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Faculdade Cenecista de Osório – FACOS/CNEC
EnsiQlopédia
Revista acadêmico-científica (eletrônica) do curso de licenciatura em Letras
FACOS/CNEC
Volume 12, Nº 1, outubro de 2015, ISSN 1984-9125
Diretor Prof. Me. Júlio César Lindemann
Coordenação geral do Conselho Editorial Profª. Mª. Rosângela Leffa Behenck
Coordenação editorial da revista EnsiQlopédia Profª. Drª. Priscilla de Oliveira Ferreira
Conselho Editorial Profª. Mª. Christiane Jaroski Barbosa – CNEC/FACOS Osório/RS Profª. Drª. Cristina Maria de Oliveira – CNEC/FACOS Osório/RS Prof. Dr. Daniel Conte – FEEVALE Novo Hamburgo/RS Prof. Dr. Edison Luiz Saturnino – CNEC/FACOS Osório/RS Profª. Drª. Jane Fraga Tutikian – UFRGS Porto Alegre/RS Profª. Drª. Kazue Saito Monteiro de Barros – UFPE Recife/PE Prof. Dr. Marcelo Spalding – Uniritter Porto Alegre/RS Prof.ª Dr.ª Mauren Pavão Przybylski – UNEB Alagoinhas/BA Profª. Mª. Naura Martins – CNEC/FACOS Osório/RS Profª. Drª. Neiva Maria Tebaldi Gomes – Uniritter Porto Aleggra/RS Prof. Dr. Sebastião Josué Votre – UFRJ – UGF Rio de Janiero/RJ Parecerista convidado
Profª. Esp. Adriana Maria Menezes Godinho –. Yazigi Osório/RS
Assessoria Técnico-Editorial Jonatan Fortes – Assessoria de Marketing - CNEC Osório/RS Willian de Ávila – Assessoria de Tecnologia e Sistemas – CNEC Osório/RS Maicon Flor dos Santos – Assessoria Técnico-Digital – CNEC Osório/RS Lucas Innocente Teixeira – Assessoria Conselho Editorial – CNEC Osório/RS
As informações e comentários que compõem os conteúdos dos artigos
publicados são de inteira responsabilidade de seus respectivos autores.
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Apresentação
As publicações acadêmicas visam fomentar a pesquisa e a escrita de textos sobre
os diferentes campos do conhecimento. A revista EnsiQlopédia, vinculada ao curso
de Letras da CNEC Osório/FACOS, objetiva ser um espaço de divulgação e
socialização de estudos na área das linguagens. Nosso intuito é proporcionar ao
público leitor acesso à diversidade de pesquisas e reflexões nos diversos campos da
área de formação profissional em Letras.
A cada edição, a revista EnsiQlopédia se consolida como um canal para a
publicação do resultados das investigações de professores, estudantes e
pesquisadores na área das Letras (principalmente na área de Língua e Literaturas
de línguas portuguesa e inglesa). Não é à toa que a cada edição recebemos mais
produções para serem avaliadas. Que continuemos assim!
Nesta edição, publicamos artigos, resenhas e relatos de experiências de
pesquisadores de diferentes instituições. As temáticas também estão bastante
variadas, vão desde a formação de professores, discussão sobre o projeto de ensino
de língua inglesa para crianças de baixa renda, até análise de livros didáticos de
língua portuguesa utilizados no ensino fundamental. Nossa publicação também inclui
relatos de experiência de projetos educacionais no turno inverso e análise das aulas
de redação de um curso pré-vestibular popular. Divulgamos ainda uma resenha
sobre a obra do autor italiano Niccolò Ammaniti, ainda pouco conhecido no Brasil,
mas reconhecido internacionalmente, com obras traduzidas para diversos países.
Então, aproveite a oportunidade, conheça mais sobre a literatura italiana e
aprofunde-se nos diversos temas aqui publicados. Boa leitura!
Profª. Drª. Priscilla de Oliveira Ferreira Coordenadora do curso de Letras - FACOS/CNEC
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Sumário
Artigos científicos
Aprendizagem e interação na sala de aula de Língua Inglesa: uma experiência positiva .................................................................................................................. 6 Daniela dos Santos Salazar
Aspectos sobre o desenvolvimento de projeto de língua inglesa em contexto de educação infantil comunitária ....................................................................... 16 Aura Campos Alibio
As diferentes abordagens do ensino de verbos presentes nos livros didáticos do ensino fundamental: uma análise comparativa ........................................... 32 Letícia Delicor
A formação inicial docente: breves considerações .......................................... 49 Francieli Corbellini
A tragédia grega e Electra: a representação da vingança na casa de Agamêmnon em Eurípedes e Ésquilo ................................................................ 64 Thales Pereira Maciel
The Evolution of the Second Personal Subject Pronoun You Across the Time …………………………………………………………………………………………….. 83 Eliane da Rosa
Resenha
O romance de formação de Niccolò Ammaniti .................................................. 94 Lauro Iglesias Quadrado
Relatos de experiências
Discutindo preconceito e suas consequências e reproduções na sociedade nas aulas de Redação ................................................................................................. 99 Ana Paula Seixas Vial Larissa Goulart da Silva
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Formação do cidadão: as mãos na arte e olhar na História ............................ 110 Amanda da Silveira Duarte Gomes Christiane Jaroski Barbosa
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Aprendizagem e interação na sala de aula de Língua Inglesa: uma experiência positiva
Daniela dos Santos Salazar1
Resumo Este artigo tem como propósito relatar uma vivência pedagógica com alunos de uma turma de 7º ano em uma escola pública estadual do Rio Grande do Sul, desenvolvida ao longo de cinco aulas de Língua Inglesa com um conteúdo específico. O grupo de alunos mostrou-se participativo e atuante, diferente do envolvimento que apresentavam nas aulas de Língua inglesa antes da proposta de trabalho. Palavras-chave: Língua inglesa, alunos, vivência pedagógica. Abstract This article purpose to relate an educational experience with students in a class of 7th grade in a public school in Rio Grande do Sul, developed during five english classes with a specific subject. The group of students showed participatory and active, different from the way with that presented in English classes before the work proposal. Keywords: English language – students - pedagogical experience.
Introdução
Para nós professores de inglês é muito gratificante acompanhar o progresso dos
alunos no dia a dia da sala de aula. Vale lembrar que muitos desses alunos têm seu
primeiro contato com a Língua inglesa apenas na escola. Em determinadas
ocasiões, muitos deles se sentem inseguros quanto à possibilidade de um novo
aprendizado.
Em face dessas considerações, faz-se necessário destacar que o professor deve
estar consciente da diversidade que poderá encontrar na sala de aula de Língua
inglesa, bem como das dificuldades de aprendizagem de cada aluno em particular.
Por outro lado, cabe ao aluno, também, vencer a barreira do medo desse
conhecimento novo e buscá-lo, entendendo o processo de ensino-aprendizagem
como uma possibilidade não só de aquisição de uma segunda língua, mas também
de um conhecimento de mundo mais amplo. Para tanto, é necessário que 1 Licenciada em Letras – Habilitação em Língua Inglesa e Literaturas (FACOS/RS). Especialista em
Língua Inglesa (FIP/MG). Mestre em Educação (UNESC/SC). Professora de rede pública estadual do RS.
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professores e alunos sejam parceiros no processo de ensino-aprendizagem, que o
professor saia da sua posição de destaque na sala de aula e que o aluno saia da
sua zona de conforto, ou seja, da posição de mero espectador à espera do
conhecimento pronto. Esse movimento do aluno é favorável para a busca da sua
autonomia enquanto sujeito do processo.
Diante desses apontamentos, surge o seguinte questionamento: como a sala de
aula pode se tornar mais interativa contribuindo para o aprendizado efetivo da
Língua Inglesa. Partindo de uma vivência pedagógica com alunos de uma turma de
7º ano em particular, buscou-se responder ao questionamento, com vistas a relatar a
experiência vivenciada e discutir os resultados alcançados.
Os objetivos propostos
Com vistas a desenvolver a investigação ressalta-se como objetivo principal da
experiência: desenvolver o trabalho em equipe, de modo a respeitar diferentes
opiniões e diversidades na sala de aula. Também, os seguintes objetivos específicos
fizeram parte do percurso investigativo: a) conhecer o vocabulário sobre o
Halloween; b) construir e participar dos jogos coletivamente: memory games; c)
discutir e organizar uma Halloween party.
A seguir, algumas considerações a respeito do professor de Língua inglesa, o papel
do aluno, seguidas do percurso metodológico utilizado para descrever a vivência
pedagógica, dos resultados obtidos, bem como as conclusões acerca do objeto de
estudo, são apresentadas no decorrer desse relato.
O papel do professor de Língua Inglesa
Diante de algumas reflexões sobre o ensino de Língua Inglesa, as palavras de
Kleiman são oportunas para dar início a algumas considerações. Segundo a autora,
“ninguém gosta de fazer aquilo que é difícil demais, nem aquilo do qual não se
consegue extrair o sentido” (KLEIMAN, 2001, p. 16). Nas salas de aula de Língua
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Inglesa, muitos alunos estão nesse ambiente porque precisam estar, seja por
imposição dos responsáveis, seja pela obrigação imposta por órgãos oficiais que
asseguram a permanência dos alunos na escola por conta de sua formação básica
obrigatória, assim como consta no Art. 4 do Estatuto da Criança e do Adolescente2.
Muitos dos alunos não conseguem entender o significado do processo em que estão
inseridos, ou seja, não entendem o porquê ou para que estão sendo submetidos a
tais situações de aprendizagem. No momento em que algo não faz sentido para o
aluno, ele o toma como um problema de difícil resolução, e uma das alternativas
mais frequentes é a negativa de interagir no processo e, consequentemente, de se
integrar a ele. É muito comum, na sala de aula de Língua Inglesa, escutar um aluno
dizendo que não entende o que está sendo falado e muito menos o que deverá ser
feito na tarefa. Em alguns casos, o aluno usa essa situação como uma possível
desculpa para não realizar as atividades propostas ou para justificar sua falta de
interesse. Com isso, estará obstruindo a possibilidade de interação no processo de
aprendizagem, bem como o sucesso das atividades propostas. É de suma
importância que o professor esteja atento às diferentes problemáticas encontradas
na sala de aula.
Miccoli (2010) destaca a importância do papel do professor, enquanto educador,
devidamente habilitado para a disciplina de Língua Inglesa, perante o processo de
ensino e aprendizagem. Siqueira (2011) traz uma reflexão sobre a aprendizagem de
Língua Inglesa quando esta é destinada a professores sem formação na disciplina.
O autor assevera que existem professores de outras disciplinas que são orientados
a assumir classes de Língua Inglesa apenas para cumprir a carga horária que é
exaustiva para a demanda de trabalho. Essa situação causa desconforto não só
para o professor, mas também para os alunos. O autor nomeia esse tipo de docente
professor “postiço” (SIQUEIRA, 2011, p. 97), que está para resolver um problema de
ordem administrativa, em que profissionais não habilitados em Língua Inglesa
assumem as aulas porque não estão com a carga horária preenchida. Outro
apontamento de Siqueira (2011) diz respeito ao professor “mudo”. São professores 2 Art. 4. “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar,
com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 2010, p. 12).
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que têm habilitação em Língua Inglesa e conhecem a língua. Entretanto, eles não
promovem a interação na sala de aula, não utilizam a prática oral e não exploram o
conteúdo e, com isso, não levam o aluno à reflexão. De acordo com o autor, são
professores que “atuam em cursos particulares e na escola pública, conduzindo sua
prática de maneira completamente distinta” (SIQUEIRA, 2011, p. 101). Além dos
outros professores apontados, o autor comenta que existe, também, o “professor
crítico-reflexivo”. Trata-se do professor que tem consciência de quais adversidades
estão à sua espera no sistema atual de ensino e quais mudanças precisam
efetivamente ser realizadas, ou seja, é um professor capaz de refletir criticamente
sobre a sua prática e preocupa-se em buscar, mesmo encontrando adversidades em
sua caminhada, novos meios para proporcionar aos alunos oportunidades de
compreender diferentes visões de mundo.
O papel do aluno
O aluno, enquanto aprendiz de uma segunda língua, pode estar em busca da
autonomia na sua aprendizagem a fim de compreendê-la mais claramente, contando
com uma diversidade de ideias e termos. Segundo Kumaravadivelu (2003), alguns
desses termos e ideias se traduzem pelas possíveis situações em que os alunos
produzem, em sala de aula, sem o controle direto do professor, ou quando
concordam com os critérios da aprendizagem sugeridos, quando os alunos fazem
uso do material didático ou de tecnologias disponíveis, ou ainda, quando os alunos
são submetidos a determinadas situações em que o processo é adaptado às
necessidades individuais de cada um. O autor aponta que toda aprendizagem
depende do grau de comprometimento dos alunos, bem como do engajamento dos
professores no que diz respeito à seleção de métodos e materiais adequados,
respeitando o ritmo de trabalho de cada aluno.
Entretanto, é importante mencionar que muitas vezes o aluno entende o professor
como o único responsável pela aprendizagem na sala de aula e, também, muitos
professores entendem o processo desse modo. Durante a graduação, os futuros
professores são orientados a “encantar seus alunos” ou levados a crer que
“precisam ser como artesãos”, ou seja, o professor deve ensinar a língua, de modo
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lúdico, de forma contextualizada, de maneira criativa, sendo aplicada da forma mais
comunicativa possível. Ora, basta adentrar a sala de aula de Língua Inglesa pela
primeira vez, que se chegará à conclusão de que não funciona assim. Para
começar, é necessário convencer o aluno a se integrar no processo de ensino-
aprendizagem. De acordo com as palavras de Leffa,
[...] por que razão os alunos vão acreditar no professor que vem de um mundo que não é o deles, para ensinar uma língua que não é a deles? E a pergunta que não vai faltar: professor, por que a gente tem que aprender inglês se lá nos Estados Unidos eles não têm que aprender português? (LEFFA, 2011, p. 29).
Esse é, sem dúvida, um dos primeiros obstáculos com que o professor tem de lidar.
Ainda o autor, aponta que
[...] o professor deve, de alguma maneira, tentar enturmar-se e, uma vez enturmado, enturmar a todos. [...] Uma turma conivente forma uma comunidade que pode, e deve, possuir membros com ideias diferentes, competências diferentes e níveis diferentes de conhecimento. [...] Para isso existe a divisão de trabalho e as normas, que serão estabelecidas em conjunto entre professor e alunos, para que a turma caminhe. A história tem mostrado incansavelmente que só a diversidade, a mestiçagem e o hibridismo de raças e ideias conseguem sobreviver. Isso também vale para a sala de aula [...]. (LEFFA, 2011, p. 30-31).
O aluno de Língua Inglesa deve ser sujeito ativo no processo de aprendizagem,
atuando junto com o professor, cuja função é mediar essa aprendizagem. O
professor através da interação com seus alunos é capaz de promover um sentido
dinâmico para a aprendizagem efetiva da língua. A partir dessas considerações, na
tentativa de resolver as dificuldades encontradas na aquisição de Língua Inglesa,
mais algumas palavras de Leffa são oportunas:
[...] propõe-se uma linha de ação que contemple dialogicamente três etapas: (1) criar uma parceria entre professor e alunos, formando uma comunidade em sala de aula; (2) estabelecer, em conjunto, os objetivos que almejam; (3) buscar os meios necessários para alcançar esses objetivos. Defende-se a ideia de uma cumplicidade positiva, baseada no pressuposto de que ninguém é perfeito. (LEFFA, 2011, p. 31)
Tomando como base as considerações de Leffa (2011), estabelecer um vínculo de
afetividade com os alunos, na sala de aula, pode ajudar no aprendizado do inglês.
Considerando que o conhecimento é uma construção e que o professor não é
simplesmente alguém que transmite o conhecimento, é importante ressaltar que,
para o aluno, a interação na sala de aula é o que permitirá a construção do
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significado sobre a sua aprendizagem. Nesse caso, estabelecida uma relação de
afetividade, tanto com seus pares quanto com o seu professor, é possível que o
aluno se envolva com o processo de aprendizagem de Língua Inglesa, contando
com um professor que deverá assumir o seu papel de profissional dessa relação de
interação, bem como desempenhar a sua tarefa de produtor de sentido.
Diante dos apontamentos anteriores, serão expostos os procedimentos
metodológicos utilizados a fim de relatar uma vivência pedagógica dos alunos de
uma turma do 7º ano, em uma escola pública estadual do RS.
Metodologia
Todo o professor-pesquisador sabe da importância em se questionar a realidade no
campo educacional vivenciado no dia a dia. Demo (1990, p. 20) afirma que “o
pesquisador não somente é quem sabe acumular dados mensurados, mas,
sobretudo, quem nunca desiste de questionar a realidade, sabendo que qualquer
conhecimento é apenas um recorte”. É necessário um certo cuidado quanto ao fato
de que todo conhecimento, representa um fragmento, mas que não pode perder a
relação com a totalidade, ou seja, busca-se evidências nas atividades propostas na
sala de aula de modo a servir de auxílio para os professores no ensino de Língua
inglesa no seu cotidiano escolar. Sendo assim, o recorte apresentado tem como
base 5 aulas (com dois períodos de 50 minutos) de Língua inglesa, em uma turma
de 7º ano, no horário vespertino de uma escola estadual em particular, na cidade de
Torres, durante o ano de 2013, em que eu mesma era responsável pela disciplina.
Em se tratando do perfil da turma, contava-se com uma significativa diferença em
relação à idade escolar e principalmente quanto aos diversos interesses de cada
um. Havia problemas de disciplina e em muitas situações foram necessárias
intervenções por parte da equipe diretiva na sala de aula. Também, muitos deles,
tinham o hábito de faltar às aulas sem qualquer justificativa, o que contribuía
negativamente para o aprendizado.
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Com isso, a partir do questionamento inicial: como a sala de aula pode se tornar
mais interativa contribuindo para o aprendizado da Língua inglesa, seguidos do
objetivo geral: desenvolver o trabalho em equipe, de modo a respeitar diferentes
opiniões e diversidades na sala de aula, e dos objetivos específicos: a) conhecer o
vocabulário sobre o Halloween; b) construir e participar dos jogos coletivamente:
memory games; c) discutir e organizar uma Halloween party, passamos ao relato
dos procedimentos com vistas a apresentar e discutir os resultados obtidos.
Desse modo, os procedimentos assim aconteceram: na primeira aula, os alunos
reuniram-se em duplas e com o auxílio do dicionário de inglês/português
pesquisaram o vocabulário sobre o Halloween; na segunda aula, os alunos
reuniram-se em pequenos grupos de 3 ou 4 alunos e relacionaram os dados da
pesquisa da aula anterior com as imagens sobre o Halloween impressas e entregues
por mim mesma, professora de inglês da referida turma. Também, na segunda aula,
foram comentados os dados da pesquisa e a fixação da pronúncia foi realizada. Na
terceira aula os alunos reuniram-se em torno de uma grande mesa, organizada com
as classes da sala de aula, e de posse de materiais diversos, cartolinas, cola, lápis
de cor, tesoura, entre outros, trazidos de casa, confeccionaram diferentes memory
games. Na quarta aula, as classes os alunos foram organizadas em duplas e então
puderam fazer uso dos seus memory games: The Halloween game. Na quinta aula,
houve uma festa de Halloween juntamente com um concurso de lanternas: “Jack ‘o’
lantern”.
Resultados
O objetivo maior deste artigo pauta-se pela intenção de desenvolver o trabalho em
equipe, de modo a respeitar diferentes opiniões e diversidades na sala de aula, a
partir de atividades que venham a promover a interação na sala de aula de Língua
inglesa.
Diante do desenvolvimento das aulas, é importante ressaltar que nenhum dos
alunos deixou de confeccionar o seu game. Inicialmente havia uma lista pesquisada
por eles, mas nem todos os alunos se utilizaram de todos os dados pesquisados. No
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momento que os diferentes memory games ficaram prontos (lembrando que os
alunos tiveram total liberdade para escolher o vocabulário, bem como produzir os
games se utilizando de materiais diversos), os alunos não só jogaram com as suas
duplas, mas também com as outras duplas de modo a trocar de lugar e interagir com
os colegas na sala de aula de Língua Inglesa.
A partir das atividades iniciais de pesquisa de vocabulário e confecção de cada
memory game os alunos se sentiram motivados e passaram a participar das
decisões da sala de aula. A festa de Halloween foi uma sugestão dada por mim, mas
a ideia de realizar um concurso de lanternas “Jack ‘o’ lantern” partiu dos alunos.
Também houve um grande movimento para o uso de fantasias e, principalmente,
fizeram questão da presença da equipe diretiva para escolher a lanterna mais
original, com direito a premiação e foto, fixada posteriormente no hall de entrada da
escola, a pedido dos próprios alunos.
Considerações finais
Durante a execução das atividades propostas, com o objetivo de estimular e
proporcionar o trabalho em equipe, bem como inserir o vocabulário do Halloween no
universo dos alunos, ficou evidente que no momento em que os alunos passaram a
desenvolver as atividades em duplas ou em grupos, começaram a se portar de
modo diferente na aula. As atividades contribuíram do modo bastante significativo
para o aprendizado de Língua inglesa dos alunos do 7º ano.
Em se tratando de uma turma com um histórico negativo quanto à aprendizagem
nas disciplinas em geral e, também, quanto ao comportamento por vezes agressivo
na sala de aula, tanto com os professores, quanto entre eles, ressalta-se a
importância das relações de interação que foram observadas ao longo das aulas em
que as atividades foram desenvolvidas. Inicialmente não houve prontidão por parte
dos alunos, mas ao final da primeira aula, a grande maioria já se mostrava animada
com a proposta. Desde o início, eles estavam conscientes do modo como as
atividades seriam desenvolvidas. Entretanto, ficou claro para os alunos que não se
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tratavam de atividades lineares, ou seja, caso houvesse necessidade de alguns
ajustes, estes seriam feitos em conjunto.
A medida em que os alunos percebiam que as suas sugestões eram acolhidas, um
ambiente mais saudável foi observado, isto é, a grande maioria passou a não faltar
mais as aulas e atitudes de agressividade passaram a não ocupar mais uma posição
de destaque. Durante as aulas que aconteceram as atividades específicas com o
tema Halloween, a presença da equipe diretiva não foi necessária, salvo na festa em
que membros da equipe diretiva foram convidados para julgar e escolher a lanterna
“Jack ‘o’ lantern”, mais bonita. Nesse momento decidimos (eu e os membros da
equipe) que não havia uma lanterna mais bonita, e sim todas elas seriam as
escolhidas porque estavam muito caprichadas e criativas.
É importante salientar que o fato dos alunos se relacionarem com outros colegas
durante o uso dos games permitiu que outros laços se estreitassem, isto é,
socializaram com outros colegas da aula que muitas vezes sequer conversavam e,
durante as atividades, o diálogo face a face foi muito importante para que
respeitassem e aceitassem as diferentes opiniões existentes na sala de aula. Todo
esse movimento contribuiu para um ambiente mais saudável, sem tantas situações
de tensão e, principalmente, um ambiente de respeito e construção do conhecimento
de modo significativo para os alunos.
Referências
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. 7. ed. Brasília: Biblioteca digital
da câmara dos deputados, 2010. Disponível em:<http://bd.camara.gov.br>. Acesso
em: 28 jul. 2014.
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. São Paulo: Cortez:
Autores Associados, 1990.
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KLEIMAN, Angela. Leitura: ensino e pesquisa. 2. ed. Campinas, São Paulo:
Pontes, 2001.
KUMARAVADIVELU, B. Beyond methods: macrostrategies for language
teaching. New Haven: Yale University, 2003.
LEFFA, Vilson J. Criação de bodes, carnavalização e cumplicidade. Considerações
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Inglês em escolas públicas não funciona? Uma questão de múltiplos olhares.
São Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 15-31.
MICCOLI, Laura. A autonomia na aprendizagem de língua estrangeira. In: PAIVA,
Vera Lúcia Menezes de Oliveira (Org.). Práticas de ensino e aprendizagem de
inglês com foco na autonomia. 3. ed. Campinas, São Paulo: Pontes Editores,
2010. p. 31-49.
SIQUEIRA, Sávio. O ensino de Inglês na escola pública: do professor postiço ao
professor mudo, chegando ao professor crítico-reflexivo. In: LIMA, Diógenes
Cândido de (Org.). Inglês em escolas públicas não funciona? Uma questão de
múltiplos olhares. São Paulo: Parábola Editorial, 2011. p. 93-110.
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Aspectos sobre o desenvolvimento de projeto de Língua Inglesa em contexto de educação infantil comunitária
Aura Campos Alibio1
Resumo Este trabalho buscou analisar os resultados obtidos com a observação de crianças de baixa renda em contato com a Língua Inglesa, o qual, em geral, não costuma ser muito frequente. Uma de suas causas é que escolas públicas de Educação Infantil de Porto Alegre não oferecem aulas de inglês para crianças, diferentemente de grande parte das particulares, somando-se ao fato de que um curso de idiomas está distante das prioridades no orçamento de famílias menos favorecidas economicamente. Os objetivos deste estudo, além de proporcionar uma oportunidade de experiência com língua inglesa para essas crianças, são discutir ferramentas que possam despertar o interesse dos alunos por esse idioma e trazê-lo para suas realidades através de atividades lúdicas e recursos audiovisuais. A relevância desse enfoque se dá pelo fato de que, segundo Valdés (2003), a capacidade de comunicação em outra língua fortalece a criança frente a uma sociedade multicultural e possibilita que ela use mais de uma língua para conhecer e vivenciar o mundo ao seu redor. A metodologia utilizada foi o estudo de caso, a partir do contato com uma turma de Jardim A e B, de crianças entre 4 e 5 anos na Escola de Educação Infantil Comunitária Nossa Senhora Aparecida, localizada na Vila São Pedro em Porto Alegre. Os resultados desta pesquisa demonstram que os alunos expressam consideráveis motivação e entusiasmo em relação à aprendizagem da língua inglesa. Palavras-chave: aprendizagem de LI na infância - creche comunitária. Inglês na Educação Infantil - Projetos de educação. Abstract This study aimed to analyze the results obtained from the observation of low-income children in contact with the English Language, which is not very common in Brazil. One of its reasons is that public preschools in Porto Alegre do not offer English classes for children, differently from great part of private preschools, besides the fact that a language course is far from priorities set in the budget of poor families. The objectives of this study, in addition to providing an opportunity with experience of the English language to these children, are to discuss tools that can arouse interest of the students to this language and bring it to their realities through playful activities and audiovisual resources. The relevance of this approach is that, the ability of communication in another language strengthens the child against a multicultural society and enables them to use more than one language to know and experience the world around them, according to Valdés (2003). The methodology used was the case study, from the contact with a group of children between 4 and 5 years old at Communitarian Preschool Nossa Senhora Aparecida, located in a poor region in the city of Porto Alegre, Brazil. The results of this research show that students at this age and context express substantial motivation and enthusiasm to learn the English language. Keywords: ESL in preschool - Projects on ESL for very young learners.
