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ARP 33 Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVII, nº 66, pág. 33-40, Abr.-Jun., 2005 Recebido a 16/06/2005 Aceite a 13/09/2005 Ecografia no Transplante Renal: Modo B e Doppler Ultrasonographic Evaluation of the Transplanted Kidney: B mode and Doppler Pedro Belo Oliveira, Henrique Rodrigues, Olga Vaz, Pedro Belo Soares, Elisabete Pinto Clínica Universitária de Imagiologia, Hospitais da Universidade de Coimbra Director: Prof. Doutor Filipe Caseiro Alves Resumo os autores pretendem descrever a utilidade da ecografia em modo B e Doppler no seguimento do rim transplantado. Após o transplante renal os doentes são frequentemente avaliados por ecografia para a monitorização da função renal e de possíveis complicações. Trata-se de uma técnica de baixo custo, não invasiva e não nefrotóxica. As complicações mais frequentes após o transplante renal são: colecções líquidas peri-renais, diminuição da função renal e alterações da vascularização. As colecções líquidas peri-renais são comuns após o transplante e a sua importância clínica depende da sua dimensão, tipo e localização. As Causas de diminuição da função renal incluem: necrose tubular aguda, rejeição e toxicidade medicamentosa. As complicações vasculares incluem oclusão ou estenose da artéria ou da veia renal, fistulas arteriovenosas e pseudoaneurismas. Quando os exames laboratoriais indicam disfunção do enxerto, a Imagiologia permite a avaliação da morfologia e perfusão renal. Apesar de o gold- standard para a avaliação destas patologias ser a angiografia, o Doppler é um excelente método de monitorização, facilitando não apenas uma avaliação global da vascularização intrarena, assim como uma avaliação dirigida à artéria e veia renais. Palavras-chave Transplante Renal; Ecografia; Doppler. Abstract The authors describe the utility of B mode and Doppler in the transplanted kidney evaluation and follow-up. Ultrasonography is a low cost, non-invasive and non-nephrotic technic. The most frequent complications following a renal transplant are: peri-transplant liquid collections, decrease of the renal function and vascular complications. Liquid collections are common and their clinical importance depends on its dimensions, type and local. Causes of diminished renal function include: acute tubular necrosis, rejection and toxic nephropathy. Vascular complications include: renal vein and artery stenosis, arteriovenous fistulas, and pseudoaneurysms. Key-words Transplanted Kidney; Ultrasonography; Doppler. 1. Introdução O transplante renal tornou-se o tratamento de escolha na doença renal terminal. Com os avanços da técnica de transplante e dos diversos fármacos imunossupressores como a ciclosporina, OKT3 e FK506, têm sido enunciadas taxas de sobrevida no primeiro ano de cerca de 90% para enxertos de familiares vivos e de 95% de enxertos antigénio linfocitário humano idênticos [1]. A ecografia é o método de escolha na avaliação pós-operatório, no seguimento a longo prazo, para guiar intervenções diagnósticas e terapêuticas, como biópsias e drenagens de colecções líquidas. Nesta revisão serão descritas as principais complicações e as sua características ecográficas. 2. Técnica Cirúrgica As técnicas cirúrgicas variam consoante a instituição. A fossa ilíaca direita ou esquerda são geralmente escolhidas, baseadas nos antecedentes cirúrgicos do doente ou na preferência do Cirurgião. Na maioria dos casos o rim transplantado tem localização extra-peritoneal. Mais frequentemente são escolhidas para a anastomose vascular cirúrgica a artéria e a veia ilíacas externas, criando-se uma

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Page 1: Ecografia no Transplante Renal: Modo B e Doppler · transplante renal são: colecções líquidas peri-renais, diminuição da função renal e alterações da vascularização

ARP 33

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVII, nº 66, pág. 33-40, Abr.-Jun., 2005

Recebido a 16/06/2005Aceite a 13/09/2005

Ecografia no Transplante Renal: Modo B e Doppler

Ultrasonographic Evaluation of the Transplanted Kidney: B mode andDoppler

Pedro Belo Oliveira, Henrique Rodrigues, Olga Vaz, Pedro Belo Soares, Elisabete Pinto

Clínica Universitária de Imagiologia, Hospitais da Universidade de CoimbraDirector: Prof. Doutor Filipe Caseiro Alves

