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1 Curso MBA EM GESTÃO PÚBLICA Disciplina ECONOMIA E MERCADO

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Curso

MBA EM GESTÃO PÚBLICA

Disciplina ECONOMIA E

MERCADO

Curso MBA EM GESTÃO PÚBLICA Disciplina ECONOMIA E MERCADO

José Eduardo PEREIRA FILHO Koffi AMOUZOU

www.avm.edu.br

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05 Apresentação

07 Aula 1

Economia do setor público

20 Aula 2 Função do estado

52 Aula 3 Gastos públicos

68 Aula 4 Privatização e concessão – parte I

89 Aula 5 Privatização e concessão – parte II

105 Aula 6 Modelos de regulação de mercado

135 Aula 7 Agências reguladoras

165 Referências Bibliográficas

Economia e Mercado

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Esta disciplina analisará as iniciativas chamadas de economia solidária, especialmente na forma de economia do setor público, como alternativas viáveis de organização social da produção, como a privatização e concessão dos modelos de regulação de mercado e das agências reguladoras diante dos efeitos deletérios das políticas neoliberais. De fato, este tema de economia e mercado tem sido cada vez mais relevante em virtude do grande número de falhas de mercado de empresas industriais, bem como do crescente desemprego, desde a década de 1990, no Brasil. A questão central é que, admitindo como um dado de realidade a existência dos mercados, providos essencialmente pela lógica capitalista de produção, não são absolutamente claros os caminhos para o possível sucesso em empreendimentos não guiados por esta lógica. Há indícios, porém, de que elementos bem-sucedidos de novos modelos de regulação do mercado podem servir como fontes de inspiração para promover o crescimento econômico e, ao mesmo tempo, o bem-estar social das nações assim como o equilíbrio econômico.

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Este caderno de estudos tem como objetivos:

Analisar os mecanismos de intervenção do Estado para a

estabilidade econômica do mercado, desde a economia do setor público até as políticas regulatórias do mercado;

Favorecer a compreensão do aluno na definição do setor público e reconhecer seu papel na economia assim como as diversas teorias a respeito dos bens públicos e as contas públicas de despesas e receita e a classificação destes;

Reconhecer as classes de gastos de acordo com a sua finalidade, a sua natureza e a sua função;

Conhecer o histórico das privatizações e a mudança do papel do Estado Interventor para o Estado Fiscalizador através das agências reguladoras e seus princípios;

Analisar a privatização pela concessão de serviços públicos cujo Estado determina diretrizes e fixa regras gerais enquanto que a produção de serviços fica a cargo do agente concessionário;

Identificar analiticamente as quatro grandes linhas que tratam do mercado (Marxista Neoclássica escola austríaca de economia e Keynesiana) e os tipos de concorrência.

Economia do Setor Público Koffi Amouzou

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Os conceitos escolhidos para a aula de Economia do setor público no Brasil apresentam idéias que contribuem para o desenvolvimento do país, por meio do conhecimento da realidade brasileira e do fortalecimento da identidade nacional. Entre os caminhos apontados pelo governo para formar uma política econômica de sucesso, está o papel do governo, que deve se preocupar não só em distribuir renda, mas também em corrigir falhas no mercado.

Obj

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os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Definir o setor público e reconhecer seu papel na economia; Conhecer as diversas teorias a respeito dos bens públicos; Reconhecer as contas públicas de despesas e avaliar o

desempenho das despesas públicas de um determinado agente de governo;

Reconhecer as contas públicas de receita, identificar os principais componentes na classificação dos gastos públicos;

Justificar as relações entre os gastos públicos e o crescimento econômico.

Aula 1 | Economia do setor público 8

Conceitos fundamentais da economia do

setor público

Nesta aula, analisamos as principais definições

dos conceitos fundamentais para se entender a

economia do setor público.

BEM PÚBLICO

Definindo um Bem Público. O critério da não-

exclusão implica que um bem público se caracteriza

pelo fato de que, uma vez provido, não é possível

excluir qualquer membro da coletividade do usufruto

dos benefícios gerados. Ou seja, independentemente de

quem tenha se esforçado mais para a obtenção do

bem, uma vez que ele é criado até mesmo para os que

não contribuíram para sua obtenção têm o direito de

utilizá-lo. Um bom exemplo é a criação de uma praça a

partir do esforço e da pressão de uma organização

comunitária – uma associação de moradores. Depois de

instalada, a praça é de todos e mesmo os que se

mostraram contrários à sua criação podem dela

usufruir. É verdade que a localização da praça tenderá

a gerar benefícios diferenciados para os diferentes

indivíduos e grupos da sociedade, sendo tais benefícios

maiores para os que residem ou trabalham em suas

proximidades e menores para os que tiverem que se

deslocar a fim de tirar proveito dela. Mas, no limite,

todos podem usá-la.

Já o critério de não-rivalidade (non-rivalry)

estabelece que o consumo do bem por uma parte da

coletividade não reduzirá os benefícios à disposição dos

demais. Ou seja, uma vez provido o bem público não

haverá razão para que os membros do grupo rivalizem

para aproveitar os benefícios que ele proporciona, pois

todos terão acesso a eles quando desejarem. Uma vez

mais, a praça surge como um bom exemplo: o fato de

Aula 1 | Economia do setor público 9

crianças e jovens a utilizarem não reduz sua oferta

para os adultos. Obviamente, o uso intenso da praça

pelos jovens pode acarretar uma perda de satisfação

dos mais velhos com a praça – por conta do barulho e

da agitação, por exemplo. Do mesmo modo, o uso

muito intenso de uma via pública pode acarretar

congestionamentos, os quais podem reduzir a

satisfação de determinados indivíduos ao utilizá-la.

Mas, no limite, todos estarão usando uma praça mais

barulhenta e estradas mais congestionadas, de modo

que sofrem do mesmo problema.

Bens públicos típicos implicam, portanto, acesso

livre e não-rival aos membros da comunidade como um

todo. Especialmente por conta do primeiro critério,

Olson (2001) chamou a atenção dos estudiosos da

Política para as dificuldades de obtenção de bens

públicos por coletividades muito amplas e

heterogêneas. No caso de grupos grandes, a

contribuição de cada indivíduo para a realização do

bem público é praticamente imperceptível, criando em

cada um a disposição de “tirar proveito” do esforço dos

outros (pegar uma carona, como se diz). O problema é

que todos pensam da mesma forma e o esforço

necessário para prover o bem público raramente se

produz. No segundo caso, das comunidades

heterogêneas, além do “problema do carona” (quando

são grupos grandes), há ainda um alto potencial de

divergência em relação aos bens públicos prioritários –

praças, rodovias, hospitais, escolas, controle da

inflação, política industrial. Tendo em vista a escassez

dos recursos, coletividades heterogêneas são colocadas

diante da necessidade de decidir a respeito de como

utilizá-los a fim de atingir graus elevados de satisfação.

Isso é sempre muito difícil.

Aula 1 | Economia do setor público 10

BENS ECONÔMICOS

Ficou devidamente acentuado, quando

examinamos o conceito de necessidades, que a

atividade econômica do homem está na dependência

constante do mundo exterior. Tal ocorre porquanto o

indivíduo, para satisfazer as suas necessidades, precisa

de toda uma série de bens materiais, oferecidos pelo

mundo externo. E como tais bens, como sabemos, “não

se encontram em todas as partes (ou pelo menos em

quantidade suficiente em todas as regiões), impõe-se

uma atividade preliminar, que será a de localizá-los”

(Kleinwatchter, 1990). Posteriormente, como segunda

fase da atividade econômica, defrontamo-nos com a

seleção desses bens, passando, em seguida, para a

fase transformativa, pois comumente os bens naturais

dependem de um processo econômico para a sua

transformação em bens efetivamente aptos para o

consumo.

Os bens, assim, seriam as coisas úteis e que

podem satisfazer, mediata ou imediatamente, as

necessidades do homem. Mas, para possuírem valor

econômico, devem existir naturalmente de forma

limitada, pois os bens não-escassos ou abundantes

escapam à órbita do econômico. Cassel (2002)

contribui para melhor compreensão deste ponto:

“existe, por regra geral, uma certa escassez de bens.

Essa escassez está sujeita a duas circunstâncias: por

um lado, deve ser disponível em quantidade limitada de

qualquer forma e, por outro, deve ser utilizável, com

proveito para a satisfação das necessidades do homem,

uma quantidade que exceda à disponível. A escassez

econômica, assim, seria uma idéia completamente

relativa, somente existindo em função das

necessidades humanas”.

Dica do professor

Bens em sentido econômico são todos aqueles objetos relativamente escassos, suscetíveis de posse e que servem, direta ou indiretamente, para a satisfação das nossas necessidades.

Aula 1 | Economia do setor público 11

Outrossim, “os bens podem ser materiais ou

consistir em serviços imateriais como visto

anteriormente no caso de bens públicos. Conquanto os

economistas muitas vezes utilizem a expressão bens e

serviços, no sentido restrito, os bens incluem os

serviços. Um serviço que satisfaz uma necessidade é,

intrinsecamente, um bem, ainda que sua natureza não

seja material”

CATEGORIA DE BENS ECONÔMICOS

Bem, em sentido econômico, será algo capaz de

satisfazer uma necessidade humana. Os bens podem

ser materiais ou consistir em serviços imateriais, pois

desde que satisfaça uma necessidade, um serviço será

intrinsecamente um bem, embora não seja

forçosamente material. Os bens econômicos materiais

são denominados riquezas e os imateriais, serviços.

A primeira característica dos bens econômicos,

como é intuitiva, reside na respectiva utilidade ou

capacidade de satisfazer mediata ou imediatamente

uma necessidade. Logicamente, como acentua Cobos

(2000), embora alguns elementos sejam necessários

ao homem (o ar para respirar ou a água para mitigar a

sede), eles não são considerados bens econômicos, no

sentido estrito da ciência econômica. Daí a divisão dos

bens em diferentes categorias: bens livres, cuja

utilização ou aquisição não implica relações de ordem

econômica, e bens econômicos, cujo conteúdo é de

molde a satisfazer, mediata ou imediatamente, uma

necessidade de natureza econômica. Os bens livres,

que por sua abundância podem ser apropriados ou

adquiridos com pouco ou nenhum esforço, são aqueles

que não estimulam os homens à atividade econômica.

Os bens econômicos, ao contrário, por serem

relativamente escassos ou quantitativamente limitados,

implicam dispêndio de energias e capitais para a sua

formação.

Importante

Bens livres Por sua abundância podem ser apropriados ou adquiridos com pouco ou nenhum esforço, são aqueles que não estimulam os homens à atividade econômica.

Aula 1 | Economia do setor público 12

Os bens ainda podem ser materiais ou se

apresentar sob a forma de serviços, como ficou

explicado. Os denominados serviços são, em parte,

executados por pessoas e, em parte, pelos

denominados bens de longa duração ou duradouros.

Também denominados materiais os bens que ocupam

espaço e imateriais, aqueles não-reais e que não

ocupam espaço (virtude, inteligência).

Os bens materiais e os serviços são designados

pela denominação comum de bens. Os denominados

serviços podem, ainda, constituir meras faculdades,

como ocorre normalmente com os direitos.

Em última análise, os bens são econômicos e

não-econômicos, conforme satisfaçam diretamente as

necessidades, ou devam antes sofrer processos

transformativos, para adquirirem características

essencialmente econômicas. O pão, por exemplo,

destina-se à satisfação de uma necessidade fisiológica

normal e inadiável, qual seja, a da alimentação.

Portanto, será um bem econômico de primeiro plano.

Mas para que chegue a assumir tal característica,

sofreu inúmeras etapas transformativas ou

elaborativas, desde o preparo do solo, a escolha da

semente, o preparo do terreno, o plantio do trigo, a

colheita e a sua tributação em farinha, o ensacamento,

o transporte etc.

Bens de consumo são produtos adquiridos pelos

consumidores para uso próprio. Os bens de produção

são os produtos não utilizados para satisfazer

necessidades individuais, mais aplicados ao processo

transformativo. Os primeiros sofrem um consumo

direto, os outros, um consumo indireto.

Os bens presentes ou atuais são assim

denominados em contraposição aos bens de produção,

Aula 1 | Economia do setor público 13

pois estes somente após certo período de tempo

estarão aptos para serem utilizados, enquanto aqueles

podem ser consumidos tão logo sejam apropriados. Por

bens de capital, entendemos os bens produzidos pelo

homem, não apenas para o seu consumo, mas para

auxiliá-lo na produção de outros bens. Quanto maior,

em determinadas sociedades, o seu estoque de bens de

capital, tanto maior o seu nível de vida e maiores as

possibilidades no aumento e variedade dos bens à

disposição de crescentes contingentes das mesmas

sociedades. Os bens complementares, no exemplo

acima, do plantio e colheita do trigo, seriam os bens

que colaboraram para o resultado final da obtenção da

farinha e do pão (terra, veículos de transporte,

sacaria); são também denominados bens passivos ou

intermediários, enquanto a farinha ou o pão, utilizando-

nos do mesmo exemplo, seriam os bens ativos.

NECESSIDADES ECONÔMICAS

O homem, para a sua atividade econômica, é

impelido por suas necessidades, objetivando a

obtenção de coisas úteis que possam satisfazê-las. Elas

constituem, assim, a própria essência da economia, ou

no dizer de Gide, o ponto de partida de toda a ciência

econômica. Guitton, do mesmo modo, acentua que “a

atividade econômica tem como fim a satisfação das

necessidades”, acrescentando: “na terminologia

econômica, a palavra necessidade é tomada em

acepção mais larga que na linguagem corrente. Nem

designa simplesmente um estado de sofrimento, de

doença ou de aborrecimento, que sentimos se nos falta

alguma coisa, se tal coisa se dá ou não. No sentido

econômico da palavra, diz-se que se tem necessidade

de tudo quanto se deseja, seja de diamante, de um

charuto caro, de uma entrada para o teatro ou de uma

garrafa de absinto. Como a atividade econômica dos

homens tem por fim satisfazer necessidades, estas

Aula 1 | Economia do setor público 14

constituem, por conseguinte, o menor central de todo o

mecanismo econômico”.

Desde Adam Smith, as necessidades são

consideradas como forma da economia. O elemento

humano, como ser vivente, está em constante

dependência do mundo exterior, quer para conservar

sua vida quer para elevar-lhe o nível. Os elementos

necessários a sua sobrevivência, desenvolvimento e

consecução dos seus fins são fornecidos pelo meio

externo. As necessidades crescem com o próprio

desenvolvimento humano e reclamam, cada vez mais,

o auxílio de meios externos, que servem para satisfazer

ou sofrear as necessidades derivadas da dependência

do homem ao ambiente mesológico.

Vejamos, agora, os fundamentos da atividade

econômica. Umbreit, Hunt e Kinter assinalam, com

propriedade: mostrou-se que a atividade econômica

resulta dos esforços dos seres humanos para satisfazer

seus desejos de bens econômicos. Todavia, as formas

particulares que a atividade econômica toma,

dependem, em qualquer sociedade, de três fatores

fundamentais, os quais podem variar,

consideravelmente, de um grupo social para outro,

tanto por causa das diferenças de ambiente natural

como pelas diferenças de cultura. São eles: a) a

natureza e a extensão das necessidades humanas; b)

os recursos disponíveis, como base para satisfazer

essas necessidades; c) a tecnologia ou os métodos de

produção que podem ser aplicados aos recursos

disponíveis. Em outras palavras, as três determinantes

significativas da atividade econômica são:

necessidades, recursos e tecnologia”.

CARACTERÍSTICAS DAS NECESSIDADES

O homem, no dizer de Aristóteles, é um animal

social; mas o ser vivente é, antes de mais nada, um

Importante

Fatores fundamentais da atividade econômica A natureza e a

extensão das necessidades humanas.

Os recursos disponíveis, como base para satisfazer essas necessidades.

A tecnologia ou os métodos de produção que podem ser aplicados aos recursos disponíveis.

Aula 1 | Economia do setor público 15

animal insatisfeito, pois, mal obtida a satisfação de um

de seus desejos e as suas atenções estão já voltadas

para a satisfação de um desejo diferente.

Gide, com base no subjetivismo das

necessidades e nos seus aspectos individuais e

coletivos, apresenta uma classificação dessas

necessidades, conforme as suas principais

características. Temos, assim, que as necessidades,

primeiramente, são ilimitadas em número. Essa infinda

multiplicação das necessidades se tem constituído na

mola propulsora do progresso e das civilizações: tal

caráter recebe, também, o nome de multiplicidade; o

necessário de hoje era o luxo de ontem e o supérfluo

de hoje será o necessário de amanhã, na feliz

expressão de Guitton.

Por outro lado, as necessidades são limitadas

em capacidade, o que significa que elas são limitadas

no sentido de bastar determinada porção de um objeto

para a satisfação de cada uma delas. Os desejos

diminuem gradativamente de intensidade à medida que

vão sendo satisfeitos, até desaparecerem por

completo. A sua limitação em capacidade dá-se a

denominação de caráter de sociabilidade. Esse

decréscimo de intensidade das necessidades, conforme

a sua gradativa satisfação serviu de fundamento à

importante escola econômica moderna.

As necessidades são, também, naturalmente

concorrentes entre si, pois, no geral, uma surge em

detrimento de outra (exemplo: a tração por via férrea

veio em prejuízo às diligências, o transporte pelo

veículo a motor veio operar em prejuízo do ferroviário).

Este princípio é conhecido por lei da substituição, sendo

que a possibilidade de substituir um objeto de consumo

por outro, no dizer de Guitton, merece ser notada,

porque serve de freio às exigências dos

monopolizadores e açambarcadores.

Importante

Características das necessidades As necessidades econômicas possuem as seguintes características, cada qual correspondendo à importante lei econômica: As necessidades

são ilimitadas em número;

As necessidades são limitadas em capacidade;

As necessidades são concorrentes;

As necessidades são complementares.

Aula 1 | Economia do setor público 16

Comentários finais

Naturalmente, os produtos destinam-se a

satisfazer as necessidades individuais dos membros

duma sociedade ou necessidades coletivas provenientes

duma vida agrupada, estas também denominadas

necessidades sociais.

Entre a produção e a satisfação das

necessidades, estabelece-se uma estreita

interdependência. O desenvolvimento da produção dá

origem ao aparecimento de novas necessidades e, por

sua vez, estas suscitam a aparição de outras que

acabam por influir na própria produção.

As necessidades consideradas primordiais devem

ser satisfeitas de forma contínua e, quando atendidas,

os indivíduos empenham-se em satisfazer as restantes.

A fronteira entre umas e outras depende do gênero de

vida e do nível de civilização. O progresso da sociedade

tende a diversificar e a multiplicar as necessidades e os

desejos.

Diferem de acordo o modo de produção, o meio

ambiente, multiplicam-se em função do processo de

trabalho, com o aperfeiçoamento dos meios de

trabalho, a evolução dos meios técnicos e científicos.

Próximo da necessidade, encontra-se o interesse

que pode assumir um caráter individual, de grupo ou de

classe. O interesse manifesta-se na ânsia de alcançar

um determinado objetivo ou meta e nas ações

tendentes à sua consecução.

Tanto as necessidades como os interesses

intervêm como fonte de atividades e estimulam a atuar

de uma determinada maneira e de um determinado

sentido. Estes estímulos denominam-se motivações.

Importante

Determinação das necessidades econômicas Numa determinada época ou determinada região, as necessidades econômicas são função da estrutura da sociedade em que o homem vive.

Aula 1 | Economia do setor público 17

Como aptidão técnica para satisfazer uma

necessidade, a utilidade possui um caráter objetivo.

Para o economista, possui ainda um caráter subjetivo,

pois a utilidade varia conforme a maior ou menor

intensidade da necessidade. Como úteis, sob o ponto

de vista econômico, são qualificados todos os bens ou

serviços que correspondem a necessidades ou desejos

independentemente de serem naturais, fictícios,

imaginários, viciosos ou prejudiciais, desde que exista

produção, distribuição e consumo, em suma, desde que

exista trabalho.

No sistema comunitário, a produção baseia-se

no trabalho individual ou de grupo e realiza-se para seu

próprio consumo ou troca acidental. Destina-se à

satisfação direta das carências biológicas, culturais ou

sociais. O mesmo acontece ainda nas formas de

produção para autoconsumo individual ou de um grupo

humano fechado.

No sistema pré-capitalista, em que o produto se

transforma também em mercadoria, dá-se uma ruptura

entre a atividade produtiva e o processo de satisfação das

necessidades. A produção adquire uma nova finalidade,

como meio de pagamento de um tributo, de uma renda

em espécie ou em dinheiro, ou como meio de troca.

No sistema capitalista, a lógica da produção não

consiste apenas na obtenção de bens econômicos

destinados a satisfazer necessidades, mas também a

forçar o consumo com o objetivo único da maximização

do lucro. A motivação do lucro e da valorização do capital

leva os produtores e comerciantes a suscitar desejos

individuais ou coletivos prescindíveis. Inventam-se

necessidades para estimular o consumo. Cria-se a

chamada sociedade de consumo que contraria a noção

ética de utilidade. A lógica da atividade econômica altera-

se, passando a produção e a obtenção do lucro a

comandar o consumo e não o inverso. A atividade

Aula 1 | Economia do setor público 18

econômica decompõe-se, assim, em duas espécies

distintas conforme se destina a satisfazer as necessidades

efetivas ou se destina à criação artificial de outras

necessidades para provocar uma procura geradora de

lucros e riqueza.

Pode inferir-se que a atividade produtiva não é

apenas dominada pela satisfação das necessidades,

mas também pela acumulação de excedentes e por

interesses da sociedade como um todo, das classes ou

grupos sociais, definidos pela sua posição dentro de

relações econômicas e sociais determinadas.

RESUMO

Vimos até agora:

Os bens podem ser materiais ou consistir em

serviços imateriais como é o caso de bens

públicos. Desde que um serviço satisfaça uma

necessidade é, intrinsecamente, um bem,

ainda que sua natureza não seja material;

De acordo com o conceito de necessidades, a

atividade econômica do homem está na

dependência constante do mundo exterior. Tal

ocorre porquanto o individuo, para satisfazer

as suas necessidades, precisa de toda uma

série de bens materiais, oferecidos pelo mundo

externo;

As necessidades são naturalmente

concorrentes entre si, pois, no geral, uma

surge em detrimento da outra. Este princípio é

conhecido por lei da substituição, sendo que a

possibilidade de substituir um objeto de

consumo por outro, no dizer de Guitton,

merece ser notada, porque serve de freio às

exigências dos monopolizadores.

19

Função do Estado Koffi Amouzou

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Esta aula se dedica especialmente ao estudo da função alocativa do governo. Buscamos justificar a participação do governo na economia a partir do que é conhecido na literatura como falhas de mercado. Destaca-se também a forma de regulamentação de falhas de mercado.

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etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de: Identificar a diferença entre um bem público e um bem

privado; Conhecer o conceito de monopólios naturais e as regras de

determinação de preços; Analisar a importância dos bens de propriedade comum e sua

característica de não atribuição de preço; Destacar o papel da intervenção do Estado na regulamentação

para correção de falhas de mercados.

Aula 2 | Função do estado 21

Introdução

Esta aula está dividida em seis seções nesta

primeira, trataremos das funções do Estado e, nas três

seguintes apresentaremos cada uma das funções

separadamente. Na penúltima seção, levantaremos

comentários sobre as relações entre as funções e, na

última, discutiremos sobre a centralização das funções

do Estado.

Como visto no comentário anterior, a economia

capitalista moderna é um sistema econômico misto, no

qual os setores público e privado interagem

amplamente. Na economia brasileira, quase um terço

da renda total é arrecadada através de impostos. A

participação do governo é ainda maior em outras

economias, como a dos países escandinavos, em que a

parcela dos impostos na renda total chega a ser

superior a 40%.

Além da atividade estritamente orçamentária,

ou seja, arrecadação de tributos e despesas públicas, o

governo também influencia o curso das atividades

econômicas, através da condução de política

monetária, administração de empresas estatais,

regulamentação de empresas privadas, política de

controle de preços, preços mínimos, subsídios.

Convencionalmente, as atividades do governo

que influenciam a atividade econômica são divididas

em três funções: alocativa, redistributiva e

estabilizadora.

Função alocativa: provisão de bens públicos,

ou processo pelo qual o uso de recursos totais

da economia é dividido entre bens públicos e

privados, e pelo qual a composição dos bens

públicos é escolhida.

Importante

Funções do Estado Convencionalmente, as atividades do governo que influenciam a atividade econômica são divididas em três funções: alocativa, redistributiva e estabilizadora, conforme veremos a seguir.

Aula 2 | Função do estado 22

Função redistributiva: refere-se ao ajustamento

da distribuição da renda pessoal, para assegurar

conformidade com o que a sociedade considera

uma situação "justa" de distribuição.

Função estabilizadora: relaciona-se ao uso da

política orçamentária com o objetivo de manter

o pleno emprego, um grau razoável de

estabilidade no nível de preços e da balança de

pagamentos, e uma taxa adequada de

crescimento econômico. Isto é, adotam-se

políticas com o objetivo de estabilizar oscilações

de preços, emprego, câmbio.

Nas próximas três seções, analisamos cada uma

das funções, e a seguir sua inter-relação, centralização

e descentralização.

FUNÇÃO ALOCATIVA

A função alocativa do governo está

essencialmente associada à provisão de determinados

bens e serviços não oferecidos adequadamente através

do sistema de mercado.

Esses bens, denominados bens "públicos", como

visto anteriormente, são aqueles em que o sistema de

preços é ineficiente para induzir à produção da

quantidade ótima. Um exemplo seria a defesa de uma

nação. Por um lado, qualquer indivíduo pode usufruir

da defesa nacional sem indicar a terceiros sua

demanda. Por outro lado, é impossível defender apenas

alguns cidadãos e excluir outros.

A razão básica para a ineficiência do mercado na

provisão de determinados bens "públicos" não está

ligada a que estes sejam demandados “coletivamente",

Quer saber mais?

Função alocativa Processo de escolha de bens públicos ou privados. Função redistributiva Ajustamento da distribuição de renda pessoal. Função estabilizadora Política orçamentária para manter o pleno emprego.

Aula 2 | Função do estado 23

enquanto os bens privados são demandados

"individualmente".

Isto é, tanto os bens públicos como os privados

estão incluídos nas escalas de preferências dos

indivíduos. No entanto, surgem diferenças quanto à

natureza dos benefícios auferidos na utilização de um

bem público e de um bem privado.

Os benefícios do primeiro não são limitados a

seu consumidor, antes se tornam disponíveis também

para os outros cidadãos da comunidade. O consumo de

um bem público é não rival.

O consumo de um bem é rival quando o

consumo por um agente exclui automaticamente o

consumo por outros agentes. O consumo de um

cafezinho por uma pessoa necessariamente

impossibilita outra de tomar o mesmo cafezinho.

O consumo é não rival quando o consumo por

um agente não diminui a quantidade a ser consumida

pelos demais agentes. O serviço de divulgação de

informações meteorológicas é exemplo de bens de

consumo não rival.

Em particular, se consumimos um sanduíche ou

usamos um par de sapatos, estes produtos não mais

estarão à disposição de outros indivíduos. Nosso

consumo e o dos demais indivíduos guardam entre si

uma relação de "rivalidade". Esta é a situação, por

natureza, dos bens privados.

Por outro lado, consideremos os serviços

públicos voltados para a manutenção da lei e da

ordem. Se uma melhoria nos serviços é obtida, o

beneficio resultante estará à disposição de toda a

população. O consumo deste serviço simultaneamente

Aula 2 | Função do estado 24

por muitos indivíduos não é "rival", no sentido de que o

benefício apropriado por uma pessoa não reduzirá os

benefícios à disposição dos demais.

Em outras palavras, os benefícios derivados por

qualquer pessoa, ao consumir um bem público, são

"externalizados", porque se tornam potencialmente

disponíveis para todos os demais indivíduos na

comunidade. Entretanto, no caso de bens privados, os

beneficios do consumo são "internalizados" em um

consumidor particular, cujo consumo exclui o dos

demais.

O mecanismo de preços do mercado está, em

geral, preparado para orientar a produção e a

distribuição de bens privados. Este mecanismo é

baseado essencialmente em trocas, que podem ocorrer

porque existe, no caso de bens privados, um direito de

propriedade que assegura exclusividade para o objetivo

da troca.

Com efeito, o sistema de mercado pode ser visto

como um grande "leilão", em que os consumidores

procuram seus bens e os produtores vendem seus

produtos pelo preço mais alto conseguido. Neste

sentido, o mercado produz um sistema de

racionamento indicativo, em que os produtores são

guiados pela demanda dos consumidores.

Para produtos como sanduíches ou sapatos, este

é um mecanismo economicamente eficiente, no sentido

de que nada se perde e muito se ganha, quando os

consumidores são excluídos dos benefícios de um bem

privado, a menos que paguem. Isto é, o dono da

lanchonete e o da loja de sapatos podem impedir-me

de consumi-los se não pagar por eles.

Aula 2 | Função do estado 25

Note que não é possível excluir alguém dos

benefícios da organização do trânsito (bem público);

contudo, só quem paga tem direito a um carro próprio

(bem privado).

Portanto, a aplicação do princípio de exclusão,

implícito neste sistema de trocas, tende a ser uma

solução adequada. Por outro lado, este resultado não

se aplica ao caso dos bens públicos, porque seria

ineficiente excluir qualquer consumidor dos benefícios

de um bem público, dado que, por sua própria

natureza, esta participação não reduz os benefícios de

outras pessoas. A aplicação do princípio de exclusão

seria, neste caso, indesejável, mesmo que fosse viável.

Em outras palavras, os bens públicos puros são

não excludentes. É possível excluir alguém de tomar o

mesmo café que eu estou tomando, mas não posso

proteger o espaço aéreo brasileiro apenas para alguns

indivíduos e não para outros.

Como o princípio da exclusão não deve e, em

geral, não pode ser acionado com bens públicos, o

governo não tem um instrumento vital para determinar

o nível e a composição ideal destes serviços.

De fato, à medida que um consumidor é apenas

um dos membros de um grupo de pessoas, a oferta

disponível de um serviço público para ele não será

significativamente afetada por sua contribuição ao

custo total.

FUNÇÃO REDISTRIBUTIVA

A função redistributiva do governo está

basicamente associada a ajustamentos no perfil da

distribuição pessoal de renda. Na ausência de uma

política fiscal que modifique esse perfil, a distribuição

Dica do professor

Princípio da exclusão Portanto, a aplicação do princípio de exclusão, implícito neste sistema de trocas, tende a ser uma solução adequada.

Dica do professor

Principio de exclusão O princípio de exclusão é a melhor solução no sistema de troca.

Aula 2 | Função do estado 26

da renda depende, fundamentalmente, da distribuição

da propriedade de fatores.