1 Graduada do curso de licenciatura em Letras - FAPA.
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Por que ensinar inglês para crianças?
A capacidade de comunicação em outra língua fortalece a criança frente a uma
sociedade multicultural e possibilita que ela use mais de uma linguagem para
conhecer e vivenciar o mundo ao seu redor, conforme Valdés (2003) pontua.
Levando em consideração também que, conforme o 29º artigo da Lei 9.394, a
Educação Infantil "tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança até́
seis anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e da comunidade”, (BRASIL, 1996) e, analisando
a segunda língua por sua função social e cultural, seu aprendizado contribui para a
formação da criança, que Forte (2010) ratifica por colaborar no seu desenvolvimento
num sentido global.
Algum dos questionamentos possíveis sobre aprender um novo idioma antes de
desenvolver a fluência da língua materna seria a possibilidade de confundi-los,
porém Fierro-Cobas e Chan (2001, p. 91, tradução nossa) esclarecem que “pode
haver alguns períodos de mistura de línguas, mas ter uma linguagem solidamente
desenvolvida poderá fortalecer a primeira língua de uma criança, já que ela vai usar
a base fornecida pela primeira língua para aprender a segunda.”
O professor de idiomas que está inserido em contexto de Educação Infantil
(doravante EI), além de ensinar a língua, participa da rotina dessas crianças,
juntamente com seus professores titulares, fazendo parte da formação e do
desenvolvimento delas e sendo, também, uma referência. Porém, a graduação de
licenciatura em Letras por si só parece não fornecer meios suficientes para lecionar
Inglês para crianças pequenas, que requer muito mais do que o conhecimento do
idioma. Desse modo, acaba se tornando essencial a especialização do professor
através de outros meios, tais como cursos, palestras, simpósios, livros, seminários e
workshops voltados especificamente ao ensino de Língua Inglesa (doravante LI) na
Educação Infantil.
Com referência aos resultados obtidos com alunos de escolas privadas de EI,
percebo grande entusiasmo e satisfação com as aulas de Inglês. Quando começam
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a assimilar e responder naturalmente determinados comandos, apreender
espontaneamente a função sintática das palavras no seu contexto, responder
perguntas e relacionar o conteúdo aprendido com a realidade, é uma grande
realização e contentamento para qualquer professor.
Porém, durante minha trajetória como educadora pude refletir que muitas pessoas –
por diversas razões, incluindo econômicas – nunca tiveram a chance de fazer parte
do universo da língua estrangeira e tudo aquilo que um idioma abarca
intrinsecamente, tais como elementos culturais e históricos. Oliveira (2002) corrobora
que os discursos públicos que estabelecem total prioridade e consideração da
infância em termos de cultura, economia e política brasileira não são contemplados,
além da escassa condição de vida em que muitas crianças vivem. Em vista disso,
comecei a indagar se poderia desenvolver uma oficina de LI para crianças em um
núcleo menos favorável economicamente no intuito de proporcionar uma
oportunidade para elas também vivenciarem o inglês.
Pensando sobre essas questões e, a partir do meu trabalho docente, optei por
desenvolver um projeto de Língua Inglesa num contexto de Educação Infantil
comunitária.
O objetivo primordial deste trabalho consistiu, portanto, em despertar o interesse
desse idioma por crianças cujos responsáveis não têm condições de arcar com um
investimento nestas proporções, levando-o para suas realidades.
Teorias de aquisição de segunda língua
Entender os fatores que permeiam o processo de aprendizagem de uma segunda
língua torna o ensino dessa ciência mais autêntico, pois passamos a distinguir
determinados fenômenos que ocorrem durante a prática. Venturi (2013) menciona
que existem "aspectos linguísticos comuns a todas as línguas, os quais são
genéticos e inatos do ser humano.” (2013, p. 118), ou seja, o indivíduo irá
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estabelecer relações com a segunda língua (doravante L2)2 que traz da sua língua
materna (doravante LM)3, que Fierro-Cobas e Chan (2001) também fazem
referência.
Existem duas formas independentes de desenvolvimento de habilidades linguísticas
de acordo com Krashen (1981), que são a aquisição e a aprendizagem. A aquisição
seria um processo interno e subconsciente que o indivíduo não se dá conta que
adquiriu novo conhecimento. Segundo o autor, crianças, assim como adultos, podem
adquirir a linguagem subconscientemente e esse processo assimila-se com a
aquisição da primeira língua (doravante L1). Para tanto, é necessário que a
aprendizagem seja relevante, de maneira que o foco seja o significado e não a
forma. Se opondo a essa abordagem, a aprendizagem seria o processo consciente e
formal de aquisição da língua, que conforme Krashen (1981) seria menos efetiva.
Já Ellis (1997) identifica alguns fatores externos e internos que fazem parte da
aprendizagem da L2, sendo um dos fatores externos, o input, que pode ser definido
como "as amostras de linguagem que o aluno é exposto"4 (1997, p. 5, tradução
nossa). Segundo a autora (1997), o aprendizado de uma L2 não acontece sem essa
exposição. Outro fator externo que Ellis considera é o ambiente no qual a prática
ocorre, assim sendo, uma atmosfera adequada e atrativa é fundamental para o
ensino. Referente aos fatores internos delimitados pela autora (1997), os
mecanismos cognitivos são responsáveis por "extrair a informação sobre a L2 pelo
input"5 (ELLIS, 1997, p. 5, tradução nossa).
No que diz respeito à idade considerada como o período crítico para a aquisição de
uma segunda língua, teóricos na área de linguística divergem. Contudo, o que
parece harmonizar entre os estudiosos é que durante a infância a criança
2 Alguns autores utilizam o termo L2 (segunda língua) enquanto outros usam LA (língua adicional)
para referir-se a uma outra língua que não seja a materna. Neste trabalho, os dois termos serão tomados como sinônimos. 3 O mesmo acontece com os termos LM (língua materna) e L1 (primeira língua), que também serão
considerados sinônimos nessa pesquisa. 4 The samples of language to which a learner is exposed.
5 Learners possess cognitive mechanisms which enable them to extract information about the L2 from
the input.
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aparentemente tem menos propensão a dispor de sotaque típico de sua língua
materna, conforme Flege (1999, apud LIMA JÚNIOR, 2012, p. 39) evidencia.
Na EI, como as aulas de L2 são por sua maioria dinâmicas, as crianças geralmente
não passam pelo mesmo processo que os adultos de questionar a função sintática
das palavras, desse modo, elas internalizam o significado ao invés de discutir sua
atribuição, assemelhando-se à aquisição da L1.
O ensino de inglês na Educação Infantil
O ensino de Língua Estrangeira (doravante LE) ainda não é obrigatório na Educação
Infantil no Brasil, mesmo assim, muitas escolas privadas de EI já contam com essa
prática, buscando trazer para a realidade da criança o que os Referenciais
Curriculares do RS apontam sobre o ensino de línguas estrangeiras na educação
básica e sua importância:
os educandos poderão compreender melhor a sua própria realidade e aprender a transitar com desenvoltura, flexibilidade e autonomia no mundo em que vivem e, assim, serem indivíduos cada vez mais atuantes na sociedade contemporânea, caracterizada pela diversidade e complexidade cultural. (BRASIL, 2009a, p. 127)
No município de Porto Alegre, contrapondo-se com instituições de ensino privadas,
as Escolas de Educação Infantil públicas ou comunitárias raramente oferecem a
aprendizagem de línguas, conforme observado por Forte (2010). Desse modo,
compartilho e dialogo com o questionamento levantado pela autora, que expõe:
se faz necessário pontuar e lançar um olhar crítico frente a esta realidade que se apresenta e questionar: por que somente escolas da rede particular oferecem esse ensino para jovens aprendizes? O ensino de uma língua adicional, desde cedo, deve ser privilégio somente para aqueles que podem pagar por tal serviço? (Forte, 2010, p. 15)
Apenas no sexto ano do Ensino Fundamental é que o ensino de LE se torna
obrigatório no currículo escolar e, dentre os objetivos estabelecidos pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais nos documentos de língua estrangeira, o aluno já
deve ser capaz de:
- identificar no universo que o cerca as línguas estrangeiras que cooperam nos sistemas de comunicação, percebendo-se como parte integrante de um
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mundo plurilíngue e compreendendo o papel hegemônico que algumas línguas desempenham em determinado momento histórico; - vivenciar uma experiência de comunicação humana, pelo uso de uma língua estrangeira, no que se refere a novas maneiras de se expressar e de ver o mundo, refletindo sobre os costumes ou maneiras de agir e interagir e as visões de seu próprio mundo, possibilitando maior entendimento de um mundo plural e de seu próprio papel como cidadão de seu país e do mundo; - reconhecer que o aprendizado de uma ou mais línguas lhe possibilita o acesso a bens culturais da humanidade construídos em outras partes do mundo. - construir consciência linguística e consciência crítica dos usos que se fazem da língua estrangeira que está aprendendo; - utilizar outras habilidades comunicativas de modo a poder atuar em situações diversas. (BRASIL, 1998a, p. 67)
Se o ensino de LE fosse comtemplado nos primeiros anos da educação básica, tais
metas talvez não estariam tão distantes de serem alcançadas, pois passariam a
fazer parte da realidade dos alunos quando ainda estão no início no seu processo de
sistematização de conhecimento e, possivelmente, o conceito generalizado que
muitas pessoas trazem sobre o ensino de língua estrangeira nas escolas públicas
brasileiras de que “não se aprende nada”, seria diferente:
Para que o ensino de Língua Estrangeira tenha uma função formativa no sistema educacional, deve-se encontrar maneiras de garantir que essa aprendizagem deixe de ser uma experiência decepcionante, levando à atitude fatalista de que língua estrangeira não pode ser aprendida na escola. (BRASIL, 1998a, p. 65).
Uma hipótese sobre essa concepção pode ser de que o ensino geralmente é feito de
forma normativa, além do fato de que a “língua estrangeira está fora do contexto da
interação familiar, sem possibilidades de contato com parceiros falantes da outra
língua e sem nenhum contato internacional significativo” (Brasil, 1998a, p. 65).
Desse modo, é necessário refletir sobre essa concepção, principalmente ao que nos
é tangível, em nosso papel docente. Nesse caso, refere-se a ideia de aproximar a
língua inglesa da realidade da criança, essencialmente daquela cuja situação
econômica pode ocasionar menor contato com o idioma.
Para a maioria dessas crianças, a única fonte de contato com inglês será através
das aulas de idioma e por este motivo, o professor deve utilizar todas as
oportunidades possíveis para falar inglês durante as aulas, conforme Copland,
Garton e Davis (2012) apontam. Portanto, durante a execução das atividades
lúdicas, por exemplo, é relevante explicar as instruções em português, e depois em
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inglês também, como estratégia de criar uma atmosfera em que as crianças possam
se ambientar com a língua inglesa sutilmente, assimilando e internalizando o
significado de instruções nesse idioma.
Referente às dificuldades e presentes no método tradicional do ensino-
aprendizagem de Língua Inglesa, como falta de atenção, desinteresse e monotonia,
Macedo e colaboradores (2013) perceberam que estes poderiam ser atenuados com
o uso de recursos não tradicionais no ensino. Os autores concluem, a partir de sua
pesquisa, que através do equilíbrio de práticas convencionais alternadas com o uso
de atividades em formatos diferentes, recursos modernos e itens que façam parte da
realidade dos alunos, pode-se ampliar a motivação e o entusiasmo pelo inglês ao
fazer com que o objeto de estudo seja do interesse dos estudantes, centrando-os
como sujeitos de sua própria aprendizagem. Deste modo, os meios delineados para
o ensino de LA para crianças compreendem atividades lúdicas, videoclipes musicais
e educativos, pequenos trechos de desenhos animados, canções e cantigas de
rodas. Tais recursos quando selecionados criteriosamente englobando os objetivos
pedagógicos a serem alcançados, desenvolvem função importante no processo de
ensino-aprendizagem de inglês sem a atmosfera do ensino de língua tradicional que
não busca a aproximação e contextualização com o aluno.
As Escolas de Educação Infantil Comunitárias
As EEI comunitárias são mantidas através de parcerias firmadas entre
mantenedoras sem fins lucrativos, geralmente associações comunitárias, e a
Prefeitura Municipal de Porto Alegre para suprir a demanda por atendimento,
principalmente nas regiões periféricas da cidade. (SUSIN, 2005)
Para as creches instituírem-se como conveniadas com a Prefeitura, desde a
realização da obra em si ou de outras providências, é feita uma solicitação através
do OP (Orçamento Participativo), que depois de ter sua análise técnica feita e
aprovada, é feito o convênio com a Prefeitura de Porto Alegre, sendo a SMED
(Secretaria Municipal de Educação) o órgão que representa legalmente e que faz o
gerenciamento processual. Isso inclui o repasse de verbas de manutenção e
assistência técnico-pedagógica, conforme informações do site da Prefeitura (Porto
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Alegre, 2015). Cada creche comunitária estipula um valor mensal específico, porém
não obrigatório, e os demais recursos são geralmente angariados por associações
de moradores.
A escolha do local para realização do projeto
Foi feita uma pesquisa através de mecanismos de busca na internet por EEI
comunitárias na cidade de Porto Alegre e então encontrei a Associação dos
Moradores da Vila São Pedro, que se localizava próxima a minha residência.
O primeiro trato com a escola foi através da diretora Ereni, que se interessou e
concordou com a ideia do projeto. Depois de algumas combinações, fui até a vila
para ter meu primeiro contato com as crianças. Sobre alguns detalhes que perguntei
sobre a estrutura e funcionamento da escola, a diretora explicou que a creche
sugeria o pagamento mensal de 70 reais, que conforme informações de funcionários
da EEI, não o fazem por alegarem que a escola "é pública". Segundo uma
funcionária da creche, dos seus 56 alunos, apenas 5 ou 6 efetuariam esse
pagamento, o que torna difícil a aquisição de recursos e mantimentos.
Dentre todas as peculiaridades observadas no cenário da vila, a dura realidade
socioeconômica foi o que ficou mais evidente. Havia muito lixo pelo chão, que não
era asfaltado. As casas eram bem simples, de construções precárias com tijolos à
vista, madeira ou materiais improvisados. Dentro da vila havia alguns locais de
comércio, como armazéns, bares, pequenas lojas e, o mais movimentado, um
galpão de compra de recicláveis onde muitos residentes tiravam seu sustento
vendendo latinhas, garrafas pet, papelão, dentre outros. Os moradores do local me
olhavam curiosos enquanto tentava encontrar a escola, o que não foi tarefa muito
fácil, visto que não existia numeração nas residências. Minha entrada e saída, assim
como as de outros estranhos, eram sinalizadas com um assovio ou apito.
Quando cheguei na escola, a turma de 22 alunos já me aguardava. A sala de aula
era grande, porém parecia haver poucos recursos pedagógicos, como jogos e
material escolar. Com crianças do Jardim A e Jardim B juntas, o grupo contava com
apenas uma professora. A ideia inicial para execução do projeto seria trabalhar com
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uma turma de Jardim B, pois a partir de minha experiência como professora de LI na
EI, geralmente é o nível em que os alunos mostram resultados em menos tempo.
Como essa escola não estava com o corpo docente completo, teria então de adaptar
o projeto para ser aplicado nesse contexto.
A professora foi quem fez minha apresentação para as crianças. Ela fez referência a
alguns termos, como Playstation, dizendo que essa era uma palavra em inglês e
que, fazia parte de suas realidades.
Expliquei às crianças que eu viria semanalmente para ensinar inglês a elas, que
iríamos fazer brincadeiras, ouvir músicas e ver vídeos. Elas logo expressaram
entusiasmo, comemorando a novidade euforicamente com gritos e festejos.
No intuito de sondar os interesses das crianças afim de trazer elementos
significativos para o conteúdo das classes, tive uma breve conversa com elas. Foi
observado que, dentre os desenhos que gostavam de assistir, os favoritos estavam
inseridos na cultura norte-americana e britânica, como Peppa Pig e Frozen.
Metodologia
A abordagem metodológica qualitativa para o desenvolvimento desse projeto foi o
estudo de caso. Foram coletadas informações detalhadas, em forma de relatório,
capazes de preservar e apreender a integralidade do caso. A ideia de preservação,
de caráter exclusivo do estudo de caso (Creswell, 2010), foi pertinente ao presente
tipo de pesquisa, pois buscava registrar o comportamento das crianças em contato
com o novo idioma e o progresso delas.
A coleta de dados foi realizada através de notas de observação e de registros
audiovisuais durante a execução do projeto. Na modalidade de observação, o
participante/observador é completo, intervindo diretamente na realidade dos alunos.
Com o objetivo de garantir a confiabilidade da abordagem, os procedimentos foram
transcritos, interpretados e documentados.
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Quanto à credibilidade na validade dos resultados, os dados obtidos foram
intercruzados com a bibliografia existente sobre o assunto. Para comunicar os
resultados alcançados, foi feita uma descrição detalhada também. Conforme Ellis
(1997, tradução nossa), para analisar aspectos de aquisição de segunda língua, é
importante coletar amostras de enunciados do aprendiz durante um período de
tempo.
Os participantes do projeto foram 22 alunos com idades entre 4 e 5 anos, oriundos
de famílias de classe baixa, todos moradores da vila São Pedro, localizada no bairro
Partenon na cidade Porto Alegre. Foram realizadas 9 aulas no período de maio a
julho de 2015, com carga horária de 30 minutos por encontro.
Na faixa de idade que abrange os participantes desse projeto, os alunos encontram-
se no estágio de personalismo, definido por Wallon, em que a construção de sua
autoconsciência ocorre através das interações sociais. (apud GALVÃO, 1995) Visto
isso, a criação de um laço afetivo com as crianças é um ponto primordial instituído
como coadjuvação de uma atmosfera propícia para aprendizagem. Na Educação
Infantil o estabelecimento de vínculos é particularmente importante, pois a
afetividade desempenha papel importante na formação do caráter da criança como
ser social.
Referente aos tipos de atividades designadas para a aprendizagem de idiomas na
EI, considerando que as crianças ainda não são alfabetizadas, “a maior parte da
aprendizagem de línguas, nesta fase, terá lugar através de brincadeiras e interação
com os colegas e professor”, conforme o Integrate Ireland Language & Training
(2005, p. 2) corrobora. Para uma criança em idade pré-escolar, atividades lúdicas
facilitam a assimilação do conhecimento, pois o brincar é inerente à sua realidade.
Leventhal (2006) e Prescher (2010) também defendem que o lúdico é essencial para
a aprendizagem do idioma nessa faixa etária, pois a partir desse tipo de atividade os
“alunos desenvolverão a linguagem, o pensamento, a criatividade, a iniciativa, [...]
aprendem a tomar decisões, a estabelecer relações de troca, a lidar com regras, a
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resolver conflitos e a encontrar soluções para suas dificuldades”, (Leventhal, 2006,
p. 12). Prescher (2010) elucida que:
Jogos ajudam o professor a criar contextos que dão utilidade e sentido ao idioma. Os alunos, desejosos de participar, precisam entender o que os outros dizem [...], e devem, por sua vez, falar [...] para [...] dar a informação requerida. (2010, p. 27).
Tendo em conta que crianças pequenas não conseguem concentrar-se numa única
atividade por muito tempo, a diversidadede práticas é imprescindível. Assim sendo,
o uso de desenhos animados em inglês e videoclipes de música infantil de curta
duração podem motivá-los, pois segundo Potter e Lederman (2012), tais recursos
intensificam as emoções dos alunos e criam uma atmosfera de acordo com o vídeo
tendo um resultado positivo na aprendizagem. As autoras ainda sustentam que os
professores devem expor seus alunos.
a diferentes gêneros que estão presentes no seu cotidiano [...] pela necessidade de desenvolver meios mais próximos da realidade dos alunos para atingir objetivos linguísticos e pedagógicos e, dessa forma, motivá-los a participar mais ativamente da aula e aprender de maneira mais prazerosa. (POTTER; LEDERMAN, 2012, p. 8)
Pensando ainda na variedade de recursos pedagógicos, livros de histórias infantis
(doravante HI) da literatura inglesa foram trabalhados com os alunos. Além de
possibilitar um ensino significativo para a criança, o propósito de utilizar recursos
literários também é estimular o interesse pela leitura, ainda que as crianças nessa
faixa etária não sejam alfabetizadas, pois segundo Tonelli (2013).
o gênero textual HI pode funcionar como um eixo organizador para que o aluno tome consciência de determinadas características da LM e, ao compará-las às outras LEs, possa se conscientizar da existência e do funcionamento de outras línguas. (2013, p. 312)
Considerações
Em termos de resultados alcançados, as crianças participaram com disposição das
atividades e jogos propostos, evidenciando interesse e receptividade. Desde a
primeira semana foram capazes de relacionar o vocabulário aprendido com a
realidade, como exemplo, mencionando algumas cores em inglês de objetos
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presentes na sala de aula e contando em inglês o número de meninos e meninas
que estavam em cada aula. As saudações também eram sempre utilizadas pelas
crianças nos momentos de chegada e despedida.
As professoras e funcionárias da escola, por terem assistido e ouvido as aulas,
também aprenderam palavras em inglês, que disseram não terem conhecimento
antes, além de comentar que gostavam das canções. Isso indica que a atmosfera
criada através do ensino de língua inglesa proporcionou benefícios não apenas aos
alunos.
Quanto à possibilidade de ser reproduzido em outros contextos, vejo esse projeto
inserido em outras áreas, como no campo da literatura ou música, não apenas por
este trabalho apoiar-se nesses elementos, mas também pelo evidente interesse das
crianças por aquilo que é novo e que os valoriza como indivíduos.
Ainda levando em consideração que um grande número de alunos por turma acaba
por fracionar a assistência do professor e que, a diferença de idade somada com os
fatores cognitivos individuais estreita as alternativas de recursos pedagógicos, os
resultados obtidos superaram este percalço.
Conclusão
Esse estudo de caso demonstrou que, ainda com um input não tão expressivo e com
poucas aulas semanais de curta duração, os indivíduos evidenciaram seu potencial
no que diz respeito à aprendizagem do idioma. As crianças apresentaram respostas
rápidas em relação à apropriação de vocabulário e deslocamento para utilização em
contexto real, superando minhas expectativas.
Pela motivação e entusiasmo que os alunos demonstraram referente às atividades
propostas, os resultados sugerem que as ferramentas audiovisuais, literárias e
tecnológicas utilizadas neste trabalho foram igualmente efetivas, cumprindo seu
papel de incentivar a aprendizagem de Língua Inglesa. O vínculo estabelecido com
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as crianças, que aconteceu desde o primeiro encontro, foi essencialmente
importante para a atmosfera propícia ao aprendizado.
Paralelamente com a proposta de estimular a aprendizagem de LI por alunos do
primeiro estágio da educação básica e discutir ferramentas que proporcionariam tal
estímulo, este trabalho teve também o intuito de colaborar com a discussão da
importância do aprendizado de idiomas para além do contexto escolar privado.
Essa experiência conduz a reflexão de que o ensino-aprendizagem de idiomas nas
escolas públicas poderia ser mais significativo ao aproximar a língua em questão à
realidade dos alunos, além de demonstrar o quanto é expressivo o nosso papel
como professor cidadão.
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As diferentes abordagens do ensino de verbos presentes nos livros didáticos do ensino fundamental: uma análise comparativa
Letícia Delicor1
Resumo Este trabalho deter-se-á no estudo comparativo do tratamento dado aos verbos nos livros didáticos de Língua Portuguesa do sexto ao nono ano do ensino fundamental. A escolha deve-se ao fato de que o ensino de verbos é um dos mais complexos e que envolve muitas nomenclaturas e subdivisões, o que torna o ensino, em alguns casos, mais exaustivo para o aluno, fazendo com que perca o interesse e acabe por não aprender o que deveria. Assim, pretende-se analisar como o livro didático traz o verbo para esse estudante e para o professor, já que o livro serve de suporte para o ensino. Para tanto, busca-se analisar 12 livros didáticos de Língua Portuguesa, três para cada ano do ensino fundamental, de três editoras diferentes, adotados por escolas estaduais de Porto Alegre. O presente trabalho será norteado por pressupostos teóricos dos estudos sobre o ensino de gramática e pelos documentos oficiais que norteiam a elaboração do material didático. Apesar da autonomia que o docente tem trabalhar em sala de aula, o conteúdo do material oferecido ainda é bastante normativo, inconsistente e incompleto. Sabemos que o modo de exposição do conteúdo varia conforme cada professor e os materiais complementares usados por ele. Levando-se em conta aquele professor que somente usa o livro didático, por escolha ou por falta de outros recursos, podemos chegar à conclusão de que é preciso cautela ao adotar determinado livro, já que esta é uma ferramenta que ainda precisa de aperfeiçoamento. Palavras-chave: Língua Portuguesa - ensino fundamental - livro didático - verbos. Abstract This work will be hold in the comparative study of the treatment given to the verbs in textbooks of Portuguese Language of the sixth to the ninth grade of elementary school. The choice is due to the fact that the teaching of verbs is one of the most complex and involves many classifications and subdivisions, which makes the teaching in some cases, more extensive for the pupil, causing loses interest and end for not learning what they should. Thus, we intend to analyze how the textbook brings the verb for that student and the teacher, as the book serves as a support for teaching. Therefore, it seeks to analyze 12 textbooks of English language, three for each year of elementary school, three different publishers, adopted by state schools in Porto Alegre. This work will be guided by theoretical assumptions of studies of the grammar school and the official documents that guide the preparation of teaching materials. Despite the autonomy that teachers have to work in the classroom, the content of the material offered is still quite normative, inconsistent and incomplete. We know that the contents of the exposure mode varies according to each teacher and supplementary materials used by him. Taking into account that teacher using only the textbook, by choice or lack of other resources, we can conclude that caution is needed when adopting certain book, as this is a tool that still needs improvement. Keywords: portuguese - elementary school – textbook - verbs.
