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VOL. 4 – Nº 1 – MARÇO/2014 – ISSN 2236-3734 .
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A responsabilidade civil do incorporador pela solidez e segurança do imóvel após a entrega da obra
Marcelo Terra Reis1 Rafael Adriano Kich2
Carlota Bertoli Nascimento3
Resumo: O presente artigo tem como objetivo analisar qual o período em que o incorporador imobiliário responde civilmente pela solidez e segurança de um imóvel após a entrega da obra. O estudo foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, onde, a partir da análise das decisões do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entre os anos de 2009 e 2013 e do atual posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, percebe-se que assim como na doutrina, na jurisprudência também não há unanimidade quanto ao lapso temporal que o adquirente de um imóvel tem para buscar a reparação dos danos causados pelo aparecimento de vícios e defeitos que possam comprometer a solidez e a segurança do imóvel. Desse modo, o incorporador poderá ser civilmente responsabilizado por todo o período de durabilidade razoável da construção. Palavras-chave: responsabilidade civil - incorporação imobiliária - diálogo das fontes - solidez e segurança do Imóvel. Abstract: The present article is purpose to analyze the period in which the real estate developer is civilly liable for the solidity and security of a property after the completion of the work. The study was conducted through literature and jurisprudence research, where, from the analysis of the Justice Court decisions of the Rio Grande do Sul State between the years 2009 and 2013 and the current position of the Court Superior, notices that so as in doctrine, jurisprudence also there are not unanimity about the time span which the purchaser of a property has to seek compensation for damage caused by the appearance of faults and defects that may impair the solidity and security of property. Thus, the developer may be civilly liable for all period of reasonable durability of the construction. Keywords: liability - real estate development - sources dialog - solidity and security building.
Introdução
A indústria da construção civil exerce um papel de suma importância na medida que
seu produto visa atender uma especial necessidade humana que é a habitação, por
meio da propriedade privada. Historicamente ligada à família e à religião, hoje é um
direito garantido no ordenamento jurídico pátrio, devendo atender sua função social.
Com o crescimento populacional dos grandes centros urbanos proliferaram também
as construções, por vezes de forma desordenada, que exigiram soluções à alta
densidade demográfica, vindo como alternativa as construções de imóveis em 1Advogado. Professor e Coordenador do curso de bacharelado em Direito da FACOS/CNEC.
Discente do curso de Doutorado em Direito – linha de pesquisa Direito Civil – da Universidade de Buenos Aires. 2Acadêmico do curso de bacharelado em Direito – FACOS/CNEC.
3Professora do curso de bacharelado em Direito – FACOS/CNEC.
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condomínios residenciais e comerciais em substituição as construções individuais.
Essa incorporação de unidades residenciais demandou do Poder Público uma
atenção especial no regramento da atividade de incorporação do setor industrial
imobiliário, que constitui um forte segmento no cenário econômico nacional.
Fortemente aquecido, o setor industrial imobiliário, que tem dado a cada dia mostras
de sua crescente valorização no mercado de consumo, vem assumindo papel
importante frente à crise habitacional, de forma a tornar-se um produto básico de
primeira necessidade do consumidor. A construção civil encontra hoje condições
extremamente favoráveis ao seu desenvolvimento, podendo destacar-se, entre elas,
a queda das taxas de juros, o fortalecimento da moeda, o aumento do emprego
formal, a vasta oferta de crédito, e o lançamento do Programa Minha Casa, Minha
Vida, voltado para as famílias de baixa renda.
Com a expansão do setor imobiliário, paralelamente surgem também os litígios
provenientes de problemas decorrentes das construções dos imóveis, quando estes
venham a apresentar defeitos que possam comprometer a qualidade ou até mesmo
a segurança do imóvel adquirido pelo consumidor. Estes problemas podem se
apresentar devido a diversos fatores, entre eles a má execução do projeto
arquitetônico e a baixa qualidade do material de construção utilizado na obra.
Diante do conjunto de diplomas legislativos que regulam a atividade das
incorporações imobiliárias e que incidem sobre a responsabilidade civil do
incorporador frente ao adquirente do imóvel, e suas diferentes disposições legais,
torna-se de suma importância uma análise aprofundada da Lei das Incorporações
Imobiliárias, do Código Civil, do Código de Defesa do Consumidor, e também da
doutrina e da jurisprudência, para verificar qual é o prazo de garantia de um imóvel,
e por via reversa, em que momento se extingue a responsabilidade civil do
incorporador por problemas decorrentes de defeitos que comprometam a solidez e a
segurança do imóvel.
O presente artigo tem como objetivo analisar a extensão do prazo em que o
incorporador imobiliário responde civilmente pela solidez e segurança de um imóvel
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após a entrega da obra, à luz do Código Civil e do Código de Defesa do
Consumidor, no âmbito da filosofia da Lei das Incorporações e através da utilização
do diálogo das fontes. O estudo foi realizado por meio de pesquisa bibliográfica e
jurisprudencial, através do método dedutivo, analisando os diferentes
posicionamentos acerca do lapso temporal que o adquirente de uma unidade
imobiliária tem para reclamar judicialmente seu direito à reparação por problemas no
imóvel.
A responsabilidade civil: origem e algumas considerações sobre o instituto
Historicamente nos primórdios da civilização a responsabilidade constituía-se na
forma de vingança privada. Logo, o indivíduo que sofresse um mal ou prejuízo podia,
por seu livre arbítrio, buscar a justiça com suas próprias forças e resolver o litígio
como bem entendesse, sem a intervenção do Estado. Nessa época não havia uma
análise quanto à existência de voluntariedade da conduta, era levado em conta
apenas o mal praticado, sendo a reação aplicada de forma imediata e sem
indagações sobre critérios de proporcionalidade entre o mal sofrido e a penalidade
aplicada4. Nesse momento, também não se cogitava o fator culpa5.
A responsabilidade evoluiu para um estágio de correspondência pela Lei de Talião,
onde aplicava-se a regra do “olho por olho, dente por dente”, e a vingança se
estabelecia de acordo com o mal sofrido. Ainda na antiguidade, a vingança foi
substituída pela composição, onde, no Código de Hamurabi, a compensação ao
lesado tinha diferentes formas de realização, de acordo com a gravidade da ofensa
e a classe do ofendido. O elemento fundamental da culpa veio com a influência
cristã, momento em que foram gradativamente abandonadas as composições
obrigatórias e tarifadas6.
4 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 33.
5 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 12. Ed. São Paulo: Saraiva 2010. P. 36.
6 RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 33-34.
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O termo “responsabilidade” tem origem no verbo latino respondere, que designa a
constituição de alguém como garantidor de algo. No sentido etimológico a expressão
responsabilidade tem relação com a ideia de obrigação, encargo e contraprestação7.
No âmbito jurídico, o termo “responsabilidade” traz a noção de obrigação que os
indivíduos inseridos em uma ordem jurídica possuem na prática de seus atos. Trata-
se de um dever jurídico entendido pela imposição de uma conduta exigida pela
convivência social e imposta pelo Direito Positivo. Assim, a violação de um dever
jurídico configura um ato ilícito e gera uma obrigação de reparar o dano8.
A responsabilidade civil pode ser definida como a aplicação de medidas de natureza
coercitiva que visam obrigar alguém a reparar danos, de caráter moral ou
patrimonial, causado a outrem por atos do próprio imputado, de pessoas por quem
esteja respondendo no momento do dano, ou ainda por simples imposição legal, no
caso de responsabilidade objetiva9.
Em nosso ordenamento jurídico vigora a regra geral do dever de reparação de
danos pela prática de atos ilícitos, decorrentes de dolo ou culpa do agente pela
reprobabilidade ou censurabilidade de sua conduta10, conforme se observa da
redação do artigo 186 do atual Código Civil brasileiro11, na chamada
responsabilidade civil subjetiva, onde o dolo e a culpa são fundamentos da
reparação dos prejuízos.
