documento de qualificação nepomuceno tese

68
1 PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO DOUTORADO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO CONVÊNIO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAÇÃO EM CIÊNCIA E TECNOLOGIA CARLOS NEPOMUCENO AMBIENTES COLABORATIVOS DE CONHECIMENTO: A RUPTURA DO CONTROLE DA INFORMAÇÃO COMO ALTERNATIVA PARA O EQUILÍBRIO SISTÊMICO Niterói 2009

Upload: carlos-nepomuceno

Post on 05-Dec-2014

5.097 views

Category:

Technology


3 download

DESCRIPTION

Documento de qualificação.

TRANSCRIPT

  • 1. PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA DA INFORMAO DOUTORADO EM CINCIA DA INFORMAO CONVNIO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAO SOCIAL INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAO EM CINCIA E TECNOLOGIA CARLOS NEPOMUCENO AMBIENTES COLABORATIVOS DE CONHECIMENTO: A RUPTURA DO CONTROLE DA INFORMAO COMO ALTERNATIVA PARA O EQUILBRIO SISTMICO Niteri 2009 1
  • 2. PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIA DA INFORMAO DOUTORADO EM CINCIA DA INFORMAO CONVNIO UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE - INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAO SOCIAL INSTITUTO BRASILEIRO DE INFORMAO EM CINCIA E TECNOLOGIA CARLOS NEPOMUCENO AMBIENTES COLABORATIVOS DE CONHECIMENTO: A RUPTURA DO CONTROLE DA INFORMAO COMO ALTERNATIVA PARA O EQUILBRIO SISTMICO Documento de qualificao apresentado ao Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao, como requisito parcial para a obteno do grau de Doutor em Cincia da Informao Orientadores: Rosali Fernandez de Souza e Marcos Bezerra Cavalcanti (co-orientador) Niteri 2009 2
  • 3. INTRODUO No estamos numa poca de mudanas, mas em uma mudana de poca Chris Anderson. H um consenso tcito entre pesquisadores de vrias reas do conhecimento, incluindo os da Cincia da Informao, de que vivemos em uma era de profundas mudanas nos ambientes de informao e de conhecimento. Hoje, calcula-se que um bilho de pessoas, 1 dos sete bilhes do planeta acessam Internet e 37 milhes de brasileiros, dos 200 milhes, j se conectaram rede ao menos uma vez na vida. Esse novo espao de troca de ideias tem alterado gradualmente as formas humanas de comunicao, informao, aprendizado e consumo. Diante deste cenrio, nas ltimas dcadas do sculo XX, projeta-se, tradicional e repetidamente, o papel estratgico da informao e do conhecimento em diferentes dimenses da vida em sociedade, que teria transformado as formas de produzir e distribuir bens materiais e imateriais, assim como as percepes de espao e tempo. recorrente tambm a abordagem de que a Informao, o Conhecimento e a Inovao tm um destaque especial na preocupao social, como importantes fatores de produo. E que as atividades que geraro mais riqueza para os indivduos e sociedade sero aquelas geradas pela inovao, e esta principalmente pela capacidade de usar o conhecimento agregado a produtos e servios. O que importa agora para o aumento da produtividade o trabalho intelectual (CAVALCANTI e GOMES, 2001). Pode-se afirmar ainda que no podemos mais pensar a dinmica econmico-social sem considerar que o modo de produo foi objeto de grande mudana, no qual o saber desempenha papel fundamental. Sob este ponto de vista, possvel admitir que o conhecimento se transforma no s em instrumento para explicar e compreender a realidade, mas tambm em motor de desenvolvimento e fator dinamizador das mudanas sociais. Entretanto, sem querermos refutar o que parece evidente, este conjunto de afirmaes nos coloca diante de um novo enigma cientfico, que abarca toda a Cincia Social e, principalmente, a Cincia da Informao: se tal ruptura verdade, como explic-la? Como ela surge? Quais so os seus contornos? Quais so os motivos e as razes para que estas mudanas ocorram justamente agora? So fatores sui-genesis na histria humana ou j se repetiram de outra maneira? Que tipo de fatores, situaes ou conjunturas nos levariam a entender melhor esse processo? H, a nosso ver, um hiato terico relevante e fundamental para compreenso do momento histrico que atravessamos e este deve ser um esforo conjunto de pesquisadores de diversas reas para suplant-lo. Para lidar com tal enigma, acreditamos, necessrio recorrer, antes de tudo, histria, procura de uma base de comparao, o que nos leva 1 http://idgnow.uol.com.br/internet/2009/01/23/populacao-mundial-de-internet- ultrapassa-1-bilhao-de-pessoas-diz-comscore/ 3
  • 4. naturalmente a outro impasse: como podemos comparar as tecnologias de informao atuais com as do passado? Podemos recorrer a nossa base terica dos sistemas de informao? Ou necessrio pensar em outra dimenso, atravs de sistemas de conhecimento, como tem sido cada vez mais frequente entre pesquisadores da Cincia da Informao? Para responder a estas perguntas, a presente tese se prope a debruar-se sobre os novos ambientes colaborativos de conhecimento por acreditar que, mais do que anomalias, eles surgem como sada, soluo para um conjunto de problemas informacionais contemporneos oriundos de entropias passadas. Vm com a proposta de serem mais dinmicos, participativos, eficazes para lidar com uma massa de informao cada vez maior do planeta. bom recordar que nos ltimos 50 anos o planeta assistiu, de forma indita, a multiplicao de trs bilhes, por volta da dcada de 60, para os atuais por quase sete bilhes, como indica o quadro abaixo2: bom notar, no quadro acima, que o tempo para dobrar a populao da faixa de um bilho para dois bilhes demorou 130 anos e dos dois bilhes para os quatro bilhes, os mesmos quase 50 anos que vivemos agora. Estamos, assim, crescendo cada vez mais rpido e em espao menor. Alm disso, estudos j apontam que as crianas que nascem neste exato momento nos pases desenvolvidos tero a perspectiva de viverem mais de 100 anos3. Somos mais e morremos cada vez mais velhos. Se analisarmos sob este ponto de vista, parece-nos evidente que o aumento populacional gera, por si s, um problema informacional cada vez mais agudo, criando presso 2 Dados: http://pt.wikipedia.org/wiki/Crescimento_populacional 3 http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/bebes-nascidos-em-paises-ricos- viverao-ate-os-100-anos-20091002.html 4
  • 5. sobre os ambientes de conhecimento para acelerar a sua performance e eficincia. E pergunta-se: ser que estes ambientes colaborativos do conhecimento no seriam uma alternativa para o novo ritmo mundial? O objetivo da tese, entretanto, no pretende ir to distante, mas abrir uma abordagem diferente nesse campo, recorrendo muitas vezes a um comparativo histrico nas rupturas informacionais, pois preciso comparar o momento atual com outros similares. O tema j recebeu a abordagem de alguns autores da rea, como Barreto, que admite que a cultura escrita - tipogrfica influiu e ajudou de forma intensa na Revoluo Industrial, ocorrida na Europa, e no nacionalismo radical, a partir do sculo XV, fatos relevantes da histria da humanidade e que moldaram a sociedade como a conhecemos atualmente (BARRETO, 2007). De fato, a evoluo dos sistemas de comunicao e informao do mundo moderno, herdeiros do ambiente do livro impresso, se ampliou principalmente depois da massificao do computador de grande porte, como vemos no quadro abaixo: Internet Computador Internet 4 colaborativa Computadores de grande (Web 2.0) Pessoais porte 1944 -1975 1976 -1994 1995 - 2004 2004 - ? possvel constatar que desde a dcada de 40 tivemos a seguinte evoluo: do microcomputador, na dcada de 80; ao surgimento massificado da Internet, por volta dos anos 5 90; chegando, por fim, rede colaborativa, denominada de Web 2.0 , a partir de 2004. Para atender essa maior demanda por informao, as redes esto, de maneira geral, cada vez mais velozes e seu uso pela populao, bem como pela comunidade acadmica, tem se ampliado ao longo de toda a cadeia de construo do saber (MEADOWS, 1999). Tal constatao pode ser comprovada pela Cincia; basta observar a extensa pesquisa feita por Pinheiro durante quatro anos (1998-2002), com 1307 pesquisadores brasileiros, sobre o uso das redes na comunidade cientfica nacional. A partir dos dados levantados, concluiu-se que a Internet foi incorporada no cotidiano cientfico, principalmente, durante a ao do desenvolvimento de pesquisas e, consequentemente, na gerao de conhecimento. Esta incorporao na prtica cientfica facilitou e intensificou a comunicao, ampliando o acesso aos diversos recursos de informao criados. A comunicao informal mantm sua predominncia e expandida, 4 Considerando a data da entrada da Internet comercial e a popularizao do uso, mas pode-se dizer que a rede comeou bem antes para o setor acadmico-cientfico. 5 Segunda gerao de desenvolvimento Web que busca facilitar a comunicao, assegurar o compartilhamento de informao, interoperabilidade e colaborao na World Wide Web (MORENO, 2009). 5
