educação religiosa e a teologia da prosperidade

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Educação Religiosa e a teologia da prosperidade MARCO BUENO

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Eu nasci no dia em que o meio começou a falar que prosperar era bom. Eu morri no exato momento em que comecei levar isso a sério. Eu ressuscitei na hora em que compreendi que eu só posso ser o que realmente sou, e nada mais.

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Educação Religiosa e a teologia da prosperidade

MARCO BUENO

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Eu nasci no dia em que o meio começou a falar que prosperar era bom. Eu morri

no exato momento em que comecei levar isso a sério. Eu ressuscitei na hora em que

compreendi que eu só posso ser o que realmente sou, e nada mais.

A minha vida infantil estava indo muito bem até que meus pais pautado na sua

cultura, que era baseado na cultura dos pais deles, acharam que eu deveria ter uma

educação religiosa. Sei que os pensamento dos meus genitores eram os melhores

possíveis segundo a bíblia: "Educa a criança no caminho em que deve andar; e até

quando envelhecer não se desviará dele". Provérbios 22:6, ou Pitágoras: "Educai as

crianças hoje, para não ter que punir os adultos de amanhã".

Repare que não estou falando que a atitude de meus pais foram erradas. A

reflexão aqui vai muito além de um pensamento redutível e miserável qualquer. Estou

falando de um conhecimento que foi plantado, quase, em uma vida inteira.

Hoje, no auge dos meus quarenta anos, carrego comigo uma construção dita

divina, superior, sobrenatural, indiscutível, irrevogável que não são minhas. Carrego

conflitos interiores que não são meus. Tenho gostos, ideias, pensamentos e atitudes que

nada tem a ver comigo. Onde estou, e que sou eu então?

Eu, durante a minha infância, não tinha condições cognitivas para contestar as

informações que me passavam, e tão pouco maturidade psicológica para dizer o que era

bom para mim.

Virei fruto do senso comum, como os versículo acima deixaram claro. Fui

educado de forma a não desviar do caminho, mesmo não tendo ideia de suas

implicações. Fui induzido, coagido e manipulado à acreditar num repertorio dogmático que

quase acabou comigo. Foram-me transmitidos informações de fé, de poder, de divindade,

de operações, maravilhas, milagres, de prosperidade. Fui educado a acreditar que sem

Deus e sem seu filho intercessor não sou nada; e sem ambos nada sou capaz de fazer.

Fui superorientado a crer que só é possível eu alcançar bênçãos se eu estivesse

preparado para isso. Fui influenciado a pensar que só posso fazer as coisas com a

determinação de Deus, pois só ele é onisciente, onipresente e onipotente. A minha fé foi

direcionada à compreensão de que sem Deus sou fraco.

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Conforme fui absorvendo estas informações catequéticas de louvores, de oração,

de mandamentos das leis divina e dos homens, de testemunho, de morte, de 1º e 2º

ressurreição, de céu e inferno, de reino de Deus, de direitos e obrigações com a doutrina

de Cristo, fui compelido a arcar com compromissos e despesas que não são minhas.

"Cada um tem que carregar a sua cruz", ou, "pegou na alça do caixão tem que ir até o

fim", me exortavam.

Neste processo de ser ensinado o caminho que eu devia andar, não me apercebi

que estava sendo inserido em minhas raízes um abidueiro. Cujo alimento não era

compatível com a minha realidade. Assim, vagarosamente, fui sendo privado de pensar

com os meus sentidos. Por eu não ter outra base a não ser aquela que recebia, obedeci e

segui sem pestanejar.

Cresci. Fiquei jovem, casei, separei, não tive filhos; mas se tivesse tido eles

seriam ensinados no caminho que eles deveriam andar, para quando crescessem não se

desviassem dele. Assim mesmo. Sem consentimento, liberdade, pluralidade.

Fui um bom seguidor e reprodutor de conceitos até a hora que deu. Mas chegou

um momento em que vomitei todas as informações ruminadas. Não sei se foi excesso de

culpa, desejo de liberdade ou vontade de viver. Algo me fez colocar este proselitismo para

fora, como estou fazendo agora, novamente.

Sem saber que eu sabia, achava que uma vez cooptado, cooptado para sempre.

Pensava que existia vários caminhos, mas que somente um me levaria ao céu. Portanto,

não me via fora da igreja ou de uma religião, nunca.

Mas a vida é engraçada e gosta de pregar peças. Não pensava que um dia eu

promoveria embates contra as coisas que defendi. Resolvi deixar de seguir Cristo, de tê-lo

em uma camiseta, chaveiro, bíblia ou em uma igreja. Resolvi abandonar a fantasia para

ter um relacionamento sério com a mensagem, sem me importar quem foi o seu

mensageiro. Resolvi deixar de lado as tradições, e me afastar do evangelismo, catequese,

doutrina, crença e quaisquer outras informações engessadoras. Resolvi curtir a verdade

libertadora que está me livrando de pesos e culpas, sem me tirar o brilho e a oportunidade

de uma transformação para o bem.

Transformação que nada tem a ver com religião, prosperidade, milagres ou

espera de um dia melhor. Transformação que me dá o direito de não fazer parte de

rebanho nenhum, mas me fará chegar no mesmo lugar sem pastoreador ou sacerdotes.