A responsabilidade subjetiva não obsta que possa haver uma responsabilidade
também objetiva, quando mesmo sendo lícita a atividade, esta possa gerar um
perigo ou um dano, conforme se pode observar do parágrafo único do artigo 927 do
7DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 33.
8 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. P.
1-2. 9DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 33.
10Ibidem. P. 38.
11Artigo 186 do Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” BRASIL. CASA CIVIL. Presidência da República. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 set. 2013.
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Código Civil12. Trata-se de uma atividade potencialmente perigosa que, pela teoria
do risco, impõe a reparação pela mera ocorrência do dano ou lesão,
independentemente da existência de dolo ou culpa, sendo esta presumida13.
O que se pode observar na historicidade do instituto da responsabilidade civil é que
esta evoluiu ao longo dos anos buscando a reparabilidade do dano, seja ele
causado pela ação ou omissão do causador do dano, independente, em alguns
casos, da existência de dolo ou culta, tendo hoje como preceito a reparação e ou
recomposição do dano.
Dos pressupostos da responsabilidade civil
Para que se possa verificar a existência de uma responsabilidade e uma
consequente obrigação de ressarcimento é necessário analisar a presença dos
pressupostos da responsabilidade civil, que são a existência de uma ação ou
omissão do agente, a ocorrência de um dano moral ou patrimonial e o nexo de
causalidade entre o dano e a ação do agente.
O pressuposto que se refere à existência de uma ação, comissiva ou omissiva, deve
ser qualificado juridicamente, ou seja, se apresentando como um ato ilícito, no caso
de responsabilidade subjetiva, ou como um ato lícito, pela teoria do risco na
responsabilidade objetiva, pois existem atos que embora não violem a norma,
podem acarretar um dever de indenizar por expressa disposição legal, sem que o
obrigado tenha cometido qualquer ato ilícito14.
A ação consiste em um movimento corpóreo positivo, como por exemplo a
destruição de uma coisa alheia, ou a lesão corporal provocada por alguém. Já a
omissão caracteriza-se pela inatividade, na abstenção de uma conduta. A omissão,
12
Artigo 927 do Código Civil: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” BRASIL. CASA CIVIL. Presidência da República. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L 10406. htm>. Acesso em: 02 set. 2013. 13
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 35. 14
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 36.
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para ser considerada relevante juridicamente e tornar responsável o omitente,
ocorrerá quando este tiver um dever jurídico de agir para impedir um resultado,
dever que pode ser imposto legalmente, advir de um negócio jurídico ou de uma
conduta anterior do agente, que por ter criado o risco deve agir para impedi-lo15.
É necessário também que ocorra um dano, que é o resultado negativo que atinge a
pessoa ou o seu patrimônio16, para que seja devida qualquer indenização. O dano a
um bem jurídico deve ser certo e provado17, havendo possibilidade de cumulação
das indenizações do dano moral com o dano patrimonial, quando derivarem do
mesmo fato18.
Ainda, não há que se falar em responsabilização civil se não houver o nexo de
causalidade entre o dano ocorrido e a ação ou omissão do agente. Deve haver o
vínculo entre a ação e o dano, sendo improcedente uma pretensão de reparação se
o prejuízo não tiver resultado da conduta do agente a quem é imputada a
responsabilidade19.
Ou seja, embora nos dias atuais se prime pela reparação do dano, independente da
ocorrência do dolo ou culpa do agente, na maioria dos casos, há necessidade da
existência dos pressupostos mínimos que ensejem a reparação do dano, sob pena
de se levar ao extremo a teoria do risco, causando um retrocesso no instituto.
A propriedade horizontal e a incorporação imobiliária
A grande concentração de seres humanos nos centros urbanos e a necessidade de
compatibilizar o uso do solo com o aumento da densidade demográfica exigiu
alternativa às unidades de moradia de construções individuais. Os edifícios urbanos
divididos por andares ou apartamentos remontam à antiguidade, sendo praticado
15
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. P. 24. 16
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 36. 17
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 36. 18
Súmula 37 do Superior Tribunal de Justiça: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.” Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 02 set. 2013. 19
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 37.
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esse sistema de copropriedade acerca de cinco mil anos na cidade da Babilônia,
passando a ser imitado por diversos povos, dentre eles, os egípcios e os romanos20.
A denominação “propriedade horizontal” que é utilizada por Caio Mário da Silva
Pereira, autor do anteprojeto original da Lei das Incorporações Imobiliárias, é uma
forma simplificada da expressão “propriedade em planos horizontais”21.
A divisão das construções em pisos horizontais com a propriedade de cada andar ou
de cada apartamento atribuída a diversas pessoas de forma exclusiva não é um
fenômeno social novo, tampouco a necessidade jurídica de regramento desse tipo
de propriedade.
O Código Civil de 1916 não previa a possibilidade de condomínio em planos
horizontais. Já o Código Civil atual dispõe expressamente sobre o “condomínio
edilício” a partir do artigo 1.331, codificando o que até então era objeto da Lei nº
4.591 de 1964, que também trata das incorporações imobiliárias22.
No início da atividade de incorporação imobiliária, um indivíduo procurava o
proprietário de um terreno bem situado, propondo-lhe a realização de uma
edificação coletiva sobre a área, estipulando as condições da alienação do imóvel,
mediante participação nos lucros. Em seguida, era providenciado o projeto
arquitetônico e o orçamento dos materiais de construção e da mão de obra. De
posse dos dados necessários para o cálculo do custo da obra, acrescido do lucro,
passava o incorporador a oferecer a aquisição dos futuros imóveis aos candidatos.
Ao captar junto aos futuros adquirentes recursos suficientes, dava início à obra que,
uma vez concluída, passava ao domínio dos novos proprietários mediante
transferências das escrituras23.
O desenvolvimento da indústria da construção civil e o surgimento de um mercado
para aquisição de imóveis fez nascer o negócio jurídico da incorporação imobiliária.
20
SOARES, Orlando. Incorporações Imobiliárias e Condomínio de Apartamentos. Rio de Janeiro: Forense, 1973. P. 77. 21
SILVA, José Marcelo Tossi. Incorporação Imobiliária. São Paulo: Atlas, 2010. P. 6. 22
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 60. 23
PEREIRA; Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. Rio de Janeiro: Forense, 1965. P. 185-186.
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Por se tratar de um negócio extremamente lucrativo, aliado ao fato de não haver até
então um regramento legislativo, não faltaram pessoas mal intencionadas
desenvolvendo a atividade de incorporação imobiliária de forma lesiva aos
adquirentes de imóveis24.
Em 1964 a atividade de incorporação imobiliária passou a ser disciplinada pela Lei
nº 4.591, que também dispõe sobre o condomínio em edificações. O diploma
legislativo em questão, que regula a atividade de incorporação imobiliária, considera
como tal, a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção,
para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas
de unidades autônomas25.
Ao lecionar sobre o tema, Hely Lopes Meirelles esclarece que a atividade de
incorporação imobiliária “é a sucessão de atos pelos quais o proprietário do terreno,
seu compromissário comprador ou terceiro devidamente autorizado, convenciona
com os interessados na aquisição das unidades autônomas a venda e construção do
edifício”26.
A denominação “incorporação” para identificar a atividade composta de uma série de
negócios jurídicos que preparam a comunhão pro diviso27 foi proveniente da simples
utilização reiterada. Pontes de Miranda chama esse período de pré-comunial, e
afirma o autor que o uso foi quem escolheu o termo28.
24
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 63. 25
Artigo 28 da Lei de Incorporações: “As incorporações imobiliárias, em todo o território nacional, reger-se-ão pela presente Lei. Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas.” BRASIL. CASA CIVIL. Presidência da República. Lei das Incorporações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm>. Acesso em: 02 set. 2013. 26
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. P. 5. 27
Arnaldo Rizzardo ensina que denomina-se “pro diviso” a comunhão que existe de direito, mas não de fato. Nessa comunhão, cada condômino já se localiza numa parte determinada da coisa, como é o caso do edifício de apartamentos. RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Coisas. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. P. 568-569. 28
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Predial. V. 2. Rio de Janeiro: Konfino, 1947. P. 79.