  • 6. agora por meio de computadores e via rede, tendo o correio eletrnico como recurso principal, secundado pelas listas de discusso. Entre os recursos construdos de forma digital ou virtual, so relevantes os sites de eventos e as bibliotecas virtuais e digitais, muito utilizados por pesquisadores brasileiros (PINHEIRO, 2003). Quanto aos dados sobre usurios de bibliotecas virtuais6, podemos citar a pesquisa de Gomes do programa Prossiga/IBICT/CNPq7, a partir do levantamento feito em 2002 com 3.449 pesquisadores. Neste trabalho, a autora revelou que 85% dos entrevistados tiveram suas prticas modificadas de forma positiva pelo acesso rede, apesar de os mesmos destacarem tambm que a profuso de novas informaes tem provocado dificuldades para a constante atualizao (GOMES, 2004). Atualmente, entretanto, a Internet passa por uma mudana significativa. De uma rede na qual a colaborao entre as pessoas estava basicamente centrada em e-mails, como constata Pinheiro e Gomes, para um novo modelo que veio a se chamar de Redes Sociais e que ganhou, a partir de 2004, enorme aceitao na Internet. Avalia-se que esta alterao ocorre a partir da acentuada reduo de custos de trs elementos: processadores, largura de banda e armazenagem (ANDERSON, 2009). Fato este que viabiliza a implantao da banda larga, muito mais barata do que um acesso discado, em voga at ento, o que atrai os usurios para um novo tipo de uso da rede, acentuando a participao e a troca de ideias (CAVALCANTI, NEPOMUCENO, 2006). A tabela abaixo constata o crescimento das Redes Sociais americanas nos ltimos 8 anos . possvel observar na tabela que h um forte crescimento, a partir de 2006, saltando de 60 milhes de usurios para quase 100 milhes no final de 2009. Usurios das seguintes Bibliotecas virtuais: "sobre Bibliotecas Virtuais", a "Biblioteca 6 Virtual de Economia", a "Biblioteca Virtual de Estudos Culturais", a "Biblioteca Virtual de Sade Reprodutiva" e a "Biblioteca Virtual de Engenharia de Petrleo". 7 http://prossiga.ibict.br/ 8 http://www.profissionaisdeweb.com/web-20/estatisticas-de-crescimento-das-redes- sociais/ 6
  • 7. As Redes Sociais so basicamente o que denominamos na presente tese como Sistemas Colaborativos de Conhecimento, ou ambientes colaborativos em rede. Tm como principal caracterstica a incluso dos registros, de forma total ou parcial, pelos prprios usurios. Neste ambiente, apenas o usurio inclui informaes, no havendo interferncia de nenhum gestor9. De forma inusitada, se comparados aos modelos tradicionais, nestes espaos informacionais a atualizao feita de forma direta. Este fato obriga o gestor do sistema a uma nova prtica, migrando sua preocupao do controle direto do acervo para o controle da conduta dos usurios (de como estes incluem novos registros), estabelecendo critrios de como este deve incluir os novos registros ao acervo, prevendo, inclusive, punies para quem no cumprir as regras estabelecidas. H, assim, uma mudana singular e significativa na forma de controle do acervo informacional, o que suscita indagaes pertinentes para quem trabalha ou pesquisa o fenmeno da informao. Entre as questes que poderiam ser consideradas ao analisarmos em detalhes estes ambientes, selecionamos os seguintes elementos de indagao: Que tipo de problema informacional estes ambientes vm resolver, basicamente? Pode perceber alguma demanda reprimida pelos usurios antes do projeto? Ou a alguma percepo do gestor que o levou a adotar essa nova dinmica? Quais so as suas vantagens e desvantagens? A publicao direta pelos usurios, sem filtros ou seleo, pode gerar algum tipo de perda de qualidade, ou mesmo um caos informacional de determinado acervo? Que medidas so feitas para evitar esse problema? Este ambiente mais livre no causa um problema de recuperao da informao? Como os gestores esto resolvendo esse ponto? Se a incluso de dados passa a depender do prprio usurio, qual a garantia que de que ele realmente vai colaborar? Que mtodos, prticas e aes esto sendo feitas nessa direo? possvel estabelecer regras para garantir a qualidade desse acervo? Caso sim, que regras e punies esto sendo adotadas? E em que escala de sucesso? Que erros e acertos j foram cometidos? Quais mudanas so necessrias na formao e prtica do gestor para administrar este novo ambiente colaborativo de conhecimento? Que tipo de dificuldade enfrentou e enfrenta? A presente pesquisa busca, assim, investigar os sistemas colaborativos de conhecimento como um novo modelo informacional baseado em um novo tipo de controle, no qual o usurio convocado, a nosso ver, por necessidade, a colaborar, basicamente para trazer velocidade de atualizao, conforme especulamos como hiptese. 9 http://www.tahianadegmont.com/social-media-marketing/uso-de-redes-sociais- brasil-america-latina 7
  • 8. Para que possamos apresentar o quadro dentro do seu contexto histrico correto ser preciso ampliar a compreenso desse fenmeno. Por meio da anlise de rupturas similares, passaremos a descrev-lo no como uma anomalia sistmica, mas, ao contrrio, apresentaremos a colaborao dos usurios como uma alternativa, uma resposta para um problema informacional especfico, a necessidade de uma nova forma de gesto informacional que garanta a manuteno da qualidade do acervo. bom destacar que no esto distantes outros exemplos de convocao dos usurios para colaborar em processos informacionais. Para ficarmos em apenas um: com a chegada das fichas catalogrficas, observaremos que houve um pedido de apoio dos gestores das bibliotecas para que o usurio ajudasse na procura dos livros, fazendo eles mesmos as consultas nas fichas. Naquele momento, o bibliotecrio transferia o seu conhecimento sobre o acervo para determinado suporte, reproduzindo o que estava armazenado em seu crebro para um registro em papel (e depois para meio digital, com a informatizao das bibliotecas). Tal fato deu maior liberdade ao usurio, que passou a no depender do profissional da informao para determinadas consultas, em um processo similar ao verificado agora na Internet, de descentralizao e pedido de colaborao. Assim, reafirma-se que seja, ao contrrio do que possa parecer no primeiro momento, possvel imaginar que alteraes sistmicas radicais, como a que assistimos no contexto da forma de controle dos dados, no so anomalias, como muitas vezes somos levados a acreditar. Pelo contrrio, ao analisar rupturas similares no passado tentaremos defender que esses movimentos podem ser vistos sob novo ponto de vista, como fenmenos cclicos e regulares que se repetem a partir de dadas situaes de crise informacional. Sob esse novo ponto de vista, seriam mudanas naturais e rupturas cclicas que os sistemas impem, de certa forma, para manter seu equilbrio. Ou, como preferem alguns autores, um eterno desequilbrio para mant-lo til e eficaz (LUHMANN, 2009). Sendo assim, ao que nos parece no incio da presente pesquisa, os modelos informacionais anteriores aos da colaborao em rede, com o usurio passivo diante da incluso de dados no acervo, tm se mostrado obsoletos em diversas situaes. Podemos supor, ainda, que em vrias medidas a colaborao surge exatamente para lidar de forma mais adequada com as novas demandas informacionais contemporneas, para acelerar o processo de atualizao por parte dos usurios diante do cada vez mais crescente volume informacional circulante na sociedade. Essa demanda, muitas vezes latente, exigiu e vai exigir novas formas de controle, cada vez mais autnomas, pelos usurios dos sistemas, que passam de uma posio passiva, de consumidor, para um novo papel, entre o consumo e a produo da informao (BARRETO, 2007). Possivelmente poderemos constatar, por fim, que o tamanho e o perfil da equipe disponvel em ambientes de conhecimento pr-colaborao no conseguiram e no conseguiro, nos moldes tradicionais, manter o acervo atualizado, criando uma espcie de entropia informacional (ARAUJO, 1995). 8
  • 9. O presente trabalho, assim, baseia-se na premissa de que a colaborao em rede nos ambientes informacionais contemporneos um elemento importante e, em alguns casos, fundamental para mant-los teis para seus usurios. E, a princpio, vm para estabelecer equilbrio e no caos. Diante dessas premissas, pretende-se analisar e concluir, aps a coleta de dados com diversos gestores de ambientes colaborativos de conhecimento: Que modelos de ambientes colaborativos podem ser caracterizados a partir dos projetos estudados? Que tipo de problema estes ambientes vieram resolver e com que eficcia, do ponto de vista de seus gestores, tm obtido resultados? Os modelos estudados apresentam solues viveis para atender determinadas entropias sistmicas similares? Caso sim, que tipo de entropias? Estas solues sistmicas colaborativas podem ser vistas como uma nova lgica de rupturas cclicas, a procura de equilbrio sistmico? possvel criar um conjunto lgico de problemas que possa caracterizar uma dada situao de crise informacional que nos leve a novas rupturas como essa no futuro? O trabalho, nessa direo, se desenvolver em dois nveis distintos: Na parte terica, se far pesquisa bibliogrfica e a sntese do pensamento de diversos autores que se dedicaram a estudar, no presente e no passado, sistemas, sistemas de informao, de conhecimento, colaborativo de conhecimento e rupturas sistmicas; Na parte prtica, ser realizada uma pesquisa qualitativa, aprofundada, com exemplos de sistemas colaborativos de conhecimento na Internet: nativos (que surgiram diretamente na rede), no-nativos (que migraram de um sistema tradicional para a rede) e um terceiro tambm colaborativo, via celular. Nossa meta, assim, fazer detalhado levantamento e posterior anlise das experincias diversas e diferentes perfis apresentados, comparando-os entre si e situando-os do ponto de vista histrico. Para exemplificar este novo modelo colaborativo foram escolhidos perfis distintos de projetos, do ponto de vista de sua origem. Os nativos da colaborao Internet criados j com a idia da colaborao e nunca passaram pela forma de controle tradicional, na qual o gestor inclua e controlava diretamente o acervo; 9