Em geral, as produtividades individuais, inatas

ou adquiridas, são diferentes entre indivíduos, assim

como a distribuição das propriedades herdadas. Desse

modo, a distribuição de renda com base na propriedade

de fatores será determinada pelo preço que, digamos,

num mercado competitivo, iguale a renda dos fatores

ao valor de seu produto marginal.

Em outras palavras, se deixarmos o sistema de

preços funcionar, teremos uma distribuição de renda

que dependerá da produtividade de cada indivíduo no

mercado e dos fatores de produção que possui.

A produtividade de um indivíduo no mercado

pode ser dada por uma profissão, experiência,

contatos. Assim, um mesmo médico numa cidade onde

não há outros concorrentes pode eventualmente ganhar

menos quando começarem a chegar outros.

Um fator de produção pode ser um terreno

vazio. Se estiver localizado em um local com uma

grande demanda de vagas de estacionamento e sem

outros terrenos vazios por perto, provavelmente seu

proprietário conseguirá um aluguel mais elevado pelo

mesmo do que no caso contrário.

O ponto a destacar é que a distribuição de renda

depende da produtividade do trabalho e dos demais

fatores de produção dados pelo mercado. A distribuição

de renda entre indivíduos, portanto, dependerá neste

caso somente da oferta de seus fatores e do preço que

eles atingem no mercado.

Aula 2 | Função do estado 27

A distribuição corrente da renda, em geral, não

se ajusta ao que a "sociedade" considera uma

distribuição "justa".

Entretanto, uma distinção precisa ser feita entre

o princípio do uso eficiente de fatores, baseado num

mercado de preços competitivos, e a proposição de que

a distribuição de renda entre os indivíduos deve ser

fixada pelo mecanismo de preços no mercado.

A primeira afirmação é um princípio de

economia que, se observada sob certas condições,

garante o uso eficiente de fatores. Porém, a segunda

proposição é diferente.

Primeiramente, os preços dos fatores, como

determinados nos mercados, podem não corresponder

às normas de um mercado competitivo. Com efeito,

existindo lucros monopolísticos, a renda pessoal seria,

neste caso, estabelecida em mercados imperfeitos.

Ainda que todos os preços dos fatores fossem

determinados competitivamente, o perfil resultante da

distribuição de renda pode não ser socialmente

aceitável. Este perfil pode envolver um grau

substancial de desigualdade na distribuição de renda e,

embora pontos de vista sobre distribuição difiram, a

maioria das pessoas concordaria que ajustamentos

seriam necessários.

A resposta para uma redistribuição de renda

justa envolve, assim, considerações de julgamento de

valor. Adicionalmente, existem dois problemas

importantes, associados com a aplicação de um

princípio de justiça social ao perfil da distribuição de

renda. Primeiro, é difícil ou impossível comparar os

níveis de bem-estar ou de utilidade que vários

indivíduos usufruem de sua renda. Inexistindo uma

forma simples de adicionar utilidade, um critério de

redistribuição baseado em tais comparações não é

Aula 2 | Função do estado 28

operacional. A outra dificuldade resulta de que o

tamanho do "bolo" disponível para distribuição está, em

geral, relacionado à maneira pela qual este é dividido.

Alternativamente, a redistribuição pode ser

implementada através de um imposto de renda

proporcional usado para financiar os serviços públicos,

como casas populares, que beneficiem particularmente

famílias de baixa renda. Ou, ainda, através de uma

combinação de impostos sobre produtos adquiridos

principalmente por indivíduos de alta renda (bens de

luxo) com subsídios para produtos basicamente

adquiridos por consumidores de baixa renda (artigos de

consumo básico).

Conquanto não se possa fazer uma

generalização simples quanto ao melhor instrumento

fiscal para distribuir renda, existem indicações que

favorecem a utilização de impostos gerais sobre a

renda ou o consumo. Estes, ao contrário de impostos

seletivos, não interferem na escolha entre produtos

e/ou atividades.

Embora os mecanismos de impostos gerais (por

exemplo, o imposto de renda) possuam um custo de

eficiência, à medida que a escolha entre renda e lazer

e/ou consumo presente e futuro possa ser afetada, as

possibilidades são de que a distorção seja menor do

que com imposto seletivo.

Existe todo um campo da teoria econômica

chamada economia do bem-estar (welfare economics)

voltada para a questão da eficiência e da eqüidade.

A propósito, uma modificação nas condições da

economia é considerada eficiente (isto é, aumenta o

bem-estar) se, e somente se, o bem-estar de pelo

menos um indivíduo é melhorado sem piorar o bem-

estar dos demais.

Importante

Economia do Bem-Estar Uma preocupação básica da economia do bem-estar está ligada à definição de eficiência. Entretanto, este conceito exclui considerações que envolvem redistribuição de renda.

Importante

Aplicação do critério de eficiência: O critério de eficiência não pode ser aplicado a uma política de redistribuição porque, por definição, esta política melhora a posição de um indivíduo, ou grupo de indivíduos, à custa dos demais.

Aula 2 | Função do estado 29

A questão central na função distributiva do

governo é de melhorar a distribuição de renda tendo

presente as considerações de eficiência

FUNÇÃO ESTABILIZADORA

A política fiscal é um instrumento da política

econômica, porque o pleno emprego e a estabilidade

de preços não ocorrem automaticamente na economia.

Nesse sentido, a política econômica é orientada

para atingir objetivos como equilíbrio no balanço de

pagamentos, aceitável taxa de crescimento econômico,

bem como objetivos de pleno emprego e grau razoável

de estabilidade de preços.

Isto não elimina, naturalmente, a possibilidade

de que a política de estabilização, quando mal

conduzida, seja ela mesma desestabilizadora.

Essas variáveis monetárias incluem os diversos

agregados monetários (M1, M2, M3...), a base

monetária, as taxas de juros e o volume de crédito. O

controle dessas variáveis seria objetivo intermediário

para os objetivos finais, ou também chamados de

objetivos macroeconômicos, mencionados acima (nível

de preços, emprego...).

A atividade de arrecadar impostos é chamada de

política tributária e a atividade de gastar recursos é, às

vezes, chamada de política fiscal no sentido estrito.

Ambas formam a política fiscal. .

Os condutores da política econômica buscam,

através da combinação de políticas monetária e fiscal,

atingir seus objetivos.

Importante

Função estabilizadora A função estabilizadora do governo está essencialmente relacionada com a manipulação dos níveis de preços e emprego da economia.

Dica do professor

Política Econômica Costuma-se dividir a política econômica em política monetária e política fiscal. A política monetária refere-se às ações do governo, quase sempre por meio do Banco Central.

Aula 2 | Função do estado 30

INTER-RELAÇÕES ENTRE FUNÇÕES FISCAIS

O modelo de divisão fiscal delineado acima é útil

pela clareza com que define as três principais

atividades do governo, embora esta divisão não

descreva as inter-relações entre essas atividades no

mundo real.

As medidas redistributivas também podem

afetar a alocação de recursos entre bens públicos e

privados, à medida que as preferências dos indivíduos

variam com seu nível de renda.

Semelhantemente, um programa de

estabilização dificilmente será neutro com relação à

alocação de recursos e à distribuição de renda.

Suponha-se que o governo promova a expansão

de um programa de incentivos à educação, para

atender a um deslocamento em sua demanda. A

despesa com educação pode ser vista como uma função

alocativa do governo. Entretanto, nem todos os

estudantes se beneficiarão igualmente de maiores

gastos em educação, mesmo que todos recebam um

acréscimo igual de educação.

A despesa com educação beneficiará

desproporcionalmente mais as pessoas com elevada

preferência por educação e aquelas cujas rendas

futuras crescem relativamente mais em decorrência

maior do nível de educação. Portanto, a despesa com

educação pode induzir a uma redistribuição de renda

não prevista, necessariamente, na função alocativa do

governo.

Adicionalmente, o perfil de consumo das pessoas

de baixa renda irá, provavelmente, diferir do perfil de

consumo do contribuinte típico que financia estas

Dica do professor

Política Fiscal A política fiscal refere-se às atividades de arrecadação do governo e gastos.

Dica do professor

Política Fiscal Uma realocação de recursos do setor privado para o setor público tende a aumentar a renda dos proprietários dos fatores aplicados na produção de bens em detrimento da renda dos fatores basicamente associados à produção de bens privados e, portanto, altera também a distribuição de renda.

Aula 2 | Função do estado 31

despesas. Isto causa uma realocação de recursos na

economia, não necessariamente prevista na atividade

redistributiva do governo. Neste caso, haverá uma

realocação de recursos entre bens, dentro do próprio

setor privado, e entre o setor público e o setor privado.

De fato, o impacto das despesas alocativas

sobre a política de redistribuição, por exemplo, pode

ser irrelevante se aquelas despesas forem pequenas

em relação ao total do orçamento público.

Nas aulas seguintes, analisaremos as atividades

alocativas, distributivas e estabilizadoras como se fosse

possível tratá-las separadamente. As atividades do

governo serão avaliadas com base em seu impacto

alocativo, distributivo e estabilizador, supondo,

implicitamente, que as medidas são compatíveis entre

si.

Centralização versus descentralização

das funções fiscais

Discutimos até aqui o setor público como se

fosse composto por um só nível ou uma só esfera de

governo. Na verdade, o sistema fiscal de um país pode

constituir-se de várias unidades, de diferentes

tamanhos e importâncias, dentro de cada setor do

governo.

Independentemente do governo central, existem

no Brasil os governos estaduais e municipais. Ainda

que a estrutura fiscal de um país resulte de

circunstâncias associadas, principalmente, a sua

evolução histórica e política, as considerações

econômicas sugerem uma estrutura fiscal dividida, de

acordo com a extensão espacial dos benefícios e custos

(impostos) do governo.

Dica do professor

Política Fiscal Suponha-se que o governo aumente os benefícios pagos às pessoas de baixa renda, através de um programa de previdência social. Este gasto público, embora redistributivo, pode também gerar efeitos alocativos na economia. Por exemplo, algumas pessoas podem retirar-se da força de trabalho ou trabalhar menos horas por dia, à medida que, frente a um novo e maior nível de renda, prefiram mais lazer.

Aula 2 | Função do estado 32

Nesse sistema, as funções distributivas e

estabilizadoras do governo seriam essencialmente

realizadas em nível central ou federal, e as funções

alocativas seriam realizadas em nível central, regional

ou local, dependendo da incidência espacial dos

benefícios e custos dos serviços públicos. Isto porque a

incidência dos benefícios dos bens públicos e custos dos

impostos é, em geral, espacialmente limitada e,

também, porque as preferências dos indivíduos de

diferentes comunidades com relação ao nível ótimo de

provisão de um bem público não são necessariamente

as mesmas.

Portanto, a descentralização fiscal permite, ao

mesmo tempo, que o financiamento dos serviços

públicos recaia, basicamente, sobre os usuários, e que

o nível e a composição dos gastos públicos se ajustem

às preferências dos residentes locais.

Comentários finais

Na realidade, a divisão de atribuições fiscais

entre diferentes setores do governo não corresponde a

um modelo econômico normativo, como sugerido

acima.

Em geral, as jurisdições fiscais, como

determinadas pelas evoluções históricas e políticas,

estão freqüentemente mal preparadas para enfrentar

adequadamente suas tarefas fiscais específicas.

Falhas do mercado

Esta aula se dedica especialmente ao estudo da

função alocativa do governo. Buscamos justificar a

participação do governo na economia a partir do que é

conhecido na literatura como falhas de mercado.

Importante

Jurisdições fiscais As externalidades introduzem distorções na alocação de recursos, no comércio interjurisdicional e alteram as relações fiscais horizontais e verticais entre os setores do governo.

Importante

Centralização x Descentralização Normalmente, surgem problemas de externalidades de custo e benefício entre jurisdições. Para contornar estes problemas tornam-se necessárias compensações fiscais que neutralizem as externalidades interjurisdicionais, via intervenção do governo central, ou através da coordenação fiscal entre governos do mesmo nível.

Aula 2 | Função do estado 33

Desde que cumpridas algumas condições, o

sistema de mercado assegura o máximo de eficiência

na alocação de recursos.

A economia produziria o máximo possível dada a

quantidade de recursos disponíveis. Dessa forma, para

produzir mais de um bem qualquer, seria necessário

diminuir a produção de outro(s) bem(ns).

Basicamente, as condições são as que

asseguram que o sistema de mercado funcione. Isto é,

todos os agentes devem poder participar do mercado

de forma clara e nenhum agente domina o mercado.

Qualquer violação às condições levaria a

economia a um ponto aquém desse máximo,

incentivando, dessa forma, uma intervenção do

governo para corrigir a distorção.

O mercado funcionaria de maneira que os

consumidores maximizassem sua utilidade e os

produtos seriam vendidos ao custo médio mínimo na

ausência de falhas. A legitimação para a intervenção

estaria nas falhas de mercado.

O importante é a colocação normativa das falhas

de mercado: o governo intervém para corrigir a falha.

A questão é como decidir coletivamente, uma vez que

o sistema de preços não funcionou. O papel do governo

é justamente impor as soluções.

Nesses três casos, a distribuição via mercado

torna-se ineficiente, e a intervenção total ou parcial do

governo é necessária para, via processo político,

decidir-se quanto ao nível ótimo de produção.

Dica do professor

Falhas de mercado O máximo de eficiência é conhecido como ótimo paretiano ou ótimo de Pareto: não é possível melhorar o bem-estar de um indivíduo sem piorar o de outro.

Dica do professor

Falha de Mercado Por falha de mercado, deve-se entender as situações em que as condições que asseguram o funcionamento do mercado não são cumpridas e, conseqüentemente, o sistema de preços não sinaliza aos agentes a quantidade ótima a ser produzida.

Aula 2 | Função do estado 34

Nas três seções seguintes, analisamos cada uma

das falhas mencionadas acima (bens públicos,

monopólios naturais e bens de propriedade comum). A

seguir, analisamos a regulamentação de falhas de

mercado.

BENS PÚBLICOS

Como visto anteriormente na primeira aula, um

produto é chamado de bem público se seu uso ou

consumo é não rival e não excludente. Isto é, o

consumo por qualquer indivíduo ou (firma) não reduz a

quantidade disponível para os outros indivíduos, e não

é possível excluir agentes que desejem consumir o

bem. Em outras palavras, a provisão de um bem para

uma pessoa faz com que seja possível provê-lo para

todas as demais, nessa comunidade, sem custo

adicional.

Tomemos o exemplo de segurança noturna

numa rua qualquer. Independentemente de quem

paga, a existência de um vigilante noturno inibe roubos

numa rua. A segurança noturna na rua em questão é

um bem público, pois todas as casas da rua desfrutam

da mesma quantidade de vigilância. Se um morador da

rua decide não pagar, os demais vizinhos, além de

terem que arcar com sua parte, não têm como excluir o

não pagante do serviço de segurança noturna. Isso

acaba sendo um incentivo para todos aparentarem

menos interesse em vigilância do que realmente têm.

Dessa forma, a quantidade do bem público oferecida

acaba sendo menor que a desejada.

É interessante ilustrar a diferença entre um bem

público e um bem privado. Tomemos como exemplo de

bem público a segurança noturna e como exemplo de

bem privado a água consumida domiciliarmente.

Importante

Fontes de falhas de mercado Basicamente, temos três fontes de falhas de mercado: Os bens públicos

puros e "mistos", caracterizados pela não-rivalidade (defesa nacional, educação, saúde);

Os bens privados, caracterizados por sua produtividade sujeitam as economias de escala (ou indivisibilidade), tais como as empresas de utilidade pública (água, luz, gás);

Os bens de propriedade comum cujo consumo não permite exclusão, tais como recursos naturais exauríveis (pesca petróleo).

Dica do professor

Bem público/privado Um bom exemplo de um bem público “puro” é a defesa nacional. Um bem privado é geralmente utilizado ou consumido com exclusividade, enquanto o bem público é (ou pode ser) usado concomitantemente por muitos indivíduos.

Aula 2 | Função do estado 35

Em primeiro lugar, a mesma água não pode ser

consumida por duas casas diferentes. Seu consumo é

rival. Em segundo lugar, o consumo da água é

excludente. Se alguém não paga a conta, a empresa

que fornece a água corta o fornecimento da mesma.

Esquematicamente, temos:

Fonte: Longo Carlos Alberto. Economia do Setor Público. São Paulo: Atlas, 1993.

É interessante empregar o familiar esquema de

demanda e oferta para bens privados e contratá-lo com

a equivalente construção para bens públicos. Sabemos

que a distância vertical sob a curva de demanda

individual reflete, a cada nível de consumo, o benefício

marginal derivado pelo consumidor.

Indivíduo 1

D1qq

10

p1

R$

Indivíduo 2

D 2qq

20

p2

R$

Figura 1: Curvas de demanda individuais

Para ilustrar a diferença entre bens públicos e

privados, é útil a Figura 1. Em primeiro lugar,

colocamos dois indivíduos, o 1 e o 2, com suas

respectivas demandas por um bem qualquer.

Na Figura 2, representamos como seria a soma

das duas demandas caso o bem em questão fosse

privado ou público. No primeiro caso, somamos

Bem Público Bem Privado

Exemplo Guarda noturna Água

Excludente Não (não é possível “cortar” a segurança)

Sim (é possível “cortar” a água)

Rival Não (o total de segurança é dado)

Sim (duas pessoas não podem beber a mesma água)

Dica do professor

Bem público/privado Além do mais, o mecanismo de mercado induz os indivíduos a não revelarem suas preferências com relação ao bem público. É vantagem para cada indivíduo não revelar sua verdadeira preferência porque sua satisfação (consumo) é função da quantidade total oferecida, e não como no caso dos bens privados – somente por aquela fração pela qual pagou. No caso de bem público, os indivíduos preferem, sem pagar, usufruir o bem como livres usuários.

Aula 2 | Função do estado 36

horizontalmente as duas demandas. No caso de bem

público, somamos as mesmas verticalmente.

D22D + D1

D2D1

p2

p1

R$

BEM PRIVADO

D +1p2

p1

R$

BEM PÚBLICO

D1 D2

0 q1

q2

0 q1

q2

Figura 2: Soma de Curvas de Demanda

A diferença básica está em a quantidade

consumida do bem público ser igual para todos,

enquanto o consumo total do bem privado é a soma do

consumo de cada um. A pesquisa meteorológica (bem

público) é a mesma independentemente de quantos a

usam. Não há um desgaste maior ou menor em razão

do número de pessoas que se informam da mesma.

Seu consumo é não rival. Já o consumo de um copo de

leite (bem privado) é rival. Duas pessoas não podem

tomar o mesmo copo.

Diz-se que uma externalidade tem lugar quando

a atividade econômica dos indivíduos, na produção,

consumo ou troca, afeta ou interfere no interesse dos

outros indivíduos, de modo a não estabelecer direitos

de compensação via mercado ou reparos legais.

Cada indivíduo é afetado por uma variedade de

outras pessoas (ou firmas), o que tende a elevar ou a

reduzir os preços reais dos produtos que consome ou

produz.

Neste caso, a participação do governo não é

integral, ou seja, o governo não precisa,

necessariamente, prover gratuitamente vacinas e

educação através de seu orçamento. Tais alternativas

podem ser preenchidas pelo setor privado, com o

Importante

Bem privado Podemos notar uma importante diferença. No caso do bem privado, a eficiência requer a igualdade na margem dos benefícios derivados por indivíduo no consumo desse bem com o custo de provisão, enquanto, no caso do bem público, o benefício marginal derivado pelos consumidores difere e é a soma dos benefícios marginais usufruídos no consumo desse bem que deve ser igualada ao custo marginal.

Importante

Bem privado É importante destacar a diferença entre bens privados, cujos benefícios são inteiramente internalizados, e bens públicos, cujos benefícios são inteiramente externos. Suponha-se que um indivíduo A derive um beneficio ao ser vacinado contra a poliomielite, ao passo que outros também sejam beneficiários dessa vacinação, à medida que o perigo potencial dessa infecção seja reduzido. Ou, em outros termos, que, através de sua educação, o indivíduo A não somente usufrui benefícios pessoais, mas torne também possível que outras pessoas de sua convivência assimilem seus conhecimentos.

Aula 2 | Função do estado 37

governo somente oferecendo subsídios para o consumo

desses bens.

Problemas semelhantes ocorrem quando

externalidades geradas no processo de consumo são

negligenciadas. Como exemplo, pode-se citar o caso da

poluição causada por automóveis. O barulho, o

monóxido de carbono e a fuligem dos automóveis têm

que ser suportados por não usuários dos mesmos.

Estes custos são reais do ponto de vista social, mas

não são considerados como tais por seus agentes

causadores (os donos dos automóveis).

Os produtores e os consumidores não precisam

pagar os custos externos, como teriam que fazer com

seus insumos correntes. Portanto, os custos sociais,

que incluem ambos os custos - internos (privados) e

externos -, excedem os custos privados. Desde que o

mercado leve em conta somente este último, seu preço

é reduzido e o produto tende a ser superfaturado.

Como resultado, o preço de equilíbrio se

elevaria e o nível de produção cairia. A avaliação

destes custos externos e a concomitante determinação

da alíquota do imposto ótimo colocam problemas

semelhantes de revelação de preferências, como no

caso dos bens públicos (e benefícios externos).

MONOPÓLIOS NATURAIS

No mercado competitivo, uma regra básica de

eficiência para a determinação de preços é a de que a

receita seja igual ao custo marginal. Entretanto,

existem determinados bens privados que não podem

ser oferecidos convenientemente no mercado, porque

sua produção está sujeita a custos decrescentes (ou

economias de escala).

Um exemplo seria o saneamento básico. É muito

difícil imaginar várias empresas de saneamento

Importante

Monopólios naturais Os serviços de utilidade pública como fornecimento de água, energia elétrica, telefone e certos tipos de transportes urbanos, também conhecidos como "monopólios naturais", não podem funcionar num mercado competitivo, sabendo-se que, em geral, uma única empresa pode produzir esses serviços a um custo unitário menor.

Para pensar

Custos Externos O caso dos custos externos pode ser visto de maneira análoga a dos benefícios externos. Para levar em conta os custos externos e, portanto, reduzir a produção, o governo poderia introduzir um imposto em cada nível de produção de modo a elevar o custo de oferta do bem privado.

Aula 2 | Função do estado 38

concorrendo entre si numa mesma localidade. Ou,

mesmo que fosse possível, é fácil ver a ineficiência que

geraria.

Além do mais, a existência de custos

decrescentes implicaria uma firma incorrer em

prejuízos, caso fosse forçada a operar onde o preço é

igual ao custo marginal.

Assim, para minimizar esses problemas, o

governo muitas vezes prefere encarregar-se do

fornecimento desses serviços, com uma empresa de

utilidade pública. Outras vezes regulamenta o setor,

isto é, fixa o preço do insumo.

A questão é que, cobrando tarifas cujo custo

marginal é igual ao beneficio marginal, desses bens

gera um déficit e, conseqüentemente, o problema de

cobrir o mesmo. A condição de o benefício marginal ser

igual ao custo marginal é necessária para a

maximização do bem-estar.

Se o déficit for financiado de forma mais

eqüitativa (por exemplo, um imposto de renda), sua

adoção implicaria um custo de eficiência. Este custo de

eficiência precisaria ser comparado com aquele que

resultaria se o preço fosse igualado ao custo médio em

que nenhum financiamento externo é necessário.

BENS DE PROPRIEDADE COMUM

Finalmente, ocorre uma falha de mercado

quando é impossível atribuir preço (ou exercer direito

de propriedade) sobre benefícios usufruídos

gratuitamente no mercado.

Um caso típico desse tipo de externalidade é o

do produtor de maçãs vizinho do apiário (produtor de

abelhas).

Importante

Cobertura do déficit total Uma forma de cobrir o déficit é através da tributação em geral, mas isto coloca novos problemas. Se tal imposto for aplicado na forma per capita, nenhum custo de eficiência estaria envolvido, mas esta solução seria inaceitável do ponto de vista da capacidade de pagamento.

Dica do professor

Sem intervenção do governo, a maximização de lucros por um eventual monopolista implica produção aquém do ótimo e preços acima deste nível.

Aula 2 | Função do estado 39

O produtor de maçãs causa uma externalidade

positiva sobre o produtor de mel, porque durante a

norada uma quantidade de néctar é colocada

gratuitamente à disposição do apiário. O néctar é um

bem privado, no sentido de que quanto mais néctar

para uma abelha, menos néctar para outra.

É fácil verificar que a "norada das maçãs" tem

um efeito positivo sobre a produção de mel e que o

néctar comanda um preço "sombra" maior do que zero.

Entretanto, os produtores de maçãs não dispõem de

meios para assegurar uma remuneração pelo néctar, e

o mercado não assegura seu valor sombra. Isto é o que

chamamos de externalidade devido à propriedade

comum: a impossibilidade de atribuir preço a um bem

com produtividade (ou utilidade) positiva. Os

produtores, agindo isoladamente, maximizam seus

lucros quando o preço das maçãs é igual ao seu custo

marginal.

Isto conduz a uma suboferta de maçãs, porque

a demanda de maçãs não incorpora a demanda de

néctar. Como a exclusão não é viável, o equilíbrio de

mercado dá-se em um ponto inferior ao que seria ideal

sob a perspectiva social. Analisado de outra forma,

poderíamos imaginar o caso em que os produtores de

maçãs pudessem cobrar pelo néctar. Nesse caso

imaginário, teriam um incentivo a produzir mais maçãs

em razão da receita adicional recebida pelo

subproduto, néctar da produção de maçãs.

Caberia destacar que para o sistema de

mercado funcionar é preciso existir o "princípio de

exclusão" visto na aula 1, ou seja, o consumo do

indivíduo A é condicionado a seu pagamento do preço

da mercadoria consumida, enquanto, digamos, o

indivíduo B, que não paga, é excluído.

Importante

Bens de propriedade comum Enquanto existir livre acesso a estoques de recursos naturais (pesca, petróleo), a existência de uma quase renda implícita nessas atividades induz à entrada de indivíduos e recursos nessas operações (extrativas), além do nível desejável. Neste caso, o equilíbrio de produção dá-se onde o preço é igual ao custo de extração e, portanto, num nível de produção superior ao ideal, ou seja, onde o preço é igual ao custo de extração mais o de reposição.

Importante

Recuperação do custo total Outra forma de recuperar o custo total é através da discriminação de preços. Neste caso, o consumidor pagaria um preço igual ao custo marginal apenas na última unidade consumida, e pagaria preços mais elevados nas unidades intramarginais. Tarifas diferenciadas entre consumidores residenciais e industriais de energia elétrica e água constituem um tipo de discriminação de preços.

Aula 2 | Função do estado 40

Em outras palavras, as trocas não podem

ocorrer sem direito de propriedade, e o direito de

propriedade implica exclusão. Este processo funciona

no sistema de mercado para bens privados (alimentos,

vestuários, habitação, veículos e muitos outros),

porque os benefícios derivados de seu consumo são

apropriados integralmente pelo consumidor que paga

por eles. Portanto, os benefícios são internalizados e

seu consumo é chamado rival.

De fato, no caso dos bens de propriedade

comum, os consumidores não irão antecipar-se, no

sentido de revelar suas preferências, porque podem

apropriar-se dos mesmos benefícios como livres

usuários.

A distribuição, através do governo, torna-se

necessária, portanto, quando é impossível excluir do

consumo aqueles que não pagam. Note-se que estas

dificuldades estão associadas às características da não-

exclusividade do produto, e não a sua eventual

caracteristica de bem público ou de produtividade

sujeita à economia de escala.

REGULAMENTAÇÃO DE FALHAS DE MERCADO

Consideramos agora situações em que o

governo intervém regulamentando para corrigir falhas

de mercado. Existem situações em que a determinação

dos preços dos produtos privados não pode ser

facilmente resolvida através do mercado. Isto ocorre,

por exemplo, com as indústrias de custos decrescentes,

em que um nível de operação eficiente requer subsídio,

regulamentação ou fornecimento através de empresas

públicas.

Adicionalmente, a política tarifária de muitas

empresas de utilidade pública é complexa, devido à

Quer saber mais?

Bens de propriedade comum

O estoque de recursos naturais e o valor da quase renda são consumidos individualmente, de modo que sua utilização, pelo indivíduo A impede que o indivíduo B se beneficie deste recurso. Portanto, como a exclusão não é viável, o equilíbrio de mercado dá-se em um ponto superior ao do ponto de vista social. A questão é que atitude tomar de maneira que a produção seja ótima do ponto de vista social.

Dica do professor

Exclusão Sem exclusão, a provisão de bens rivais através do mercado não pode funcionar, mesmo quando estes não violam as condições usuais de tecnologia.

Aula 2 | Função do estado 41

variabilidade da demanda por seus serviços, ou

demanda de pico. Assim, a demanda por energia

elétrica é maior durante certas horas do dia e da noite

do que em outras. Como essas variações na demanda

podem ser compatibilizadas com uma política de preços

eficiente para determinada planta é questão examinada

nesta seção.

A seguir, discutiremos o problema da fixação de

preços e quantidade de empresas públicas de custos

decrescentes; depois, continuaremos analisando a

política tarifária das empresas públicas com demanda

de pico.

Nessas condições, sem intervenção do governo,

a maximização de lucros por um eventual monopolista

implica produção aquém do ótimo e preços acima deste

nível. Além do mais, a existência de custos

decrescentes implica que uma firma incorreria em

prejuízos se forçada a operar onde o preço é igual ao

custo marginal.

Assim, para minimizar esses problemas, o

governo muitas vezes prefere encarregar-se do

fornecimento desses serviços, com uma empresa de

utilidade pública substituindo a regulamentação pura

ou o simples monopólio privado.

Contudo, o nível de produção e o preço que a

firma que oferece esses serviços equilibraria suas

receitas e despesas, seria um nível de produção

(preço) aquém (acima do ótimo de bem-estar para a

sociedade). Isto é, se a firma atuasse fornecendo o

produto sem restrições preocupando-se apenas em

maximizar seu lucro, ofertaria uma quantidade de

produto menor a um custo maior.

Aula 2 | Função do estado 42

O fato é que uma política tarifária eficiente

requer preço igual ao custo marginal. Mas isto produz

um déficit que precisaria ser coberto de alguma forma.

Para contornar ou minimizar esses dilemas,

foram desenvolvidas técnicas para recuperar o custo

total dos usuários, com um pequeno custo de eficiência

com relação ao que resultaria através de uma política

tarifária baseada no custo médio.

Cabe relembrar que o conceito microeconômico

de excedente do consumidor se refere ao caso em que

o consumidor paga um preço aquém do que estaria

disposto a pagar.

Neste caso, o consumidor pagaria um preço

igual ao custo marginal apenas na última unidade

constituída, e pagaria preços mais elevados nas

unidades intramarginais. Um exemplo de discriminação

de preço são os descontos por quantidade utilizada de

energia elétrica, em que unidades marginais e

intramarginais de consumo pagam preços diferentes.