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Transformação espinhenta, que machuca, que fere, que tira do comodismo, que faz

pensar e ter consciência de minha vergonha. Transformação que mostra que eu não

preciso de reforma íntima; preciso de juízo. Transformação que aponta que não há

necessidade de eu ser salvo; preciso admitir o meu direito de ser sujeito. Transformação

que desliga o homem da passividade, sentimentalismo piegas e submissão.

Transformação que demonstra que a cultura é cada um que faz. Transformação que traz

uma clareza maior de que a religião é a condutora de gado ao matadouro. Transformação

que tira roupas esquisitas, adornos, fantasias, ilusões, egocentrismo e mostra tudo o que

não somos.

Desta minha relação com o mundo religioso, ficou apenas a dor de ver indivíduos

massacrados diariamente por um religião que não explica a nossa relação com o mundo,

e tão pouco com qualquer coisa além dele. Me chateia ver pessoas adultas sendo

aproveitadas de sua ignorância oriundas de uma infância sem diversidade. Me dói ver

que uma suposta educação religiosa continua sendo o maior objeto alienador e atrofiador

de mentes do e no homem.

O que vejo continuadamente é um evangelismo que não fazem os seus adeptos

adquirirem conhecimento de mundo, dando-lhe a oportunidade de avançar; mas muito

pelo contrário,os mantém fiéis. O mundo não precisa de fiéis; precisa de cidadãos que

saibam viver nele, por ele e através dele.

A religião, segundo estudiosos, veio demonstrar o dever e a necessidade do

homem em religar-se a Deus. A minha história deixa isto evidente. A religião veio explicar

como devemos lidar com os sofrimentos imerecidos, a miséria, a morte. O homem

colocou a religião numa posição intermediária entre ele e sabe lá o que; que não Deus. A

religião veio mostrar que podia libertar o indivíduo do pecado, do jugo e do sofrimento

com um passaporte salvacional que não dá direito a melhoras nem aqui e nem no futuro

messiano, que é onde ela se projeta.

No meio deste processo surgiu usurpadores e exploradores capitais com a sua

teologia de prosperidade, que, com mensagens redentoras aos desgraçados e menos

favorecidos, prometem-lhe alivio as suas dores e tormentos eternos. Contraditório? Muito.

Verdadeiro? Depende de cada um. A liberdade de poder permitir-se transformar traz

outras possibilidades além daquelas que estamos costumados a viver.

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Frente as mudanças constantes, timidamente, a religião tenta se acomodar a um

novo palavreado. Eu disse, tenta. As igrejas se esforçam para atender a mudança

sociológica do homem, importando teologias, literaturas, adaptando novos ritmos

musicais, novos rituais. Tudo isso porque não conseguem evitar as mudanças sociais que

estão acontecendo.

Munidos da ideia de que o plano de Deus para o homem é fazê-lo feliz,

abençoado, saudável e próspero em tudo, surgiu a teologia da prosperidade como meio

e/ou extensão do posto acima.

A tempos, o que vemos na maioria das igrejas é a ideologia funkeira: prazer,

prazer e prazer. Tudo isso é colocado de uma forma muito inspirativa e que atraem os

mais incautos. A teologia da prosperidade vende a ideia de que, se, a pessoa for

inteligente, esperta e souber aproveitar as oportunidades, aliadas às bênçãos divina,

farão dela uma pessoa tremendamente próspera.

Este assunto sobre a teologia da prosperidade é extenso e não dá para ser

abordado de forma superficial, devido a sua complexidade histórica e social. Por isso, no

final deste documento apontarei links que abordam o assunto incitado.

Retomo a reflexão de que fui educado religiosamente a buscar primeiro o reino

dos céus , sabendo que as demais coisas seriam acrescentadas. Este pensamento

embora carregado de dogmas, e não tenha sido ele o originador de minhas amarguras,

difere da teologia da prosperidade que introduz a relação de troca com o troco.

A questão de educação religiosa que aqui posto é voltada exclusivamente a

crítica de que a formação religiosa enrijece o saber e entorpece a leitura de mundo da

criança,aviltando a sua brilhante inteligência, transformando-a em pessoa

intelectualmente atrofiada na vida adulta .

Sendo assim, hoje, sou contra quaisquer princípios e convicções religiosas,

porque imprimem submissão, padronização e homogeneização dos sujeitos, tornando-os

escravos de si, do outro e do mundo que o cerca.

Com isso, não vejo outra forma de alertar os leitores incautos sobre as

implicações desastrosas que a educação religiosa causam na vida das pessoas, aqui e

além. E a única forma de primar a questão é não enfiando conteúdo supérfluo e

desnecessário na cabeça de uma criança, como mostra e encerra a citação abaixo:

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“Tudo se submeterá ao exame da criança e nada se lhe enfiará na cabeça por

simples autoridade e crédito. Que nenhum princípio, de Aristóteles, dos estóicos ou dos

epicuristas, seja seu princípio. Apresentem-se-lhe todos em sua diversidade e que ele

escolha se puder. E se não o puder fique na dúvida, pois só os loucos têm certeza

absoluta em sua opinião (...). Quem segue outrem não segue coisa nenhuma; nem nada

encontra, mesmo porque não procura.” (MONTAIGNE: 1987, 4ª ed. P. 77-78).

Apontamentos

Os neopentecostais e a teologia da prosperidade

http://lw1346176676503d038.hospedagemdesites.ws/v1/files/uploads/contents/78/20080626_os_neopentecostais.pdf

Educação religiosa e pedagogia:contradições e obstáculos à constituição de sujeitos

http://gwnit.microlink.com.br/~braga/