna. E isso, democrati-

camente, é uma das prer-rogativas da Presidência.Não será antidemocráti-co, como tem sido dito.Essa decisão pertence àpresidente da República.

Há produtores tentandose regularizar, há dificulda-des burocráticas inaceitá-veis, e os agricultores brasi-leiros pequenos, médios egrandes têm problemas quepoderiam ser minimizadosse o governo os enfrentas-se. O curioso é que nenhumdos problemas reais foi tra-tado. Eles ficaram discutin-do os metros de rios, e os ta-manhos de APPs (Áreas dePreservação Permanente).Foi um debate mesquinhodemais para o tamanho dasnossas responsabilidades.

O setor agropecuário éfundamental para o Bra-sil, mas deveria se articu-lar sobre as questões quereduzem drasticamentesua produtividade, comoa logística do país que re-duz tudo o que se conse-gue de ganhos no campo,por exemplo.

Se ficar conhecido inter-nacionalmente — seja issojusto ou não — como um se-tor que se mobiliza no Con-gresso pelo direito de des-matar ou que barra a apro-vação da PEC que elimina otrabalho escravo, encontra-rá barreiras comerciais aosseus produtos. Toda vezque tiver que competir issoserá levantado contra a pro-dução brasileira. E o setornão precisa disso. Pode edeve modernizar sua repre-sentação, seu discurso, suavisão e sua estratégia.

As grandes cidades dessaárea do Centro-Oeste se pa-recem. São sempre superjo-vens. Alta Floresta comple-tou 36 anos ontem. Sinoptem a mesma idade. Todaslevaram a fronteira da des-truição para bem dentro damata. Algumas começam amudar. Outras ainda achamnormal a derrubada da ma-ta da forma mais primitivado mundo: o correntão.

O avião demorou, maschegou. Os forasteiros co-mo eu se espantam, masnão os moradores da regi-ão: não há qualquer funcio-nário público passando ba-gagens pelo detector de me-tais. Nós simplesmente en-tramos na sala de embar-que. E ponto. É noite sobrea Amazônia. Vou em dire-ção a outra parte desse Bra-sil imenso que nunca de-cepciona os jornalistas: hásempre uma notícia em ca-da parte do caminho.

E o mais interessante éque quando o assunto é aRio+20 e o desenvolvimentosustentável não se pode fi-car apenas no Rio, porque otema nos leva para os ou-tros pontos do país. Eles seentrecruzam. O Sul, o Su-deste e o Nordeste preci-sam da Amazônia e do Cer-rado. É uma biodiversidadeque se complementa deNorte a Sul.

l Enquanto a questão nacionalde banimento do amianto se dáno plenário do Supremo Tribu-nal Federal e do Congresso, as-sembleias legislativasdeestadose câmaras municipais aprovamsuas próprias leis de banimento.Já são cinco estados (São Paulo,Mato Grosso, Rio Grande do Sul,Rio de Janeiro e Pernambuco)que proibiram o uso da fibra e 21cidades onde o amianto não po-de ser usado. A grande maioriadas leiséquestionadanomesmoSupremo, com a alegação de queuma lei estadual não pode se so-brepor a uma lei federal, como a9055/95, que permite o uso con-trolado da fibra no Brasil.

Mas a lei do estado de São Pau-lo marcou um mudança de com-portamento do Supremo. Os mi-nistros cassaram liminar de tri-bunais inferiores que tornava alei sem efeito. Noutra decisão,mas essa na direção contrária,foi permitido o transporte da fi-bra pelas estradas paulistas.

— É curioso que essas leis se-jam em estados onde há fábri-cas que produzem sem o amian-

to — diz Élio Martins, presiden-te da Eternit, alfinetando suaprincipal concorrente, Brasilit.A Brasilit não responde.

Fernanda Giannasi, auditorafiscaldoTrabalhoecoordenado-ra da Rede Virtual Cidadã pelo

BanimentodoAmianto,dizquealuta pelo banimento é anterior àguerra entre as duas empresasque já foram sócias no passado:

— Lutamos pelo banimentohá mais de 20 anos.