Introdução
Muito se discute sobre o ensino de gramática hoje. Abordagens e métodos são
questionados, uma vez que os alunos demonstram não adquirir as competências
Graduada em Letras pela Faculdade Porto Alegrense - FAPA, 2015
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mínimas de leitura e escrita em provas de vestibulares e ENEM. Junto com essa
discussão, outro elemento de ensino é levado a debate, o livro didático. Já que
temos que renovar o ensino e acompanhar a evolução, esse material não pode ficar
para trás nessas mudanças.
O livro didático é o principal material de apoio do professor. Por isso, o livro deve ser
um farto material linguístico para se refletir sobre a linguagem. Logo deve ser
elaborado de maneira a fugir da abordagem descontextualizada que enchem os
manuais, servindo apenas para decorar e passar de ano.
Nesse sentido, como os livros didáticos são os materiais mais utilizados em escolas
estaduais, torna-se pertinente observar esse tipo de material. Assim, propomo-nos a
investigar esse material e, mais especificamente, uma das matérias que mais exige
compreensão dos alunos, os verbos. Desse modo, este trabalho tem como objetivo
comparar o tratamento dado aos verbos nos livros didáticos de Língua Portuguesa
do sexto ao nono ano do ensino fundamental, adotados por escolas estaduais de
Porto Alegre.
O ensino de língua portuguesa
O ensino de Língua Portuguesa deve ter como objetivo colaborar para que o aluno
possa expressar-se, oralmente e por escrito, com adequação, nas mais diversas
situações comunicativas, utilizando-se da língua como instrumento de interação
social.
Os PCNs (BRASIL, 1998) estão de acordo com o ensino produtivo quando afirmam
que “dominar a linguagem, como atividade cognitiva e discursiva e dominar a língua,
como sistema simbólico utilizado por uma comunidade linguística, são condições
que viabilizam uma completa participação social”; afinal, é através da linguagem que
nos comunicamos, acessamos informações, expressamos e defendemos opiniões,
dividimos e construímos visões de mundo, enfim, produzimos cultura. Por isso, o
ensino tem que ser engajado com a democratização social e cultural, possibilitando
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ao educando o acesso a saberes linguísticos indispensáveis ao exercício da
cidadania.
Partindo desse pressuposto, neste capítulo, pretende-se mostrar questões
referentes ao conceito de gramática, ensino de gramática com vista a um melhor
modo de ensiná-la, e questões sobre o uso do livro didático, tendo em vista o
propósito deste trabalho, que é refletir sobre o ensino de verbos nos livros didáticos.
O conceito de gramática
Se o problema maior está no ensino de gramática, precisamos entender o que é
gramática e o que é saber gramática. Travaglia (2001) apresenta três concepções
de gramática: gramática normativa, gramática descritiva e gramática internalizada. A
primeira concepção, a gramática normativa, “é concebida como um manual com
regras de bom uso da língua a serem seguidas por aqueles que querem se
expressar adequadamente” (TRAVAGLIA, 2001, p.24). Nesse sentido, a gramática é
vista como um conjunto de regras a serem seguidas para se falar e escrever bem.
Tudo que fugir dessa norma, considerada culta ou padrão, será considerado erro,
desvio ou deformação da língua. Esse tipo de abordagem, quando realizada em sala
de aula, trabalha o estudo da palavra e da frase de forma descontextualizada,
transformando as aulas de português em aulas de teoria gramatical e com atividades
metalinguísticas.
A segunda concepção, a gramática descritiva, estuda o funcionamento da língua em
sua forma e função, separando o que é gramatical do que não é gramatical.
Gramatical será então tudo o que atende às regras de funcionamento da língua de acordo com determinada variedade linguística. O critério é propriamente linguístico e objetivo, pois não se diz que não pertencem à língua formas e usos presentes no dizer dos usuários da língua e aceitas por estes como próprias da língua que estão usando. (TRAVAGLIA, 2001, p.27, grifo do autor).
Assim, não há forma “errada”, mas construções linguísticas agramaticais, isto é,
palavras ou frases que não são reconhecidas pelos falantes da língua. Para essa
concepção, uma construção é considerada gramatical mesmo que não siga o padrão
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da língua. Nela são estudadas suas variedades e as relações que podem ser
estabelecidas entre elas.
A terceira concepção, a gramática internalizada, “corresponde ao saber linguístico
que o falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos pela sua
própria dotação genética humana, em condições apropriadas de natureza social e
antropológica”. (TRAVAGLIA, 2001, p.28). Nessa concepção de gramática, não há
erro linguístico, pois o saber gramatical não depende de princípios de escolarização
ou processos de aprendizagem, e sim da capacidade de amadurecimento
progressivo que o falante tem de internalizar as regras gramaticais da língua, para
fazer uso em determinada situação comunicativa. Para Travaglia (2001), essa
gramática é responsável não só pela competência gramatical do usuário, mas
também pela sua competência textual e sua competência discursiva e, portanto, a
que possibilita sua competência comunicativa.
Os professores devem levar isso em conta. Quando o aluno chega à escola, já
adquiriu um conhecimento linguístico. Assim, não precisam ser alfabetizados
novamente, e sim precisam desenvolver a competência comunicativa, ampliando-a e
aperfeiçoando-a, entendendo que não existe o certo e o errado, mas sim formas
diferentes e adequadas para as diferentes situações comunicativas.
O ensino de gramática
Muito se fala no ensino de gramática e da importância de saber ler e escrever bem.
Se sabemos do valor desse ensino, por que os alunos encontram tanta dificuldade
em aprender a gramática? Um dos principais motivos é a forma como ela ainda é
ensinada em algumas escolas, defasada, em que a repetição e a memorização de
regras são passadas do ensino fundamental para o médio, sem o aluno ter a
oportunidade de compreender a importância deste conteúdo. Os alunos já sabem
falar o português, o que precisam é compreender que muitas regras já estão
internalizadas, e outras que não compreendemos por completo, é nas aulas de
gramática que eles tomarão conhecimento delas, para que possam escrever e falar
conforme a norma padrão da nossa língua:
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Assim, as aulas de gramática devem, obviamente, ser substituídas por aulas de língua, para que a escola possa cumprir seu papel de permitir que, ao final de um certo tempo, domine o dialeto padrão da língua,especialmente sua modalidade escrita. (POSSENTI, 1997, p. 111).
O que o autor nos traz é que a escola se preocupa basicamente em ensinar a
gramática, suas normas, tendo o aluno que decorar, mas esquece que o necessário
é que o aluno compreenda a norma, para que ele possa dominar a língua padrão.
De acordo com Possenti (1997 p. 113), “É preciso distinguir o que é saber
gramática, no sentido de saber fazer análise linguística, e o que é saber a língua –
saber falar, escrever, ser, enfim, um usuário eficaz da língua.”. No entanto, sabemos
que, nas aulas de Português, há muitos conteúdos gramaticais, e, às vezes, não
sobra tempo para que o professor foque o ensino em uma matéria específica.
Sendo assim, as aulas de língua ficam a desejar, sobretudo no que diz respeito ao
desenvolvimento da competência comunicativa. O ensino não tem evoluído com a
língua, que se modifica muito rapidamente, assim precisando de ensinos
específicos.
O livro didático em sala de aula
O mundo e a sociedade mudam constantemente, e com isso a linguística vai
fazendo novas descobertas na área do ensino e da aprendizagem, e os materiais
didáticos devem acompanhar essas mudanças, ou seu conteúdo ficará
ultrapassado.
O livro precisa incorporar uma gramática reflexiva, que ajude o educando a utilizar a
língua com mais eficácia e adequação do que apenas teoria e classificação. Esse
modo de ensino parte do conhecimento que o aluno já domina inconscientemente,
levando-o a ampliar sua competência comunicativa por meio de atividades que
demonstrem as mais diferentes situações de interação comunicativa, realizando um
ensino produtivo e não apenas uma descrição de normas.
Não podemos deixar de considerar a importância do material didático enquanto
instrumento de ensino em sala de aula. Muitas vezes, o livro didático é o primeiro
contato do aluno com um livro. O material usado em sala de aula merece atenção
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especial, a influência que exerce na formação do aluno é mais forte do que se
pensa. O livro pode não ser o material ideal, mas é indispensável em sala de aula. É
esse manual que vai estabelecer o roteiro de trabalho para o ano letivo, e as
atividades do dia a dia. Em alguns casos, o professor faz do livro didático o seu
único instrumento de trabalho.
Não só para os livros didáticos, mas para qualquer material que o professor use em
sala de aula tem que ter uma análise previa do conteúdo e dos objetivos de usá-lo.
Pois são esses manuais, utilizados pela maioria dos professores e estudantes
brasileiros, que contribuem para a formação de proficientes na língua portuguesa.
O ensino de verbos
O ensino de verbos é importante no Ensino Fundamental, assim como os demais
conteúdos da disciplina de Língua Portuguesa. O verbo relaciona-se com outras
palavras, organiza-as sintática e semanticamente. O professor que fizer uso de bons
métodos de ensino, apesar de toda dificuldade deste conteúdo, faz com que o aluno
estabeleça relações de tempo entre o verbo e as outras palavras junto à realidade,
aprenda a teoria, as regras e as conjugações gramaticais.
Uma das dificuldades observadas quanto à aprendizagem dos verbos refere-se
justamente à complexidade que representa para os estudantes, de uma maneira
geral, "memorizar" ou "decorar" tempos verbais e outros elementos associados ao
tema. Esta dificuldade do aluno aumenta quando o professor limita essa
aprendizagem, utilizando somente um material, o livro didático.
De acordo com Travaglia (2003), a aprendizagem da conjugação verbal é
considerada difícil pelos alunos, devido à grande variedade de formas verbais, ao
número de exceções e às irregularidades existentes nos verbos mais frequentes da
língua. Os professores normalmente ensinam os verbos de um modo mais
tradicional. O aluno, ao estudar essas conjugações, acaba por decorá-las. O
inconveniente dessa forma de ensino é limitar o número de verbos àqueles contidos
no material do aluno, ou seja, o livro didático. É por isso que o material didático tem
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que ser o mais completo possível, para que o professor use-o como uma ferramenta
completa de ensino.
Os materiais deixam a desejar, não expondo todo o assunto que abrange os verbos.
É preciso mostrar a funcionalidade do verbo, utilizando-o como base, para que o
aluno saiba empregá-lo em um contexto, dando importância às suas situações de
uso, suas possibilidades significativas e sua adequação à produção de efeitos de
sentido.
Análise do corpus
Neste trabalho, utilizamos como material de análise livros didáticos de língua
portuguesa do sexto ao nono ano do ensino fundamental, adotados por escolas de
todo o país no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) 2014. Os livros
escolhidos têm validade de três anos. Depois desse prazo, novos livros serão
adquiridos e o destino do livro que foi utilizado é decidido pela escola que o utilizou.
Utilizamos três coleções que estão em vigor. Para Coleção A, a escolhida foi
Vontade de saber português (TAVARES, R. A. A.; BRUGNEROTTO, 2012); para
Coleção B, a escolhida foi Singular & plural: leitura, produção e estudos de
linguagem (FIGUEIREDO, L.; BALTHASAR, M.; GOULART, S., 2012); para coleção
C, a escolhida foi Português: uma língua brasileira (HORTA, M. R. F.; MENNA, L. R.
M. C.; VIEIRA, M. G., 2012).
Como critério de escolha, consideramos as 12 coleções mais distribuídas no país,
por ordem decrescente, e separamos em três grupos. No primeiro grupo, as quatro
primeiras colocadas; no segundo grupos as próximas quatro colocadas, e, no
terceiro grupo as últimas quatro do ranking. Com isso, foi escolhida uma coleção de
cada grupo. Cada coleção contém quatro livros, cada uma referente a um ano de
ensino – 6º, 7º, 8º e 9º ano do ensino fundamental.
TABELA 1: Informações sobre o corpus
Coleção
Posição de venda
Título
Autor
Editora
Quantidade
distribuída por
coleção
A 3
Vontade de saber português.
Lígia Menna, Regina Figueiredo, e Maria
FTD
1.887.98
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das Graças Vieira. 4
B
5
Singular & plural – leitura, produção e estudos de
linguagem.
Rosemeire Alves e Tatiane Brugnerotto.
Moderna
1.251.95
6
C
10
Português: uma língua brasileira.
Laura de Figueiredo, Marisa Balthasar, Shirley Goulart.
Leya
242.010
Fonte: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos. Elaborado pela autora.
A questão do verbo
Nesta seção, analisaremos o ensino de verbos, uma vez que nosso objetivo é
verificar como foi feita a abordagem da matéria no livro didático em estudo e em que
proporção foi abordada, isto é qual é o espaço no livro destinado ao ensino do
verbo.
As três coleções analisadas trabalham praticamente os mesmos conteúdos; as
diferenças encontradas não consideramos significativas. Todas seguem o padrão de
trazer um texto com exercícios de interpretação e exercícios que levarão o aluno até
o conceito do assunto a ser abordado. Somente após o conceito é apresentado.
Para uma análise mais completa e prática, seguiremos o modelo de análise usado
por Nunes (2001) em seu trabalho com livros didáticos. Usaremos 15 dos 19 tópicos
abordados por ela, com algumas mudanças que achamos condizente para esse
material. O trabalho de Nunes (2001) partiu, basicamente, da gramática tradicional,
que é a abordagem teórica quase exclusiva nos livros didáticos. Esses 15 tópicos
são: conceito, pessoa, número, modo, tempo, voz, conjugação, tempos do indicativo,
tempos do subjuntivo, imperativo, formas nominais, verbos regulares e irregulares
verbos auxiliares, regência e concordância.
Das coleções analisadas, no quesito conceito, as Coleções A e a C acreditam que o
volume 6 é o ideal para apresentá-lo aos alunos e apenas a Coleção B apresenta o
conceito no volume 7. Apesar da Coleção B deixar o estudo de verbos no volume 7,
o autor se vê obrigado a dar o conceito de verbo, rapidamente, no volume 6, para
diferenciar frase de oração.
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As três coleções conceituam os verbos como aquelas palavras que podem
expressam ação, estado e fenômenos da natureza. Já vimos que essas definições
podem causar dúvidas no aluno dependendo do verbo e de como ele está inserido
na frase ou no texto. As coleções A e a C apresentam o conceito imediatamente
após os exercícios, mas a Coleção B não o apresenta explicitamente, e é com ajuda
de exercícios direcionados que o aluno a formará o conceito de verbo.
Mas sabemos que não funciona assim, pois o fato de o aluno ter conhecimento do
conceito de determinada teoria gramatical não significa saber empregá-la na prática.
Como o conhecimento linguístico do aluno aumenta com o tempo, seria apropriado,
sempre que possível, retomar o conceito de verbos, já que outras questões da
língua vão sendo expostas.
Em relação à pessoa e número, seguimos na mesma linha, a Coleção A e a C
acreditam que o volume 6 é o ideal para trabalhar essas variações e a Coleção B no
volume 7. Nenhuma delas volta a discutir a pessoa e o número nos volumes
seguintes. A Coleção A traz um espaço destinado à flexão de número e pessoa com
exercícios. Tomando como base que o aluno já conhece essas variações, já que as
estudou antes em outras classes gramaticais, ele não exemplifica nem pessoa, nem
número.
Na Coleção B, também temos um espaço destinado à flexão de número e pessoa.
Nele as perguntas do exercício levam o aluno a pensar na relação entre pessoa e
número, fazendo com que o aluno compreenda que quando mudamos a pessoa do
discurso o verbo sofre modificação. Ao lado dos exercícios, há um quadrinho, que
explica as pessoas do discurso, mas não há nada que explique a variação de
número.
A Coleção C não tem um espaço destinado à flexão de número e pessoa. Tomando
como base que o aluno já conhece essas variações, já que as estudou antes em
outras classes gramaticais, o autor, ao trabalhar o tempo verbal, apresenta quadros
com paradigmas de conjugação verbal prontos com uma coluna destinada às
pessoas.
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Como vimos, as gramáticas não aprofundam essas categorias. De acordo com Vilela
e Koch (2001), a categoria pessoa é o ponto de partida para o estabelecimento das
relações entre o falante, o espaço e o tempo da enunciação e do enunciado. É
dessa categoria que derivam as demais. Visto isso, essa categoria deveria ser
trabalhada todos os anos e sempre que possível retomada, uma vez que o aluno
usará esse conhecimento para falar, produzir e compreender textos para o resto de
sua vida. Para Travaglia (2007), na variação de número não é só mostrar a flexão
em singular e plural, mas também fazer com que o aluno: a) saiba usar as
desinências que expressam essa categoria juntamente com a categoria de pessoa;
b) que o aluno entenda a diferença de sentido, nos textos, entre o uso do plural e do
singular; e c) o uso dessa categoria na fala coloquial.
No quesito modo, a Coleção A apresenta os modos verbais no volume 6, mas leva o
assunto mais a fundo em relação ao tempo no volume 7, a Coleção B apresenta aos
alunos essa categoria no volume 7 e a Coleção C apresenta o modo no volume 6 e
retoma no volume 8. As três coleções informam que o verbo tem três modos:
indicativo, subjuntivo e imperativo sendo o indicativo o modo da certeza, o subjuntivo
o modo da dúvida e o imperativo o modo da ordem, do pedido.
Em relação ao tempo, a Coleção A apresenta os tempos verbais no volume 6, mas
leva o assunto mais a fundo em relação ao modo no volume 7, a Coleção B
apresenta aos alunos essa categoria no volume 7 e a Coleção C apresenta o tempo
no volume 6 e volta a retomar a relação de modo e tempo no volume 8. As três
coleções dizem que o verbo tem três tempos (passado, presente e futuro). As três
coleções trabalham com descrições de acontecimentos usando os três tempos
verbais, e mostrando ao aluno que o verbo varia de acordo com tempo do
enunciado. A Coleção A explica que algumas formas verbais da 1º pessoa do plural
são iguais quando conjugadas no pretérito e o presente. Mas não explica para o
aluno que o entendimento do enunciado se dará através do contexto da situação e
dos outros elementos da oração.
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Em relação à voz, a Coleção A e a C acreditam que o volume 8 é o ideal para
explicá-la aos alunos, trabalham com conceitos, frases, textos e transformações das
vozes; e apenas a Coleção B apresenta o conceito no volume 7, mas é a única
Coleção que não traz um tópico exclusivo para a vozes verbais. Como vemos na
imagem 7, o nome do tópico se refere à diferença entre voz passiva sintética e
sujeito indeterminado, seguido de exercícios que mencionam as outras vozes. O
conceito e os exemplos ficam ao lado, sem maiores explicações, e com frases
soltas.
Ainda no volume 7 da Coleção B, após os exercícios, há um texto sobre as vozes e
os verbos transitivos. Sem nenhum exemplo, a informação é “jogada” ao aluno em
um único parágrafo. Assim o livro deixa na mão do professor praticamente toda a
explicação, não dando chance ao aluno de compreender a matéria por si só.
Outras questões que os livros poderiam trabalhar com as vozes, são: a) a questão
da improdutividade, por exemplo, da voz passiva sintética no Português do Brasil; b)
as diferenças significativas de dizer a “mesma coisa”, usando uma voz ou outra; e c)
a existência a passividade sem haver voz passiva.
A conjugação é abordada na Coleção A no volume 6, em que apresenta as três
conjugações, e no volume 7 traz os modelos de conjugação verbal no subjuntivo e
traz o modelo do imperativo a partir do presente do indicativo e do presente do
subjuntivo; a Coleção B aborda as três conjugações no volume 7, e é a única
coleção que não traz modelos de conjugação verbal em esquemas e tabelas; a
Coleção C aborda as conjugações no volume 6 com modelos e tabelas das três
conjugações verbais nos modos indicativo e subjuntivo, e no volume 8 traz o modelo
para o modo imperativo.
Os tempos do indicativo, do subjuntivo e o imperativo seguem a mesma linha e são
trabalhados pelos livros em diferentes anos. A Coleção A aborda os tempos do
indicativo no volume 6 e os outros tempos no volume 7; a Coleção B aborda todos
os tempos no volume 7; e a Coleção C aborda todos os tempos no volume 6 e faz
uma revisão quando trabalha os modos no volume 8. Os livros não trabalham com
exemplos reais e não indicam em que momentos os alunos devem usar cada tempo
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verbal. Não sabemos o que leva cada autor a escolher determinada divisão da
matéria nos livros didáticos, mas os tempos verbais são importantes para termos a
noção de verbo no tempo, e deveriam ser trabalhados em todos os anos, pois os
modos verbais são usados em todos os momentos da escrita e da fala. Além disso,
Travaglia (2007) explica que devemos trabalhar com o tempo mostrando: a) que é
uma categoria dêitica do tempo, que indica o momento de ocorrência da situação
expressa como anterior, simultânea ou posterior em relação ao momento da fala; b)
além das indicações de tempo há a possibilidade de em determinados usos as
formas verbais não marcarem tempo; c) as noções temporais que cada verbo pode
exprimir; e d) uso textuais do tempo.
Em relação às formas nominais, as coleções A e B abordam o assunto no volume 7
e a Coleção C aborda no volume 6. A Coleção A aborda temas como os particípios
irregulares, o uso dos verbos auxiliares e o gerundismo. A Coleção B traz além dos
exercícios e explicações a função que as formas nominais podem representar nas
orações. A Coleção C não traz exercícios, nem muitas explicações, somente um
quadro com conceito e exemplos após explicar o modo verbal. Aqui outro assunto
que poderia ser abordado pelos livros, mas fica de fora são os diferentes e possíveis
empregos verbais de cada forma verbal e suas possibilidades significativas.
A classificação dos verbos regulares e irregulares na Coleção A é abordada em um
subcapítulo especial para esse tema, em que o livro com modelos de conjugação
explica a diferença entre verbos regulares e irregulares. Juntamente com esse
assunto é abordado o verbo anômalo, mas só da o conceito e cita o verbo ser como
exemplo. A Coleção B não aborda a classificação dos verbos. A Coleção C não traz
um subcapítulo especial para esses verbos, eles são apresentados no decorrer da
matéria. Quando o livro trabalha os modelos de conjugação verbal com tabelas
prontas apresenta os regulares, e após trabalhar o imperativo traz o conceito de
verbo regular.
Em relação aos verbos auxiliares, apenas as coleções A e B abordam o tema,
sendo no volume 6 e B no volume 7. Para que explicar verbos auxiliares se não são
trabalhados nem os tempos compostos? A Coleção B traz exercícios sobre as
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locuções verbais e apresenta uma breve explicação acompanhada dos conceitos de
verbo auxiliar e principal.
A Regência e a concordância são trabalhadas nas três coleções. É destinado um
amplo espaço para o ensino desses assuntos. A Coleção A e a C abordam os temas
no volume 7 e 9; e a Coleção B aborda somente no volume 7. São privilegiados os
casos da norma culta com regras e explicações. Na regência são apresentados os
casos de verbos que podem variar suas significações. Mas esses temas poderiam
ser um princípio para retomar o conceito de número e pessoa, pois para a
concordância essas flexões são e suma importância. Outro aspecto pouco
trabalhando e a questão da variedade linguística e as diferenças entre a linguagem
coloquial e a norma culta.
Como vimos, as Coleções A e C focam o ensino de verbos no volume 6, enquanto a
Coleção B considera mais apropriado deixar o ensino no volume 7. Praticamente
todo o conteúdo de verbos é trabalhado em um único volume, deixando os alunos
carentes do assunto nos volumes seguintes. As poucas retomadas que são feitas
nos volumes posteriores são feitas como lembretes ou no caso da Coleção B, em
que um quadrinho orienta o aluno para ir ao final do livro, onde tem uma retomada
dos assuntos trabalhados nos volumes anteriores. Somente lá ele encontrará um
resumo do assunto trabalhado anteriormente.
Vistas essas distribuições nos livros estudados nos perguntamos: Se há milhares de
estudos que levam ao ensino mais reflexivo, por que os livros didáticos continuam a
priorizar o ensino reducionista? A resposta para essas perguntas ainda é um
mistério. A busca por um ensino global ainda fica na mão do professor, que tem que
dispor de tempo para procurar outros materiais que a escola, muitas vezes, não
fornece. Os conteúdos ainda são trabalhados somente superficialmente como no
caso de conceito, no qual os livros abordam somente o aspecto semântico.
Uma observação que julgamos importante apontar é a repetição de exercícios em
que os verbos encontram-se destacados. Vejamos alguns exemplos:
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Ex: 01 – Leia as manchetes a seguir e identifique o que os verbos em destaque
expressam. (Coleção A, V. 6, p. 206)
Ex: 02 – Identifique se os verbos destacados estão no presente, no passado ou no
futuro. (Coleção C, V. 6, p.213)
Ex: 03 – Explique qual das palavras destacadas indica ação e qual expressa estado.
(Coleção B, V. 7, p. 227)
A repetição desses exercícios está presente nas três coleções. Acreditamos que
essa repetição não traz grandes prejuízos ao aluno, mas não entendemos por que o
verbo do exercício tem que estar destacado, já que a identificação dos verbos é a
matéria que está sendo ensinada. O livro facilita o trabalho do aluno destacando o
verbo. Com isso, o aluno pode ter dificuldades posteriores quando tiver que
reconhecer o verbo em um texto sem marcações.
