g’ºruifonte/pdfs/pdfs_arquivados_anos_anteriores/... · quando o transporte é passivo ⇔a...

5
41 A palavra síntase (não confundir com sintétase ) está popularmente associado a algumas enzimas e as síntases podem pertencer a diferentes classes. 1- A síntase do glicogénio é de facto uma transférase. 2- Outras síntases foram classificadas na classe das líases. Exemplos: Síntase do citrato (acetil-CoA + oxalacetato + H 2 O citrato + CoA) Síntase da hidroxi-metil-glutaril-CoA (acetil-CoA + acetoacetil-CoA + H 2 O hidroxi-metil-glutaril-CoA + coenzima A) Algumas vezes o nome que foi originalmente atribuído a uma enzima (síntase do composto X), embora fora da nomenclatura sistemática, manteve-se o mais popular ao longo dos anos. 3- A síntase do ATP é de facto uma hidrólase (e, simultaneamente um transportador de protões). 42 À rotura hidrolítica das ligações fosfoanidrido do ATP (entre os fosfatos α-β e β-γ) estão associados valores de G’º “muito” negativos; por isso se diz na gíria dos bioquímicos que estas ligações são “ricas em energia”. 1- Dizemos que a glicose e o etanol “são substâncias energéticas” porque no seu processo de oxidação libertam enormes quantidades de energia: Glicose + 6 O 2 6 CO 2 + 6 H 2 O G´º = - 2840 kJ/mol Etanol + 2 O 2 2 CO 2 + 2 H 2 O G´º = - 168 kJ/mol (nota: estes G’º não se referem aos seres vivos; G’º refere-se sempre a condições padrão) 2- Quando dizemos que o ATP é “uma substância energética” não estamos a falar da reacção de oxidação do ATP mas da sua fosfohidrólise. ATP + H 2 O ADP + Pi G’º = - 31 kJ/mol ATP + H 2 O AMP + PPi G’º = - 46 kJ/mol G´º= -31 kJ G´º= -46 kJ 43 As ligações em que o G´º que corresponde à sua rotura hidrolítica (em condições padrão) tem um valor semelhante ou é ainda mais negativo que o que corresponde à rotura das ligações fosfoanidrido do ATP (- 31 kJ mol -1 ou - 46 kJ mol -1 ) dizem-se “ricas em energia” e costumam representar-se por As ligações “ricas em energia” podem ser de tipo: a) fosfoanidrido como no ATP c) enolfosfato como no fosfoenolpiruvato. b) fosfamida como na fosfocreatina G´º= - 43 kJ G´º= -62 kJ d) tioéster como no succinil-CoA. G´º= -36 kJ Quando dizemos que a fosfocreatina, o fosfoenolpiruvato ou o succinil-CoA “são substâncias energéticas” também estamos simplesmente a dizer que a sua fosfohidrólise tem um valor de G’º muito negativo. 44 Embora o G’º seja apenas uma medida da Keq (e não determine por si só o sentido em que a reacção vai evoluir) o conceito de “ligação rica em energia” revelou-se útil… (1) porque, normalmente, quando uma enzima catalisa o acoplamento de duas semi- reacções em que uma é a rotura de uma “ligação rica em energia” e a outra a formação de uma ligação que “não é rica em energia” (como as fosfoéster) a reacção é fisiologicamente irreversível… Exemplos: + glicose ADP + glicose-6-P (cínase da glicose) + frutose-6-P ADP + frutose-1,6-bisfosfato (cínase da frutose-6-P) (2) e porque, normalmente, quando nas duas semi-reacções acopladas, numa se rompe e na outra se forma uma “ligação rica em energia” a reacção é fisiologicamente reversível Exemplos: + ADP succinato + CoA + + ADP creatina + + ADP 3-fosfoglicerato + Síntese de succinil-CoA Cínase da creatina Cínase do 3-fosfoglicerato

Upload: others

Post on 07-Mar-2020

9 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: G’ºruifonte/PDFs/PDFs_arquivados_anos_anteriores/... · Quando o transporte é passivo ⇔a favor do gradiente electroquímico ⇔∆G

41

A palavra síntase (não confundir com sintétase) está popularmente associado a algumas enzimas e as síntases podem pertencer a diferentes classes.

1- A síntase do glicogénioé de facto uma transférase.

2- Outras síntases foram classificadas na classe das líases. Exemplos:Síntase do citrato

(acetil-CoA + oxalacetato + H2O → citrato + CoA)

Síntase da hidroxi-metil-glutaril-CoA(acetil-CoA + acetoacetil-CoA + H2O → hidroxi-metil-glutaril-CoA + coenzima A)

Algumas vezes o nome que foi originalmente atribuído a uma enzima (síntase do composto X), embora fora da nomenclatura sistemática, manteve-se o mais popular ao longo dos anos.