A legislação não se limita à

proibiçãodousodafibra.NoRio,há leis obrigando a ter avisos deque o amianto faz mal à saúde eimpedindo prédios públicos deusar a fibra. Mas muitas empre-sas conseguem liminares paracontinuar funcionando.n

Cinco estados já decidiram proibirMais de 20 cidades baniram o uso do minério. Leis são contestadas na Justiça

Cássia [email protected]

tre quem extrai o material, fabri-ca as telhas e as transporta.

O faturamento da Eternit é deR$ 1 bilhão por ano e a empresalidera o mercado de fibrocimen-to (32%); seguida pela Brasilit(18%) e por outras nove empre-sas, detentoras da outra metadedo mercado. Como a Eternit é aúnica que tem a mina, vende amatéria-prima para as demais,que fabricam telhas com o mate-rial. Como numa guerra, Eternite Brasilit divergem sobre a qua-lidade e os custos de seus pro-dutos. Um complicador é que,ao contrário da produtora de te-lhas com amianto, a Brasilit nãodivulga dados, e seus executi-vos não falam com a imprensa— “para não alimentar esta ba-

l SÃO PAULO. O Brasil é o ter-ceiro maior produtor de ami-anto do mundo, com 305 miltoneladas extraídas por ano.Perde apenas para Rússia eChina. Da produção da mina,45% são exportados. Mas é nomercado interno que a disputase dá com mais força.

— Estamos em guerra comer-cial — diz Élio Martins, presiden-te da Eternit, única empresa queextrai amianto da mina de Mina-çu, em Goiás, e utiliza o produtona fabricação de 82% de suas te-lhas de fibrocimento — os 18%restantes das telhas fabricadassão feitas sem amianto.

No outro lado do campo debatalha, está a franco-brasileiraBrasilit (Saint-Gobain), antigasócia da Eternit que, em 1997,após a União Europeia (UE) ba-nir o amianto, deixou de produ-zir telhas com o material no Bra-sil, desenvolvendo uma tecnolo-gia substituta chamada PP, à ba-se de resina plástica. O mercadodas chamadas telhas de fibroci-mento (com e sem amianto) mo-vimenta cerca de R$ 1,92 bilhãoanualmente no país e gera 4.570empregos diretos — ou seja, en-

talha verbal”, diz a assessoria decomunicação.

Perda de empregos estimadaentre 600 e 170 mil

Enquanto Élio Martins dizque, se o amianto for proibidode vez, “ficará difícil forrar casi-nhas dos menos abastados”, Jo-ão Carlos Duarte Paes, presiden-te da Associação Brasileira dasIndústrias e Distribuidores deProdutos de Fibrocimento (Abi-Fibro), que “fala em nome daBrasilit”, garante que não.

— As telhas sem amianto sãoapenas 7%, 8% mais caras. Se omercado demandar mais, oscustos de produção caem. Alémdisso,aprópriaEternit já fabricatelhassemamiantoe templenas

condições de garantir, ao ladodeBrasilit eoutras,quenão falteteto para as casinhas. Por que aEternit insiste no amianto? — in-daga Duarte Paes.

Nas lojas de materiais de cons-trução, telhas com ou sem ami-anto, as mais baratas (de 4mm)custam de R$ 9,90 a R$13,90.

Martins rebate, afirmandoque os produtos oferecidospela Brasilit chegam a ser 30%mais caros, e que “a empresaperde dinheiro ao não repas-sar os custos ao consumidor, eé por isso que ela faz tantolobby contra o amianto”:

— Além disso, há a questão daqualidade, não é? Telhas de ami-antoduram70anos,estãoperfei-tas. Já as sem amianto precisamser trocadas a cada 20 anos.

Segundo o presidente da Abi-Fibro, os fabricantes têm ple-nas condições de absorver aatual demanda por telhas de fi-brocimento no Brasil, em tornode 250 milhões de metros qua-drados de telhas por ano. Duar-te Paes cita produtos à base dePVA e de PAN, fibra usada na in-dústria têxtil, como promisso-res nesse mercado.