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No ramo dos negócios imobiliários, a expressão “incorporação imobiliária” refere-se
à mobilização de fatores de produção, destinada a vender unidades imobiliárias
localizadas em edificações coletivas, antes ou durante a construção, atividade que
envolve uma união de pessoas que articulam uma série de medidas destinadas a
finalizar a construção, em seguida individualizando e discriminando as unidades
imobiliárias no Registro de Imóveis29.
A atividade de incorporação está ligada à construção, porém com esta não se
confunde, podendo o incorporador efetuar a construção ou atribuir a terceiro a
execução da obra. Nesse sentido, cabe mencionar as palavras de Melhim Nemem
Chalhub:
A atividade de construção está presente no negócio jurídico da incorporação, mas incorporação e construção não se confundem, nem são noções equivalentes. A atividade de construção só integrará o conceito de incorporação se estiver articulada com a alienação de frações ideais de terreno e acessões que a elas haverão de se vincular; mas independente disso, a atividade de incorporação pode, alternativamente, ser representada somente pela alienação de frações ideais objetivando a sua vinculação a futuras unidades imobiliárias. Obviamente, a incorporação compreende a construção, mas não é necessário que a atividade da construção seja exercida pelo próprio incorporador, pois este pode atribuir a outrem a construção
30.
A finalidade da incorporação é a formação de um condomínio por andares ou por
planos, e até mesmo condomínios construídos horizontalmente, sendo uma forma
de copropriedade31, atividade que se desenvolve mediante uma sucessão de atos
destinados à venda de unidades autônomas e à construção do edifício, o que
acarreta em uma série de obrigações contratuais e legais a todos os participantes
desse empreendimento coletivo32.
O incorporador
No centro do exercício da atividade de incorporação imobiliária está o incorporador,
que é o titular desse negócio jurídico. É ele quem toma a iniciativa de mobilizar os
fatores de produção destinados a realizar a construção e a oferta no mercado de
29
CHALHUB, Melhim Namen. Da Incorporação Imobiliária. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P. 12. 30
Ibidem. P. 13. 31
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 545. 32
Ibidem. P. 546.
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consumo das futuras unidades imobiliárias. É o incorporador quem idealiza e
coordena o empreendimento, figurando como um elo de ligação entre todos os
envolvidos na incorporação.
O incorporador pode se apresentar de diversas formas, como esclarece Hely Lopes
Meirelles, podendo.
[...] ser o próprio dono do terreno, mas geralmente é o terceiro compromissário comprador ou simples titular de opção de compra e venda – que procura os interessados na aquisição de apartamentos; com eles combina o empreendimento, obtém os recursos financeiros necessários, contrata a construção, e, ao final, concretiza o negócio simultaneamente com o proprietário do terreno, com os tomadores de apartamentos, com o financiador da obra e com o construtor, num ajuste único ou em sucessivos contratos complementares da incorporação. [...] Na verdade, a figura do incorporador se apresenta multiforme, ora mediando o negócio, ora financiando o empreendimento, ora construindo o edifício, ora adquirindo apartamentos para revenda futura, mas em todas essas modalidades a sua constante é ser o elemento propulsor do condomínio.
33
O caput do artigo 29 da Lei das Incorporações34 trouxe a definição jurídica de
incorporador, como sendo a pessoa física ou jurídica, que embora não efetuando a
construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno
objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a
serem construídas ou em construção sob regime condominial.
A Lei nº 4.591/64 em seu artigo 31 ao elencar quem pode ser incorporador,
cabendo-lhe a iniciativa e a responsabilidade das incorporações imobiliárias, cita o
proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste, o promitente
cessionário, o construtor, o corretor de imóveis, e o ente da Federação imitido na
posse a partir de decisão proferida em processo judicial de desapropriação.
Sendo incorporador o promitente comprador do terreno, o cessionário deste ou o
promitente cessionário, deverão em ambos os casos estar imitidos na posse do
33
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito de Construir. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. P. 227-228. 34
Caput do artigo 29 da Lei de Incorporações: “Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.” BRASIL. CASA CIVIL. Presidência da República. Lei das Incorporações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm>. Acesso em: 02 set. 2013.
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imóvel, devendo constar do seu título aquisitivo a expressa autorização para demolir
eventual construção que exista no local, para construir e para dividir o terreno e
alienar frações ideais. A promessa que deverá ser irrevogável, precisa ser registrada
no Registro de Imóveis competente.
O incorporador é responsável pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas
condições, das obras concluídas de acordo com o projeto de construção e o
memorial descritivo que devem ser previamente arquivados no cartório competente
de Registro de Imóveis, por força do artigo 32, alíneas “d” e “g” da Lei nº 4.591/64.
Como visto, o incorporador é aquele que embora não efetuando a construção,
promove as alienações das frações ideais de terreno as quais se vinculam as futuras
unidades imobiliárias autônomas, antes do início ou da conclusão da obra. Por outro
lado, não é incorporador o proprietário e o compromissário comprador do terreno
que constrói um edifício de apartamentos, com capital próprio ou por meio de
financiamento, e somente aliena as unidades após concluída a obra e instituído o
condomínio35.
Do registro e da condução da incorporação – responsabilidade civil do incorprador
A legislação impõe ao incorporador uma série de deveres que não podem ser
objetos de convenção pelas partes contratantes, por se tratarem de normas de
ordem pública36. Estes deveres se estendem por todas as etapas da incorporação,
impondo obrigações no período que antecede a incorporação, que acompanham a
incorporação e que permanecem após a conclusão do empreendimento, se
estendendo além da entrega das unidades imobiliárias autônomas aos seus
respectivos adquirentes37.
No período que antecede a incorporação imobiliária, para que esta possa ser
promovida mediante oferta pública, o incorporador deve promover o registro da
35
SILVA, José Marcelo Tossi. Incorporação Imobiliária. São Paulo: Atlas, 2010. P. 83. 36
Ibidem. P. 88. 37
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 93.
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incorporação no competente Registro de Imóveis, que é o da circunscrição da
situação do imóvel, arquivando todos os documentos necessários arrolados no
artigo 32 da Lei nº 4.591/64, devidamente acompanhados do requerimento do
registro da incorporação.
Somente após o devido registro da incorporação, que, de acordo com o artigo 33 da
Lei de Incorporações tem prazo de validade de cento e oitenta dias, é que o
empreendimento poderá ser lançado no mercado de consumo. Sem o registro, o
incorporador está impedido de negociar as unidades imobiliárias autônomas da
incorporação, ficando os negócios jurídicos pactuados sujeitos à rescisão, e a
aplicação da multa de 50% (cinquenta por cento) prevista no artigo 35, § 5º da Lei nº
4.591/64. Conforme observa Leandro Leal Ghezzi
[...] por meio do registro da incorporação, os potenciais adquirentes podem conhecer a história do imóvel, a situação jurídica e patrimonial do incorporador, as condições em que ele negociou o terreno sobre o qual será erguida a edificação, os ônus que recaem sobre este terreno, o projeto da construção aprovado pelas autoridades competentes e o orçamento da obra, entre outras coisas. [...] É importante salientar que a inobservância desta exigência não acarreta a inexistência da incorporação, mas apenas a sua irregularidade. De qualquer forma, independentemente do prévio registro da incorporação junto ao registro de imóveis, será sempre considerado incorporador aquele indivíduo que alienar as unidades autônomas de um empreendimento antes da conclusão das suas obras, ou que alienar frações ideais do terreno quando já houver projeto aprovado em seu nome, ou em fase de aprovação.
38
Decorrido o prazo de validade de cento e oitenta dias e não concretizada a
incorporação, as unidades só poderão voltar a ser negociadas após a atualização do
registro da incorporação.