Resumo

os autores pretendem descrever a utilidade da ecografia em modo B e Doppler no seguimento do rim transplantado. Após otransplante renal os doentes são frequentemente avaliados por ecografia para a monitorização da função renal e de possíveiscomplicações. Trata-se de uma técnica de baixo custo, não invasiva e não nefrotóxica. As complicações mais frequentes após otransplante renal são: colecções líquidas peri-renais, diminuição da função renal e alterações da vascularização. As colecçõeslíquidas peri-renais são comuns após o transplante e a sua importância clínica depende da sua dimensão, tipo e localização. AsCausas de diminuição da função renal incluem: necrose tubular aguda, rejeição e toxicidade medicamentosa. As complicaçõesvasculares incluem oclusão ou estenose da artéria ou da veia renal, fistulas arteriovenosas e pseudoaneurismas. Quando os exameslaboratoriais indicam disfunção do enxerto, a Imagiologia permite a avaliação da morfologia e perfusão renal. Apesar de o gold-standard para a avaliação destas patologias ser a angiografia, o Doppler é um excelente método de monitorização, facilitando nãoapenas uma avaliação global da vascularização intrarena, assim como uma avaliação dirigida à artéria e veia renais.

Palavras-chave

Transplante Renal; Ecografia; Doppler.

Abstract

The authors describe the utility of B mode and Doppler in the transplanted kidney evaluation and follow-up.Ultrasonography is a low cost, non-invasive and non-nephrotic technic. The most frequent complications following a renal transplantare: peri-transplant liquid collections, decrease of the renal function and vascular complications. Liquid collections are commonand their clinical importance depends on its dimensions, type and local.Causes of diminished renal function include: acute tubular necrosis, rejection and toxic nephropathy.Vascular complications include: renal vein and artery stenosis, arteriovenous fistulas, and pseudoaneurysms.

Key-words

Transplanted Kidney; Ultrasonography; Doppler.

1. Introdução

O transplante renal tornou-se o tratamento de escolha nadoença renal terminal. Com os avanços da técnica detransplante e dos diversos fármacos imunossupressorescomo a ciclosporina, OKT3 e FK506, têm sido enunciadastaxas de sobrevida no primeiro ano de cerca de 90% paraenxertos de familiares vivos e de 95% de enxertos antigéniolinfocitário humano idênticos [1]. A ecografia é o métodode escolha na avaliação pós-operatório, no seguimento a

longo prazo, para guiar intervenções diagnósticas eterapêuticas, como biópsias e drenagens de colecçõeslíquidas. Nesta revisão serão descritas as principaiscomplicações e as sua características ecográficas.

2. Técnica Cirúrgica

As técnicas cirúrgicas variam consoante a instituição. Afossa ilíaca direita ou esquerda são geralmente escolhidas,baseadas nos antecedentes cirúrgicos do doente ou napreferência do Cirurgião. Na maioria dos casos o rimtransplantado tem localização extra-peritoneal. Maisfrequentemente são escolhidas para a anastomose vascularcirúrgica a artéria e a veia ilíacas externas, criando-se uma

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anastomose término-lateral. (Fig. 1). A ureterocistostomiaé executada de forma a prevenir o refluxo para o rimtransplantado [2]. Em cerca de 20% dos doentes sãonecessárias anastomoses arteriais e/ou venosas múltiplas.Dado a granda variabilidade das técnicas cirúrgicas, é deextrema importância para o Radiologista o conhecimantoda técnica cirúrgica usada na sua Instituição e a variantedo doente em particular, para a adequada avaliação dasalterações eventualmente mostradas pelo método deimagem.

intrarenais têm sido associadas a obstrucção renal, adiversas doenças intrínsecas renais e a distúrbiosvasculares. O índice de resistência (pico sistólico - picodiastólico / pico sistólico) é um parâmetro útil para aquantificação das alterações do fluxo sanguíneo renal queacompanham a patologia renal.