Temos também exercícios como:
Ex: 04 – Conjugue no caderno, em quadros como os apresentados na página
anterior, os verbos falar, entender e sorrir nos tempos verbais estudados até aqui.
(Coleção C, V. 6, p.218)
Vemos no exemplo 04 aquele velho e atrasado ensino de paradigmas em que o
aluno decora os tempos e conjuga os verbos em tabelas, o que, na hora de
empregar o verbo em um texto, não servirá para nada, já que o aluno não aprendeu
a usá-lo no texto e sim a conjugá-lo.
Outra observação é sobre o trabalho com gêneros discursivos, o uso de tirinhas,
anúncios, poemas, etc. Os gêneros são apresentados com o propósito de exercer
uma função linguística sobre a realidade e como um método que leve o aluno a
compreender o uso da língua. Mas, na maioria das vezes, seu conteúdo é
trabalhado como objeto de exemplificação, sem a abordagem de uma construção
hibrida da língua. Os textos verbais-visuais são ótimos instrumentos para formar
leitores críticos e evidenciar o uso da língua, não devem ser tratados como
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exercícios lúdicos unicamente para questões de gramática normativa. O gênero
mais apresentado pelos livros é a tirinha, em geral usada para os conteúdos de
gramática normativa, sem explorar sua composição, temática e estilo. Outros
gêneros são trazidos, mas usados como frases soltas nas analises dos assuntos,
pois seu conteúdo semântico quase não é trabalhado.
Sabemos que o professor segue a linha do livro didático durante o ano para ensinar
a matéria. Os temas que não são abordados pelos livros podem também ser
esquecidos pelos professores, isso prejudicaria o aprendizado do aluno. Por isso a
importância do material ser completo, claro que o ensino de verbos é extenso, mas
como vimos são 4 anos para trabalhar o conteúdo. Será que há necessidade de
assuntos importantes para a compreensão da língua, como aspecto e verbos
auxiliares, fiquem de fora do livro ou sejam mencionados rapidamente?
Os livros tendem a seguir um padrão de ensino, quase não abordam o uso coloquial
e as variações linguísticas. Tudo ainda é muito normativo, com regras e modelos a
serem seguidos. O Conteúdo é explicado, traz alguns exercícios e rapidamente
outra matéria entra no seu lugar. O Ensino não tem continuidade, muitas vezes a
próxima matéria trabalhada pelo livro não tem relação com a anterior, o que pode
causar um estranhamento no aluno e até mesmo o esquecimento da matéria.
Considerações finais
Quando vemos os estudos sobre o ensino de Língua Portuguesa e mais
especificamente sobre o ensino de gramática, percebemos como o esse tem
evoluído e o caminho longo que ainda temos pela frente para um ensino que priorize
mais o aluno e o estudo da língua. Mas quando comparamos os resultados obtidos
com este trabalho com os resultados do estudo de Neves (2001), vemos que os
conteúdos das três coleções analisadas se aproximam dos livros examinados por
Neves. Isso nos mostra que esses materiais são praticamente o mesmo de sempre,
suas mudanças, mesmo com tudo que é discutido sobre o ensino ano após ano
ainda é o mesmo.
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Como vimos, a questão do verbo é muito ampla. A vastidão de definições e suas
dificuldades gerais de trabalhar com a matéria são assuntos a serem discutidos e
aperfeiçoados. Esse estudo faz uma mostragem geral do ensino de verbos. Estudos
com cada um dos tópicos podem ser realizados mais profundamente, assim como
com outros temas abordados pelos livros didáticos.
Mesmo com um padrão nas classificações, o modo que cada uma das coleções
expõe a matéria e seus conteúdos para o aluno é diferente. Esperamos que essas
faltas e/ou diferenças não tenham influência no trabalho do professor, e que o livro
realmente sirva de apoio ou guia para o professor. Mas até ai tudo bem, pois o
professor já tem um conhecimento prévio desses assuntos.
Nossa preocupação é com o aluno e seu primeiro contado com essas matérias e
com o livro didático. O material é feito para o uso do aluno e é nele que os autores e
elaboradores de materiais devem pensar. O papel do verbo nas construções de tipos
de textos é praticamente nulo. Encontramos muitos gêneros textuais, mas seu papel
é meramente ilustrativo, pois suas frases são trabalhadas soltas, sem entrar em
questões mais profundas do texto e de seu uso.
Este trabalho teve como base o estudo de livros didáticos, feito por Gisele Paz
Nunes em 2001. Passados dez anos, os resultados são semelhantes. O material
ainda é bastante normativo, inconsistente e incompleto; é preciso cautela ao adotar
determinado livro, já que esta é uma ferramenta que ainda precisa de
aperfeiçoamento; o material é praticamente teórico e deixa a cargo do professor
questões referentes à semântica e à sintaxe dos conteúdos.
Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais: Terceiro e Quarto ciclos do Ensino Fundamental: Língua
Portuguesa. Brasília: MEC-SEF, 1998.
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FIGUEIREDO, Laura de; BALTHASAR, Marisa; GOULART, Shirley. Singular e
plural: leitura, produção e estudos de linguagem, 6º, 7º, 8º e 9º ano. 1.ed. São
Paulo: Moderna, 2012.
HORTA, Maria Regina Figueiredo; MENNA, Lígia Regina Máximo Cavalari; VIEIRA,
Maria das Graças. Português: uma língua brasileira, 6º, 7º, 8º e 9º ano. 1.ed. São
Paulo: Leya, 2012. (Coleção Português: uma língua brasileira).
NEVES, Maria Helena de Moura. Gramática: conhecimento e ensino. In: AZEREDO,
José Carlos de. Língua portuguesa em debate: conhecimento e
ensino. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 52-73.
NUNES, Gisele da paz. O ensino de gramática nas escolas de ensino
fundamental: a questão do verbo. Dissertação (Mestrado em Linguística) - ILEEL-
Universidade Federal de Uberlândia, 2001.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) Ensinar Gramática na Escola?. In: PEREIRA,
Maria Teresa G. Língua e linguagem em questão. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 1997.
p. 109-128.
TAVARES, Rosemeire Aparecida Alves; CONSELVAN, Tatiane Brugnerotto.
Vontade de saber português, 6º, 7º, 8º e 9º ano. 1.ed. São Paulo: FTD, 2012.
TRAVAGLIA, Luis Carlos. Gramática: ensino plural. São Paulo: Cortez, 2003.
TRAVAGLIA, Luis Carlos. Gramática e interação: uma proposta de ensino de
gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 2001.
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A formação inicial docente: breves considerações
Francieli Corbellini1
Resumo A profissão docente segue alguns preceitos fundamentais. Porém, ela é uma formação também subjetiva, porque envolve o emocional, a capacidade de relacionar-se, além de o professor criar e manter laços afetivos com a profissão e com os alunos. Devido a isso, muitas expectativas são colocadas sobre os aspirantes à carreira, pela sociedade como um todo e por eles mesmos. Nesse emaranhado, nem sempre os medos, as inseguranças e as dúvidas têm seu espaço para serem discutidos com clareza. O presente artigo aborda a constante discussão da formação docente, mas com ênfase para a formação inicial, a partir dos cursos de licenciatura. Objetivamos apontar novas perspectivas sobre o ser e o fazer docente, além de alavancar diálogos acerca da importância e organização das disciplinas de estágio curricular supervisionado, primeiro contato com a sala de aula de ensino regular de muitos professores.
Palavras-chave: formação docente - estágio curricular - ensino regular. Abstract The teaching profession follows some essential rules. However, it's also a subjective formation, because it covers the emotional, the relationship capacity, and the teacher's skills to keep bonding with his students and with his profession. By such reason, there are too many expectations around the profession, these expectations are created by the society and by the professionals themselves. In such environment, the fear, the insecurity and doubts not always can be discussed in a properly way. This article approaches the discussion about the teaching formation, but highlighting the initial formation, starting from the graduation courses. Our goal is to point new perspectives about to be a teacher, also boost dialogs about the importance and organization of supervisioned internship's classes, the first professional's contact with the classroom of a regular education. Keywords: teaching formation – internship - regular education.
Introdução
Ensinar, do latim insignare, é transmitir conhecimentos, ensinar, mas significa,
literalmente, colocar um sinal. No início da Era Moderna, a Igreja forneceu, por muito
tempo, as sacristias para as primeiras escolas e por isso o trabalho do professor foi
visto, durante muitos séculos, como sacerdócio, e não como profissão (SILVA, 2014,
p. 169).
1 Artigo modificado pela autora, primeiramente elaborado em forma de capítulo para a monografia de
conclusão do curso intitulada “Quem tem medo do lobo mau? Sentimentos que afligem futuros docentes de língua portuguesa”, com orientação da professora doutora Alessandra Bittencourt Flack ([email protected]), apresentada em julho/2015.
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Esse pequeno relato diz muito sobre a formação docente. O fato de o trabalho do
professor ser reconhecido como sacerdócio em épocas passadas não destoa muito
do que ainda é, agora, essa profissão. A dedicação e atenção dispensadas aos
alunos, por vezes, ainda é integral. Hoje, porém, para chegar ao patamar de
professor ou educador, o caminho é longo e as dificuldades se apresentam
constantemente. Até que ponto, então, ser um sacerdócio (vocação, amor, dom)
prejudica a formação docente? Como seria possível formar um bom professor?
Quais as características que ele deve ter? Como um estudante de licenciatura deve
ser ao se formar professor?
O ser docente em processo de formação
Paulo Freire (2007, p. 22) defende “que o formando, desde o princípio mesmo de
sua experiência formadora, [deve assumir-se] como sujeito também da produção do
saber, [que ele] se convença definitivamente de que ensinar não é transferir
conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção”. O pensador é categórico ao afirmar tal citação. É este um dos
conselhos mais valiosos à docência. Transferir conhecimentos qualquer pessoa com
um mínimo de instrução consegue, mas o professor deve atuar como mediador em
sala de aula. Ou seja, ele deve proporcionar momentos de construção do saber e
não simplesmente replicar a seus alunos o que aprendeu. Mediar é fazer as
perguntas, mas evitar respondê-las; é oportunizar exercícios, mas nunca resolvê-los
sozinho; é instigar o estudo, mas nunca estudar pelos alunos.
Esse entendimento do professor como mediador é recente e está tentando se
estabelecer em escolas de ensino regular, uma vez que o professor era entendido
como aquele que professa, que tem uma verdade a transmitir somente. O professor
mediador, portanto, bate de frente com o método tradicional ou “pedagogia
tradicional [que] é uma proposta de educação centrada no professor, cuja função se
define como a de vigiar e aconselhar os alunos, corrigir e ensinar a matéria” (PCNs,
1997, p. 39). Professores em formação estudam as possibilidades de mediação,
como desenvolvê-las em sala de aula e “é visto, então, como facilitador no processo
de busca do conhecimento que deve partir do aluno” (PCNs, 1997, p. 40). No
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entanto, ao concluírem as licenciaturas, muito do que foi estudado parece se perder.
Alguns docentes alegam que os alunos não estão preparados para este método,
outros dizem que ele exige muito esforço, outros ainda dizem que a educação
brasileira não quer desenvolver tal abordagem.
Exercer a docência é se utilizar de diferentes métodos e práticas, já que
a prática educativa é bastante complexa, pois o contexto de sala de aula traz questões de ordem afetiva, emocional, cognitiva, física e de relação pessoal. A dinâmica de acontecimentos em uma sala de aula é tal que mesmo uma aula planejada, detalhada e consistente dificilmente ocorre conforme o imaginado: olhares, tons de voz, manifestações de afeto ou desafeto e diversas outras variáveis interferem diretamente na dinâmica prevista (PCNs, 1997, p. 93).
Phillip Perrenoud (2000) estabelece dez competências necessárias à formação
docente, não apenas relacionadas ao professor e à sua prática, mas também ao
relacionamento com os outros componentes do ambiente escolar. São elas:
Organizar e dirigir situações de aprendizagem;
Administrar a progressão das atividades;
Conceber e fazer evoluir os dispositivos da diferenciação;
Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho;
Trabalhar em equipe;
Participar da administração da escola;
Informar e envolver os pais;
Utilizar novas tecnologias;
Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão;
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Administrar sua própria formação contínua.
Vamos explicar, rapidamente, cada uma dessas competências, pelo nosso
entendimento e embasados nas explicações do próprio Perrenoud (2000): (1)
organizar e dirigir situações de aprendizagem trata da capacidade do professor de
buscar artifícios didáticos, que se distanciem dos exercícios tradicionais, que partam
da sua imaginação e criação, apostando em outros tipos de situações de
aprendizagem; (2) administrar a progressão das aprendizagens trata das estratégias
que o professor deve fazer uso para ajustar sua aula às possibilidades dos alunos,
visando sempre a progressão da aprendizagem; (3) conceber e fazer evoluir os
dispositivos de diferenciação compreende não só diferenciar e romper com a
pedagogia frontal (a mesma lição e exercício para todos), mas também criar uma
organização do trabalho colocando os alunos em situações prazerosas, priorizando
aqueles que têm mais a aprender; (4) envolver os alunos em suas aprendizagens e
em seu trabalho é levar em consideração o discente em toda atividade a ser
realizada, se colocar no lugar dele para experimentar como ele experimentaria a
situação; (5) trabalhar em equipe é usufruir dos colegas de trabalho e se doar a
eles, dialogar e desenvolver projetos em conjunto, ou mesmo resolver situações-
problema; (6) participar da administração da escola é sinônimo de conhecer melhor
a organização do próprio local de trabalho; (7) informar e envolver os pais é sempre
importante para conhecer a realidade do aluno e, em conjunto, conseguir resolver
situações tanto dentro como fora da sala de aula; (8) utilizar novas tecnologias
porque os alunos estão usando, passa-se a fazer uso de algo que eles dominam e
que ainda oferece formas diversas de trabalhos em aula; (9) enfrentar os deveres e
os dilemas éticos da profissão pode ser a competência mais difícil de se alcançar, os
deveres correspondem ao se tornar responsável pelo trabalho para que este seja
elaborado da melhor forma possível e a cumprir as metas que são estabelecidas
pela escola e pela sociedade, e dilemas temos muitos (desvalorização do professor,
ensino interdisciplinar, trabalho fora do expediente, etc.) e que só serão
solucionados com muito diálogo; e (10) administrar sua própria formação contínua
porque as pesquisas em educação avançam a cada ano, a todo momento surge
algo novo e o professor precisa estar a par das novidades, não pode se acomodar.
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Em conjunto, essas habilidades indicam que, apesar de parecer trabalhoso o
processo de formação, ele precisa englobar todas essas premissas para que
tenhamos um professor melhor preparado em sala de aula. É necessário, portanto,
abordar estes ensinamentos já a partir da formação inicial, a fim de transformar cada
uma dessas competências em um hábito para o futuro docente.
Na maioria das escolas brasileiras, não temos a cultura de procurar, em conjunto
com toda a equipe escolar, soluções e meios de se chegar a alcançar as
competências tão bem pensadas por Perrenoud, apesar de existirem estudos
capazes de mostrar que essas competências funcionam e que deveriam ser
adotadas em todo nosso sistema de ensino. Nossa cultura é muito individualista e,
dessa forma, todos perdem, já que pensar e realizar junto agiliza o processo além de
ele se fazer entender com mais facilidade. O professor ainda é incapaz, ou tem
medo, de debater assuntos voltados para o seu e para o crescimento do outro. Nem
sempre o corpo docente de uma escola tem seus membros interligados.
Em uma escola acostumada ao diálogo, inclusive a hora do intervalo já se torna
suficiente para a elaboração de trabalhos e resoluções de problemas em conjunto.
Desde que se tenha em mente a cooperação e o desenvolvimento dos alunos, todo
tipo de intervenção é válido e, qualquer que seja o resultado, ele vai atingir a todos,
até os menos envolvidos.
Porém, a conquista de um trabalho baseado nas competências pode demorar e isso
faz com que o ensino tradicional retorne às salas de aula. Por ensino tradicional
entende-se o uso, quase que em toda a aula do livro didático, não como recurso,
mas como pilar da aula; a realização de exercícios mecânicos de perguntas e
respostas que não exigem um pensamento aprofundado; e a falta de dinamicidade
da aula, com alunos sentados em filas separadas, sem permissão de interação para
não atrapalhar o desempenho do professor. Há docentes que tentam mascarar este
ensino utilizando, às vezes, atividades diferenciadas. Entretanto, o que falta não é a
mescla de atividades, mas a reflexão e avaliação do próprio docente sobre o seu
trabalho, visando a significação dele para o aluno. Vale lembrar que, quanto mais
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significativas forem as atividades para o aluno do ensino regular, melhor e mais
completa será sua aprendizagem. Os PCNs (1997, p. 52) defendem que
cabe ao educador, por meio da intervenção pedagógica, promover a realização de aprendizagens com maior grau de significado possível, uma vez que esta nunca é absoluta – sempre é possível estabelecer alguma relação entre o que se pretende conhecer e as possibilidades de observação, reflexão e informação que o sujeito já possui.
Continuando nossa busca pela formação da docência, não há como não citar o
pensador Lawrence Stenhouse (2003), que defende o ser professor um pesquisador
e investigador capaz de criar o próprio currículo. Todo educador, segundo ele, tem
de assumir seu lado experimentador no cotidiano e transformar a sala de aula em
laboratório. O profissional da educação deveria lançar mão de estratégias variadas
até obter as melhores soluções para garantir a aprendizagem da turma. É o que
entendemos como jogo da tentativa e erro na educação. É só experimentando que
vamos saber quais atividades, exercícios e, inclusive, atitudes que se adaptarão
melhor à sala de aula. Esse pensamento está em consonância com a primeira
competência de Perrenoud, já que para organizar e dirigir situações de
aprendizagem, o professor terá que se fazer investigador da própria prática.
Também nessa perspectiva de Stenhouse, podemos juntar a abordagem dada por
Marcos Villela Pereira (2013, p. 47) em que “é necessário entrar por uma questão de
base: considerar que somos humanos trabalhando com a formação [...] geral de
outros humanos”. Por esse viés, se faz presente a subjetividade no trabalho do
professor. As atividades devem ser pensadas visando a melhor aprendizagem da
turma, mas o que faz com que um aluno aprenda, pode não fazer outro aluno
aprender. Para tanto, é necessário ter o entendimento de que a prática docente é
dinâmica e nunca estará pronta. O que funciona em uma turma, pode não funcionar
em outra. Transformar a sala de aula em laboratório, portanto, é preciso para
investigar e identificar as particularidades de cada um dos discentes.
O desconhecimento e a ausência da pesquisa em escola provoca interpretações equivocadas no cotidiano escolar. Não é raro serem desenvolvidas atividades sem o conhecimento das razões que levaram a elas. Utiliza-se o termo contextualização para atividades que não apresentam nenhum sentido. (PEREIRA, FERNANDEZ, 2005, p. 13).
A falta, portanto, de pesquisa acerca do que acontece em sala de aula ou sobre o
desenvolvimento dos alunos pode sim resultar em uma prática equivocada e sem
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sentido. Aliás, será que os professores costumam se questionar quanto ao sentido
daquilo que é ensinado, das metodologias adotadas e mesmo do seu papel em sala
de aula? Mesmo que não seja uma ação nata questionar-nos sobre o sentido das
coisas, na busca pela formação docente isso se faz importante porque o que não faz
sentido não deve ocupar nossos planos de aula e menos ainda ser travestido de
conceitos como contextualização ou interdisciplinaridade.
E a escola nisso tudo?
Qual o verdadeiro sentido da escola? Eis aí uma questão que nos intriga e nos preocupa a todos. O mundo mudou, a sociedade não para de se transformar, as pessoas sofrem o impacto dessas mudanças e se sentem cada vez mais despreparadas para enfrentar os novos desafios que se apresentam. (ALONSO, 2003, p. 97).
A professora Myrtes Alonso chama a atenção sobre o próprio fazer docente.
Enquanto que o sentido da escola se perde, segundo ela, em meio às atuais
mudanças que permeiam a sociedade brasileira, pelo fato talvez dessa escola,
muitas vezes, não acolhê-las; como fica a prática docente? Será que ela tem
acolhido os novos alunos e suas perspectivas? Será que o docente está preparado
para assumir as novidades que hoje adentram a sala de aula?
Uma das falhas mais graves do docente, portanto, é que
ao rever o caminho que percorremos como docentes pelas mais diversas modalidades de ensino [...], percebemos que, muitas vezes, vivemos um monólogo e não um diálogo, pois não tivemos pares para compartilhar esse nosso entendimento no que se refere à Educação e aos seus processos, para que acontecesse uma aprendizagem que pudesse oferecer ao aluno novos caminhos. (HAAS, SANINO, et al, 2005, p. 33).
Na necessidade de reflexão acerca da própria prática docente e mesmo para
resolver seus entraves, o diálogo é uma forma de encontrar apoio para melhorar a
aprendizagem dos alunos. O professor não está sozinho – e a coordenação da
escola deve deixar isso bem claro – para realizar seu trabalho. O conhecimento
completo sobre os alunos se dá muito em reuniões e encontros de professores – e é
ali que isso deve ser explorado – porque cada docente vê e percebe o aluno de uma
forma. Os PCNs (1997, p. 96) esclarecem que “é atribuição do professor considerar
a especificidade do indivíduo, analisar suas possibilidades de aprendizagem e
avaliar a eficácia das medidas adotadas”. O que fazer, por exemplo, para que o
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aluno alcance o desenvolvimento pleno? É preciso considerar o aluno também como
ser social, especialmente os adolescentes que já se impõem e requerem o que
consideram ser o melhor para eles. Ouvi-los também é essencial.
O professor João de Carvalho Menezes (2005, p. 71), diz que “é verdade que muitos
professores ainda estão preocupados em dar aulas e consideram que suas
obrigações profissionais aí se esgotam. Esquecem-se de que ninguém pode dizer
que ensinou, se ninguém aprendeu, como ninguém pode dizer que vendeu, se
ninguém comprou”. A crítica aqui apontada esclarece a proposição de que um
professor não apenas dá aulas e muito menos é aquele que acredita que o aluno vai
aprender com apenas uma explicação, um conceito, uma atividade. A partir do
momento que se assume uma turma, o desenvolvimento dela deve ser o objetivo de
tudo o que se faz. O dar aulas é somente uma das obrigações do professor, e
atrevemo-nos a dizer que é o mais simples, já que a pesquisa e a reflexão crítica é
que vão mostrar o tipo de profissional que se é, tanto no meio escolar como no meio
social.
Portanto,
o professor deve ter propostas claras sobre o que, quando e como ensinar e avaliar, a fim de possibilitar o planejamento de atividades de ensino para a aprendizagem de maneira adequada e coerente com seus objetivos. É a partir dessas determinações que o professor elabora a programação diária de sala de aula e organiza sua intervenção de maneira a propor situações de aprendizagem ajustadas às capacidades cognitivas dos alunos (PCNs, 1997, p. 55).
Essa abordagem dos PCNs contribui muito com a disciplina de estágio curricular
supervisionado, dos cursos de licenciatura, porque explicita a necessidade de
organização do futuro docente ao elaborar sua prática de sala de aula. É preciso
estabelecer, e deixar visível aos alunos, as atividades e formas de avaliação
propostas justamente para alcançar os objetivos do plano. Dessa forma, percebendo
o desempenho em cada aula, o estagiário percebe a necessidade de ajustar as
atividades e conteúdos com a aprendizagem necessária para o desenvolvimento
completo da turma. Além de ele entrar em uma rotina saudável de organização que
contribui, inclusive, na maior segurança sobre o trabalho que será elaborado.
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Como deveria ser a prática pedagógica, de modo a buscar um desenvolvimento
completo dos indivíduos, é o que abordam as professoras Leide Mara Schmidt,
Mariná Holzmann Ribas e Marlene Araújo de Carvalho (2003, p. 34), como podemos
ver abaixo:
- A prática pedagógica [deve ser] voltada não apenas para auxiliar o
processo de aprendizagem do aluno, mas também para o processo de crescimento e desenvolvimento do professor. - A prática pedagógica [deve ter a] capacidade de produzir conhecimento sobre educação, teorias educacionais, processo de aprendizagem, papel da escola e do ambiente “aula”, de um novo enfoque sobre o processo de avaliação. - A prática pedagógica [deve ser] capaz de produzir conhecimento sobre a postura do professor em sua relação com os alunos e [ser] capaz de contribuir para a formação contínua pessoal e profissional dos docentes.
Podemos desenvolver ainda mais as três pressuposições. Uma prática voltada para
o auxílio do processo de aprendizagem do aluno é aquela alicerçada na
individualidade ao mesmo tempo em que na coletividade. Ou seja, fazer a turma
andar junto, oferecendo subsídios para que os alunos com dificuldade não percam o
ritmo e a companhia dos outros. Foi o que vimos anteriormente quando tratamos da
terceira competência de Perrenoud, conceber e fazer evoluir os dispositivos de
diferenciação. Já a junção dessa forma de prática com o processo de crescimento e
desenvolvimento do professor condiz com a nona competência estabelecida pelo
pensador. Trata de enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão de modo a
percebê-los em sala de aula - quando ali estão, mas não somente - e administrá-los
tanto dentro como fora do meio escolar. É permitir-se dizer que sua formação não
está completa. É ter a humildade de entender a prática como processo contínuo de
saber, aprender e descobrir.
O segundo apontamento envolve todas as instâncias educacionais, tangenciando o
papel das teorias educacionais e o papel da escola. A reflexão sobre a prática vem
de encontro a isso porque somente refletindo criticamente é que se produz
conhecimento. Esse é o simples ato de investigar o que aconteceu em aula e, daí,
atualizar teorias, perceber o papel da escola como instituição na formação do aluno,
perceber se as avaliações de aprendizagem estão realmente refletindo o nosso
aluno, investigar até onde a teoria vai e por onde ela pode expandir ainda mais. É
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preciso estar sempre atento, perceber estas facetas, mas não deixá-las na gaveta
quando descobertas.