Também, tarifas diferenciadas entre

consumidores residenciais e industriais de energia

elétrica e água constituem um tipo de discriminação de

preços.

Essa contribuição, ou taxa de participação, seria

da natureza de um imposto per capita sobre os

usuários do serviço, de forma a cobrir o déficit causado

pela política tarifária ótima.

A contribuição teria um efeito substituição

somente sobre a escolha entre total abstinência ou

participação, mas não teria um efeito substituição na

escolha do nível do serviço, uma vez que a contribuição

tivesse sido paga.

Importante

Recuperação do custo de capital Uma forma de recuperar o custo total é através da discriminação de preços. Aqui uma parte do excedente do consumidor seria tributada, de modo a cobrir o déficit ocasionado por uma política tarifária eficiente.

Dica do professor

Recuperação do custo de capital Outra forma de recuperar o custo total de um serviço público é através da tarifa dupla. Este método consiste em suplementar uma tarifa por unidade de serviço, com uma contribuição fixa que deve ser paga se o usuário decide ter acesso ao serviço.

Aula 2 | Função do estado 43

Apenas para lembrar: efeito substituição se

refere a mudanças na composição de consumo dos

agentes quando os preços relativos mudam; efeito

renda refere-se a mudanças na composição do

consumo dos agentes devido a alterações na renda em

razão de mudanças de preços relativos.

A hipótese subjacente a este tipo de argumento

é que a demanda pelo acesso ao serviço será menos

elástica do que a relacionada com o nível de utilização.

Esta técnica é empregada na política tarifária de muitos

serviços de utilidade pública.

No caso dos serviços telefônicos, por exemplo,

as chamadas locais não são cobradas separadamente,

mas incluídas numa contribuição fixa cobrada do

usuário, sendo que somente as chamadas interurbanas

são cobradas numa base individual. Os serviços de

eletricidade e água são também, em geral, cobrados de

modo a incluir uma contribuição fixa e cargas

adicionais relacionadas com as unidades de consumo.

Certos setores de atividade apresentam

problemas especiais para a definição de uma política

tarifária adequada. O problema de demanda de pico

(peak load problem) é um caso em pauta.

Este tipo de demanda existe quando a

quantidade demandada de um bem ou serviço, a um

dado preço, varia substancialmente em determinado

período de tempo.

Suponhamos que a capacidade de uma planta

de energia elétrica seja tal que, com uma tarifa igual

ao seu custo marginal de operação, a demanda durante

o período de pico exceda sua capacidade máxima de

geração de energia, enquanto a demanda fora do

Importante

Efeito substituição se refere à mudanças na composição de consumo dos agentes quando os preços relativos mudam; efeito renda refere-se a mudanças na composição do consumo dos agentes devido a alterações na renda em razão de mudanças de preços relativos.

Aula 2 | Função do estado 44

período de pico fica aquém da máxima capacidade da

planta.

Neste caso, será necessário alocar a oferta

limitada durante o período de pico para aqueles que

atribuem um valor relativamente maior à mesma.

Assim, o preço durante o período de pico será

determinado por sua demanda, dando aos

consumidores que julgam esse preço excessivo a

oportunidade de transferir sua demanda para fora do

período de pico, quando o serviço será oferecido a

menor preço, isto é, a um preço igual ao custo marginal

de operação da planta.

Isto implica que a utilização da planta fora do

período de pico será elevada, e a soma do excedente

do consumidor dos usuários da planta será

maximizada.

Basicamente, estas tarifas são determinadas de

acordo com a demanda e, portanto, discriminatórias:

para o período fora de pico, entretanto, a produção é

estendida até o ponto em que a tarifa iguale o custo

marginal de operação.

Aqui a tarifa, apesar de diferente das outras,

não é discriminatória, sendo baseada em diferenças de

custo. É o caso das tarifas telefônicas que apresentam

diferentes tarifas para diferentes períodos.

Ao determinar o retomo adequado para o capital

investido no setor, o enfoque usual é o de que a

produtividade do setor público deve ser igual ao do

setor privado. Ainda que esta regra seja razoável,

requer a determinação de custos de manutenção e

operação.

Dica do professor

Política tarifária das empresas de utilidade pública Um problema inerente à política tarifária das empresas de utilidade pública é que, em geral, partem da premissa de que o custo total do serviço público será recuperado, independentemente de seu nível operacional.

Aula 2 | Função do estado 45

Se a administração dessas empresas sabe que o

governo homologará uma elevação de receitas (na

forma de maiores preços, tarifa dupla ou maiores

subsídios), se os custos se elevarem, a empresa

pública não terá incentivos para não incorrer em custo

desnecessário e, portanto, poderá expandir suas

atividades além do nível eficiente do preço e

quantidade. Portanto, o fato de que aqueles serviços são

fornecidos por empresas públicas não deveria ser, em

princípio, o critério para decidir se os subsídios devem

ou não ser concedidos.

Por outro lado, existe a questão fundamental

sobre a possibilidade de separação das funções

alocativas e distributivas do setor público. Isto é, os

ajustamentos distributivos do setor público podem ser

implantados diretamente, via impostos progressivos

transferências, independentemente das atividades

alocativas do setor público?

A QUESTÃO DA PROPRIEDADE E A REFORMA DO

ESTADO.

O Plano Diretor da Reforma do Aparelho de

Estado, que visa a mudança da forma de administração

do burocrático para o gerencial, teve como um dos seus

nortes, a questão da forma de propriedade.

O Estado Brasileiro, como o conhecemos, é produto

das formulações elaboradas pelo positivismo e pelo

fascismo. O primeiro, pelo fato dentro da sua variante

brasileira, o castilhismo, que influenciou enormemente

as lideranças da Revolução de 30, onde a intervenção do

estado na economia era algo preconizado, bem como a

interveniência na sociedade, visando à incorporação do

proletariado nessa mesma sociedade. O segundo, por

conta da conjuntura internacional e das doutrinas

Importante

Efeito substituição Na impossibilidade de se atingir um grau razoável de distribuição de renda via ajustamentos diretos, argumenta-se que a redistribuição de renda poderia ser implementada através de um sistema de impostos indiretos e subsídios, dependendo de como os produtos em questão pesem mais ou menos no orçamento de indivíduos de alta e baixa renda.

Aula 2 | Função do estado 46

populares na época, onde o estado corporativo surgia

como uma opção ao comunismo e ao liberalismo.

Também preconizava a intervenção do estado na

sociedade e na economia como forma de produzir a paz

social e combater o comunismo.

Com o fim da União Soviética, e, por conseguinte,

da ameaça comunista, somado aos avanços

tecnológicos na área de comunicação e transporte, a

globalização fez com que as fronteiras físicas ficassem

obsoletas, pois a transferência de recursos passou a ser

através do mundo virtual. A compra de produtos e a

sua produção passaram a ocorrer em qualquer lugar do

mundo. O modelo de desenvolvimento baseado na

produção nacional, onde se buscava a autossuficiência

de bens e produtos, deixou de ser importante. Por

outro lado, o capitalista nacional, em especial o

financeiro, passou a ter um acumulo de tal ordem, que

não havia mais a necessidade do Estado intervir direto

da economia.

A Reforma do Estado procurou e procura fazer

com que o Estado Brasileiro se fique adequado a essa

nova realidade. Procurou assim, uma formulação capaz

de atender essa nova dinâmica.

A forma de propriedade assume dentro dessa

nova formulação um papel importante. Através dela

serão estabelecido os critérios básicos para definir o

que será privatizado e o que será publicizado.

Na reforma serão consideradas como forma de

propriedade estatal aquelas que são utilizadas pelo

núcleo estratégico (Poderes Legislativo, Judiciário,

Presidência da República, cúpula dos Ministérios) e as

dos serviços exclusivos (Polícia, Regulamentação,

Fiscalização, Seguridade Social Básica). Nesses casos,

por serem fundamentais para a formulação e execução

Aula 2 | Função do estado 47

da política do Estado, além de serem pertencentes a

serviços que não podem ser delegados.

Os serviços não exclusivos que são considerados os

de educação, saúde, pesquisa, patrimônio histórico, etc,

dentro da política formulada pela reforma, são atividades

onde a forma de propriedade não é estatal, mais pública.

Do ponto de vista do cidadão, o que importa é que o

serviço exista, não quem o exerce. Os serviços de

saúde, por exemplo, para atender os anseios da

população não necessitam ser executados por servidores

públicos ou os serviços estejam localizados em prédios

públicos. Para esses casos, onde a forma de propriedade

é pública e não estatal, a publicização, que é a

transferência da gestão de serviços e atividades, não

exclusivas do Estado, para o setor considerado público

não-estatal, ocorreu com a execução dessa transferência

para Organizações Não-Governamentais – ONG´s ou

para Organizações da Sociedade Civil de Interesse

Público – OCIPS.

No caso das atividades econômicas exercidas pelo

Estado através de empresas públicas e sociedades de

economia mista, surgidas em um momento que o capital

privado nacional e internacional não tinha interesse em

investir ou não tinha disponibilidade de recursos, passam

a ser consideradas atividades de natureza e propriedade

privada, devendo, neste caso, serem privatizadas, isto é,

o seu controle passaria para outras empresas de capital

privado, retirando em definitivo o Estado de agente

direto da atividade econômica.

Essa formulação simples é a base de toda a

Reforma do Estado, iniciada no governo Fernando

Henrique Cardozo e continuada ao longo dos demais

governos.

Aula 2 | Função do estado 48

COMENTÁRIOS FINAIS

Quando se analisa o processo de intervenção do

governo na economia brasileira, nota-se uma

semelhança muito grande com o ocorrido na grande

maioria dos países capitalistas de economia mista. O

que se observa, na realidade, é que há certa

homogeneidade nas atividades produtivas levadas a

cabo pelo governo em diversos países. Atividades

ligadas aos transportes, energia, siderurgia têm sido à

base da atuação dos governos na área produtiva. Isso

se deve em grande parte ao que foi exposto na parte

inicial desta aula quando se procurou justificar a in-

tervenção do governo na economia e se mencionou a

questão de riscos e de volumes de investimentos

requeridos em certas áreas básicas ao processo de

desenvolvimento. Assim, o que se percebe no geral é

que o processo de participação do governo na economia

brasileira se inicia de forma desordenada e

despretensiosa, entra num período em que a presença

do Estado nas atividades de infra-estrutura básica é

parte integrante do planejamento econômico e chega

aos dias atuais numa situação de extrema balbúrdia.

Isso porque o processo de crescimento do Estado,

sobretudo no governo da Revolução, tornou

extremamente amplo o seu campo de atuação e de

intervenção, feito sem que houvesse uma discussão

maior com a sociedade sobre esse processo de

intervenção; hoje, o setor público chega ao absurdo de

ter incluído no seu leque de atuações até mesmo rede

de hotéis. Dessa forma, termina-se o governo de

transição política sem que o governo pudesse

equacionar as suas finanças, sobretudo a das estatais.

Estas, por sua vez, pela própria política governamental

de controle de preços para combater a inflação, pela

forma irresponsável que foram administradas; e por

terem sido invadidas pelo vício empregatício politi-

queiro, acabam o ano de 1989 com uma grande crise

Aula 2 | Função do estado 49

financeira. Deve-se ressaltar, porém, que, devido à

forma errônea pela qual se agregaram os setores

considerados como estatais, acaba por colocar num

mesmo nível empresas de grande importância e

eficiência com aquelas de desempenho medíocre que,

na verdade, nem deveriam existir.

A importância que foi dada ao crescimento

econômico do país na década de 80 proliferou uma

enorme quantidade de empresas estatais altamente

duvidosas do ponto de vista dos interesses e das

prioridades do país. Deu-se, portanto, um grande

aporte financeiro a esses setores, se desviando em

muitos dos casos o Estado das suas funções básicas. A

prioridade dada pelo governo nesse período às

atividades econômicas fez com que a população média

brasileira empobrecesse ainda mais, apesar do

crescimento econômico obtido. Hoje é notório que o

programa político, econômico e social adotado falhou.

Pelo menos para a grande maioria da sociedade. Basta

ver os números dos déficits sociais nas áreas de saúde,

educação, habitação, transporte, alimentação, renda.

para se chegar com facilidade à conclusão de que o

Estado deve ser completamente repensado no Brasil. O

setor público ainda exercerá uma função de extrema

relevância no âmbito de qualquer sociedade mista ou

não. A importância da participação do Estado é

praticamente inquestionável. Questionável é a forma

pela qual a sua intervenção se processa. Daí a

importância da existência de sistemas políticos mais

abertos para que a sociedade possa, através dos seus

vários mecanismos democráticos de participação,

discutir cada etapa do envolvimento do Estado, a fim

de que este atue de fato para melhorar a qualidade de

vida da população como um todo e não apenas de uma

pequena parcela dela.

Aula 2 | Função do estado 50

RESUMO

Vimos até agora:

O governo tem um papel importante de impor

soluções na colocação normativa das falhas de

mercado e, assim, intervém para corrigir a falha

quando o sistema de preços não funciona;

A diferença básica entre um bem público e um

bem privado está na quantidade consumida do bem

público ser igual para todos, enquanto o consumo

total do bem privado é a soma do consumo de

cada um;

Para minimizar problemas, o governo muitas

vezes prefere encarregar-se do fornecimento de

serviços (no caso dos monopólios naturais), com

uma empresa de utilidade pública substituindo a

regulamentação pura ou o simples monopólio

privado. Outras vezes regulamenta o setor, isto

é, fixa o preço do insumo.

51

Gastos Públicos Koffi Amouzou

AU

LA3

Apr

esen

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o

Os gastos públicos caracterizam-se por ser a peça principal da atuação do governo. Através deles é que se consegue apurar as prioridades do governo no que se refere aos investimentos públicos e às prestações de serviços. Assim, nesta aula procurar-se-á destacar as principais categorias dos gastos públicos, bem como suas mais importantes classificações. Serão destacados também alguns modelos macro e microeconômicos que possibilitem maior compreensão dos fenômenos que interferem na magnitude, no comportamento e no crescimento dos gastos públicos.

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Conhecer o conceito e a classificação dos gastos públicos de

acordo com a sua finalidade, a sua natureza e a sua função; Analisar os três módulos básicos macroeconômicos dos gastos

públicos e os modelos microeconômicos que determinam e influenciam a produção e a oferta dos serviços públicos;

Reconhecer a deterioração dos serviços que provoca aumento dos gastos públicos com o tempo.

Aula 3 | Gastos públicos 53

Conceito e classificação dos gastos

públicos

Os gastos públicos podem, em última instância,

ser explicados como uma escolha política das

atividades executadas pelo governo. Eles representam

o custo da quantidade e da qualidade dos serviços e

bens oferecidos através do governo. A interpretação

mais usual dos gastos públicos considera o custo da

provisão dos bens e serviços pelo setor público que

aparece nas contas orçamentárias do governo.

De maneira geral, os gastos são classificados de

acordo com a sua finalidade, a sua natureza e a sua

função.

A primeira classe refere-se aos

desmembramentos dos gastos de acordo com as

funções e os programas a serem executados pelo

governo. Esta classificação é de importância

fundamental para a implantação efetiva do orçamento-

programa, cujo objetivo é aumentar a eficiência e a

eficácia na programação dos gastos do governo.

Quanto à natureza do gasto, identificam-se duas

principais categorias econômicas, que são as correntes

e as de capital.

As despesas correntes constituem-se num

conjunto de gastos operacionais realizados pelo

governo com o objetivo de promover a execução, a

manutenção e o funcionamento das suas atividades.

Essas despesas são agrupadas em duas

subcategorias principais: o custeio e as transferências

correntes.

Aula 3 | Gastos públicos 54

As despesas com o custeio possuem todas as

propriedades dos gastos correntes e são compostas

pelos dispêndios com pessoal, manutenção e operação

dos serviços, diárias, gratificações, material de

consumo. Por "outro lado, as transferências correntes

representam as dotações que não correspondem a uma

prestação de serviço ou aquisição de bens de consumo

pela unidade de governo que as realizou.” Estas

transferências, porém, se transformarão em custeio nas

unidades de governo que as receberam, ou seja, as

transferências correntes, em princípio, correspondem a

um custeio nas entidades beneficiadas. Compõem esses

gastos as transferências intergovernamentais, as

subvenções econômicas, transferências operacionais,

transferências às instituições privadas, abono de

família, juros da dívida contratada, encargos da dívida,

correção monetária.

As despesas de capital, por sua vez,

representam os dispêndios que contribuem para formar

um bem de capital ou acrescentar valor a um bem já

existente, realizados por meio de compra, transferência

ou outro meio de aquisição das propriedades entre as

entidades do setor público ou do setor privado para o

setor público. Compõem essas despesas os

investimentos, as transferências de capital e as

inversões financeiras.

Os investimentos constituem as despesas de

capital correspondentes à aquisição ou surgimento de

novos bens ou ao acréscimo de valores aos bens já

existentes. As inversões financeiras têm o mesmo

princípio dos gastos de investimentos com a ressalva

de que elas se relacionam com a formação ou a

aquisição de um bem em uso. Como exemplo podemos

citar as aquisições de imóveis usados pelo governo,

aquisição de título de crédito. Finalmente, as

transferências de capital são os dispêndios que

Aula 3 | Gastos públicos 55

contribuem para a formação ou aquisição de bens de

capital, nas unidades recebedoras das transferências.

Incluem-se nessa categoria as transferências

intergovernamentais, as contribuições para despesas de

capital, amortização da dívida interna. Enfim, as

transferências de capital constituem-se em receitas nas

unidades que as recebem para as despesas de capital.

Finalizando, tem-se que, de acordo com as

categorias econômicas, as despesas governamentais

são agrupadas da seguinte maneira:

As reservas de contingência são formadas

através de um montante orçamentário de recursos

destinados a suprir eventuais despesas não pre-

viamente programadas.

Ao analisar os gastos públicos, observa-se que

eles são representados por duas categorias principais

de atividades do governo: gastos públicos exaustivos e

gastos de transferências.

Os gastos exaustivos correspondem às compras

e pagamentos correntes dos bens e serviços pelo

governo, tais como pessoal, consumo, e dos bens e

serviços de capital, como os investimentos públicos,

escolas, hospitais. Portanto, os gastos exaustivos do

governo incluem as compras dos fatores de produção

indispensáveis à execução das atividades públicas. Por

Importante

Distribuição dos gastos por função A distribuição dos gastos por funções é feita de acordo com as várias atividades a serem exercidas pelo governo. Assim, subdivide os gastos de acordo com as funções de educação, saúde, urbanização, planejamento.

Reservas de Contingências Despesas não previamente programadas

Despesas Correntes

• Despesas de Custeio

• Transferências correntes

Despesas de Capital

• Investimentos

• Inversões financeiras

• Transferências de capital

Aula 3 | Gastos públicos 56

outro lado, as transferências incluem os gastos

governamentais com pensões, subsídios, pagamento de

juros. A diferença principal entre essas duas categorias

é que, enquanto as transferências representam

redistribuição de recursos entre indivíduos na sociedade

por intermédio do setor público, os gastos exaustivos,

por sua, vez, interferem na alocação dos recursos reais

da economia.

MODELOS DE GASTOS PÚBLICOS

Os gastos públicos têm recebido pouca atenção

nos estudos das finanças do setor público devido à

grande complexidade que o envolve, principalmente no

que se refere às decisões sobre os dispêndios nas suas

várias funções e atividades. Isto porque muitas dessas

decisões são tomadas não de acordo com uma

racionalidade econômica ou social, mas de acordo com

as conveniências políticas.

Alguns trabalhos sobre os gastos públicos têm

tentado explicar a sua evolução através da análise do

bem-estar ou algumas teorias do crescimento

econômico.

Inicialmente, com base na teoria do bem-estar,

a análise da ação do governo em tributar e gastar era

conduzida com base na situação ideal para o indivíduo

e para a sociedade. Após a Segunda Guerra Mundial,

uma nova linha de estudos foi desenvolvida com base

na associação do comportamento dos gastos públicos

com o crescimento econômico. Alguns economistas ten-

taram explicar as forças responsáveis pelo crescimento

e pelo comportamento dos gastos públicos, associando-

os com os fatores econômicos, políticos e sociais. Para

tanto foram utilizados dois tipos básicos de modelos:

enquanto o modelo macroeconômico tenta explicar os

gastos públicos em termos de tempo e variáveis

Aula 3 | Gastos públicos 57

agregadas, tal como o PIB, o modelo microeconômico

tenta explicar o aumento nos gastos públicos por

intermédio dos fundamentos microeconômicos do

processo de decisão.

MODELOS MACROECONÔMICOS DOS GASTOS

PÚBLICOS

Os modelos macroeconômicos procuram analisar

o comportamento dos gastos públicos durante o tempo.

Serão discutidos neste subitem três modelos básicos

que são:

Lei de Wagner sobre a expansão das

atividades do Estado;

O estudo clássico de Peacock-Wiseman sobre

o crescimento dos gastos públicos;

O processo de desenvolvimento e o

crescimento dos gastos públicos.

Lei de Wagner sobre a expansão das

atividades do estado

Basicamente, a primeira tentativa de explicar o

crescimento dos gastos públicos foi desenvolvida por

Adolph Wagner. Ele tentou estabelecer algumas

generalizações sobre o comportamento dos gastos

públicos. Seu estudo foi baseado em observações

empíricas na Alemanha e em outros países europeus,

além dos Estados Unidos e do Japão.

Wagner estabeleceu como lei da expansão das

atividades do Estado uma situação em que os gastos

do governo cresceriam inevitavelmente mais

rapidamente do que a renda nacional em qualquer

Estado progressista. A lei da expansão das atividades

do Estado representava também a lei dos aumentos e

aperfeiçoamentos do aparato fiscal do Estado. Isto

Aula 3 | Gastos públicos 58

ocorreria com maior freqüência quanto mais

descentralizada fosse a administração do governo.

Uma das primeiras constatações de Wagner foi

que o crescimento das atividades do governo era uma

conseqüência natural do progresso social. Com isso,

seria também inevitável o crescimento dos gastos

públicos. Wagner não se preocupou com o processo da

mudança dos gastos, mas com o seu comportamento

que não poderia ser fixado a priori. A sua análise

referia-se à taxa de expansão do crescimento dos

gastos públicos. Baseado nas observações empíricas

mostrou que, quando a produção per capita

aumentava, as atividades do Estado e seus gastos

aumentavam em proporções maiores do que o produto.

Outro argumento usado por Wagner referia-se

ao fato de que o crescimento dos gastos públicos

sofreria também impactos com a expansão cultural e

com o bem-estar, principalmente com referência à

educação e à distribuição de renda. O crescimento dos

gastos públicos em educação, recreação, cultura, saúde

e serviços de bem-estar foi explicado por Wagner em

termos de sua elasticidade-renda da demanda. Para

Wagner, esses serviços representavam bens superiores

ou elásticos em relação à renda. Assim, com o aumento

da renda real da economia, os gastos públicos nos

serviços mencionados anteriormente cresceriam mais

que proporcionalmente à renda, fazendo com que

aumentasse a relação entre os gastos públicos e o PIB.

A terceira hipótese levantada por Wagner

relacionava-se com as mudanças tecnológicas e a

escala crescente dos investimentos. Esses fatores

contribuiriam para que surgisse grande número de

monopólios privados que poderiam ser evitados ou

controlados pelo Estado no interesse da eficiência

econômica. Nesses casos, a participação do Estado

Aula 3 | Gastos públicos 59

aumentaria como uma fonte de estabilidade,

influenciando as atividades das grandes empresas, cujo

domínio na economia pudesse causar alguma

instabilidade.

Pelo que foi exposto, fica evidente que o estudo

desenvolvido por Wagner não chega ao ponto de se

determinar uma lei sobre o comportamento dos gastos

públicos. Na realidade, suas hipóteses são baseadas

em observações empíricas e num modelo que contém

muitas interpretações da evolução dos gastos públicos.

Estudo clássico de Peacock e Wiseman

sobre o crescimento dos gastos públicos

A análise de Peacock e Wiseman foi baseada na

evolução dos gastos públicos no Reino Unido. Eles

tomaram por base o crescimento dos gastos do

governo e do setor público durante 1890 e 1955.

Duas proposições básicas foram estabelecidas

na análise de Peacock e Wiseman. A primeira

relacionava os valores per capita dos gastos totais com

os do PIB, e a segunda procurava relacionar o

crescimento dos gastos do governo com períodos de

distúrbios sociais.

O trabalho por eles desenvolvido tinha três objetivos principais: o primeiro era preencher um espaço nas informações estatísticas disponíveis sobre os gastos do governo a partir de 1890. O segundo era tentar relacionar essas estatísticas com a história econômica do período. Eles acreditavam que o método de análise por eles utilizado poderia contribuir para o entendimento do desenvolvimento econômico britânico na primeira metade do século. Finalmente, outro objetivo era tentar analisar o comportamento dos gastos do governo dentro do contexto histórico e estabelecer algumas hipóteses que ajudassem a explicar o comportamento dos gastos do governo também em outros países.

Aula 3 | Gastos públicos 60

Com base nos dados mencionados, Peacock e

Wiseman observaram que duas proposições básicas

poderiam ser feitas. Primeiro, notaram que o total dos

gastos do governo havia crescido relativamente mais

rápido do que o PIB. Segundo, observaram que o nível

dos gastos do governo foi claramente afetado pelas

duas guerras mundiais, e eles denominaram estas

variações como "efeitos deslocamento". Notaram que os

gastos governamentais aumentaram significativamente

nos períodos de guerra, sendo que, após esses períodos, o

crescimento dos gastos seguiria um caminho normal,

porém num nível superior ao anterior à guerra.

Análises por eles aplicadas em outros países

mostraram que o efeito deslocamento poderia ocorrer

também devido à depressão ou qualquer outro distúrbio

social marcante. Esses distúrbios atingiam o nível dos

gastos públicos. Tais gastos eram feitos principalmente

pelos governos centrais que aumentavam suas finanças

e autoridade devido basicamente aos gastos com

defesa.

Para Peacock e Wiseman, havia descontinuidade

nas taxas de crescimento das relações entre os gastos

públicos e o PIB. Isto era causado pelos efeitos

deslocamento e havia aproximação muito grande com o

tolerável nível da carga tributária. Esse nível de

tolerância varia de acordo com as circunstâncias em

que a sociedade vive. Num período de estabilidade

política, econômica e social, a idéia da sociedade sobre

o nível da carga tributária permanece também estável.

Porém, se houver qualquer distúrbio na sociedade, os

indivíduos normalmente alterarão seus níveis de

tolerância quanto ao peso da carga tributária, devido,

sobretudo, aos papéis de proteção, de segurança e de

supridor de benefícios desenvolvidos pelo governo. Na

realidade, há diferença nas idéias dos indivíduos quanto

ao tolerável nível de tributação e as suas noções dos

Dica do professor

Na realidade, notaram que havia substituição dos gastos civis pelos gastos com defesa durante os períodos de guerra, mas após este período estabelecia-se novamente o padrão normal dos gastos civis.

Aula 3 | Gastos públicos 61

desejáveis níveis dos gastos públicos. Isto acontece

porque a escolha política no uso dos recursos públicos

difere substancialmente daquelas feitas através do

sistema de mercado tradicional. Alguns serviços

prestados pelo governo durante o período dos

distúrbios sociais são feitos com baixo nível da carga

tributária. Porém, a manutenção desses serviços após

os distúrbios exigiria que houvesse elevação da carga

tributária nem sempre aceita pela sociedade.

Além do efeito deslocamento, Peacock e

Wiseman detectaram, ainda, dois outros tipos: o efeito

imposição e o efeito inspeção. O primeiro expressa um

novo sentimento de igualdade e de coletivismo na

sociedade. Isto surgiria como conseqüência dos

problemas sociais ocorridos que levaria a sociedade a

dar mais importância à provisão coletiva dos serviços

de saúde, educação, bem-estar social. Por outro lado, o

efeito inspeção resultaria na expectativa da sociedade

por melhor nível dos serviços prestados pelo governo,

o que havia sido alcançado como conseqüência dos

aumentos dos gastos públicos por ocasião dos

distúrbios sociais. Esses dois efeitos poderiam alterar a

concepção da sociedade sobre o tolerável nível de

tributação e de certa forma explicar as mudanças

ocorridas nas relações entre os gastos públicos e o PIB.

MODELOS DE DESENVOLVIMENTO E

CRESCIMENTO DOS GASTOS PÚBLICOS

Esses modelos tentam associar o crescimento

dos gastos públicos com os estágios de crescimento do

país. Eles são representados pelos trabalhos de

Musgrave, Rostow e Herber.

Normalmente, a importância do setor público

num país é medida através do seu grau de

desenvolvimento e, também, por intermédio da renda

Para pensar

O relacionamento existente entre a renda per capita e as políticas fiscais pode ser completamente diferente, ao se analisarem as situações de diversos países. Isto porque cada país terá sua estrutura econômica, política e social alterada à medida que há crescimento, que há o efeito demonstração das sociedades vizinhas, que há a necessidade de se desenvolver quantitativa e qualitativamente os serviços de bem-estar, de desenvolver as infra-estruturas econômica e social.

Aula 3 | Gastos públicos 62

per capita. Acontece, porém, que cada país possui as

suas peculiaridades políticas e sociais que interferem

diretamente na estrutura do setor público e na própria

renda per capita. Todos esses fatores terão, portanto,

grande efeito sobre a renda per capita do país.

Musgrave argüiu que, assumindo a importância

desses fatores, a eficiente estrutura do setor público

variará de acordo com o estágio de desenvolvimento

econômico do país, medido pelo crescimento da renda

per capita.

Pelo que já se viu na aula 2, esses serviços, por

sua natureza, requerem participação ativa e significante

do setor público para que sejam oferecidos à sociedade.

Segundo Musgrave, os investimentos públicos nessas

áreas tornam-se indispensáveis para que o país se

desenvolva e alcance estágio superior e intermediário

de desenvolvimento econômico e social. Ao atingir esse

estágio intermediário, o governo continua a investir,

desempenhando apenas papel de complementação ao

crescimento dos investimentos no setor privado. Em

ambos os casos, existirão falhas no mecanismo de

mercado, o que requererá maiores envolvimentos do

setor público. Sobre este aspecto, Musgrave argumenta

que, nos estágios iniciais, a proporção entre a formação

bruta de capital público e o total do investimento será

significativamente elevada. Ela declinará à medida que

haja o crescimento e o desenvolvimento econômico.

Destaca, porém, que nos últimos estágios de

desenvolvimento esta relação voltaria a crescer devido

ao "peculiar estágio da renda e suas necessidades de

capital”.

Num período pós-industrial, torna-se novamente

necessária uma injeção de investimentos do setor

público para que a economia e o país alcancem novo

Aula 3 | Gastos públicos 63

período de industrialização num nível de renda superior

àquele do estágio anterior.