Enquanto a Eternit afirma te-mer pelos empregos de até 170mil pessoas — que dependeri-am direta ou indiretamente daindústria do amianto, incluin-do os trabalhadores de lojasde material de construção — aAbiFibro vê ameaça somentena perda de cerca de 600 em-pregos, os trabalhadores damina.n

No país, queda de braço entre osque produzem com e sem a fibraEternit: proibição tornará ‘difícil forrar casinhas de menos abastados’. Brasilit nega

Mariana Timóteo da [email protected]

O BRASIL SEM AMIANTO

Márcia Foletto

ÉLIO MARTINS destaca a qualidade e os preços menores do amianto

O RETRATO DO MERCADOFATURAMENTO: cerca de R$ 3 bilhõesPRODUÇÃO: São extraídas 305 mil toneladasde amianto por ano no Brasil, da única minaexistente, a Canabrava, em Minaçu (GO), 130mil toneladas ou 43%, são exportadasPRODUÇÃO MUNDIAL: São produzidas 200milhões de toneladas por ano no mundo: 96%são usadas em produtos de fibrocimento (telhas,tubos e caixas de água), 3% em produtos defricção e 1% na indústria têxtil e outros finsRESERVAS E PRODUÇÃO: Brasil é o terceiromaior produtor de amianto no mundo, atrás deRússia e China

Fibrocimento: sãofabricadas a partir dajunção de fibras (comou sem amianto) comcimento

Com amianto: omineral usado nafabricação de telhas ecaixas d´água é obranco, conhecidocomo crisotila

Sem amianto:Polipropileno (PP): éuma resina plásticaproduzida pela Brasken.A telha é fabricada pelaBrasilit (Saint-Gobain),que detém 18% domercado total de telhasbrasileiro. É a única telhade fibrocimentoalternativa à de amiantosendo produzida no Brasil

Álcool polivinílico (PVA): amatéria-prima é o acetato depolivinila. Japoneses e chinesesproduzem telhas usando estafibraPoliacrilonitrila (PAN): amatéria-prima principal é aacrilonitrila, resina usada naindústria têxtil e produzida noBrasil pela Radici, masnenhuma empresa produz atelha ainda

EXPORTAÇÃO: Os principais paísescompradores das fibras brasileiras em2010 foram:

4.570 são trabalhadores diretos naatividade de fribrocimento, com e semamiantoO mercado produz 250 milhões de metrosquadrados de telhas de fibrocimento (come sem amianto) por anoA única que produz sem amianto é aBrasilit

COMOSE DIVIDEO MERCADOTOTAL DE TELHASDE FIBROCIMENTO

PREÇO DAS TELHASA Eternit diz que telhas sem amiantopodem custar até 30% maisA Brasilit – pela associação – falaapenas em alta entre 5% e 10%

(Em US$ milhões)

Malásia

Tailândia

México

Indonésia

Índia 34,95

15,65

5,58

3,54

3,19

Juntos essespaíses geraram80,77% dofaturamentocom exportação

(É a única que tema mina e vende amatéria-prima paraas demais)

18%

32%50%

Outrasnoveempresas

O MATERIAL DE QUE É FEITO CADA TIPO DE TELHA

Fonte: Eternit, Unicamp, Associação Brasileira das Indústrias e Distribuidores de Produtos de Fibrocimento (Abifibro) e Departamento Nacional de Pesquisa Mineral (DNPM)

RS

MT

SP

RJ***

MG**

AndradasPouso Alegre

ONDE O AMIANTO JÁ É PROIBIDO NO BRASIL

*As leis municipais reforçam a proibição estadual,quando há lei de banimento no estado.

** O amianto é permitido no estadode Minas, menos das duas cidadescitadas

*** Mesmo com a lei em vigor, háfábricas que conseguem liminarpara continuar operando, como é ocaso da Eternit no Rio de Janeiro

