elric de melnibone pdf

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    MICHAEL MOORCOCK

    ELRICDE MELNIBONE

    Elric of Melnibone

    Copyright 2010 Michael Moorcock

    Publicado originalmente em 1972

    Traduzido por Juvncio Fernandes

    Verso para E-Book sem fins lucrativos

    Cultura Digital / Sebo Digital

    osebodigital.blogspot.com

    http://osebodigital.blogspot.com/http://osebodigital.blogspot.com/http://osebodigital.blogspot.com/
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    NDICE

    Prlogo................................................................................................................... 4

    LIVRO UM............................................................................................................ 5

    1. Um rei melanclico.............................................................................................62. Um prncipe ambicioso.....................................................................................133. Um passeio matinal a cavalo ............................................................................. 194. Prisioneiros.......................................................................................................255. Uma batalha......................................................................................................326. Perseguio .......................................................................................................45LIVRO DOIS ......................................................................................................531. As cavernas do rei do mar................................................................................. 54

    2. Um novo imperador e um imperador renovado................................................60

    3. Uma justia tradicional......................................................................................684. A invocao do senhor do Caos........................................................................785. O Barco que navega sobre mar e terra .............................................................. 856. O que o deus da terra cobiava .........................................................................977. O rei Grome ................................................................................................... 1038. A cidade e o espelho .......................................................................................114LIVRO TRS .................................................................................................... 1321. Alm do Portal das Sombras...........................................................................133

    2. Na cidade de Ameeron ...................................................................................1403. O tnel para a Caverna dos Lamentos ............................................................ 1484. Duas espadas negras .......................................................................................1575. A misericrdia do rei plido ............................................................................168Eplogo............................................................................................................... 174SOBRE O AUTOR............................................................................................ 176

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    Prlogo

    Esta a historia de Elric antes de ser chamado assassino de mulheres eantes do colapso final de Melnibon. Esta a historia da rivalidade com seu primo

    Yyrkoon e de seu amor por sua prima Cymoril, antes que esta rivalidade e este

    amor provocassem o incndio de Imrryr, a Cidade dos Sonhos, saqueada pe1as

    hordas dos Novos Reinos. Esta a historia das espadas negras, Stormbringer e

    Mournblade, de como foram descobertas e de seu papel no destino de Elric e de

    Melnibon, um destino que iria influenciar outro ainda maior: o destino de seu

    prprio mundo. Esta a historia de quando Elric era um imperador, o mestre

    mximo dos drages, frotas e de todos outros componentes da raa semi-humana

    que havia regido o mundo durante dez mil anos.

    Esta a historia de Melnibon, a ilha do drago. uma historia de

    tragdias, de emoes monstruosas e ambies elevadas. Uma historia de feitiarias,

    traies e altos ideais, de grandes agonias e prazeres, de amargos amores e doces

    dios. Esta a historia de Elric de Melnibon, e grande parte dela seria recordada

    pelo prprio Elric em seus pesadelos.

    Crnicas da Espada Negra.

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    LIVRO UM

    No reino de Melnibon, todos os antigos rituais ainda so observados, porm o poder

    da nao se desvaneceu h quinhentos anos atrs, e agora, seu modo de vida se conserva somente

    atravs do comercio com os Novos Reinos, e um fato que graas a isso a cidade de Imrryr se

    converteu em um centro de encontro de mercadores. Mas ser que os antigos rituais no so mais

    teis? Ser que eles podem ser esquecidos e o destino pode ser ludibriado? Aquele que deseja reinar

    no lugar de Elric prefere pensar que no. Afirma que Elric trar a destruio a Melnibon por ter

    deixado de respeitar todos os antigos rituais (apesar de que na verdade Elric respeita muitos deles).

    E agora se inicia a tragdia que terminar dentro de muitos anos e precipitar a destruio deste

    mundo.

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    1. Um rei melanclico:

    A corte se esfora para honr-lo

    SUA PELE da cor de um crnio desbotado, e branco como leite o

    longo cabelo que lhe escorre at abaixo dos ombros. Da bela cabea afunilada

    espreita um par de olhos rasgados, vermelhos e taciturnos, enquanto das mangas

    largas da toga amarela surgem duas mos delicadas, tambm da cor dos ossos,

    repousando cada uma sobre o brao de um trono esculpido de um nico e enorme

    rubi.

    O olhar escarlate sobressalta-se e, de vez em quando, a mo ergue-se e

    tateia o elmo que assenta levemente nas madeixas brancas: um elmo feito de uma

    liga escura, esverdeada, e moldado com requinte imagem de um drago prestes a

    levantar vo. Na mo que acaricia a coroa encontra-se um anel encravado com uma

    pedra rara de Actorios, cujo mago se move e se transforma devagar como se fosse

    uma fumaa inteligente, to agitado na preciosa masmorra quanto o jovem albino

    no seu Trono Rubi.

    Lana um olhar do topo da longa escadaria de quartzo em direo ao

    lugar onde a corte se diverte, danando com tamanha fragilidade e graa

    sussurrante que bem podia tratar-se de uma corte de fantasmas. Na sua mente

    debate questes morais, e precisamente esta atividade que o separa da vasta

    maioria dos seus sditos, pois tal multido no humana.

    Este o povo de Melnibon, a Ilha dos Drages, que dominou o mundopor dez mil anos, apenas para ver o poder esvair-se ao longo dos ltimos sculos.

    Um povo cruel e inteligente, para quem princpios morais significam pouco mais

    que o devido respeito pelas tradies de uma centena de sculos.

    Para o jovem, o quadringentsimo vigsimo oitavo descendente direto

    do primeiro Feiticeiro Imperador de Melnibon, tais suposies soam to ridculas

    quanto arrogantes; evidente que a Ilha dos Drages perdeu grande parte do poderque tinha e que em breve estar ameaada, talvez dentro de um ou dois sculos, por

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    conflitos diretos com as naes humanas emergentes, as quais os melnibonianos

    chamam, com alguma condescendncia, Novos Reinos. Na verdade, vrias armadas

    piratas j lanaram investidas sem sucesso contra Imrryr a Bela, a Cidade dos

    Sonhos, capital de Melnibon, a Ilha dos Drages.Ainda assim, mesmo os amigos mais ntimos do imperador recusam-se a

    discutir a eventual queda de Melnibon. Desagrada-lhes qualquer meno esta

    idia, encarando tais observaes no apenas como impensveis, como tambm de

    uma extraordinria falta de bom gosto.

    Por isso, sozinho em seu trono, o imperador medita. Lamenta que o pai,

    Sadric LXXXVI, no tenha gerado mais filhos, pois assim talvez houvesse ummonarca mais apto a ocupar o Trono Rubi. Sadric morrera a um ano, acolhendo

    com um murmrio de gratido o que quer que tenha vindo para lhe reclamar a

    alma. Durante toda a sua vida, Sadric jamais teve outra mulher que no a sua

    esposa, pois a Imperatriz morrera ao dar luz o seu nico e anmico rebento.

    Sadric amara a esposa com as emoes tpicas de um habitante de Melnibon

    (estranhamente diferentes das dos recm-chegados humanos), e viu-se incapaz de

    encontrar prazer em qualquer outra companhia, mesmo a do filho que a matara e

    que era tudo quanto restava dela. Atravs de poes mgicas, entoaes rnicas e

    ervas raras, o rapaz foi crescendo, sua fora conservada artificialmente por toda a

    arte conhecida dos Reis Feiticeiros de Melnibon. E sobreviveu e ainda

    sobrevive to somente graas feitiaria, j que franzino por natureza e, sem

    as suas drogas, mal conseguiria erguer os braos durante a maior parte de um dia

    normal.

    Se o jovem imperador encontrou alguma vantagem na sua fraqueza de

    sempre, talvez seja devido a ter-se dedicado, por necessidade, leitura. Antes dos

    quinze, j tinha devorado todos os livros na biblioteca do pai, alguns mais que uma

    vez. Inicialmente transmitidos por Sadric, os poderes mgicos que detm agora so

    maiores que os de qualquer dos seus antepassados desde h vrias geraes. O seu

    conhecimento do mundo para alm das costas de Melnibon profundo, ainda que

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    continue por adquirir a experincia direta.

    Se assim o desejasse, ele seria capaz de ressuscitar o antigo poderio da

    Ilha dos Drages e governar a nao e os Novos Reinos como um tirano

    invencvel. No entanto, a leitura tambm lhe tinha ensinado a questionar os usos emotivos do poder, e se devia sequer exercer a sua autoridade, independentemente

    da causa. A leitura conduziu-o a esta moral, que, apesar de tudo, ainda lhe era difcil

    compreender. Assim, tornou-se um enigma para os sditos, e para alguns at uma

    ameaa, j que no pensa nem age como um verdadeiro melniboniano (e muito

    menos como imperador). Ouviu-se mais de uma vez, por exemplo, que seu primo

    Yyrkoon disse duvidar do seu direito imperial de governar o povo de Melnibon. Esse frgil intelectual ser a nossa desgraa! confessou uma noite a

    Dyvim Tvar, o Senhor das Cavernas dos Drages.

    Dyvim Tvar, sendo um dos poucos amigos do imperador, logo o

    informou da conversa, porm o jovem rejeitou os comentrios como sendo nada

    mais do que uma traio insignificante, ao passo que qualquer um dos seus

    antepassados teria premiado tais sentimentos com uma intensa e dolorosa execuo

    pblica.

    A atitude do imperador ainda mais complicada pelo fato de Yyrkoon,

    que continua a fazer muito pouco segredo de suas opinies sobre quem devia

    governar, irmo de Cymoril, uma das amigas mais chegadas do albino, e que vir

    um dia a ser imperatriz. Ao fundo do salo, pode observar-se o prncipe Yyrkoon,

    trajado nas melhores sedas, peles, jias e brocados, danar sobre o cho de mosaico

    com uma centena de mulheres, que ao que consta j foram suas amantes numa

    altura ou outra. O rosto escuro, simultaneamente elegante e saturnino, cercava-se

    de longos cabelos negros, ondulados e ensebados, e a expresso , como sempre,

    sardnica, enquanto o porte exala arrogncia.

    O pesado manto de brocado oscila de um lado para o outro, atingindo os

    demais danarinos com alguma fora. Yyrkoon enverga-o quase como se fosse uma

    armadura, ou talvez uma arma. Muitos dos cortesos nutrem mais que um pouco

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    de respeito pelo prncipe. A arrogncia ofende poucos, sendo de conhecimento de

    todos que Yyrkoon , ele prprio, um feiticeiro notvel. Isto para alm de ser o

    comportamento que a corte espera e admira em um nobre melniboniano; e o que

    esperariam encontrar no imperador.Mas o imperador sabe disso. Anseia agradar a corte que se esfora por

    honr-lo com dana e esprito, mas no se consegue se convencer a tomar parte no

    que considera uma irritante e enfadonha srie de atitudes rituais. Neste aspecto,

    talvez seja mais arrogante que Yyrkoon. Das galerias, a msica sobe em tom e

    complexidade enquanto os escravos, cada um especialmente treinado e

    cirurgicamente operado para cantar uma nica nota perfeita, so incitados a umdesempenho mais ardente. At o jovem imperador se comove com a sinistra

    harmonia do canto, que vagamente se assemelha a alguma melodia entoada por

    uma voz humana.