3- A síntase do ATPé de facto uma hidrólase (e, simultaneamente um transportador de protões).

42

À rotura hidrolítica das ligações fosfoanidrido do ATP (entre os fosfatos α-β e β-γ) estão associados valores de ∆G’º “muito” negativos; por isso se diz na gíria dos bioquímicos que estas ligações são “ricas em energia”.1- Dizemos que a glicose e o etanol

“são substâncias energéticas” porque no seu processo de oxidação libertam enormes quantidades de energia:

Glicose + 6 O2 → 6 CO2 + 6 H2O ∆G´º = - 2840 kJ/mol

Etanol + 2 O2 → 2 CO2 + 2 H2O ∆G´º = - 168 kJ/mol

(nota: estes ∆G’º não se referem aos seres vivos; ∆G’º refere-se sempre a condições padrão)

2- Quando dizemos que o ATP é “uma substância energética” não estamos a falar da reacção de oxidação do ATP mas da sua fosfohidrólise.

ATP + H2O → ADP + Pi ∆G’º = - 31 kJ/mol

ATP + H2O → AMP + PPi ∆G’º = - 46 kJ/mol ∆G´º= -31 kJ

∆G´º= -46 kJ

43

As ligações em que o ∆G´º que corresponde à sua rotura hidrolítica (em condições padrão) tem um valor semelhante ou é ainda mais negativo que o que corresponde à rotura das ligações fosfoanidrido do ATP (- 31 kJ mol-1 ou -46 kJ mol-1) dizem-se “ricas em energia” e costumam representar-se por

As ligações “ricas em energia” podem ser de tipo: a) fosfoanidrido como no ATP

c) enolfosfato como no fosfoenolpiruvato.

b) fosfamida como na fosfocreatina

∆G´º= - 43 kJ

∆G´º= -62 kJ

d) tioéster como no succinil-CoA.

∆G´º= -36 kJ

Quando dizemos que a fosfocreatina, o fosfoenolpiruvato ou o succinil-CoA “são substâncias energéticas” também estamos simplesmente a dizer que a sua fosfohidrólisetem um valor de ∆G’º muito negativo.

44

Embora o ∆G’º seja apenas uma medida da Keq (e não determine por si só o sentido em que a reacção vai evoluir) o conceito de “ligação rica em energia”revelou-se útil…(1) porque, normalmente, quando uma enzima catalisa o acoplamento de duas semi-reacções em que uma é a rotura de uma “ligação rica em energia” e a outra a formação de uma ligação que “não é rica em energia” (como as fosfoéster) a reacção éfisiologicamente irreversível…

Exemplos:

+ glicose → ADP + glicose-6-P (cínase da glicose)

+ frutose-6-P → ADP + frutose-1,6-bisfosfato (cínase da frutose-6-P)

(2) e porque, normalmente, quando nas duas semi-reacções acopladas, numa se rompe e na outra se forma uma “ligação rica em energia” a reacção é fisiologicamente reversível

Exemplos:

+ ADP ↔ succinato + CoA +

+ ADP ↔ creatina +

+ ADP ↔ 3-fosfoglicerato +

Síntese de succinil-CoA

Cínase da creatina

Cínase do 3-fosfoglicerato

Page 2: G’ºruifonte/PDFs/PDFs_arquivados_anos_anteriores/... · Quando o transporte é passivo ⇔a favor do gradiente electroquímico ⇔∆G

45

No 1,3-bisfosfoglicerato háuma ligação fosfoanidrido (“rica em energia”) que não existe no 3-fosfoglicerato...

A cínase do 3-fosfoglicerato catalisa uma reacção de fosfotransferência que éfisiologicamente reversível (no sentido da síntese de ATP na glicólise e de consumo de ATP na gliconeogénese)...

∆G´º- 49 kJ

…mas nem sempre o acoplamento de semi-reacções em que há síntese e rotura de “ligações ricas em energia” corresponde a reacções fisiologicamente reversíveis: a reacção catalisada pela cínase do piruvato é fisiologicamente irreversível.

+ ADP → piruvato + 46

As reacções enzímicas que in vivo geram PPi têm um ∆G (real) muito negativo porque o produto PPi é rapidamente hidrolisado pela acção catalítica de pirofosfátasesque mantém a sua concentração muito baixa.

Como resultado da acção catalítica das pirofosfátases celulares⇒ a concentração de PPi na célula é muito baixa;não existe um dos substratos para que a reacção inversa possa ocorrer

As reacções em que um dos produtos é o PPi são reacções exergónicas em todas as condições metabólicas

reacções fisiologicamente irreversíveis.