Na realidade, existe identidade muito forte nos

três modelos apresentados. Todos eles associam o

crescimento dos gastos públicos com os vários estágios

de desenvolvimento econômico dos países. No geral, o

que se pode concluir é que, de acordo com o que foi

apresentado, existem três etapas no processo de

desenvolvimento dos países que requerem, em geral,

diferentes graus de envolvimento do setor público em

diferentes atividades. Dessa forma, espera-se que, nos

estágios iniciais de crescimento de qualquer país, haja

necessidade de significativo envolvimento do setor

público a fim de adequar a sua estrutura com o

objetivo de promover seu crescimento e o

desenvolvimento econômico e social. Para tanto re-

quer-se grande volume de investimentos públicos que,

sem dúvida alguma, elevam substancialmente o nível

dos gastos públicos. Após essa etapa, porém, já não

existe a demanda por grandes investimentos por parte

do setor público. Nessa fase intermediária, os gastos

públicos não variam substancialmente, já que o setor

público estará apenas complementando as atividades

exercidas pelo setor privado. Após esse estágio, a

participação do setor público pode tomar rumos

diferentes. Ela poderá ser aumentada pela demanda da

sociedade por melhores níveis de bem-estar social.

Neste caso, haveria necessidade de grandes

investimentos do governo nas atividades de "serviços

sociais", o que, sem dúvida, elevaria significativamente

o nível dos gastos públicos. Esses gastos, por sua vez,

poderiam ser aumentados pela demanda por maior

participação do governo na retomada de novo processo

de desenvolvimento. Neste caso, a participação do

governo estaria exercendo, em tese, a mesma função

exercida no estágio inicial do processo de

desenvolvimento e crescimento econômico. Assim,

observa-se que, com base no que foi mencionado, o

Importante

Rostow, por sua vez, também admite a existência das rela-ções entre a participação do setor público e os estágios de desenvolvimento do país, acrescentando que a relação dos gastos públicos com o PIB volta a crescer nos últimos estágios de crescimento devido aos gastos de inves-timentos nos "serviços sociais", que crescerão relativamente mais que pro-porcionalmente a outros itens dos gastos.

Para pensar

É evidente, porém, que, em teoria, estes seriam os caminhos naturais do envolvimento do setor público nas atividades dos países com repercussões diretas nos seus níveis de gastos públicos. Entretanto, o grau de participação do governo dependerá, obviamente, das flutuações circunstanciais ocorridas nas estruturas políticas, econômicas e sociais de cada país.

Aula 3 | Gastos públicos 64

grau da participação e dos gastos públicos de um país

obedece a um ciclo no qual o envolvimento do governo

dependerá do estágio atual de desenvolvimento e das

perspectivas políticas do país.

MODELOS MICROECONÔMICOS

Os modelos microeconômicos dos gastos

públicos tentam mostrar os fatores que determinam e

influenciam a produção e a oferta dos serviços públicos.

Assim, esses modelos procuram analisar as variações

nas demandas pelos vários serviços prestados pelo

setor público. Para explicar tais alterações, além do uso

das variáveis econômicas, serão considerados, tam-

bém, alguns elementos políticos e sociais. Além disso,

deve-se observar que, primeiro, esses são modelos

positivos que tentam explicar o caminho dos gastos

públicos e os fatores que geram seu crescimento;

segundo, o modelo não se preocupa com o equilíbrio

orçamentário nem com a eficiência da oferta da

produção pública. Terceiro, como um modelo

positivista, algumas proposições simples serão

consideradas. Finalmente, esses modelos são

desenvolvidos na forma estática comparativa e com

algumas limitações.

Herber, por seu turno, desenvolve a Lei de Wagner e associa a participação e o crescimento dos gastos públicos com os estágios de industrialização do país. Para ele, no período pré-industrial, há necessidade de participação mais ativa dos investimentos do setor público em áreas básicas para o processo de industrialização do país, o que acelera o ritmo de crescimento dos gastos públicos em taxas superiores às do crescimento da renda. Quando o país atingir estágio de maturidade no nível de industrialização, a participação do setor público e o conseqüente nível dos gastos públicos permanecerão mais ou menos estáveis, mesmo que haja elevação no nível de renda.

Aula 3 | Gastos públicos 65

Aumento dos gastos em função da

deterioração dos serviços

Uma série de fatores pode intervir na produção

de determinado bem público, fazendo com que, com o

passar do tempo, ele se deteriore e haja necessidade

de aumento nos gastos públicos. Tome-se, por

exemplo, o caso da proteção policial de determinada

área ou região. A estrutura policial será determinada

com base numa situação real definida em função dos

problemas existentes. Com isso será definido, por

exemplo, o número de policiais necessários, viaturas

policiais. a fim de que a população seja protegida. Caso

haja aumento no nível de criminalidade, assaltos, a

estrutura de segurança montada pode não estar

adequada para atender à nova demanda por esses

serviços. Com isso haverá a necessidade da adequação

da estrutura policial em face da nova situação existente

na sociedade. Isto implica, em última instância, a

elevação dos gastos públicos nesses serviços.

Comentários finais

Dada a complexidade do envolvimento do setor

público na economia, é praticamente impossível

explicar o comportamento dos gastos públicos através

de um só fator. Isto porque, na realidade, existe uma

série de fatores que afeta direta ou indiretamente o

nível dos gastos públicos, bem como as oscilações

nelas ocorridas. De qualquer forma, as tentativas de

explicar esse comportamento através dos modelos aqui

desenvolvidos contribuem significativamente para

esclarecer parte das razões do crescimento dos gastos

públicos. Deve-se, porém, reconhecer que o fenômeno

das despesas públicas é uma conjugação dos aspectos

político, econômico e social. Aos pontos aqui analisados

deve-se destacar, ainda, que fatores como a renda

nacional, a capacidade do governo em obter receitas,

Dica do professor

Considerando esses aspectos, os modelos microeconômicos do crescimento dos gastos públicos podem ser desenvolvidos, tendo-se em mente que procurarão explicar as variações nas demandas pelos produtos finais do setor público. Além disso, eles se preocuparão em analisar as alterações no conjunto das atividades de produção dos serviços públicos, na sua qualidade, nos preços e na quantidade de serviços a serem por ele produzidos.

Quer saber mais?

Economia do Setor Público Fornece as bases econômicas das atividades governamentais, além de tratar de finanças públicas, pode se ver a dimensão do setor público em uma economia.

Aula 3 | Gastos públicos 66

problemas sociais, mudanças políticas,

desenvolvimento tecnológico, gastos públicos em

períodos anteriores. afetam direta ou indiretamente o

comportamento e o nível dos gastos governamentais

em qualquer país do mundo.

RESUMO

Vimos até agora:

As despesas governamentais são constituídas

de: despesas correntes (de custeio e

transferências correntes); despesas de

investimentos, inversões financeiras e

transferências de capital; reservas de

contingências que são as despesas não

previamente programadas;

Após a Segunda Guerra Mundial, uma nova

linha de estudos foi desenvolvida com base

na associação do comportamento dos gastos

públicos e com o crescimento econômico, em

relação aos fatores econômicos, políticos e

sociais, que são os modelos básicos:

macroeconômico e microeconômico;

Os modelos de desenvolvimento e

crescimento dos gastos públicos que tentam

associar o crescimento dos gastos públicos

com os estágios de crescimento do país.

Estes são representados pelos trabalhos de

Musgrave, Rostow e Herber;

O aumento dos gastos em função da

deterioração dos serviços que gera nova

demanda.

67

Privatização e Concessão – Parte I Koffi Amouzou

AU

LA4

Apr

esen

taçã

o

As privatizações de empresas estatais e as concessões dos serviços públicos às empresas privatizadas no país, que tiveram um intenso ciclo iniciado por inspiração do Governo Federal do então Chefe do Executivo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que se estenderam às esferas estaduais, sempre receberam duras críticas de alguns segmentos da sociedade. Entretanto, somente aqueles que acompanham de perto tais empresas têm conhecimento da extensão dos inegáveis benefícios gerados com a adoção dos citados institutos jurídicos, privatização e concessão. Poderiam as privatizações das empresas estatais e as concessões dos serviços públicos influírem também no meio ambiente, estendendo para esta área os benefícios acima mencionados? Nossa resposta é positiva, especialmente no que tange às empresas atuantes no campo de infra-estrutura e, mais especialmente ainda, na exploração dos serviços públicos de distribuição de gás canalizado, justificando-se esse entendimento, no estudo apresentado a seguir.

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Conhecer o histórico das privatizações em dois períodos base:

de 1990-1994 e de 1995-2002; Estudar com profundidade o estado brasileiro e as privatizações

das empresas estatais; Identificar o papel da percepção para a necessidade de

privatizar empresas controladas direta ou indiretamente pela União, bem como aquelas de participação acionária minoritária;

Analisar o programa nacional de desestatização envolvendo três setores: siderurgia, petroquímica e fertilizantes.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 69

Conceitos de privatização e concessão

As razões que levaram os diversos níveis de

Governo rumo à privatização e concessão dos serviços

públicos inseridos dentro de suas esferas de

competência já foram por demais debatidas.

Porém, é certo que o principal fator que

transformou a figura do Estado Interventor em Estado

Fiscalizador, atividade exercida por meio das Agências

Reguladoras, foi o da imperiosa necessidade de

modernização e expansão dos serviços de

universalização, impossível diante da falta de recursos

estatais.

Em outras palavras, não se pode negar que foi o

interesse público o grande motivador das privatizações

e concessões realizadas independentemente das

correntes políticas que ocupavam o poder quando

foram promovidas.

HISTÓRICO DAS PRIVATIZAÇÕES

Período 1990 - 1994

O Programa Nacional de Desestatização (PND)

foi instituído com a lei nº. 8.031, de 12.04.90, quando

a privatização tornou-se parte integrante das reformas

econômicas iniciadas pelo Governo.

Naquela época, foram concentrados esforços na

venda de estatais produtivas, pertencentes a setores

estratégicos, o que permitiu a inclusão de empresas

siderúrgicas, petroquímicas e de fertilizantes no PND.

Entre 1990 e 1994, o governo federal

desestatizou 33 empresas, sendo 18 empresas

controladas e 15 participações minoritárias da

Petroquisa e Petrofértil. Foram realizados ainda oito

leilões de participações minoritárias no âmbito do

Decreto nº 1.068.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 70

Com essas alienações, o governo obteve uma

receita de USS 8,6 bilhões que, acrescida de USS 3,3

bilhões de dívidas que foram transferidas ao setor

privado, alcançou o resultado de USS 11,9 bilhões.

Tabela 1: Resultados de Vendas por Setor

USS Milhões

Setores Empresas Receita de Vendas

Dividas Transferida

Total

Siderúrgico 8 5.562 2.625 8.167 Petroquímico 15 1.882 296 2.178 Fertilizantes 5 418 75 493 Outros 4 350 269 619 Decreto 1.068 - 396 - 396 Total 32 8.608 3.265 11.853

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2002.

MOEDAS UTILIZADAS NA PRIVATIZAÇÃO

Os títulos representativos da dívida pública

federal, chamados de “moedas de privatização”, foram

muito utilizados como meio de pagamento em

decorrência da prioridade dada pelo Governo ao ajuste

fiscal. Essas “moedas” representaram 81% da receita

obtida com as vendas das empresas, no âmbito do

PND, no período.

As “moedas” aceitas foram: Dívidas

Securitizadas, Debêntures da Siderbrás, Certificados de

Privatização, Obrigações do Fundo Nacional de

Desenvolvimento, Títulos da Dívida Agrária e Letras

Hipotecárias da Caixa Econômica Federal.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 71

Tabela 2: Resultado de Venda por Moeda Utilizada

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2002.

INVESTIDORES

Como pode ser observado no quadro abaixo, o

período 1990 - 1994 caracterizou-se por pequena

participação do investidor estrangeiro.

Tabela 3: Resultado de Venda por Investidor

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2002.

PERÍODO 1995 – 2002

A partir de 1995, com o início do governo

Fernando Henrique Cardoso, foi conferida maior

prioridade à privatização. O PND é apontado como um

dos principais instrumentos da reforma do Estado,

sendo parte integrante do Programa de Governo, e o

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 72

Conselho Nacional de Desestatização (CND) é criado

em substituição à Comissão Diretora.

Iniciou-se uma nova fase da privatização, em

que os serviços públicos começam a ser transferidos ao

setor privado. Foram incluídos os setores elétrico,

financeiro e as concessões das áreas de transporte,

rodovias, saneamento, portos e telecomunicações.

Um dos principais objetivos tem sido o de

proporcionar uma melhoria na qualidade dos serviços

prestados à sociedade brasileira, através de aumento

de investimentos a serem realizados pelos novos

controladores.

Moedas utilizadas nas privatizações

No período 1995-2002, constatou-se redução da

utilização de “moedas de privatização” e aumento do

ingresso de moeda corrente nacional, que passou a

representar 95% do total arrecadado nos leilões de

privatização.

Tabela 4: Resultado de vendas por tipo de moeda

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2002.

INVESTIDORES

A participação do capital estrangeiro foi bastante

significativa no período 1995-2002, atingindo 53% do

total arrecadado com todas as desestatizações

realizadas no Brasil.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 73

As empresas nacionais responderam por 26%

da receita, cabendo 7% às entidades do setor

financeiro nacional, 8% às pessoas físicas e 6% às

entidades de previdência privada, como pode ser visto

no quadro a seguir.

Tabela 5: Resultado de Venda por Investidor

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2002.

INFORMAÇÕES SETORIAIS

O quadro a seguir mostra os valores

arrecadados com a privatização de empresas nos

setores industrial e de infra-estrutura/serviços, bem

como o resultado dos leilões de participações

minoritárias.

Tabela 6: Valores arrecadados com a

privatização por setor

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2002.

O quadro a seguir mostra o resultado setorial

dos leilões de privatização e a dívida transferida ao

setor privado no período 1995-2002, no âmbito dos

programas federal e estadual.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 74

Tabela 7: Resultado setorial dos leilões de

privatização e a dívida transferida ao setor privado

Fonte: Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, 2002.

Petroquímica

Dando prosseguimento ao PND, o governo

federal concluiu a desestatização do setor petroquímico

com a venda de 12 participações acionárias da

Petroquisa e da Petrofértil.

O quadro a seguir mostra o resultado apurado.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 75

PETRÓLEO

No âmbito do PND, foram realizadas duas

ofertas públicas globais de ações do Petróleo Brasileiro

S.A Petrobras. A primeira oferta ocorreu em agosto de

2000, quando foram vendidas as ações ordinárias que

excediam o mínimo necessário à manutenção do

controle acionário da Petrobras pela União.

A oferta realizada no Brasil inovou ao permitir

que os trabalhadores utilizassem parte do saldo de

suas contas no Fundo de Garantia por Tempo de

Serviço (FGTS) em pagamento por ações da empresa.

O volume de recursos do FGTS mobilizado na

compra das ações foi significativo, alcançando US$ 898

milhões, correspondendo a 312.194 contas de

trabalhadores.

Na segunda oferta, realizada em julho de 2001,

foram vendidas 41 milhões de ações preferenciais

nominativas, 81% das quais colocadas no exterior.

O quadro abaixo mostra o resultado das ofertas

públicas da Petrobras:

MINERAÇÃO

Em maio de 1997, foi privatizada a Companhia

Vale do Rio Doce - CVRD, uma das maiores empresas

produtoras e exportadoras de minério de ferro do

mundo.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 76

No leilão do controle da empresa, foram

alienadas 99 milhões de ações ordinárias nominativas,

correspondendo a uma arrecadação de US$ 3.131

milhões. A oferta aos empregados totalizou US$ 167

milhões.

Em março de 2002, foi realizada a operação de

oferta pública global de ações ordinárias da CVRD

sendo alienadas 78 milhões de ações ordinárias,

correspondendo a 31,5% do capital votante da CVRD.

Nessa oferta foram aceitos recursos do FGTS no

pagamento de ações. O volume de vendas utilizando

esses recursos foi de US$ 428 milhões, correspondendo

a 729.078 contas de trabalhadores.

O quadro a seguir mostra o resultado de venda

na área de mineração:

Estado brasileiro e a privatização das

empresas estatais

Seguindo as tendências mundiais de

globalização da economia e de eliminação de barreiras

à produção, o Brasil busca inserir-se nesse processo de

transformação por meio da promoção do

desenvolvimento via descentralização, flexibilização,

desburocratização e reorientação das atividades do

setor público. É nesse contexto que se situa o Programa

Nacional de Desestatização (PND) brasileiro.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 77

A necessidade de privatizar empresas públicas

decorre da crescente demanda da sociedade por

programas de bem-estar e da exagerada importância

dada ao Estado, no passado, como balizador do

processo de desenvolvimento, o que exigiu receitas

fiscais cada vez maiores. Some-se a isso a estrutura

extremamente sobrecarregada do setor público

brasileiro, com um passivo estimado em algo como R$

200 bilhões. Além do mais, a escassez de recursos e a

má administração das empresas públicas, em

decorrência da utilização de técnicas gerenciais

ultrapassadas ou desconexas e de administrações de

cunho político, impõem-lhes um ritmo de gestão pouco

eficiente e com baixo nível de produtividade.

Isso, no entanto, é uma decorrência natural do

modelo de crescimento adotado no país, nas décadas

de 60 e 70, o qual associava o setor produtivo à

presença do Estado, seguindo a dinâmica do processo

de acumulação dentro do que se conhece como

crowding in. Criou-se forte dependência da iniciativa

privada em relação ao Estado e o paradigma de que

estaria a seu cargo todo o investimento preciso à

ampliação e à manutenção da infra-estrutura

necessária ao crescimento. Como resultado, surgiu um

Estado inchado e sem qualquer flexibilidade,

excessivamente controlador e burocrático. Aliado a

isso, esgotou-se a capacidade de poupança do

governo, comprometendo a sua capacidade de

investimento, o que o levou a um endividamento

crescente ao longo desses anos, culminando na crise

fiscal que ora é observada.

A reestruturação do setor público tornou-se uma

condição necessária, embora não suficiente, para a

retomada do processo de crescimento sustentado e a

manutenção da estabilidade econômica.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 78

Um dos pilares desse processo está relacionado

com o estabelecimento de um novo padrão de parceria

entre a iniciativa privada e o Estado.

Como, historicamente, a origem da presença do

Estado brasileiro na atividade produtiva está associada,

além do já mencionado apoio à iniciativa privada, à

proposta de um rápido crescimento por meio da

industrialização, com sua falência, criou-se um gargalo

ao crescimento sustentado. Daí surgiu a percepção da

necessidade de privatizar empresas controladas direta

ou indiretamente pela União, bem como aquelas de

participação acionária minoritária.

Os serviços públicos podem passar para as mãos

da iniciativa privada ou pela venda dos ativos ou pela

concessão da exploração desses serviços. No primeiro

caso, a privatização envolve duas vertentes. A primeira

é quando o mercado, no qual está inserida a empresa a

ser privatizada, opera em regime de concorrência.

Nesse caso, é o mercado quem define as regras. Por

outro lado, há situações em que a empresa opera em

um contexto de monopólio. Isso sugere a necessidade

de alguns mecanismos de regulação por parte do poder

público. Nesse caso, diz-se que mesmo após a

privatização, o governo exerce algum controle,

orientado para o objetivo de assegurar e cuidar do

funcionamento apropriado da empresa monopolista.

Assim, pode-se dizer que o processo de privatização

coloca em ordem a divisão de tarefas entre governo e

iniciativa privada. No segundo caso, o poder público

permite (concede) a exploração do serviço pela

iniciativa privada.

Com isso em mente, foi criada a Comissão

Diretora do Programa Nacional de Desestatização

(CDPND), com o Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social (BNDES) no papel de gestor, a

Dica do professor

Além da concessão, há outras formas de participação privada na execução dos serviços públicos, a saber, arrendamento, prestação de serviços, risco re-compartilhado, concessão onerosa e subconcessão.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 79

quem foi atribuída a contratação dos estudos

necessários à implementação do processo de

desestatização da economia brasileira.

Esse processo tem seguido etapas distintas ao

longo dos três últimos governos. Na primeira etapa,

procedeu-se à privatização daquelas empresas

inseridas no que se convencionou chamar de operação

hospitalar, ou seja, a devolução para a iniciativa

privada daquelas empresas que, devido a problemas de

diversas naturezas, foram absorvidas pela União por

intermédio do BNDES e de sua subsidiária BNDES

Participações (BNDESPAR). Uma etapa intermediária foi

inaugurada com a privatização daquelas empresas

diretamente vinculadas ao setor produtivo, mas que,

desde a sua criação, foram consideradas empresas

estatais. Essa etapa iniciou-se no governo Collor de

Melo, com a venda da USIMINAS, em 1991. A terceira

etapa, a ser consolidada no governo Fernando

Henrique Cardoso, além do processo de privatização

stricto sensu, caracteriza-se, ainda, pela ênfase dada

às concessões de serviços públicos à iniciativa privada.

Efeitos microeconômicos da privatização:

a regulação da economia pelo poder

público

Quando se transfere a propriedade de uma

empresa pública para o setor privado, observa-se uma

série de mudanças nas relações entre os seus

administradores e os acionistas. Em geral, essas

mudanças ocorrem na gestão da empresa porque a

transferência de propriedade modifica a estrutura de

incentivos que têm os seus administradores, o que, por

sua vez, altera o seu comportamento gerencial,

afetando o desempenho da empresa. Nesse sentido,

um tema que suscita vivo interesse diz respeito aos

possíveis efeitos que tem o novo tipo de propriedade

Quer saber mais?

O termo regulação faz referência a diferentes procedimentos utilizados pelo poder público para intervir na economia, afetando o funcionamento dos mercados e a alocação dos recursos. De maneira geral, pode dizer-se que o conceito de regulação engloba a imposição de limitações ao funcionamento dos mercados. Basicamente, a regulação inclui a reserva de atividades produtivas, a fixação de preços administrados, as barreiras legais à entrada ou saída dos mercados, a exigência de qualidade dos bens e serviços comercializados, e as restrições ao regime de propriedade pelas empresas.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 80

sobre a eficiência da empresa. Aqui, deve-se distinguir

entre eficiência produtiva e eficiência alocativa. Define-

se eficiência produtiva como a produção a custo

mínimo, e eficiência alocativa como a geração de

quantidades e preços ótimos, sob o ponto de vista da

alocação de recursos.

Desafortunadamente, no entanto, o debate atual

acerca da privatização de empresas estatais no Brasil

tem assinalado apenas formas de como as empresas

detentoras de algum poder de mercado podem

melhorar a sua eficiência produtiva, em detrimento de

uma discussão mais profunda que aborde aspectos

relativos à eficiência alocativa. Perde-se, portanto, a

oportunidade de explorar o trade-off entre os dois tipos

de eficiência. No caso de uma estrutura competitiva,

essa discussão carece de sentido, uma vez que a

ocorrência de eficiência produtiva implica eficiência

alocativa. Felizmente, espera-se que o debate acerca

da regulação da economia pelo poder público traga

esse tema à tona.

Em termos práticos, em uma economia

competitiva, haveria um sistema de incentivos que

obrigaria as empresas privadas a adotarem um

comportamento que assegurasse tanto a eficiência

produtiva quanto a eficiência alocativa. Infelizmente, no

entanto, na maioria das vezes, na estrutura industrial,

as forças competitivas são frágeis ou mesmo

inexistentes. Conseqüentemente, surge a necessidade

de que o Estado adote uma política de regulação que

influa no comportamento das empresas privadas,

estabelecendo para elas um sistema adequado de

incentivos que oriente suas decisões econômicas.

REGULAÇÃO POR AÇÃO/POR OMISSÃO

Em termos gerais, diz-se que a regulação da

atividade privada por parte do poder público se dá por

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 81

ação ou por omissão. No primeiro caso, o Estado regula

ativamente quando exerce algum tipo de controle

direto sobre o funcionamento de uma empresa ou de

um determinado mercado, por meio da fixação de um

preço, da fixação da taxa interna de retorno sobre o

capital, do estabelecimento de barreiras à entrada ou

saída de empresas. O segundo caso decorre da

ausência de regulação ou, talvez, por meio da

desregulação. Ora, ainda nesse caso, o Estado estaria

regulando ao permitir a concorrência no mercado e

proporcionar um marco jurídico e econômico que

induza a decisões privadas consistentes com os

interesses dos usuários. Existem aqueles que se

referem à regulação em um aspecto bem restrito,

excluindo uma política de defesa da concorrência.

Alegam que o mercado sempre será ineficiente. Isto

porque, segundo eles, ou a) os mercados nunca são

competitivos, ou b) certas características do mercado

conduzem a alocações não-eficientes dos recursos.

Nesse sentido, seria custoso manter uma

política de defesa da competição porque esta

simplesmente não existe. No primeiro caso, tomam o

exemplo de empresas cartelizadas, em que estas

fazem conluios no sentido de estabelecerem um preço

mais alto do que aquele que o iguale à receita

marginal. Nesse caso, não haveria necessidade de

regulação (por exemplo, pela fixação de preços

máximos de venda), mas de leis que evitassem esse

tipo de comportamento estratégico por parte das

empresas. No segundo caso, um produtor monopolista

maximiza lucro igualando receita marginal ao custo

marginal. Se existirem rendimentos crescentes de

escala para o nível de demanda usual, o preço

resultante será superior ao preço competitivo e,

portanto, a alocação de recursos será não-eficiente.

Argumenta-se, em decorrência disso, que esse

comportamento é inerente ao monopólio e, portanto, a

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 82

única coisa a fazer é estabelecer incentivos à entrada.

Em ambos os casos, há exemplos de políticas de defesa

da concorrência, consumidores.

Um exemplo ilustrativo é dado pela experiência

mexicana de privatização. Durante a década de 80, dois

setores importantes da economia mexicana

(telecomunicações e indústria de caminhões) ofereciam

serviços de pouca qualidade e cresciam a taxas pouco

atrativas. Com isso, em 1989, o governo introduziu

reformas para a reestruturação desses setores.

Apesar das tarifas entre US$ 600,00 e US$

100,00 para a instalação de telefones, e da incidência

de um imposto de 60% (excisetax), um dos mais altos

do mundo, os usuários desses serviços esperavam de

um a dois anos para terem seu telefone instalado. Por

isso, as reformas, nesse setor, visaram principalmente

à privatização da TELMEX, com a venda de 51% das

ações possuídas pelo Estado.

No setor de transportes rodoviários, além da

desregulamentação da indústria de caminhões, um dos

principais objetivos foi a criação dos fundos para a

manutenção de rodovias, bem como de um programa

de inspeção de emissão de gases poluentes.

Em decorrência de uma série de arranjos

institucionais, a privatização da TELMEX ocorreu mais

rapidamente do que o previsto. Isso melhorou a

distribuição dos impostos sobre telecomunicações,

rebalanceando-os entre as ligações locais e de longa

distância.

Além disso, houve a renegociação de contratos

de trabalho e a redução das funções operacionais da

Secretaria de Ciência e Tecnologia (SCT), equivalente a

um ministério de comunicações e transporte, com a

criação de uma nova agência pública orientada para o

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 83

comércio, o que permitiu ao ministério concentrar-se

nos problemas regulatórios.

Com isso, a TELMEX expandiu o número de

linhas em serviços a uma taxa de 12% ou mais ao ano,

entre 1991 e 1993, e a cobertura telefônica passou de

5,6 linhas por 100 habitantes, em 1988, para 8,7

linhas por 100 habitantes, em 1993, atingindo a meta

de dois telefones públicos por 1000 habitantes. Os

preços médios cresceram abaixo da inflação em

conseqüência do ajuste e do rebalanceamento

efetuados antes da privatização, reduziu-se

sensivelmente o subsídio aos serviços locais, antes sob

os auspícios da renda gerada pelos serviços de longa

distância. Não obstante, o segmento não-residencial,

ainda em 1994, continuava subsidiando os usuários

residenciais.

Como resultado da privatização, tanto o governo

quanto os investidores privados realizaram ganhos. Até

1993, o governo obteve receitas da ordem de U$ 7,75

bilhões, sendo U$ 6,0 bilhões por conta da venda da

holding da TELMEX e US$ 1,75 bilhão sob a forma de

impostos sobre telefonia, Imposto de Renda, entre

outros impostos e taxas. Houve significativa melhora

na produtividade do trabalho, enquanto que os serviços

em rede (network) cresceram 42%, entre 1991 e

1993: o número de trabalhadores passou de 12 por

1000 linhas, em 1988, para 7 por 1000 linhas, em

1993.

No segmento de cargas, o governo negociou um

pacto com a associação dos transportadores de carga,

em julho de 1989, dando início, assim, à

desregulamentação desse setor. Em seguida, o

governo publicou decreto eliminando algumas

restrições à entrada de outras empresas no setor,

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 84

abandonando a noção de que a operação do transporte

de carga deveria funcionar sob a forma de concessão.

Por último, em janeiro de 1990, o governo

publicou em decreto a tarifa-teto e permitiu aos

caminhoneiros cobrarem seus próprios preços, desde

que observada tal tarifa.

Como resultado, pôde-se observar a emissão de

51 mil permissões federais, em agosto de 1990, sendo

que 30 mil foram para novas entradas e 14 mil para

operadores considerados anteriormente ilegais. Com a

queda das tarifas, algo em torno de 23%, entre 1987 e

1994, os serviços melhoraram em freqüência, acesso e

velocidade de atendimento aos pedidos. Os preços mais

flexíveis dos transportes rodoviários e ferroviários

aumentaram a competição no transporte industrial e

reduziram os custos de transportes da economia como

um todo.

PROGRAMA NACIONAL DE DESESTATIZAÇÃO

Oficialmente, a Comissão Diretora do Programa

Nacional de Desestatização (CDPND) buscou selecionar,

para entrar no programa de privatização, aquelas

empresas cujas desestatizações devessem ser

efetuadas imediatamente, em função de sua natureza

industrial.

No entanto, pode-se argüir que a principal razão

pela qual o programa de privatizações começou pela

USIMINAS decorre de razões políticas. De fato, iniciar o

processo com uma empresa de tal porte sugere firmeza

política por parte do governo em fazer funcionar o

programa. Assim, foram recomendados à Presidência

da República três setores, a saber, siderurgia,

petroquímica e fertilizantes.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 85

No setor de siderurgia, a predominância estatal

era absoluta. Apenas a produção dos aços especiais e

não-planos, ressalvado o caso dos aços inoxidáveis,

produzidos pela ACESITA, estatal controlada pelo

Banco do Brasil, era controlada por empresas privadas.