  • 10. Os que migraram para a colaborao na Internet - criados com um tipo de controle anterior, mas que passaram a adotar a publicao direta dos usurios; O que no utiliza a Internet para a colaborao utilizam tecnologias de colaborao a distncia, via celular. Para exemplificar os modelos nativos, selecionamos: O Wikipedia em portugus projeto nativo da prpria rede, que elege voluntrios para ajudar na produo, no controle dos registros e tambm at na conduta dos usurios. E o Overmundo revista cultural realizada inteiramente pelos usurios, nascida tambm na fase colaborativa da Web. Para exemplificar os modelos no-nativos, que migraram de um modelo no colaborativo para um colaborativo, selecionamos: A Plataforma Lattes, do CNPq10 - como representante da rea acadmica e um modelo em que no h controle posterior do registro por parte dos gestores do ambiente; Os comentrios nas notcias do Globo Online um representante da mdia tradicional, com incluso de registros feita pelo prprio usurio, atravs de ferramentas prprias; Para exemplificar os modelos colaborativos, mas no dentro da Internet, selecionamos: A Rdio Eldorado de So Paulo um representante de uma rede colaborativa, de troca de informaes sobre o trnsito, na qual os motoristas colaboram, com notcias sobre acidentes e engarrafamentos, via celular. Cabe, por fim, reafirmar que os Sistemas de Colaborativos de Conhecimento configuram um tema novo para a Cincia da Informao. Constata-se que os artigos, peridicos, livros-texto e relatrios de pesquisa encontrados sobre o tema so ainda incipientes, com pouca produo em portugus, se comparados com a relevncia do fenmeno. Os fatos relatados demonstram, pela quantidade e dimenso das mudanas sociais, que se trata de tema relevante e inovador para a Cincia, frente ao estudo acadmico ora vigente. Longe de esgotar o assunto, acreditamos que esse trabalho abre a possibilidade de novas frentes de pesquisa e visa, de alguma maneira, a melhoria de desempenho dos profissionais que j trabalham e trabalharo nestes novos ambientes, bem como servir de parmetro para outros trabalhos futuros de pesquisa neste campo. 10 Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico 10
  • 11. JUSTIFICATIVA No somos estudantes de assuntos, mas de problemas, que constituem, assim, o recorte de qualquer disciplina (POPPER, 1972). A Cincia da Informao pode ser definida pelos problemas que prope nas pesquisas cientficas, prticas profissionais e pelos mtodos que escolheu, ao longo do tempo, na busca de soluo (SARACEVIC, 1991). Esses problemas foram intudos por Paul Otlet (1868-1944), bem antes da rea se consolidar. Humanista e pacifista, percebeu a importncia de campo de estudo que introduzisse o olhar tico sobre a informao, para organizar a sociedade civil em prol de uma organizao mundial em torno do tema (FERREIRA, 2006). Aps a Segunda Guerra, e depois, inclusive, da morte de Otlet, emerge um novo cenrio poltico e econmico no planeta, que se depara com uma exploso exponencial da informao e registros, principalmente em Cincia & Tecnologia (SARACEVIC, 1996). O termo e a definio da abrangncia da Cincia da Informao como rea de conhecimento ocorrem quase vinte anos depois do fim da segunda grande guerra, durante reunio no Georgia Institute of Technology realizada no perodo de 12 e 13 de abril de 1962, seguida da publicao, em 1966, no primeiro volume do ARIST11, no artigo de Robert Taylor. O recorte inicial de Taylor serve de base para que Harold Borko, dois anos depois, em 1968, a tornasse popular no artigo O que Cincia da Informao?. Nele, detalhou: Cincia da Informao a disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informao, as foras que governam seu fluxo, e os meios de process-la para otimizar sua acessibilidade e uso. A CI est ligada ao corpo de conhecimentos relativos origem, coleta, organizao, estocagem, recuperao, interpretao, transmisso, transformao e uso de informao. Ela tem tanto um componente de cincia pura, atravs da pesquisa dos fundamentos, sem atentar para sua aplicao, quanto um componente de cincia aplicada, ao desenvolver produtos e servios (BORKO, 1968). Sob este ponto de vista, que at hoje baliza, de certa forma, o escopo da rea, Saracevic considera que a Cincia da Informao define, desde as suas origens, h mais de meio sculo, um problema: tornar mais acessvel um acervo crescente de conhecimento, em funo da exploso informacional, particularmente em cincia e tecnologia. E um desafio: utilizar as tecnologias de informao para combat-lo (SARACEVIC, 1996). 11 Annual Review of Information Science and Technology (ARIST) - http://www.asis.org/Publications/ARIST/ 11
  • 12. A rea da Cincia da Informao teve assim o seu recorte ampliado, mas sem perder os contornos iniciais: Cincia da Informao um campo dedicado s questes cientficas e prtica profissional voltadas para os problemas da efetiva comunicao do conhecimento e de seus registros entre os seres humanos, no contexto social, institucional ou individual do uso e das necessidades de informao. No tratamento destas questes so consideradas de particular interesse as vantagens das modernas tecnologias informacionais (SARACEVIC, 1996). Como afirma o pesquisador, o estudo das Tecnologias de Informao e Comunicao (TICs), de fato, sempre exerceu papel importante e marcante na rea, o que justifica, desde sua origem, o interesse pelas novas tecnologias na sociedade e, em particular, nos tempos atuais, pela Internet. As redes eletrnicas tm levantado as mais diferentes questes dentro da Cincia da Informao. Barreto, por exemplo, resume bem a perplexidade dos pesquisadores ao reconhecer que ainda temos mais perguntas que respostas, e que as transformaes que ocorrem com a passagem para a cultura eletrnica e a realidade virtual s iro se delinear ao longo do tempo (BARRETO, 1999). Nessa mesma direo, estudiosos da Cincia da Informao, cada qual em seu campo de pesquisa e interesse, indagam sobre como a Internet influencia ou influenciar o futuro. Issberner, por exemplo, faz a relao das redes com as aglomeraes produtivas: As aglomeraes produtivas utilizam as redes eletrnicas? Para qu? Que tipo de aplicao mais utilizada? Qual o potencial de aplicaes das redes eletrnicas de informao em territrios produtivos? (ISSBERNER, 2006). Marcondes, Mendona e Malheiros questionam de que forma a rede pode mais que simplesmente facilitar o acesso a textos cientficos e como seria possvel agenciar programas (de computador12) para ajudar a processar este conhecimento (MARCONDES, MENDONA e MALHEIROS, 2006). Como descrever e recuperar em rede os recursos e servios de Bioinformtica, especificamente no domnio de Genoma e Transcriptoma, visando apoiar as pesquisas nesta rea no Brasil? (CAMPOS, 2006) Como abrir janelas para o virtual na realidade local? (FREIRE, 2006). Como classificar as reas de conhecimento da Cincia em um cenrio to dinmico? (SOUZA, 2004) Como os universitrios podem usar melhor as tecnologias da informao? (DINIZ; OLINTO, 2006) Como recuperar os textos includos de forma no estruturada e apenas 12 Minha incluso. 12