4. Técnica Doppler

Para a correcta avaliação Doppler do enxerto renal éfundamental uma técnica adequada. Isto requer o uso deequipamento que forneça boa sensibilidade Doppler,devendo o Radiologista estar apto a optimizar osparâmetros técnicos, dado que o ajuste errado podefacilmente simular a presença de lesões ou impedir a suavisualização.Devem usar-se as sondas com as frequências mais elevadasque forneçam fluxos mensuráveis, complementados porDoppler cor e power Doppler para a localização dos vasos.Faz-se então a abordagem das artérias arcuadas einterlobares com uma amostra Doppler de 2 a 4mm. Asondas devem ser optimizadas para as adequadas mediçõesusando-se os PRFs mais baixos possíveis sem aliasing (paramaximizar o tamanho da onda) e o mais baixo filtro deparede. Para a abordagem inicial, devem ajustar-se aomínimo possível os PRFs para a correcta localização detodos os vasos renais. Os ganhos Doppler devem seraumentados até ao limite máximo em que surga mosaicode cor. Para assegurar uma boa percepção do fluxo porDoppler cor ou espectral, o ângulo de insonação deve serinferior a 60º. Definir um ângulo de abordagem correctopode-se tornar dificil devido à tortuosidade de muitos vasos[3].Muitas das vezes o exame é limitado em doentes obesosou pela interposição de gás de ansas do intestino delgado.Aplicando pressão suficiente estes obstáculos podem serminimizados. No entanto, podemos estar a compremetero estudo Doppler porque o parênquima renal também écomprimido, diminuindo assim o fluxo diastólico. Istoresulta num aumento dos índices de resistência. Deve-seter em conta este aspecto, para que diagnósticos feitos combase neste parâmetro sejam de facto verdadeiros [4].São obtidas três a cinco curvas para cada rim, calculando-se o índice de resistência médio. Vários estudostêmdemostrado que o IR deve ser de 0.6. a maior série atéà data reportou um IR médio de 0.6 +- 0.01 para individuossem patologia renal [5]. Devemos considerar como o limitesuperior da normalidade o valor de 0.7 [6,7].O aspecto da onda normal do rim transplantado ésemelhante à do rim nativo, com a amplitude do fluxodiastólico sendo aproximadamente um terço da amplitudedo sistólico.

5. Complicações

5.1 – Colecções Líquidas Perirenais

As colecções líquidas perirenais são frequentes no pósoperatório e incluem hematomas, seromas, urinomas,linfocelos e abcessos. O aspecto ecográfico é muitas vezesinespecífico, dependendo da composição e da localização

3. Ecografia modo B e Doppler

A ecografia modo B é o método inicial de avaliação doenxerto renal. No entanto, frequentemente os resultadosda ecografia não têm impacto na decisão terapêutica. Defacto, este método fornece-nos informações puramenteanatómicas e morfológicas: dimensões, espessura doparênquima e grau de dilatação pielocalicial. Apesar deestas alterações poderem ser importantes na avaliação dacronicidade da doença, muitas vezes não existem alteraçõesmorfológicas num rim com disfunção severa. Além disso,muitos Clínicos e Radiologistas estão bem cientes de queo aumento da ecogenicidade do parênquima, muitas vezesvisto nos casos de insuficiência renal médica, carece deespecificidade e sensibilidade para ser clinicamentesignificativa. Finalmente, apesar de se detectar facilmentea dilatação do sistema excretor, raramente é possíveldiferenciar entre pielectasia (pielo-ectasia)obstructiva enão obstructiva.Uma série de artigos publicados na década anteriormostraram o potencial do Doppler para a avaliação doenxerto renal. As alterações nos fluxos das artérias

Fig 1 - Anastomose cirúrgica do rim transplantado à artéria e veia ilíacasexternas.

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da colecção. Assim, sangue circundando o transplante podeser ecogénico com múltiplos septos no seu interior, emboraestas alterações também possam ocorrer no abcesso, porexemplo.

5.1.1 – HematomaPequenas colecções líquidas peri-renais, em forma decrescente, no pós operatório imediato são maisfrequentemente hematomas (Fig. 2) ou seromas, devendoser encarados como uma sequela normal da cirurgia [8].O tamanho, a localização e o eventual cresimentodeterminam a significância destas colecções. Dado queum aumento das dimensões pode indicar a necessidade decirurgia, deve ser sempre documentado o tamanho destascolecções (Fig. 3).

5.1.3 – UrinomasOs urinomas são complicações relativamente raras,manifestando-se no pós operatório imediato como dor,edema e extravasamento através da sutura cirúrgica. Asfugas a nível da anastomose ureterovesical estãorelacionadas com a técnica cirúrgica e ou com necrosedistal de ureter. Os septos internos são pouco frequentes,apesar de as alterações ecográgicas serem inespecíficas[9],

5.1.4 – LinfocelosOs linfocelos geralmente ocorrem 4 a 8 semanas após acirurgia e afectam cerca de 15% dos doentes. A causa estárelacionada com a disrupção dos canais linfáticos normaisdurante a cirurgia. A maioria é descoberta acidentalmente,é assintomática e não exige atitude terapêutica (Fig. 5A).No entanto, devido ao risco potencial para exercer efeitode massa, poderá surgir hidronefrose (Fig. 5B) ou mesmoedema da parede abdominal, do membro inferior, doescroto ou dos grandes lábios. O linfocelo pode ser tratadocom drenagem percutênea ou cirúrgica.