Por fim, o terceiro apontamento citado por Schmidt, Ribas e Carvalho (2003, p. 34),
volta ao encontro de Perrenoud (2000) quando tratamos da décima competência que
precisa ser alcançada pelo bom professor. A formação contínua deve se fazer
presente na prática pedagógica porque ela contribui muito com o desenvolvimento
profissional. As escolas estão cheias de docentes acomodados que alegam não ter
tempo de buscar formação – há casos, porém, como na necessidade de trabalhar
em mais de uma escola, que só uma reestruturação completa da educação brasileira
resolveria. Só a continuação dos estudos é que poderá atualizar os docentes sobre
suas práticas. Ela permite a troca de experiências, permite a reflexão de acordo com
novas tendências, novos entendimentos, novos jeitos de ensinar e que posturas ter
em sala de aula em novos tempos. Há casos em que os professores frequentam
cursos de formação contínua, mas continuam desenvolvendo seus velhos métodos.
É, provavelmente, por isso que as autoras perceberam a necessidade de
acrescentar essa instância à explicação de como deveria ser a prática docente, já
que o estudo, sem aplicação, não configura prática pedagógica.
A dificuldade de reflexão por parte dos professores, no entanto, é o que mais
demanda estudos e pesquisas na área da educação. Faz-se fundamental uma
abordagem, então, sobre a formação inicial desses professores.
[...] é importante, a partir da formação inicial, criar ambientes de análise da prática, ambientes de partilha das contribuições e da reflexão sobre a forma como se pensa, decide, comunica e reage em uma sala de aula. Também é preciso criar ambientes – que podem ser os mesmos – para o profissional trabalhar sobre si mesmo, trabalhar seus medos e suas emoções, onde seja incentivado o desenvolvimento da pessoa e de sua identidade. (PERRENOUD, 2002, p. 18).
Ambientes de análise de prática e de partilha das contribuições são o que de
imediato deveria ser repensado nos cursos de formação de professores. Isso
porque, apesar de universidades/faculdades oferecerem cursos tanto de formação
inicial como continuada, ainda estamos num momento de apenas exposição de
ideias, pelo que presenciamos e discutimos em ambientes acadêmicos, com o
objetivo apenas de dar exemplos de como aplicar uma aula, mas é preciso expandir
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esses encontros para momentos de reflexão. Importante também seria juntar
profissionais de outras áreas a essa atividade, como é o caso de psicólogos. Não é
simples entender o que se passa na mente do aluno, entender o porquê de ele ter
sido agressivo, por exemplo, o porquê de ele não ter feito a atividade ou ter feito de
uma forma diferente da dos colegas. Somente trocando ideias e opiniões é que se
pode chegar a possíveis respostas.
Além disso, o psicólogo pode contribuir com a formação da identidade desse novo
profissional. Os medos e emoções decorrentes da primeira aula dada, de uma
represália por parte de um aluno, de uma correção feita pela professora titular e
mesmo a euforia de ter feito um bom trabalho, precisam ser discutidos. São
questões que geram ainda mais insegurança no futuro educador se não forem
devidamente abordadas. É disso que parte a reflexão – da ação do indivíduo para o
coletivo.
Alguns estudantes procuram na formação algo que ela não oferece mais – ortodoxias, saberes práticos – e nem percebem o que ela propõe, em especial uma formação reflexiva. Por quê? Sem dúvida porque desenvolveram uma relação com o saber e com a profissão que não os incita à reflexão: porque o contrato e os objetivos de uma formação ligada ao paradigma reflexivo não foram suficientemente explicitados para permitir-lhes optar por outra opção ou por abandonar progressivamente suas imagens estereotipadas da profissão e da formação dos professores. (PERRENOUD, 2002, p. 18).
A maioria daqueles que hoje estão iniciando suas carreiras docentes ainda passou
por um ensino tradicional – considerando assim o ensino dotado de atividades de
repetição e com base no livro didático – com poucas exigências reflexivas sobre o
que se aprendia. É sabido que muitas vezes temos atitudes a partir de exemplos que
tivemos e, sem termos discutido sobre esses exemplos, podemos sim levar para a
sala de aula o que já é ultrapassado. Por isso os estudantes procuram a ortodoxia e
saberes práticos nos cursos de licenciatura, como diz o pensador, eles aprenderam
assim e até que alguém lhes mostre novas alternativas, as tradicionais ainda serão
as certas dentro de suas concepções.
Refletir sobre a prática, sobre a aprendizagem, sobre o aluno, sobre si mesmo. De
fato não é de uma hora para outra que se desvirtuam as crenças acerca da
educação para que outras sejam adotadas. É preciso um mediador preparado para
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ouvir, compreender e falar com o compromisso de abrir possibilidades de discussão
com os futuros docentes. Eles também precisam ser preparados para ouvir, já que o
feedback sobre sua prática pode não ser positivo. Mesmo assim, o futuro docente
deve aceitar as críticas e se fazer valer delas para se aprimorar. Essa evolução do
ser docente é extremamente necessária e urgente. É preciso abrir nossas práticas e
colocá-las ao grupo para perceber os outros olhares e as novas práticas e sugestões
que podem surgir a partir daquilo que se está fazendo.
Outro aspecto muito discutido na formação docente é o quanto esse docente
realmente sabe para poder assumir uma sala de aula. Sabe quanto ao que vai
encontrar e sabe quanto ao conteúdo a ser administrado. Perrenoud (2002, p. 16)
aponta a solução para isso, no quesito tempo de formação, mas acaba concluindo
que seu pensamento é inviável:
Em uma perspectiva ideal, com um tempo ilimitado de formação inicial, ninguém se oporia a que os professores de todos os graus dominassem uma ou várias disciplinas no mais alto nível e também fossem pesquisadores. No entanto, isso não é necessário nem possível. Não é possível porque, ao acrescentar uma formação didática e pedagógica, mesmo que superficial, a uma formação acadêmica de altíssimo nível, chegamos a formações iniciais com duração proibitiva para a maioria das pessoas e coletividades. Por isso, é preciso limitar-se ao fato de que os professores saibam “razoavelmente mais” que seus alunos, que não descubram o saber a ser ensinado na véspera de sua aula e que o dominem suficientemente para não se sentirem em dificuldade ante o menor problema previsto.
A última parte da fala de Perrenoud chama a atenção porque ele, sarcasticamente,
coloca que o professor não tem muito conhecimento, quanto ao conteúdo, mas
apenas o necessário para saber um pouco mais do que os alunos, quando conclui a
licenciatura. Apesar de o curso ter um tempo limitado, nada impede o professor de
continuar estudando. Ao contrário, isso se faz necessário porque o conhecimento
nunca se esgota e sempre é preciso buscar novas explicações, novos modelos,
novos exemplos a seguir. Ao sair da universidade/faculdade, o estudante, apesar de
já ter feito os estágios curriculares obrigatórios, se depara com a realidade escolar.
Somente quando se está no meio é que se estabelece a forma de caminhar daí por
diante; somente neste momento é que se passa a estudar para dar aulas.
O estudante de licenciatura que busca uma receita precisa compreender que o
ensino não se concretiza por manuais de prática. Em vista disso, se torna importante
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o diálogo com colegas, a troca de saberes, a partilha de experiências, porque não
existe um modo de fazer, mas sim o modo de fazer de cada professor que é
vinculado e pode ser diferente em cada uma das turmas em que foi trabalhado. Em
entrevista (06 maio 2015), a professora Tânia Fortuna2 declarou que nas
licenciaturas “alguns cursos reivindicam equivocadamente uma especificidade para
o seu curso do tipo ‘nós queremos uma professora de psicologia da educação de
Língua Portuguesa’, uma professora para cada área. Talvez nós estejamos
perdendo uma das únicas chances que esse aluno terá, ao longo de sua vida
profissional, de estar com colegas de outras áreas trabalhando junto. A realidade da
escola, infelizmente, é segregacionista. Quando se entra na escola, cada um fica no
seu canto. [As turmas mistas na universidade/faculdade proporcionam] um grande
ganho na sala de aula que é o fato de os alunos não só estarem com colegas de
diferentes cursos, mas aprenderem com colegas de diferentes cursos. [...] Certas
estruturas do pensamento são ativadas, certos processos de compreensão são
globais e áreas distintas se beneficiam mutuamente com o avanço ou com a
dificuldade. Nós não somos compartimentados internamente”. Logo, seria
necessária uma remodelação dos cursos de licenciatura, também voltados para a
cooperação entre os cursos e das próprias disciplinas entre si.
Conclusão
Muito ainda poderíamos nos estender falando somente da formação de professores.
Muito já foi dito, mas a rigidez com que as formas e estilos permanecem intocáveis
na educação nos obriga a retornar a essa discussão e propiciar outras tantas ainda
necessárias para se estabelecer uma mudança efetiva no ensino brasileiro em todas
as suas esferas.
Iniciamos este artigo com uma breve explicação sobre o que é ensinar e como era
visto o professor em épocas passadas. Portanto, em nossos dias,
2 Tânia Ramos Fortuna é professora licenciada em Pedagogia (1985), Mestre em Psicologia da
Educação (1990) e Doutora em Educação (2011) pela UFRGS. Atua como professora adjunta de Psicologia da Educação na UFRGS desde 2011. A entrevista fora dada em especial para a efetivação deste texto.
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conceber o ato de ensinar como ato de facilitar o aprendizado dos estudantes faz com que o professor os veja como seres ativos e responsáveis pela construção de seus conhecimentos, enquanto ele passa a ser visto pelos alunos como facilitador dessa construção, como o mediador do processo de aprendizagem, e não como aquele que detém os conhecimentos a serem distribuídos. (OLIVEIRA, 2010, p. 29).
Pelo que aqui expomos, podemos então concluir que ainda há um longo caminho a
percorrer no aprimoramento da formação de professores. É preciso que o docente
se torne um ser reflexivo sobre si e sobre seu trabalho. A busca por melhor prática
pedagógica, por melhor relacionamento com os alunos, por melhor desempenho a
cada dia, parte do próprio docente. Estar disposto a mudar para evoluir pode ser
considerado a atitude indispensável ao professorado brasileiro, diante da
acomodação que acomete a maioria de nossos professores.
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A tragédia grega e Electra: a representação da vingança na casa de Agamêmnon em Eurípedes e Ésquilo
Thales Pereira Maciel1
Resumo Este trabalho tem o audacioso intento de, a partir de Electra, provar a imutabilidade do ser humano já representado como inquieto e dúbio na produção literária dos primórdios, bem como caracterizar e diferenciar a produção dos três grandes tragediógrafos gregos e o surgimento da tragédia e do trágico na Grécia antiga. Palavras-chave: Electra - tragédia grega – vingança – Agamêmnon – Eurípedes - Ésquilo. Abstract This article has the audacious attempt to, from Electra, prove the human's immutability represented in this literary production like dubious and restless. It wants also ponder, characterizing, as well as to differentiate the production of the three great greek tragedians and the emergence of tragedy and of the tragic in ancient Greece. Key words: Electra - greek tragedy – revenge – Agamemnon – Euripedes - Aeschylus.
Tragédia grega
Discorre-se, para raliv (2010), sobre mitos serem encenados já entre os egípcios, os
mesopotâmios, os hindus e os chineses. Entretanto, o mais aceito é que o teatro
surja na grécia, no período ático, ou de atenas, (do século v ao iii a. C.), sendo para
salvatore d’onofrio (2004, p. 62) o período de maior importância na literatura grega:
depois das batalhas de maratona (490 a. C), salamina (480 a. C.) E da invasão
persa, atenas se transforma no centro político-cultural da grécia e a arte prospera.
Para Raliv (2010), festas aconteciam em templos destinados ao Deus do vinho e das
celebrações, Dionísio, quando as pessoas se fantasiavam de sátiros (metade
humanos, metade bodes) e entoavam cantos fazendo libações – acompanhadas por
muito vinho. D’Onofrio salienta, no entanto, que o teatro assumiu um papel de maior
importância na representação de mitos populares gregos do que apenas o culto a
Dionísio (D’ONOFRIO, 2005, p. 67).
1 Acadêmico de Letras da Faculdade Porto-Alegrense – FAPA.
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Os espaços físicos onde os espetáculos passaram a acontecer permitem imaginar a
dimensão dos eventos na época: "os mais belos exemplos de teatros gregos são os
de Atenas: teatro de Dionísio, 17 mil lugares, de Epidauro, 20 mil lugares, de Delfos
[...]" (GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL, 1998, p. 5607, apud
RALIV, 2010). Era como se estádios de futebol da pós-modernidade fossem
praticamente lotados para ver espetáculos de teatro.
Nada melhor que a definição de tragédia de Aristóteles para discutir o gênero:
É pois, a Tragédia, imitação de uma ação de caráter elevado, completa e de certa extensão, em linguagem ornamentada [...], [imitação que se efetua] não por narrativa, mas mediante atores, e que, suscitando o ‘terror e a piedade’, tem por efeito a purificação dessas emoções. (ARISTÓTELES, 1992, p. 37).
Dentro do grande gênero dramático que emerge no Período de Atenas Eurípedes
cai do Monte Olimpo (morada das divindades gregas) para, ao contrário de Homero
no Período Arcaico, abandonar os deuses e semideuses e retratar os homens.
Seres não divinos, mas nobres na tragédia e vulgares (do povo) na comédia, o que
faz a tragédia, para Aristóteles (1992, p. 38), um gênero superior. Em suma,
Eurípedes dá mais humanidade e virtuosidade às personagens que acabam
passando por uma grande purificação de emoções, inevitavelmente, e isso as faz
mais dignas de serem retratadas pela literatura do que os próprios Deuses.
Esses homens não sobrenaturais estão fadados a uma ação, que, para Aristóteles
(1992, p. 39), é determinante na tragédia: a ação a que está destinada, e não o
caráter de uma personagem, define sua conduta.
Seja terror ou piedade, essa purificação de emoções, ou catarse, parece enraizada
nas obras dos três tragediógrafos. Se em Eurípedes Ifigênia decide entregar-se ao
sacrifício para mudar os ventos desfavoráveis que impedem os aqueus de irem à
Tróia batalhar, em Ésquilo Electra e Orestes precisam matar a mãe para vingar a
morte do pai Agamêmnon e, em Sófocles, Édipo Rei está destinado a matar o
próprio pai e casar com a mãe e, apenas cegando-se, percebe sua sina. Nada leva
as personagens a acreditarem que terão completa salvação: os irmãos Electra e
Orestes não poderiam vingar a morte do pai sem assassinarem a mãe, por exemplo.
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A única semelhança entre a tragédia e o gênero épico do momento anterior, a
epopeia do Período Arcaico, para Aristóteles (1992, p. 35), é a imitação de ações
superiores. Ainda em Aristóteles (1992, p. 27), “o imitar é congênito no homem – e
nisso difere dos outros viventes, pois, de todos, é ele o mais imitador, e, por
imitação, aprende as primeiras lições”. Aprendemos, pois, nos primeiros anos, quase
exclusivamente através da imitação, e Electra e Orestes seguem o status quo da
justiça que garante a vingança com as próprias mãos.
No que compete à estrutura, o metro único – de gênero narrativo – e não ter limite
de tempo na epopeia, diferem-na da tragédia, que deveria ser construída com o
intuito de durar, segundo Aristóteles (1992, p. 35), no máximo um período de sol ou
pouco mais, sendo perfeitamente compreensível quando se imagina os mecanismos
de iluminação que – não – existiam na época.
Aristóteles (1992, p. 49) afirma que, mesmo a natureza impondo o limite de um
correr do sol, quanto mais elaborada e extensa for, mais bela será a tragédia desde
que respeitadas a verossimilhança e a necessidade latente da catarse trágica: da
felicidade para a infelicidade, ou vice-versa.
O surgimento do trágico
Para entender o surgimento do trágico, na Grécia, é indispensável apropriar-se da
conceituação de Vernant e Vidal Naquet (1977, p.12): “o trágico traduz uma
consciência dilacerada, o sentimento das contradições que dividem o homem contra
si mesmo”. Os teóricos apontam que a tragédia surgiu no fim do século VI e que, em
menos de cem anos, tinha perdido forças a ponto de Aristóteles encontrar
dificuldade em definir o homem trágico em sua Poética, no século IV (VERNANT;
VIDAL-NAQUET, 1977, p. 17).
Para eles, o gênero sucedeu a epopeia de Homero e a poesia lírica de Safo e
enfraqueceu quando começou a triunfar a filosofia; o debate específico das
condições sociais e das questões psicológicas da existência humana (VERNANT;
VIDAL-NAQUET, 1977, p. 17). Os autores trazem que, segundo Louis Gernet, o
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objeto da tragédia é o pensamento da coletividade, da cidade, em especial o jurídico
em ascensão (GERNET apud VERNANT; VIDAL-NAQUET, 1977, p. 13).
Vernant e Vidal-Naquet (1977, p. 12) dizem que a função das máscaras incluídas
por Ésquilo na tragédia, por exemplo, era diferenciar dois elementos na tragédia: o
coro, que representa a voz pública, e a personagem trágica, que é individualizada
pela máscara e ganha personalidade, é caracterizada em um nicho social ou
religioso, com suas peculiaridades. Em outras palavras, faz do ator um herói típico,
mas trágico. Como enfatizam os teóricos, há ainda mais diferenças: no coro das
tragédias, enquanto representação generalizada dos cidadãos, prevalece o lirismo,
já os atores individualizados ou caracterizados utilizam uma linguagem mais próxima
da prosa em seus diálogos (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 1977, p. 12).
Para Vernant e Vidal-Naquet (1977 p. 14), o trágico está verdadeiramente em se
distanciar dos mitos e dos heróis que servem de objeto à tragédia quando os
questiona, julga; quando se pondera entre o pensamento mítico e o coletivo, o que
prevalece na sociedade no momento, e a partir deste ponto passar a ser culpado e
responsável pelos próprios atos. Por mais que Édipo Rei, de Sófocles, tenha seu
destino trágico em uma profecia, ou oráculo, foi ele mesmo o responsável por matar
o pai e casar com a mãe. É pois, a tragédia, completamente ligada ao confronto
entre o pensamento mítico e o social: a essência trágica reside na culpabilidade do
homem e na sua suscetibilidade frente ao mundo e às próprias ações (VERNANT;
VIDAL-NAQUET, 1977, p. 14). Os autores apontam ainda que, surgindo o direito no
mundo grego, ele passa a exercer um papel de instituição social que molda
comportamentos humanos e define um campo jurídico e político, opondo-se à forma
de pensamento anterior: a religiosa (VERNANT; VIDAL-NAQUET, 1977, p. 18).
Embora os autores salientem que de forma alguma ela seja um debate
especificamente político, assim como o direito não comporta em si algo de trágico,
sabe-se que a presença exacerbada de vocábulos específico do direito na literatura
trágica grega e a
predileção pelos temas de crime de sangue sujeitos à competência de tal ou tal tribunal, a própria forma de julgamento que é dada a certas peças
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exigem que o historiador da literatura [...] saia de sua especialidade e se torne um historiador do direito grego (VERNANT; VIDAL-NAQUET, p. 19).
A consciência trágica insurge no homem inquieto e perdido no caótico mundo em
que seres mitológicos são parte da realidade e, na maioria das vezes, resposta às
questões que não consegue explicar. Nesse mundo, o amor é Afrodite, por exemplo,
algo personificado. A partir disso firma-se, então, a tragédia como gênero literário
(VERNANT; VIDAL-NAQUET, p. 18).
Os tragediógrafos: apanhado biográfico
O que torna intrigante em Eurípedes, Sófocles e Ésquilo é “o conflito entre o destino,
imposto pela divindade, e o livre arbítrio a que aspira o ser humano [...]”
(D’ONOFRIO, 2004, p. 62).
Ésquilo nasceu, conforme Patrick (2009, p. 11) e ainda Lesky (2006, p. 94), no ano
525 a. C. Para Patrick, em Atenas, enquanto Lesky defende que o tragediógrafo foi
natural de Elêusis e filho de um nobre proprietário de terras chamado Euforion
(LESKY, 2006, p. 94).
Albin Lesky (2006, p. 96) acrescenta que a tragédia chegou ao seu ápice quando em
completa coincidência do período histórico de Atenas com a genialidade de Ésquilo.
Para o teórico, “as guerras pérsicas constituem o capítulo decisivo na biografia de
Ésquilo” (LESKY, 2006, p. 96).
Conforme Lesky (2006, p. 97), da civilização em que deuses vivem e interagem com
reles humanos surge a tentativa de Ésquilo de compreender e retratar o divino
existente no mundo e isso se tornou característica marcante de sua obra.
Se na perspectiva do Determinismo o meio, a raça e o momento histórico definem
quem somos, não é possível desassociar Ésquilo de Elêusis e, consequentemente,
dos Mistérios de Deméter que, para Salvatore D’Onofrio (2004, p. 39), eram rituais
secretos de celebração à deusa da agricultura e “uma tentativa de explicação da
morte e da ressurreição da vida vegetal”: as quatro estações: quando Perséfone,
filha de Deméter, estava no submundo com seu marido, Hades, a vegetação
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empobrecia e era castigada - inverno, mas florescia e frutificava quando ela ia ao
Olimpo passar o restante do ano com sua mãe.
Lesky (2006, p. 96) alerta que, embora indícios existam sobre a relação de Ésquilo
com os misteriosos rituais de Elêusis, em culto a Deméter, tudo não passa e
especulação, já que não há nenhum trecho em suas obras fazendo referência a
essas práticas.
Na tragédia de Ésquilo fica evidente que “o homem trilha seu caminho árduo, e
muitas vezes cruel, através da culpa e do sofrimento, mas é o caminho determinado
pelo deus a fim de levá-lo ao conhecimento de sua lei [...]” (LESKY, 2006, p. 138).
Assim, a justiça, sem a qual o caos impera, é evidenciada.
Entre suas contribuições para o gênero dramático, grifa-se Ésquilo acrescentar um
segundo ator às suas peças, fazendo com que o diálogo desse uma dramaticidade
maior ao seu trabalho. Ele também incluiu máscaras para esconder a aparência real
dos atores e, com isso, salientar sua representação, bem como sapatos com salto
para evidenciá-los melhor (D’ONOFRIO, 2004, p. 67).
Essa transição para a democracia pode, para Patrick (2009, p. 11), ser percebida em
todas as suas sete peças com as preocupações do autor acerca de política. São
suas obras Os persas, escrito em 472 a. C., Os sete contra Tebas, de 467 a. C, As
suplicantes, de 463 a. C., Prometeu acorrentado, de 465-469 a. C. e a Trilogia de
Orestes, ou Oréstia, de 458 a. C., formada pelas Tragédias Agamêmnon, Coéforas e
Eumênides.
Sófocles
Sófocles foi cerca de 25 anos mais jovem que Ésquilo, nascendo, para Lesky (2006,
p. 142), em 487 ou 496 a. C., em Atenas. Já D’Onofrio afirma que o ano de seu
nascimento foi de fato 496 a. C. (D’ONOFRIO, 2004, p. 69).
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Lesky informa que o tragediógrafo viveu em um tempo de grandeza ateniense, já
que “o que os deuses haviam negado à própria força dos helenos pareceu no caso,
apesar de tudo, tornar-se agora realidade”, e que a confederação marítima permitiu
a conquista de territórios e a colonização grega cada vez mais consolidada (LESKY,
2006, p. 142).
Para D’Onofrio (2004, p. 69), Sófocles foi filho de um comerciante afortunado e que,
por conta disso, recebera a melhor educação de que se podia dispor na época.
Ainda com relação à batalha de Salamina, Sófocles “adolescente teve a honra de
integrar o coro de jovens que, nus, cantaram o Poean, hino em louvor de Apolo,
dançando nos festejos da vitória de Salamina” (D’ONOFRIO, 2004, p. 69). Lesky,
por sua vez, diz que “quando Sófocles chega à idade adulta, a cidadela de Atenas
[...] começa a ser adornada de obras que conduzem a arte grega ao seu apogeu e a
democracia parece ter alcançado formas duradouramente válidas” (LESKY, 2006, p.
143).
O teórico diz que, de cerca de cento e vinte peças produzidas por Sófocles, sete
tragédias resistiram, sendo mais aclamadas as que compõem o dito ciclo tebano
(sobre o mito de Édipo): Édipo rei, Antígona e Édipo em Colona, tendo escrito a
última já com oitenta anos ou mais (D’ONOFRIO, 2004, p. 69).
Não pareceria verossímil que um tragediógrafo da estirpe de Sófocles não
recebesse em troca alguma grande ironia em sua vida: D’Onofrio (2004, p. 69) relata
que, já velho, o escritor tomou por amante uma jovem e com ela teve um filho. Seu
filho mais velho, ambicionando a herança, acusou-o de senil e debilitado em um
processo. No julgamento, Sófocles leu trechos de sua última obra (Édipo em
Colona), e além de ser absolvido foi, acompanhado pelos juízes até sua casa.
Sua forte relação com Atenas, ainda para Lesky (2006, p. 144), inseriu-o na política:
em 443/2 a.C. foi tesoureiro. Sófocles morreu em 406 a. C., segundo Lesky (2006, p.
145), e no que compete a sua contribuição com o terceiro gênero, Sófocles instituiu
um terceiro ator e aumentou o número de coreutas para quinze, ante os doze
anteriores (D’ONOFRIO, 2004, p. 67).
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Eurípedes
Conforme se vê em Lesky (2006, p. 187), muitas informações sobre Eurípedes que
sobreviveram ao tempo são falsas por ter sido vítima de zombaria na comédia. O
teórico informa que nem sequer se pode afirmar com exatidão o ano de seu
nascimento e que é possível que, baseando-se na Crônica de Mármore de Paros2,
ele tanto pode ser de 484 a. C., quanto do ano da batalha de Salamina (LESKY,
2006, p. 187). Essa última hipótese é compartilhada por D’Onofrio (2004, p. 69), que
assinala seu nascimento em 480 a. C. e sua morte em 406 a. C.