  • 13. legvel por pessoas e no pelas mquinas, dificultando a recuperao? (MARCONDES, MENDONA e MALHEIRO, 2006). H quase uma dcada, Saracevic j previa a importncia da influncia das redes de maneira geral na sociedade, assim como a relevncia de pesquis-las: Uma ampla variedade de redes de informao, algumas empurrando as fronteiras, outras em diferentes estgios de concretizao, est prometendo mudar radicalmente a qualidade e a quantidade da comunicao e mesmo da informao comunicada (SARACEVIC, 1996). Na mesma direo, Malheiro acreditava que a nova comunicao dos ambientes de rede criava um corte transversal em toda a Cincia da Informao. E, assim, gerava a necessidade de novas abordagens, tanto terica quanto prtica, com a devida relevncia (MALHEIRO, 2005). Com essa concepo, a Cincia da Informao assume a tarefa de abordar os (velhos e 13 novos ) problemas nas pesquisas cientficas, prticas profissionais, a partir dos mtodos que escolheu, ao longo do tempo, para solucion-los (SARACEVIC, 1996). Ou, dito de outra maneira: (...) trabalhando a massa documental para torn-la acessvel valendo- se de suas teorias, metodologias e tecnologias de anlise e manipulao estrutural (...) seja ela convencional ou virtual, coloca-se como problema e pode ser abordada como objeto de estudo de vrias cincias, incluindo a Cincia da Informao, voltada para compreender sua natureza e uso social por mtodos quantitativos e qualitativos (MIRANDA e SIMEO, 2002). O Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao - PPGCI14 no ficou opaco frente a esse largo e profundo movimento de pesquisa. Ao longo de sua histria, tem trabalhado intensamente e contribudo substancialmente para o desenvolvimento da rea da Cincia da Informao no Brasil. Esse fato se reflete tanto nas linhas adotadas, nas pesquisas em andamento, como nas teses que alunos de mestrado e doutorado tm desenvolvido. O interesse pode ser dimensionado, por exemplo, atravs da produo cientfica produzida no PPGCI. Das 11 (onze) teses de doutorado da UFRJ/UFF/IBICT15 concludas at 2005, conforme lista publicada no website do programa16, seis, ou 54%, abordam direta ou indiretamente o tema das novas tecnologias e a influncia que exercem nos mais diferentes tipos de sistemas de informao tradicionais, a saber: 13 Minha incluso. 14 Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao (PPGCI) - http://www.uff.br/ppgci/ 15 http://www.ibict.br/ 16 http://www.uff.br/ppgci/editais/tesesdou.pdf (no h dados mais recentes) 13
  • 14. MARIZ, Anna Carla Almeida. Arquivos pblicos brasileiros: a transferncia da informao na Internet17; MIRANDA, Marcos Luiz Cavalcanti de. Organizao e representao do conhecimento: fundamentos terico-metodolgicos para busca e recuperao da informao em ambientes virtuais; DINIZ, Cldice Nobile. A fluncia em tecnologia de informao entre estudantes de Administrao; OLIVEIRA, Eloisa da Conceio Prncipe de. Grau de adeso comunicao cientfica de base eletrnica: estudo de caso da rea de Gentica; CARVALHO, Rosane Maria Rocha de. As transformaes da relao museu e pblico: a influncia das tecnologias da informao para o desenvolvimento de um pblico virtual; VALRIO, Palmira Maria Caminha Moriconi. Peridicos cientficos eletrnicos e novas perspectivas18 de comunicao e divulgao para a cincia. Podemos afirmar, assim, que estudos sobre fenmenos tecnolgicos informacionais (no caso, a Internet) fazem parte da constituio inaugural e do desenvolvimento da rea. Nossa pesquisa se insere nesse largo escopo e esforo coletivo, focando sobre acontecimentos contemporneos e especficos ainda no totalmente abordados em profundidade: a passagem de modelos de conhecimento baseados na atualizao do acervo pelos gestores para um outro, sui-generis, no qual o usurio passa a fazer, em muitos casos, praticamente todo este trabalho. Sob este ponto de vista, estudos sobre a Internet e suas mais diferentes caractersticas j fazem parte da prpria vida acadmica da Cincia da Informao. Os ambientes colaborativos de conhecimento, assim, se inserem nesse contexto. E ganham relevncia pelo seu crescimento evidente e adeso cada vez maior da sociedade. bom ressalvar que j existem caminhos abertos nessa direo. O estudo da colaborao, de maneira geral, aliado principalmente ao fenmeno das comunidades virtuais, espcie de gnesis do tema, principalmente atravs do e-mail, foi um tema que ganhou relevncia. Podemos lembrar, por exemplo, os trabalhos de (BARRETO 2005); (BRUCE, 2002); (INGWERSEN, 2001); (KARAMUFTUOGLU, 1998); (SONNENWALD, 1999); (TALJA, 2002), (MARTELETO, 2004), (PINHEIRO, 2003) e (GOMES, 2004). O tema especfico dos ambientes colaborativos em redes sociais comea tambm a ser abordado no PPGCI atravs da tese: A cincia da informao e o paradigma hologrfico: a utopia de Vannevar Bush (SANTOS, 2005) e Emergncia e dinmica informacional na Blogosfera (MORENO, 2009); esta ltima, dissertao de mestrado. Por outro lado, levantamento realizado na mquina de busca para artigos acadmicos Google Scholar19, em agosto de 2009, recuperou da seguinte forma as palavras chave do nosso tema, em portugus e em ingls: Sistema de Informao (com aspas) - 36.000 artigos; 17 Meus grifos 19 www.scholar.google.com 14
  • 15. Sistema de informao colaborativo (com aspas) - 4 artigos; Sistema de conhecimento (com aspas) - 1.420 artigos; Sistemas colaborativos de conhecimento (com aspas) - nenhum; J o termo em ingls produziu o seguinte resultado: Information System (com aspas) - 1.100.000 artigos; "Collaborative information system" (com aspas) - 267 artigos; "Knowledge system" (no plural, com aspas) - 28.700 artigos; Collaborative knowledge system (no plural, com aspas) - 16 artigos. O levantamento comprova que, apesar de sua forte adeso pela sociedade, os ambientes colaborativos de conhecimento ainda no receberam a ateno devida da Academia, em funo de sua atualidade, transformando-se, assim, em um tema emergente. A pesquisa, portanto, se prope, atravs de anlise rigorosa, a ser mais uma a contribuir nos debates pblicos em torno da colaborao na Internet, levando a uma nfase sobre especulaes ainda parcialmente informadas acerca dos usos e potencialidades destas ambientes como impulsionadores de conhecimento. Concordamos com Barreto quando este afirma que, por se tratar de estudo especial, determinado pela prtica, e que muitas vezes depende conceitualmente de tecnologias intensas, com elevado teor de inovao, no possvel enunciar objetivos com permanncia definitiva para a rea. (BARRETO, 2006). Nessa linha, podemos resgatar os conceitos de Borko, quando este afirma que Cincia da Informao a disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informao, as foras que governam seu fluxo, e os meios de process-la para otimizar sua acessibilidade e uso (BORKO, 1968). Nosso objetivo ser mais um trabalho a colaborar, com esse mesmo esprito, para a compreenso destes novos fenmenos. 15
  • 16. HIPTESE Nossa hiptese passa por uma proposio central e quatro complementares entre si. Principal: possvel apresentar um panorama de ambientes colaborativos de conhecimento na Internet, ou mesmo fora dela, de tal forma que indiquem mudanas sistmicas, que visam trazer equilbrio em determinadas situaes de exploso informacional, caracterizando uma nova ambincia de gerao e uso de informao atravs de uma nova forma de incluso e controle do acervo. Complementares: Comprovar que a incluso de registros feita diretamente pelos usurios nos sistemas colaborativos cria um novo modelo de ambiente de conhecimento com regras prprias; De que este novo modelo tem como caracterstica principal a passagem do controle dos registros pelo gestor para o controle da conduta de incluso de dados pelos usurios, que passam a alimentar praticamente sozinhos o acervo, atravs de determinadas regras pr-estabelecidas; Que este novo formato fruto da ruptura que visa, basicamente, solucionar determinada crise sistmica para manter o equilbrio entre a oferta e a demanda de informao; fundamentalmente a procura de mais velocidade de atualizao, devido a acelerao e o aumento do volume informacional em torno destes ambientes; E, por fim, presumimos que essa a expresso de um movimento cclico, que se repetiu e se repetir em ambientes de conhecimento ao longo da histria, sempre que estivermos diante de situaes, crises e rupturas similares. OBJETIVOS COM A PRESENTE PESQUISA GERAL 1. Propor nova viso sobre o fenmeno dos ambientes colaborativos do conhecimento, enquadrando-os como um fenmeno natural na evoluo cclica da sociedade, em funo da crescente demanda informacional. ESPECFICOS 2. Servir de balizamento terico para a atuao de profissionais e pesquisadores nestes ambientes colaborativos de conhecimento; 16
  • 17. 3. Caracterizar em detalhes os novos modelos de conhecimento colaborativos; 4. Destacar as suas diferenas e seus reais impactos prticos e tericos no presente e futuro. 17
  • 18. MARCO TERICO Exemplos histricos mostram, o que hoje chamamos de mgico, ou sobrenatural pode, um dia, vir a ser explicado cientificamente Marcelo Gleiser. 20 Do ponto de vista geral, utilizaremos os estudos das rupturas sistmicas e os aplicaremos aos novos ambientes colaborativos contemporneos presentes na sociedade. Sendo assim, recorreremos Comunicao Social para discutir a histria das mdias e suas rupturas. Da Antropologia do Conhecimento recuperaremos as histrias de seus sistemas e os estudos de suas mudanas. Da Cincia da Informao recuperaremos a anlise dos ambientes informacionais atravs dos estudos sistmicos, das entropias e rupturas desenvolvidos principalmente por (ARAJO, 1995) e (BARRETO, 2007). Barreto, em particular, nos far resgatar os conceitos de rupturas sistmicas de (GALILEU, 1630) e (THOMPSON, 1961), a partir do crescimento da quantidade de dados e das entropias informacionais criadas. Utilizaremos, ainda, (LVY, 1993 e 1999) e (DAVENPORT, 1998) para detalhar o conceito de ecologias informacionais e tempos de conhecimento. Por fim, esse levantamento nos levar a abordar a histria das mdias, de maneira geral, e do conhecimento, em particular, principalmente desde a chegada do livro impresso sociedade, por volta de 1450, com os tipos mveis de Gutenberg, at a chegada dos novos ambientes colaborativos do conhecimento. Sobre esses assuntos j existe vasta literatura: (MASUDA, 1980), (HEWITT, 2007), (CHARTIER, 2007), (BURKE, 2003), (MAN, 2002), (BURKE E BRIGGS, 2006), (MURRAY, 2001), (TOFFLER, 2008) e (CASTELLS, 2004). No aspecto dos ambientes colaborativos trabalharemos com Barreto em diversos momentos, bem como (SANTOS, 2005) e (MORENO, 2009). Recorreremos tambm a (PRIMO, RECUERO, 2004) para detalhar o fenmeno da colaborao, entre outros. Para o estudo dos sistemas de conhecimento colaborativos nos concentraremos em sistemas de conhecimento, em suas rupturas e em sistemas de conhecimento colaborativos, como iremos detalhar a seguir. 20 http://marcelogleiser.blogspot.com/2009/07/consciencia-cosmica.html 18