    Como pode todo este sofrimento inspirar tamanha beleza? Interroga-se.

    Ou ser que toda a beleza produto da dor? Ser esse o segredo da arte mxima,

    seja humana ou melniboniana?

    O imperador Elric fecha os olhos.

    D-se um alvoroo no salo inferior. Os portes abrem-se e os cortesos

    danantes interrompem os passos, afastando-se e fazendo vnias exageradas

    quando entram os soldados. Estes envergam uniformes azuis-claros, elmos

    cerimoniais fundidos em formas fantsticas, e lanas largas ornamentadas com jias

    em fitas. Escoltam uma mulher jovem cujo vestido azul condiz com os uniformes.

    Cinco ou seis pulseiras de diamante, safira e ouro cingem-lhe os braos

    descobertos. No cabelo enrolam-se fiadas de diamantes e safiras. No traz qualquer

    desenho pintado sobre as plpebras e malares, ao contrrio da maioria das mulheres

    da corte. Elric sorri. Cymoril. Os soldados so a guarda particular cerimonial que,

    por tradio, a acompanha corte. Sobem os degraus que levam ao Trono Rubi.

    Elric levanta-se devagar e estende as mos.

    Cymoril. Julguei que tinha resolvido no nos honrar com a sua

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    presena esta noite. Ela devolve-lhe o sorriso.

    Meu imperador, decidi que afinal estava com disposio para

    conversar.

    Elric est grato. Cymoril sabe o quanto o imperador se aborrece nestasocasies, e sabe tambm que uma das poucas pessoas em Melnibon cujas

    conversas lhe interessam. Se o protocolo o permitisse, Elric oferecer-lhe-ia o trono,

    mas sendo assim ela ter de se sentar no degrau mais alto a seus ps.

    Sente-se, por favor, doce Cymoril.

    Elric retorna ao trono e inclina-se para frente enquanto Cymoril se senta

    e o fixa nos olhos com um misto de humor e ternura. Enquanto os soldados seretiram para os lados da escadaria e se misturam com a guarda de Elric, ela

    sussurra-lhe:

    Fugiria comigo para a regio selvagem da ilha, amanh, meu amo?

    H assuntos para os quais devo dar ateno...

    A idia atrai-lhe. Tinham decorrido semanas desde a ltima sada da

    cidade na companhia de Cymoril, a escolta mantendo uma distncia prudente.

    So urgentes? Elric encolhe os ombros.

    Que assuntos so urgentes em Melnibon? Ao fim de dez mil anos, a

    maior parte dos problemas resolve-se sempre da mesma maneira. Elric sorri

    quase de esguelha, como o sorriso de um colegial que faz planos para faltar s aulas.

    Pois bem, partiremos amanh cedo, antes de todos acordarem.

    O ar longe de Imrryr vai estar fresco e limpo. O sol vai estar quente

    para a poca. O cu, azul e sem nuvens.

    Que grande feitio deves ter lanado! ri-se Elric. Cymoril baixa o

    olhar e traa um padro no mrmore do estrado.

    Bem, talvez um pouco de magia. Tenho alguns amigos entre os

    elementais mais fracos...

    Elric estica-se para lhe acariciar os cabelos claros e delicados.

    Yyrkoon sabe? pergunta.

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    existncia de Melnibon e tudo quanto a nao representa. E aqueles que falam

    nestes termos so muitas vezes vistos mantendo boas relaes com o prncipe

    Yyrkoon, que continua a danar, aparentemente desconhecedor da conversa no

    topo da escadaria, ou mesmo que a irm fala tranquilamente com o primo sentadono Trono Rubi; o primo sentado na beira do trono, absorto de toda a dignidade, e

    sem exibir nenhuma da ferocidade e altivez que, no passado, marcaram

    praticamente todos os imperadores de Melnibon; o primo que, em amena

    languidez, se esquece que toda a corte dana para alegr-lo.

    ento que, de sbito, o prncipe Yyrkoon gela durante um movimento

    e ergue o olhar negro na direo do imperador. A atitude dramtica e calculada deYyrkoon chama a ateno de Dyvim Tvar, num dos cantos do salo, e o Senhor das

    Cavernas dos Drages franze a testa. A mo recai sobre onde a espada

    normalmente estaria, contudo no h lugar para armas num baile da corte. Com

    cautela, Dyvim Tvar observa o corpulento nobre enquanto este comea a escalar os

    degraus que levam ao Trono de Rubi. Vrios olhares acompanham o primo do

    imperador, e agora quase ningum mais danava, apesar da msica continuar a

    crescer em intensidade enquanto os donos dos escravos musicais os incitam a

    esforos cada vez maiores.

    Elric levanta os olhos e depara-se com Yyrkoon no degrau logo abaixo

    daquele onde Cymoril se senta. Yyrkoon faz uma vnia que tambm um insulto

    velado.

    Apresento-me ao meu imperador disse.

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    2. Um prncipe ambicioso:

    Enfrentando seu prprio primo

    COMO esta o baile, primo? perguntou Elric, consciente de que a

    apresentao melodramtica de Yyrkoon tinha como objetivo pega-lo desprevenido

    e, se possvel, humilha-lo.

    Esta msica do seu agrado? Yyrkoon baixou seus olhos e em

    seus lbios se formou um breve sorriso.

    Tudo est conforme meu gosto, meu senhor. Mas o que houve

    contigo? No participas do baile... H alguma coisa que no o agrada?

    Elric levou um plido dedo ao queixo e contemplou seu primo, que lhe

    sustentava o olhar.

    Quando estou no baile, primo, desfruto a festa. Suponho que

    possvel me regozijar como o prazer dos demais, no verdade? Yyrkoon

    pareceu realmente surpreendido. Levantou os olhos e encarou Elric. Este notou

    uma ligeira sacudida e afastou o olhar, sinalizando para os msicos com um

    lnguido gesto de sua mo.

    Ou quem sabe a dor dos outros o que me d prazer. No se

    preocupes comigo, primo. Estou vontade e apreciando muito. E agora que sabe

    que seu imperador esta desfrutando do baile, pode continuar com suas danas.

    Mas Yyrkoon ainda no havia desistido de alcanar seu objetivo.

    No obstante, para que seus sditos no saiam daqui tristes epreocupados por no saberem ter agradado a seu monarca, o imperador deveria

    demonstrar sua complacncia...

    Devo lembr-lo, primo... replicou Elric em voz baixa Que o

    imperador no tem nenhuma obrigao para com seus sditos, exceto governar-los.

    So eles que tm deveres para comigo. Tal como manda a tradio de Melnibon.

    Yyrkoon no havia previsto que Elric utilizaria tais argumentos contraele, e recorreu a seguinte observao:

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    Com certeza, meu senhor. O dever do imperador governar seus

    sditos. Talvez seja esta a razo porque muitos deles no desfrutem tanto deste

    baile como deveriam.

    No compreendo voc, primo.Cymoril havia ficado de p e permanecia com as mos juntas no degrau

    superior ao de seu irmo. Estava tensa e nervosa, preocupada com o tom atrevido

    de seu irmo e seu ar desdenhoso.

    Yyrkoon... suplicou. O prncipe pareceu reconhecer a sua

    presena.

    Irm... Vejo que compartilhas do desagrado de nosso imperador poreste baile.

    Yyrkoon... murmurou ela Est indo longe demais. O imperador

    muito tolerante, mas...

    Tolerante? Ou indiferente? Por acaso ele no ser indiferente s

    tradies de nossa grande raa? No mostra desdm diante deste orgulho racial?

    Dyvim Tvar aguardava o momento de intervir. Era evidente que ele

    tambm compreendera que Yyrkoon havia escolhido aquele momento para

    submeter prova o poder de Elric.

    Cymoril estava estupefata e murmurou em tom alarmado:

    Yyrkoon, se quer continuar vivo!

    No me importa viver se o esprito de Melnibon perece. E a

    preservao do esprito de nossa nao responsabilidade do imperador. Que

    acontecer se tivermos um imperador que no cumpre com esta responsabilidade,

    um imperador que seja fraco, um imperador que jamais se preocupe com a

    grandeza da Ilha do Drago e seu povo?

    Esta uma pergunta hipottica, primo. Elric havia recuperado sua

    compostura e sua voz gelada arrastava as palavras. Pois nunca se sentou um

    imperador assim no Trono Rubi, e nunca se assentar.

    Dyvim Tvar juntou-se ao grupo e segurou o ombro de Yyrkoon.

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    Prncipe, se aprecia sua dignidade e sua vida...

    Elric levantou sua mo:

    Isso no necessrio, Dyvim Tvar. O prncipe Yyrkoon s estava

    tendo um debate intelectual comigo. Temeroso de que eu estivesse entediado coma msica e o baile e eu no estou pensou em proporcionar-me um tema para

    uma discusso estimulante. E estou seguro de que agora todos nos sentimos muito

    mais estimulados, prncipe Yyrkoon.

    Elric deixou que uma expresso de condescendente calidez emanasse de

    sua ltima frase. Yyrkoon enrijeceu de dio e mordeu seu lbio.

    Mas, por favor continue, querido primo Yyrkoon... falou Elric. Estou muito interessado. Por que no continua com seus argumentos?

    Yyrkoon olhou ao seu redor, como que buscando apoio. Mas todos seus

    partidrios estavam no saguo do palcio. Prximos dele s estavam os amigos de

    Elric: Dyvim Tvar e Cymoril. No entanto Yyrkoon sabia que seus partidrios

    estavam ouvindo cada palavra sua, e que ele perderia o apoio deles se no

    respondesse. Elric notou que Yyrkoon havia preferido retirar-se desta confrontao

    e escolher outro dia e outro terreno para continuar a batalha, mas isso j no era

    mais possvel. O prprio Elric no desejava mais prosseguir com esta estpida

    peleja que, por mais que fosse disfarada, no era melhor que uma disputa de duas

    meninas sobre quem brincaria primeiro com os escravos. Assim ele decidiu colocar

    fim ao episodio.

    Yyrkoon comeou a responder.

    Ento, deixe-me sugerir que um imperador fisicamente fraco poderia

    ser tambm fraco em sua vontade para governar como est estabelecido e... Elric

    levantou sua mo.

    Voc j disse o suficiente, querido primo. Mais do que suficiente.

    Decidiu suscitar esta discusso quando, na verdade, preferirias estar danando.

    Sinto-me comovido por sua solicitude, mas tambm me sinto alarmado por suas

    preocupaes Elric fez um sinal para seu velho criado, Tanglebones, que

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    permanecia no outro extremo do trono, entre os soldados.