O teórico informa que, “discípulo dos filósofos Anaxágoras e Protágoras, Eurípedes
sentiu muito as influências do pensamento sofista: o valor do homem mede-se pelos
seus dotes individuais e não pela nobreza do nascimento” (D’ONOFRIO, 2004, p.
70). O tragediógrafo teria produzido cerca de sessenta e sete tragédias e sete
dramas satíricos, entretanto, dezoito peças sobreviveram e existem hoje
(D’ONOFRIO, 2004, p. 71).
Se Sófocles teve uma relação de trabalho com o Estado, para Lesky (2006, p. 188)
nada se pode afirmar no que diz respeito a Eurípedes ter se dedicado ao setor
público. Lesky diz que provavelmente Eurípedes tenha se dedicado inicialmente à
pintura e que, sendo o último dos três grandes tragediógrafos gregos, sua obra foi
aceita depois de alguma resistência: somente em 441 a. C. venceu um festival com
As Pelíades (LESKY, 2006, p. 188).
Para Albin Lesky, a influência do período histórico e da política de sua época,
embora existentes na sua obra, foi muito mais sutil que em seus dois antecessores.
Lesky aponta que
É certo – e aí está uma das muitas contradições da obra de Eurípedes – que justamente nele encontramos, em número bem maior do que outros trágicos, trechos condicionados pelos sucessos históricos de seu tempo e, nos anos de luta com Esparta, amiúde elevou a voz contra ela (LESKY, 2006, p. 189).
2 “Uma tabela cronológica do século 3 a. C. com referências a importantes eventos e personalidades
da Antiguidade.” (TURISMO GRÉCIA. Disponível em: <http://www.turismogrecia.info/guias/grecia/grecia-paros.> Acesso em: 21 maio 2014).
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Eurípedes deu pinceladas de política em sua obra sem que isso impregne nelas
(LESKY, 2006, p. 189).
Se para D’Onofrio, como dito anteriormente, Eurípedes foi seguidor de Protágoras,
encontramos a influência de seu pensamento, de maneira determinante, através da
“ruptura com a tradição em todos os setores da vida; há nela a reinvindicação
revolucionária de converter em objeto de debate racional todas as relações da
existência humana, tanto a religião quanto o Estado e o Direito” (LESKY, 2006, p.
190).
A tragédia de Eurípedes
Para Patrick (2009, p. 14) enquanto nas peças de Ésquilo há um certo desconforto
pela incompreensão da ação divina (e do que os deuses representam) e os dramas
de Sófocles “exploram sua lógica de longo prazo” (PATRICK, 2009, p. 14),
Eurípedes vê os deuses e os seres humanos envolvidos em “uma dança do poder
volúvel, egoísta, profunda e dolorosamente constrangedora” (PATRICK, 2009, p.
14).
Ele foi o enfant terrible (criança perversa) ou ainda transgressor da tragédia grega
do século V a. C. Ele condenou, segundo D’Onofrio (2004 p. 70), a guerra, ao pintá-
la na literatura como estúpida e causadora de infelicidade. Seus protagonistas, por
terem sido exacerbadamente atingidos por ela, exibem um ceticismo em relação aos
mitos e heróis. (PATRICK, 2009, p. 14). É como se o ser humano, enfraquecido
pelos infortúnios, questionasse as próprias crenças e a motivação das coisas.
O tragediógrafo “chocou seus contemporâneos pelas inovações dramáticas
(importância da análise psicológica, rejuvenescimento dos mitos, coros
independentes da ação, introdução de personagens do povo) e por seu espírito
crítico e ceticismo filosófico". (GRANDE ENCICLOPÉDIA LAROUSSE CULTURAL,
1998, p. 2299).
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Eurípedes projetou e incluiu nas peças de teatro, também, uma técnica que ficou
conhecida como deus ex machina, que permite, literalmente, a interferência divina
por meio do surgimento de uma divindade na cena como única forma de resolver
uma situação (D’ONOFRIO, 2004, p. 67).
O tragediógrafo não se filiou a nenhuma doutrina determinada. “Para ele, não era
decisiva a determinação de um sistema, mas sim a entrega ao novo espírito da
época e a espécie de indignação que este exigia” (LESKY, 2006, p. 191).
A personagem Electra e a representação da vingança
Se o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa (2008, p. 1292) define a palavra
vingar como reparar, punir; crescer e se desenvolver, o nome Electra parece
apropriar-se das duas correntes semânticas e ter a ação de vingar alguém em seu
cerne.
Tanto na literatura quanto no cinema, Electra nomeia uma moça ferida e
atormentada por um passado e que deseja, acima de tudo, aplacar a sua fúria com
vingança. No cinema, Jennifer Garner deu vida à Elektra, no filme de mesmo nome.
Depois de ter os pais mortos, a heroína da Marvel parte em uma busca sedenta por
retaliação.
Para perceber a profundidade dos sentimento de vingança na obra de Eurípedes
deve-se atentar para fatos anteriores à Electra: o nó externo traz Agamêmnon, que
sacrifica a filha Ifigênia para que os ventos se tornem favoráveis e os aqueus
possam ir à Tróia atrás de Helena, sua cunhada raptada por Páris Alexandre que a
recebeu como promessa de Afrodite depois de elegê-la como a divindade mais bela.
Em Electra, um trabalhador abre a peça contando que, ao regressar de Tróia,
Agamêmnon foi morto por Egisto, o então amante de sua mulher Clitemnestra. Um
velho servo de Agamêmnon fugiu com Orestes (filho mais novo do rei assassinado)
antes que ele fosse morto pelo amante de sua mãe, que temia uma vingança no
futuro. O novo rei também intentava matar Electra, mas Clitemnestra intercedeu. A
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rainha, entretanto, teria salvo Electra principalmente por zelo próprio, já que “temia
atrair sobre si o ódio geral com a morte dos filhos” (EURÍPEDES, 2004, p. 81).
Contudo, Clitemnestra não evitou perder o apoio popular, já que, através de um
relato do velho subordinado a Agamêmnon, “essa mulher ímpia tornou-se objeto do
ódio popular” (EURÍPEDES, 2004, p. 101).
Agamêmnon foi morto e ao camponês que inicia a peça foi destinada a mão de
Electra, mesmo contra suas vontades, já que assim a moça não se uniria a um
cavalheiro, um rapaz distinto, com quem pudesse ter filhos nobres e acender a
cobiça e o rancor da filha do grande Agamêmnon. Fica claro já pelo discurso do
lavrador, entretanto, que ele nunca mantivera relações com Electra. Orestes, mais
tarde, ainda sem se revelar à irmã, pergunta ao saber que ela ainda é virgem: “Por
acaso possui o dom da castidade divina ou te julga indigna dele? [...] Como se
explica que ele não tenha ficado satisfeito com semelhante consórcio?”
(EURÍPEDES, 2004, p. 87). A índole humana, assim, é posta em discussão.
Conhecendo o camponês, o herdeiro dos Atrida põe em jogo o pensamento de que
os pecados do homem são transmitidos aos seus descendentes:
ah, não há sinal seguro quanto à virtude de um homem. A natureza dos mortais nos induz à confusão... Já vi o filho de um homem ilustre tornar-se um nulo, e filhos de criaturas perversas revelarem nobres qualidades. Tenho visto a miséria na alma de um ricaço, e um belo espírito no corpo de um pobretão. Como havemos de discernir as coisas? (EURÍPEDES, 2004, p. 92).
É no decoro de sua vida campestre, exilada e simples que Electra demonstra o
resquício de altruísmo existente por trás da heroína. Na primeira aparição ela está
indo buscar água em uma fonte e sofre protestos do lavrador: “Ó infeliz, por que
fazes essas coisas para mim, e trabalhas dessa forma, tu que foste educada com
tanto carinho? Por que, apesar de minhas exortações, não vais repousar?”
(EURÍPEDES, 2004, p. 82).
Quando o coro dialoga com ela e informa-a de uma celebração de Egisto dentro de
três dias, convocando-a aos festins, Electra reafirma sua resignação à situação atual
de infortúnio causado pela morte do pai e traição da mãe, não havendo condições,
sozinha, de mudar sua situação: “Vede o estado de meus cabelos e de minhas
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vestes. Por acaso condizem com a situação de uma princesa?” (EURÍPEDES, 2004,
p. 84).
A heroína de Eurípedes tem falas que, além de pregar que mulheres devem ser
submissas e completamente dedicadas aos seus maridos, condenam os homens
(principalmente apontando Egisto) que tem uma aparência efeminada, que não
lutam ou são pusilânimes, por exemplo. Electra tem o característico pensamento
retrógrado que é rebatido por outro mais transgressor, o de sua mãe. Clitemnestra
posiciona de forma oposta, evidenciando a igualdade de direitos: “se um marido
comete o crime de desprezar o leito conjugal, é lícito que a esposa o imite,
angariando um amante! Contra nós, mulheres, ergue-se, porém, o opróbio; e
ninguém maldiz os homens [...]” (EURÍPEDES, 2004, p. 113).
A rainha resolveu vingar a morte de Ifigênia, sua primeira filha com o rei dos aqueus,
matando-o, porque ele induziu-a a levar Ifigênia a sua tenda sob o pretexto de casá-
la. Na verdade, Agamêmnon iria sacrificá-la em nome de Helena, esposa de seu
irmão Menelau raptada por Páris Alexandre, e da guerra de Tróia. Ela alega que,
para subjugar Agamêmnon, decidiu unir-se a Egisto simplesmente por ser seu
inimigo e pretendente ao trono.
No caminho da fonte, Electra se encontra com Orestes e seu amigo, Pílades. Ele diz
trazer notícias de seu irmão e que deseja se inteirar de seu estado para avisá-lo.
Depois de discorrerem algum tempo, chega o lavrador. Ele oferece sua simples
morada e toda a hospitalidade que pode oferecer aos estrangeiros. Electra então
sugere ir à casa do antigo servo de seu pai, expulso de Argos, e pedir alguns víveres
com que preparar uma ceia para os convidados. É esse velho que reconhece
Orestes.
Ao chegar à casa de Electra, no campo, ele conta que esteve recentemente na
sepultura de Agamêmnon e que encontrara vestígios de libação e uma mecha de
cabelos louros em cima do túmulo, o que o levou a acreditar que Orestes estava de
volta. O velho reconhece o filho de Agamêmnon, assim que o vê, pela cicatriz na
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pálpebra que, segundo ele, conseguira ao cair depois de perseguir um veadinho,
com Electra.
Orestes, então revelado, pede ajuda ao velho e pergunta se contam com a
cumplicidade de mais alguém. O homem informa que não, que poucas são as
pessoas confiáveis, que ele perdeu todos os seus amigos e que “de seu braço e de
seu destino dependem toda as probabilidades que tem de recuperar seu solar
paterno e sua cidade” (EURÍPEDES, 2004, p. 99). O velho diz que não dispõe da
ajuda dos escravos porque eles são movidos pela conveniência e só tomariam
partido em seu favor se a situação estivesse desfavorável a Egisto (EURÍPEDES,
2004, p. 100).
O ódio de Electra vem à tona quando o seu irmão pergunta se teria coragem de
matar a mãe. Ela é direta e irredutível: “Sem dúvida! E com o mesmo ferro com que
meu pai foi ferido” (EURÍPEDES, 2004, p. 89). Electra reitera: “Ainda que eu tenha
que morrer logo após o derramamento de sangue de minha mãe!” (EURÍPEDES,
2004, p. 89). Isso poderia ser a maior prova não somente de um rancor atroz, mas
de uma personalidade psicótica, dura; uma alma que, capaz de perpetuar um
matricídio, seria capaz de tudo.
Quinze anos depois de consumado o assassinato do rei eleito dos aqueus, Egisto e
Clitemnestra se deparam então com a iminente revolta dos dois outros filhos de
Agamêmnon, Electra e Orestes, que carregam um ressentimento mórbido pela mãe
por terem privado a vida do pai.
O encadeamento das ações não permite sequer questionar o destino de Orestes: ele
vingará o pai, sejam quais forem as consequências. Quando sabe que Egisto está
fora do castelo preparando uma libação às ninfas, o velho pede a Orestes que se
aproxime do rei como se fosse um estrangeiro, pois provavelmente seria convidado
para o festim.
A heroína então promete a Orestes que, se não obtiverem sucesso em suas
empreitadas deverá ela se matar para evitar a vergonha, o sofrimento e a
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exploração. É possível imaginar as condições em que ela viveu no castelo até ir
morar com o lavrador; completamente submissa às vontades do rei e da rainha e
explorada ao extremo.
Orestes e Pílades vão ao sacrifício. São bem recebidos e Egisto pede que Orestes,
disfarçado de um tessálio, sacrifique o bezerro. Ele o faz e pede para trocar a faca.
Assim fazendo, aproveita-se de um momento de distração em que o rei observava,
de cabeça baixa, o animal, e desfere um golpe contra ele, que cai já agonizante.
Orestes discursa aos populares e informa que matou Egisto para vingar o pai; com
isso é coroado. Electra, apreensiva, recebe a notícia através de um mensageiro.
Passa da aflição ou sofrimento para a felicidade, sendo uma das peripécias
aristotélicas mais marcantes na obra. Recebendo essa notícia ela se adorna com os
enfeites de que ainda dispõe e se alegra imensamente.
O filho de Agamêmnon tem também a função de suprimir o orgulho ferido de Electra,
tanto por ter sido escravizada, quanto por ter sido privada do pai que tanto amou.
Depois de matar Egisto ele se apodera do seu corpo e leva-o à Electra: “Atira-o, se
assim queres, aos animais ferozes, ou às aves carniceiras; ou suspende-o a um
poste, porque ele agora te pertence... ele, que se dizia teu senhor!” (EURÍPEDES,
2004, p. 108).
Orestes aponta que “seria preciso admitir que não existem deuses se o crime
suplantar sempre a justiça!”; ironiza o fato de a existência dos deuses não assegurar
a justiça (EURÍPEDES, 2004, p. 98). A fala não só demonstra que a dúvida sobre a
existência (ou função) do divino persiste desde o século V a. C., mas é contraditória
por dizer que aos deuses compete julgar e exercer a justiça (o oráculo de Apolo
incitara Orestes a vingar o pai) quando ele e sua irmã se preocupam em fazê-lo com
as próprias mãos. Isso faz com que a culpa seja administrada de forma a condenar a
decisão dos deuses e não as escolhas humanas.
Electra, em frente à relutância do irmão em matar a mãe, já que ele nunca foi tão
nefando, pergunta como ainda questiona o oráculo do deus que mandava vingar a
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morte e Agamêmnon: “Se Apolo se mostra insano, quem será, então, o ajuizado?”
(EURÍPEDES, 2004, p. 110).
Electra pede ao velho que diga a sua mãe que ela deu à luz uma criança e que
precisa da sua ajuda. Para ela, sua mãe iria, sobretudo, para tripudiar em cima do
neto bastardo.
Clitemnestra, chegando à casa de Electra, conta-lhe sua motivação ao assassinar o
marido. A rainha questiona: “Se Menelau tivesse sido raptado, seria o caso de
sacrificar eu o meu filho Orestes para salvar Menelau, o marido de minha irmã?
Como receberia teu pai esse fato?” (EURÍPEDES, 2004, p.113)
Fica evidente a disparidade entre a importância que dão ao homicídio cometido pela
mãe e o empreendido pelo pai. Electra acusa: “defendeste tua causa, mãe; mas é
uma causa vergonhosa, pois uma mulher digna deve, em tudo, ceder a seu marido.
E aquela que não atende a esse pedido não merece a minha consideração”
(EURÍPEDES, 2004, p. 113).
A irmã de Orestes é cega pela fúria que a morte do pai causou-lhe. Clitemnestra traz
a questão do complexo de Édipo e do complexo de Electra, tão estudados na
psicologia: “é natural, filha, que tenhas sempre amado a teu pai... Acontece que uns
prezam com especial carinho a seu genitor, outros a sua mãe.” (EURÍPEDES, 2004,
p. 114). Depois de Clitemnestra sair de cena gritos são ouvidos e a sua morte é
perpetuada pelos dois irmãos.
Electra é condenada pelos deuses – através da interferência dos Dióscuros, em
Eurípedes - a viver com Pílades, companheiro do irmão, e ter uma vida tranquila
sendo sua esposa e se ocupando de questões domésticas, o que confere uma certa
humanidade simbólica à Electra de Eurípedes. Ela e o irmão, na obra de Eurípedes,
são condenados ainda a se separarem definitivamente e Orestes ainda culpa a mãe
por essa separação (EURÍPEDES, 2004, p. 121). Orestes se desespera com a vinda
das Fúrias que apenas ele vê, o que automaticamente significa que não fica claro
em Eurípedes que ele esteja, de fato, vendo as vingadoras. O herdeiro de
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Agamêmnon teria enlouquecido com o matricídio que cometera. Os Dióscuros
aconselham que Orestes deixe Electra e Pílades, que compartilharão suas vidas, e
que fuja para Atenas em busca de salvação.
Electra de Eurípedes e as Coéforas de Ésquilo
A apropriação do mito de Agamêmnon e sua casa por parte de Eurípedes e Ésquilo
traz como tema principal sede de vingança dos dois filhos privados, pela mãe, do
pai. O Coro, representando a voz do povo através de jovens de Micenas, anuncia na
fala que fecha Electra de Eurípedes: “Salve! Só é ditoso aquele que tem a
consciência tranquila e não é ferido pelos golpes da desgraça!” (2004, p. 122).
Lá onde a terra, nutriz paciente do homem, se cobrir de sangue humano, uma mancha se espalha, negra, escura, clamando por vingança. E a maldição anos pode esperar, mas não se esquece, com fúria irrompe, enfim, com tanta força que empecilho algum pode detê-la (ÉSQUILO, 1988, p. 83).
Não há momento nas tragédias que se suponha que os destinos de Clitemnestra e
Egisto serão diferentes, que não deverão morrer para pagar o sangue de
Agamêmnon que derramaram. “Nem a água toda dos rios todos lavará a mão que
sangue humano derramou com dolo” (ÉSQUILO, 1988, p. 83). Electra diz às
escravas troianas de sua casa, as Coéforas: “os deuses conhecem nosso destino e,
livre ou escravas, nem eu, nem vós, podemos escapar.” (ÉSQUILO, 1988, p. 84).
“E eu, desprezada, repelida no lar, abandonada, e como um cão sarnento
perseguida. Escondendo meu pranto, derramando as lágrimas no isolamento. Que
isso em teu coração fique gravado, quando souberes quanto pode a dor” ÉSQUILO,
1988, p. 99): a filha de Agamêmnon culpa a mãe pela própria morte: ela é
responsável por todo o sofrimento a que submeteu a filha e perdeu a vida por conta
do ódio e da aflição que implantara nela.
Electra pergunta ao coro, próxima ao túmulo do pai, como deve se dirigir aos deuses
para pedir a vingança, que manda-a pedir “que a justiça os alcance. A justiça ou do
homem ou dos deuses imortais” (ÉSQUILO, 1988, p. 85). Ela pergunta se deve
julgar, condenar ou vingar, e o coro sugere que peça aos deuses simplesmente que
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“o sangue derramado seja (vingado) por outro sangue derramado” (ÉSQUILO, 1988,
p. 85. Grifo nosso). Electra pergunta se não seria sacrílego pedir isso aos deuses e
o coro é irredutível: “Não. O mal pelo mal não é impiedade” (ÉSQUILO, 1988, p. 85).
O ódio de Electra em Ésquilo parece evidenciar sua subordinação aos assassinos
do pai, enquanto em Eurípedes o enfoque da vingança é a perda da figura de
Agamêmnon pelos dois filhos: “Eu como escrava hoje vivo, e Orestes desterrado. E
eles, arrogantes e insolentes, gozam a riqueza que tu conquistastes.” (ÉSQUILO,
1988, p. 86).
Electra nega o caráter de sua mãe, mas deseja a sua morte para vingar o amado
genitor. Iguala-se a ela numa fábula que, ao contrário de Eurípedes, que evidencia
uma Electra mais humana e benévola (ou simplesmente sem parecer tão desolada
pelo ódio que cega), dá à heroína a oportunidade de aplacar um dos sentimentos
mais primitivos do homem a qualquer custo. “É tudo que desejo ter puro o coração e
as mãos lavadas. De minha própria mãe ser diferente” (ÉSQUILO, 1988, p. 86).
Electra reconhece: “Os filhotes de lobo, pela loba gerados e criados, são iguais à
loba. Ai de quem trata-los bem!” (ÉSQUILO, 1988, p. 98).
Ela vê em Orestes, de Ésquilo, não só a sua única unidade familiar, mas o
companheiro de infortúnios:
Representas meu pai, primeiramente; e todo o afeto que eu deveria nutrir por minha mãe, a qual odeio, é também teu, como quinhão que eu deveria dar a Ifigênia, nossa irmã cruelmente eliminada. És, finalmente, meu leal irmão, e apenas o teu nome fraternal livrou a minha vida da desonra. (ÉSQUILO, 1988, p. 91).
O coro, reforçando a personalidade da Electra mais ríspida de Ésquilo, clama pela
sua impiedade: “possam os horrores que nós te contamos se cravar em teu peito, e
o coração tornar inflexível e disposto a cumprir a específica missão” (ÉSQUILO,
1988, p. 99).
No que diz respeito a Orestes, ele fala que a palavra de Apolo é poderosa e que o
não cumprimento de seu oráculo, que prevê o derramamento de sangue de quem
matou Agamêmnon, seria desafiá-lo e sofrer as consequências (ÉSQUILO, 1988, p.
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92). O irmão de Electra demonstra um certo grau de pusilanimidade nas obras dos
dois tragediógrafos.
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The Evolution of the Second Personal Subject Pronoun You Across the Time
Eliane da Rosa1
Abstract Along the centuries, language has been varying and changing through the time. Based on that, this study seeks to describe the evolution of the second personal subject pronoun you from Old English to Modern English Period. As speakers “build” language by using and adapting it to supply their communicative needs, this study will base its discussion about the development of the pronoun “you” on Historical Linguistics (FARACO, 2005; JOSEPH, 2007) and Complexity Theory (LARSEN-FREEMAN; CAMERON, 2008), which take into account the fact that language change is a dynamic process. Key-words: Language change – pronoun you – english history.
Introduction
Languages have been varying and changing along the time. Some languages die,
others evolve into another language(s) as a sign of being vivacious. It means that
language is a dynamic system. According to Faraco (2005, p. 14), languages
change, but they continue organized and offering to their speakers the necessary
resources to the circulation of meanings. Those changes are slow and do not cause
any damage to the structure of the language.
Based on that, the focus of this study is to describe and discuss the development of
the second personal subject pronoun you along English History from a bibliographical
research. The theories adopted in this discussion are Historical Linguistics
(FARACO, 2005; JOSEPH, 2007) and Complexity Theory (LARSEN-FREEMAN;
CAMERON, 2008), because they give support to explain the linguistic evolution of
the languages. The data collected for this paper came from different kinds of written
texts in order to exemplify how the second personal subject pronoun you has
suffered changes across the centuries. As Crystal (1963, p. 09) states: “A language
is what all its users make it; it is a social, not just an academic phenomenon.”
1 Special Student in the Post-graduation Program in Letters of the Federal University of Rio Grande do
Sul (field: Language Studies). Master in Morphology and Phonology (UFRGS), specialist in English Teaching and Learning (Uniritter) and graduated in English (ULBRA).
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The Evolution of the Pronoun You
The Great Britain has been a multilingual nation since the beginning of its history.
The Celtics were the native people, probably the first people to live in that vast land.
But other peoples such as Angles, Jutes, Romans and Saxons considered this land
an important and strategic one to be occupied. So they started to invade the Great
Britain and their languages mixed with the local inhabitants’ language.
With the establishment of those invaders in English lands, a new society, a new
language had its origins. Those were the ideal conditions to the development of
English. During the Old English Period there was no standard usage in relation to the
spelling and the pronunciation of the words, namely, no grammar rules to follow.
The history of English is divided into four periods of time: Old English (from ±449 A.D.
to 1066); Middle English (1066 to 1500); Early Modern English (1500 to 1660) and
Modern English (1660 up to now)2.
According to Historical Linguistics and Complexity Theory, languages suffer
influences and changes in its system. For Historical Linguistics, language has
changed along the time, but in a slow way. The structure of the language and its
words, which existed in old times, modify its form, pronunciation, function and/or
meaning or simply they do not exist any more in some cases. In other words, the
linguistic change is involved in a complex system of social values that may cause the
disappearance or the arising of a new variety in the language.
In Complexity Theory, language is seen as a dynamic complex system in which the
speakers and the context are involved, and this dynamism may cause the change in
a process of co-adaptation between the speakers and the environment. The
speakers shape their own context to supply their necessities in relation to the
communication. In summary, according to both theories, language change has never
stopped.
2 Those dates are not accurate.
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During the Old English and the Middle English Period, the pronoun you was inflected
in number and case. Besides, there was also the dual form which was inflected too,
but this is not the interest of this research. In the Modern English Period, this system
disappeared and the pronoun you was transformed into only two forms - you for
singular and plural and your as the possessive pronoun, as it can be observed in
Table 1:
Table 1. The evolution of the pronoun you from Old English to Modern English (ROSA, 2011).