  • 19. Os Sistemas de Conhecimento H trs decises tericas importantes para o cumprimento dos objetivos aqui propostos. A primeira a adoo da viso sistmica para analisar o problema abordado. A segunda a escolha por analisar o problema, a partir da viso dos sistemas de conhecimento, e no os de informao. E, por fim, por uma viso histrica para caracterizar o atual fenmeno dos ambientes colaborativos de conhecimento atravs de rupturas sistmicas, e no como evolues ou anomalias. Deciso terica 1: viso sistmica No primeiro aspecto, justifica-se tal escolha da viso sistmica por considerarmos que, apesar de concordarmos que no podemos analisar a Internet sem o aprofundamento do conceito de rede, esta no deixa de ser rede por estar em um sistema, nem o sistema deixa de ser sistema por estar em rede. H uma boa base terica do estudo sistmico, dentro e fora da Cincia da Informao e, principalmente, de suas rupturas que no deve ser abandonada ao se estudar a Internet. Por outro lado, ilusrio achar que a rede no pertence a um grande sistema e que nele no h aqueles que so responsveis por sua administrao, atravs de chaves, logins e senhas, assim como aqueles que se utilizam destes ambientes. Nos parece bem adequada ao tema proposto a sugesto de Arajo: O mundo pode ser visto como um conjunto de sistemas e subsistemas em implicaes de conter/estar contido, tendo sistemas mais gerais e especficos, os sub-sistemas. (ARAJO, 2005). O fato de uma organizao mais horizontal da rede estar se configurando no modificar este ponto de vista, flexibilizando e adaptando a viso de sistema, at como sugere Luhmann: no h propriamente uma teoria geral de sistemas, mas diversos modelos que vieram sendo implantados e adaptados, cada um a uma rea de conhecimento em particular (LUHMANN, 2009). A abordagem sistmica est mais na sua rpida, inquestionvel e ampla adoo por inmeros segmentos do que em uma real soluo aos problemas que aqueles mesmos segmentos apresentam (ARAJO, 2005). A autora lembra que mesmo a viso dos Sistemas de Informao, de maneira genrica, pode ser mais ou menos ampla, conforme a abordagem de diferentes autores. Alguns contextualizam sistemas de informao mais amplamente para incluir sistemas de comunicao de massa, redes de comunicao de dados e mensagens etc., independentemente da forma, natureza ou contedo desses dados e mensagens (ARAJO, 2005). Deciso terica 2: Sistemas de conhecimento Ao escolher trabalhar com sistemas, depara-se com uma segunda questo. Que ferramental terico deve ser o mais adequado para lidar com os fenmenos aqui abordados? 19
  • 20. Qual nos facilitar a melhor abordagem sobre o ambiente da Internet? O da informao ou o do conhecimento? Essa dvida, no apenas deste autor, faz parte de um longo debate em curso no pensar e agir da Cincia da Informao. Barreto, principalmente, defende que as atuais mudanas oriundas da Internet tornam necessrio um novo tipo de ferramental, impulsionados por dois motivos bsicos: H um modelo terico em mudana no qual a relao entre a informao e o conhecimento privilegiada; E que tecnologias intensas em inovao modificam, tambm, as condies de produo, distribuio e uso da informao, com novos reposicionamentos que afetam, como resultado, todos os atores do setor de informao, assim como os seus relacionamentos (BARRETO, 1997). O autor defende a necessidade de ampliar a viso do campo de ao da Cincia da Informao, mudando o foco central dos Sistemas de Recuperao de Informao (Information Retrieval System), pois os sistemas de recuperao da informao, de certa forma, obedecem a um rgido formalismo tcnico e reducionista, que serviu aos propsitos de gerenciamento e controle da informao em determinada situao (BARRETO, 1997). O objetivo da informao e de suas unidades gestoras promover o desenvolvimento do indivduo de seu grupo e da sociedade atravs dos sistemas de produo do conhecimento21 (BARRETO, 2007). O conhecimento, portanto, pode ser visto como toda alterao provocada no estado cognitivo do indivduo, isto , no seu acervo mental de saber acumulado, proveniente de uma interao positiva com uma estrutura de informao. tambm desenvolvimento, de uma forma ampla e geral, como um acrscimo de bem estar; um novo estgio de qualidade de convivncia que seria alcanado atravs da informao (BARRETO, 1997). Ele defende ainda que novas metas passam a ser perseguidas pelos profissionais e cientistas da informao: a passagem de recuperadores para mediadores do conhecimento, atravs de pesquisas e atividades que visem levar a informao gerao de conhecimento no indivduo e no seu espao de convivncia (BARRETO, 1998). O papel da Cincia da Informao, nessa direo, passa a ser o de permitir e facilitar que o ciclo do conhecimento se complete e se renove infinitamente, atravs do seguinte modelo: Informao -> conhecimento -> desenvolvimento -> informao Nos ajuda aqui introduzir uma viso geral do modelo do fluxo tradicional da informao dentro de um sistema de conhecimento: (BARRETO, 1998). 21 Grifo nosso. 20
  • 21. No Sistema de Conhecimento, portanto, proposto por Barreto identificamos as seguintes partes do conjunto: Gerao da informao (fatos e idias) -> Processamento da Informao -> Armazenamento e Recuperao -> Difuso -> Assimilao -> Gerao da informao, atravs da retroalimentao. Fischer defende um fluxo similar ao dizer que os especialistas em comunicao reconhecem cinco fases de intercmbio de informaes: produo, transmisso, recepo, armazenagem e repetio (FISCHER, 2005). Dentro dessa linha de raciocnio, a viso ganha adeptos entre os diversos autores da rea no exterior, como Gernot Wersig e Ulrich Neveling. E, ainda, entre os cientistas da Informao no Brasil. Freire, por exemplo, defendeu a mesma posio, em artigo de 2004, apontando como referncia conceitual Barreto, Wersig, Neveling, Belkin e Robertson: assim que, vivendo em uma sociedade que estende a teia de sua rede aos quatro cantos do mundo, os cientistas da informao devem acrescentar reconhecida funo de "mediadores" a de "facilitadores" da comunicao do conhecimento. Pois embora a informao sempre tenha sido uma poderosa fora de 21
  • 22. transformao, o capital, a tecnologia, a multiplicao dos meios de comunicao de massa e sua influncia na socializao dos indivduos deram uma nova dimenso a esse potencial (FREIRE, 2004). E prossegue: com isso, crescem as possibilidades de serem criados instrumentos para transferncia efetiva da informao e do conhecimento, de modo a apoiar as atividades que fazem parte do prprio ncleo de transformao da sociedade (FREIRE, 2004). Nessa direo, nos alinhamos com esta viso e optamos pela adoo do ferramental terico dos sistemas de conhecimento. Ou melhor: da passagem do profissional e cientista da informao para mediadores do processo de gerao de conhecimento e no mais como recuperadores de informao (BARRETO, 2007), o que facilitar o trabalho de lidar com a colaborao participativa, aqui tratada, o que nos leva a terceira opo terica da presente tese: analisar historicamente os sistemas de conhecimento para compreender principalmente o seu movimento cclico e de constantes rupturas. 22