    Tanglebones, minha capa! Levantou-se e falou:

    Te agradeo de novo por sua solicitude, primo. depois se dirigiu

    para toda a corte em geral: Me diverti muito. Mas agora preciso ir embora.Tanglebones trouxe uma capa de arminho e a colocou sobre os ombros

    de seu amo. Tanglebones era muito idoso e muito mais alto que Elric, embora

    tivesse as costas arqueadas e todas suas extremidades pareciam nodosas e retorcidas

    sobre si mesmas, como as ramas de uma velha e robusta arvore.

    Elric atravessou o estrado e desapareceu atravessando a porta situada no

    fundo deste, que conduzia a seus aposentos privados por um largo corredor.Yyrkoon ficou diante do trono, encolerizado. Deu uma brusca meia volta

    no estrado e abriu a boca como se quisesse se dirigir aos cortesos que o

    observavam. Alguns, que no o apoiavam, sorriam abertamente. Yyrkoon cerrou os

    punhos e lanou olhares fulminantes. Olhou para Dyvim Tvar e abriu seus finos

    lbios para dizer algo. Dyvim Tvar lhe devolveu o olhar com frieza, desafiando-o a

    dizer algo mais.

    Ento, o prncipe ergueu sua cabea at que seus cabelos enroscados e

    ungidos encostaram-se em suas costas. E ento Yyrkoon gargalhou.

    O spero som encheu o salo. A msica parou. A gargalhada continuou.

    Yyrkoon deu mais alguns passos at alcanar o estrado e, puxando sua capa,

    envolveu seu corpo com ela.

    Cymoril se aproximou dele.

    Yyrkoon, por favor, no...

    O prncipe a deixou pra trs com um gesto de seu ombro. Yyrkoon

    avanou com passos tensos at o Trono Rubi. Tornou-se evidente que ele queria

    sentar-se nele, levando a cabo um dos atos de traio mais prfidos no cdigo de

    honra de Melnibon. Cymoril correu os breves passos que a separavam de seu

    irmo e o puxou pelo brao. A risada de Yyrkoon subiu de tom.

    Yyrkoon que eles desejam ver no Trono Rubi. disse para sua

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    irm. Esta engoliu em seco, e olhou horrorizada para Dyvim Tvar, cuja expresso

    era de fria. Dyvim Tvar fez um sinal para um guarda e, imediatamente, duas filas

    de homens armados se interpuseram entre Yyrkoon e o trono. Yyrkoon voltou-se

    para o Senhor das Cavernas do Drago. Ter sorte se morrer junto com seu amo. sussurrou.

    A guarda de honra te escoltar pra fora do salo. respondeu

    Dyvim Tvar em tom sereno. Todos ns ficamos estimulados por sua discusso

    desta noite, prncipe Yyrkoon. Yyrkoon parou, olhou friamente para ele, e ento

    relaxou. Depois, murmurou:

    Haver muito tempo. Se Elric no abdicar, ter que ser deposto. Oesbelto corpo de Cymoril ficou rgido. Seus olhos se encheram de lgrimas.

    Voltouse para seu irmo e disse:

    Se fizeres alguma coisa contra Elric, te matarei com minhas prprias

    mos, Yyrkoon. Ele levantou suas finas sobrancelhas e sorriu. E neste momento

    pareceu odiar mais sua irm do que a seu primo.

    Sua lealdade a esta criatura assegurou a sua prpria condenao,

    Cymoril. Eu prefiro te ver morta que gerando um filho para ele. No desejo que o

    sangue de minha casa se dilua, manche, ou sequer seja tocado pelo dele. Cuida de

    sua prpria vida, minha irm, antes de ameaar a minha.

    E ele desceu a escadaria, abrindo caminho entre aqueles que vinham

    congratul-lo. Ele sabia que havia sido derrotado e o murmrio de seus cmplices

    s o estavam irritando ainda mais.

    As grandes portas do salo foram abertas e fechadas. Yyrkoon j havia

    ido embora.

    Dyvim Tvar ergueu os dois braos.

    Continuem com a dana, cortesos. Aproveitem tudo que o baile tm

    a lhes oferecer. Isto o que mais alegrar o imperador. Mas era evidente que no

    se danaria mais nesta noite. Os cortesos j estavam ocupados com profundas

    conversaes, onde debatiam excitadamente os acontecimentos. Dyvim Tvar foi

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    at Cymoril.

    Elric se recusa a compreender o perigo, princesa Cymoril. A ambio

    de Yyrkoon pode trazer tragdia para todos ns.

    Incluindo o prprio Yyrkoon. suspirou Cymoril. Sim, incluindo Yyrkoon. Mas como podemos evitar isso, Cymoril, se

    Elric no ordena a priso do seu irmo?

    O imperador acredita que pessoas como Yyrkoon devem poder dizer

    aquilo que pensam. parte de sua filosofia. Eu entendo isso muito vagamente, mas

    parece um aspecto fundamental de sua maneira de pensar. Se ele destrusse

    Yyrkoon, destruiria a base em que se sustenta sua lgica. Isso, pelo menos, o queele tentou explicar-me, Senhor dos Drages.

    Dyvim Tvar suspirou franzindo o cenho. No conseguia compreender

    Elric, e temia, em alguns momentos, compartilhar dos pontos de vista de Yyrkoon.

    Ao menos, os motivos e argumentos do prncipe eram relativamente claros e

    diretos. Porm conhecia demasiado bem o carter de Elric para crer que este agira

    levado por debilidade ou lassitude. O paradoxo era que Elric tolerava a traio de

    Yyrkoon porque era forte, na verdade ele tinha o poder para destru-lo quando

    quisesse. E o carter de Yyrkoon era o que colocava a prova constantemente a

    fora de Elric, pois ele sabia instintivamente que, se este se mostrasse fraco e

    ordenasse mata-lo, Yyrkoon teria vencido. Era uma situao complicada e Dyvim

    Tvar desejava ardentemente no ter se envolvido nela. Mas sua lealdade linhagem

    real de Melnibon era poderosa, e sua fidelidade a Elric era forte. Pensou

    insistentemente na idia de assassinar Yyrkoon secretamente, mas sabia que um

    plano assim no levaria a nada. Yyrkoon era um feiticeiro de imenso poder e, sem

    duvida, estaria preparado contra ameaas a sua vida.

    Princesa Cymoril... disse Dyvim Tvar. A nica coisa que posso

    fazer rezar para que seu irmo acabe envenenado por sua prpria clera.

    Me juntarei a voc nestas oraes, Senhor das Cavernas dos Drages.

    Juntos, os dois abandonaram o salo.

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    3. Um passeio matinal a cavalo:

    Um momento de tranquilidade

    A LUZ DA manh banhou as altas torres de Imrryr e as fez cintilar.

    Cada torre era de uma tonalidade diferente, e gerava mil cores suaves. Haviam

    rosados intensos, amarelos cor de plen, prpuras e verdes plidos, malvas e

    marrons e alaranjados, vagos azuis, brancos e dourados. Tudo parecia belo

    primeira luz do dia. Dois cavaleiros deixaram para trs a Cidade dos Sonhos e

    atravessaram suas muralhas em direo aos verdes prados at um bosque depinheiros onde, entre os troncos sombrios, parecia ter permanecido um pedao da

    noite. Os esquilos se assustavam e as raposas se escondiam em suas tocas;

    cantavam os pssaros e as flores silvestres abriam suas ptalas e enchiam o ar de

    um delicado perfume. Alguns insetos vagavam a deriva. O contraste entre a vida

    nos arredores da cidade e aquela buclica ociosidade era notvel e parecia um

    espelho dos contrastes que estavam na mente de um dos cavaleiros, ele que agoradesmontava e puxava as rdeas de seu cavalo entre um macio de flores azuis que

    lhe chegava at a cintura. O outro cavaleiro, uma mulher, deteve sua montaria, mas

    no desmontou. Ao invs disso se apoiou distendidamente sobre sua sela de

    montar melniboniana e sorriu para o homem, seu amante.

    Elric? Vamos parar to perto de Imrryr? Ele olhou sobre o ombro e

    lhe devolveu o sorriso.

    Nossa cavalgada foi muito apressada. Quero colocar meus

    pensamentos em ordem antes de continuar.

    Como voc dormiu ontem noite?

    Muito bem, Cymoril, Acho que sonhei sem saber, pois haviam

    pequenos temores em minha mente ao despertar. Mas era de se esperar, pois o

    encontro com Yyrkoon no foi nada agradvel...

    Acha que ele conjurou algum feitio contra voc?

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    Se ele tivesse empregado algum sortilgio poderoso contra mim, eu

    saberia. disse Elric encolhendo os ombros. Ele conhece bem meu poder.

    Duvido que se atreva a usar magia.

    Ele tem razes para acreditar que voc no usaria seu poder. Ele seestuda sua personalidade h muito tempo... No ser perigoso duvidar de suas

    capacidades? Ele no poderia testar sua feitiaria assim como testou sua pacincia?

    Elric franziu o cenho.

    Sim, suponho que existe esse perigo, mas por enquanto ele

    inofensivo...

    Ele no ficar feliz enquanto no destru-lo, Elric. Ou destruir a si mesmo, Cymoril. Elric se abaixou, pegou uma flor e

    sorriu outra vez.

    Seu irmo inclinado a extremos, no verdade? Como o fraco

    odeia a fraqueza! Cymoril compreendeu a que ele se referia. Desmontou e se

    aproximou dele. Sua tnica etrea combinava quase que perfeitamente com a cor

    das flores entre quais caminhava. Ele lhe ofereceu a flor e ela a aceitou, roando as

    ptalas com seus lbios perfeitos.

    Assim como o forte odeia a fortaleza, meu amor. Yyrkoon

    sangue do meu sangue e, por esta razo, te dou este conselho: utiliza sua fora

    contra ele.

    No posso mat-lo. No tenho o direito de fazer isso. O rosto de

    Elric encheu-se de rugas de preocupao.

    Voc pode exil-lo.

    No o exlio igual morte para um melniboniano?

    Voc mesmo tem falado em viajar para as terras dos Novos

    Reinos...

    Elric riu amargamente.

    Mas talvez eu no seja um verdadeiro melniboniano. Yyrkoon j

    disse isso vrias vezes, e muitos outros tambm compartilham dessa idia.

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    Ele te odeia por que voc contemplativo. Seu pai tambm era

    assim e ningum nega que ele foi um bom imperador.

    Meu pai decidiu no aplicar as suas prprias aes os resultados de

    sua contemplao. Ele governou como um imperador deveria governar. Yyrkoon,devo admitir, tambm seria um bom imperador. E ele teria a oportunidade de

    devolver a grandeza de Melnibon. Se fosse imperador, ele embarcaria em uma

    campanha de conquista para restaurar nosso comrcio aos nveis de outrora, para

    estender nosso poder atravs da terra. Isso o que maioria de nosso povo deseja.

    Ser que tenho o direito de negar-lhes esse desejo? Tem o direito de fazer o que

    quiser, pois o imperador. Todos os que so leais a voc pensam dessa forma. Talvez a sua lealdade esteja sendo desperdiada. Talvez Yyrkoon

    tenha razo e eu estou traindo esta fidelidade trazendo a runa sobre a Ilha do

    Drago. Seus olhos rubros e taciturnos olharam diretamente para os dela.