Period of Time
Old English
Middle English
Modern English
Case Singular Plural Singular Plural Singular Plural
Nominative þu ge thou ye you you
Accusative þe/þec eow/ eowic thee you you you
Dative þe eow thee you you you
Genitive þin ewoer thy/thine your your your
In the Old English Period, the second personal subject pronoun was þu (singular)
and ge (plural). Probably the form þu /θu:/ comes from a Proto-Indo-European root
and is cognate with Old Frisian thu, Old Saxon þu, Old German thū, Old Norse þú
and Latin tu . The form ge /je:/ is also probably originated from a Proto-Indo-
European root and is cognate with Old Frisian јī, Old Saxon gi, Dutch giј, Old High
German ir and Old Norse ér. Through the epic poem Beowulf (IRVINE; EVERHART,
1995, p. 11), which is considered the first one written in English Literature, it is
possible to observe the usage of the pronoun þu, line 457, followed by its translation
into Modern English. In this part, the king Hrothgar talks to Beowulf about his
courage and friendship because he comes to help this king protect the kingdom from
Grendel, the devil:
For gewyrhtum þu, wine min Beowulf, ond for arstafum usic sohtest. Gesloh þin fæder fæhðe mæste;
Beowulf, my friend, you have traveled here to favor us with help and to fight for us. There was a feud one time, begun by your father. (ABRAMS; GREENBLATT, 2000, p. 42)
The usage of the pronoun ge is also possible to be observed in another part of the
poem Beowulf (IRVINE; EVERHART, 1995, p. 09), line 333, followed by its
translation into Modern English. In this part, Beowulf and his men are being asked
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who they are and where they come from by the king Hrothgar’s men when they arrive
in the king’s land:
Hwanon ferigeað ge fætte scyldas, græge syrcan ond grimhelmas, heresceafta heap? Ic eom Hroðgares ar ond ombiht. Ne seah ic elþeodige þus manige men modiglicran. Where do you come from, carrying these decorated shields and shirts of mail, these cheek-hinged helmets and javelins? I am Hrothgar’s herald and officer. I have never seen so impressive or large an assembly of strangers. (ABRAMS; GREENBLATT, 2000, p. 39)
As Old English was a period of oral literature, it is very difficult to find researches and
papers that can declare or explain the usage of those pronouns during that period.
Taking into account the texts from that time, it is possible to perceive that the second
personal subject pronoun did not present a “familiar” form as it occurred in Middle
English; it means that þu was just the singular form and ge the plural one, and
probably those pronouns did not express any social distinction.
With the transition from the Old English to the Middle English Period, the pronouns
þu and ge suffered changes. The pronoun þu /θu:/ became thou /ðaʊ/ and the
pronoun ge /je:/ became ye /ji:/ . In other words, thou was the singular form and ye
the plural one. Based on the Old English phonetic symbols, the possible explanation
to the changes of the written form of the second personal subject pronoun is the
following: the letter “þ” from Old English corresponded roughly to the cluster “th”, that
may be the reason þu /θu:/ became thou /ðaʊ/. And in relation to ge /je:/, this
pronoun was transformed into ye /ji:/, probably because the Old English letter “g”
presented the same sound as the letter “y”. For Coseriu (1979, p. 87), “in the
phonetic change, the “forms” may change because some “sounds” are recognized as
equivalent in the phonetic system […]”. It means that it is possible to adapt the
sounds to supply the speakers’ communicative needs; consequently there is the
replacement of the old form by the new one. According to Historical Linguistics, all
the aspects of a language can change from its phonological level up to its pragmatic
one. In Complexity Theory, language is viewed as a complex system which has
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changed all the time, so the phonology of the languages can be influenced by what
sounds are made possible in the human vocal tract.
In Middle English, after the Norman Conquest, French was adopted by English
monarchy and other aristocrats as a polite and scholar language. Then, French
started to influence English vocabulary and the society’s behaviour. Therefore thou
was replaced by ye as a form of addressing a superior social class person, and,
some time later, thou began to be used to address people of the same social class.
This happened because of the habit of addressing kings and nobles in the plural
form. The explanation for that is, in French, people addressed any social superior or
strange people with the plural pronoun, which was considered more polite. In French,
the singular pronoun tu expressed intimacy or condescending, but if it was used to
address a stranger, tu meant an insult; while the plural pronoun vous was adopted as
a reserved and formal way. Such usage is still current in Modern French.
For a long time, thou was used for addressing an inferior person too. Nowadays thou
is reserved for religious and literary texts. As Yule (2000, p. 04-05) states:
[…] people tend to behave in fairly regular ways when it comes to using language. Some of that regularity derives from that fact that people are members of social groups and follow general patterns of behavior expected within the group. Within a familiar social group, we normally find it easy to be polite and say appropriate things. In a new, unfamiliar social setting, we are often unsure about what to say and worry that we might say the wrong thing.
It means that during that time, the pragmatic meaning had already caused influences
on the usage of the second personal pronoun, because when the speakers choose
an specific form to be uttered they mean something through language.
From Middle English to Early Modern English, the pronoun ye was adopted to direct
an equal, among the nobility, or a superior social class person. This pattern is
possible to be observed below in the poem Complaint to His Purse (ABRAMS;
GREENBLATT, 2000, p. 316) by Geoffrey Chaucer an excerpt from, lines 22 to 26, in
which the author addresses King Henry IV with the intention of persuading him to
renew the poet’s annuity:
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O conqueror of Brutus Albioun, Which that by line and free eleccioun Been verray king, this song to you I sende: And ye, that mowen alle oure harmes amende, Have mind upon my supplicacioun.
In Early Modern English, ye was used as informal plural and formal singular in the
nominative (subject) case. Another interesting information is that the pronoun you
was the accusative (objective) case of ye. Hence, with the influence of French, both
pronouns ye/you came to express social distinction. As Malton (2001, p. 01) states:
With the increasing influence of French, the use of ye/you was used to designate not merely the plural form, but also social difference. Indeed, the social resonance of the second-person pronoun eventually came to be more significant than the singular/plural distinction. As early as the thirteenth century, you was used as a singular pronoun of address denoting respect, one analogous to the French “vous”.
This explanation can be considered the reason which may have caused the
replacement of the pronoun ye by you. Nevertheless, there are two other
explanations: the first one relates to the phonological level. In this case, observing
the phonetic transcription of ye /ji:/ and you /ju:/, it is possible to believe that they may
be considered cognates. The second one refers to the printing press; during that
time, the texts, the plays, the poems started to be printed and it obligated people to
follow a standard usage in relation to the spelling of the words. Then it may be the
spread of the printed material the cause of the changing in adopting thou (singular)
and you (plural) as the standard second personal subject pronoun in the transition
between Middle English and Early Modern English. Because the speakers had more
access to books and, consequently, they started to read more, as a result of it, the
language had to present more fixed forms in relation to writing.
Many examples of the usage of the second personal subject pronoun may be observed through
one of the most famous Shakespeare’s plays, Romeo and Juliet. In the scene I, lines 06 to 11
(SHAKESPEARE, 1988, p. 82), two servants, Gregory and Sampson, of the Capulet’s family,
talk to each other about their wish of fighting with the Montague’s family. In this part of the
scene, it can be seen as an example of the usage of thou among people of the same social
class:
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[ACT I] [SCENE I] Enter SAMPSON and GREGORY, with swords and bucklers, of the house of Capulet. Greg. But thou art not quickly moved to strike. Samp. A dog of the house of Montague moves me. Greg. To move is to stir; and to be valiant is to stand: therefore if thou art moved, thou runn’st away. Samp. A dog of that house shall move me to stand: I will take the wall of any man or maid of Montague’s.
Along the scene I, lines 73 to 78 (SHAKESPEARE, 1988, p. 85-86), the Montague’s
servants meet the Capulet’s servants in the street and start fighting. During the fight,
Capulet and his wife, Lady Capulet, and Montague and his wife, Lady Montague,
appear to participate in the fight. In this scene, there is another example of the usage
of the pronoun thou, in which thou is considered an insult, when Montague
addresses Capulet during the arguing between them, because both families hate
each other. Meanwhile, in the same part of this scene, it is possible to perceive an
example when the pronoun you is adopted as a polite way of addressing a person of
a superior social class; that happens when Lady Capulet addresses his husband,
who belongs to a superior social class.
[ACT I] [SCENE I] Enter old CAPULET in his gown, and LADY CAPULET. Cap. What noise is this? Give me my long sword, ho! Lady Cap. A crutch, a crutch! Why call you for a sword? Enter old MONTAGUE and LADY MONTAGUE. Cap. My sword, I say! Old Montague is come, and flourishes his blade in spite of me. Mont. Thou villain Capulet! Hold me not, let me go. Lady Mont. Thou shalt not stir a foot to seek a foe.
Thus, according to those examples, the pronouns thou/ye/you have been presenting
a pragmatic meaning in relation to their usages. Then, based on the French influence
and the pragmatic one, the pronoun you started to be adopted as the standard form
from Early Modern English. Another possible reason of the adoption of you instead of
thou and ye, according to Li (2009, p. 131), may be “the tendency to pursue an
egalitarian spirit since the seventeenth century”. It other words, speakers began
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addressing each other with just only one form without considering the social
distinctions.
According to Historical Linguistics, the changes are gradual and they just occur in
some parts of the language; the replacement of a form A by another B goes through
intermediate stages. There is a period of time, sometimes long, in which both forms A
and B coexist as variants. After some time, which can be normally lengthy, the forms
A and B conflict, and as a result of it, the form A disappears and the form B becomes
the adopted one due to the speakers’ choices. For Complexity Theory (LARSEN-
FREEMAN; CAMERON, 2008, p. 02):
The agents or elements in a complex system change and adapt in response to feedback. They interact in structured ways with interaction sometimes leading to self-organization and the emergence of new behaviour. They operate in a dynamic world that is rarely in equilibrium and sometimes in chaos.
It means that both theories agree that language change is a dynamic process in
which speakers interact with the language all the time. This dynamicity may cause
some adaptations in the structure of the language which, sometimes, take a long
time to be incorporated into the language. Yet, it is impossible to stop the change
because language is “alive”, it depends on the speakers’ use to endure.
As we can see, in the Modern English Period the standard form of the second
personal subject pronoun became you for singular and plural with no social
distinction. In other words, you has been adopted to address any kind of social class.
In this case, it is necessary the context to perceive what social background the
speakers belong to.
Another important issue, for a future sociolinguistic research, it is that the pronoun
you has been presenting a new form, ya /јә/, in informal conversations. Probably, this
may be a possible future change, evolution of the pronoun you, but it is just a
hypothesis. The form ya has been seen as an informal object pronoun nowadays.
This innovation is being adopted as a way of writing or pronouncing you in casual
conversations.
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Based on the discussion presented in this paper, it is possible to postulate that
speakers have the tendency to adapt language to contribute to their communicative
requirements. According to Historical Linguistics and Complexity Theory, language is
continually transformed by use and influenced by the social environment. Thus, the
evolution of the pronoun you may be interpreted as the result of modifications and
reorganizations of the language system across the time.
Final Considerations:
Language change is an interesting field of research in Linguistics because, through
the analysis of the development of the languages, it is possible to understand how
and why their linguistic systems suffer changes and variations along the time. It
would be very important to promote the development of other researches about the
evolution, namely, the history of the languages in order to understand why languages
have presented certain characteristics in the present and not others, and how the
civilizations build their languages to supply their communicative necessities.
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O romance de formação de Niccolò Ammaniti
Lauro Iglesias Quadrado1
O romano Niccolò Ammaniti (n. 1966) é nome incontornável quando se fala na
literatura produzida em língua italiana no final do século XX e no começo do século
XXI. Seus livros respondem por uma grande demanda de público, já foram
traduzidos para diversos idiomas e também intersemioticamente, e possuem
representatividade tanto no mercado editorial quanto nos circuitos de leitores e
acadêmicos de estudos literários pela Europa. Chama a atenção, portanto, que seja
um autor virtualmente desconhecido no Brasil, mesmo que quatro de seus livros já
tenham sido traduzidos e lançados em edições de nosso país. Sua reduzida
circulação é algo bastante curioso, pois muitos dos tópicos desenvolvidos pelo autor
são comuns às tendências de autores estabelecidos na literatura contemporânea
ocidental.
Apresentando e descrevendo sucintamente a obra de Ammaniti, é possível afirmar
que o autor desenvolve um projeto literário com temas que se repetem ao longo de
sua bibliografia. Ele frequentemente entrelaça sentimentos de isolamento, violência
e medos presentes na sociedade italiana contemporânea, tudo isso em meio a um
diálogo ambivalente com a tradição cultural prestigiada do país europeu, lançando
mão de referências à cultura popular globalizada junto à discussão de cânones
artísticos da Itália. Seus textos, apesar de tocarem em temas pesados e muitas
vezes trazerem tabus à tona, possuem um tom descontraído, até por vezes
aparentemente despreocupado. Um livro que se mostra como caso exemplar no que
se refere à presença dos elementos citados acima é Ti prendo e ti porto via (1999) -
romance que ainda carece de uma edição no Brasil, mas cujo título poderia ser
traduzido por algo como "te pego e te levo embora".
A diegese do livro se desenrola a partir da vila imaginária de Ischiano Scalo, um
fastidioso povoado sem apelos naturais ou históricos que se situa, paradoxalmente,
na glamorosa região da Toscana - atrativo destino tradicional de férias e de turismo.
1 Doutorando em Literaturas de Língua Inglesa na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Mestre em Literatura Comparada pela mesma instituição.
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A construção narrativa do romance se dá através de um narrador em terceira pessoa
montado em estilo indireto livre. Ele trabalha de maneira bastante oscilante,
transitando para o ponto de focalização de dezenas de personagens, abrindo
inclusive espaço para pequenos monólogos interiores de cada um. O resultado é a
presença de um incontável número de subnarradores.
No entanto, é possível afirmar que há dois personagens principais, representativos
do que é problematizado no texto, e que conduzem o desenrolar do enredo do
romance: Graziano Biglia, homem de quarenta e quatro anos que retorna a Ischiano
para se casar, após anos de festas mundo afora promovidas por sua profissão de
músico em uma banda flamenco-cigana; e Pietro Moroni, menino de doze anos que,
em toda sua vida, ainda não teve a oportunidade de sair do povoado. Mesmo não
dotado do monopólio da focalização do romance, recai em Pietro o centro do
universo ficcional de Ti prendo. A figura de sua infância serve como artifício dentro
do enredo para que o autor consiga criar seu romance de formação, e, sobretudo,
traz um pano de fundo apropriado para o desenvolvimento de temas caros ao autor
italiano. Este lugar infantil de experiência se revela como um riquíssimo ponto de
partida para a construção psicológica das personagens, tanto do próprio menino
quanto daqueles em sua volta. Ele dispara a possibilidade da escrita atribulada à
imaginação, à liberdade e às incertezas do pequeno, bem como brinca com a
nostalgia do imaginário da infância nutrido pelos leitores adultos.
Pietro é um menino medroso e inseguro, e faz parte de uma família que, se não lhe
é propriamente abusiva, o trata com indiferença. Ammaniti constrói o personagem, o
jovem pré-adolescente que nunca conseguiu sair de Ischiano, de maneira a
representar as travas sociais divididas pelos habitantes do pequeno vilarejo. Há
relação direta entre o isolamento e o medo. E os medos são elementares e
intrínsecos à existência em uma sociedade tão fechada como a retratada no
romance. Um caso exemplar é a cena de abertura do livro, em que Pietro descobre
que foi o único dentre todos os alunos de sua escola que não passou de ano, o que
o privaria de agradáveis férias com sua adorada amiga Gloria e certamente renderia
brigas em casa. O menino, desconsolado, entra em pânico. E assim se atira ao chão
da escola, imóvel, enquanto todos o observam. A cena na escola, exagerada,
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introduz o desenvolvimento do enredo do romance: por que afinal Pietro está tão
desesperado?
A passagem acima é narrada no primeiro capítulo, cujo título é a data de 18 de junho
de 199? (o ano não é precisado), e é o ponto de partida para a organização do
tempo diegético de Ti prendo e ti porto via. A partir daí, temos a narração em
analepse, voltando em seis meses com o relato dos ocorridos que eventualmente
indicam o porquê da reprovação do menino Moroni. Todos os títulos dos capítulos
possuem menções de datas ou de passagem de tempo, e o dia 18 de junho
somente aparece nas páginas finais do romance, antecipando o desfecho do
protagonista. O leitor finalmente retorna ao dia da reprovação após
aproximadamente 400 páginas, naturalmente após maior envolvimento com a
história e intenso desenvolvimento da construção do personagem. Em manobra
narrativa interessante, a maneira através da qual Niccolò Ammaniti consolida seu
romance de formação se dá quando o narrador apresenta Pietro exatamente no
mesmo dia, no mesmo momento diegético. O rompante do menino após o ocorrido
ganha em força dramática porque o conhecemos melhor. Quando Pietro se levanta
do chão da escola e foge para o meio do bosque perto da vila, passando por lugares
inóspitos e perigosos, sabemos da jornada que o levou até tomar aquela atitude,
aparentemente intempestiva para um menino que, a princípio, se entregava à
desesperadora e apocalíptica tristeza infantil, ligada aparentemente somente ao fato
de precisar repetir de série na escola. E é justamente nessa tomada de coragem que
há a mudança de caráter do menino, pois é quando ele finalmente toma decisões
próprias, encaminhando a reflexão final do livro.
Até fugir para o refúgio silvestre, Pietro havia passado por muitos problemas devido
a sua insegurança e ao seu medo. Como passagem crucial que exacerba o bullying
exercido por seus colegas, há uma situação em que o menino, forçado pelos outros,
acaba invadindo a escola em que estudam, depredando e deteriorando o patrimônio,
bem como inscrevendo pichações ofensivas aos professores. Pietro afirma que não
queria ter feito isso, que houvera sido forçado. Acossado pelos diretores da escola,
acaba revelando quem foram os agressores que o levaram até lá, o que faz com que
os brigões descontem sua raiva no protagonista, em uma vingativa surra. É nesta
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cena de briga que se realça a importância de Graziano Biglia, o outro personagem-
chave no centro das histórias do romance. As até então desencontradas narrativas
se encontram no penúltimo capítulo quando Pietro é salvo por Biglia. Na conversa
entre eles, o homem toma a posição de conselheiro - o guru, o mestre -, tão comum
na tradição dos romances de formação, e consegue com que o menino entenda que
o que ele realmente precisa na vida é de coragem. Uma voz própria.
E é algo que o jovem toma como lema. A partir daí, resolve se vingar de Srta.
Palmieri, a professora que, segundo Pietro, seria a responsável por tê-lo feito rodar
de ano, e pior, ao mesmo tempo teria aprovado os demais invasores, seus
detestados colegas. Mais uma vez, Moroni e Biglia são entrelaçados, pois a
professora acabara se envolvendo romanticamente com o músico, que até conhecê-
la sofria com a traumática separação de sua noiva. Srta. Palmieri, doente e solitária
após Graziano deixá-la - ele mais uma vez partiu de Ischiano Scalo para tocar em
casas noturnas -, afirma que optou por fazer com que ele perdesse o ano na escola
para que assim criasse coragem para fazer o que quisesse. A sucessão desta cena
termina com um acidente. A postura de Pietro em relação ao ocorrida é de tomar
para si completa responsabilidade, como se seguindo a nova bússola moral que lhe
fora incutida por Palmieri e Graziano Biglia.
Chegando ao último capítulo do romance, seis anos após o ocorrido da escola, e um
dia após o incidente na casa da professora, há uma mudança de cenário: saímos de
Ischiano Scalo, mas o isolamento não acaba, pois o leitor é informado de que Pietro
está internado em um centro de recuperação para menores infratores. Temos
também aqui a única mudança explícita da forma de narração, com a alteração para
um registro epistolar, através de uma carta de Pietro para sua amiga Gloria, que
agora vive em Bologna. O jovem assume uma voz adulta, desejosa, com vontades e
desejos próprios. Prestes a completar dezoito anos, o rapaz fala de seus planos de
conhecer o mundo, viajar, estudar. E muda o tom em relação à amiga, soando
decidido, corajoso: que ela se prepare, pois quando Pietro finalmente a vir em
Bologna, ele vai capturá-la e levá-la embora (Ammaniti, 1999).
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Referências
AMMANITI, Niccolò. Ti prendo e ti porto via. Milão: Arnoldo Mondadori Editore, 1999.
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Discutindo preconceito e suas consequências e reproduções na sociedade nas aulas de Redação
Ana Paula Seixas Vial1 Larissa Goulart da Silva2
Introdução
Este trabalho busca apresentar um relato a respeito da prática das autoras nas aulas
ministradas em um curso pré-vestibular popular como parte da disciplina Estágio de
Docência em Português II durante o segundo semestre de 2014. Foram sete
semanas de aulas com dois períodos por semana no Projeto Educacional Alternativa
Cidadã (PEAC), localizado na cidade de Porto Alegre - RS com uma turma de
Redação. O projeto aqui relatado foi iniciado com a ideia de trabalharmos sobre a
temática do Preconceito através de artigos de opinião e outros gêneros a fim de que
os alunos se preparassem para a prova de redação do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM). Esse tópico surgiu durante as observações, sendo um assunto
discutido frequentemente entre os alunos. Ao iniciarmos as aulas de estágio,
resolvemos focar a produção final do projeto na criação de um mural com ideias dos
alunos sobre preconceito no prédio da Letras a fim de que os alunos
compartilhassem o que produziram para além dos colegas
Contexto da turma de estágio
O PEAC é um curso pré-vestibular popular que ocorre de segunda a sexta-feira no
prédio de aulas do IFCH/Letras no Campus do Vale (UFRGS), das 19h às 22h. Após
o concurso vestibular, o PEAC abre em torno de 350 vagas para alunos de baixa
renda. Os principais critérios de seleção são a renda familiar do alunos e se eles são
ou não oriundos de escola pública.
A turma A era composta de alunos provenientes de cidades diferentes, a grande
maioria vinda de Porto Alegre, com alguns alunos de Viamão e Alvorada. As idades
1Mestranda em Linguística Aplicada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:
[email protected] 2Mestranda em English Language Teaching pela University of Warwick. E-mail:
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dos nossos alunos também variavam entre 18 e 40 anos. No inicio do ano, a turma
contava com 70 alunos matriculados, contudo, ao longo do ano, ocorreu uma grande
evasão. Como tínhamos poucos alunos presentes (em torno de 20), tínhamos como
fazer o acompanhamento deles durante a escrita das redações, assim como
podíamos conversar com eles enquanto eles estavam envolvidos em alguma
atividade.
Como a aula ocorria na sexta-feira nos dois últimos períodos, muitos alunos saíam
mais cedo, por volta das 21h30, 21h40. Assim, esses que saíam perdiam parte da
explicação, da discussão ou do tempo que teriam para escrever, fazendo com que
eles se sentissem um pouco perdidos no início da aula seguinte.
Concepções teóricas
Este estágio teve como ponto de partida uma visão da linguagem como prática
social exercida de forma conjunta por um grupo de falantes. Isso significa que a
proposta de estudo da língua apresentada aqui a vê como resultado da interação
que se concretiza em formas de dizer e agir em determinados contextos históricos e
sociais. Essas formas são apresentadas por Bakhtin como os gêneros do discurso,
ou seja, “formas discursivas reconhecidas de uma coletividade que, em diferentes
ocorrências, apresentam uma certa semelhança, permitindo o compartilhamento de
conhecimentos nas interações verbais” (BAKHTIN, 2003, p. 262). Essa definição
norteou a elaboração das aulas realizadas na nossa prática docente, mesmo que
estivéssemos trabalhando com um gênero muito específico, que era a redação do
ENEM.
O projeto desenvolvido
Os conteúdos apresentados nas nossas aulas eram aqueles relativos ao que é
esperado de uma boa redação do ENEM/UFRGS. Para isso, tivemos como base os
conceitos apresentados no livro “Da redação à produção textual: o ensino da escrita”
de Paulo Guedes: concretude, unidade temática, questionamento e
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objetividade. Abaixo, apresentamos brevemente o significado de cada uma dessas
qualidades discursivas apontadas por Guedes:
Unidade temática: tratar apenas de um aspecto, apenas um ponto de vista
para não desorientar o leitor. “Quanto mais específico for esse tema, quanto
mais específico for o problema levantado, maiores serão as chances de o texto
interessar o leitor, de puxá-lo para dentro do assunto.” (GUEDES, 2009, p.
296).
Concretude: Trazer exemplos, ilustrações, comparações, imagens que possam
construir seus conceitos, suas definições, encaminhar seu raciocínio e sua
argumentação. Ou seja, é não ser vago, trazer dados reais para a redação.
Questionamento: Apresentar um problema ao leitor, uma questão que possa
incomodá-lo e, a partir daí, propor uma solução.
Objetividade: “Esclarecer o ponto de vista a partir do qual a questão vai ser
examinada, ponto de vista que, no caso do texto dissertativo, é composto pelo
conjunto de ideias que dão sentido aos conceitos e argumentos do texto.”
(GUEDES, 2009, p. 339).
Essas qualidades foram escolhidas por apresentarem ideias para que os alunos
pudessem aprimorar suas redações. Assim, em vez de trabalharmos com as
categorias já conhecidas por eles (introdução, desenvolvimento, conclusão),
buscamos essas qualidades que eles provavelmente não conheciam.
Também utilizamos os critérios apresentados pelo “Guia do Participante - Redaçao
ENEM 2013”3 para que os alunos se familiarizassem com a estrutura da redação do
ENEM.
3http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/guia_participante/2013/guia_de_redacao_enem_2013.pdf
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As aulas
Durante a nossa prática, optamos por realizar aulas expositivas, mas especialmente
dialogadas, tendo em vista que é necessário discutir e interagir para assim aprender.
Quando os alunos precisavam escrever, circulávamos pela sala de aula a fim de
ajudar quem tivesse dúvidas ou não soubesse por onde começar. Enfatizamos
também que eles trabalhassem em grupos durante as discussões, assim quando
tivessem vergonha ou não quisessem expor a sua opinião para o grande grupo, pelo
menos já teriam discutido um pouco previamente nos grupos menores.
Aula 02
Mostramos algumas imagens relacionadas ao racismo no futebol. Em seguida,
fizemos as seguintes perguntas para verificarmos o que os alunos sabiam a respeito
do assunto “preconceito no futebol”:
a. Quais foram os últimos eventos que suscitaram discussão com relação ao
racismo no futebol? No último mês e no ultimo ano?
b. Quais são as bases históricas para o racismo no futebol?
c. Que outras informações de outras áreas eu sei que podem contribuir para a
discussão?