Na petroquímica, a principal ação estatal dava-

se por meio da PETROQUISA, que controlava as

principais produtoras de insumos (a COPESUL e a PQU)

e tinha participações significativas na COPENE e na

SALGEMA, além de deter participações minoritárias em

uma infinidade de pequenas empresas cujo controle

acionário era compartilhado com sócios privados. No

setor de fertilizantes, a ação do Estado se faria por

meio da PETROFÉRTIL, que controlava toda a produção

de insumos básicos nitrogenados (NITROFÉRTIL e

ULTRAFÉRTIL) e boa parcela dos insumos fosfatados

(FOSFÉRTIL, ICC e GOIASFÉRTIL).

Partindo dessas informações e baseada nas

recomendações de consultores independentes, a

CDPND decidiu privatizar cada uma das siderúrgicas

por vez; ordenar a privatização das empresas

petroquímicas por pólo, mas vendendo cada empresa

separadamente; e privatizar as empresas de

fertilizantes individualmente. O argumento para a

adoção dessa estratégia decorreu da hipótese de que

as eventuais possibilidades de sinergias que existissem

entre empresas seriam identificadas pelos investidores

e poderiam ser atingidas de forma autônoma após o

processo de privatização.

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 86

RESUMO

Vimos até agora:

O principal fator que transformou a figura do

Estado Interventor em Estado Fiscalizador –

atividade exercida por meio das Agências

Reguladoras, foi o da imperiosa necessidade

de modernização e expansão dos serviços,

universalização, impossível diante da falta de

recursos estatais;

A partir de um histórico das privatizações de

1990 à 1994, o governo com essas alienações

aumentou a receita e, as chamados “moedas de

privatização” foram muito utilizados como

meio de pagamento em decorrência da

prioridade dada pelo Governo ao ajuste fiscal;

A partir do histórico de 1995 à 2002, contata-

se que iniciou uma nova fase da privatização,

em que os serviços públicos começam a ser

transferidos ao setor privado, sendo incluídos

os setores elétrico, financeiro e as concessões

das áreas de transporte, rodovias, saneamento,

portos e telecomunicações, e, houve redução

da utilização de “moedas de privatização” e

aumento do ingresso de moeda corrente

nacional;

A reestruturação do setor público tornou-se

uma condição necessária, embora não

suficiente, para a retomada do processo de

crescimento sustentado e a manutenção da

estabilidade econômica, tendo o

estabelecimento do novo padrão de parceria

entre a iniciativa privada e o Estado;

Aula 4 | Privatização e concessão – parte I 87

O debate atual acerca da privatização de

empresas estatais no Brasil tem assinalado

apenas formas de como as empresas

detentoras de algum poder de mercado

podem melhorar a sua eficiência produtiva,

em detrimento de uma discussão mais

profunda que aborde aspectos relativos à

eficiência alocativa.

88

Privatização e Concessão – Parte II Koffi Amouzou

AU

LA5

Apr

esen

taçã

o

No Brasil, o início da globalização, que coincidiu com grandes crises no setor financeiro mundial devido aos problemas com países como o México, a Rússia e a Argentina, trouxe severas restrições de crédito ao governo, obrigando-o a traçar políticas cada vez mais restritivas e culminando com a Lei de Responsabilidade Fiscal e as metas de superávit primário cada vez mais altas, provocando a redução dos investimentos governamentais e, por conseqüência, provocando gargalos imensos para o crescimento do país. Neste contexto, onde os governos federal, estaduais e municipais atravessam a escassez de recursos e, onde, mesmo a infra-estrutura existente carece de manutenção adequada e a sociedade e os setores produtivos clamam pelo crescimento da economia, com a conseqüente criação de mais empregos e melhores serviços, estando o setor privado nacional agora forte, engajado e com mentalidade adequada, as privatizações e concessões se tornam uma alternativa extremamente atrativa para o Estado. São, portanto, temas tratados nesta disciplina: Privatização das Empresas Estatais - Concessão dos Serviços Públicos de Distribuição - Privatização e Regulação do Setor Público - Os Benefícios Diretos das Privatizações e das Concessões.

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Oferecer uma visão de conjunto dos benefícios e das críticas da

privatização, abordando conteúdos instrumentais para o processo de privatização e concessão dos serviços públicos de distribuição;

Conhecer os impactos e os benefícios da privatização no caso específico do setor de saneamento básico.

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 90

Concessão de serviços públicos no Brasil

O serviço público pode ser definido como toda

atividade material exercida pelo poder público, direta

ou indiretamente, mediante delegação, com a

finalidade de satisfazer às necessidades coletivas sob o

regime do direito público, caracterizado pela

subordinação do interesse particular ao interesse

coletivo. Assim, a prestação de serviço público pode ser

centralizada quando o poder público a realiza por meio

de suas próprias repartições, em seu nome e sob sua

exclusiva responsabilidade ou descentralizada com a

transferência da titularidade do serviço, outorgada, por

lei, às autarquias ou outras entidades paraestatais, ou

simplesmente com a transferência da execução do

serviço, delegada a particulares, por ato administrativo

bilateral (contrato de concessão) ou unilateral

(permissão ou autorização).

Nesse sentido, a privatização pela concessão de

serviços públicos, diferentemente da venda direta de

ativos, não suprime o controle do Estado sobre a

atividade em questão. O governo passa a determinar as

diretrizes e fixar as regras gerais, enquanto que a

produção dos serviços fica a cargo do agente

concessionário que, pela orientação atual, deverá ser

da iniciativa privada. Isso permite que esta última

exerça atividades produtivas historicamente

desempenhadas pelo Estado e que este, tendo sua

capacidade de investimento recuperada, ocupe-se de

suas funções clássicas.

OBJETIVOS DAS LEIS DAS CONCESSÕES

BRASILEIRAS

Além dessa característica, liberar o governo para

o exercício de atividades de cunho mais social, a

concessão traz alguns efeitos indiretos, uma vez que a

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 91

iniciativa privada tem maior flexibilidade na gestão de

seus empreendimentos e um nível de eficiência interna

muito mais elevado.

Assim, a Lei das Concessões brasileira – Lei nº.

8.987/95 - objetiva:

Fixar as bases para a delegação da prestação

de serviços públicos no Brasil;

Por meio da permissão para formação de

consórcios, abrir a possibilidade de

participação do capital externo na prestação

de serviços públicos;

Por meio da renovação das concessões

mediante licitações, permitir a rotatividade

dos concessionários;

Eliminar os subsídios governamentais,

impondo ao concessionário o risco

empresarial.

Em termos concretos, a lei direciona-se

principalmente aos setores de infra-estrutura e serviços

de saneamento. No que concerne à infra-estrutura, a

proposta objetiva alcançar três setores básicos:

elétrico, transporte e telecomunicações. A intenção é

ampliar a capacidade instalada nessas áreas e oferecer,

com isso, serviços de melhor qualidade ao menor

custo. Quanto ao setor saneamento, a proposta propõe

alcançar principalmente os serviços de água e esgoto.

O setor elétrico conta hoje com uma capacidade

de geração instalada de 54 mil MW e uma rede de

distribuição equivalente a 1,6 milhões de quilômetros.

O consumo de energia elétrica no Brasil que, em 1994,

foi de 226 TWh, conforme projeções do próprio

governo, deve alcançar algo em torno de 353 TWh, em

2004, o que equivale a um crescimento para o período

de aproximadamente 56%, em decorrência do

crescimento médio anual projetado de 4,4%, entre

Importante

No setor elétrico, as medidas provisórias foram convertidas em leis, em março de 2004: a primeira (10.847) que autoriza a criação da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), a segunda (10.848), muda a forma de comercialização da energia elétrica.

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 92

1995 e 1999, e de 4,9%, entre 2000 e 2004. Com essa

perspectiva, o governo federal vem trabalhando no

sentido de melhorar a performance do setor por meio

da ampliação e revisão de concessões já existentes (ver

quadro a seguir).

No que se refere ao setor transporte, a proposta

do governo amplia as opções de investimentos

privados, pois abre espaço para que atuem de forma

mais intensa em transporte ferroviário, rodoviário,

portuário, aeroviário e em infra-estrutura aeroespacial.

Quadro 1: Concessões a Serem Extintas e

Licitadas

Usina Hidrelétrica Potência

Potência (KW)

Investimento (US$ mil)

Apiacás 19 000 35 000 Caiabis 30 000 50 000 Capim Branco 210 000 780 000 Rosal 55 000 70 000

Itapebi 375 000 575 000

Pedra do Cavalo 300 000 500 000 Salto da Divisa 541 000 800 000 Serra Quebrada 1 328 000 1 500 000

Cachoeira Porteira 714 000 1 200 000

Santa Isabel 2 200 000 2 900 000 Anta 16 000 30 000 Sapucaia 300 000 470 000

Simplício 180 000 390 000

Cana Brava 495 000 500 000

Foz de Bezerra 300 000 444 000

São Domingos 200 000 326 000

Peixe 1 106 000 805 000

Pueiras 600 000 697 000

Lajeado 800 000 722 000

Estreito 1 328 000 1 039 000

Marabá 2 070 000 2 296 000

Pedra Branca 768 000 970 000

Belém 477 000 590 000

Itamotinga 288 000 515 000

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 93

Itaocara 210 000 280 000

São Fidélis 123 000 153 000

Piraju 119 000 150 000

Ourinhos 48 400 151 000

Ilha Grande 1 320 000 2 378 000

Capanema 1 200 000 484 000

Franca Amaral 33 000 40 000

Belém 477 000 590 000

Total 17 753 000 21 840 000 Fonte: Brasil (1995b)

Por sua vez, a exploração do segmento de

transporte ferroviário está dividida entre três empresas

públicas: Rede Ferroviária Federal (RFFSA), cujo

controle acionário pertence à União; Ferrovias Paulistas

S.A. (FEPASA), controlada pelo governo do estado de

São Paulo; e Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), que

tem também o governo como acionista majoritário.

Além disso, existem três empresas atuando na

construção de ferrovias, sob a forma de concessão.

Dessas, apenas uma tem como concessionário

um grupo privado (FERRONORTE). As outras duas

estão sob o controle do governo do estado do Paraná

(FERROESTE) e do governo federal (Ferrovia Norte-

Sul). Isso, no entanto, está longe de suprir a demanda

por transporte ferroviário. Com efeito, conforme

estimativas da RFFSA, a demanda por corredores

ferroviários, para 2001, gira em torno de 69 bilhões de

toneladas quilômetro útil, o que significa, apenas nas

linhas-tronco, um investimento da ordem de US$ 736

milhões (ver quadro 2 a seguir).

Importante

A extinção da concessão do serviço público não pode colocar em risco a continuidade de sua prestação, que é o princípio norteador da atividade do serviço público. Então, o Estado deverá assumir o papel de titular do serviço público, conforme a determinação do art. 175 da Constituição Federal.

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 94

Quadro 2: Investimentos em Corredores Ferroviários

Corredores Ferroviários Investimento (US$ mil)

Rio de Janeiro/Belo Horizonte 324 000

Rio de Janeiro/São Paulo 186 000

Paranaguá 111 000

São Paulo / Porto Alegre / Uruguaiana 115 000

Total 736.000 Fonte: Presidência da República/SAE, 2002

No que concerne ao Programa de Concessões de

Rodovias Federal (PROCOFE), já se encontram em fase

final de licitação trechos que somam um total de 841

km, com investimentos privados esperados da ordem

de US$ 1,22 bilhão. Em uma segunda fase, o PROCOFE

cobrirá 15 mil km de rodovias, envolvendo recursos da

ordem de US$ 6,78 bilhões.

Quanto aos transportes urbanos, a sua

exploração ou terceirização está a cargo dos

municípios, com exceção dos trens metropolitanos, que

são explorados pelos estados ou pela União. No caso

dos serviços de transporte coletivo urbano por ônibus,

são exercidos em quase 95% pelo setor privado, via

concessão municipal.

No setor portuário, a demanda de recursos para

infra-estrutura e aparelhamento, até o ano 2000, está

estimada em algo próximo de US$ 1 bilhão. Nesse

setor, a perspectiva do governo, que até o momento

investiu US$ 200 milhões, é investir mais US$ 50

milhões, deixando à iniciativa privada complementar

tais investimentos, algo em torno de US$ 750 milhões.

No segmento aeroespacial, por meio do

Ministério da Aeronáutica, o governo brasileiro tem

incentivado as empresas privadas a explorarem

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 95

aeroportos e terminais de carga, inclusive no que se

refere à infra-estrutura. Além disso, tendo em vista a

Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades

Espaciais (PNDAE), o governo também abriu espaço

para a participação privada em sua implantação e

operação como, por exemplo, no Centro de Lançamento

de Alcântara, no estado do Maranhão. Contudo, a falta

de clareza quanto à forma de parceria e a ausência de

empresas privadas detentoras de tecnologias que as

habilitem a participar do processo têm dificultado

sobremaneira a implementação do programa.

No que tange aos serviços de telecomunicações,

a sua demanda no Brasil tem-se apresentado de forma

dicotômica. De um lado, encontra-se boa parte da

população e a maioria das micro e pequenas empresas

que, via de regra, tem baixo nível tecnológico. De outro

lado, existe um grupo de pessoas pertencentes às

classes de alta renda e grandes empresas que

trabalham com tecnologia de ponta. Esses dois últimos

segmentos exercem forte pressão por serviços de

telecomunicação mais sofisticados, enquanto que os

dois primeiros grupos buscam, apenas, acesso aos

serviços básicos. Em termos gerais, a demanda urbana

estimada por serviços de telecomunicação exige que o

atendimento individualizado passe dos 12,4 milhões de

acessos observados em 1994 para algo em torno de 23

milhões em 1998, dos quais 3 milhões deverão ser

destinados ao segmento de menor renda. De igual

modo, deverá ser triplicado o atendimento à demanda

de telefonia rural, passando dos 230 mil acessos

existentes em 1994 para 700 mil em 1998.

Planeja-se, além disso, duplicar o atendimento à

população por meio de telefones públicos, passando-se

de pouco mais de 300 mil em 1994 para 600 mil em

1998. Como a capacidade de investimento das

empresas do setor é de apenas 60% das necessidades,

é intenção do governo complementar a formação de

Importante

A Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais (PNDAE) estabelece os objetivos e as diretrizes que devem nortear as ações do Governo brasileiro voltadas à promoção do desenvolvimento das atividades espaciais de interesse nacional.

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 96

capital com a participação privada, em parcela

equivalente à diferença.

Por sua vez, no que concerne ao segmento de

saneamento básico, existe uma necessidade de

investimentos estimada em US$ 21 bilhões, sendo US$

6 bilhões para abastecimento de água e US$ 15 bilhões

para esgotamento sanitário. Para viabilizá-los, o

governo aposta na descentralização e no envolvimento

do capital privado como componentes da nova ordem

institucional.

OS BENEFÍCIOS DA PRIVATIZAÇÃO - O CASO DO

SETOR DE SANEAMENTO BÁSICO

O setor de saneamento constitui uma rara

oportunidade de testar, com métodos baseados na

comparação contra factual, os impactos da privatização

no bem-estar dos indivíduos de baixa renda. Isto

ocorre, pois seus serviços estão intimamente ligados às

necessidades básicas de higiene e saúde da população

pobre e sua estrutura de propriedade (privada ou

pública) apresenta variação considerável no tempo e no

espaço, permitindo a construção de grupo de

tratamento e de controle.

Há três motivos que justificam a escolha da

mortalidade infantil, entre outros indicadores sociais

como variáveis de análise. Primeiramente, a

mortalidade infantil é um problema de grande

relevância na agenda social de grande parte dos países

do mundo, como evidencia a inclusão de sua drástica

redução como um dos oito “objetivos do milênio” a

serem perseguidos por todos os países da Organização

das Nações Unidas.

Em segundo lugar, a mortalidade infantil está

intimamente ligada às condições de acesso a serviços

adequados de água e esgoto. As crianças, por

Importante

A forma mais comum de participação de empresas privadas na prestação do saneamento básico dá-se na forma de concessionária municipal, em substituição à empresa estadual. Utilizando assim, a celebração de contratos de concessão diretamente com os Municípios, após processo licitatório. O sucesso de qualquer modelo de concessão à iniciativa dependerá da estrutura tarifária adotada e do aparato regulatório que a aplicará. (PINTO, V. C. A Privatização do Saneamento Básico. 2003)

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 97

possuírem sistemas imunológicos mais fracos e terem

menor conhecimento sobre como evitar riscos de

contaminação por doenças transmissíveis pela água,

sofrem mais com a falta de serviços de saneamento

adequados. Neste sentido, cumpre notar que as

doenças transmissíveis pela água estão entre as

maiores causas de mortalidade infantil, sendo que

somente a diarréia é responsável por 15% das mortes

de crianças de todo mundo. Sobre isto, Alves e Belluzzo

(2004) apresentam evidência econométrica de que o

acesso à rede geral de esgoto tem significativos

impactos na redução da mortalidade infantil no Brasil.

Em terceiro lugar, já existe evidência

econométrica de impactos significativos da privatização

do saneamento na redução da mortalidade infantil na

Argentina (Galiani, Gali e Schargrodsky, 2005). Isto

possibilita a comparação dos impactos da

desestatização brasileira com a do país vizinho e,

conseqüentemente, permite que algumas lições acerca

da importância dos aspectos regulatórios do processo

de privatização sejam inferidas. Por esta razão, o

presente artigo persegue a comparabilidade entre os

trabalhos através do uso da mesma técnica de

estimação, privatização dos serviços de água sobre

dados municipais de qualidade da água coletados pelo

Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento

– SNIS em 2000. Este órgão coleta informações acerca

dos padrões de qualidade da água estabelecidos na

Portaria nº 36 do Ministério da Saúde.

São analisados dois indicadores da qualidade da

água: a porcentagem de amostras de água com

turbidez e presença de coliformes fecais acima do

padrão estabelecido pela Portaria nº 36 do Ministério

da Saúde.

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 98

CRÍTICAS AO PROGRAMA DE PRIVATIZAÇÃO E

CONCESSÃO NO BRASIL

Como foi apontado anteriormente, o programa

de privatizações é considerado um elemento essencial

no ajuste fiscal brasileiro porque, de um lado, gera

receitas de capital que complementarão as receitas

correntes e, de outro, reduz as NFSP.

Existe, no entanto, um problema adicional à

administração do déficit do setor público e que diz

respeito ao seu tamanho, porque o balanço

convencional do setor público, diferentemente do setor

privado, contém apenas ativos e obrigações

negociáveis. Por exemplo, o que dizer dos direitos

minorais da União, das propriedades governamentais,

dos investimentos em capital humano, do valor

presente das receitas esperadas? E, do lado das

obrigações, o que dizer, em contrapartida com as

receitas esperadas, das aposentadorias e de programas

sociais? O que dizer, ainda, das dívidas representadas

pelo passivo da União, de estados e de municípios,

como as dívidas trabalhistas e o Fundo de

Compensação das Variações Salariais (FCVS)?

Entretanto, mesmo abstraindo-se os evidentes

problemas de medição do déficit público, existem

controvérsias acerca das possibilidades de o programa

de privatizações gerar recursos capazes de melhorar as

finanças do Estado, embora seja incontestável sua

utilidade como complemento das receitas.

De um lado, há autores defendendo a idéia de

que sendo uma empresa estatal uma despesa de

investimento, a sua venda significa a renúncia ao

direito a um fluxo futuro de rendas que ela pode gerar.

Nesse sentido, a alienação de uma empresa (lucrativa)

deverá ter efeitos não apenas no presente, quando, em

Importante

Discorre sobre os aspectos que implicam na privatização, faz uma retrospectiva do que está envolvendo a preocupação do Direito Administrativo e descreve as fases em que o serviço público tem passado. Comenta a privatização nos Estados americanos. Ressalta as características e diferenças entre a privatização e concessão pública. Critica a forma em que o patrimônio é transferido na privatização do serviço público brasileiro, que deverá ser privatizado tanto a parte ativa como a passiva. Delgado, José Augusto. Privatização versus Concessão. Boletim de Direito Administrativo. São Paulo, v.12, n. 10, p. 639-647, Out. 1996.

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 99

virtude da entrada de receitas em moeda corrente,

haverá uma redução imediata das NFSPs, mas também

no futuro, quando o governo não poderá contar com o

fluxo de dividendos gerado pela mesma, o que torna

limitado o efeito positivo das privatizações.

Esse argumento aponta na direção da

manutenção do que se convencionou chamar

patrimônio público, em uma formidável confusão entre

estoque e fluxo. Para os defensores desse argumento,

a privatização de empresas estatais em nada alterará a

postura fiscal do governo, pelo fato de a alienação de

ativos e/ou a concessão de serviços públicos à

iniciativa privada não alterar o seu patrimônio líquido,

pois, ao financiar os gastos públicos correntes com as

receitas de privatizações, o governo estará sinalizando

maiores déficits no futuro. Todavia, esse pressuposto

tem bases frágeis, já que, mesmo que os recursos

oriundos das privatizações fossem utilizados em

despesas correntes o que, em si, é um contra-senso,

com o programa de privatizações, as finanças

governamentais deverão sofrer efeitos positivos, uma

vez que a alienação de empresas estatais e/ou a

concessão de serviços públicos ao setor privado

afetarão a administração de setores produtivos da

economia que, por sua vez, deverão ter efeitos fiscais

ponderáveis, em virtude de aumentos de produtividade

decorrentes de melhorias tecnológicas e de outras

melhorias microeconômicas.

Do ponto de vista fiscal, portanto, os principais

efeitos do programa de privatizações deverão ser:

O governo, ao se desfazer de um ativo

representado pela participação em uma

empresa ou pela sua propriedade, altera o

fluxo líquido esperado de suas receitas, com o

sinal do fluxo dependendo do resultado

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 100

econômico da sua gestão sob administração

estatal. Se a empresa, antes da privatização,

apresentar prejuízo sistemático, o fluxo

líquido esperado será positivo. Caso

apresente lucro, o governo estará abrindo

mão de uma renda. Nesse caso, para que a

sua privatização seja considerada uma boa

opção do ponto de vista fiscal, é necessário

que leve a uma reestruturação do setor ao

qual pertença, de sorte a proporcionar uma

melhora relativa da capacidade de gerar

tributos ao governo;

Em troca dos ativos reais e da venda dos

direitos de operar em um mercado protegido

principalmente no caso das concessões de

serviços públicos, o governo obterá as

seguintes contrapartidas: I) uma receita

corrente, representada pelo recebimento de

efetivo monetário; II) títulos da dívida

pública, o que representa uma diminuição da

dívida global e, em decorrência disso, uma

redução de despesas futuras com o seu

serviço;

Além disso, o Estado obtém benefícios fiscais

adicionais ao ceder um plano de

investimentos que não poderia efetivar,

embora fosse socialmente responsável por

ele.

Considerações finais

O último leilão de privatização da gestão Collor

foi realizado em 23 de outubro de 1992. Como uma

decorrência natural do processo de impeachment ao

qual foi submetido o então presidente da República pelo

Congresso Nacional, o novo governo anunciou extensas

Dica do professor

Agora sim finalizamos o assunto das Privatizações e Concessões. Sugerimos que releia as aulas 4 e 5, antes de ler a próxima aula deste caderno de Economia e Mercado. Assim, poderá verificar suas dúvidas e procurar saná-las.

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 101

mudanças no Programa Nacional de Desestatização.

Isso praticamente paralisou o programa até março de

1993, quando foi realizado o leilão que privatizou a

POLIOLEFINAS.

Apesar da retórica, as modificações introduzidas

no PND não alteraram a sua condução. As chamadas

moedas podres continuaram a ser usadas pelo seu

valor de face na compra de ações das empresas

privatizáveis; o programa continuou a ser coordenado

por um órgão colegiado cujos membros são indicados

pela presidência da República, com o BNDES como

gestor e com as mesmas responsabilidades anteriores;

as empresas privatizáveis continuaram a ser avaliadas

de acordo com o seu potencial de geração de caixa,

entre outras coisas. Quase nada de surpreendente

ocorreu desde então. Surpreende, no entanto, a

atitude da Presidência da República ao não

compreender que ampliar o universo de compradores é

uma possibilidade de gerar mais receitas do programa.

Segundo Mário Henrique Simonsen, da maneira como o

programa está sendo conduzido, não está atraindo

“nem as poupanças pulverizadas, nem os capitais

externos” [Simonsen (1995)]. No caso das poupanças

pulverizadas, porque o que está em jogo é o controle

acionário das empresas. No caso dos capitais externos,

porque os lances têm de ocorrer em intervalos de

tempo extremamente curtos, o que exige uma rapidez

de decisão que dificilmente pode ser comandada do

exterior.

No entanto, em que pesem todos esses

problemas, o programa brasileiro de privatizações tem

sido exitoso em quase todos os sentidos. Em primeiro

lugar, até o momento gerou receitas apenas da venda

de ações e da transferência de dívidas da ordem de

US$ 13,2 bilhões. Se aí forem incluídas a poupança

gerada pelo não-pagamento dos juros das dívidas

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 102

resgatadas, além de outras receitas potenciais, como

redução dos correspondentes exigíveis, supõe-se que o

total das receitas deve atingir quantia muito maior.

Além disso, os efeitos da reestruturação das

empresas privatizadas já se fazem sentir. Com efeito,

como foi assinalado, empresas do porte da USIMINAS,

ACESITA e CELMA apresentaram, apesar do pouco

tempo decorrido desde suas respectivas privatizações,

sensíveis melhorias operacionais e financeiras.

Isto, no entanto, não significa que a

reestruturação em curso navegue em calmaria. De fato,

está ainda por começar a batalha da regulação, ou

regulação da economia brasileira — sem a qual não há

como esperar sensível melhoria nos resultados. Além

disso, como foi mencionado, para alguns o programa

brasileiro de privatizações carece de maior velocidade.

RESUMO

Vimos até agora:

A privatização pela concessão de serviços

públicos, diferentemente da venda direta de

ativos, não suprime o controle do Estado

sobre a atividade em questão. O governo

passa a determinar as diretrizes e fixar as

regras gerais, enquanto que a produção dos

serviços fica a cargo do agente concessionário

que, pela orientação atual, deverá ser da

iniciativa privada;

A concessão traz alguns efeitos indiretos,

uma vez que a iniciativa privada tem maior

flexibilidade na gestão de seus

empreendimentos e um nível de eficiência

interna muito mais elevado;

Você sabia?

O processo de privatização, inaugurado no governo do presidente Fernando Collor de Mello, ocorreu entre 1990 e 1993 e atingiu oito empresas, entre elas Cosipa, CSN e Usiminas.

Aula 5 | Privatização e Concessão – parte II 103

A Lei das Concessões brasileira direciona-se

principalmente aos setores de infra-estrutura

e serviços de saneamento. No que concerne à

infra-estrutura, a proposta objetiva alcançar

três setores básicos: elétrico, transporte e

telecomunicações;

Existem controvérsias acerca das

possibilidades de o programa de privatizações

gerarem recursos capazes de melhorar as

finanças do Estado, embora seja

incontestável sua utilidade como

complemento das receitas.

104

Modelos de Regulação de Mercado José Eduardo Filho

AU

LA6

A

pres

enta

ção

Nesta aula será identificado o conceito de mercado a partir das visões: marxista, neoclássica, da escola austríaca de economia e keynesiana. Ainda serão destacados os modelos de mercado e um sistema de classificação deste através de um maior ou menor grau de concorrência. Será apresentado, e contextualizado, a regulação no cenário social brasileiro, bem como seus efeitos sobre os setores de infra-estrutura na sociedade.

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Identificar as quatro grandes linhas analíticas, com diferentes

visões, que tratam do mercado; Entender que o mercado é o local, não somente físico, onde se

encontram os vendedores e compradores de determinados bens e serviços;

Estudar a regulação econômica como prática das imperfeições de mercado para perseguir a eficiência econômica.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 106

Mercado – o que é?

De acordo com o Dicionário do Pensamento

Social do Século XX (1996), o mercado é uma

instituição social na qual os indivíduos trocam

mercadorias que podem ser bens, recursos e serviços,

se utilizando dos recursos do papel-moeda, e que

requer a divisão social do trabalho e a propriedade

privada dos meios de produção (equipamentos, matéria

prima), que em última instância estabelece a referida

divisão social do trabalho.

De acordo com o Dicionário de Economia (1987),

“o mercado pode ser classificado em local, regional,

nacional e mundial. Entre os fatores que determinam o

alcance do mercado estão a escala de produção, as

características da mercadoria, a amplitude da

demanda, o grau e organização do comércio e o estágio

de desenvolvimento econômico e social” (p. 268).

Podemos identificar quatro grandes linhas

analíticas que tratam do mercado e que,

conseqüentemente, têm diferentes visões analíticas

VISÃO MARXISTA

Esta concepção considera o mercado um sistema

anárquico e marcado por sucessivas crises e tem como

referência a abordagem teórica do pensador alemão

Karl Marx1. Os marxistas consideram que a maneira

mercantil de troca do mercado, cujos bens são

produzidos por operários que vendem a sua força de

trabalho aos proprietários dos meios de produção

1 Karl Marx nasceu em 1818, em Trier (Prússia renana). Depois de ter terminado os seus estudos no Liceu de Trier, Marx entrou na Universidade de Bona e depois na de Berlim; aí estudou direito e, sobretudo história e filosofia. Em 1841, terminava o curso defendendo uma tese de doutoramento sobre a filosofia de Epicuro. As concepções de Marx eram influenciadas pelo idealismo hegeliano. Sua obra é vasta incluindo os campos da filosofia, economia e política. Apontou que a história da humanidade é a história da luta de classes e defendeu que o capitalismo seria uma fase do desenvolvimento econômico da humanidade, sendo suplantado pelo socialismo. http://www.marxists.org/portugues/lenin/1914/11/karlmarx/index.htm. Acesso em 27 de fevereiro de 2007.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 107

(capitalistas), faz com que os trabalhadores se tornem

alienados, gerando também um conflito de classes.

A crise se processa, por exemplo, na medida em

que “o dinheiro funciona como um nexo de pagamento

que separa a produção de mercadorias de suas

utilizações finais”, tornando as crises periódicas

(Outhwaite, Bottomore, 1996).

Os capitalistas que não estejam informados

acerca das demandas de consumo podem vender seus

produtos a preços de mercado que estejam abaixo de

seus valores. Tal processo poderia acarretar uma

grande desproporção entre oferta e demanda e uma

queda na taxa média de lucros, gerando, finalmente,

falência e desemprego. O agravamento da crise

acarretaria a ampliação do conflito de classes, ou seja,

entre trabalhadores e proprietários dos meios de

produção.

As tentativas de intervenção estatal para

minimizar o referido conflito, para alguns marxistas,

não seria capaz de debelar as crises e depressões. Para

esta visão, apenas com o fim da propriedade privada,

ou seja, com o fim do sistema de mercado é que

ocorreria a solução através de um amplo projeto de

planejamento econômico comandado pelo Estado

(Outhwaite, Bottomore, 1996).

VISÃO NEOCLÁSSICA

Ao contrário da concepção marxista, a visão

neoclássica considera que o sistema de mercado

funciona como um mecanismo que tende ao equilíbrio e

ao não-anárquico, na qual a lei da oferta e procura

funciona de modo coordenado, tanto no que se refere

aos bens como o que diz respeito aos serviços.