    Talvez eu devesse ter morrido ao sair do tero de minha me. Assim, Yyrkoon teria

    sido imperador. No poderamos contrariar o destino?

    O destino no pode ser contrariado. Tudo que j aconteceu, s

    aconteceu porque o destino quis assim... Isso se realmente existe tal coisa, e se as

    aes dos homens no so somente uma resposta aos atos de outros homens. Elric

    respirou profundamente e olhou para ela com uma expresso de ironia.

    Sua lgica se aproxima da heresia, Cymoril, se temos que acreditar

    nas tradies de Melnibon. Talvez fosse melhor voc esquecer sua amizade

    comigo.

    Voc esta parecendo meu irmo! respondeu ela com um

    sorriso. Est colocando a prova meu amor por voc, meu senhor?

    Elric se disps a montar de novo.

    No, Cymoril, mas te aconselho que voc mesmo o coloque a

    prova, pois pressinto que em nosso amor esta implcita uma tragdia.

    Ela sorriu de novo e virou a cabea em um gesto de negao enquanto

    subia para a cela de seu cavalo.

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    Voc enxerga tragdias em tudo. Por que no aceitas as ddivas que

    esto a sua disposio? Elas no so muitas, meu senhor...

    Ah, sim! Nisso estamos de acordo.

    J em suas montarias, se viravam para trs ao escutar um barulho decascos se aproximando. Viram a certa distncia uma coluna de cavaleiros vestidos

    de amarelo que galopava desordenadamente. Era sua guarda, a qual haviam deixado

    para trs na cidade, para poderem cavalgar sozinhos.

    Venha! gritou Elric Vamos atravessar o bosque e as colinas que

    ficam a mais frente, l eles jamais nos encontraro.

    Esporearam seus cavalos atravs do bosque iluminado pelos raios do sole subiram as ngremes encostas da colina, descendo a toda velocidade por uma

    outra encosta at uma plancie cheia de arbustos retorcidos cujos frutos, opulentos

    e venenosos, brilhavam com uma azul prpura, uma cor to noturna que nem a luz

    do dia podia desvanecer. Havia muitas frutas e ervas peculiares em Melnibon, e

    algumas delas Elric devia sua prpria vida. Outras eram usadas em certas poes

    mgicas e haviam sido plantadas h muitas geraes atrs pelos ancestrais de Elric.

    Agora, poucos melnibonianos se arriscavam a deixar Imrryr para colh-las.

    Somente escravos visitavam a maior parte da ilha em busca das razes e arbustos

    que faziam os melbonianos terem sonhos esplendidos e monstruosos, pois era nos

    sonhos que a maior parte dos nobres de Melnibon encontravam mais prazer; eles

    sempre haviam sido uma raa taciturna e introvertida, e foi este hbito que fez com

    Imrryr ficasse conhecida como a Cidade dos Sonhos. Ali, at o menos valioso dos

    escravos mascava ervas para esquecer seu estado, assim eles eram mais fceis de

    dominar, pois ficavam totalmente dependentes de seus sonhos. Somente Elric se

    recusava a usar estas drogas, talvez por j depender de tantas outras apenas para se

    manter vivo.

    A guarda vestida de amarelo se perdeu atrs deles logo que eles

    atravessaram a plancie de arbustos venenosos, Elric e Cymoril diminuram a

    marcha e finalmente chegaram ao mar.

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    As guas resplandeciam e batiam languidamente nas brancas praias

    abaixo dos rochedos. As aves marinhas traavam crculos no ar difano e seus

    grasnidos soavam to distantes que acentuavam ainda mais a sensao de paz que

    Elric e Cymoril agora sentiam. Em silencio, os dois amantes guiaram suasmontarias por uma trilha que se dirigia at a orla. Ali desmontaram e comearam a

    caminhar pela areia com os cabelos brancos dele, e negros os dela ondulando

    no vento que soprava do leste.

    Encontraram uma caverna seca e grande, que recolhia o barulho do mar

    e o repetia em um eco sussurrante. Despojaram-se de suas roupas de seda e fizeram

    amor com ternura na penumbra da caverna. Depois permaneceram abraadosenquanto o dia esquentava e o vento diminua. Por fim, se banharam no mar e

    encheram o vazio do cu com suas risadas.

    J estavam secos quando, enquanto se vestiam, notaram que o horizonte

    escurecia. Elric disse:

    Vamos nos molhar de novo antes de chegar a Imrryr. Por mais rpido

    que cavalgarmos, a tempestade ainda nos alcanar.

    Talvez pudssemos ficar na caverna at que passe. sugeriu ela,

    apertando seu corpo suave contra o dele.

    No. respondeu Elric. Devo voltar depressa, preciso tomar

    poes em Imrryr para que meu corpo mantenha seu vigor. Se no fizer isso dentro

    de duas horas, meu comeara a enfraquecer. E voc j me viu neste estado antes,

    Cymoril.

    Ela acariciou seu rosto se seus olhos se mostraram compassivos.

    Sim, j te vi enfraquecido, Elric. Vem, vamos pegar nossos cavalos.

    Quando chegaram em suas montarias o cu j estava cinzento sobre suas

    cabeas e cheio de densas nuvens negras. Escutaram o som de um trovo e viram o

    claro de um relmpago. O mar se agitava como se estivesse contagiado pela

    histeria do firmamento. Os cavalos estavam inquietos, ansiosos para regressar.

    Ainda no haviam terminado de montar quando grandes gotas de chuva

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    comearam a cair sobre suas cabeas e a resvalar sobre suas capas.

    Ento, logo eles estavam galopando de volta para Imrryr o mais rpido

    que podiam, enquanto os relmpagos estalavam e os troves rugiam como a voz de

    um gigante furioso, como se algum antigo e poderoso Senhor do Caos tentasseinvadir o reino da Terra.

    Cymoril contemplou as plidas feies de Elric iluminadas durante um

    segundo por um claro de fogo celestial, e sentiu um calafrio. E seu calafrio no era

    causado pelo vento e nem pela chuva, e sim porque durante este segundo de

    resplendor, ela pareceu ver aquele tranquilo pensador que tanto amava,

    transformado pelos elementos em um demnio surgido do inferno, em ummonstro que apenas guardava algum aspecto de humanidade. Seus olhos rubros

    haviam brilhado na brancura de seu rosto como chamas surgidas do inferno mais

    profundo; seu cabelo estava espalhado, como o penacho de um sinistro elmo de

    guerra e, por um efeito da luz, seu rosto havia parecido torcer-se em uma expresso

    de fria e agonia.

    E ento, Cymoril compreendeu.

    Ela compreendeu, profundamente em seu ser, que aquele passeio matinal

    havia sido o ltimo momento de paz que ambos iriam experimentar. A tempestade

    era um sinal dos prprios deuses, um aviso de outras tempestades que se

    aproximavam.

    Olhou para seu amado. Elric estava rindo. Havia voltado seu rosto aos

    cus e a clida chuva caa sobre sua face, salpicando sua boca aberta. Sua risada

    soava como a gargalhada fcil e espontnea de uma criana feliz.

    Cymoril tentou rir junto com ele, mas teve que esconder seu rosto para

    que Elric no o visse. Porque ela estava chorando.

    E ainda estava chorando quando avistaram Imrryr, que ao longe era

    como uma silhueta negra e grotesca recortada contra uma linha de fulgor e luz que

    era o imaculado cu do oeste.

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    4. Prisioneiros:

    Seus segredos lhes so arrancados

    OS HOMENS DE armaduras amarelas vieram a Elric e Cymoril quando

    o casal se aproximava do menor dos portais que se abria para o leste.

    Por fim nos encontraram. sorriu Elric embaixo da chuva Mas,

    chegaram um pouco tarde, no Cymoril?

    Cymoril, ainda abatida pela premonio que a havia assaltado, se limitou

    a consentir e tentou retribuir o sorriso. Elric confundiu seu gesto com uma

    expresso de desapontamento, nada mais, e chamou sua guarda:

    Homens, logo estaremos todos secos outra vez!

    Mas o capito da guarda galopou rapidamente at ele, gritando:

    Solicitam a presena de meu senhor imperador na Torre de

    Monshanjik, espies foram apanhados!

    Espies?

    Sim, meu senhor. O capito tinha o rosto branco como cera. A

    chuva lhe caa de seu elmo e escurecia sua capa. Tinha dificuldades para dominar

    sua montaria, que avanava de lado entre os charcos de gua do caminho, que

    precisava ser reparado com urgncia. Eles foram capturados no labirinto esta

    manha. So brbaros do sul, segundo se deduz por suas roupas. Esto presos na

    torre at que o prprio imperador possa interrog-los. Elric fez um gesto com a

    mo e respondeu: Ento vamos para l, capito. Vamos a ver estes valentes estpidos

    que se atreveram a penetrar no labirinto marinho de Melnibon.

    A Torre de Monshanjik levava o nome do mago-arquiteto que havia

    projetado o labirinto marinho milnios antes. O labirinto era o nico meio de

    chegar ao grande porto de Imrryr e seu segredo sempre havia sido guardado

    cuidadosamente, pois era a melhor proteo contra um ataque imprevisto. Olabirinto era muito complicado e alguns navegadores foram treinados especialmente

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    para guiar as naves por seus canais. Antes de se construir o labirinto, o porto havia

    sido uma espcie de laguna interna, alimentada pelo mar que passava por um

    sistema de cavernas naturais abertas entre os impressionantes rochedos que se

    alavam entre a laguna e o oceano. Haviam cinco rotas distintas atravs do labirintoe cada navegador s conhecia uma delas. Na parte exterior dos rochedos havia

    cinco entradas. Aqui os navios dos Novos Reinos aguardavam at que subisse a

    bordo um navegador melniboniano. Ento se abria o porto de uma das cinco

    rotas, depois de haver tomado a precauo de tapar os olhos de toda a tripulao

    durante a passagem, que tambm deveria permanecer sob o convs. O timoneiro e

    o chefe dos remadores ficavam no convs, mas deviam cobrir-se tambm compesados elmos de ao, e auxiliavam o navegador limitando-se a lhe obedecer as

    complicadas manobras que ordenava, sem poder ver por onde passavam. E se

    acontecia de um navio dos Novos Reinos desobedecer alguma destas instrues,

    acabava se despedaando contra os muros de pedra... O povo de Melnibon no se

    lamentava por isso e todos os tripulantes sobreviventes terminavam seus dias como

    escravos na Ilha do Drago. Todos os interessados em comerciar com a Cidade dos

    Sonhos compreendiam os riscos que isso significava, mas grande quantidade de

    mercadores vinha mensalmente vencer os riscos do labirinto e trocar seus pobres

    produtos pelas esplndidas riquezas de Melnibon.