5.1.2 – AbcessosColecções líquidas mais heterogéneas no pós operatóriomais tardio e associadas a clínica de infecçãocorrespondem com maior probabilidade a um abcesso(Fig. 4)

Fig 2 - Hematoma anterior ao transplante renal em forma de crescente.

Fig 3 - Hematoma (asterisco) anterior ao rim transplantado (seta).

Fig 5A - Linfocelo adjacente ao rim transplantado (seta).

Fig 4 - Colecção líquida heterogénea (seta) num doente transplantadocom clínica de infecção correspondendo a um abcesso.

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5.2 - Diminuição da Função Renal

As causas da diminuição da função renal incluem: necrosetubular aguda, rejeição (hiperaguda, aguda e crónica) enefrotoxicidade farmacológica.

5.2.1 – Necrose Tubular AgudaÉ a causa mais comum de atraso na função renal, definidacomo a necessidade de realizar diálise na primeira semanapós transplante [10]. As causas incluem isquémiaprolongada e lesões de reperfusão. A necrose tubular agudaestá presente na maioria dos enxertos cadavéricos, tendoresolução espontânea nas primeiras duas semanas.

5.2.2 – RejeiçãoNa rejeição hiperaguda o enxerto falha imediatamente apósa anastomose, sendo logo removido. Por este factoraramente é observada em ecografia. A rejeição aguda érelativamente frequente, (ocorrendo em cerca de 50% dosdoentes no primeiro ano) com cerca de 50% dos doentesexperimentando pelo menos um episódio no primeiro ano.Pode surgir febre, mal estar geral e dor abdominal. Arejeição crónica é a causa mais frequente de perda tardiado enxerto. O diagnóstico é histológico demonstrandoproliferação das artérias e arteríolas, infiltração celularintersticial, fibrose, atrofia tubular e alteraçõesglomerulares [11]. Valores do índice de resistênciasuperiores a 0.7 nas artérias intra-renais podem indiciaresta patologia [12].

5.2.3 – Nefrotoxicidade FarmacológicaMuitos farmacos são nefrotóxicos e os seus efeitos sãopotenciados por desidratação e deficiente perfusãosanguínea. A ciclosporina tem o maior efeito nefrotóxicocom o seu efeito vasoconstrictor na arteríola aferenteglomerular.

5.2.4 – Diagnóstico Diferencial por EcografiaAs alterações ecográficas nos casos de diminuição dafunção renal incluem: aumento das dimensões do enxerto(Fig. 6), aumento da espessura cortical, aumento da

ecogenicidade do parênquima renal, perda da diferenciaçãoparenquimo-sinusal e auemento da transsonicidade daspirâmides renais (Fig. 6 e 7). Podemos também observarespessamento das paredes do sistema colector. No entantoestas alterações são pouco sensíveis, constituindo oDoppler um método complementar útil [13],nomeadamente mostrando aumento dos índices deresistência (superiores a 0.7) e ausência ou inversão dosfluxos diastólicos (Fig. 8 e 9) [14].

Fig 5 B– linfocelo provocando hidronefrose.

Fig 6 - Aumento da ecogenicidade do parênquima e da transsonicidadedas pirâmides renais.

5.3 – Complicações Vasculares

As complicações casculares são vistas em menos de 10%dos transplantes renais, sendo contudo uma causaimportante de disfunção do enxerto [15]. Ao contrário dasoutras causas de disfunção, as complicações vascularestêm mortalidade e morbilidade elevadas. Uma vezidentificadas são facilmente reparadas. Apesar de aangiografia ser o método goldstandard para o diagnósticodestas complicações, o Doppler constitui um excelentemétodo não invasivo para a avaliação dos vasos afectados[16].

Fig 7 - Aumento da ecogenicidade do parênquima, da transsonicidadedas pirâmides renais e pobreza da vascularização intra-renal.