  • 23. Deciso terica 3: histria das Rupturas sistmicas A ideia de que a sociedade evolui atravs de rupturas ganhou corpo nas Cincias a partir, principalmente, do trabalho de (KUHN, 2000). Esta dicotomia (ruptura e normalidade) presente na oscilao da cincia leva-nos a uma interminvel lista de teorias cientficas permeadas por descontinuidades "como resultado de diferentes maneiras de conhecer e construir os objetos cientficos, de elaborar os mtodos e inventar tecnologias..." (CARVALHO E KANISKI, 2000). Aqui no nos importa a expresso (revoluo cientfica ou ruptura epistemolgica), mas o reconhecimento de que algo mudou e que continuar mudando sempre que o institudo no der conta de esclarecer os questionamentos colocados pelo ser humano (CARVALHO E KANISKI, 2000). Podemos citar ainda, nessa linha de raciocnio, os conceitos de mudanas de Schumpeter, do carter "radical" versus "incremental" das inovaes tecnolgicas (SCHUMPETER, 1934): As inovaes radicais representam uma ruptura com o padro tecnolgico at ento vigente, originando novos produtos, processos, setores e mercados (ou seja, representam produtos, processos, setores e formas de organizao inteiramente novas). As inovaes incrementais, por sua vez, referem-se introduo de melhorias e aperfeioamentos em produtos, processos ou na organizao da produo. O design, a combinao e adaptao de tecnologias j existentes, no sentido de se otimizar os processos de produo e a reduo de materiais e componentes na produo de um bem, podem ser considerados inovaes incrementais (ROCHA E DUFLOTH, 2009). Tambm na rea do conhecimento e da informao possvel identificar, ao longo da histria, momentos de ruptura e normalidade, de mudanas radicais ou incrementais, e mesmo de cortes epistemolgicos na evoluo dos sistemas de conhecimento. Briggs e Burke, por exemplo, ao analisarem a histria da mdia, afirmam que a mdia dever ser vista como um sistema, e que estes esto em contnua mudana, existindo neles elementos diversos desempenham papis de maior ou menor grau (BRIGGS; BURKE, 2006). De fato, a teoria geral dos sistemas prev momentos de rupturas e equilbrio, o que desejvel entre todas as partes: equilbrio significa estabilidade dinmica, preservao de carter dos sistemas, quando este atravessa perodos de crescimento e expanso (ARAJO, 2005). Para a autora, quanto maior o sistema: (...) maior a entropia em seu interior, mais entropia gerada no esforo de gesto desse sistema de tal forma que gigantismo, crescimento exagerado, megassistemas implicam logicamente acelerao do processo 23
  • 24. entrpico e conseqente desorganizao, caos, desequilbrio acentuado (ARAJO, 2005) Capra nos lembra que a civilizao continua a crescer quando sua resposta bem- sucedida ao desafio inicial gera um mpeto, cultura que leva a sociedade para alm de um estado de equilbrio, que ento se rompe e se apresenta como um novo desafio (CAPRA, 1982): Desse modo, padro inicial de desafio-resposta repetido com sucessivas fases de crescimento, pois cada resposta bem sucedida produz um desequilbrio que requer novos ajustes criativos (CAPRA, 1982). Ao refletir sobre esse problema dos desequilbrios e mudanas nos sistemas, Barreto re-introduz as idias de similitude de Galileu22. Segundo o autor, h mais de 350 anos, Galileu (1564-1642) formulou seu princpio da similitude afirmando que nenhum organismo biolgico ou instituio humana que sofra uma mudana de tamanho, e uma consequente mudana na escala de propores, passa por isso sem modificar sua forma ou conformao. (BARRETO, 2007): A analogia destes conceitos ao crescimento dos estoques de memria leva a crer que estas estruturas de armazenagem tendem a crescer em volume peridico23 e cumulativamente e tero em um determinado momento24 que enfrentar um problema de forma e contedo. A menos que existam estratgias de adaptao, os estoques tendero a quebrar por seu prprio peso; transformar-se em agregados inteis de informao por terem um exagerado excedente de informao no relevante. (BARRETO, 2007) Barreto recorre ainda a outro pesquisador externo Cincia da Informao, o bilogo e matemtico D'Arcy Wentworth Thompson (1860-1948), para procurar explicaes sobre o fenmeno da entropia, crises e mudanas nestes ambientes: O conhecimento, potencialmente armazenado em estoques de informao, acumula-se exponencialmente em estruturas que lhe servem de repositrio. Mesmo colocando-se filtro de entrada para limitar qualitativamente o crescimento destes estoques, a coisa toda tender a ruir em pedaos, devido ao seu prprio peso, a menos que se modifique as propores relativas da estrutura em relao ao seu contedo fsico (THOMPSON, 1961). 22 http://pt.wikipedia.org/wiki/Galileu_Galilei 24
  • 25. Portanto, quando o limite de crescimento do sistema de informao e seus subsistemas atingido presencia-se a transio desse crescimento para a saturao (que parece estar levando os processos do sistema a uma estagnao, no concretizao): (...) a uma seleo que no seleciona; indexao que isola e mutila; organizao de arquivos que tm problemas quanto a sua prpria integridade fsica, problemas que se ampliam e repercutem no armazenamento; impreciso e indeterminismo de anlise e negociao de questes e perplexidades na disseminao/acesso ao documento. Nesse contexto, nada resta a acrescentar quanto ao sistema de avaliao: os estudos espelham, de maneira geral o gigantismo dos sistemas e insatisfao e a frustrao do usurio com a resposta que lhe fornecida pelo sistema (ARAJO, 1995). Podemos ainda dizer que h um ponto crucial alm do qual o crescimento da massa crtica leva a uma exploso, a um gigantismo, que acarreta uma saturao, o alcance de um ponto limite do qual no h mais capacidade de absoro/assimilao (ARAJO, 2005). Ou ainda, uma determinada periodicidade, ritmo que faz com que em seu processo de movimento e desenvolvimento atravesse certas etapas ou fases cronologicamente sucessivas (AFANASIEV, 1977). O sistema um processo em funo do que sua estrutura vem a ser a sua organizao no tempo. um contnuo tornar-se (ARAJO, 2005). Castells recupera trabalhos de Stephen J. Gould que abordam o aspecto tecnolgico como um dos elementos para se compreender o ciclo de contnua mudana dos sistemas, na medida em que os sistemas tecnolgicos evoluem incrementalmente, mas sofrendo, de tempos em tempos, uma descontinuidade (CASTELLS, 2004). Estas descontinuidades so marcadas por revolues tecnolgicas que introduzem um novo paradigma tecnolgico (GOULD, 1980), citado por Castells (2004). Nesse contexto, possvel afirmar que sistemas esto em movimento peridico e regular, de crises e rupturas, e criam etapas demarcadas por contnuas exploses e quebras, a partir de dada entropia, que so solucionadas, como sugere Gould, por novas tecnologias, como indica a figura abaixo: 25
  • 26. Fonte: grfico do prprio autor. A ttulo de detalhamento, podemos avaliar que nos ambientes colaborativos de conhecimento h uma alterao no elemento A, Gerao de Informao, no qual apenas o gestor e sua equipe incluam dados no acervo. Sob este ponto de vista, temos a nova participao dos usurios, que passam a incluir dados, o que no significa que os usurios passam a fazer parte do sistema, pois os seus poderes so limitados pelas regras estabelecidas pelos gestores, regras estas que devem cumprir caso queiram permanecer com o direito de colaborar, como vemos na figura abaixo: 26
  • 27. Portanto, os sistemas, mesmo os mais especficos, como os de recuperao da informao, ou os mais amplos, como os de conhecimento e mesmos os colaborativos de conhecimento, evoluem no de forma contnua, mas por sucessivas entropias ou quebras. Uns podem estar contidos em outros, e as vrias partes do mesmo exercem papis distinto no todo. Por fim, mudam de forma regularmente, geralmente a partir da introduo de uma nova tecnologia em uma das partes do sistema. H quem questione a procura de equilbrio dos sistemas, garantindo, inclusive, que apenas na eterna instabilidade, ou em um eterno ambiente de desequilbrio, os sistemas poderiam ter sua estabilidade garantida. (LUHMANN, 2009) Por esse raciocnio, podemos considerar que as rupturas so a norma, e os momentos de possvel estabilidade a anomalia. Se adotarmos o conceito de Schumpeter, podemos dizer que os sistemas de conhecimento viveriam em eternos ciclos de inovaes, algumas incrementais e outras radicais. Tomando emprestado de Arajo, em um contnuo tornar-se (ARAJO, 2005). Viso resultante das escolhas das vises das trs tericas: Sistemas Colaborativos de Conhecimento Diante das rupturas cclicas nos ambientes de conhecimento ao longo da histria, podemos afirmar que os sistemas colaborativos de conhecimento aparecem dentro do marco de mudana geral no ambiente maior de troca de conhecimento na sociedade. Esta alterao introduzida por novas Tecnologias de Informao e Comunicao (TICs), lideradas principalmente pela Internet, trazendo consequncias para vrios subsistemas contidos no sistema maior, como define Arajo (ARAUJO, 2005). 27
  • 28. Este sistema maior e seus respectivos subsistemas, que, de maneira geral, criam um modelo especfico de funcionamento, vm resolver um determinado problema, crise ou entropia atravs de ajustes criativos que permitam ao sistema a manuteno de seu ciclo de utilidade para os usurios. Nesse contexto, podemos lembrar que Barreto j apontava o cenrio desse novo ambiente interativo, por exemplo, ao constatar uma mudana de ciclo dentro da histria da Cincia da Informao, dividindo a mesma em trs tempos: - da gerncia de informao (1945 a 1980); - da relao informao e conhecimento (1980 a 1995); - e a fase atual como a do conhecimento interativo (1995 - at os dias atuais)25 (BARRETO 2002). H, assim, dois eixos centrais nesse processo da chegada das redes nos sistemas de informao: a interatividade e a interconectividade (BARRETO, 1997). Os usurios dos sistemas passam a contribuir efetivamente atravs da disponibilizao de servios virtuais, filtragem colaborativa e compartilhamento de contedos (CATARINO E BATISTA, 2007). Tal fato explicado pelo surgimento de uma nova ecologia cognitiva na sociedade (LVY, 1999), motivada pelo surgimento de inovadoras Tecnologias de Informao e Comunicao (TICs) que reduzem o seu custo (ANDERSON, 2009) e permitem uma nova forma de interao a distncia. Para compreender a amplitude dessa mudana de paradigmas informacionais, mais e mais autores tm optado por compreender essa ruptura a partir de toda a histria da informao, da comunicao e do conhecimento. Concentram-se basicamente no estudo da chegada do livro impresso, por volta de 1450, com a introduo da prensa de tipos mveis na sociedade. a tentativa da Cincia em procurar no passado as causas e consequncias para atuais mudanas no presente e no futuro. Entre os que seguem esse caminho, esto Pierre Lvy, Manuel Castells e ainda (BURKE, 2003), (CHARTIER, 1997), (HEWITT, 2007), (MAN, 2002), (MASUDA, 1980) e (MURRAY, 2001), e (TOFFLER, 2008). Os trabalhos destes autores se alinham com as idias de Toffler ao defenderem que s a histria nos permite identificar como as mudanas tecnolgicas, econmicas e sociais e culturais esto entrelaadas e se influenciam mutuamente (TOFFLER, 2008). Coloca-se, assim, a necessidade de adotar a pesquisa histrica para entender os atuais fenmenos informacionais na Internet, procurando abordar etapas passadas de alteraes 25 interessante observar que a historiografia de Barreto para a Cincia da Informao marca a passagem do computador de grande porte para o microcomputador e deste para a Internet. 28