Os contratos de compra e venda das unidades imobiliárias autônomas também
devem ser registrados juntamente com o registro da incorporação, para que confira
aos adquirentes direitos reais sobre as respectivas unidades. Nesse sentido, Melhim
Namem Chalhub afirma que é “indispensável a efetivação do registro do contrato de
incorporação, para que os efeitos da aquisição possam ser validamente opostos a
terceiros”39.
38
Ibidem. P. 99. 39
CHALHUB, Melhim Namen. Da Incorporação Imobiliária. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P. 259
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É possível que o incorporador desista do empreendimento caso tenha fixado um
prazo de carência, que segundo o artigo 34, § 1º da Lei nº 4.591/64, não poderá ser
superior a cento e oitenta dias. Se o incorporador desistir do empreendimento, e já
tiver negociado frações ideais de terreno a que corresponderiam às futuras unidades
autônomas, terá que restituir aos adquirentes as quantias que deles recebeu40.
No Estado do Rio Grande do Sul o registro das incorporações imobiliárias tornou-se
regra e não mais exceção, o que se deu em grande parte em razão da campanha
“Aqui tem incorporação registrada”, promovida no ano de 2002 pelo Sindicato da
Indústria da Construção Civil no Estado – Sinduscon/RS41.
Devidamente registrada a incorporação e lançado o empreendimento no mercado de
consumo com a oferta das unidades aos futuros adquirentes, chega-se à fase da
construção, que poderá ser executada pelo próprio incorporador ou por um
construtor, podendo estar incluída no contrato com o incorporador ou ser contratada
diretamente entre os adquirentes e o construtor, nos termos do artigo 48 da Lei das
Incorporações.
A principal obrigação do incorporador é edificar o prédio. Esta obrigação se divide
em duas, a primeira consiste em construir a obra no prazo estipulado e a segunda,
mas não menos importante, consiste em realizar a construção de acordo com o
projeto estrutural e arquitetônico devidamente aprovado pelas autoridades
competentes e de acordo com as especificações do memorial descritivo, ambos
previamente arquivados no cartório competente de Registro de Imóveis. E
finalmente, a condução da obra deve observar as normas do Poder Público em
relação a restrições e imposições fiscais, ambientais, trabalhistas e de vizinhança.
No momento em que são comercializadas as unidades autônomas e iniciada a
construção, registrada ou não a incorporação, ela passa a ser fiscalizada pelo
Ministério Público e pelo Poder Judiciário, quando este estiver exercendo suas
funções correcionais e disciplinares sobre os Registros Imobiliários. Também
40
SILVA, José Marcelo Tossi. Incorporação Imobiliária. São Paulo: Atlas, 2010. P. 112. 41
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 105.
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desempenham um importante papel na fiscalização os órgãos representantes de
classe, como os conselhos de engenharia e arquitetura, os conselhos de corretores
e sindicatos profissionais42.
Caso ocorra interrupção das obras ocasionando um retardamento injustificado da
conclusão do imóvel, o incorporador terá o dever de indenizar os adquirentes das
futuras unidades imobiliárias pelos prejuízos que estes venham a sofrer. Se o fato se
der por culpa do construtor, terá o incorporador direito de regresso em face do
construtor, é o que dispõe o artigo 43, inciso II da Lei nº 4.591 /64.
Nesses casos, desistência do incorporador pelo empreendimento e atraso nas
obras, observa-se a necessidade de culpa do incorporador, ou seja, a
responsabilidade esta intimamente ligada à necessidade de agir em face da
promessa realizada aos compradores, e, portanto, possui cunho subjetivo.
Concluída a obra, o incorporador deve entregar as unidades imobiliárias autônomas
aos adquirentes. Para isso, é necessário que primeiramente seja obtida a “carta de
habitação” junto à autoridade municipal, providenciada a averbação da construção
junto ao Registro de Imóveis, com a individualização das respectivas unidades e a
instituição do condomínio sobre as coisas de uso comum43.
No que tange à solidez e segurança do imóvel o causador direito do dano é em
verdade o construtor, que algumas vezes não se confunde com a figura do
incorporador, sendo este o contratante perante os adquirentes das unidades. Nesse
caso, podem os adquirentes das unidades optar pelo ajuizamento de uma ação de
ressarcimento diretamente em face do incorporador, ou do construtor. Ambos são
solidariamente responsáveis, tendo o incorporador o direito de regresso em relação
ao construtor caso seja demandado e atenda a postulação dos adquirentes44.
42
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 116. 43
Ibidem. P. 118. 44
RIZZARDO, Arnaldo. Responsabilidade Civil. 4. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. P. 556.
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A responsabilidade do incorporador decorre do contrato e também da lei, como se
pode observar do artigo 43, II, da Lei das Incorporações45, que impõe ao
incorporador que contratar a entrega de unidades, mesmo sendo pessoa física, a
responsabilidade civil pela execução da incorporação, uma vez que ele assume a
obrigação de fazer, sendo o último ato a entrega das unidades construídas. O
incorporador é o responsável pelos danos que possam resultar da inexecução ou da
má execução do contrato de incorporação, pois ele é a peça chave do
empreendimento e não mero intermediário, dentro da filosofia da Lei das
Incorporações, figurando no polo oposto aos adquirentes46.
Nesse caso, de má execução da obra ou inexecução pelo construtor, pessoa diversa
do incorporador, a responsabilidade deste é objetiva, tendo em vista o compromisso
obrigacional que assumiu perante os adquirentes das unidades, sendo inclusive
questionável a defesa pela ocorrência de caso fortuito, vez que os adquirentes das
unidades autônomas contratam uma obrigação de fim.
A responsabilidade pela solidez e segurança da obra no código civil
O revogado Código Civil de 1916 já tratava da responsabilidade pela solidez e
segurança da obra e em seu artigo 1.245 estabelecia um prazo quinquenal para que
o empreiteiro respondesse por seu trabalho. O artigo 618 do atual Código Civil de
200247 praticamente reproduziu o disposto no artigo 1.245 do diploma legal anterior,
porém, não mais isentando de responsabilidade o construtor que preveniu em tempo
45
Artigo 43 da Lei das Incorporações: “Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis, mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas: II - responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários, dos prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão das obras, cabendo-lhe ação regressiva contra o construtor, se for o caso e se a este couber a culpa;” BRASIL. CASA CIVIL. Presidência da República. Lei das Incorporações. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4591.htm>. Acesso em: 02 set. 2013. 46
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. P. 372-373. 47
Artigo 618 do Código Civil de 2002: “Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.” BRASIL. CASA CIVIL. Presidência da República. Código Civil de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 02 abr. 2013.
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o dono da obra sobre problemas quanto à firmeza do solo. O legislador inovou
também ao introduzir o parágrafo único que trata da decadência do direito, caso não
seja proposta a ação contra o empreiteiro nos cento e oitenta dias seguintes ao
aparecimento do vício.
Ainda na vigência do Código Civil de 1916, discutia-se a natureza do prazo de cinco
anos previsto no artigo 1.245. A doutrina e a jurisprudência48 firmaram o
entendimento no sentido de que não se tratava de caducidade nem de prescrição,
mas sim de garantia, imperativa e de ordem pública, pois, além de atender os
interesses do proprietário, atendia também os interesses da coletividade49.
O prazo de prescrição foi consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça em 1997,
por meio da Súmula 19450, que estabeleceu o prazo de vinte anos para obter, do
construtor, indenização por defeitos na obra.
Importante observar que apesar da referida súmula não ter sido cancelada pelo STJ,
sua leitura deve ser realizada de forma conjunta com o novo prazo prescricional
máximo previsto no ordenamento civil, pois, atualmente, o prazo máximo de
prescrição previsto no Código Civil é de 10 e não mais 20 anos. Assim, pode-se
dizer que hoje o prazo de prescrição para obtenção de indenização do construtor
seria dez anos, sob pena de aplicação sega da súmula violar frontalmente o Código
Civil.