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5.3.1 – Estenose da Artéria RenalTrata-se da complicação vascular mais comum, reportadaem cerca de 10% dos doentes [17]. A avaliação dapermeabilidade da artéria renal deve ser feita em doentescom hipertensão arterial refractária à terapêutica ou quandoa hipertensão se associa a um sopro audível ou a diminuiçãoda função renal. A hipertensão moderada não é umindicador fiel de estenose da artéria renal dado que até65% dos receptores de enxertos renais têm hipertensãonão renovascular. As estenoses geralmente ocorrem a nívelda anastomose cirúrgica, estando directamenterelacionadas com a técnica cirúrgica. O Doppler tem-semostrado uma excelente técnica não invasiva para aavaliação da artéria renal. Inicialmente faz-se um mapado trajecto desta artéria com o modo Doppler-cor. Com ocorrecto ajuste dos ganhos de cor e dos PRF a região daestenose aparecerá como uma zona de mosaico de cor (Fig.10), que deve então ser mais bem caracterizada porDoppler-espectral, para a sua caracterização equantificação [7].Os critérios Doppler-pulsado para o diagnóstico deestenose da artéria renal são: a) velocidades sistólicas >190cm/seg associadas a alterações do fluxo pós-estenótico;b) velocidades sistólicas > 250cm/seg; relação velocidadesistólica na estenose / velocidade sistólica na artéria ilíacaexterna > 3 (Fig. 11, 12).

Fig 8 - Doppler mostrando ausência de fluxo diastólico.

Fig 9 - Doppler mostrandoausência dos fluxos diastólicos.

Fig 10 - Zona de mosaico de cor (seta) provocada por aceleração dasvelocidades do sangue numa região de estenose da artéria renal,condicionada por compressão exercida por um hematoma retroperitoneal(asterisco).

Fig 11 - Doppler espectral numa região de estenose da artéria renal comvelocidades sistólicas de cerca de 326.6cm/seg.

Fig 12 - Pulso tipo tardus parvus na artérias intrarenais a jusante deuma estenose da artéria renal. Este tipo de pulso caracteriza-se por umasubida lenta das velocidades sistólicas até ao pico máximo, que seapresenta com reduzidos valores.

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5.3.2 – Trombose da Veia RenalÉ uma causa rara de disfunção do enxerto. Ocorregeralmente na primeira semana pós transplante,manifestando-se clinicamente por oligúria súbita, edemae dor na zona do enxerto. A etiologia inclui a técnicacirúrgica, compressão da veia renal por colecções líquidase hipovolémia. A incidência aumentada de trombose daveia renal esquerda tem sido atribuída à compressão daveia ilíaca comum esquerda entre o sacro e a artéria ilíacacomum. O resultado da trombose deste vaso é o enfartedo enxerto com sua a consequente remoção. No modoDoppler-cor não se consegue definir a veia renal (Fig. 13)e o Doppler espectral das artérias intrarenais mostraausência ou inversão dos fluxos diastólicos (Fig. 14).

5.3.3 – Trombose da Artéria RenalComplicação rara que ocorre no pós operatório imediatolevando invariavelmente à perda do enxerto. O Dopplercor e espectral não definem fluxos venosos ou arteriaisintra-renais.

5.3.4 – Estenose da Veia RenalResulta de fibrose perivascular e compressão por colecçõeslíquidas adjacentes. São clinicamente significativas quandosão três vezes superior ao normal (16).

5.3.5 – Fistulas Arteriovenosas e PseudoaneurismasIntrarenaisEstas alterações são o resultado de traumatismo vasculardurante biópsias percutâneas. As fistulas arteriovenosaspodem-se formar quando a artéria e veia são laceradas.Os pseudoaneurismas surgem quando apenas a artéria élacerada. A maioria destas lesões são pequenas,clinicamente silenciosas e resolvem espontaneamente.Quando de tamanho considerável, os shunts arteriovenosospodem levar a isquémia renal. Pode surgir hematúria ouhemorragia peri-enxerto se ocorrer rotura da lesão vascular.O modo Doppler identifica facilmente as fistulasarteriovenosas como zonas focais de distúrbio da cor, forada vascularização normal (aspecto que é atribuido à

vibração do tecido em redor da fistula. Com o correctoajuste dos ganhos e do filtro de parede, podem seridentificadas a veia de drenagem e a artéria aferente. Estaúltima apresenta uma onda espectral de elevada velocidadee baixa resistência. A veia de drenagem tem um fluxopulsátil arterializado (Fig. 15).Os pseudoaneurismas podem mimetizar um quisto renalsimples ou complexo. No entanto, o Doppler cor mostra apresença de fluxo no seu interior. Caso se identifique ocolo da lesão objectiva-se jactos de sangue alternados defluxo anterogrado e retrogrado. Trata-se do fluxo tipo “vaie vem” caractrístico dos pseudoaneurismas (Fig. 16).