47

Nos sistemas biológicos existem membranas que separam compartimentos mas muitas substâncias podem atravessar essas membranas.

As membranas biológicas são constituídas por um duplo folheto lipídico onde estão embebidas proteínas integrais (quando a atravessam dum lado ao outro) ou proteínas periféricas (no caso contrário).

Existe transporte passivo ( = difusão) de uma determinada substância quando ela se move a favor do seu gradiente electroquímico: o processo éestritamente exergónico.

Existe transporte activo de uma determinada substância quando ela se move a contra o seu gradiente electroquímico: o processo contém um componente endergónico.

48

Na maioria das células a glicose (e outras substâncias não iónicas) atravessa as membranas a favor do seu gradiente de concentrações (difusão ou transporte passivo).No plasma sanguíneo e no líquido extracelular a [glicose] ≈ 5 mM mas no citosol da maioria das células, em resultado da acção da hexocínase, é cerca de 0,1 mM. Em equilíbrio haveria igual concentração nos 2 lados da membrana⇒ e a glicose tende a mover-se de fora para dentro.

Na membrana da maioria das células a glicose move-se a favor de gradiente

⇔ processo estritamente exergónico

Nota: nos enterócitos, durante o processo absortivo, e no fígado em jejum

a concentração de glicose é maior no interior das células que no sangue e a glicose sai das células porque é nesse sentido que o processo é exergónico.

[glicose]fora ≈ 5 mM

[glicose]dentro ≈ 0,1 mM

∆G = - RT lnKeq

QR= -RT ln 1

[glicose]dentro

[glicose]fora

= -RT ln [glicose]fora

[glicose]dentro

Page 3: G’ºruifonte/PDFs/PDFs_arquivados_anos_anteriores/... · Quando o transporte é passivo ⇔a favor do gradiente electroquímico ⇔∆G

49Quando o transporte é passivo ⇔ a favor do gradiente electroquímico ⇔ ∆G<0o processo de transporte da substância em análise é exergónico.

O transporte transmembranar de substâncias iónicas é passivo (difusão) quando ocorre a favor do gradiente electro-químico (gradiente eléctrico e de concentrações).Consideremos agora o caso do transporte de Na+ de fora para dentro da célula que ocorre, por exemplo, nas fibras musculares quando sofrem um estímulo nervoso (o chamado processo de despolarização):

No caso do transporte de substâncias com carga eléctrica (iões) para além do gradiente químico temos de ter em conta a eventual existência de uma diferença de potencial entre os dois lados da membrana.

O lado interno da membrana citoplasmática tem carga negativa relativamente ao lado externo que tem carga positiva.

A energia envolvida no transporte de iões Na+ de fora para dentro da célula é o somatório:

energia correspondente ao gradiente químico (∆G negativo)+

energia correspondente à diferença de potencial (∆G negativo)

50

O transporte de uma substância diz-se activo quando essa substância se move contra o seu gradiente electroquímico.

O transporte de uma substância contra o seu gradiente eléctrico e químicoé um processo endergónico (∆G1 positivo) e só pode ocorrer se acoplado com um processo exergónico (∆G2 negativo) ⇒ (∆G1 + ∆G2) negativo.

As bombas são proteínas da membrana que acoplamo transporte de substâncias contra gradiente electroquímico (∆G>0)com um outro processo que é exergónico (∆G<0) (que pode ser uma reacção química ou um processo exergónico de transporte) de forma que, no conjunto, o processo seja exergónico (soma dos ∆G<0) e possa ocorrer.

51

Transporte de 3 Na+ contra gradiente electroquímico (∆G ≈ + 33 kJ/mol de ATP)Transporte de 2 K+ contra gradiente electroquímico (∆G ≈ + 8 kJ/mol de ATP)Hidrólise de 1 ATP (∆G ≈ - 50 kJ/mol de ATP)⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯Processo global catalisado pela bomba de Na+/K+ (∆G ≈ - 9 kJ/mol de ATP)

...é exergónico.

São os casos das actividades: 1- da ATPase do sódio/potássio (bomba de sódio/potássio):

Quando o transporte de uma substância ocorre contra o seu gradiente electroquímico e o processo exergónico acoplado é uma reacção química falamos em transporte activo primário.

2- dos complexos I, III e IV da cadeia respiratória:

aqui a componente exergónica éuma reacção redox...

52

Quando o transporte de uma substância ocorre contra o seu gradiente electroquímico e o processo exergónico é o transporte de um ião a favor do seu gradiente electroquímico (por sua vez criado por um transporte activo primário) falamos em transporte activo secundário.

Diz-se que os transportadores de Na+ e glicose existentes no polo apical dos enterócitos (SGLT1) e nos túbulos contornados proximais (SGLT2)são “simporters” porque só podem funcionar transportando 2 iões Na+ e 1 molécula de glicose no mesmo sentido.