SP

PR

MG

São PauloOsascoSão Caetano do SulTaboão da SerraSanto André

Guararapes

Pirajuí

Bauru

Avaré

São Josédo Rio Preto Barretos

SantaBárbarado Oeste

RibeirãoPreto

AmparoCampinas

Jundiaí

Guarulhos

Estados Cidades*

Fonte: Site da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto

Jaboatão deGuararapes

PERecife

RIO20+

Editoria de Arte

Product: OGlobo PubDate: 20-05-2012 Zone: Nacional Edition: 1 Page: PAGINA_AP User: Asimon Time: 05-19-2012 11:17 Color: K

hDomingo, 20 de maio de 2012 2ª Edição O GLOBO ECONOMIA • 41

O BRASIL SEM AMIANTO: Ama-nhã: JUSTIÇA COMEÇA A INDENI-ZAR AS VÍTIMAS DA FIBRA

l BOM JESUS DA SERRA (BA) eMINAÇU (GO). Enquanto as dis-cussões fervilham nas universi-dades, no Congresso e na Justi-ça, os moradores de Bom Jesusda Serra, no semiárido baiano, eem Minaçu, no interior de Goiás,vivem às margens do amianto.As duas cidades sofrem com osefeitos da mineração. A primeiranasceu com o início da extraçãodo asbesto no Brasil, em 1940. Asegunda ainda vive da mina.

Dono de uma olaria, Esmeral-do dos Santos Teixeira, conheci-do como Nego em Bom Jesus,lembra da infância. Com a mãe,usava um martelinho de geólogoe, desde os 8 anos, tirava a lã deamianto das pedras que não pas-savamnabritadeira.Trocavaa fi-braporpapéisqueexibiavaloresqueeramaceitosnavilaoperáriana década de 1940. Na cidade, ti-nha até pista de pouso, cinema,postomédico,escolae igreja.Tu-do custeado pela Sama, que per-tencia à francesa Saint-Gobain, eexplorou a mina até1967. Hoje, aSama é da Eternit.

— Brincávamos na poeira e nolago depois que a mina foi desati-vada (em 1967). Não sabíamosque o amianto matava — diz Es-meraldo, lembrando que a poei-ra branca tomava conta da cida-de e parecia nevar no sertão, aponto de o cemitério se chamarBranca de Neve.

Essa consciência surgiu so-mente na década de 2000. O pai,Israel Teixeira, era classificadorde amianto. Em 1987, com 57anos, morreu com sintomas de“fadiga”, como a maioria dos ex-trabalhadoresdaminadeSãoFé-lix: as unhas ficaram roxas, elenão podia andar 30 metros quecansava e sua capacidade respi-ratória se foi, conta Teixeira:

— Em 2001, meu primo mor-reu de asbestose e comecei aperceber que meu pai tambémfoi vítima do amianto.

Assim como Ilton Batista Cas-calhoacompanhaperiodicamen-te a evolução de seu nódulo cal-cificado no lado direito do pul-mão, a cidade de Minaçu, emGoiás, às margens do Rio Tocan-tins, monitora os debates sobreo banimento do uso do amiantono país. Cascalho depende dasua capacidade respiratória, as-sim como os moradores da cida-de dependem da mina.

O fechamentodaminadeCanaBrava em Minaçu assusta funcio-nários e ex-funcionários da em-presa com problemas pulmona-res — que têm plano de saúde vi-talício custeado pela Sama. Aeconomiadomunicípiodependeem mais de 50% da mina. Há 638funcionáriosdaSamaemMinaçue 584 terceirizados.

— Se a Sama fechar, Minaçu vi-

raumacidadefantasma.Eeuficoruim no mercado, porque voupassar a ser visto como um tra-balhador doente — disse Ednal-do Luiz Corrêa, de 33 anos, funci-onário da mineradora.

A cidade já vive essa incerteza.Casas vendidas por R$ 300 milhoje não têm comprador por va-lor algum. Há busca por novasreceitas, como a expansão do tu-rismo, em parte paga com royal-ties da cidade.

A empresa patroci-na creche, asilo, clube,escola, hospital e atéum incinerador paraprocessar o lixo da ci-dade. Para agradar atodos, pagou a cons-trução da matriz daigreja católica e tam-bém da maior igrejaevangélica.

Era assim tambémem Bom Jesus, tudoacontecia com o pa-trocínio da mina. E ahistória se repete 50anos depois em Goiás.Hoje, em Bom Jesusda Serra, doentes e vi-úvas fazem fila. Famíli-as vivem de aposenta-dorias rurais,BolsaFa-mília e agricultura desubsistência quandohá chuva. Em Bom Je-sus, não cai água docéu desde 26 de dezembro.