    A Torre de Monshanjik se levantava sobre o porto e sobre o imenso

    monte que adentrava at o centro da laguna. Era uma torre verde mar, baixa e

    robusta em comparao com a maioria das torres de Imrryr, mas ainda assim

    resultava em uma edificao formosa e destacada, com amplas janelas de onde se

    podia avistar-se todo o conjunto de instalaes porturias. Na Torre de Monshanjik

    se levavam a cabo quase todos os tratos comerciais do porto e, em seus aposentos

    inferiores, se guardavam os presos que haviam quebrado alguma das inumerveis

    regras que governavam o funcionamento do comrcio. Deixando Cymoril para que

    esta voltasse ao palcio escoltada por um guarda, Elric penetrou na torre e

    atravessou a cavalo o grande arco de sua entrada principal, dispersando uma

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    quantidade notvel de comerciantes que aguardavam a permisso necessria para

    iniciar suas transaes, pois todo o andar inferior do edifcio estava cheio de

    marinheiros, mercadores e funcionrios de Melnibon dedicados aos assuntos

    comerciais, embora ali no fosse o lugar onde se comerciavam realmente asmercadorias. A grande balbrdia de milhares de vozes empenhadas em inmeras

    discusses sobre contratos a serem fechados, foi lentamente baixando de

    intensidade medida que Elric e sua guarda a cavalo arrogantemente atravessavam

    o salo, rumo a um arco sombrio, no extremo oposto da sala. Este arco se abria

    para uma rampa inclinada e curva que conduzia as entranhas da torre.

    Os cavaleiros desceram pela rampa, passando por escravos, criados efuncionrios que rapidamente ficavam de p, prestando grandes reverencias, assim

    que reconheciam o imperador. Enormes tochas iluminavam o corredor, enchendo

    de sombras distorcidas as lisas paredes de obsidiana. O ar era glido e mido, pois a

    gua do mar banhava os muros exteriores abaixo dos desembarcadouros de Imrryr.

    O imperador continuou avanando pela rampa que seguia descendo entre a rocha

    cristalizada. E ento, uma onda de calor chegou at eles logo que avistaram una luz

    bruxuleante um pouco mais a frente. Penetraram em uma cmara cheia de fumaa e

    do fedor do medo. Do teto baixo pendiam numerosas correntes, e presas em oito

    delas, Elric viu quatro pessoas. As roupas lhes haviam sido arrancadas, seus corpos

    estavam cobertos de sangue proveniente de pequenas, mas precisas e dolorosas

    feridas realizadas por um artista que, de p e com um escalpelo na mo,

    supervisionava sua obra prima.

    O artista era um homem alto e muito magro, quase um esqueleto

    coberto de roupas brancas manchadas de sangue. Tinha os lbios finos, os olhos

    fundos, os dedos pequenos e seu cabelo era curto e fino. O escalpelo que levava em

    sua mo era tambm muito fino, quase invisvel, exceto quando refletia a luz do

    fogo que ardia no outro extremo da cmara.

    O artista era chamado Doutor Alegria e sua especialidade era mais uma

    habilidade que uma arte em si (embora ele defendesse o contrrio com grande

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    convico), era a arte de extrair segredos daqueles que os guardavam. O Doutor

    Alegria era o chefe dos interrogadores de Melnibon. Quando viu Elric entrar, se

    voltou para ele com um gesto tortuoso, sustentando o escalpelo entre seu dedo

    polegar e o indicador de sua mo direita; permaneceu assim erguido e expectantepor um instante, quase como um bailarino, e depois fez uma profunda reverencia.

    Meu amado imperador!

    Sua voz era fina e surgia de sua garganta como que suplicasse para sair

    dela, fazendo com que as pessoas duvidassem de realmente ter escutado suas

    palavras, pois soavam breves e rpidas.

    Doutor, estes so os espies do sul que foram capturados estamanha?

    Certamente so eles, meu senhor. respondeu o aludido com outra

    tortuosa reverencia Para vosso prazer.

    Elric inspecionou friamente os prisioneiros. No sentia a menor simpatia

    por eles, pois eram espies e seus atos os haviam levado aquela situao. Eles

    sabiam o que aconteceria a eles se fossem capturados. Mas, um deles era um

    menino e o outro era uma mulher; pelo menos era o que pareciam, eles se agitavam

    tanto, presos nos grilhes, que era difcil reconhece-los a primeira vista. Era uma

    viso penosa. A mulher mostrou os poucos dentes que ainda lhe restavam e disse:

    Demnio! Elric deu um passo para trs.

    Eles j falaram o que faziam no labirinto, doutor?

    No, seguem exasperando-me com divagaes. Tem um elevado

    conhecimento de arte dramtica, coisa que aprecio. Em minha opinio, tentavam

    traar uma rota para que uma frota invasora possa cruzar o labirinto. Todavia, eles

    ainda no me revelaram os detalhes. Assim o jogo deles, e ns sabemos como

    joga-lo.

    Ento, quando acha que eles iro falar, Doutor Alegria?

    Oh, logo, meu senhor.

    Seria bom saber se devemos esperar um ataque. Quanto mais cedo

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    soubermos, menos tempo perderemos nos livrando dos atacantes, no concorda

    doutor?

    Com certeza, meu senhor.

    Muito bem.Elric estava irritado com aquele imprevisto. Ele havia esquecido o prazer

    de seu passeio a cavalo e tinha voltado muito cedo para suas responsabilidades.

    O Doutor Alegria voltou para seu trabalho, e estendendo o brao,

    agarrou com a mo que estava livre o pnis de um dos prisioneiros, o escalpelo

    brilhou por um momento e ouviu-se um gemido de dor. O Doutor Alegria lanou

    alguma coisa ao fogo. Elric se sentou em uma cadeira preparada para ele. Osmtodos usados para obter informaes dos prisioneiros, no s o desgostavam

    como o aborreciam; os gritos estridentes, o retinir das correntes, os leves sussurros

    do Doutor Alegria, tudo contribua para destruir a sensao de bem estar que havia

    conservado at a entrada na cmara. No entanto, assistir a estes rituais era um de

    seus deveres reais, e tinha que suportar tudo at que lhe fosse apresentada

    informao obtida; ento agradeceria ao chefe dos interrogadores e daria as ordens

    oportunas para enfrentar o ataque; e quando todo estivesse pronto teria que

    conferenciar com almirantes e generais, provavelmente durante o resto da noite,

    escolhendo entre as opes disponveis e decidindo a disposio de homens e

    navios. Com um bocejo mal disfarado, se reclinou na cadeira e observou o Doutor

    Alegria enquanto este usava o escalpelo e aplicava ganchos e tenazes no corpo dos

    espies. Elric ento se dedicou a meditar em outros assuntos, em problemas

    filosficos que no conseguia resolver.

    Isso no significava que Elric era inumano, mas sim que era antes de

    tudo um melniboniano, e estava acostumado com estes espetculos desde que era

    criana. Mesmo que desejasse, ele no poderia salvar os prisioneiros, pois isso

    significaria passar por cima de todas as tradies da Ilha do Drago. E neste caso,

    se tratava simplesmente de uma ameaa a qual teria que enfrentar da melhor

    maneira possvel. Elric havia se acostumado a reprimir os sentimentos que

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    entravam em conflito com seus deveres como imperador. Se houvesse algum

    benefcio em libertar os quatro desgraados que agora danavam de dor no

    escalpelo do Doutor Alegria, ele o teria feito com prazer. Porm tal atitude no o

    ajudaria em nada, e inclusive os prisioneiros ficariam assombrados de receber umtratamento diferente deste que estavam recebendo agora. Quando se tratava de

    dilemas morais, Elric era sobretudo prtico e resolvia as coisas em funo das

    possveis aes que poderia tomar. Mas nesse caso concreto, no podia adotar

    nenhuma ao. Esta atitude havia se transformado em sua segunda natureza. Seu

    desejo no era reformar Melnibon, mas sim reformar-se a si mesmo; no desejava

    tomar iniciativas, mas sim estudar o melhor modo de responder as aes dosoutros. Aqui era fcil tomar uma deciso. Um espio era um agressor, e o reino

    devia defender-se dos agressores da melhor maneira possvel. E nesse caso, os

    mtodos empregados pelo Doutor Alegria eram os melhores.

    Meu senhor...

    Elric olhou para ele com um ar ausente.

    J temos a informao, meu senhor.

    A fina voz do Doutor Alegria ressoou no extremo oposto da cmara.

    Dois pares de correntes estavam agora vazios e alguns escravos recolhiam restos

    humanos do cho e os lanavam nas chamas. Os dois corpos disformes que

    restavam, pareciam para Elric como pedaos de carne meticulosamente preparados

    por um cozinheiro. Um dos corpos ainda se agitava debilmente, mas o outro j

    estava imvel.

    O Doutor Alegria guardou seus instrumentos em uma caixa que levava

    atada ao cinto. Sua branca indumentria estava quase toda coberta de sangue.

    Parece que j houve outros espies antes destes. disse o Doutor

    para seu mestre. Os que capturamos agora vieram apenas para confirmar a

    primeira rota. Caso eles no regressassem, a frota inimiga iria atacar.

    Mas ento, com certeza eles agora sabem que os estamos

    aguardando? perguntou Elric.

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    Provavelmente no, meu senhor. Espalhamos o rumor entre os

    mercadores e marinheiros dos Novos Reinos, de que quatro espies foram vistos

    no labirinto e foram mortos com lanas quando tentavam escapar.

    Compreendo. Elric franziu o cenho e acrescentou Ento, omelhor plano ser fazer uma armadilha para estes invasores.

    Com certeza, meu senhor.

    Sabemos qual rota haviam escolhido?

    Sim, meu senhor. Elric se voltou para um dos guardas e lhe ordenou:

    Envie mensagens informando todos nossos generais e almirantes. So

    quantas horas? Acaba de anoitecer, meu imperador.

    Diga-lhes que se apresentem diante do Trono de Rubi duas horas

    depois do crepsculo.

    Elric ergueu-se rapidamente Como sempre, fez um bom trabalho,

    Doutor Alegria.

    O delgado artista fez uma profunda reverencia, dobrando-se quase

    totalmente pela cintura, e respondeu ao elogio com um suspiro sutil e um tanto

    untuoso.

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    5. Uma batalha:

    O rei mostra sua capacidade militar

    YYRKOON FOI O primeiro a chegar, vestido da cabea aos ps com

    um elegante uniforme de guerra e acompanhado por dois enormes guardas, cada

    um dos quais segurando um dos ornamentados estandartes de guerra do prncipe.

    Meu imperador! O grito de Yyrkoon soava orgulhoso e cheio de

    desdm. Me permitiria comandar os guerreiros? Posso me encarregar deles j

    que, sem duvida, meu senhor ter muitas outras questes que ocuparo seu tempo.

    Tem muita considerao, prncipe Yyrkoon, mas no deves temer por

    mim. replicou Elric impacientemente Eu irei frente dos exrcitos e

    esquadras de Melnibon, pois este o dever do imperador.