O transporte de glicose no polo apicaldos enterócitos e das células dos túbulos contornados proximais do nefrónio é um transporte activo secundárioem que o processo exergónicoé a passagem de iões sódio para dentro das células a favor do gradientee o endergónico o transporte de glicose contra gradiente.

Page 4: G’ºruifonte/PDFs/PDFs_arquivados_anos_anteriores/... · Quando o transporte é passivo ⇔a favor do gradiente electroquímico ⇔∆G

53

Tal como no caso das reacções químicas o valor do ∆G permite prever o sentido do processo de transporte mas não nos diz nada acerca da velocidade.Com a excepção de pequenas moléculas sem carga o transporte de substâncias através das membranas celulares é mediado por proteínas que catalisam o processo de transporte.

1- Nalguns casos de transporte passivo (difusão) crê-se que as substâncias atravessam a membrana dissolvendo-se nos fosfolipídeos da membrana sem a intervenção de proteínas: é o caso de substâncias com massa molecular baixa e sem carga como, por exemplo, o O2, o CO2 ou o N2. Nestes casos diz-se que existe difusão simples; simples porque não

intervêm transportadores.

2- Na maioria dos casos o transporte transmembranar ocorre através da acção catalítica de proteínas integrais da membrana que se designam por

transportadores.A palavra catálise embora não seja vulgarmente aplicada a processos de transporte éadequada já que também aqui a acção do transportador é, ao baixar a energia de activação do processo, acelerá-lo.

3- Os transportadores podem, em certos casos, catalisar simultaneamente uma reacção química

(e nesse sentido são também enzimas) como, por exemplo, no caso da ATPase do sódio e do potássio.

54

As palavras “difusão”, “transporte passivo” e “transporte activo” referem-se àtermodinâmica do processo de transporte; as palavras “simples”, “facilitado/a”, “mediado”, “transportador”, “co-transporte” “uniporter”, “antiporter” e “simporter” referem-se ao catalisador (ou à sua ausência).1- Palavras que descrevem a energia envolvida no processo de transporte e estão, portanto, relacionadas com aspectos relacionadas com termodinâmica do processo:

a) transporte a ”favor do gradiente electroquímico” = transporte passivo = difusão ⇒processo exergónico.

b) transporte activo = transporte “contra o gradiente electroquímico” ⇒processo endergónico.

2- Palavras relacionadas com o tipo de catalisador envolvido no processo de transporte:a) simples = não mediado (sem catalisador).b) facilitado = mediado por transportador. b1) uniporter, simporter e antiporter.b2) quando há co-transporte estáenvolvido um simporter (ou um antiporter).

55

A linha de separação entre transportadores e enzimas é tão ténue que, em muitos casos, é impossível dizer se estamos a falar de uma enzima ou de um transportador.

1- Nos complexos da cadeia respiratória da mitocôndria as reacções de oxi-redução são exergónicase o componente endergónico é o transporte de protrõescontra gradiente electroquímico.

1’- Um caso semelhante ocorre no caso da bomba de sódio e potássio. (hidrólise de ATP exergónica; movimento de iões endergónico)

2- No caso da síntase do ATP na mitocôndria nas condições in vivo o componente exergónico é o movimento de protões a favor do gradiente electroquímico e o endergónico é a reacção de síntese do ATP (ADP+Pi → ATP + H2O ).

Nota: os transportadores/enzimas são apenas catalisadores...56nutrientes

NAD+

NADH

O2

I loveelectrons

We hateelectrons

nutrientes

O2

H2O

CO2

ADP

Pi

H2O

enzimas e enzimas/trans-portadoresenvolvidas no catabolismo

∆G < 0∆G > 0

ATP

Page 5: G’ºruifonte/PDFs/PDFs_arquivados_anos_anteriores/... · Quando o transporte é passivo ⇔a favor do gradiente electroquímico ⇔∆G

57

Nutrientes ou intermediários do metabolismo

H2O

ADP

Pi

enzimas e enzimas/trans-portadores

∆G < 0

∆G > 0

ATP

proteínas, glicoproteínas,lipídeos e glicídeos complexos, ácidos nucleicos...

58

Bibliografia aconselhada:Nelson DL & Cox MM. (2005) Lehninger Principles of Biochemistry. 3rd ed. Worth

Publishers. New York.

Chang R. (1994) Química 5ª ed. McGrow-Hill de Portugal, Lda

Fontes R (2008) Notas sobre Introdução às reacções enzímicas. Equilíbrio químico, catálise e classificação funcional.

Fontes R (2003) Notas de termodinâmica química e calorimetria (A energia como um conceito menos intuitivo que o que parece).