Na chamada cama de poeira,onde o minério era separado,operários, entre eles, muitas mu-lheres, ficavam cobertos de pó.Evandra Vieira Brito, que perdeuo marido, ex-funcionário da Sa-ma, com câncer em 2009, lembradas amigas da mina:

— Eram umas 20 meninas nacama de poeira. Morreram to-da vomitando sangue.

Mineradora desistiu deinvestir US$ 50 milhões

Em Minaçu, se a mineração setornar inviável, o plano é conse-guir um cronograma de bani-mento. Representantes de traba-lhadoresedacidadetêmconver-sado com o Ministério de Minase Energia para traçar um plano,no caso de fechamento a curtoprazo e a longo prazo.

Mesmo operando em capaci-dade máxima há quatro anos, amineradora não investiu US$30 milhões para elevar sua ca-pacidade anual de extração em50 mil toneladas/ano — hoje,extrai 300 mil toneladas — commedo de não recuperar o in-vestimento. A empresa tam-bém tem procurado ex-empre-gados e viúvas da asbestose —doença causada por exposiçãoao amianto — propondo umInstrumento Particular deTransação (IPT) para que elesabram mão de disputas judici-ais. Com o IPT, a empresa dáplano de saúde e indenização apartir de R$ 35 mil.

— Há um passivo antigo, masnão há novo caso de doença pul-monar (causada pelo amianto)há 30 anos — disse Rubens RelaFilho, diretor geral da Sama.n

DuascidadesligadaspeloamiantoEm Bom Jesus da Serra, poeira brancaera ‘neve no sertão’. Em Minaçu, crechee até igreja são bancadas por empresa

André Coelho

EXTRAÇÃO DE amianto na empresa Sama, em Minaçu, Goiás: mina que sustenta a cidade é atualmente a única em atividade no paísMárcia Foletto Márcia Foletto

EM BOM Jesus da Serra, Evandra é uma das viúvas do amianto ALCIDES, AO lado da mulher, tem asbestose causado pelo trabalho na mina

André Coelho

BALTAZAR, EX-FUNCIONÁRIO da Sama, hoje trata o pulmão

O BRASIL SEM AMIANTO

É perigoso usar telhas de ami-anto?Quem defende a fibra diz quenão. A justificativa é de que,segundo pesquisas, ninguémadoeceu morando em casascobertas pelas telhas. Elas de-moram décadas para se dete-riorar e as fibras ficam presasao cimento usado na fabrica-ção das telhas. Já quem defen-de a proibição diz que as te-lhas se deterioram e o cimen-

to que prende as fibras se sol-ta juntamente com o amianto.Assim, as fibras podem serinaladas e causar câncer maistarde. Mas os riscos são muitobaixos, admitem.É perigoso beber água deposi-tada em caixas d’água deamianto?Quem defende a fibra afirmaque não há pesquisas que indi-cam que há risco ao beber essaágua porque a contaminação

se dá só na inalação da fibra. Jáquem é contra o amianto dizque não há evidências suficien-tes de que ingerir a fibra possacausar danos à saúde. Mas, se-gundoUbiraniOtero, responsá-vel pela Área de Vigilância doCâncer Relacionado ao Traba-lho e ao Ambiente, do Inca, háestudos que ligam a absorçãodo amianto por via oral à cân-cer de laringe, pulmão e estô-mago.

Há risco para trabalhadores?Quem defende a fibra lembraque após 1980 foram adotadasmedidas de segurança que im-pedem a contaminação do tra-balhador. Já quem defende aproibição diz que não há níveisseguros pelo fato de o amiantoser uma fibra considerada can-cerígena. Ainda há os trabalha-dores da construção civil quenão contam com a segurançado trabalho nas fábricas.

naAs dúvidas mais comuns sobre a fibra

CORPO CORPOA

ÉLIO MARTINS

l O mais recente vídeo insti-tucional da Eternit traz o le-ma “um novo ciclo”. Ele indi-ca uma reforma no modelode produção da empresa,mas não cita diretamente ofim das operações com oamianto. Segundo Élio Mar-tins, presidente da Eternit,como empresa de capitalaberto ela tem de se prepa-rar para diferentes cenários.