    Yyrkoon lhe dirigiu um olhar colrico e se recolheu a seu lugar quando

    entrou no salo Dyvim Tvar, Senhor das Cavernas do Drago. O recm chegado

    no estava acompanhado de nenhum guarda e parecia ter-se vestido

    apressadamente. Porm levava seu elmo embaixo do brao.

    Meu imperador, trago noticias dos drages.

    Obrigado, Dyvim Tvar, mas peo-lhe que aguarde at que cheguem

    todos os meus comandantes. Assim estaremos todos a par de suas noticias. Dyvim

    Tvar fez uma reverencia e se dirigiu ao lado contrario do salo em que se

    encontrava o prncipe Yyrkoon.

    Pouco a pouco, foram chegando os guerreiros at que a todos osprincipais comandantes estavam reunidos ao p da escadaria que conduzia ao

    Trono Rubi, onde estava sentado Elric. No entanto, este ainda usava as roupas que

    havia utilizado no passeio matinal a cavalo. No havia tido tempo para se trocar,

    pois at poucos momentos atrs estivera consultando os mapas do labirinto, eram

    mapas aos quais somente ele tinha acesso e que, em circunstncias normais,

    estavam ocultos atravs de magia para todo aquele que tentasse procura-los. Os povos do sul querem se apoderar das riquezas de Imrryr e matar

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    todos ns. disse Elric Acreditam ter encontrado uma rota para atravessar

    nosso labirinto marinho. Nesse momento, uma frota de cem navios de guerra

    avana para Melnibon. Amanh aguardaro at que anoitea e, ento navegaro

    atravs do labirinto e tentaro nos invadir. A frota inimiga quer alcanar o porto ameia noite e tomar a Cidade dos Sonhos antes do amanhecer. E eu lhes pergunto:

    eles iro conseguir isso?

    No! Muitas gargantas gritaro em unssono a breve resposta.

    No! gritou Elric sorrindo Mas, ento como desfrutaremos

    melhor desta pequena batalha que eles nos oferecem? Como sempre, Yyrkoon foi

    o primeiro a responder, vociferante: Saiamos agora mesmo ao seu encontro com os drages e os navios de

    guerra. Vamos perseguir o inimigo at sua prpria terra e levaremos a guerra para

    l. Atacaremos suas naes e incendiaremos suas cidades! Os conquistaremos e

    com isso, asseguraremos nosso prprio bem estar!

    Ento Dyvim Tvar o interrompeu laconicamente:

    No temos drages. disse ele.

    O que? Yyrkoon perguntou Como?

    No temos drages prncipe. Esto todos dormindo. Os drages

    dormem em suas cavernas, esgotados pela ltima misso que cumpriram para voc.

    Para mim?

    Voc os utilizou no conflito com os piratas de Vilmir. Eu o havia

    avisado que era prefervel poupa-los para ameaas de maior envergadura, mas voc

    levou-os contra os piratas. Os usou para incendiar seus pequenos navios, e agora os

    drages dormem.

    Yyrkoon franziu a testa e olhou para Elric.

    Eu no poderia prever... Elric levantou a mo.

    No utilizaremos nossos drages at que seja realmente necessrio.

    Este ataque da frota meridional no nada, mas mesmo assim conservaremos

    nossas foras e aguardaremos o momento certo para atacar. Vamos deix-los

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    pensar que nos pegaram desprevenidos. Deixemos que entrem no labirinto. Uma

    vez que todos os cem navios estejam l dentro, ns os cercaremos, bloqueando

    todas as rotas do labirinto, tanto as de entrada como de sada. Assim que a frota

    estiver capturada, ns os destroaremos.Yyrkoon mantinha os olhos fixos nas pontas de seus ps, com um ar

    irritado. Era evidente que tentava encontrar algum ponto fraco no plano. Magum

    Colim, o enorme e idoso almirante da frota, se adiantou at a escadaria envergando

    sua armadura verde mar e fez uma reverencia.

    Os navios dourados de guerra de Imrryr esto preparados para

    defender a cidade, meu senhor. Precisaremos de tempo para manobr-los at queestejam em posio. No seguro que todos entrem no labirinto ao mesmo tempo.

    Ento envie imediatamente uma pequena frota para fora do labirinto

    e a mantenha escondida atrs dele, perto da entrada. Ali elas aguardaro os

    possveis sobreviventes que possam escapar a nosso ataque. ordenou Elric.

    Um plano muito astuto, meu senhor. assentiu Magum Colim, ao

    mesmo tempo em que fazia uma nova reverencia e retrocedia at o grupo de

    comandantes. O debate sobre os planos de guerra se prolongou por mais algum

    tempo. Quando tudo j estava preparado e se dispunham a sair, o prncipe Yyrkoon

    elevou de novo sua voz para dizer:

    Repito minha oferta ao imperador. Sua pessoa demasiado valiosa

    para arriscar-se em uma batalha. Eu no tenho valor nenhum. Deixai-me comandar

    seus guerreiros, tanto em terra como no mar. Enquanto isso, o imperador

    permanecera no palcio sem preocupar-se com a batalha, na confiana de que o

    inimigo ser derrotado. Talvez o imperador possa at ter tempo de terminar de ler

    algum livro...

    Elric respondeu com um sorriso:

    Agradeo de novo sua preocupao, prncipe Yyrkoon, mas um

    imperador deve exercitar tanto seu corpo como sua mente. Amanha irei frente

    dos guerreiros.

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    Quando o imperador voltou para seus aposentos, verificou que

    Tanglebones j havia se encarregado de preparar seus artefatos de guerra, negros e

    pesados. Ali estava a armadura que havia servido a mais de cem de imperadores deMelnibon; uma armadura forjada com magia para ter uma resistncia sem igual em

    toda a Terra, capaz de resistir, segundo se dizia, at aos golpes das lendrias espadas

    mgicas, Stormbringer e Mournblade, que haviam sido empunhadas pelos mais

    valentes e bravos governantes de Melnibon at que caram nas mos dos Senhores

    dos Mundos Superiores, que as ocultaram para sempre em um lugar, em que at

    mesmo estes Senhores raramente se aventuravam.O rosto do criado se alegrava enquanto acariciava cada pea da armadura

    e cada uma das armas, perfeitamente balanceadas, com seus dedos largos e

    nodosos. Seu rosto sulcado de rugas estava voltado para Elric e seus olhos

    estudavam as feies preocupadas do imperador.

    Oh, meu senhor, meu rei! Agora conhecers a alegria do combate!

    Com certeza, meu bom Tanglebones. E esperemos que eu realmente

    desfrute da alegria do combate.

    Eu te ensinei tudo que sei meu senhor. A arte da espada e do punhal,

    a arte do arco da lana, tanto a p como a cavalo. Tu as aprendeste bem, mesmo

    que alguns digam que s fraco. Em toda Melnibon, s existe um espadachim

    melhor que o imperador.

    E este que pode superar-me o prncipe Yyrkoon. disse Elric

    pensativamente. No ?

    Eu disse somente um, meu senhor.

    E este um Yyrkoon. Bem, quem sabe um dia eu possa colocar

    isso a prova. Antes de vestir a armadura, tomarei um banho.

    Seria melhor apressar-se, meu amo. Pelo que ouvi falarem, haver

    muito a fazer.

    Depois do banho, irei dormir. anunciou Elric, para consternao

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    de seu velho servidor. Ser o melhor a fazer, j que no poderei comandar

    pessoalmente a colocao dos navios. Eu serei necessrio para dirigir o combate e,

    para isso, melhor que tenha descansado adequadamente.

    Se tu acreditas que o melhor, meu senhor rei, assim ser. Vejo que minha deciso te surpreendeu. Meu bom Tanglebones, voc

    est demasiado impaciente em ver-me dentro desta armadura, pavoneando-me

    como se fosse o prprio Arioch...

    O criado levou sua mo boca como se tivesse sido ele, e no seu amo,

    quem havia pronunciado aquelas palavras e quisesse reprimi-las. Tinha os olhos

    arregalados.Elric soltou uma gargalhada.

    Meu pobre amigo... Acredita que disse uma heresia, no ? Bem, j

    disse coisas bem piores sem que me tenha sobrevindo nenhum mal. Em

    Melnibon, meu querido servo, so os imperadores que controlam os demnios, e

    no o contrario.

    s tu quem o disse, meu senhor.

    E a verdade. Elric saiu da sala e chamou seus escravos. A febre da

    guerra queimava dentro de seu ser e ele se sentia jubiloso.

    Por fim, Elric estava enfiado em sua negra armadura com um enorme

    peitoral, cotas de malha, grandes cotoveleiras e manoplas articuladas. Presa ao cinto

    levava sua grande espada que, segundo se conta, havia pertencido a um antigo heri

    mortal chamado Aubec. Apoiado contra o convs dourado da primeira ponte do

    navio, estava seu grande escudo de batalha, adornado com um emblema de um

    drago atacando. E, cobrindo seu rosto, o imperador usava um elmo negro com

    uma cabea de drago no alto, asas de drago estendidas at atrs e uma cauda de

    drago caindo-lhe sobre os ombros. Todo o elmo era negro, mas em seu interior, se

    notava uma sombra branca de onde sobressaia um par de olhos de uma intensa cor

    vermelha. Dos dois lados do casco, algumas mechas de cabelo, brancas como a

    neve se agitavam ao vento como colunas de fumaa que escapavam de um edifcio

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    em chamas. E, quando a cabea coberta pelo elmo voltou-se para a escassa luz da

    lanterna colocada na base do mastro principal, a viseira levantada converteu a

    sombra branca de seu interior em um rosto de finas e elegantes feies: um nariz

    reto, lbios curvos e olhos amendoados e oblquos. O rosto de Elric, imperador deMelnibon, perscrutava a escurido do labirinto a espera dos primeiros sons da

    frota invasora.

    Elric aguardava sobre a elevada ponte de comando da grande galera

    dourada que, como todas as outras de sua classe, pareciam um zigurate flutuante

    equipado com mastros, velas, times e catapultas. O navio tinha o nome de Filho

    de Pyaray e era o principal da frota. Junto a Elric se encontrava o GrandeAlmirante. Magum Colim. Este, assim como Dyvim Tvar, era um dos ntimos

    amigos do imperador. Conhecia Elric desde que este havia nascido e lhe havia

    estimulado a estudar tudo que fora possvel sobre o comando dos barcos de

    combate e a disposio das frotas de guerra. Porm, em seu ntimo, Magum Colim

    temia que Elric fosse demasiado intelectual e introspectivo para governar

    Melnibon, mas aceitava o direito de Elric reinar e se mostrava furioso e impaciente

    com os comentrios dos seguidores de Yyrkoon. O prncipe Yyrkoon tambm

    estava a bordo do nau capitania, e estava no convs inferior, inspecionando as

    mquinas de guerra.