No artigo 618 do Código Civil atual está fixado o prazo irredutível de cinco anos de
garantia, período em que o empreiteiro, o construtor e o incorporador respondem
48
AÇÃO DE COBRANÇA COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. DEFEITOS EM IMÓVEL REFERENTES À MÁ EXECUÇÃO DA OBRA. RESPONSABILIDADE. (...) DECADÊNCIA. O prazo de 5 anos do art. 1.245 do CC (1916), relativo à responsabilidade do construtor pela solidez e segurança da obra efetuada, é de garantia e não de prescrição ou decadência. Apresentados aqueles defeitos, o construtor poderá ser acionado no prazo prescricional de vinte anos, consoante assentado no Enunciado nº 194 do STJ. (...) (Apelação Cível Nº 70010590065, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elaine Harzheim Macedo, Julgado em 01/03/2005). Disponível em: < http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris> Acesso em: 05 set. 2013. 49
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. P. 366. 50
Súmula 194 do Superior Tribunal de Justiça: “Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra.” Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 02 set. 2013.
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pela solidez e segurança do trabalho e da obra, mesmo prazo estabelecido pelo
Código Civil de 1916.
O prazo quinquenal se manteve, apesar de ter transcorrido quase um século e com
o desenvolvimento tecnológico que interfere diretamente na indústria da construção
civil, e com todas as mudanças na sociedade, no modo de contratar, com base na
função social do contrato, e nas diferentes formas de aquisição de um imóvel, hoje
por meio de financiamento e frente aos gigantes da indústria da construção civil.
Sobre a função social do contrato, não é mais a mera e simples autonomia da
vontade que direciona a execução dos contratos. A vontade não mais vigora ampla e
livremente. Esta autonomia da vontade, anteriormente retratada na fórmula “pacta
sunt servanda”, encontra hoje fortes e expressos limites. Sobre o assunto, a doutrina
de Humberto Theodoro Júnior menciona que é:
[...] inegável, nos tempos atuais, que os contratos, de acordo com a visão social do Estado Democrático de direito, hão de submeter-se ao intervencionismo estatal manejado com o propósito de superar o individualismo egoístico e buscar a implantação de uma sociedade presidida pelo bem-estar e sob efetiva prevalência da garantia jurídica dos direitos humanos.
51
No ordenamento jurídico, o princípio da função social do contrato está inserido como
uma norma geral de ordem pública, pela qual, o contrato deve ser necessariamente
visualizado e interpretado de acordo com o contexto da sociedade. No caso das
construções civis a necessidade dessa observância se faz ainda mais forte, vez que
o contrato em apresso envolve bem e direito fundamental, que serve na maioria das
vezes como habitação do adquirente.
A incidência do código de defesa do consumidor nas incorporações imobiliárias - um diálogo das fontes
A expressão “diálogo das fontes” é utilizada para expressar a necessidade de uma
aplicação simultânea e coerente das leis de direito privado, que podem ser aplicadas
complementarmente ou subsidiariamente ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja
51
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2004. P. 6.
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na opção pela fonte prevalente ou mesmo pela solução mais favorável ao mais fraco
da relação, dando diferente tratamento aos diferentes52.
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o direito do consumidor como direito
fundamental, positivado em seu artigo 5º, inciso XXXII, e também no artigo 170,
inciso V, que trata da Ordem Econômica, baseada na livre iniciativa, mas limitada
pelos direitos do consumidor. O artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias determinou que fosse elaborado pelo Congresso Nacional o Código de
Defesa do Consumidor, diploma legal que passou a vigorar em 1991.
O Código Civil de 2002 é a lei a ser aplicada nas relações entre os iguais, relações
entre civis e entre empresários. Já a relação entre um destinatário final de um
produto ou serviço ofertado no mercado de consumo e seu fornecedor é uma
relação de consumo, aplicando-se prioritariamente o Código de Defesa do
Consumidor, e subsidiariamente, no que for necessário, o Código Civil de 200253.
Com o advento da Lei nº 8.078, denominada de Código de Defesa do Consumidor,
em 1990 surgiram divergências acerca de sua incidência nas Incorporações
Imobiliárias, mas com o passar do tempo prevaleceu na doutrina e na jurisprudência
o entendimento de que as relações entre o incorporador e os adquirentes das
unidades imobiliárias caracterizavam uma relação de consumo54.
O Código de Defesa do Consumidor constitui um importante marco na mudança de
uma visão liberal e individualista do direito civil para uma visão social do direito,
garantindo o equilíbrio das relações e reestabelecendo a confiança nas legítimas
expectativas das relações no mercado de consumo. Ainda que o diploma legal das
relações de consumo não faça referência expressa às incorporações imobiliárias, a
lei de defesa dos consumidores incide sobre elas55.
52
BENJAMIM, Antônio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 108-109. 53
Ibidem. P. 112-113. 54
SILVA, José Marcelo Tossi. Incorporação Imobiliária. São Paulo: Atlas, 2010. P. 160. 55
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 155-156.
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A equiparação do contrato de incorporação aos contratos de relação de consumo,
ao se cogitar eventual aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, é
essencial para que se assegure a consecução de sua finalidade econômica e
social56.
Sendo a incorporação imobiliária uma atividade de fornecedor exercida pelo
incorporador, ao construir ou vender unidades imobiliárias, assumindo obrigação de
dar coisa certa, este sujeita-se às regras de aplicação impositiva do Código de
Defesa do Consumidor, segundo disposição do artigo 3º do mencionado diploma
legal57, por posicionar-se no último elo de um ciclo da cadeia de consumo, que no
outro extremo encontra como destinatário final, alguém que adquire o imóvel para
sua moradia e de sua família58.
Em relação à aplicabilidade da Lei nº 8.078/90 às incorporações imobiliárias, o artigo
12 do referido diploma legal faz expressa disposição ao termo “construtor” ao tratar
da responsabilidade pelo fato do produto e do serviço.
No contrato de incorporação imobiliária, onde o incorporador faz a venda antecipada
dos apartamentos para que possa arrecadar o capital necessário para a construção
da obra, fica fácil caracterizar o incorporador como fornecedor, visto que este
vincula-se pela obrigação de fazer, com a construção do prédio, e pela obrigação de
dar, com a transferência definitiva do imóvel. Já a caracterização do promitente
comprador como consumidor dependerá da destinação final do bem59.
O conceito legal de consumidor, contido no caput do artigo 2º do Código de Defesa
do Consumidor, considera como tal “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
56
CHALHUB, Melhim Namen. Da Incorporação Imobiliária. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P. 389. 57
Artigo 3° do Código de Defesa do Consumidor: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.” BRASIL. CASA CIVIL. Presidência da República. Código do Consumidor de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 02 out. 2013. 58
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. P. 374. 59
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. P. 437.
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Podem ser identificadas duas correntes distintas acerca da abrangência do conceito
de “destinatário final”, a maximalista e a finalista.60 Para a corrente maximalista o
destinatário final equivale ao destinatário fático, ou seja, independente da destinação
que dá aos bens ou serviços61. Trata-se de um conceito mais amplo que serve para
que as normas de proteção ao consumidor sejam aplicadas a um número cada vez
maior de pessoas.62 Já para a corrente finalista, destinatário final é aquele que
adquire o serviço ou produto para o seu uso privado.
O adquirente das futuras unidades imobiliárias contratadas junto a uma incorporação
imobiliária, de regra, se encaixa perfeitamente no conceito de destinatário final,
independente da corrente seguida.
Mesmo que após a construção da obra o proprietário alugue o imóvel ou lhe dê outra
finalidade compatível com o uso privado, tal destinação não lhe retira a característica
de destinatário final. E, ainda que o proprietário tenha adquirido o imóvel como forma
de investimento, sua futura venda também não desconfigura a relação de
consumo63.
Todavia, não será considerado destinatário final o adquirente que exercer a
atividade de comerciante de imóveis e a aquisição for destinada à integração da
unidade imobiliária ao ativo circulante do negócio64.