:: Economia neoclássica:

A economia neoclássica é o que se chama de metateoria. Ou seja, é um conjunto de regras implícitas ou de entendimentos para a construção de teorias econômicas satisfatórias. Trata-se de um programa de pesquisa científica que gera teorias econômicas.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 108

Atualmente, a visão geral do equilíbrio de

mercados não é considerada nem mesmo por alguns

neoclássicos como uma explicação para o

funcionamento real do mercado, ou ainda como uma

possibilidade prática. Na realidade, hoje esta concepção

é entendida, sobretudo, como um arcabouço subjetivo

e teórico para efeito de análise, não se realizando na

prática efetiva de funcionamento dos mercados

(Outhwaite, Bottomore, 1996).

Seguindo as idéias de Adam Smith2, muitos

economistas neoclássicos como Alfred Marshall e Pareto

mediram os efeitos negativos da intervenção do Estado

na economia. Outros, como Pigou, economista de

Cambridge, criticaram o Laissez-Faire e defenderam a

intervenção do Estado na Economia para combater os

males do capitalismo. Era uma economia científica

muito ligada à política. Os neoclássicos introduziram na

teoria da procura e da oferta o conceito de utilidade

marginal. As preferências dos consumidores (utilidade)

são um dos fatores da procura de bens. Walras e

Schumpeter defenderam a idéia de que os mercados de

produtos, fatores de meios de produção e trabalho se

inter-relacionam num equilíbrio geral. O pensamento

econômico neoclássico tornou-se hegemônico no campo

da ciência econômica até ao aparecimento da crise de

1929 e da obra de Keynes3.

A variante keynesiana da economia neoclássica

busca explicar a falha macroeconômica do mercado,

sobretudo a depressão econômica, como uma falha da

Lei de Say que aponta que a oferta cria a sua própria

2 Considerado o pai da teoria da economia moderna, nasceu em 1723, na Escócia. Ele freqüentou a Universidade de Oxford e, nos anos de 1751 a 1764, ensinou filosofia na Universidade de Glasgow, onde publicou seu primeiro livro, A Teoria dos Sentimentos Morais. Adam Smith foi o primeiro a lançar os fundamentos para o campo da ciência econômica por meio da sua principal obra intitulada A Riqueza das Nações, que pode ser considerado como a origem do estudo da Economia. Ele enfatizou que uma divisão apropriada da mão-de-obra pela sociedade, com cada pessoa exercendo especificamente o que sabe fazer melhor, seria a melhor forma de ampliar a produtividade e a riqueza de uma determinada sociedade. Adam Smith criticou, também, a intervenção e as restrições do governo sobre a economia, apontando que as economias planejadas eram um entrave para o crescimento. 3http://www.esfgabinete.com/dicionario/?completo=1&conceito=ESCOLA_NEOCLÁSSICA. Acesso em 27 de fevereiro.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 109

demanda em um sistema de mercado livre. A

perspectiva keynesiana busca aliar programas

monetários e fiscais juntamente com planejamento

(OUTHWAITE, BOTTOMORE, 1996).

VISÃO DA ESCOLA AUSTRÍACA DE ECONOMIA

O principal representante desta corrente é o

economista Friedrich Von Hayek4. Considera que o

mercado funciona como um processo competitivo de

descoberta, processo que é colocado em movimento

pelo grande número de planos e atividades de

produtores e consumidores que estão inseridos na

divisão social do trabalho (Outhwaite, Bottomore,

1996).

Esta concepção aponta que o processo de

mercado é o resultado de todas as atividades de seus

participantes, não sendo, portanto, produto de um

único agente em particular. Na realidade, a expressão

do mercado é um produto involuntário das ações dos

indivíduos que são movidos pelos seus interesses.

Desse modo, para a Escola Austríaca, não existe o

equilíbrio de mercado, na medida em o mercado é

dinâmico e obedece aos acontecimentos que ele

mesmo produz.

Enfim, esta concepção considera que o mercado

é um processo espontâneo e ordenado e, ao mesmo

tempo, não está sob o controle de um agente central.

As crises que ocorrem no mercado são na realidade

conseqüências involuntárias da intervenção dos

governos (Outhwaite, Bottomore, 1996).

4 Friedrich August Von Hayek - Britânico de origem austríaca (1889-1992), era um defensor da corrente neoliberal e crítico, portanto, do pensamento keynesiano, sendo contra a intervenção do Estado na economia. Procurou explicar as crises cíclicas de superprodução, dando destaque ao papel dos fatores bancários no processo recessivo. Pela sua importância para o cenário econômico, ganhou, em 1974, o ‘Nobel de Economia’, juntamente com outro economista Gunnar Myrdal. As suas principais obras fora do campo econômico foram O caminho da servidão (anos 40), Os fundamentos da liberdade (anos 50) e Direito, Legislação e Liberdade (anos 60/70). www.insitutoliberal.org.br. Acesso em 25 de fevereiro de 2007.

Quer

saber mais?

Segundo a WIKIPÉDIA, A Escola Austríaca é uma corrente do pensamento econômico que defende uma menor intervenção do Estado na economia, tendo como base o princípio de que quanto menor essa intervenção, maior a eficiência econômica e, conseqüentemente, maior o bem-estar e liberdade dos indivíduos que compõe uma sociedade.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 110

A VISÃO KEYNESIANA

A escola de pensamento econômico keynesiana

keynesiana tem sua origem no livro escrito, em 1936,

1936, pelo economista Keynes5, "Teoria Geral do

Emprego, do Juro e da Moeda". Rapidamente, muitos

muitos economistas se "converteram" à nova escola, o

que foi chamado de revolução keynesiana.

A escola keynesiana se fundamenta no princípio

de que o ciclo econômico não é auto-regulador como

pensavam os neoclássicos, uma vez que é determinado

pelo "espírito animal" dos empresários. É por esse

motivo e pela ineficiência do sistema capitalista em

empregar todos que querem trabalhar que Keynes

defende a intervenção do Estado na economia6.

Modelos de mercado e os tipos de

concorrência

Para além de uma definição do mercado, sob a

perspectiva das escolas econômicas, Viceconti e Neves

(2002) constroem um sistema classificatório em torno

do mercado através de um maior ou menor grau de

5 John Maynard Keynes - Nasceu em Londres, é um economista que elaborou uma ampla teoria econômica para salvar o capitalismo da depressão em que se encontrava no início da década de 30 do século passado. De 1930 até 1936, ele publicou uma série de artigos e livros. O mais famoso deles foi Teoria geral do emprego, do juro e da moeda procurando mobilizar seus colegas economistas e influenciar os políticos para que seguissem sua receita. Keynes considerava que a crise decorria do fato de os empresários recusarem a investir na medida em que não viam nenhuma perspectiva de retorno lucrativo no que aplicassem. O investimento, pois, dependia sempre das expectativas futuras. O capitalista, para decidir-se, tinha que levar em conta a evolução e o comportamento do mercado, quanto pagaria de salário, e qual seria o preço das matérias-primas necessárias à produção. Havendo sérias dúvidas a respeito, ele optava por não correr o risco. Era preferível guardar o dinheiro, entesourá-lo. A falta de investimento agravava as lutas sociais e as greves e as ameaças revolucionárias. Keynes defendeu o crescimento do consumo, uma baixa taxa de juros, o crescimento dos investimentos públicos, medidas que reconheciam como importante a intervenção do Estado. Nas circunstâncias da década de 30 do século passado, caracterizada pela falta de demanda efetiva, Keynes pregou a necessidade de o Estado tomar para si as rédeas da arrancada. Caberia ao Estado, já que o mercado por si só não o fazia, assumir a função da demanda. Ao encomendar grandes obras públicas, ao estimular determinados projetos de infra-estrutura, o Estado fazia com que o setor privado voltasse a ter vida. Tais investimentos tinham, também, um impacto social imediato na medida em que ampliavam os níveis de emprego. Estas medidas possibilitavam o crescimento. A poupança dos capitalistas, entesourada, voltava a ser aplicada. As engrenagens econômicas voltavam, então, a girar e saía-se da crise, porque se restabelecia a confiança no futuro e com isso retomavam-se os investimentos. É evidente que havia um custo. O estado era obrigado a recorrer ao déficit público e a uma moderada inflação, mas era um preço módico para sair-se da depressão. http://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/crise_economia6.htm. Acesso em 27 de fevereiro. 6 http://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_keynesiana. Acesso em 25 de fevereiro de 2007.

Importante

A concorrência perfeita se refere a uma situação onde nenhuma empresa e nenhum consumidor têm suficiente poder para que possa influenciar o preço de mercado.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 111

concorrência. Consideram que o mercado seria o local

onde se encontram os vendedores e compradores de

determinados bens e serviços. Acrescentam, contudo,

que, antigamente, a palavra mercado tinha uma

conotação basicamente territorial, na medida em que

os avanços tecnológicos constantes nas comunicações

permitem que haja transações econômicas até sem

contato físico entre o comprador e o vendedor, tais

como nas vendas via Internet.

CONCORRÊNCIA PERFEITA

A concepção de concorrência perfeita é um

estado de mercado idealizado e não real, se

constituindo muito mais em um modelo do que

encontrado de modo pleno na realidade social. Tem as

seguintes características: existência de um grande

número de pequenos vendedores e compradores; o

produto transacionado é homogêneo; há livre entrada e

saída de empresas no mercado; perfeita transparência,

ou seja, perfeito conhecimento, pelos compradores e

vendedores, de tudo o que ocorre no mercado; perfeita

mobilidade dos recursos produtivos (Viceconti e Neves,

2002).

O monopólio se constitui em um mercado

caracterizado pela existência de um único vendedor. O

monopólio pode ser legal ou técnico. Legal: até 1995, a

Petrobras, a Embratel possuíam, respectivamente, por

lei, o monopólio das atividades de extração e refino do

petróleo e de telefonia.

Técnico: Quando é mais viável ter uma única

empresa em função da escala que um determinado

setor exige. Exemplo: setor de geração e distribuição

de energia (VICECONTI E NEVES, 2002).

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 112

Oligopólio

Já o oligopólio é uma espécie de mercado em

que existe um pequeno número de vendedores ou em

que, apesar de existir um grande número de

vendedores, uma pequena parcela destes domina a

maior parte do mercado. Exemplos: setores

automobilístico e de bebidas (VICECONTI E NEVES,

2002).

Monopsônio

O monopsônio é um mercado em que há

apenas um único comprador. Exemplo: um mercado

em que há um grande número de produtores de leite e

apenas uma grande usina onde este leite pode ser

pasteurizado. A usina, então, impõe o preço do leite.

Oligopsônio

No oligopsônio, o mercado caracterizado pela

existência de um pequeno número de compradores ou,

ainda, em que, embora, haja um grande número de

compradores, uma pequena parte destes é responsável

por uma parcela bastante expressiva das compras

ocorridas no mercado. Exemplo: o setor automobilístico

que é responsável pela compras no setor de autopeças.

Concorrência monopolística

A concorrência monopolística é um tipo de

mercado que, apesar de haver um número

relativamente grande de produtores, cada um deles

exerce uma função monopolista porque o seu produto é

diferenciado dos demais. Ex.: lojas de confecções que

atendem classes sociais diferentes.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 113

O SENTIDO DA REGULAÇÃO NO CONTEXTO

RECENTE DA SOCIEDADE BRASILEIRA

No presente momento, apresentaremos e

contextualizaremos a regulação no contexto social

brasileiro, tendo como ponto de partida as análises de

Grijo (2001) e de Pires e Piccinini (1999) que abordam

não apenas a definição da regulação, mas seus efeitos

sobre os setores de infra-estrutura na sociedade

brasileira.

De acordo com o Vocabulário Jurídico (Silva,

2002, p. 694), a “Regulação. De regular, do latim

regulare (dispor, ordenar), designa uma série de atos e

formalidades, pelos quais se dispõe ou se ordena o

modo de ser ou a forma para execução de alguma

coisa. É, assim, a ordenação ou regração das condições

impostas para realização ou execução de alguma coisa.

E neste sentido, exprime a mesma significação de

regulamentação”.

O referido dicionário ao traduzir a concepção de

regular aponta que o termo se origina do latim

regulares, de regula (regra), em sentido jurídico, quer

exprimir legislar ou estabelecer nova ordem jurídica,

mediante instituição de regras ou princípios

disciplinadores dos fatos ou das coisas. Desse modo,

em sentido amplo, regular é disciplinar pela lei ou

submeter ao regime da lei, instituindo novo preceito ou

regra, ou estabelecendo outra regra ou preceito em

substituição ao existente.

Destacando os aspectos econômicos e levando

em consideração o caso brasileiro, Grijó (2001) destaca

que, na virada do milênio, o Brasil vivenciou, uma

intensa discussão em torno da privatização da

prestação de serviços públicos estratégicos ligados,

diretamente, à provisão da infra-estrutura e à

promoção do desenvolvimento do país. O processo veio

Importante

Um bom exemplo de regulação: De acordo com o portal do Ministério da Saúde, regulação é a ordenação do acesso aos serviços de assistência à saúde. Onde esta ordenação atua pelo lado da oferta, buscando otimizar os recursos assistenciais disponíveis, e pelo lado da demanda, buscando garantir a melhor alternativa assistencial face às necessidades de atenção e assistência à saúde da população.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 114

acompanhado de um lado pela venda e privatização de

setores estratégicos; e de outro pela constituição do

marco regulatório e das condições institucionais para a

prestação destes serviços pelos novos investidores

privados.

Para o autor, a criação das Agências

Reguladoras moldou um novo e acirrado debate em

torno do arranjo institucional da regulação,

competências, estruturas operacionais, composição dos

conselhos e formas de decisão, independência, captura

e limites da interferência estatal. Na esteira deste

debate, muitos aspectos técnicos que tomam assento

na teoria econômica passaram a ocupar o tempo das

autoridades reguladoras e pesquisadores no Brasil.

Na realidade, a regulação econômica tem

fundamento na ocorrência do que comumente é

denominado de imperfeições nos mercados, o que

impõe o objetivo de o Estado perseguir a eficiência

econômica segundo padrões atingíveis nos mercados

perfeitos. Os Estados Unidos e a Inglaterra são os

países que têm a maior tradição no que tange a

estabelecer políticas regulatórias e têm sido dados

como exemplos para implementação de políticas

regulatórias em outros países que têm buscado

privatizar setores estratégicos (Grijó, 2001).

Ao dar destaque, o autor faz uma breve revisão

do foco econômico:

A teoria econômica sustenta que indústrias atormentadas por falhas de mercado não têm êxito no objetivo da eficiência econômica, ao contrário dos mercados competitivos, que ofereceriam o marco ideal na obtenção da máxima satisfação social e do equilíbrio geral da economia. A eficiência econômica congrega os conceitos de eficiência alocativa, ou seja, preços aos níveis dos custos marginais, garantindo o

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 115

máximo de excedente do consumidor, e de eficiência produtiva, ou seja, plantas de custos médios mínimos, o que implica a adoção sistemática de técnicas e tecnologias que garantam os menores custo. (eficiência dinâmica)

Onde, por algum motivo, as forças de mercado não garantem a eficiência econômica, a intervenção do Estado, seja ele mesmo provendo os bens e serviços, ou por intermédio de regras e normas que restrinjam as escolhas dos agentes individuais e organizações, é necessária. As duas principais ocorrências que caracterizam as imperfeições nos mercados são o monopólio e as externalidades.

(Grijo, 2001)

O monopólio natural se origina da presença de

custos fixos e economias de escala ou de escopo muito

elevados, proporcionalmente ao tamanho do mercado

envolvido, limitando o número de firmas capazes de

atingir uma escala mínima eficiente de produção.

A regulação é entendida como a imposição, pelo

Poder Público, de restrições às escolhas dos agentes

econômicos, em mercados imperfeitos. A regulação

ativa afeta os mercados das Utilizeis através das

Agências Reguladoras, por intermédio de concessões,

administração tarifária, controle da qualidade e do

número de fornecedores, entre outros. A regulação

reativa atua em mercados concentrados, seja na

defesa da concorrência, seja na repressão de abusos

do poder econômico, através de órgãos como o CADE.

Nosso foco de interesse recai sobre a regulação

ativa dos mercados privados das utilidades públicas

(monopólios naturais), objeto de trabalho das Agências

Reguladoras. Os desafios do economista neste espectro

de atuação giram em torno dos macrobjetivos de:

Importante

A criação de agências reguladoras é o resultado direto do processo de retirada do Estado da economia. Sendo assim, o Governo cria órgãos para regular e fiscalizar os serviços prestados por empresas privadas que atuam na prestação de serviços.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 116

Proteger consumidores dos abusos do poder

de monopólio;

Proteger os investidores de possíveis

arbitrariedades da intervenção governamental;

Promover a eficiência econômica.

Para tanto, conta, principalmente, com os

instrumentos de controle dos preços, número de firmas,

além dos controles de qualidade e investimento.

Destes, o regime tarifário é, seguramente, o

instrumento de maior expressão na experiência e ação

reguladora internacional.

No que diz respeito à regulação tarifária, Grijó

(2001) destaca que não é assunto consensual e as

modalidades variam de país a país e conforme as

especificidades de cada setor regulado, orbitando em

torno de duas principais. A tarifação pelos custos de

produção ou taxa de retorno de longa tradição nos EUA,

Canadá e Japão consiste na aplicação de uma taxa de

retorno ao capital investido, adicionalmente aos custos

de produção. Este método oferece a garantia de um

retorno seguro ao empreendedor, o que se traduz em

redução de riscos no investimento.

A teoria da regulação, entretanto, evoluiu a

partir das revisões feitas por pesquisadores, na prática

das Agências de Regulação dos Estados Unidos. As

conclusões foram de que a regulação não estava, de

fato, associada à correção de falhas nos mercados e

que a ação regulatória era, pelo menos na década de

1960, pró-produtores, tendendo ao crescimento dos

lucros da indústria.

Estas evidências sustentaram o desenvolvimento

da Teoria da Captura que, embora tenha identificado

que legisladores e reguladores foram capturados pelas

indústrias, não conseguiu desenvolver um modelo

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 117

explicativo de como isto ocorre, uma vez que existem

outros conjuntos de interesses, tais como

consumidores, trabalhadores e políticos. A simples

presença de subsídios cruzados, beneficiando

segmentos específicos de consumidores, implica o

contraditório.

Grijó (2001) destaca que George Stigler,

utilizando as premissas de que o principal recurso do

Estado é a força e que os agentes são racionais em

suas escolhas para maximizar utilidades, trabalhou

com a hipótese de que a regulação é ofertada em

resposta à demanda por grupos de interesse atuando

para maximizar suas rendas. Peltzman introduz três

elementos cruciais: primeiro, que a legislação

regulatória redistribui riqueza; segundo, que o

regulador é movido pelo desejo de “permanecer em

seu negócio” e, por fim, que os grupos de interesses

competem no oferecimento de suporte político em

troca de legislações favoráveis.

O desenvolvimento do modelo conclui que há

uma tendência, nos processos regulatórios, de

beneficiar pequenos grupos com interesses fortes sobre

a regulação, em detrimento de grandes grupos com

fracos interesses, indicando, em vários casos, que

reguladores agem pró-produtores. Mesmo assim, em

decorrência das constantes pressões dos consumidores,

a política, em especial de preços, não atua na

maximização dos lucros das indústrias.

Conclui, ainda, que a regulação atua mais

provavelmente em mercados relativamente

competitivos e outros relativamente monopolistas,

porque é neste conjunto de indústrias que há maior

impacto no bem-estar de alguns grupos de interesses.

Finalmente, a regulação terá forte presença em

indústrias onde existam as, já citadas, falhas de

mercado (Grijó, 2001).

Dica de leitura

REZENDE, F. & DE PAULA, T. B. Infra-estrutura: Perspectivas de Reorganização; regulação, Brasília: IPEA, 1997.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 118

Os principais desafios econômicos que embalam

a prática regulatória no mundo passam, a partir de

agora, a provocar o corpo técnico das Agências de

Regulação que vêm se formando no Brasil. O papel

crucial que a provisão dos serviços públicos

desempenha frente à estrutura distributiva da renda

impõe novas questões. Em países periféricos, o acesso

aos serviços públicos não pode ser considerado como

um simples item da cesta de mercadorias, nem como

objeto da escolha racional do consumidor. De fato, é

uma necessidade do desenvolvimento econômico e de

um mínimo de qualidade de vida, muito embora muitos

não possuam solvência para seu consumo, na qualidade

e quantidade adequadas, se considerados os custos

reais de seu fornecimento pelos mercados privados.

Deve ser considerada a enorme diferença que há

entre as necessidades e os objetivos da regulação em

sociedades que já desfrutam da universalização dos

serviços, garantida por uma estrutura distributiva da

renda adequada, e em sociedades extremamente

dicotômicas, onde a estrutura da renda é um fator

impeditivo do consumo dos bens e serviços mais

essenciais, e os serviços públicos, em particular, não

são universalizados (Grijó, 2001).

A inserção do Brasil nas exigências balizadoras

da “nova economia globalizada” - a modificação do

padrão de intervenção do Estado na economia - trouxe,

no mercado das utilities tupiniquins, muito mais do que

a mera transferência de competências. Sem entrar na

discussão do processo, em si, das privatizações, o fato

é que elas acarretaram mudanças no status quo da

provisão dos serviços públicos conduzindo efeitos em

sua estrutura produtiva e tarifária, inserindo

mecanismos de competição e ganhos de produtividade,

além de incluir critérios de qualidade dos serviços

prestados.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 119

Em termos econômicos, significa alterar as

condições da eficiência produtiva, alocativa, distributiva

e dinâmica destes mercados, bem como na distribuição

de seus custos operacionais entre as categorias

econômicas, o que vale dizer que atua sobre o conflito

distributivo da renda no interior da economia.

Cabe, afirma Grijó (2001), perguntar: como

esta mudança institucional interferiu na estrutura

distributiva da renda no país? Que instrumentos a

regulação dispõe para garantir acesso a quem não tem

condições de participar dos mercados privados como

consumidor econômico e racional? Está o Fundo de

Universalização dos Serviços de Telecomunicações,

habilitado a garantir este direito da cidadania? Como

praticar ou substituir a antiga estrutura de subsídios

cruzados em mercados motivados pela concorrência?

Como impedir a drenagem de recursos privados para

setores com menor interferência regulatória e de

menor interesse social? Como garantir os

investimentos privados necessários para a antecipação

da demanda, frente ao projeto público de

desenvolvimento, sem ônus público? Os avanços

obtidos no modelo das telecomunicações são

suficientes? Como construir um controle social eficiente

para garantir a estabilidade do interesse público nos

mercados regulados?

Grijó (2001), finalmente, aponta que não abrir

mão da função que a provisão dos serviços públicos

tem na construção do desenvolvimento da economia

brasileira e da sociedade significa criar as relações

institucionais e sociais para tanto, bem como prover a

regulação de instrumentos que assegurem este

objetivo de forma transparente, pública e estável. A

transparência revela claridade de propósitos e acesso

das organizações sociais aos processos regulatórios.

Público representa o objetivo maior do bem-estar

Para refletir Você sabe o que quer dizer eficiência produtiva, alocativa, distributiva e dinâmica de mercado? Procure identificar estes conceitos, pois são de extrema importância para este curso.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 120

social, só alcançável quando os interesses podem ser

legitimamente representados, debatidos e expostos à

cidadania com democracia. Estabilidade significa

permitir a construção de relações maduras de condução

destes assuntos no interior das agências e, entre elas e

as demais esferas do poder público, assentadas na

qualificação técnica e no efetivo controle social.

De acordo com o artigo do BNDES intitulado “A

Regulação dos Setores de Infra-Estrutura no Brasil”7

(1999), de José Cláudio Linhares Pires e Maurício

Serrão Piccinini, a substituição do Estado pela iniciativa

privada na operação dos setores de infra-estrutura vem

exigindo o desenvolvimento de novos marcos

regulatórios para garantir os investimentos necessários,

promover o bem-estar dos consumidores e usuários e

aumentar a eficiência econômica.

De acordo com os autores, a reestruturação dos

setores de infra-estrutura no Brasil, como resultado da

substituição do Estado pela iniciativa privada na sua

operação, vem exigindo o desenvolvimento de novos

marcos regulatórios. Consideram, ainda, que a

regulação deve, fundamentalmente, ter como objetivos

centrais o incentivo e a garantia dos investimentos

necessários, a promoção do bem-estar dos

consumidores e usuários e o aumento da eficiência

econômica.

No caso brasileiro, os setores de infra-estrutura

foram dinamizados com forte papel do Estado e é

marcado por uma série de características econômicas

que os tornavam monopólios naturais8.

7 http://www.bndes.gov.br/conhecimento/livro/eco90_07.pdf. Acesso em 01 de março de 2007. 8

Monopólio natural: situação na qual uma única firma provê o mercado a um menor custo do que qualquer outra situação, dado um determinado nível de demanda, devido ao aproveitamento máximo das economias de escala e de escopo existentes.

Dica da professora

Resumo deste artigo: Este artigo analisa os principais aspectos da reestruturação do setor de telecomunicações no Brasil, com ênfase nos instrumentos regulatórios que visam, de forma concomitante, promover a competição nesse mercado e a universalização dos serviços. O objetivo do artigo é contribuir para um melhor entendimento dos desafios regulatórios impostos por um segmento de infra-estrutura em rápida transformação e de elevado dinamismo tecnológico.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 121

Os autores apontam, inicialmente, que a

desestatização dos setores de infra-estrutura deve vir

acompanhada por uma nova regulação que garanta o

dos seguintes objetivos:

Buscar a eficiência econômica, garantindo o

serviço ao menor custo para o usuário;

Evitar o abuso do poder de monopólio,

assegurando a menor diferença entre preços

e custos, de forma compatível com os níveis

desejados de qualidade do serviço;

Assegurar o serviço universal;

Assegurar a qualidade do serviço prestado;

Estabelecer canais para atender a

reclamações dos usuários ou consumidores

sobre a prestação dos serviços;

Estimular a inovação (identificar

oportunidades de novos serviços, remover

obstáculos e promover políticas de incentivo à

inovação);

Assegurar a padronização tecnológica e a

compatibilidade entre equipamentos;

Garantir a segurança e proteger o meio

ambiente.

Os autores alegam que uma série de fatores

criou condições para a modificação do regime

regulatório dos setores de infra-estrutura em prol de

um ambiente mais competitivo e desregulado,

potencializando aumentos de bem-estar e de eficiência

econômica.

Dentre esses fatores, pode-se destacar a presença de inovações tecnológicas que contribuíram para a redução da escala mínima necessária ao fornecimento de diversos serviços de infra-estrutura, aliada à pressão da demanda por maior customização de serviços. Esses fatores fizeram com

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 122

que as economias de diversificação, em determinados casos, passassem a ser mais significativas do que as economias de escala, viabilizando a entrada de novos agentes e de novos serviços.

(Pires e Piccinini, 1999)

Essas inovações ocorrem de forma distinta e

dependem da dinâmica tecnológica de cada um dos

diferentes setores de infra-estrutura. Em geral, esses

setores são compostos, na cadeira produtiva, por

segmentos com mercados potencialmente competitivos

e por segmentos de monopólio natural. Essas pressões

competitivas, aliadas à crise fiscal dos estados e à

perda de eficiência produtiva das empresas estatais,

levaram ao questionamento dos monopólios

fornecedores de serviços públicos. Concomitantemente,

a existência de ineficiências regulatórias no controle de

empresas privadas, em particular no caso dos Estados

Unidos, incentivou movimentos de reformulação das

práticas regulatórias. De maneira geral, sob a

regulação tradicional, foram fracos os efeitos dos

incentivos para a redução de custos e a inovação de

produtos nas empresas. Além disso, o processo

regulatório envolvia pesados custos orçamentários,

decisões ineficientes (rigidez e atraso decisórios) e

aumento do risco de captura das agências reguladoras

pelas firmas.

Os autores destacam duas tendências referentes

à regulação. A primeira diz respeito à introdução de

mecanismos de incentivos para encorajar as

operadoras ou segmentos que ainda permanecem como

monopólios naturais a atingir objetivos similares aos

observáveis em situação de competição nos mercados.

A segunda tendência é uma forma de intervenção

regulatória indireta, por meio do estímulo e do

monitoramento de uma estrutura competitiva para a

indústria, visando criar o ambiente mais neutro possível

para todos os agentes.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 123

Consideram que, para que uma regulação seja

eficaz, é recomendável que se disponha de diversos

instrumentos, entre os quais se destacam os seguintes:

Agências independentes;

Controle da entrada e saída do mercado, por

intermédio da concessão de licenças para as

operadoras, quando for o caso;

Defesa da concorrência definição do valor e

do critério de revisão de reajuste tarifário,

com a introdução de mecanismos de

eficiência;

Monitoramento dos contratos de concessão

(particularmente no que concerne à qualidade

do serviço e ao cumprimento de metas de

expansão dos serviços e de universalização

do atendimento) (Pires, Piccinini, 1999).

No que diz respeito à necessidade de Agências

Independentes, a configuração das agências

regulatórias passa a ter papel decisivo para o sucesso

das políticas de reestruturação dos setores de infra-

estrutura. Tendo em vista os novos desafios

regulatórios em um contexto de questionamento dos

monopólios naturais, de privatização e de progressiva

introdução da competição. De um lado, o aumento da

complexidade da indústria, com a entrada da iniciativa

privada, requer que as agências tenham total

independência, tanto em relação ao governo quanto no

que diz respeito aos demais agentes do setor. Esse

aspecto é fundamental para que o regulador possa

cumprir sua missão pública de defesa do bem-estar dos

consumidores e tenha autoridade suficiente para fazer

a arbitragem de conflitos entre acionistas,

consumidores, empresas e governo, sem correr o risco

de ser questionado por recursos administrativos de

outras instâncias do Poder Executivo. Essa

independência é função, inclusive, da autonomia de

Importante

As agências reguladoras independentes representa a segunda onda regulatória, após o processo de privatizações e desestatizações, e tem por características as preocupações com o controle político, responsividade social e legitimidade democrática.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 124

recursos financeiros da agência, o que só é possível

caso suas receitas sejam compostas por recursos

orçamentários próprios, provenientes, em geral, da

outorga de concessões e de taxas cobradas pela

fiscalização das atividades das firmas reguladas. De

outro lado, a diretoria deve ser estável para viabilizar

sua independência decisória. Isso só ocorre com a

estabilidade de seus dirigentes.

Consideram que a introdução da concorrência e

o cumprimento das metas de universalização dos

serviços só poderão ocorrer, de fato, com a existência

de um órgão regulador que tenha força e independência

necessárias para impor políticas. Nesse sentido não

devem estar submetidos ao risco de demissão por

questões relacionadas, inclusive, à discordância do

governo quanto ao encaminhamento de políticas

voltadas para a implementação das diretrizes gerais da

missão regulatória (Pires e Piccinini, 1999).