    O Filho de Pyaray estava ancorado em uma enorme gruta, era um dos

    cem navios que foram escondidos nos muros do labirinto, muros que foram

    construdos quando este foi projetado, com o claro propsito de ocultar una galera

    de combate. A gruta tinha a altura certa para que passassem os mastros, e largura

    suficiente para que pudessem mover os remos sem impedimentos. Todos os navios

    dourados da frota eram dotados de filas de remos, cada uma das quais levava de

    vinte a trinta remos em cada costado. As filas de remos tinham quatro, cinco e at

    seis nveis de altura e muitos navios, como o prprio Filho de Pyaray, contavam

    com trs sistemas de controle para avanar ou recuar. As embarcaes, todas elas

    banhadas em ouro, eram praticamente indestrutveis e, mesmo com seu imponente

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    tamanho, podiam avanar em grande velocidade e manobrar com delicadeza

    quando a ocasio o exigia. No era a primeira vez que aguardavam o inimigo

    naquelas grutas, e tampouco seria a ltima (e a prxima vez em que fariam isso

    seria em circunstancias muito diferentes). Nos ltimos tempos, as galeras decombate de Melnibon no saiam mais para navegar no mar aberto. Mas, em outras

    pocas haviam percorrido os oceanos do mundo como temveis montanhas

    flutuantes de ouro, semeando o terror onde eram avistadas. Ento nesses dias, a

    frota era mais numerosa, contando com centenas de navios. Agora, dispunham de

    apenas quarenta navios. Mas eles seriam o bastante.

    Agora na mida escurido, eles aguardavam o inimigo. Escutavam omontono bater das guas contra os costados do navio, Elric desejou ter tido

    tempo de pensar em um plano melhor que aquele. Embora estivesse seguro de que

    sua estratgia daria resultado, ele se lamentava pela perda intil de vidas, tanto

    melnibonianas como brbaras, que iria ocasionar. Talvez fosse melhor encontrar

    um modo de atemorizar os brbaros, ao invs de massacr-los no labirinto

    marinho. Talvez porque ningum mais se aventurara fora da Cidade dos Sonhos, a

    frota dos homens do sul no fora a primeira que havia se convencido de que os

    melnibonianos haviam entrado em decadncia e no eram mais capazes de

    defender seus tesouros. Por isso, os invasores deviam ser destrudos para que a

    lio ficasse bem clara: Melnibon ainda era muito poderosa. O suficiente, na

    opinio de Yyrkoon, para recuperar seu domnio anterior do mundo. Sim,

    Melnibon continuava poderosa, pelo menos no que se referia a feitiaria, mas no

    no nmero de tropas.

    Oua! O almirante Magum Colim se inclinou at a frente da ponte

    No foi o rudo de um remo?

    Acho que sim. disse Elric.

    Chegaram at eles alguns sons de remadas em intervalos regulares, como

    se fossem filas de remos entrando e saindo da gua. Por fim, escutaram o barulho

    de madeira, os invasores do sul estavam chegando. O Filho de Pyaray era o navio

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    mais prximo da entrada do labirinto e seria o primeiro a mover-se, mas s faria

    isso quando tivesse passado o ltimo dos navios invasores. O almirante Magum

    Colim se inclinou e apagou a lanterna, e ento rapidamente e em silencio, desceu o

    convs para informar a tripulao da chegada do inimigo.Um pouco antes, Yyrkoon havia utilizado sua magia para invocar uma

    peculiar neblina que ocultava as douradas galeras da vista dos inimigos, mas que

    permitia aos melnibonianos ver atravs dela as naves que se aproximavam. Elric via

    agora as tochas acendidas no canal situado frente deles. Os barcos invasores

    avanavam cuidadosamente pelo labirinto. No transcurso de poucos minutos, dez

    galeras haviam passado diante da gruta. O almirante Magum Colim regressou aponte para junto de Elric, com quem j estava o prncipe Yyrkoon. Este tambm

    levava um drago em seu elmo, um pouco menos esplendido que o de Elric, pois o

    imperador era o mais importante entre os poucos Prncipes do Drago que ainda

    restavam em Melnibon. Yyrkoon sorria na escurido e seus olhos refulgiam de

    expectativa ante a perspectiva de uma batalha sangrenta. Elric preferia que o

    prncipe Yyrkoon estivesse em outro navio que no o seu, mas era um privilegio do

    prncipe ir a bordo da nau capitania, e isso no podia ser negado.

    Cerca de cinqenta embarcaes inimigas j haviam passado.

    A armadura de Yyrkoon rangia enquanto o prncipe impaciente pela

    espera, passeava pela ponte com sua mo segurando o punho de sua espada.

    Logo... repetia para si mesmo Logo...

    E instantes depois, quando havia passado diante deles o ltimo navio

    inimigo, a corrente da ancora comeou ser puxada e os remos entraram na gua. O

    Filho de Pyaray surgiu impetuoso da gruta, se lanou no canal e atingiu uma galera

    inimiga bem no centro, partindo-a em duas.

    Uma grande confuso se levantou na tripulao inimiga, cujos homens

    fugiram desesperados em todas as direes. Nos restos do convs, tochas iam e

    vinham desordenadamente nas mos dos homens que tentavam salvar-se de cair

    nas guas escuras e geladas do canal. Alguns valentes lanceiros atacavam os lados

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    da galera de Melnibon, que abria caminho entre os escombros do naufrgio que

    ela mesma tinha criado. Mas ento os arqueiros de Imrryr retriburam o ataque, e os

    poucos sobreviventes foram mortos.

    O som deste conflito rpido era o sinal para os outros navios. Em ordemperfeita eles entraram por ambos os lados das paredes de pedra altas, e parecia aos

    brbaros surpresos que os grandes navios dourados tinham emergido de dentro da

    pedra slida, como navios fantasma cheios de demnios que descarregavam lanas,

    flechas e fogo sobre eles. Agora todo tortuoso canal era uma confusa mescla de

    gritos de guerra que ecoavam aumentados. O estrondo de ao contra ao era como

    o sibilar selvagem de uma serpente monstruosa, e logo a prpria frota invasora seassemelhou a uma serpente feita em cem pedaos pelos imponentes e implacveis

    navios dourados de Melnibon. Navios que pareciam quase serenos quando se

    moviam contra os inimigos, enquanto os ganchos de abordagem brilhavam a luz

    dos incndios, ao serem lanados sobre as coberturas de madeira e grades, para

    depois puxa-los e dar passagem para guerreiros que terminariam a destruio das

    galeras.

    Mas os povos do sul eram valentes e mesmo depois da surpresa inicial

    ainda mantinham a calma. Trs das suas galeras navegavam em direo ao Filho de

    Pyaray, reconhecendo ele como a nau capitnia. Flechas incendirias foram

    lanadas e caram na parte da cobertura de madeira que no estava protegida pela

    armadura dourada, incendiando tudo ou ento trazendo uma morte ardente aos

    homens atingidos por elas.

    Elric elevou o escudo sobre sua cabea e duas flechas resvalaram no

    metal, caindo, ainda chamejando em uma cobertura de madeira. Ele saltou em cima

    da grade, seguindo a trajetria das flechas, e saltando at a cobertura mais larga e

    exposta onde os guerreiros estavam se agrupando para enfrentar as galeras

    agressoras. As catapultas estrondearam e bolas de fogo azul assobiaram na

    escurido, falhando por pouco em atingir as trs galeras. Outra salva se seguiu e

    uma massa de chamas atingiu o mastro da galera inimiga e estourou na cobertura,

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    espalhando chama. Nesse momento, os ganchos de abordagem agarraram a

    primeira galera, puxando a para perto da nau capitania e Elric estava entre os

    primeiros a saltar sobre o convs inimigo. E ento abriu caminho para o local onde

    ele viu o capito, coberto com uma armadura sem adornos e brandindo umaenorme espada com ambas as mos, ordenando aos seus homens para resistir aos

    cachorros de Melnibon.

    Quando Elric chegou ponte, trs brbaros armados com espadas

    curvadas e pequenos escudos redondos vieram at ele. As faces deles estavam

    cheias de medo, mas tambm de determinao, como se eles soubessem que iriam

    morrer, mas que deviam causar tanta destruio quanto pudessem, antes das suasalmas serem levadas.

    Apertando com fora as alas que prendiam o escudo sobre o brao,

    Elric levantou a espada de gume duplo com as duas mos e se lanou contra os

    marinheiros, usando a borda do escudo para jogar um deles ao cho enquanto

    esmagava com a espada a clavcula do outro. O brbaro restante saltou para o lado

    e brandiu sua espada curvada em direo face de Elric. Este conseguiu se esquivar

    por pouco, e a extremidade afiada da espada arranhou seu rosto, tirando uma gota

    ou duas de sangue. Elric levantou a espada longa como uma foice e a enterrou

    profundamente na cintura do brbaro, quase o cortando em dois. Ele ainda lutou

    por um momento, sem acreditar que estava morto at que Elric arrancou a espada e

    ento ele fechou os olhos e caiu. O homem que tinha sido golpeado pelo escudo de

    Elric estava cambaleando aos seus ps, Elric se virou e ao v-lo se arrastar

    agonizante, golpeou com a espada o seu crnio. Agora o caminho para a ponte

    estava livre. Elric comeou a escalar a escada de mo, notando que o capito o

    tinha visto e estava esperando por ele no topo.

    Elric levantou seu escudo para receber o primeiro golpe do capito.

    Entre a gritaria, julgou que ouvia os gritos deste homem, que lhe dizia:

    Morra, maldito demnio albino! Morra! Voc no tem mais nenhum

    lugar nesta terra!

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    Ao ouvir estas palavras, Elric quase esqueceu de se defender. Elas

    tocaram fundo em sua alma. Talvez ele realmente no tivesse mais nenhum lugar na

    terra, talvez fosse por isso que Melnibon estava desmoronando lentamente, e os

    sinais eram claros... Por que cada vez menos crianas nasciam a cada ano? Por queeles j no estavam mais criando drages?

    Ele sentiu o capito golpear seu escudo novamente, e ento tentou

    golpear as pernas do homem. Mas o capito tinha se antecipado ao movimento e

    saltou para trs. Porm, isto deu a Elric tempo suficiente para subir os poucos

    degraus restantes, ficando de p na cobertura e em frente ao capito.

    A face do homem quase estava to plida quanto a de Elric. Ele estavasuando e arquejando, e seus olhos revelavam uma angustia e um medo selvagem.

    Voc deveria ter nos deixado em paz. Elric se ouviu dizendo.

    Ns no lhe fizemos nenhum mal, brbaro. Quando foi a ltima vez que

    Melnibon velejou contra os Novos Reinos?

    Voc nos faz mal apenas com sua presena, demnio branco. Vocs

    tm suas feitiarias, suas alfndegas e sua arrogncia.

    por isso que voc veio aqui? Seu ataque foi motivado apenas pelo

    dio contra ns? Ou ser que voc se interessou por nossa riqueza? Admita

    capito, foi sua ganncia que o trouxe a Melnibone.

    Pelo menos a ganncia uma qualidade humana e compreensvel.

    Mas vocs so criaturas inumanas, ou ainda pior: vocs no so deuses, entretanto

    se comportam como se fossem. Seus dias terminaram e vocs deveriam ser varridos

    da face da terra, sua cidade destruda e suas feitiarias esquecidas.