A responsabilidade civil do incorporador pela solidez e segurança do imóvel após a entrega da obra
A responsabilidade do incorporador não termina com a execução do contrato e a
entrega da obra, a partir desse momento é que surge o ponto mais relevante da sua
60
BENJAMIM, Antônio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 84. 61
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2º. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 170. 62
BENJAMIM, Antônio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 85. 63
SILVA, José Marcelo Tossi. Incorporação Imobiliária. São Paulo: Atlas, 2010. P. 163-164. (Em sentido contrário ao posicionamento exposto: GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 175.) 64
SILVA, José Marcelo Tossi. Incorporação Imobiliária. São Paulo: Atlas, 2010. P. 163-164.
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responsabilidade, que é em relação à qualidade, e principalmente quanto à solidez e
segurança da obra.
A responsabilidade do incorporador, de entregar o imóvel aos futuros proprietários
isento de vício de qualidade por inadequação ou insegurança, decorre da lei e tem
caráter de ordem pública. No caso dos bens imóveis, os vícios e defeitos mais
comuns estão ligados à qualidade do material e à mão de obra empregada na
edificação.
Nas incorporações imobiliárias teremos um vício de qualidade quando forem
utilizados materiais de construção de qualidade inferior aos que estavam previstos
no memorial descritivo, arquivado previamente no registro de imóveis, ou no contrato
de compra e venda, ou ainda pela má utilização desses materiais. Quanto aos vícios
de quantidade, estes podem se apresentar quando há uma diferença entre a área
construída e aquela prevista no contrato ou no memorial. Já os defeitos ou fatos
geralmente decorrem de erros de cálculo no projeto, de má execução das etapas de
fundação e estrutura, ou mesmo pela concretagem inadequada65.
Na chamada responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço, será de
responsabilidade do construtor a reparação dos danos causados aos consumidores
por defeitos decorrentes da construção do imóvel, é o que dispõe o artigo 12 do
Código de Defesa do Consumidor, que em seu parágrafo 1º conceitua como produto
“defeituoso”, aquele que não oferece a segurança que dele legitimamente se espera.
Nesse caso a responsabilidade é presumida, ou seja, objetiva, devendo o construtor,
para não ser responsabilizado, provar que não colocou o produto no mercado, que o
defeito não existe ou que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro, nos
termos do parágrafo 3º do artigo 12 do diploma legal em análise66.
Mesmo que não tenha promovido a construção, a responsabilidade também será do
incorporador pois responde pela segurança e qualidade do edifício, o que obriga o
incorporador quanto à solidez do imóvel que, conforme afirma José Marcelo Tossi
65
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 219-220.
66 Ibidem. P. 216-217.
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Silva, “pode ser prejudicada por defeitos no projeto, na execução da construção e
nos materiais empregados.” Ainda quanto à responsabilidade do incorporador, o
autor salienta que
No que diz respeito à solidez e segurança, a responsabilidade do incorporador também abrange os defeitos decorrentes de eventual incompatibilidade entre o edifício construído e o tipo de solo existente, devendo, no projeto de construção, considerar não somente a composição do solo, como sua eventual alteração pelo fato humano
67.
A distinção entre fatos e vícios é importante para que se possa demarcar o prazo
que o adquirente de um imóvel tem para exercer os seus direitos. O vício é inerente
ao próprio produto ou ao próprio serviço, prejudica a sua qualidade ou lhe diminui a
quantidade causando uma desvalorização, mas seus efeitos são restritos ao produto
ou ao serviço68.
Sendo o vício uma imperfeição que não interfere na segurança do produto,
manifestam-se nos imóveis mais comumente por meio de mau funcionamento das
instalações hidráulicas, das aberturas, pela má qualidade da pintura, dos materiais
de revestimento, e por meio de outras imperfeições de modo geral que não estão
ligadas à estrutura e às condições de segurança dos adquirentes e de terceiros.
O fato do produto ou do serviço, por sua vez, está ligado a um defeito que
compromete a segurança que legitimamente se espera do produto. Trata-se de um
dano causado, ou seja, um dano provocado pelo produto ou pelo serviço. Logo,
quando se fala em “responsabilidade pelo fato do produto e do serviço”, melhor seria
falar em “responsabilidade pelos acidentes de consumo”69.
O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação expira em
noventa dias quando se tratar do fornecimento de produtos ou serviços duráveis,
nos termos do artigo 26, inciso II do Código de Defesa do Consumidor. Refere-se a
um prazo de decadência, que, no caso de vício oculto, inicia no momento em que
ficar evidenciado o defeito, conforme parágrafo 3º do mesmo artigo.
67
SILVA, José Marcelo Tossi. Incorporação Imobiliária. São Paulo: Atlas, 2010. P. 163-164. 68
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 217. 69
BENJAMIM, Antônio Herman; BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima. Manual de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. P. 84.
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O prazo que o adquirente de uma unidade imobiliária tem para reclamar a existência
de vícios construtivos aparentes ou de fácil constatação, que conforme exposto é de
noventa dias, inicia com o efetivo recebimento do produto pela imissão do novo
proprietário na posse do imóvel. E no caso de vícios ocultos, o prazo se inicia com a
constatação do vício.
O prazo decadencial iniciando na data do efetivo recebimento do produto torna mais
precisa extensão da responsabilidade do incorporador no caso dos vícios aparentes.
Todavia, em se tratando de vícios ocultos o legislador consumerista não foi tão
preciso, pois não estabeleceu um prazo máximo para que os vícios ocultos se
evidenciem, e acabou fornecendo elementos para que consumidores possam
sustentar a responsabilidade por vícios construtivos evidenciados muitos anos após
a entrega do imóvel, e com incorporadores respondendo ad eternum por todo e
qualquer vício que o imóvel viesse a apresentar70.
Para afastar a possibilidade de argumentação de responsabilidade com prazo
indeterminado, Leandro Leal Guezzi sustenta que a melhor solução para verificar o
período de responsabilidade do incorporador pelos vícios construtivos ocultos, seria
interpretar o artigo 26 e seu parágrafo 3º do Código de Defesa do Consumidor, onde
o consumidor tem noventa dias para reclamar pelos vícios ocultos nos produtos
duráveis, iniciando o prazo decadencial no momento em que ficar evidenciado o
defeito, à luz do parágrafo 1º do artigo 445 do Código Civil, que trata dos vícios
redibitórios71. Assim, o fornecedor de um bem imóvel responderia pelos vícios
ocultos que este viesse a apresentar dentro do prazo máximo de um ano72.
70
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 226. 71
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho explicam que vício redibitório é o defeito oculto da coisa, que faz com que o negócio jurídico não produza os efeitos destinados, reduzindo ou impossibilitando a utilização do bem. Para a determinação do vício redibitório o contrato deve ser comutativo, com obrigações recíprocas e o defeito deve ser oculto e anterior à realização do contrato. GAGLIANO, Plablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Contratos: Teoria Geral. V. 4. T. 1. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 189-190. 72
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 227.
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Na responsabilidade pelos acidentes de consumo, há um prazo prescricional
estabelecido no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 2773, onde a
pretensão da reparação pelos danos causados pelo fato do produto ou do serviço
prescreve em cinco anos, iniciando a contagem do prazo a partir do conhecimento
do dano e da sua autoria.
O legislador não fixou um prazo máximo para a ocorrência do fato do produto, ao
que, novamente, Leandro Leal Guezzi propõe utilizar o prazo excepcional de
garantia, estabelecido anteriormente no artigo 1.245 do Código Civil de 1916 e hoje
reproduzido pelo artigo 618 do Código Civil de 2002, entendendo que o defeito ou
fato do produto necessariamente deveria aparecer em até cinco anos para que o
fornecedor pudesse ser eventualmente responsabilizado. Nessa análise, a vítima de
um acidente de consumo, ocorrido no prazo de garantia legal, teria um prazo de
cinco anos para propor a ação em face do incorporador74.