‘Vamos banir a motocicleta?’

l O GLOBO: Como a Eternitvê a possibilidade de o ami-anto ser banido no país?ÉLIO MARTINS: Eu parto doprincípio que, se não resta-rem dúvidas de que não épossível trabalhar e usar es-ses produtos com seguran-ça, estamos dispostos a ca-pitanear o processo de mu-dança no tempo tecnica-mente possível para isso.Mas as autoridades aindatêm dúvidas dessa decisão.

l Muitos países aboliram oamianto, por causa de pro-blemas de saúde...MARTINS: Na Europa haviamais de 1.500 fibras por cen-tímetro cúbico de ar. A leibrasileira fala em 2 fibras/cm3 e trabalhamos com 0,1fibra/cm3. O mundo usa 2,2milhões de toneladas porano em mais de 120 países.Esse negócio hoje não é tão

pequeno como dizem.

l A empresa tem plano B,para o caso do banimento?MARTINS: Existem situa-ções em que não dá para terplano B, como para a mine-radora ou Minaçu. Já a Eter-nit é uma empresa de mate-riais de construção. Obvia-mente que a empresa temde pensar como seria o diaseguinte, sem a principalmatéria-prima. Mas esseplano B tem que ser do Bra-sil: o setor representa 50%do que o Brasil usa de co-berturas (em imóveis). Al-ternativas sem amianto nãotêm a mesma qualidade esão mais caras.

l Mas o caso europeu pro-vou que é possível usar ou-tros produtos.MARTINS: A Europa proibiuo amianto porque não há de-manda em construção, maselegeu produtos especiais pa-ra a demanda que ficou. Aca-bamos de despachar amiantoparaEUAeAlemanha,para fa-bricação de cloro-soda, porexemplo. Toda tecnologia im-plica risco, por isso temos deminimizá-lo. Morrem sete milmotociclistas por ano e ou-tros sete mil ficam inválidos.E, por isso, vamos banir a mo-tocicleta? (Danilo Fariello)

CORPO CORPOA

FERNANDA GIANNASI

l A auditora fiscal do Traba-lho Fernanda Giannasi lutapelo banimento do amiantohá mais de 20 anos. Para ela,não há nível seguro de usoda fibra e os trabalhadores ea população estão expostos.

‘São um milhão de expostos’

l O GLOBO: A indústria dizque não há risco para ostrabalhadores desde osanos 1980, com a adoçãodas medidas de segurança.FERNANDA GIANNASI:Não há nível seguro de usode uma substância cancerí-gena como o amianto. Ain-da há o risco para o restan-te da cadeia produtiva, co-mo os trabalhadores daconstrução civil, que nãotrabalham com as medidasde segurança adotadas nasfábricas.

l Há 66 países que proibi-ram o amianto. Mas não háproibição nos Estados Uni-dos e Canadá. Por quê?FERNANDA: Nos EstadosUnidos, o amianto caiu emdesuso em decorrência dovalor altíssimos das indeni-zações. O Canadá exporta-va mais de 90% do que pro-duziu, afirmando que o ami-anto não servia para os ca-nadenses.

l A indústria do amianto afir-

ma que por trás da luta pelobanimento há, na verdade,uma guerra comercial?FERNANDA: A luta pelo ba-nimento do amianto vembem antes dessa guerra co-mercial, quando as duas em-presas, Eternit (que produzcom amianto) e Brasilit (quefabrica telhas sem a fibra),ainda eram sócias.

l Minaçu, onde existe a minaem atividade, depende total-mente da mineração. Comoficará a cidade sem o amian-to?FERNANDA: Minaçu temuma dependência quase um-bilical com a mineração. Épreciso criar uma alternativapara cidade, para que ela nãose transforme numa Bom Je-sus da Serra (cidade baianaque abrigou a primeira minano Brasil). Eles bancam tudopara criar essa dependência.

l Qual a estimativa de núme-ros de expostos ao amiantono Brasil?FERNANDA: São quatro miltrabalhadores diretos na mi-na e nas indústrias. Mas os ex-postos abrangem os operári-os da construção, a popula-ção do entorno das fábricas eos parentes. Assim, o númerosobe para um milhão de ex-postos. (Cássia Almeida)

RIO20+

Cássia [email protected]

Danilo [email protected]

Correspondente

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