Fig 13 – Doppler cor mostrando apenas a artéria no hilo renal

Fig 14 - Doppler espectral das artérias intrarenais mostrando inversãodos fluxos diastólicos.

Fig 15 - Veia de drenagem com fluxo pulsátil arterializado.

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5.3.6 – Fistulas Arteriovenosas e PseudoaneurismasExtrarenaisAs fistulas arteriovenosas e os pseudoaneurismasextrarenais são extremamente raros, ocorrendo tipicamentecomo resultado da técnica cirúrgica. Podem também sercomplicação de processos infecciosos. O significadoclínico destas lesões depende do seu tamanho. Contudo,todos os pseudoaneurismas extrarenais são clinicamenteimportantes dado a elevada frequência de infecções peri-anastomóticas e possibilidade de rotura. As alterações nomodo Doppler são semelhantes às descritas acima.

5.4 – alterações do sistema colector

A obstrucção do sistema colector após transplante renalocorre em cerca de 5% dos casos. As causas incluem edemana região da anastomose e isquémia determinando fibrosee estenose do sistema colector. Infecção, hematomas,linfocelos, edema da mucosa e kinkings do ureterconstituem outras causas de obstrucção.Os doentes com hidronefrose são frequentementeassintomáticos, sendo a principal manifestação o aumentodos níveis da creatinina. A ecografia modo B mostradilatação pielo-calicial (Fig. 17 e 18). Contudo, estaalteração é pouco específica porque também surge noscasos de tónus diminuído do ureter. Tem sido demonstradoque a medição do índice de resistência das artériasintrarenais pode confirmar ou não a presença de obstrucçãorenal. Assim, índices de resistência maiores do que 0.7estão associados à presença de obstrucção [12] (Fig.19).A presença de material ecogénico sólido no interior dosistema colector é geralmente clinicamente significativo.Material ecogénico, sem determinar cone de sombraposterior, é compatível com bolas de fungos, enquanto quematerial hipoecogénico sugere a presença de pionefroseou hemonefrose [7]. Outra alterações do sistema colectorsão os cálculos e os tumores do urotélio.

5.5 – alterações do parênquima renal

Áreas focais hipo ou hiperecogénicas parenquimatosas sãofacilmente identificadas por ecografia. Estas alterações

Fig 16 - Fluxo tipo vai e vem no colo do pseudoaneurisma.

Fig 19 - Mesmo doente que o da figura 17. Os índices de resistênciaestão ligeiramente superiores a 0.7 indicando a presença de obstrucçãorenal.

Fig 17 - Dilatação pielocalicial

Fig 18 - Dilatação pielocalicial (seta) determinada por um hematomaretroperitoneal (asterisco).

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podem corresponder a alterações do contorno, tendo baixaespecificidade. Podem estar em relação com pielonefrite,enfarte ou rejeição. Um enfarte focal é sugerido porausência de fluxo no modo Power Doppler. No seguimentomais tardio do enxerto, estas áreas podem estar em relaçãocom um carcinoma de células renais ou com doençalinfoproliferativa.

6 – Biópsias Renais

A biópsia percutânea é um método valioso na avaliaçãodos doentes com diminuição de função do enxerto. Ascomplicações pós-biópsia incluem: hemorragia peri-renal,fistulas arterio-venosas, pseudoaneurismas e lacerações dosistema colector [7]. A frequência destas complicações édimunuida com o uso de biópsias eco-guiadas. O Dopplerconsegue eficazmente delinear os vasos, evitando assimcomplicações vasculares.

Conclusões

Tendo em conta as taxas de sobrevida cada vez mais longasdos doentes transplantados renais, dado o desenvolvimentodos novos fármacos imunossupressores e novas técnicascirúrgicas, reveste-se de importância crescente o uso detécnicas não invasivas de seguimento destes doentes e dediagnóstico das complicações.

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Correspondência

Pedro Belo OliveiraClinica Universitária de ImagiologiaHospitais da Universidade de CoimbraPraceta Mota Pinto3030 Coimbra