Mas no caso de um dano intrínseco ao imóvel que atente contra a sua solidez e
segurança, o prazo, ainda de acordo com Leandro Leal Guezzi, seria de cinco anos
para o aparecimento do defeito, nos termos do artigo 618 do Código Civil, e a ação
deveria ser proposta nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou
defeito75.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho entendem que o prazo de garantia
de cinco anos, estabelecido pelo artigo 618 do Código Civil, para que o “empreiteiro”
seja responsabilizado não decai nos cento e oitenta dias referidos no parágrafo
único do mesmo artigo. Para os autores, trata-se de “prazo para o ajuizamento da
postulação decorrente de uma ação redibitória ou a quanti minoris, que discrepa da
regra geral contida no artigo 445 do Código Civil”76.
73
Artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor. “Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria”. BRASIL. CASA CIVIL. Presidência da República. Código do Consumidor de 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 02 set. 2013. 74
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 227-228. 75
Ibidem. P. 232. 76
GAGLIANO, Plablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Contratos em espécie. V. 4. T. 2. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 313.
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Ao analisar o prazo prescricional de vinte anos, estabelecido na Súmula 194 do
Superior Tribunal de Justiça, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho
defendem a contextualização do arresto jurisprudencial com a atualização do prazo
conforme o atual Código Civil, assim o:
[...] prazo prescricional para ações de reparação civil, qual seja, de 3 (três) anos, na forma do artigo 206, parágrafo 3.º, V, do Código Civil brasileiro de 2002, ou 5 (cinco) anos, se o dono da obra, vítima do dano, for consumidor, a teor do artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor, a depender da relação jurídica travada. [...] A única advertência que fazemos é a impossibilidade de se sustentar que o prazo seja vintenário, considerando a não adoção deste lapso temporal no Código de 2002, cujo prazo máximo da prescrição liberatória é de dez anos
77.
O Código de Defesa do Consumidor impôs um dever de segurança para o
fornecedor, de não lançar no mercado um produto com defeito, respondendo
independentemente de culpa, caso o defeito venha a ocorrer. Para Sérgio Cavalieri
Filho, trata-se de um dever de segurança legitimamente esperado do produto, onde
o prazo de garantia da solidez e segurança da obra deve se estender por todo o
período de razoável durabilidade do imóvel78. Isso porque, conforme ressalta o
autor, diferentemente do Código Civil, o diploma legal consumerista não fixou os
prazos para que os vícios se apresentem. Todavia, determinou que a durabilidade e
a qualidade do produto ou do serviço devem estar de acordo com as expectativas do
consumidor geradas pelo fornecedor, durante o prazo normal de razoável
durabilidade do produto. Manifestando-se o defeito nesse período, e não sendo o
caso de mau uso ou desgaste natural, deve o fornecedor civilmente por ele
responder79.
Sérgio Cavalieri Filho salienta ainda que, se o período de expectativa do consumidor
em relação à durabilidade de um veículo é por volta de cinco anos, sua expectativa
quanto a um prédio há de ser muito superior. Desse modo, a responsabilidade do
incorporador “não mais se limita aos vícios que a obra apresentar nos cinco
77
Ibidem. P. 314. 78
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 9. Ed. São Paulo: Atlas, 2010. P. 377. 79
CAVALIERI FILHO, Sérgio. A responsabilidade do Incorporador/Construtor no Código do Consumidor. P. 5-6. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos /24715-24717-1-PB.pdf>. Acesso em: 10 out. 2013.
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primeiros anos de existência, estendendo-se agora, à luz do Código de Defesa do
Consumidor, por todo o período de razoável durabilidade do prédio”80.
Logo, não existindo qualquer parâmetro legal legislado pelo Código de Defesa do
Consumidor, o prazo de garantia pela solidez e segurança de um imóvel deve se
estender durante todo o período que legitimamente se espera a durabilidade da
obra, pois eventual ruína do prédio que tiver por fato gerador um defeito intrínseco à
construção é, em última análise, de responsabilidade do incorporador.
O prazo de garantia pela segurança de um imóvel não é mais de apenas cinco anos
conforme previa o artigo 1.245 do Código Civil de 1916, prazo que também está
contido no atual Código Civil. Esta é uma das conclusões que foram aprovadas no 4º
Congresso de Direito do Consumidor/Brasilcon, que teve como tema central a
incorporação imobiliária81.
A responsabilidade civil do incorporador não é absoluta e irrestrita, é o que dispõe o
artigo 12, parágrafo 3º e incisos do Código de Defesa do Consumidor, ao tratar das
causas de exclusão da responsabilidade do construtor pelo fato do produto ou
serviço.
O incorporador não será responsabilizado quando provar que não colocou o produto
no mercado, ou embora tenha colocado, o defeito inexiste; ou que houve culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiro. Hipóteses que podem ser aplicadas por
analogia à responsabilidade pelos vícios do produto ou do serviço82. Há exclusão da
responsabilidade do incorporador quando os vícios ou defeitos decoram do mau uso
do imóvel ou pela falta de conservação adequada por parte do adquirente e,
segundo Melhim Namem Chalhub, também na hipótese de caso fortuito83.
80
Ibidem. P. 6. 81
MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. P. 438. 82
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. P. 233. 83
CHALHUB, Melhim Namen. Da Incorporação Imobiliária. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. P. 390.
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Do atual entendimento do tribunal de justiça do estado do rio grande do sul e do superior tribunal de justiça
Quando os problemas decorrentes dos vícios ou defeitos de construção são
constatados dentro do período de garantia de cinco anos previsto no artigo 618 do
Código Civil, o reconhecimento do direito dos adquirentes das unidades imobiliárias
se dá sem maiores dificuldades. Nesses casos, o órgão julgador restringe a análise
ao enquadramento da ciência dada à empresa, dos problemas constatados, dentro
do prazo de garantia legal, afastando qualquer alegação no sentido de prescrição ou
decadência. É o que se verifica em recente julgado da Décima Segunda Câmara
Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul no ano de 2013, na
Apelação Cível Nº 7004597986184.
Ainda dentro do prazo de garantia legal estabelecido pelo Código Civil, a ciência,
embora tácita, acerca da inconformidade com a execução e de defeitos no imóvel,
obstam a fluência do prazo decadencial. Nesse sentido, a Apelação Cível Nº
7005053179785 julgada pela Nona Câmara Cível.
Em demanda versando sobre vícios construtivos que não afetam a segurança da
construção, postulando a parte pela aplicação do prazo vintenário da Súmula 194 do
Superior Tribunal de Justiça, a Décima Câmara Cível decidiu no ano de 2012, na
Apelação Cível Nº 7003609383986, pela sua não aplicação em relação a defeitos
que não atinjam a solidez e segurança do prédio.
A relação de consumo na aquisição de imóveis, que é pacífica na jurisprudência,
não é afastada ainda que o bem tenha sido originariamente adquirido pelos
primeiros proprietários e revendido a terceiros, conforme se pode observar na
84
RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70045979861. Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack. Julgado em 18/07/2013. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em: 04 nov. 2013. 85
RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70050531797. Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary. Julgado em 27/02/2013. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em: 04 nov. 2013. 86
RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70036093839. Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana. Julgado em 30/08/2012. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em: 04 nov. 2013.
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Apelação Cível Nº 7002185653987. Nesses casos, permanece a responsabilidade do
construtor da obra, pois as obrigações decorrentes da relação de consumo não
perdem essa característica jurídica em tais situações. Assim como não se extingue a
garantia legal imposta no estatuto consumerista, pois é intrínseca a própria natureza
da relação de consumo.
Ainda no referido acórdão, entenderam os desembargadores que decairia o direito à
reparação por determinados defeitos ocorridos dentro do prazo de garantia legal,
previsto no artigo 618 do Código Civil, se não proposta a ação dentro do prazo legal
de cento e oitenta dias referidos no parágrafo único do mesmo artigo. Porém, em se
tratando de relação de consumo, decidiram que incidiriam também as normas do
Código de defesa do Consumidor, através do diálogo das fontes. Dessa forma, o
prazo prescricional de cinco anos previsto no artigo 27 da norma consumerista foi
aplicado por ser mais favorável ao consumidor.