Em seguida, apresentamos um artigo de opinião sobre o caso Aranha4 retirado da
revista Veja para que pudéssemos discutir sobre o tópico com os alunos.
Posteriormente, apresentamos alguns resumos de notícias de outros meios de
comunicação que apresentavam casos de racismo acontecidos no meio do esporte
no Brasil e no mundo. Nosso objetivo era dar para os alunos casos nos quais eles
pudessem basear as suas redações.
4 http://veja.abril.com.br/noticia/esporte/goleiro-do-santos-sofre-ofensas-racistas-em-jogo-contra-o-
gremio
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A atividade seguinte propunha que os alunos lessem um artigo de opinião retirado
do jornal Zero Hora intitulado “A Punição do Grêmio foi injusta, mas salutar”5 e
respondessem as seguintes questões:
a. Qual a tese defendida pelo autor?
b. Quais são os argumentos?
c. Como os argumentos são articulados?
d. O autor traz alguma proposta de intervenção?
Por fim, entregamos uma proposta de redação elaborada por nós que tratava do
tema trabalhado em aula6, seguindo o formato da redação do ENEM.
Figura 01: Proposta de redação da aula 02
Aula 03
Retomamos a discussão sobre casos de racismo no futebol e, em seguida,
apresentamos teses que os alunos poderiam ter utilizado. Nosso objetivo era fazer
os alunos perceberem que o tema proposto na redação não era “Racismo no
futebol” e sim “Consequências do racismo no futebol” e que a palavra consequência
alterava o que deveria ser exposto na redação. Em seguida, com o objetivo de tratar
5http://zh.clicrbs.com.br/rs/esportes/gremio/noticia/2014/09/david-coimbra-a-punicao-do-gremio-foi-
injusta-mas-salutar-4590064.html 6 Os textos motivadores podem ser encontrados em
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/03/140310_racismo_futebol_copa_ms.shtml e http://www.goethe.de/ins/br/sap/prj/fus/ges/pt9657066.htm.
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sobre outras formas de preconceito que também aconteciam em estádios,
apresentamos as seguintes frases com a pergunta a seguir:
● Chuta que nem homem!
● Juiz veado!
● Tá apitando que nem tua mãe!
● Bicha! Puto!
Futebol não é um esporte de mulher?
Futebol não é um esporte para homossexuais?
De quem é o futebol?
Após a discussão, explicamos para os alunos sobre conectores lógicos. Iniciamos a
discussão mostrando um texto do portal de notícias Estadão7 - relacionado com o
tema - em que os parágrafos estavam desordenados. Os alunos tiveram que colocar
os parágrafos em ordem e, desse modo, perceberem a importância de saber usar os
conectores em uma redação.
Apresentamos a unidade temática, primeira qualidade discursiva descrita por
Guedes (2009). Mostramos para os alunos dois textos presentes no livro do Guedes
(páginas 95 a 97) sobre descrição pessoal e perguntamos qual deles os alunos
dariam a melhor nota e por quê. Pedimos que eles lessem o texto “Futebol, racismo
e homofobia” do jornal O Sul 218 e encontrassem a unidade temática. Para que a
tarefa não ficasse óbvia, tiramos o título e pedimos que eles identificassem o tema.
7http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,corinthians-lanca-manifesto-contra-homofobia-no-
futebol,1559187. 8http://www.sul21.com.br/jornal/futebol-racismo-e-homofobia-por-roger-raupp-rios/
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Iniciamos a explicação sobre a segunda qualidade discursiva, a concretude.
Apresentamos um texto (páginas 318 a 320) que relatava sobre a mulher brasileira e
encontramos junto com os alunos onde faltava concretude. Após, então, explicamos
em maior detalhe mais características dessa qualidade. Depois, relemos os textos
discutidos em sala de aula sobre o tema do preconceito no esporte procurando o
que os tornavam ou não concretos.
Aula 04
Apresentamos a seguinte tarefa:
1. O que a imagem a seguir representa?9
2. Qual é a tese presente? E os argumentos?
3. É preciso ter uma linguagem escrita para defender uma ideia?
Figura 02: Imagem provocadora de discussão da aula 04
O objetivo dessa tarefa era voltar ao assunto do preconceito e trabalhar com
argumentos. Em seguida, entregamos uma reportagem intitulada “Racismo no
9Imagem disponível em http://www.filosofiahoje.com/2012/09/o-nosso-sistema-educacional-em-
uma.html
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Futebol: Brasil debate penas, Itália indica o caminho contrário”10. Primeiro,
discutimos as novas punições para casos de racismo no futebol acontecidos na
Itália. Segundo, trabalhamos com os conectores presentes no texto, perguntando
qual seria a função deles, de que forma eles poderiam ser substituídos e quais
outros exemplos de conectores são geralmente usados em textos de redação para o
vestibular.
Apresentamos a próxima qualidade discursiva a ser trabalhada em aula, a
objetividade. Revisamos as outras qualidades discursivas já trabalhadas e
entregamos a primeira versão dos textos que eles haviam escrito com os nossos
comentários. Em aula, os alunos leram seus textos e deram uma nota de 1 a 4 para
cada uma das qualidades discursivas estudadas. Por fim, os alunos reescreveram a
redação com base nas suas próprias observações e nos nossos comentários.
AULA 05
Iniciamos a aula revisando os conceitos já estudados e explicamos a fundo o
questionamento, que ainda não havia sido trabalhada. Nessa aula, apresentamos o
documentário “O riso dos outros”11, que discute os limites do humor na sociedade,
mostrando como humoristas afirmam ideias preconceituosas em suas piadas sem
ninguém denunciá-los. Propomos as seguintes questões para os alunos
responderem enquanto assistiam ao documentário:
1. De acordo com os humoristas, que elementos causam humor?
2. Que estereótipos são representados nas piadas contadas no documentário?
3. Qual a relação do preconceito e o humor?
4. Qual a posição dos comediantes sobre o “Politicamente Correto”?
10
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/08/140830_esporte_racismo_italia_rm_hb 11
http://youtu.be/uVyKY_qgd54
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Nessa aula, os alunos também entregaram a reescrita da redação discutida na aula
anterior.
Aula 06
Como na proposta de redação anterior alguns alunos não a haviam escrito por não
terem tido tempo em sala de aula para isso, decidimos usar essa aula como tempo
para escrita. Assim, entregamos um novo tema de redação para os alunos que
discutia os limites do riso na sociedade12 e os ajudamos a escrever a redação, lendo
enquanto os alunos escreviam e propondo alterações, discutindo as ideias dos
alunos durante a construção do texto. Essa proposta foi adaptada do vestibular de
2013 da UFRGS e colocada no formato do ENEM.
Figura 03: Proposta de Redação 02 da aula 06
Aula 07
Revisamos as quatro qualidades discursivas e os critérios de correção do ENEM em
um resumo criado por nós, assim os alunos teriam algum material impresso para
retomar as nossas aulas caso precisassem. Em seguida, os alunos trocaram de
redação com os colegas e corrigiram as redações conforme os critérios do ENEM.
Por fim, eles realizaram as alterações necessárias nas suas redações e nos
entregaram a versão final. Entregamos as redações para os alunos na aula seguinte
e selecionamos algumas frases para compor o mural do PEAC.
12
http://passenaufrgs.com.br/provas/2013/ufrgs-2013-prova-redacao.pdf
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Figura 04: Fragmentos dos textos de alguns alunos sobre preconceito
Figura 05: Fragmentos dos textos de alguns alunos, com nomes fictícios dos autores
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Considerações finais
Procuramos atender aos desejos dos alunos na medida do possível e tentamos
compartilhar o que tínhamos para ensinar de uma forma amigável. Infelizmente,
dispomos de pouco tempo para desenvolver a escrita com os alunos, porém saímos
dessa experiência com a ideia de que os alunos conseguiram entender melhor a
estrutura da redação do ENEM e mais conscientes acerca do tema preconceito.
Referências
FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
1997.
GERALDI, J. W. Portos de passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação à produção textual: o ensino da escrita.
São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
RIO GRANDE DO SUL, Secretaria de Estado da Educação, Departamento
Pedagógico. Referenciais curriculares do Estado do Rio Grande do Sul:
linguagens, códigos e suas tecnologias. Porto Alegre: SE/DP, 2009c.
AZEVEDO, Sara. Formação Discursiva e Discurso em Michel Foucault. In:
Fiolegenese. Unesp. Vol. 6 nº 2. 2013. Disponível em:
<http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/saraazevedo.
pdf>
INEP. A redação no ENEM 2013 – Guia do participante. Disponível em <
http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/guia_participante/2013/guia_part
icipante_redacao_enem_2013.pdf>
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Formação do cidadão: as mãos na arte e olhar na História
Amanda da Silveira Duarte Gomes1 Christiane Jaroski Barbosa2
Introdução
Um discurso comum no meio acadêmico e no universo da educação é o papel do
professor na formação do cidadão crítico. Mas o que seria um cidadão crítico?
Na academia, nas disciplinas relacionadas à psicologia, conhecemos um outro nome
para o cidadão crítico: sujeito. Sujeito é quem se posiciona, que se dá a ver, aquele
que não apenas interpreta, mas interage e age sobre o mundo.
Esse sujeito, fruto da biologia, da história, da sociedade, tem poder de análise, de
observação e de realizar suposições, a partir do conhecimento acumulado. O sujeito
genuíno, não repete informações, mas busca explicações, levanta problemáticas e
realiza modificações.
Um mero espectador e repetidor dos fatos apresentados não é sujeito, não tem
posicionamento e nem opiniões, não realiza reflexões. Em contrapartida, o sujeito
não se posiciona como platéia, é protagonista dos eventos histórico-sociais,
reconhece seu papel de construtor do mundo e da história. E a escola tem uma
função fundamental na construção do cidadão crítico. Mas de que maneira se dá
esta construção?
A importância dada aos conteúdos revela um compromisso da instituição escolar em garantir o acesso aos saberes elaborados socialmente, pois estes se constituem como instrumentos para o desenvolvimento, a socialização, o exercício da cidadania democrática e a atuação no sentido de refutar ou reformular as deformações dos conhecimentos, as imposições de crenças dogmáticas e a petrificação de valores. Os conteúdos escolares que são ensinados devem, portanto, estar em consonância com as questões sociais que marcam cada momento histórico. (MEC, 1997, p.33).
Como citado acima, os PCNs estabelecem conteúdos escolares que devem estar de
acordo com as questões sócio-históricas, fundamentais à formação do sujeito. Entre
1 Acadêmica do curso de licenciatura em Letras – FACOS/CNEC.
2 Mestre em Linguística Aplicada. Professora do curso de licenciatura em Letras – FACOS/CNEC.
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estes conteúdos, temos a arte, em suas variadas formas, visuais, plásticas, cênicas,
etc. A arte é protagonista na formação do sujeito.
As oportunidades de aprendizagem de arte, dentro e fora da escola, mobilizam a expressão e a comunicação pessoal e ampliam a formação do estudante como cidadão, principalmente por intensificar as relações dos indivíduos tanto com seu mundo interior como com o exterior. O aluno desenvolve sua cultura de arte fazendo, conhecendo e apreciando produções artísticas, que são ações que integram o perceber, o pensar, o aprender, o recordar, o imaginar, o sentir, o expressar, o comunicar. A realização de trabalhos pessoais, assim como a apreciação de seus trabalhos, os dos colegas e a produção de artistas, se dá mediante a elaboração de idéias, sensações, hipóteses e esquemas pessoais que o aluno vai estruturando e transformando, ao interagir com os diversos conteúdos de arte manifestados nesse processo dialógico. Produzindo trabalhos artísticos e conhecendo essa produção nas outras culturas, o aluno poderá compreender a diversidade de valores que orientam tanto seus modos de pensar e agir como os da sociedade. Trata-se de criar um campo de sentido para a valorização do que lhe é próprio e favorecer o entendimento da riqueza e diversidade da imaginação humana. Além disso, os alunos tornam-se capazes de perceber sua realidade cotidiana mais vivamente. (MEC, 1998, p.19).
Desde os primórdios podemos perceber a presença da arte, quer nos escritos das
cavernas, onde os homens retratavam as cenas do cotidiano, documentando assim
sua história, quer na produção manual de objetos para adorno e para a garantia da
sua própria sobrevivência, como suas lanças. A arte faz parte da história da
humanidade e em cada movimento histórico, podemos percebê-la com marcas
distintas, retratando e, também, criticando esses ciclos.
Atualmente, a arte voltada para a educação do desenvolvimento do indivíduo, da formação de seu senso crítico e afetivo, está sendo desvalorizada. Muitas vezes as pessoas não são incentivadas a buscar dentro de si algo novo e criativo. A imagem que nos é passada é a de apreciação das grandes obras e não a do despertar da capacidade criadora. (COLETO, 2010).
Com a chegada das indústrias, passou-se a desvalorizar essa produção manual e o
ensino de arte nas escolas veio a ser secundarizado, priorizando-se a preparação do
indivíduo para o trabalho, e o ensino de arte passou a dar-se através da repetição de
traços e desenho de figuras geométricas, ensino que ainda era repassado há
poucos anos. Essa desvalorização da arte que, segundo Almeida (1998 apud
Merleau-Ponty; 1980), não apresenta erro em “sobre-estimar a forma, mas em
subestimá-la, a ponto de separá-la do sentido”, trouxe impactos negativos sobre a
sociedade, não despertando no educando a capacidade criadora, a capacidade de
interpretar e posicionar-se criticamente diante dos acontecimentos sociais.
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Levando-se em consideração toda a contribuição da arte na formação do sujeito e o
papel fundamental da escola em oportunizar este contato com a arte, optou-se por
trabalhá-la na disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Portuguesa I, à qual
chamaremos ELP1, através do movimento Hippie.
Metodologia
Diante da proposta da disciplina de ELP1, de realizar uma oficina, em turno inverso
ao escolar, envolvendo cultura, inúmeras idéias surgiram, como lendas locais,
regionais, porém nenhuma satisfazia completamente os anseios de apresentar algo
apaixonante e diferenciado. Foi quando o movimento Hippie apresentou-se como
objeto ideal de estudo e trabalho, com suas cores, sua arte, suas bandeiras de luta,
que continuam tão atuais.
Através de consultas a pessoas envolvidas com esta arte, manual e rústica,
descobriu-se que há um grande engano ao chamar de hippie os artesãos que
encontramos vendendo seu trabalhos pelas ruas brasileiras. Embora defendam
bandeiras levantadas pelos hippies norte-americanos da década de 60, esses
artesãos têm um movimento cultural próprio, são “malucos de estrada”.
Ao descobrir este engano, buscaram-se mais informações a respeito dos “malucos”
e descobriu-se que esses trabalhadores autônomos sofrem grandes dificuldades e
perseguições em diversas partes do nosso país. A polícia, que deveria defender a
população, simplesmente leva embora o trabalho dessas pessoas, seus materiais
para produção de novos trabalhos e até suas poucas mudas de roupas. Em vez de
auxiliá-los a procurar a formalização do trabalho, através do MEI3, por exemplo, os
“defensores da lei” expõem os cidadãos à miséria e à falta de trabalho.
O fato é que a mídia conservadora fez questão de pintar uma imagem deturpada
dessas pessoas. Desfez-se das lutas justas do movimento Hippie, tornando-o moda,
e criou-se um movimento que só fazia baderna, isso nos EUA, mas essa imagem foi
3 Microempreendedor Individual.
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vendida assim ao mundo. Tem-se uma imagem estereotipada de que artesão de rua
é hippie, vagabundo, drogado e sem futuro. Engana-se redondamente quem assim
pensa.
Partindo dessas reflexões sobre os preconceitos gerados em torno destes cidadãos
trabalhadores, que tão ricas obras de arte nos proporcionam, optou-se por trabalhar
não somente a arte, mas a história que perpassa esse trabalho.
Escolhido o tema, era hora de convidar os alunos a participarem da oficina, durante
a manhã de cinco sextas-feiras, já que a escola disponibilizou alunos do turno
vespertino. Não foi preciso muito esforço, quando os alunos viram o “filtro dos
sonhos”, peça que emprega nós para tecer uma espécie de teia, logo se alistaram
para participar.
Iniciou-se a oficina, com oito alunos do 7° ano do ensino fundamental, da Estadual
de Ensino Médio Albatroz, localizada em Osório, a maioria beneficiária do Bolsa
Família, contando-se a história do movimento Hippie, o contexto sócio-histórico,
questões como Guerra do Vietnã, combate ao capitalismo, luta pela liberdade
sexual, e os alunos participaram ativamente das explanações. Não foi um monólogo,
surgiram discussões a respeito, por exemplo, da participação dos EUA em todas as
guerras atuais, questão levantada por aluno.
Pôde-se observar que os participantes não eram alunos quaisquer, estavam ali com
objetivos e não aceitariam qualquer resposta. Um trabalho de pesquisa profundo,
conhecimento do assunto, para dirimir as dúvidas que surgiriam no decorrer das
aulas e levantar novos questionamentos, foi primordial durante as oficinas.
Após trabalhar a parte histórica, foi realizada uma atividade dinâmica, em que os
alunos ilustravam “papéis sociais” em uma folha. Através das ilustrações,
levantaram-se problemáticas, como o porquê da mãe ter sido desenhada na beira de
um fogão, cuidando de um bebê, o que levou os educandos a uma reflexão sobre as
imposições da sociedade e a questioná-las.
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Quanto à imagem “pintada” pela sociedade a respeito dos Hippies, uma aluna
concluiu que “eles lutavam contra o consumismo, a favor da paz, do amor e da
liberdade”, desfazendo o estereótipo e reconhecendo bandeiras de luta que são
erguidas até hoje.
No primeiro encontro, ainda, foi trabalhada a técnica de Macramê, uma técnica
indígena que emprega nós, com a qual os alunos produziram suas peças, pulseiras,
livremente, podendo escolher as linhas da cor que bem entendessem. O que
chamou à atenção foi a escolha das cores, a maioria quis as “cores do reggae”,
vermelho, preto, amarelo e verde. Será que todos gostam da mesma cor ou a
escolha se deve à moda, ao mais aceito, mais conhecido?
Além da questão das cores, outra observação importante foi feita: os alunos que
mais participaram das discussões que deram início à aula, foram os que obtiveram
um melhor desempenho na execução do trabalho. A maioria deles já havia tido um
contato prévio com algum tipo de arte manual.
No segundo encontro, as discussões continuaram e aprofundaram-se. Entrou-se na
questão da religião e ateísmo. Entre todos os argumentos, um foi o mais marcante.
Uma aluna afirmou achar injusto atribuir todo o mérito do trabalho humano a Deus.
“Quem faz as coisas acontecerem é a gente, não Deus, então não é graças a Deus”,
foi a afirmação da aluna. Uma reflexão profunda para uma adolescente de apenas
treze anos, moradora de uma cidade extremamente conservadora como Osório.
Neste encontro, trabalhou-se outra variação de Macramê, o nó Chevron, que dá um
efeito listrado em forma de “V”. Novamente, a maioria dos alunos não inovou na
escolha das cores, escolheram as “cores do reggae”. Apenas duas alunas
escolheram cores distintas, essas alunas foram as únicas que utilizaram pedraria na
primeira pulseira, produzida no primeiro encontro.
Dando sequência às oficinas, trabalhou-se na produção de uma coruja, utilizando-se
como base “orelhas-de-macaco”, frutos do Tamboril, árvore muito comum na região,
retiradas do pátio da escola. Empregou-se, neste momento, a arte de modelar,
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através de massa de biscuit e tampas de caneta. Finalizado o trabalho, que no dia
do convite para a ofina não chamou a atenção de nenhum aluno, todos ficaram
extremamente orgulhosos de suas peças e foram mostrar aos professores. A coleta
do material natural foi muito marcante para a turma. Todos comentaram que nunca
haviam reparado naquele Tamboril na entrada da escola.
Ainda neste encontro, produziu-se pulseira com a técnica do Kumihimo, um tear
japonês, que foi adaptado em pedaços de papelão. O trabalho com baixo custo e
extrema facilidade de realização foi o preferido de um dos alunos. “Na verdade, eu
queria aprender a fazer o filtro dos sonhos, mas acabei gostando de tudo,
principalmente do Kumihimo”, afirmou o aluno, que presenteou o irmão e a
professora da oficina com pulseiras feitas por ele.
Trabalhou-se ainda a reformulação do movimento hippie no Brasil, que jamais foi
Hippie, pois aqui chegou em tempos de ditadura militar. Falou-se da censura durante
a ditadura militar e como influenciou nas artes. Ainda foi trabalhado o equívoco em
chamar de hippies os artesãos de rua, ou malucos de estrada, contando-se um
pouco sobre esse movimento.
Após a parte teórica, foi apresentada uma entrevista com uma maluca de estrada,
mostrando como ela, o marido e os dois filhos vivem, como é o trabalho do casal e a
vida escolar das crianças. Os educandos demonstraram grande interesse e apreço
pela entrevista. “Agora, aprendemos a diferenciar Hippies de Malucos de estrada”,
foi a afirmação de uma aluna, que achou muito interessante essa diferença e o
equívoco que se comete em relacionar os artesãos de ruas com a imagem
caricaturada do Hippie.
No quarto encontro, e último de oficina, produziu-se o tão esperado “filtro dos
sonhos”. Enquanto os alunos realizavam o trabalho, foi-lhes contada a origem do
filtro e uma lenda envolvendo sua criação. A lenda escolhida, retirada da internet,
era uma das diversas histórias a respeito do filtro e causou em um aluno, o mesmo
que questionou a participação dos EUA nas guerras e apreciou grandemente a
técnica do Kumihimo, estranheza: “não faz sentido o que está sendo falado, a lenda
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fala em sapato e índio não usa sapato”, demonstrando seu posicionamento crítico
diante do que estava sendo-lhe exposto.
Em seguida, foi proposto que redigissem uma matéria para publicar no jornal 1ª
Mão, jornal de circulação local, a respeito da oficina. Os alunos tiveram total
liberdade para a escrita, sendo-lhes propostas apenas substituições lexicais para
que o texto fosse mais coeso. Todo o discurso foi produzido pelos educandos, com o
enfoque dado por eles, sendo respeitado pela redação do jornal.
O último encontro foi realizado, junto ao Café Literário da escola, onde os alunos
estavam envolvidos com os trabalhos da disciplina de Língua Portuguesa, portanto
não estiveram em contato direto com a oficineira. Neste encontro, foram-lhes
entregues os jornais, que também foram distribuídos aos demais alunos e
professores da escola. A matéria, que foi concluída pelos alunos com um pedido de
mais tolerância, resumido na seguinte frase: “Que todas as formas de amor e arte
sejam aceitas”, deixou professores orgulhosos e os alunos da oficina muito
satisfeitos e realizados.
Considerações Finais
Ao trabalhar arte e cultura hippie, abrimos um leque de discussões que muitas vezes
são mal vistas, ou são consideradas tabus, pela sociedade, trazendo a possibilidade
de reflexões riquíssimas. Diferentemente de apenas contar a história e os efeitos
negativos do capitalismo, por exemplo, assunto que tratado superficialmente se
torna enfadonho, a introdução do tema através da arte e de um movimento cultural
de juventude desperta um maior interesse, o educando se apropria daquilo e
percebe que tem conhecimento e contribuições a dar sobre o assunto. Além das
questões históricas que envolvem o movimento, sua arte vem completamente a
calhar, ainda mais nestes tempos de consumismo excessivo.
Proporcionando a produção de artes manuais aos educandos, retomam-se raízes
humanas antiquíssimas, do tempo das cavernas, na produção de seus próprios
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adornos e ainda ressalta-se a importância da valorização da natureza e
contemplação das riquezas que a mesma oferece.
Ao considerar o poder libertador da arte, libertador do eu-criador, do sujeito crítico,
considera-se a importância do ser humano na construção da história, do hoje e do
amanhã. Esse papel de considerar e ofertar a possibilidade do contato real e
profundo com a arte é primordialmente da escola.
Quando se observa o maravilhoso desempenho dos alunos no trabalho proposto,
quer seja na produção dos materiais, nos questionamentos, quer na construção da
matéria publicada no jornal, onde se posicionaram como sujeito crítico, analisando
as reais contribuições da oficina para a vida deles, deve-se ressaltar o papel da
escola onde estudam. A administração desta escola apresenta um desempenho
louvável, seja por disponibilizar projetor e ar-condicionado em todas as salas de
aula, mesmo sendo uma escola pública, seja na realização de diversas atividades
que despertam no educando a capacidade criadora, como mostra de talentos, Café
Literário, por exemplo.
Em suma, a escola é o local onde os indivíduos têm o maior leque de interações,
com colegas, professores, funcionários. Além de criar e manter laços afetivos, a
escola precisa ofertar ferramentas para a construção do cidadão crítico, entre elas
está a arte, poderosa arma de aproximação de indivíduos e culturas, de construção
de sentidos e de questionamentos essenciais ao sujeito que age sobre o mundo que
o cerca, de maneira responsável e coerente.
Referências
ALMEIDA, Kátia Maria Pereira de. Por uma semântica profunda: arte, cultura e
história no pensamento de Franz Boas. Mana [online]. 1998, vol.4, n.2, pp. 7-34.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/mana/v4n2/2409.pdf. Acesso em:
17/11/2014.
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MEC/SEF (1997). Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e quarto ciclos do
Ensino Fundamental: introdução aos PCNs. Ministério da Educação e do Desporto –
Secretaria de Educação Fundamental. Brasília.
MEC/SEF (1998). Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e quarto ciclos do
Ensino Fundamental: arte. Ministério da Educação e do Desporto – Secretaria de
Educação Fundamental. Brasília.
COLETO, Daniela Cristina. A importância da arte para a formação da criança.
Conteúdo. Capivari. v.1, n.3, jan./jul. 2010
Bibliografia
BRANDÃO, Antônio Carlos; DUARTE, Miltom Fernandes. Movimentos Culturais de
juventude. São Paulo. Moderna. 1990.