  • 29. nesses ambientes: Podemos, ainda, exemplificar as modificaes estruturais na publicidade do conhecimento e suas conseqncias atravs dos estgios por que passou a constituio da comunicao na esfera pblica: a comunicao oral das culturas tribais, a comunicao escrita da cultura tipogrfica e a comunicao ciberntica das culturas eletrnicas (BARRETO, 1998). Nesta exposio cronolgica so abordados os avanos na comunicao da informao a partir da revoluo da escrita, quando o homem passa da comunicao oral e interativa direta das culturas tribais para a comunicao escrita, baseada em textos lineares e no uso de alfabetos (DIAS, 1999). Por exemplo, utiliza-se do estudo do cdex do Sculo IV (MONTEIRO, 2000), culminando na anlise de Santos, tambm no mbito da Cincia da Informao, sobre a Ordem do Livro e a Ordem da Internet (SANTOS, 2005). Inauguramos no mundo digital a escrita acntrica (leia-se em funo, entre outros recursos, dos hiperlinks26), criando nova conformao no relacionamento com o receptor e com o conhecimento. "O texto entrelaado com outras estruturas traz uma vinculao e um emaranhado de cadeias imprevisveis sem uma qualificao hierrquica" (BARRETO, 2007). Giramos, assim, em torno de dois eixos centrais: a interatividade e a interconectividade (BARRETO, 1998), a saber: Interconectividade: possibilidade do usurio de informao em deslocar-se, no momento de sua vontade, de um espao de informao para outro; de um acervo de informao para um outro. O usurio passa a ser seu prprio mediador na escolha de informao, o determinador de suas necessidades; a ser o julgador de relevncia do documento e do acervo que o contm em tempo real, como se estivesse colocado virtualmente dentro do sistema de armazenamento e recuperao da informao. A interconectividade reposiciona a relao usurio - espao - informao. Interatividade: possibilidade de acesso em tempo real pelo usurio a diferentes acervos de informao; mltiplas formas de interao entre o usurio e as estruturas de informao contidas nestes acervos. A interatividade modifica a relao usurio - tempo informao, reposiciona os acervos de informao, o acesso informao e a sua distribuio, e o prprio documento de informao ao liberar o receptor dos diversos intermedirios que executavam estas funes em linha e em tempo linear passando para o acesso on-line e com linguagens interativas (BARRETO, 1998). vlido propor, ento, que mudanas provocadas pelas tecnologias intensas de informao traro alteraes na mediao da relao receptor - informao e da relao 26 Minha incluso. 29
  • 30. informao - conhecimento. Estas transformaes estabeleceram um novo relacionamento em meio ao gerador e o receptor, e so mudanas que, em sua essncia, ficaro para sempre (BARRETO, 2007). A partir desse novo cenrio, passa a ser necessrio estabelecer nova conceituao das estruturas de informao, dividindo-as entre fechadas e abertas, o que j nos aproxima mais do nosso objeto. As estruturas de informao fechadas passam a ser os artefatos que esto explicitamente formatados e finalizados em seu contedo, por razes das caractersticas de seu formato ou por uma necessidade de integridade de sua estrutura (BARRETO, 2007): Sua substncia no pode e nem deve ser alterada aps sua finalizao. O objeto de informao apresenta um acabamento que condiz com a qualidade e com as caractersticas da informao ali contida. um formato prprio dos documentos lineares em que se supe uma temporalidade continua que vai contemplando o sentido como em um folhetim nico e com uma escrita que no interrompida (BARRETO, 2007). Estruturas de informao fechadas podem ser vistas nos livros, artigos de peridicos impressos, imagens acabadas e impressas, documentos histricos, legais ou contratuais, patentes concedidas etc. "No a forma que determina a completeza, mas uma impossibilidade de nova modificao no contedo por interao com o gerador ou o receptor" (BARRETO, 2007). J as informaes de estrutura abertas so objetos que esto em desenvolvimento ou que, apesar de pr-acabados, podem ter seu contedo modificado: Estruturas de informao abertas so objetos que esto, ou em se fazendo ou que, apesar de pr-acabados podem ter seu contedo modificado continuamente devido a um sucessivo dilogo do gerador consigo mesmo ou pela ingerncia permitida e espontnea de um coletivo de participantes, na qual a informao aberta em fluxo no acontece uma s transmisso de informao, existe um contnuo colquio interativo de enunciados entre geradores e receptores (BARRETO, 2007). Ao se apresentar um novo mapa, a escrita digital, composta de textos paralelos, subverte a estabilidade da posio do autor e sua autoridade em relao ao texto. A escrita mltipla e a sua apropriao colocam uma nova condio para o pensar, tanto para o autor como para o receptor (BARRETO, 2007). H, assim, a introduo de novas possibilidades de prticas, com enunciados e identidades, e se remove caractersticas de gnero da autoria. Desestabilizam-se tambm hierarquias semnticas existentes na escrita tradicional e re-hierarquiza-se a comunicao com base em critrios que eram anteriormente tratados como irrelevantes. Mas, sobretudo, se 30
  • 31. dispersa o contedo, deslocando-o no tempo e no espao e eliminando as barreiras entre o autor e o leitor. As escrituras digitalizadas, entrelaadas e distribudas em rede, certamente, reposicionaro as condies de apropriao da informao. Estudos e pessoas comeam a aparecer para pesquisar o assunto (BARRETO, 2007). Os sistemas colaborativos de conhecimento fazem parte deste novo ambiente cognitivo geral, destacado por Lvy, da interao muitos para muitos a distncia em contraposio ao anterior, baseado em modelos um para muitos, no qual se estabelece uma nova conformao no relacionamento do receptor com o conhecimento (BARRETO, 2007). Qualquer sistema, sob esse ponto de vista, pode ser dividido em dois ambientes distintos: o que est dentro e sob controle e o que est fora com pouco controle. Quando dizemos que alguma coisa est situada fora do sistema, queremos significar que o sistema pode fazer relativamente pouco a respeito das caractersticas ou comportamento de tal coisa (CHURCHMAN, 1968). Diferente do quadro inicial de Barreto para sistemas de conhecimento, no qual os usurios estariam de fora na incluso do acervo, nesses sistemas os usurios passam a estar includos, mas no tm o controle do ambiente, que continua com o antigo gestor, e se adequam ideia do ambiente aberto. A diferena bsica a autorizao, a liberao para que os usurios incluam registros no acervo, caracterizando um novo modelo de troca informacional. Para compreender melhor estes ambientes, preciso v-los no contexto histrico. franqueado aos usurios o poder da atualizao, mas, no final, quem define as regras ainda o gestor, que est no controle do ambiente, o que mantm a ideia sistmica (de algum por dentro controlando e outro fora, sem controle de como as regras sero estabelecidas). Mesmo nestes novos ambientes, este fato se d, mas de maneira diferenciada, pois o controle deixa de ser nos registros, passando conduta, sob o risco de punio em caso de no cumprimento. Estes novos ambientes permitem que os objetos pr-acabados possam ter o seu contedo modificado e uma ingerncia permitida e espontnea de um grupo de participantes, dispersando o contedo e deslocando-o no tempo e no espao e eliminando barreiras entre o autor e o leitor (BARRETO, 2007). Estes ambientes passam a configurar uma oportunidade nica de tornar o oral em escrita informal e desta para codificada e, portanto, passvel de recuperao (GOMES, 2006). Ou ainda, convocam os novos sujeitos a uma ativa cooperao (COCCO, 2003). Consideramos, assim, que estamos diante de um novo tipo de paradigma informacional, criando novos modelos de sistemas de conhecimento, retirando o gestor do seu antigo papel. Vrios autores identificam essa passagem (BARRETO, 2007), (LVY, 1994), (CASTELLS, 1999) no como um momento comum na histria da informao, da comunicao 31