Pires e Piccinini (1999) apontam, também, que a

agência deve ser suficientemente especializada para

reduzir, ao máximo, as assimetrias de informação pró-

produtores e os riscos de captura e para dar

legitimidade à ação regulatória. Nesse sentido, as

agências devem ter capacitação técnica e poderes

suficientes para regular uma série de questões

complexas que exigem, muitas vezes, o exercício do

poder de arbitragem.

De outro modo, consideram, assim como afirma

Grijo (2001) que a transparência é fundamental para se

garantir a legitimidade social à atuação independente

da agência. Nesse sentido, asseveram que ela deve

assegurar, por meio de estruturas estatutárias e

mecanismos práticos, a maior quantidade possível de

canais de comunicação com os consumidores e seus

órgãos de representação, de forma a obter uma visão

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 125

pluralista e balanceada dos pontos de vista específicos

dos grupos de interesse. Para auxiliar essa tarefa, a

agência deve utilizar a prática usual de elaboração de

consultas públicas, em audiências prévias às tomadas

de decisões e com a publicação de documentos

preliminares para a apreciação dos interessados (Pires

e Piccinini, 1999).

Ao tratarem das funções e as atribuições das

agências apontam que devem ser estáveis e bem

definidas por mecanismos estatutários e por regras

estabelecidas pelo Congresso. Isso possibilitará, entre

outras coisas, dois efeitos importantes: a redução dos

riscos dos investidores em relação a possíveis atos

discricionários do poder concedente e o aumento da

capacidade de fiscalização efetiva pelos consumidores

no tocante ao cumprimento da missão regulatória pelo

regulador; particularmente, os contratos de concessão.

Instrumento mais importante da relação entre o

regulador, a firma e os consumidores, devem impor,

com clareza, os direitos e obrigações de cada uma das

partes envolvidas. Complementarmente, o marco

regulatório deve prever câmaras de arbitragem para

dirimir conflitos entre os diferentes agentes.

Outro aspecto de controle social desejável é a

obrigatoriedade de aprovação de balanços anuais das

atividades da agência para apreciação pelo Congresso,

bem como a necessidade de existência de processos de

auditoria, para que haja controle social sobre a agência

(Pires e Piccinini, 1999).

No que tange ao Controle de Entrada e Saída,

apontam que a criação de barreiras institucionais à

entrada e à saída do mercado, por meio de contratos

de concessão, torna-se necessária para garantir a

eficiência produtiva, situação na qual uma firma

monopolista pode explorar as economias de escala e

produzir ao menor custo possível. Ao mesmo tempo,

Leitura Complementar

BINENBJM, Gustavo. As Agências Reguladoras Independentes e Democracia no Brasil. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, n° 3, ago-set-out, 2005.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 126

esses contratos devem estipular prazos para a

concessão e disciplinar a saída dos investidores, criando

mecanismos que evitem prejuízos aos consumidores

com uma eventual desistência operacional da firma

monopolista.

Em particular, a necessidade da constituição de

barreiras institucionais à entrada fica bem evidenciada

a partir da argumentação da teoria dos mercados

contestáveis. Segundo essa teoria, no caso de

diferenciação de produtos, existe a possibilidade da

entrada efetiva de novas firmas em segmentos de

operação de uma firma sob regime de monopólio

natural. Nesse caso, a prática de subsídios cruzados por

uma firma multiproduto pode resultar em uma situação

de cream skimming, isto é, na criação de oportunidade

de entrada de uma nova firma que atuaria apenas na

oferta dos serviços mais rentáveis do setor, a preços

mais baixos que a empresa incumbente. Logo, caso o

regulador opte pela manutenção dos subsídios

cruzados, inviabilizando a sustentabilidade do mercado,

a proibição legal de entrada de novas firmas torna-se

necessária para a manutenção do monopólio natural.

Cabe ao regulador avaliar o potencial competitivo de

cada segmento específico de infra-estrutura, a fim de

se decidir pela concessão de licenças exclusivas ou não

nas áreas de operação das firmas, desenhando as

condições institucionais mais eficientes para o setor,

levando-se em conta os aspectos tecnológicos e de

estrutura de custos existente, bem como o grau de

economias de escala e de escopo. (Pires e Piccinini,

1999).

A regulação da Concorrência tem papel

importante no período de transição de um ambiente

monopolista para outro competitivo, devido às fortes

assimetrias entre as empresas incumbentes e as

entrantes. As políticas regulatórias a serem traçadas

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 127

nesse período devem incluir aspectos relacionados ao

estímulo à criação de um ambiente competitivo.

As novas políticas regulatórias assumem a

forma de uma intervenção mais indireta, através do

monitoramento de uma estrutura competitiva para a

indústria, visando criar o ambiente mais neutro

possível para todos os agentes.

Consideram, entretanto, que, nesse novo

contexto, aumenta-se a complexidade regulatória,

tendo em vista a necessidade de o regulador avaliar

cuidadosamente a oportunidade de flexibilização dos

controles de preços, para que isso não ocorra antes do

tempo necessário ao desenvolvimento de um ambiente

competitivo, vindo, assim, a prejudicar os

consumidores.

Num ambiente de competição crescente e de

entrada de novos atores nos setores de infra-estrutura,

existem duas questões regulatórias-chave: a regulação

do acesso e o controle e acompanhamento do processo

de concentração de mercado (fusões e aquisições).

(Pires e Piccinini, 1999).

Em relação à regulação do acesso, trata-se de

requisito essencial para todos os competidores, tendo

em vista a existência de bottleneck, isto é, o controle

exclusivo do acesso aos usuários finais, por parte da(s)

firma(s) incumbente(s). A existência dessa vantagem

competitiva das firmas incumbentes nos setores de

infra-estrutura levou ao desenvolvimento de três linhas

básicas de ação regulatória, que devem ser

encaminhadas de forma inter-relacionada, objetivando

incentivar a competição e reduzir a discriminação do

acesso contra os entrantes: a garantia de igualdade de

acesso, a separação estrutural (unbundling) e a

regulamentação do preço de interconexão.

Quer

saber mais?

Existe um grupo de professores e pesquisadores chamado de GRUPO DE REGULAÇÃO DA CONCORRÊNCIA da UFRJ que visa desenvolver pesquisas nas áreas de políticas de defesa da concorrência e regulação de setores de infra-estrutura no Brasil.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 128

Para garantir a igualdade de acesso, o regulador

deve dispor de instrumentos adequados, de modo a

evitar práticas discriminatórias contra os entrantes,

através de preços ou de outras formas não-pecuniárias

(má qualidade de interconexão, por exemplo). Por sua

vez, a separação estrutural entre os segmentos

competitivos e monopolistas busca eliminar as práticas

de subsídios cruzados, além da própria discriminação

do acesso por parte do monopolista. Por fim, a

regulamentação dos preços de interconexão deve

ocorrer por meio do poder de arbitragem do órgão

regulador sempre que houver litígio entre as partes

interessadas no estabelecimento de acordos de

interconexão. O novo ambiente de mercado da maioria

dos setores de infra-estrutura, com a entrada de novos

agentes e o aumento de competição, exige a

incorporação de novos instrumentos regulatórios de

defesa da concorrência e de controle do poder de

mercado, aliados aos mecanismos regulatórios

tradicionais (definição de tarifas, controle da entrada e

saída e monitoramento dos contratos de concessão)

(Pires e Piccinini, 1999).

Esses novos desafios requerem a articulação

entre órgãos reguladores setoriais e entidades de

regulação antitruste, como o Conselho Administrativo

de Defesa Econômica (CADE), para o adequado

acompanhamento e a fiscalização dos acordos de

mercado, das aquisições acionárias e dos eventuais

abusos de poder de monopólio, visando à criação do

ambiente mais competitivo possível.

Pires e Piccinini (1991) acrescentam que a

definição tarifária é um mecanismo regulatório muito

importante para a garantia do funcionamento eficiente

do mercado, quando existem barreiras à entrada. Os

grandes desafios para a escolha do regime tarifário

adequado são, em primeiro lugar, garantir,

Para pensar Já foi recomendado que você tentasse identificar estes conceitos de eficiência alocativa, distributiva e produtiva. Então, qual foi o resultado? É possível definir por conta própria? Desenvolva por escrito.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 129

simultaneamente, preços baixos e elevados níveis de

produção; em segundo, resolver as tensões entre as

eficiências alocativas, distributiva e produtiva; e, em

terceiro, introduzir mecanismos de indução à eficiência

dinâmica. No caso dos setores de infra-estrutura, a

tensão existente entre as eficiências alocativa e

produtiva deve-se ao fato de o preço ótimo, definido sob

o ponto de vista da eficiência alocativa (preços iguais

aos custos marginais), trazer prejuízos à firma, ao

remunerar apenas os custos variáveis, comprometendo

a eficiência produtiva. Uma alternativa a essa situação

seria a transferência de subsídios diretos à firma para

cobrir essa diferença de custos. Mesmo assim,

permaneceria o problema da assimetria de informação

com relação à estrutura de custos das empresas, o que

pode vir a comprometer o alcance das eficiências

produtiva e distributiva (Pires e Piccinini, 1999).

A prática regulatória desenvolveu uma série de

regras tarifárias, com destaque para a tradicional

regulação da taxa interna de retorno das empresas

operadoras. Esse critério tarifário buscava atingir a

eficiência distributiva através da igualação entre custos

e receitas, objetivando extrair lucros extras da firma

monopolista. Entretanto, esse método não trouxe

incentivos para a firma minimizar custos, tendo gerado

ineficiência produtiva, em face da remuneração

garantida dos investimentos e do repasse de custos

desnecessários para os consumidores.

As críticas quanto ao método tarifário de

regulação pela taxa interna de retorno levaram à

introdução de inovações tarifárias a partir dos anos 80,

como uma tentativa de estimular a redução de custo

através do esforço empresarial, inclusive por meio do

investimento em inovações tecnológicas, com

conseqüente aumento da produtividade, mesmo que

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 130

essas medidas possam sacrificar, temporariamente, a

eficiência alocativa.

Merece destaque o desenvolvimento do

mecanismo price cap, que visa estabelecer,

fundamentalmente, estímulos à eficiência produtiva a

partir da definição, pelo regulador, de um preço-teto

para os preços médios ou de cada produto da firma,

corrigido de acordo com a evolução de um índice de

preços aos consumidores e subtraído de um percentual

equivalente a um fator de produtividade, para um

período prefixado de anos (Pires e Piccinini, 1999).

O objetivo dos reguladores ao adotar esse

mecanismo é reduzir os riscos e custos da ação

reguladora, dispensando, entre outras coisas, controles

que necessitem de informações custosas, como no caso

do critério pela taxa interna de retorno. O price cap é

visto como um método tarifário simples e transparente

que pode proporcionar o maior grau de liberdade de

gestão possível para as empresas em regime de

monopólio natural, além de estimular ganhos de

produtividade e sua transferência para os consumidores

(Pires e Piccinini, 1999).

Além do price cap, outro mecanismo regulatório

que busca introduzir mecanismos de incentivo para as

firmas monopolistas é o yardstick competition. Trata-se

de uma forma de regulação, também conhecida como

regulação de desempenho, adotada nos casos de

monopólio natural. Esse instrumento procura estimular

a redução de custos entre as empresas, reduzir as

assimetrias de informação existentes e estimular maior

eficiência econômica.

Por esse método, o regulador estabelece

padrões de avaliação do desempenho das firmas que

são utilizados na avaliação de custos e preços. Esse

Dica da professora

Resumo do artigo de Pires e Piccinini: A substituição do Estado pela iniciativa privada na operação dos setores de infra-estrutura vem exigindo o desenvolvimento de novos marcos regulatórios para garantir os investimentos necessários, promover o bem-estar dos consumidores e usuários e aumentar a eficiência econômica. Este artigo discute os principais instrumentos regulatórios necessários à consecução desses objetivos, além de apresentar um panorama do atual quadro brasileiro e seus principais desafios.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 131

mecanismo é adotado para a comparação entre firmas

de um mesmo setor que constituam monopólios

regionais semelhantes. A remuneração de uma firma é

definida comparando-se o seu desempenho ao de

outras empresas do setor, em conformidade com os

padrões estabelecidos, o que faz com que ela seja

sensível aos custos e comportamentos de suas

congêneres. Como o regulador é prejudicado pelas

grandes assimetrias de informação em relação às

firmas, a adoção da regulação por comparação torna-se

mais efetiva do que aquela feita para cada firma

individualmente.

Adicionalmente a esses instrumentos, é

necessário adotar o monitoramento dos contratos de

concessão para a adequada fiscalização da qualidade

dos serviços prestados, do cumprimento dos planos de

investimento e das metas de universalização dos

serviços (Pires e Piccinini, 1999).

Esse acompanhamento do esforço das firmas é

complexo e envolve custos regulatórios, em muitos

casos elevados, embora tenha a vantagem de auxiliar o

regulador na revisão e definição das tarifas. O ideal é

que os contratos de concessão definam metas de

desempenho e códigos de conduta para o atendimento

dos usuários, estabelecendo multas e penalidades para

possíveis falhas na prestação dos serviços e pelo não-

cumprimento das metas estipuladas, nos contratos de

concessão.

Os autores enumeram os seguintes maiores

desafios para a regulação dos setores de infra-

estrutura no Brasil, tendo como base os setores de

telecomunicações, energia elétrica e petróleo e gás

natural.

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 132

No setor de telecomunicações, a privatização foi

precedida da montagem de um detalhado modelo

institucional, com destaque para a Lei Geral das

Telecomunicações, Lei 4.972/96, que estabeleceu os

princípios do novo modelo institucional do setor,

incluindo a criação de uma agência reguladora

independente e com grande autonomia, a Agência

Nacional de Telecomunicações (Anatel). Já no setor

elétrico, o processo de privatização iniciou-se de forma

paralela ao estabelecimento do aparato regulatório e

das regras setoriais, tendo sido criada a Agência

Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

No setor de petróleo e gás natural, a lei que

regulamentou o fim do monopólio da Petrobrás e

disciplinou a entrada da iniciativa privada também criou

a Agência Nacional do Petróleo (ANP). O segmento

downstream da indústria de gás natural, apesar das

perspectivas de expansão dos investimentos, ainda não

tem um marco regulatório adequadamente

desenvolvido (Pires e Piccinini, 1999).

O setor de transportes, por sua vez, tem a

presença de diversas concessionárias privadas em seus

diferentes segmentos. Entretanto, a regulamentação,

principalmente nos âmbitos estadual e municipal, é

bastante precária e, no nível federal, ainda não foram

constituídas agências reguladoras independentes.

Considerações Finais

A presente aula destacou não apenas as

definições conceituais acerca da dinâmica mercado e

regulação, tomando como base as relações entre o

Estado e Mercado.

Inicialmente, descrevemos as diversas visões

não apenas econômicas, mas também ideológicas de

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 133

diversos autores e/ou pensadores acerca de como

consideram que devem se estabelecer as relações entre

o papel do Estado e do Mercado (visão marxista,

neoclássica, keynesiana e da escola austríaca de

economia representada por Hayeck).

No momento seguinte, foram apresentados os

diversos tipos que estruturam o mercado sob a

perspectiva de maior ou menor concorrência

(Concorrência Perfeita, Oligopólio, Monopsônio,

Oligopsônio, Concorrência Monopolística).

Por fim, apresentamos dois grandes argumentos

acerca das implicações da política regulatória. O

primeiro destacando o papel do Estado - embora refeito

- como essencial para o bom funcionamento de uma

determinada economia. Enquanto a segunda

abordagem - produzida pelo BNDES - sinalizou com

destaque a importância de uma gestão técnica das

agências reguladoras.

Esperamos que, ao longo do presente estudo,

você tenha tido a oportunidade de refletir acerca das

referidas questões e que estas possam auxiliá-lo no

processo de tomada de decisão em suas atividades

profissionais e nos seus futuros empreendimentos.

RESUMO

Vimos até agora:

O pensamento econômico neoclássico tornou-

se hegemônico no campo da ciência

econômica até ao aparecimento da crise de

1929 e da obra de Keynes que busca explicar

a falha macroeconômica do mercado, aliando

programas monetários e fiscais juntamente

com planejamento;

Dica do professor

Bem, chegamos ao final desta aula. Vamos lá, só falta mais uma aula para terminar a disciplina de Economia e Mercado. Continue firme em suas leituras!

Aula 6 | Modelos de regulação de mercado 134

Na Escola Austríaca não existe o equilíbrio de

mercado, na medida em o mercado é

dinâmico e obedece aos acontecimentos que

ele mesmo produz. Esta concepção considera

que o mercado é um processo espontâneo e

ordenado e, ao mesmo tempo, não está sob o

controle de um agente central;

A escola keynesiana se fundamenta no

princípio de que o ciclo econômico não é

auto-regulador como pensavam os

neoclássicos, uma vez que é determinado

pelo "espírito animal" dos empresários. É por

esse motivo, e pela ineficiência do sistema

capitalista em empregar todos que querem

trabalhar que Keynes defende a intervenção

do Estado na economia;

A concepção de Concorrência perfeita é um

estado de mercado idealizado e não real, se

constituindo muito mais em um modelo do

que encontrado de modo pleno na realidade

social, tendo características específicas;

A regulação da Concorrência tem papel

importante no período de transição de um

ambiente monopolista para outro competitivo,

devido às fortes assimetrias entre as

empresas incumbentes e as entrantes. As

políticas regulatórias a serem traçadas nesse

período devem incluir aspectos relacionados

ao estímulo à criação de um ambiente

competitivo.

135

Agências Reguladoras Koffi Amoudou

AU

LA7

Apr

esen

taçã

o

Esta aula se propõe a fazer uma análise sobre as características que envolvem as agências reguladoras no Brasil, tais como sua função e natureza jurídica. Destaca que a regulação exercida pelas agências possui papel fundamental no cumprimento das políticas determinadas pelo Estado, além disto, expõe e discute princípios e a competência das agências reguladoras. Finaliza-se a aula com um estudo de caso.

Obj

etiv

os

Esperamos que, após o estudo do conteúdo desta aula, você seja capaz de:

Abordar conceitos e definições de agências reguladoras, e seu

papel social; Destacar os princípios da função regulatória: da legalidade, da

autonomia e da imparcialidade; Conhecer a natureza jurídica das agências reguladoras, que

devem intervir no domínio público e fiscalizar a prestação de serviços públicos.

Aula 7 | Agências Reguladoras 137

Introdução

Ao Estado brasileiro, constitucionalmente, cabe

o dever de fornecer serviços básicos de sobrevivência,

tais como a educação e a saúde à população; bem

como o de alguns serviços públicos, a saber, o sistema

de telefonia, o sistema de energia elétrica, entre

outros. Estes serviços a priori tinham como objetivo,

além do lucro necessário para se manter e arrecadar

impostos, a visão social do ramo, já que à população

carente era facultada a oportunidade de utilizar os

serviços através de tarifas reduzidas.

Através dos avanços tecnológicos ocorridos nos

últimos anos e com o sucateamento inegável de alguns

setores da economia pública, nos deparamos com o

ideal de privatização, que é utilizado em todo o mundo

moderno. Este instituto jurídico, no Brasil,

praticamente começou a ser utilizado mais largamente

a partir do Governo Collor, que se auto-intitulava

neoliberal.

A privatização tem como principal fim a

prestação de serviço que, em sua essência, seria

público por uma concessionária privada, que possui um

capital de investimento alto, visto que em sua grande

maioria pertencem a grupos econômicos com

abrangência em vários mercados mundiais. Esses

serviços de natureza pública não são passados em

definitivo para a iniciativa privada, mas sim pelo

instituto da concessão, dada a importância da boa

prestação das necessidades fundamentais da

população.

O Estado, por sua vez, fica com a

responsabilidade de regular e fiscalizar tais

fornecimentos de serviços.

Aula 7 | Agências Reguladoras 138

Com este modelo de descentralização, aliado à

flexibilização dos monopólios estatais e a redução de

barreiras à entrada de capital estrangeiro no país,

surgiram grandes grupos econômicos com interesse em

explorar atividades que outrora eram de exclusiva

função do Estado como os serviços públicos

anteriormente mencionados.

Sendo os serviços mencionados de

responsabilidade, em última análise, do Estado, pois se

traduzem em serviços essenciais ao bem comum, foram

criadas, para sua segurança e controle, Agências

Reguladoras cuja função é ditar as normas de condução

entre os agentes envolvidos, ou seja, o Poder Público, o

prestador dos serviços e os usuários.

Desta forma, esta aula se propõe a fazer uma

análise sobre as características que envolvem as

agências reguladoras no Brasil, tais como sua função e

natureza jurídica.

Conceitos e definições de agências

reguladoras

Inquestionável se faz o fato de que hoje em dia,

em alguns segmentos da economia, a prestação dos

serviços como telefonia, energia, rodovias, entre

outras, torna-se mais eficaz por grupos que possuem

capital para investimentos vultuosos, já que é destes

negócios que lhe provém seu lucro.

A partir desse contexto, surgiram as seguintes

problemáticas: a quem cabe a fiscalização desses

serviços? Como deve ser formado esse órgão de

fiscalização?

Como proceder em relação ao controle das

agências reguladoras e qual seu papel principal?

Você sabia?

As agências reguladoras são órgãos criados pelo Governo para regular e fiscalizar os serviços prestados por empresas privadas que atuam na prestação de serviços que, em sua essência, seriam públicos.

Aula 7 | Agências Reguladoras 139

Como estes serviços são de relevante valor

social, e que primordialmente cabia ao Estado seu

fornecimento, sua fiscalização deve ser feita através de

algum órgão que se manifeste imparcial em relação aos

interesses do Estado, da concessionária e dos

consumidores.

Por outro lado, a cobrança das taxas dos

serviços e a má prestação deste por parte da

concessionária deve ser fiscalizada também. Por fim, os

interesses dos consumidores não devem sobrepor-se

aos interesses da prestadora, pois se assim fosse, não

restaria margem alguma de lucro para nenhuma

concessionária, já que o interesse social é o da

prestação de serviços de alta qualidade com preços

baixos.

Urge ressaltar que temos uma sociedade cada

vez mais exigente com o mercado, decorrente da maior

informação em relação aos seus direitos. Tal fato pode

ser comprovado nos cartórios dos Juizados Especiais,

com os elevados números de processos ajuizados que

têm no pólo passivo essas concessionárias.

PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO REGULATÓRIA

A regulação exercida pelas agências possui

papel fundamental no cumprimento das políticas

determinadas pelo Estado, sua função é gerencial

(técnica) e de controle sobre os entes regulados.

O conceito de regulação, embora controvertido

quanto a sua extensão, é único em delimitar como

sendo a intervenção estatal junto a setores privados,

conjunta ou isoladamente, para impor normas de

conduta que visem obrigá-los a atingir o bem estar da

comunidade.

Importante

A função regulatória é essencial para a eficiência do processo de desestatização, pois na maioria das vezes trata-se de processo complexo que são realizados mediante contratos de longo prazo. Isso faz com que ocorram mudanças inesperadas no curso do contrato, que deve ser adaptado à nova realidade mediante o julgamento isento dos princípios que o norteiam.

Aula 7 | Agências Reguladoras 140

A ação da regulação varia de acordo com o

modelo do Estado que a desenvolve (intervencionista

ou regulador), porém deve sempre ter em mente o

mercado a ser regulado, os princípios da autonomia e

da especialidade, a transição dos monopólios e,

principalmente, o interesse público.

PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Em respeito ao princípio da legalidade, o

instrumento regulatório deve ser determinado por lei, o

que se denomina "marco regulatório", que pode ser

definido como "o conjunto de regras, orientações,

medidas de controle e valoração que possibilitam o

exercício do controle social de atividades de serviços

públicos, gerido por um ente regulador que deve poder

operar todas as medidas e indicações necessárias ao

ordenamento do mercado e à gestão eficiente do

serviço público concedido, mantendo, entretanto, um

grau significativo de flexibilidade que permita a

adequação às diferentes circunstâncias que se

configuram.

Até o início da execução do programa de

desestatização, o Brasil contava apenas com regulações

o Banco Central do Brasil, do Conselho Administrativo

de Defesa Econômica e da manutenção de estoques

produtivos, tais regulações eram realizadas

basicamente com o aumento ou diminuição de impostos

para beneficiar este ou aquele setor, com o controle de

fusões e incorporações, e com a venda de produtos no

mercado interno para o controle da elevação de seus

preços.

Após a instituição do programa, em 1997, foram

criadas a ANATEL (Agência Nacional de

Telecomunicações), a ANP (Agência Nacional do

Petróleo) e a ANEEL (Agência Nacional de Energia

Importante

Deve sempre ser preservado o objetivo de harmonizar os interesses do consumidor, como preço e qualidade, com os do fornecedor, como a viabilidade econômica de sua atividade comercial, como forma de perpetuar o atendimento aos interesses da sociedade.

Aula 7 | Agências Reguladoras 141

Elétrica), todas elas para a regulação e o controle de

atividades até então exercidas pelo Estado como

monopólio.

A Lei de Concessão dos serviços públicos cuidou

de proteger os usuários de tais serviços, assegurando-

lhes o direito de receber do poder concedente e da

concessionária todas as informações necessárias para a

defesa dos interesses individuais e coletivos, o direito

de denunciar as irregularidades que venha a tomar

conhecimento, e o de formar comissões e conselhos

para a fiscalização dos serviços prestados.

PRINCÍPIO DE AUTONOMIA

As agências reguladoras, que são dotadas de

autonomia política, financeira, normativa e de gestão,

adotaram o modelo de formar conselhos compostos por

profissionais altamente especializados em suas áreas,

com independência em relação ao Estado, e com

poderes de mediação, arbitragem e de traçar diretrizes

e normas, com o objetivo de adaptar os contratos de

longo prazo realizados a eventuais acontecimentos

imprevisíveis no ato de sua lavratura. Elas são

autarquias em regime especiais.

A criação das agências especializadas vem

ocorrendo nas esferas federais e estaduais, sendo a

primeira formada com o objetivo de regular os serviços

de rede de larga escala e os de interesse nacional e a

segunda competente para regular todos os serviços

concedidos ou permitidos pelos estados membros e

municípios, para a melhor adaptação às realidades

regionais.

A autonomia e independência concedidas às

agências reguladoras são fundamentais para que as

mesmas possam exercer adequadamente suas funções,

uma vez que o maior bem jurídico sob tutela é o

Você sabia?

A outorga aos entes privados, do direito de explorar atividade essencialmente pública, se deu através da Lei de Concessões dos serviços públicos, que regula a concessão destes serviços até então exercidos pelo Estado.

Dica do professor

Devem-se criar mecanismos que possibilitem a autonomia financeira pela arrecadação de taxas de fiscalização previamente estipuladas nos contratos de concessões, bem como seus membros devem ser brasileiros idôneos e possuir profundo conhecimento técnico e jurídico sobre a atividade regulada.

Aula 7 | Agências Reguladoras 142

interesse comum, não podendo estar sujeita às

constantes intempéries políticas.

Contudo, embora as agências reguladoras

gozem de autonomia política, estrutural e financeira,

elas permanecem sujeitas ao crivo do Poder Judiciário,

pois em respeito ao princípio da jurisdição una, todo

ente público ou privado que se sentir lesionado em seu

direito, ou tê-lo ameaçado, poderá socorrer-se ao

judiciário, para que suas alegações e direitos sejam

juridicamente apreciados.

Há quem defenda a aplicação de limitações nos

moldes ocorridos na Lei de Arbitragem, para o deslinde

das demandas entre as concessionárias e entes

públicos ou privados, devendo funcionar as agências

reguladoras como árbitros incontestes, contudo, tal

aplicação arbitral somente pode ser possível, após o

amadurecimento das funções regulatórias, para que as

agências gerem a confiabilidade necessária a merecer

tal poder, tanto ao poder concedente quanto às

concessionárias e consumidores, caso contrário geraria

desconfiança que não se pode admitir em relações

desse nível.

PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE

Em relação à formação do órgão de fiscalização,

acreditamos que sua característica principal é a

imparcialidade, que se dá através da independência

político-administrativa, financeira e funcional. Não

podemos aceitar a idéia de um órgão fiscalizador de um

grande grupo empresarial sobreviver, por exemplo,

com seus cargos principais ocupados todos por

indicações do poder executivo, sendo o que ocorre

atualmente no governo de Lula. Abordando como

exemplo a ANEEL (Agência Nacional de Energia

Elétrica), temos que a nomeação da diretoria deste

Importante

Em última análise, a função primordial das Agências Reguladoras é compatibilizar a qualidade do serviço prestado com a tarifa a ser paga, tais elementos devem ser equivalentes e atender os anseios da sociedade, equacionando o serviço desejável com o preço que se dispõe a pagar. Tal preço deve ser justo para ser baixo ao consumidor e garantir adequada taxa de retorno ao capital investido.

Aula 7 | Agências Reguladoras 143

órgão é feita através da nomeação do Presidente da

República, mediante prévia aprovação do Senado

Federal (CF, art. 52, III, “F”). Fica a dúvida da atuação

imparcial deste órgão dentro deste modelo imposto,

limitação esta, político-financeira. Há também o fato da

limitação funcional que se traduz na necessidade de

autorização de um poder estatal (legislativo ou

executivo) para se poder contratar um funcionário. E,

ainda, o fato da limitação orçamentária; ora como

fiscalizar uma série de aparelhos de última geração sem

que esta fiscalização possa se dar no mesmo nível

tecnológico.

PRINCÍPIO DE CONTROLE DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS

Sobre o controle das agências reguladoras, em

nosso entendimento, este deve ser feito de três

maneiras. Em primeiro plano, a fiscalização deve ser a

contábil. Como as agências reguladoras devem possuir

independência fiscal, cabe ao Tribunal de Contas

fiscalizar tais agências, afinal sua atividade provém de

verbas públicas. A fiscalização em relação às atividades

prestadas à população deve ser feita pelo Ministério

Público que carrega em sua alma a defesa dos

interesses sociais. E, por fim, cabe apreciação pelo

poder judiciário dos atos que as agências reguladoras

praticam, pois, sem esta, estaríamos excluindo um dos

princípios do Estado democrático de direito.

NATUREZA JURÍDICA DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS

As agências reguladoras são pessoas jurídicas

de direito público, classificadas como autarquias de

natureza especial Tal natureza é essencial para que

desempenhem efetivamente seu papel, que consiste

em intervir no domínio econômico e fiscalizar a

Importante

Por ter natureza autárquica, com todas as independências estruturais anteriormente explicitadas, as agências reguladoras devem ser constituídas através de lei, e por representar opção discricionária de descentralização de certa função, a mencionada lei é de iniciativa exclusiva do Poder Executivo.