    Elric acenou com a cabea.

    Talvez voc tenha razo, capito.

    Eu sei que tenho razo. Nossos homens santos tambm dizem assim.

    Nossos videntes predizem sua queda. Os prprios Deuses do Caos a quem vocs

    servem provocaram esta queda.

    Os Deuses do Caos j no tm qualquer interesse nos assuntos de

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    Melnibone. Eles tomaram o poder de ns h quase mil anos. Elric estudava o

    capito cuidadosamente, medindo a distncia entre eles. Talvez seja por isso que

    nosso prprio poder diminuiu. Ou talvez ns somente tenhamos nos cansado do

    poder. Seja qual for a razo... O capito disse, enquanto esfregava a sua

    sobrancelha suada O seu tempo terminou. Vocs devem ser destrudos de uma

    vez por todas. E ento ele gemeu, pois a espada de Elric tinha entrado debaixo

    da sua armadura, atravessando seu estmago e pulmes. Um joelho dobrou, uma

    perna estirou atrs dele, e Elric comeou a retirar a espada longa, enquanto

    observava a face do brbaro que tinha assumido uma expresso de reconciliaoagora.

    Isso no foi uma luta justa, demnio branco. Ns estvamos

    conversando e voc se aproveitou de minha distrao. Voc muito hbil. Espero

    que voc se retora de dor eternamente nas profundezas do inferno. Adeus.

    E ento sem saber o porqu, depois que o capito caiu com a face na

    cobertura, Elric golpeou duas vezes o pescoo at que a cabea dele rolou ao lado

    da ponte e foi chutada ento pra fora do navio, afundando nas profundezas da gua

    gelada.

    E ento Yyrkoon subiu atrs de Elric, e estava sorrindo.

    Voc lutou bem, meu imperador. Aquele homem morto tinha razo.

    Razo? Elric se voltou para seu primo. Razo?

    Sim, quando ele avaliou sua coragem. E, rindo, Yyrkoon foi

    supervisionar os seus homens que ainda estavam lutando com os poucos guerreiros

    sobreviventes.

    Elric no conseguia entender por que tinha se recusado a odiar Yyrkoon

    antes. Mas agora ele o odiava profundamente. Naquele momento ele o teria matado

    com prazer. Era como se Yyrkoon tivesse olhado profundamente dentro da alma

    de Elric e expressado desprezo pelo que viu l.

    De repente Elric foi abatido por uma grande angustia e desejou com

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    todo seu corao no ser mais um melniboniano, nem um imperador e que aquele

    maldito Yyrkoon jamais tivesse nascido.

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    6. Perseguio:

    Uma traio premeditada

    COMO IMPONENTES Leviats, os grandes navios de guerra dourados

    navegaram pelos destroos da frota invasora. Alguns navios queimavam e outros

    ainda estavam afundando, mas a maioria j tinha afundado nas profundezas

    insondveis do canal. Os navios ardentes produziam sombras estranhas que

    danavam contra as paredes midas das cavernas, como se os fantasmas dos

    mortos oferecessem uma ltima saudao antes de partir para o fundo do mar,

    onde se dizia que reinava um Deus do Caos, que incorporava s suas frotas aqueles

    que morriam em batalha em qualquer um dos oceanos do mundo. Ou talvez eles

    tivessem um destino melhor, indo servir Straasha, Deus dos Espritos da gua que

    reinava no mar.

    Mas alguns tinham escapado. De alguma maneira, os marinheiros do sul

    conseguiram manobrar atravs do cerco dos grandes navios de guerra, velejaram de

    volta atravs do canal e agora j deviam ter alcanado o mar aberto. Isto foi

    informado nau capitnia onde Elric, Magum Colim e o Prncipe Yyrkoon estavam

    novamente juntos na ponte, inspecionando a destruio que eles tinham causado.

    Ento ns os perseguiremos e acabaremos com eles. disse

    Yyrkoon. Estava suando e sua face morena brilhava, os seus olhos estavam febris.

    Ns temos que persegui-los.

    Elric encolheu os ombros. Ele estava fraco, e no tinha trazido nenhumadroga extra para renovar suas foras. Queria voltar para Imrryr e descansar. Ele

    estava farto daquele banho de sangue, farto de Yyrkoon e principalmente, farto de

    si mesmo. O dio que sentia pelo primo estava esgotando suas foras, e ele odiava

    se sentir assim, isso era a pior parte.

    No! ele disse. Deixe-os ir.

    Deixa-los ir? Impunes? Vamos meu rei e senhor! Isso no nossocostume! o Prncipe Yyrkoon voltou-se para o velho almirante. Isso nosso

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    costume, Almirante Magum Colim?

    Magum Colim encolheu os ombros. Ele tambm estava cansado, mas em

    seu ntimo concordava com o Prncipe Yyrkoon. Um inimigo de Melnibone deveria

    ser castigado por at mesmo ousar pensar em atacar a Cidade dos Sonhos. Aindaassim, ele disse:

    O imperador deve decidir.

    Deixe-os ir. disse Elric novamente. Ele se apoiava pesadamente

    contra a grade. Deixe-os levarem as notcias para a sua terra de brbaros.

    Deixeos dizerem como os Prncipes do Drago os derrotaram. As notcias se

    espalharo. Acredito que no seremos mais aborrecidos por invasores durantemuito tempo.

    Os Novos Reinos esto cheio de estpidos... Yyrkoon respondeu.

    Eles no acreditaro nestas notcias. Sempre haver invasores. O melhor modo de

    adverti-los ser nos certificarmos de que nenhum invasor escapou vivo.

    Elric tomou flego e tentou lutar contra a fraqueza que ameaava

    subjuga-lo.

    Prncipe Yyrkoon, voc est esgotando minha pacincia...

    Mas, meu imperador, eu s penso no bem de Melnibone.

    Seguramente voc no quer que o povo diga que voc fraco, que teme uma

    batalha com cinco galeras do sul?

    Desta vez, a raiva de Elric lhe deu fora.

    E quem dir que Elric fraco? Ser voc, Yyrkoon?

    Ele sabia que sua prxima declarao seria insensata, mas no conseguia

    se conter.

    Muito bem, vamos perseguir estes navios desgraados e afunda-los. E

    faamos isso depressa. Pois estou cansado disso tudo. Havia um brilho misterioso

    nos olhos de Yyrkoon, quando ele se virou para retransmitir as ordens.

    O cu estava mudando de preto para cinza quando a frota de Melnibon

    alcanou o mar aberto, virando suas proas para o sul, em direo ao Mar Fervente e

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    ao continente sul. Os navios brbaros no velejariam pelo Mar Fervente, pois

    diziam que nenhum navio mortal poderia fazer isto, ento eles o contornariam. Mas

    os navios brbaros nunca alcanariam as extremidades do Mar Fervente, pois os

    navios de guerra melnibonianos estavam velejando rapidamente. Os escravos quepuxavam os remos haviam ingerido grandes quantidades de uma droga que durante

    algumas horas aumentava sua velocidade e a fora, antes de mat-los. Alm disso,

    agora as velas estavam infladas com a brisa martima. Estes navios eram como

    montanhas douradas que deslizavam rapidamente no mar, o mtodo de construo

    deles era um segredo perdido at mesmo para prprios melnibonianos (que tinham

    esquecido a maior parte do seu conhecimento). Era fcil imaginar porque oshomens dos Novos Reinos odiavam tanto Melnibone e suas invenes, pois

    realmente parecia que os navios de guerra pertenciam a uma idade mais velha e

    estranha, enquanto eles se lanavam atrs das galeras fugitivas, que agora j podiam

    ser avistadas no horizonte.

    O Filho do Pyaray estava na dianteira do resto da frota e antes mesmo

    que o resto da frota tivesse visto o inimigo, j estava preparando suas catapultas. Os

    escravos suados transportavam vagarosamente os materiais viscosos das bolas de

    fogo, colocando-os nos recipientes de bronze das catapultas com longas pinas em

    forma de colher. As chamas brilhavam na escurido antes do nascer do sol.

    Agora um grupo de escravos subia para a ponte trazendo travessas de

    platina com vinho e comida para os trs Prncipes dos Drages, que ali tinham

    permanecido desde o incio da perseguio. Elric no teve animo para comer, mas

    pegou uma taa grande de vinho amarelo e a engoliu. O vinho era forte e o

    reanimou um pouco. Ele pegou outra taa e bebeu quase to rapidamente quanto a

    primeira. Ento ele observou a frente do navio. Estava quase amanhecendo. Havia

    uma linha de luz vermelha no horizonte.

    Ao primeiro raio de sol... Elric disse, lancem as bolas de fogo.

    Eu darei a ordem. disse Magum Colim, enquanto limpava seus

    lbios e jogava fora o osso com carne que estava mastigando. Levantou-se e deixou

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    a ponte. Elric ouviu os seus ps golpeando o cho pesadamente. Naquele

    momento, o albino se sentiu cercado de inimigos. Tinha algo estranho nos modos

    de Magum Colim durante a discusso com o Prncipe Yyrkoon. Elric tentou tirar

    da cabea estes pensamentos. Mas o cansao, a dvida, o escrnio aberto do primodele, tudo contribua para aumentar o sentimento que ele estava s e sem amigos

    no mundo. At mesmo Cymoril e Dyvim Tvar no eram, afinal de contas

    melnibonianos, e assim no podiam entender as preocupaes estranhas que o

    moviam e ditavam suas aes. Talvez fosse sbio renunciar a tudo que tinha em

    Melnibon e vagar pelo mundo como um mercenrio annimo, servindo a quem

    precisasse da sua ajuda?O semicrculo vermelho escuro do sol apareceu sobre a distante linha

    negra das guas. Ento soaram uma srie de estrondos vindo dos conveses

    dianteiros da nau capitnia quando as catapultas libertaram suas furiosas cargas,

    havia um assobio que diminua lentamente, enquanto as bolas de fogo riscavam o

    cu como uma dezena de meteoros caindo. As cinco galeras estavam agora uma

    distncia de pouco mais de trinta vezes o comprimento do navio.

    Elric viu duas galeras incendiarem, mas as trs remanescentes

    comearam a velejar em um curso de zig-zag e conseguiram evitar bolas de fogo

    que caram na gua, chiando caprichosamente antes de afundar e continuar

    queimando nas profundidades.

    Mais bolas de fogo estavam preparadas e Elric ouviu Yyrkoon gritar do

    outro lado da ponte, ordenando que os escravos se esforassem mais. Ento os

    navios fugitivos mudaram suas tticas, evidentemente compreendendo que no

    poderiam se salvar por muito tempo, e se dispersando as trs velejaram em direo

    ao Filho de Pyaray, da mesma maneira que os outros navios tinham feito no

    labirinto. No foi somente a coragem deles que impressionou Elric, mas tambm a

    sua habilidade de manobra e a rapidez com que tinham chegado a esta lgica, mas

    desesperada, deciso.

    O sol estava atrs dos navios do sul quando eles viraram. Trs valentes