  • 32. e do conhecimento, mas como de ruptura, o incio de uma nova era. Ou, como profetiza Anderson, "no estamos numa poca de mudanas, mas em uma mudana de poca (ANDERSON, 2009). Por fim, podemos definir, a partir desse ponto de vista, os sistemas colaborativos de conhecimento da seguinte forma: Sistemas colaborativos de conhecimento sero considerados ambientes informacionais abertos nos quais os usurios ganham o direito de atualizar diretamente, em parte ou completamente, o acervo de dados atravs de normas e condutas definidas pelos gestores responsveis. Tais sistemas podem ser classificados como nativos (nascidos dentro do novo modelo) ou no-nativos (que migraram de um anterior para este), estando, ou no, dentro da Internet. MARCO EMPRICO Para efeito da pesquisa, foram escolhidos para anlise cinco sistemas colaborativos de conhecimento que fizeram a migrao de ambientes tradicionais de conhecimento para os colaborativos. Sero analisados dois nativos e dois no nativos na Internet e um fora da rede. Tal escolha tem por intuito fortalecer o objetivo proposto, que o balizamento de profissionais e pesquisadores que lidaro com tais ambientes, caracterizar os diferentes modelos e viabilizar a criao de quadro comparativo, a saber: - apresentar a diversidade de alternativas presentes na rede hoje; - diferentes perfis de ambientes, j que alguns foram criados diretamente na rede e outros migraram de ambientes fora da rede para ela; - de que os ambientes colaborativos no se resumem apenas a ambientes da Internet, podendo funcionar tambm, em outro ambiente, tal como, atravs de celulares. So eles: Os no-nativos: A Plataforma Lattes, do CNPq27, contm cerca de 1.100.000 currculos, sendo que 31% destes de doutores, mestres e estudantes de ps-graduao e 59% de graduados e estudantes de graduao, atravs das 4.000 instituies de pesquisa cadastradas28. Criada em 1999, transfere a atualizao dos prprios currculos aos pesquisadores de Cincia & Tecnologia, que passam a ficar responsveis por seus dados. Nosso estudo far a comparao entre este novo Sistema de Informao Colaborativo com o sistema anterior do CNPq, de cadastro de currculo, definindo a ampliao de currculos 27 Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico 28 http://lattes.cnpq.br/conteudo/estatisticas.htm 32
  • 33. disponveis, a nova forma de gesto, suas caractersticas para garantir a confiabilidade e relevncia, alm das solues e problemas advindos com a mudana da gesto. Ser feita ainda a comparao entre este e outro sistema no-nativo. E destes com os demais modelos. Globo On-line um projeto on-line da empresa Infoglobo, tambm responsvel pela publicao dos jornais: O Globo, Extra, Dirio de So Paulo e Express. O site foi criado em 1996 e tem uma editoria dedicada exclusivamente publicao de material enviado por vrios colaboradores entre os seus 2,5 milhes de usurios cadastrados, que so parcialmente responsveis pelos 350 mil visitantes29 que acessam aquelas pginas todos os dias. Esse ambiente permite ainda, desde 2005, a incluso direta de comentrios dos usurios em suas notcias publicadas na Internet . Atravs de envio de textos, fotos e vdeos, faz a publicao de material de seus colaboradores, em um projeto denominado Eu Reprter. Nosso estudo far a comparao entre este novo Sistema de Informao Colaborativo com o sistema anterior de publicao sem a participao dos leitores, definindo a amplitude da cobertura dos fatos da cidade, antes e depois da colaborao, as caractersticas para garantir a confiabilidade e relevncia, alm das solues e problemas advindos com a mudana da gesto. Neste caso especfico, trataremos os comentrios no noticirio como um tipo de colaborao (sem mediao). Ser feita ainda a comparao entre este e outro sistema no- nativo. E destes, com os demais modelos. Os nativos: O Wikipedia uma iniciativa de uma Organizao no-governamental, Wikipedia.org, iniciada em 2001, que se propem a construir uma enciclopdia on-line colaborativa, aberta e gratuita, na qual todos os 13 milhes de artigos so produzidos por cerca de 75 mil colaboradores, em 260 idiomas, sendo que deste total cerca de 430 mil so em portugus. O objetivo foi o de criar uma enciclopdia on-line e gratuita, com especialistas para a elaborao dos verbetes. O Wikipedia difere dos outros dois exemplos por se tratar de um projeto nativo da Internet, que se iniciou dentro da rede e no migrou de fora para dentro. Ser, portanto, feita a comparao entre o sistema atual colaborativo e, de forma genrica, baseada em literatura, os sistemas de produo de outras enciclopdias impressas em papel. Ser feita a comparao entre este e outro sistema nativo. E destes com os demais modelos. O Overmundo30 um site colaborativo do Instituto Sociocultural Overmundo voltado para a cultura brasileira e a cultura produzida por brasileiros em todo o mundo, contando com o apoio da Petrobras. Iniciado em 2005, se prope a promover prticas, manifestaes e a 29 http://www.infoglobo.com.br/empresa.asp 30 www.overmundo.com.br 33
  • 34. produo cultural que no tm a devida expresso nos meios de comunicao tradicionais31 e conta com 13 mil cadastrados 32. No Overmundo a prpria comunidade seleciona os destaques que ocupam a primeira pgina do site, por meio de um mecanismo de votao colaborativo. Por isso, cada colaborao tem um boto de voto. Conforme ela recebe mais votos, tem mais destaque; mas perde destaque h quanto mais tempo estiver publicada. Ser feita a comparao entre este e outro sistema nativo. E destes com os demais modelos. O fora da Internet: A Rdio Eldorado uma comunidade de motoristas que colaboram com notcias sobre o trnsito, via celular, na capital paulista. Denominou-se chamar o colaborador de ouvinte- reprter. Iniciado h 15 anos, a Rdio se diz pioneira nesse tipo de prtica no Brasil. Ser feita a comparao entre este e outro sistema nativo. E destes com os demais modelos. A escolha dos cinco ambientes colaborativos apresenta riqueza de modelos distintos de gesto, cada um administrando a colaborao de uma determinada forma e dando aos usurios mais ou menos poder no s para publicar, mas tambm para alterar registros de outros, ou ainda vetar, de alguma maneira, o que considerar inadequado. O objetivo procurar se h similaridade dos exemplos propostos, j que em todos o usurio passa a incluir informao diretamente na base de registros, sem mais passar por nenhum intermedirio, rompendo, de certa forma, os modelos anteriores de informao, tais como em bibliotecas, acervos de instituies e os prprios meios de comunicao de massa. 31 http://www.overmundo.com.br/estaticas/tour_o_que_e.php 32 http://www.radioeldorado.com.br/am/notas/transito/transito.html 34
  • 35. METODOLOGIA A pesquisa proposta uma combinao de anlise emprica comparativa, reviso de literatura, entrevistas com gestores, levantamento de textos publicados na rede e de trabalhos acadmicos sobre cada um dos projetos, alm da captao de telas dos respectivos websites e exerccio de pensamento crtico, por meio do estudo terico e prtico da gesto nos sistemas colaborativos. O desenvolvimento da presente tese de doutorado consistir em quatro fases: Estudo terico dos sistemas, sistemas de conhecimento e sistemas colaborativos de conhecimento, com suas respectivas rupturas; Pesquisa de campo - (Lattes, Globo on-line, Wikipedia em portugus, Overmundo e Rdio Eldorado), atravs de entrevistas e levantamento de campo; Anlise dos dados objetivando responder as questes centrais da tese; Redao alinhando o estudo terico e o levantamento nos objetos de estudo, procurando responder as proposies traadas nos objetivos da presente qualificao. Faremos uma pesquisa de campo, entrevistando os gestores responsveis pelo projeto, tanto do ponto de vista do levantamento de fatos como tambm de opinies sobre o fenmeno. As entrevistas sero feitas pessoalmente ou por e-mail, conforme cada caso. Ser feito tambm o levantamento de documentos histricos, trabalhos acadmicos e do tamanho das equipes envolvidas. 35
  • 36. Por meio de questionrios, as entrevistas sero feitas pessoalmente ou por de e-mail, atravs de questes que visam responder as indagaes centrais das teses, com os seguintes parmetros: Pesquisa de campo Formas de Levantamento de dados Questionrio obteno Que tipo de problema informacional estes ambientes vm resolver, basicamente? Havia alguma demanda visvel reprimida Resposta ser pelos usurios que foram atendidas Quais foram as motivaes para a criao ou obtida atravs de com o surgimento deste novo migrao para um site colaborativo? entrevistas com espao informacional? Ou a alguma gestores. percepo do gestor que o levou a adotar essa nova dinmica? Quais so as suas vantagens e desvantagens? A publicao direta pelos usurios, Como podemos caracterizar os sistemas de sem filtros ou seleo, pode gerar Resposta ser informao colaborativos em comparao com os algum tipo de perda de qualidade, obtida atravs de anteriores sem colaborao? ou mesmo um caos informacional entrevistas com de determ