A não aplicação do prazo decadencial de cento e oitenta dias previsto no artigo 618,
parágrafo único do Código Civil de 2002, quando a relação em exame é
consumerista e não civil, pode ser observada com frequência nos julgados do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Em seu lugar é utilizada a
aplicação do prazo prescricional de cinco anos, para a pretensão da reparação pelos
danos causados por fato do produto ou do serviço, previsto no artigo 27 do Código
de Defesa do Consumidor, entendendo também que a pretensão da reparação
somente nasce com o efetivo conhecimento do vício e sua extensão. Nesse sentido,
as decisões proferidas nas Apelações Cíveis Nº 7002680973188, 7004432306189,
7004136957090, 7004035874991 e 7004741288792.
87
RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70021856539. Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires. Julgado em 13/08/2009. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em: 04 nov. 2013. 88
RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70026809731. Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira. Julgado em 18/02/2009. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em: 06 nov. 2013. 89
RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70044323061. Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira. Julgado em 19/10/2011. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em: 06 nov. 2013. 90
RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70041369570. Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi. Julgado em 29/06/2011. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em: 06 nov. 2013.
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Analisando as decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que julgaram
questões concernentes à responsabilidade civil do incorporador e do construtor pela
solidez e segurança do imóvel após a entrega da obra, percebe-se que assim como
na doutrina, na jurisprudência também não há unanimidade quanto ao lapso
temporal que o adquirente de um imóvel tem para buscar a reparação dos danos
causados pelo aparecimento de vícios e defeitos que possam comprometer a
segurança do imóvel.
O prazo prescricional de cinco anos, previsto no artigo 27 da norma consumerista
para a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do
serviço, é utilizado pelo Tribunal do Estado para responsabilizar o construtor ou
incorporador por defeitos e até mesmo por vícios construtivos que não tem relação
com a solidez e segurança da edificação.
O Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial Nº 1172331 –
RJ93, em setembro de 2013, manifestou-se pela aplicação do artigo 26 inciso II do
Código de Defesa do Consumidor, reafirmando que é de noventa dias o prazo para
o adquirente de um imóvel reclamar a remoção de vícios aparentes ou de fácil
constatação decorrentes da construção civil.
Na recente decisão supracitada, os Ministros sustentam ainda que o prazo de
garantia de cinco anos estabelecido no artigo 1.245 do Código Civil de 1916,
atualmente disposto no artigo 618 do Código Civil em vigor, somente se aplica aos
casos de efetiva ameaça à solidez e segurança do imóvel. No entanto, fica claro que
o dispositivo legal deve ser interpretado de forma mais ampla do que sugere a
construção gramatical, abrangendo não apenas os defeitos que possam ocasionar a
ruína do imóvel, mas também aqueles de menor gravidade que comprometam a
91
RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70040358749. Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi. Julgado em 25/05/2011. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em: 06 nov. 2013. 92
RIO GRANDE DO SUL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Apelação Cível Nº 70047412887. Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi. Julgado em 25/04/2012. Disponível em: <http://www1.tjrs.jus.br/busca/?tb=juris>. Acesso em: 06 nov. 2013. 93
BRASIL. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial Nº 1172331 – RJ. Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, Ministro Relator: João Otávio de Noronha. Julgado em 24/09/2013. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/>. Acesso em: 10 nov. 2013.
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segura habitabilidade do imóvel, tais como infiltrações e outros defeitos capazes de
causar dano à saúde dos moradores.
Mesmo tangenciando a abordagem de uma maior amplitude do prazo que o
adquirente de um imóvel tem para reclamar a garantia pela solidez e segurança da
obra, sustenta a decisão do Superior Tribunal de Justiça que o consumidor poderá
dentro do prazo de cinco anos rescindir o contrato, com devolução das quantias
pagas, acrescidas de perdas e danos, mas que a recepção do artigo 618 do Código
Civil não afasta a aplicação do que dispõe o artigo 27 do Código de Defesa do
Consumidor, que estabelece um prazo prescricional de cinco anos para a pretensão
de reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço, contados a
partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
Considerações finais
A construção de imóveis em condomínios em planos horizontais, como alternativa à
alta densidade demográfica dos centros urbanos, demandou uma atenção do Poder
Público no regramento da atividade de incorporação imobiliária.
A Lei nº 4.591 de 1964 passou a disciplinar a atividade exercida pelo incorporador
imobiliário que é o titular do negócio jurídico. O incorporador é aquele que, embora
muitas vezes não efetue a construção, assume a responsabilidade pela conclusão e
entrega das unidades imobiliárias dentro do prazo estipulado. Ele é o contratante
que figura no polo oposto aos futuros adquirentes dos imóveis. É a peça chave do
empreendimento imobiliário dentro da filosofia da Lei das Incorporações.
O Código Civil de 1916 estabelecia em seu artigo 1.245 um prazo de cinco anos
para que o empreiteiro respondesse pela solidez e segurança de seu trabalho. O
atual Código Civil reproduziu o prazo quinquenal do antigo diploma legal, mesmo
com todo o desenvolvimento tecnológico aplicado ao setor da construção civil.
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O diálogo das fontes é a aplicação simultânea e coerente das leis de direito privado,
que podem ser utilizadas de forma complementar ou subsidiária, ao mesmo tempo e
ao mesmo caso, seja pela opção prevalente ou pela solução mais favorável ao mais
fraco da relação, dando um diferente tratamento aos diferentes.
A aplicação do Código de Defesa do Consumidor, que constitui um importante
marco na mudança de uma visão liberal para uma visão social do direito, na
atividade de incorporação imobiliária é pacífica na doutrina e na jurisprudência,
quando a relação se trate efetivamente de consumo. E mesmo que após a
construção do imóvel o proprietário alugue o imóvel ou lhe dê outra finalidade
compatível com o uso privado, tal fato não lhe retira a característica de destinatário
final do bem.
A partir da conclusão da obra é que surge o ponto mais relevante da
responsabilidade do incorporador, trata-se da garantia pela solidez e segurança do
imóvel, que deve ser entregue ao adquirente isento de vícios e defeitos.
É importante que seja feita a distinção entre o vício e o defeito ou fato do produto ou
do serviço, para que se possa demarcar o prazo que o adquirente de um imóvel tem
para exercer seus direitos, que até o presente momento parece não ter um
consenso seja na doutrina ou na jurisprudência.
O vício é uma imperfeição que não interfere na segurança do produto ou serviço,
prejudicando apenas sua qualidade e causando uma desvalorização. O prazo que o
adquirente de um imóvel tem para reclamar por vícios aparentes ou de fácil
constatação decai em noventa dias, contados do efetivo recebimento do produto, ou
no momento que ficar evidenciado o defeito, no caso de vício oculto, nos termos do
artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor. Já o fato do produto ou do serviço,
está ligado a um defeito que compromete a segurança legitimamente esperada do
produto ou do serviço.
A responsabilidade civil do incorporador pela solidez e segurança de um imóvel
perante seu destinatário final não é limitada aos primeiros cinco anos do artigo 618
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do Código Civil de 2002. Este posicionamento vai ao encontro de uma das
conclusões que foram aprovadas no 4º Congresso de Direito do
Consumidor/Brasilcon, que teve como tema central a incorporação imobiliária.
Uma maior amplitude do prazo da responsabilidade civil do incorporador imobiliário,
em relação à solidez e segurança do imóvel, ocorre pela aplicação simultânea e
coerente das regras de direito privado, através do diálogo das fontes, e à luz do
Código de Defesa do Consumidor.
Por fim, embora não se obtenha uma unanimidade na doutrina e na jurisprudências
nacionais, observa-se que a responsabilidade civil do incorporador será solidária ao
do construtor, não sendo porém eterna, mas indeterminada, pois, estende-se por
todo o período que legitimamente se espera a durabilidade de um imóvel, podendo
variar de acordo com o entendimento do julgador e as particularidades do caso
concreto.
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