Aula 7 | Agências Reguladoras 144

prestação de serviços públicos, ou seja, deveres

específicos do Estado.

Sendo a atividade econômica instrumento para a

obtenção do desenvolvimento pelo qual deve haver a

criação de emprego, o respeito, a dignidade e o bem-

estar de todos, o Estado está legitimado para atuar em

face da livre iniciativa, quando o interesse coletivo

público assim exigir, ou seja, as agências reguladoras

executam ações que podem implicar a restrição da

liberdade empresarial em prol do interesse coletivo.

Da mesma forma, deve-se proceder em caso de

extinção das agências reguladoras, ou seja, por

iniciativa do Executivo, o Legislativo deve votar a

extinção ou não da agência em questão.

Entretanto, caso a extinção de uma agência

reguladora implique transferir para o Estado o dever de

regular a matéria até então por ela realizada, o

particular que mantinha com a agência extinta contrato

de concessão poderá pleitear alterações ou até mesmo

sua extinção com base na teoria da imprevisão.

Tal possibilidade se dá pelo fato de que, através

do contrato firmado, o particular adquiriu o direito de

ter política de regulação independente, fato modificado

pela extinção da agência e pelo papel regulador

exercido doravante pelo Estado.

Com isso, se busca atender o princípio da

segurança jurídica, evitando os aumentos dos riscos

econômicos que causariam a diminuição dos

investimentos nos setores de regulação independente,

gerando serviços caros e de má qualidade.

Aula 7 | Agências Reguladoras 145

COMPETÊNCIAS DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Embora muitas agências reguladoras exerçam o

papel de poder concedente, estabelecendo as

condições de transferência do serviço estatal para a

iniciativa privada, sua função básica é exercida

posteriormente, regulando, fiscalizando, mediando, e

arbitrando os conflitos dentro de suas respectivas áreas

de atuação.

Existem, contudo, várias situações de conflito de

competência entre os poderes Federal, Estadual e

Municipal, bem como entre diversas agências

especializadas, que dependerão de intervenção externa

para a solução do problema.

Assim, existindo conflito de competência entre

agências reguladoras da mesma esfera de poder, da

Federação, a solução deve dar-se no exercício do poder

hierárquico do administrador. Contudo, se o conflito

ocorrer entre entidades de unidades distintas da

Federação, o problema deverá ser apresentado ao

Supremo Tribunal Federal para a apreciação e a

imposição da solução jurídica.

Não raro, as partes envolvidas em complexos

contratos de concessão divergem sobre a interpretação

de uma cláusula ou na adaptação do contrato existente

a mudanças externas ocorridas, que influenciam o

contrato aventado; neste caso, a agência reguladora

deve intervir impondo a interpretação ou a adaptação

que julgar correta.

Contudo, também não raro, as agências

reguladoras assumem o papel de poder concedente,

hipótese em que se torna extremamente

desconfortável ao investidor que ela atue como parte e

julgadora ao mesmo tempo.

Você sabia?

A lei de concessões dos serviços públicos prevê a possibilidade de composição acerca de matérias até então controvertidas, que podem ser amigavelmente solucionadas; contudo, são aquelas cuja solução amigável se torna inviável que aqui devemos nos ater.

Aula 7 | Agências Reguladoras 146

Embora haja grande discussão acerca da

aplicabilidade do arbitramento no âmbito das agências

reguladoras, pois a lei de arbitragem exclui de sua

abrangência os contratos administrativos, nos parece

mais acertado o posicionamento defendido por Diogo

de Figueiredo Moreira Neto, que toma como base o

voto do Ministro Godoy Ilha, onde se sustenta que,

restringir o juízo arbitral do Estado, é restringir-lhe sua

própria autonomia contratual e sua capacidade de

prevenir litígios pela via do pacto de compromisso, o

que somente se aceita quando o Estado age como

Poder Público, pois só não se admite a transação

quando os direitos são indisponíveis.

Portanto, mesmo no caso onde as agências

reguladoras exerçam o papel de poder concedente, é

possível o uso da arbitragem, uma vez que, em última

instância, as agências apenas representam poder

concedente, que é exercido pelo Estado.

Assim, as controvérsias advindas do contrato de

concessão devem seqüencialmente passar pela

mediação, pela conciliação e pela arbitragem, que

merece aplicação no direito administrativo.

Exemplos

Compete especialmente à ANEEL:

Implementar as políticas e diretrizes do

governo federal para a exploração da energia

elétrica e o aproveitamento dos potenciais

hidráulicos, expedindo os atos

regulamentares necessários ao cumprimento

das normas estabelecidas pela lei nº

9.074/95;

Importante

Uma das características mais importantes das agências reguladoras, como anteriormente demonstrado, é o papel da arbitragem nos conflitos oriundos do contrato de concessão.

Aula 7 | Agências Reguladoras 147

Promover as licitações destinadas à

contratação de concessionárias de serviço

público para produção, transmissão e

distribuição de energia elétrica e para a

outorga de concessão para aproveitamento de

potenciais hidráulicos;

Definir o aproveitamento ótimo do qual

tratam os § 2º e 3º do art. 5º da lei nº

9.074/95;

Celebrar e gerir os contratos de concessão ou

de permissão de serviços públicos de energia

elétrica, de concessão de uso de bem público,

expedir as autorizações, bem como fiscalizar,

diretamente ou mediante convênios com

órgãos estaduais, as concessões e a

prestação dos serviços de energia elétrica;

Dirimir, no âmbito administrativo, as

divergências entre concessionárias,

permissionárias, autorizadas, produtores

independentes e autoprodutores, bem como

entre esses agentes e seus consumidores;

Fixar critérios para o cálculo do preço de

transporte de que trata o §6º do art. 15 da lei

nº 9.074/95, e arbitrar seus valores nos

casos de negociação frustrada entre os

agentes envolvidos;

Estabelecer, com vistas a propiciar a

concorrência efetiva entre os agentes e a

impedir a concentração econômica nos

serviços e atividades de energia elétrica,

restrições, limites ou condições para

empresas, grupos empresariais e acionistas

quanto à obtenção e transferência de

concessões, permissões e autorizações, à

concentração societária e à realização de

negócios entre si;

Zelar pelo cumprimento da legislação de

defesa da concorrência, monitorando e

Aula 7 | Agências Reguladoras 148

acompanhando as práticas de mercado dos

agentes do setor de energia elétrica, na

forma a ser estabelecida em regulamento;

Fixar multas administrativas a serem

impostas aos concessionários,

permissionários e autorizados de instalações

e serviços de energia elétrica, observado o

limite, por infração, de 2% do faturamento,

ou do valor estimado da energia produzida nos

casos de autoprodução e produção

independente, correspondente aos últimos 12

meses anteriores à lavratura do auto de

infração.

ESTRUTURA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Conforme anteriormente demonstrado, a

principal característica das agências reguladoras é a

autonomia, que se concretiza pelo mandato fixo de

seus dirigentes, que não devem coincidir entre si, pela

captação da receita própria, pela isenção das regras

salariais do setor público, e pelo período de transição

por que devem passar seus dirigentes.

As leis que instituíram as agências reguladoras

prescrevem processos singulares para a nomeação de

seus dirigentes, processos distintos daqueles

expressamente elencados pelo art. 37 da Constituição

Federal.

Para a consagração da legitimidade da diretoria

das agências, seus membros devem ser indicados pelo

Chefe do Poder Executivo, devendo ser aprovados pelo

Poder Legislativo, oportunidade em que serão

nomeados com mandato fixo.

Questiona-se a validade jurídica do mandato

com prazo fixo, sob a alegação de que havendo

Dica do professor

As agências reguladoras são compostas por um conselho diretor, com cinco membros, secretaria executiva, câmaras técnicas especializadas e uma unidade fiscalizadora das relações mantidas entre usuários e concessionários, que deve funcionar como instância superior dos serviços de ouvidoria das concessionárias.

Importante

Se os requisitos legais são a indicação pelo Chefe do Poder Executivo, a aprovação política pelo Poder Legislativo, a reputação ilibada do profissional e a notória especialização no setor regulado, não poderá haver perda do cargo, salvo nos casos previstos em lei.

Aula 7 | Agências Reguladoras 149

concurso trata-se de cargo de confiança, sendo

demissível ad nutum. Contudo, insurge-se em defesa

da constitucionalidade da norma, trazendo o contido no

art. 37, I, da Constituição Federal, que prevê acesso

aos cargos públicos de todos que preencham os

requisitos legais.

Outros sim, não se tratam, os dirigentes das

agências, de agentes administrativos sobre os quais a

vigência dos outros incisos do art. 37 da Constituição

Federal se impõe, mas sim de agentes políticos que se

submetem aos critérios definidos em leis, que limita,

por conseguinte, a liberdade do administrador na sua

exoneração.

A lei mencionada deve ser de iniciativa do Poder

Executivo, não podendo ser emendada pelo Legislativo,

sob pena de inconstitucionalidade.

Tal lei deve determinar que os dirigentes não

mantenham, durante o mandato ou sua quarentena,

vínculo com o poder concedente, concessionárias ou

associação de usuários de bens públicos, devendo ser

licenciados sem remuneração, sob pena de ser mantido

o vínculo e a potencialidade de interferência da fonte

pagadora.

Outra possibilidade de extinção dos mandatos

dos dirigentes das agências ocorre no caso de sua

extinção, pois os mesmos não gozam de direito

adquirido para o exercício do cargo para o qual foram

nomeados.

Tal garantia de mandato é fundamental para

assegurar aos dirigentes das agências a autonomia e a

independência necessária para lhes permitir julgar com

imparcialidade, até mesmo contra interesses políticos

ou econômicos, o que configura a essência da política

Importante

Os dirigentes somente devem perder seus cargos se cometerem falta grave, devidamente apurada em processo administrativo ou judicial, em que sejam assegurados os princípios da ampla defesa e do contraditório, tal fato advém da segurança jurídica que deve ser aplicada aos investimentos envolvidos e à autonomia das agências.

Aula 7 | Agências Reguladoras 150

regulatória e fortalece a segurança jurídica dos

investimentos.

Nesse diapasão, as agências reguladoras devem

ser estruturadas de maneira que, com facilidade,

possam adaptar-se às evoluções contínuas do mercado

que regula. Seu quadro de funcionários deve ser

integrado por poucos servidores altamente qualificados,

buscando no mercado, através de contratação de

serviços terceirizados, os técnicos necessários para a

solução de problemas específicos, podendo manter,

assim, seu quadro sempre coeso e atualizado.

RECEITA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Outro item fundamental para a garantia da

autonomia das agências reguladoras, e a independência

financeira, que ocorre através de mecanismo de

atribuição de receita, sem que o recurso tenha que

passar pelo erário público.

Para atingir tal objetivo, foi instituída taxa de

regulação devida pelo concessionário diretamente à

agência reguladora competente, taxa esta que tem

relação direta com o proveito financeiro obtido com a

concessão. Assim, as agências não dependem de

verbas orçamentárias para seu custeio.

Tal taxa de regulação trata-se de prestação

pecuniária obrigatória, instituída por lei e cobrada

mediante atividade administrativa vinculada, que não

constitui sanção por ato ilícito.

Existem entendimentos que a qualificam como

tributo, pois tem como base de cálculo a receita

auferida pela concessionária, sendo tal base de cálculo

típica de impostos e imprópria para a fixação de taxas,

e adviria do dever de serem ressarcidos os valores

Importante

A taxa de regulação tem natureza contratual, pois é do contrato de concessão de serviços firmado entre o poder concedente e a concessionária que se origina a cobrança de tal taxa, que é fixada como forma de contrapartida para contratação da concessão.

Aula 7 | Agências Reguladoras 151

gatos pela administração pública na fiscalização da

prestação dos serviços concedidos.

Contudo, entendemos não prevalecer tal

entendimento pelo fato de não existir serviço público

prestado, que é realizado pelo concessionário, e por

não configurar obrigatoriedade pelo exercício do poder

de polícia, pois não existe lei determinando tal

cobrança.

Trata-se de pagamento contratualmente

estipulado para que o controle dos serviços concedidos

seja exercido, autonomamente, como determina a

legislação, o que é de interesse não somente do poder

concedente como também do concessionário, pois

assegura a mencionada segurança jurídica dos

investimentos.

Oriundas de tais taxas contratuais, as receitas

auferidas pelas agências reguladoras constituem fundo

gerido com autonomia financeira, não se confundindo

com as demais receitas orçamentárias, sendo

reconduzido à dotação orçamentária da agência no

exercício subseqüente, caso não tenha sido totalmente

utilizado no exercício em curso.

Exemplo ANP (Agência Nacional de

Petróleo)

Constituem receitas da ANP:

As dotações consignadas no Orçamento Geral

da União, créditos especiais, transferências e

repasses que lhe forem conferidos;

Parcela das participações governamentais em

bônus de assinatura e participações especiais,

de acordo com as necessidades operacionais

da ANP, consignadas no orçamento aprovado;

Importante

É importante considerar que há segmentos de atividades em que o serviço público é prestado de forma monopolística - como, por exemplo, na área da eletricidade–, exigindo, muitas vezes, da ação regulatória uma verdadeira simulação das condições de uma concorrência perfeita ao mesmo tempo em que deve adotar mecanismos para estimular a eficiência, a competição e a concorrência, a eficiência na prestação de serviços e a alocação adequada dos investimentos.

Aula 7 | Agências Reguladoras 152

Os recursos provenientes de convênios,

acordos ou contratos celebrados com

entidades, organismos ou empresas,

excetuados os referidos no item anterior;

As doações, legados, subvenções e outros

recursos que lhe forem destinados;

O produto dos emolumentos, taxas e multas

previstos na legislação específica;

Os valores apurados na venda ou locação dos

bens móveis e imóveis de sua propriedade;

Os valores decorrentes da venda de dados e

informações técnicas, inclusive para fins de

licitação, excluído, porém, o acervo técnico

constituído pelos dados e informações sobre

as bacias sedimentares brasileiras.

ESPECIALIZAÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Outro aspecto relevante diz respeito à

especialização do ente regulador, ou seja, a criação de

uma agência para cada atividade, ou a criação de um

único órgão para a regulação e fiscalização dos serviços

públicos concedidos, dividido em departamentos

específicos para cada um dos setores de atividades.

Com efeito, há uma grande diversidade de

serviços públicos, em vários segmentos de atividades

econômicas, com características diferenciadas de

demanda, de investimento, de tecnologia como, por

exemplo, água, eletricidade, telecomunicações,

rodovias, gás, petróleo.

Constata-se em outros países a tendência pela

especialização. No exemplo argentino, cada uma das

entidades regulatórias tem a sua competência

regulamentarmente delimitada de acordo com o

princípio da especialidade, conforme esteja voltada aos

segmentos de gás, eletricidade e água, para citar os

Aula 7 | Agências Reguladoras 153

mais relevantes. Entre esses fins, estão arrolados não

só os relacionados à proteção dos usuários, mas,

também, outros, dirigidos à regulação do mercado e

incentivos a determinadas atividades.

Nos EUA, também se observa a existência de

agências reguladoras especializadas: a Interstate

Commerce Comission (ICC) regula os setores de

ferrovias, transporte de carga e abastecimento de

água; a Federal Communication Comission (FCC), os

segmentos de telefonia, radiodifusão e de TV a cabo; a

Federal Energy Regulatory Comission (FERC), as áreas

de energia elétrica, gás natural e petróleo.

A preocupação com a regulação dos monopólios

naturais é evidenciada nos Estados Unidos, tanto no

âmbito das agências reguladoras federais como das

estaduais. Na organização da indústria do gás natural,

nos Estados Unidos, observa-se que as instituições de

direito público ocupam um lugar de destaque para a

regulação (regulation) de diferentes indústrias de rede,

estruturando-se em nível estadual, por meio de

diferentes public comissions, que funcionam com

elevado grau de autonomia com relação à

administração federal.

Sob outro ângulo, a concepção dos novos entes

reguladores deverá observar os cuidados necessários,

de modo a evitar o excessivo intervencionismo estatal,

que acaba por impedir a formação de um mercado

competitivo, estimulador da eficiência das empresas

prestadoras de serviços.

Para que se possa alcançar esse resultado, é

essencial que as entidades reguladoras sejam dotadas

de estruturas de gestão aptas a conjugar o exercício

das funções de atribuição do poder concedente com a

harmonia necessária às relações entre este, a

Aula 7 | Agências Reguladoras 154

concessionária e os usuários, por meio de canais

decisórios abertos, abrangendo as audiências públicas,

mas não se limitando a realizar as mesmas, e devendo

encontrar outras formas de diálogo com a sociedade.

FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS

As agências reguladoras são autarquias

especiais, assim definidas por suas características

peculiares, devendo, contudo, obedecer a todos os

ditames legais impingidos aos entes públicos, como os

processos licitatórios e os contratos administrativos.

Assim, as agências reguladoras estão sujeitas às

normas gerais de licitação, tanto para suas atividades

fim como para as instrumentais, sendo, em ambos os

casos, seus contratos considerados como contratos

administrativos regidos pelo direito público.

Como não existe definição precisa de normas

gerais de licitação, algumas agências reguladoras

adotam procedimento licitatório distinto dos contidos na

lei 8.666/93, sem que, contudo, se caracterize a

inconstitucionalidade do mesmo, pois os princípios

gerais mantêm-se respeitados.

Salientamos que o controle exercido pelos

Tribunais de Contas restringem-se à gestão dos

recursos financeiros, não podendo ser exercido em

nenhuma outra atividade das agências reguladoras.

Os demais atos das agências que não

constituam gestão de recursos sofrem o controle

externo do Poder Judiciário, quanto a sua legalidade ou

abuso, devido ao mencionado controle jurisdicional da

administração pública.

Importante

Como pessoa jurídica integrante da administração pública, os contratos realizados e o controle financeiro das agências reguladoras ficam a cargo dos Tribunais de Contas competentes que, anualmente, devem apreciar os balanços, contratos, e todas as atividades realizadas pelas agências.

Aula 7 | Agências Reguladoras 155

Assim, por força do princípio da jurisdição una,

as decisões administrativas tomadas pelas agências

reguladoras submetem-se à apreciação do judiciário.

Não se deve confundir, contudo, o controle

externo exercido pelo Poder Judiciário, com a

interferência direta do mencionado Poder nos juízos

privativos da entidade legalmente competente para a

fiscalização e regulação de setores da economia.

Tal interferência somente deve ocorrer para que

se evite atos de ilegalidade exercidos pelas entidades

em questão.

PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DAS AGÊNCIAS

REGULADORAS

O processo administrativo, no âmbito das

agências reguladoras, embora não conste

expressamente nas leis de sua criação, não sofre

qualquer prejuízo prático, posto que os principais

princípios do processo, como a ampla defesa e o

contraditório estão consagrados pela Constituição

Federal, e os procedimentos administrativos não

necessitam dos mesmos rigores impostos aos judiciais.

Tendo como princípio de desenvolvimento do

processo administrativo a legalidade, a finalidade, a

proporcionalidade, a razoabilidade, a ampla defesa, a

moralidade, a motivação, a segurança jurídica, o

contraditório, e o interesse coletivo, as agências

reguladoras devem assegurar transparência a seus

atos, julgando seus processos em sessões públicas.

DIREITO COMPARADO

O sistema regulatório é amplamente exercido

em âmbito mundial, nos mais diversos setores da

Quer saber mais?

Ademais, existe lei federal estabelecendo as normas básicas dos processos administrativos no âmbito da administração pública direta e indireta, o que deve ser aplicado subsidiariamente no caso de agências estaduais ou municipais. Caso esteja interessado, procure se informar na procuradoria do seu Estado ou município.

Aula 7 | Agências Reguladoras 156

economia, em alguns lugares, como na Inglaterra,

tomam-se modelos mais centralizadores, em que as

agências reguladoras atuam não apenas como agentes

de fiscalização dos produtos e serviços concedidos, mas

também como organismos normativos e orientadores

da ação das concessionárias.

As agências inglesas não estão necessariamente

vinculadas ao governo, e possuem autonomia ampla

para a tomada de decisões e a realização de estudos

para o aprimoramento do processo de ordenamento do

sistema de concessões.

Por outro lado, as agências francesas adotam

um modelo mais descentralizado, onde os contratos de

concessões eliminam os controles administrativos e

burocráticos do Estado, que passa a acompanhar os

resultados atingidos, e compará-los às metas

anteriormente pactuadas.

No caso específico do setor de energia elétrica, a

Agência Nacional e Energia Elétrica sofreu grande

influência da agência argentina, denominada Entes

Reguladores de Eletricidade – Argentina.

A agência reguladora da Argentina simula a

existência de um competidor no mercado de energia,

determina o preço e a qualidade do produto e previne a

prática de abuso de posição dominante.

Pelo princípio do livre acesso, os grandes

consumidores de energia podem comprá-la no

mercado, princípio também adotado no Brasil com a

instituição do Mercado Atacadista de Energia.

No Brasil, as ações das empresas são

controladas pela Comissão de Valores Mobiliários e as

fusões pelo Conselho Administrativo de Defesa

Dica do professor

Nos moldes atualmente realizados no Brasil, a geração de energia opera em mercado de concorrência e não possui característica de serviço público, sofrendo os mesmos controles de preços do mercado comum, por outro lado os distribuidores de energia têm a obrigação de distribuir a totalidade da energia demandada, o que obriga a uma política de investimentos constantes e um adequado sistema de fixação comercial do preço pela oferta e procura.

Você sabia?

No Brasil, as ações das empresas são controladas pela Comissão de Valores Mobiliários e as fusões pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica; em ambos os casos, a intervenção do Estado ocorre de maneira semelhante.

Aula 7 | Agências Reguladoras 157

Econômica; em ambos os casos, a intervenção do

Estado ocorre de maneira semelhante.

Na Argentina, as ações das empresas que

transportam ou distribuem energia devem ser

nominativas e não endossáveis, e as fusões devem ser

autorizadas pelo órgão regulador competente, existe

também o controle sobre os acionistas das empresas

para que um mesmo acionista não exerça o controle

em mais de uma empresa.

O período anterior à transformação do mercado

também era semelhante, pois a totalidade das

atividades no setor de energia era exercida pelo

Estado, de maneira inadequada, gerando déficit, e

confusão entre a atividade reguladora e a gestão

empresarial, o que gerou a incapacidade técnica de

atender a expansão do setor.

Em ambos os casos, o setor de energia foi

segmentado em geração, transporte, e distribuição,

para que posteriormente as empresas estatais fossem

privatizadas quando, então, instituiu-se marco

regulatório para a atividade.

O órgão regulador possui as funções de ditar

normas de procedimento técnico, de segurança, de

medição e faturamento, qualidade, interrupção e

reconexão, entre outras também aplicadas no Brasil.

Considerações finais

É de suma importância a presença das agências

reguladoras no atual sistema político adotado em nosso

país, pois as agências reguladoras possuem como

objetivos principais a maneira de regular as

concessionárias, a fiscalização, a estipulação de multas,

Importante

A participação de usuários ocorre através de associações que possuem atuação junto à diretoria do órgão regulador, cuja participação é assegurada pela Constituição, na maioria das vezes, através de audiências públicas.

Aula 7 | Agências Reguladoras 158

bem como a cassação da concessão, caso as metas não

sejam cumpridas.

Vale salientar que, por se tratar de serviços de

natureza pública, as agências têm o dever de zelar pelo

bom funcionamento das concessionárias, resguardando

dessa forma um serviço que pertence à sociedade.

Quanto ao papel das agências reguladoras

diante da sociedade, é imprecendível que a função

essencial das agências reguladoras das concessionárias

é a de fiscalização dos serviços prestados. Essa

fiscalização depende, também, de autorização

legislativa, para não se confrontar com o princípio da

legalidade. Nesta autorização legislativa, até porque se

faz difícil descrever todos os fatos de lide possíveis,

deve-se dar à agência reguladora uma margem de

atuação, um caminho a ser seguido por ela, seus

principais objetivos. Decaindo desta forma as idéias de

que, se as agências reguladoras fiscalizassem

automaticamente, estaria violando o princípio

constitucional da legalidade.

Outro ponto fundamental é o da tutela dos

interesses dos hipossuficientes em relação aos agentes

econômicos cada vez mais fortes. Sobre o tema,

achamos que as agências reguladoras devem atuar se

manifestando através de advertências, quando as

concessionárias estiverem em desconformidade com

seus objetivos, sanando os problemas de imediato e,

em casos mais graves, devem tomar a atitude de

estipular multas diárias para as concessionárias que

estiverem violando direitos.

O Estado, verificando sua incapacidade de

prover, de modo plausível, todas as necessidades da

coletividade, com as necessárias adaptações às

constantes mudanças ocorridas no mercado econômico,

achou por bem transferir tal responsabilidade ao setor

Aula 7 | Agências Reguladoras 159

privado, que sempre mostrou-se competente para a

realização deste tipo de tarefa.

Contudo, para conter os abusos do poder

econômico e manter a qualidade e os preços dos

serviços prestados, foram criadas, pelo poder público,

agências reguladoras para controlar e fiscalizar a

atividade pública a ser realizada por companhias

privadas.

Tal alternativa vem se mostrando a mais

correta, pois descentraliza os deveres estatais,

diminuindo a máquina administrativa do Estado,

permitindo com que ele possa concentrar-se nas

atividades primordialmente sociais.

Cumpre salientar que tais concessões não

limitam os poderes estratégicos do Estado, seja em

que setor for, pois as atividades privadas devem

obedecer aos limites impostos pelo setor público e, por

tratar-se de contratos de concessão, o mesmo pode ser

cassado quando ocorridos certos fatores que devem

estar devidamente demonstrados no instrumento

mencionado.

Outrossim, o Estado deixou de arcar com os

custos de ineficiência das empresas que geria,

passando a usufruir dos impostos recolhidos pelas

concessionárias de cada setor.

Portanto, o sistema de regulação adotado no

Brasil nos parece correto e eficiente, sendo certo que o

modo como é estruturado o torna capaz de gerir com

propriedade os setores que regula.

Aula 7 | Agências Reguladoras 160

ESTUDO DE CASO

Governo decide manter modelo de agências

reguladoras

Kennedy Alencar, da Folha de São Paulo, em

Brasília. O governo Luiz Inácio Lula da Silva apresenta

nesta semana ao Congresso um projeto com diretrizes

para as agências reguladoras que elimina a

possibilidade de revisão radical de suas atribuições. É

uma espécie de "mea culpa" em relação a declarações

do próprio presidente que assustaram investidores, a

conflitos entre ministros e até mesmo a rusgas entre

autoridades do governo e das agências.

A Folha teve acesso ao documento "Análise e

Avaliação do Papel das Agências Regulatórias".

Elaborado pela cúpula do governo, o texto norteará o

projeto que será enviado ao Congresso, bem como as

diretrizes específicas para cada agência. A proposta

mantém o respeito aos atuais contratos com as

empresas. Inova ao falar de criação de "instrumentos

de controle social". E, para tentar eliminar conflitos

entre ministérios e agências, diz que "a

responsabilidade por formulação de política é do

governo".

O documento aponta como objetivo a criação de

uma "estrutura institucional sólida do marco regulatório

[como é chamado o conjunto de diretrizes e regras do

setor das agências] para criar um clima favorável ao

investimento privado no Brasil, principalmente em

infra-estrutura, eletricidade, transporte e saneamento".

De acordo com o documento, outro objetivo

fundamental é tentar garantir "oferta de serviços

públicos em quantidade suficiente e qualidade

adequada ao menor preço possível".

Aula 7 | Agências Reguladoras 161

Aperfeiçoamento

Em resumo: a principal novidade é que não há

uma novidade que signifique reviravolta no modelo de

agências. No documento, está dito com todas as letras

que "a regulamentação econômica pode e deve ser

constantemente aperfeiçoada, desde que respeitados

os contratos".

Não é pouco, dado que o próprio presidente Lula

chegou a dizer, no início de sua gestão, que "o Brasil

havia sido terceirizado" - uma crítica a um suposto

exagero na autonomia das agências e que foi

interpretada pelo mercado e classe política como sinal

de que poderia haver uma revisão radical do modelo

criado no governo Fernando Henrique Cardoso.

Na área de Comunicações, por exemplo, o

ministro Miro Teixeira bateu de frente contra a Anatel

(Agência Nacional de Telecomunicações) e se envolveu

numa batalha para tentar barrar o reajuste das tarifas

de telefonia pelo IGP-DI. A decisão foi parar na Justiça,

que chegou a determinar a mudança do indexador para

o IPCA.

A proposta fala da "importância das agências

regulatórias para proteger as próprias empresas de

uma avaliação do governo que altere as condições

contratuais de concessão".

Afirma que, se houver mudança, serão

respeitados o "princípio da não-coincidência [do

mandato dos diretores das agências, como é hoje] com

o mandato presidencial". E diz que não "serão

alterados os mandatos dos atuais".

Mas propõe que, no futuro, seja unificada a

duração dos mandatos dos diretores das agências, para

Aula 7 | Agências Reguladoras 162

que comecem e terminem simultaneamente, o que não

ocorre atualmente.

Segundo o documento, "o papel da agência é

implementar as políticas de governo e fiscalizar o

funcionamento do mercado. Por isso, é adequado e

essencial manter os mandatos fixos dos dirigentes".

Hoje, o governo escolhe um diretor, cuja indicação

precisa ser aprovada pelo Senado.

A Folha teve acesso ao documento na quinta-

feira. No dia seguinte, em entrevista ao jornal, o

ministro José Dirceu (Casa Civil) confirmou que o

governo apresentará nesta semana ao Congresso e a

cada agência um projeto para o setor.

Unidade

A leitura do documento também deixa claro o

nível de unidade do chamado "núcleo duro", o grupo de

ministros e auxiliares petistas mais próximos ao

presidente e que decide com ele as diretrizes de

governo.

Debatido por meses, o assunto era visto como

um possível divisor de águas entre os dois principais

ministros, Dirceu e Antonio Palocci Filho (Fazenda). No

entanto, prevaleceu uma visão que sinaliza

entendimento na cúpula do governo.

Principais mudanças

O documento do governo diz que "não considera

que o modelo atual das agências regulatórias seja ideal

e propõe aperfeiçoamento nos instrumentos de controle

social das agências", mas deixa claro que não pretende

alterar regras contratuais. Menciona, ainda, a

"importância das agências regulatórias na proteção dos

Aula 7 | Agências Reguladoras 163

consumidores ante o possível poder do mercado e das

empresas".

Na prática, o "aperfeiçoamento" deverá

significar medidas como a obrigatoriedade de todas as

agências reguladoras terem ouvidorias, para receber

queixas dos consumidores.

O governo, também, quer elevar a influência de

órgãos não-oficiais de proteção ao consumidor no

processo de decisão das agências. Exemplo: a

obrigação de garantir a essas entidades o

acompanhamento das audiências sobre os assuntos em

discussão nas agências.

RESUMO

Vimos até agora:

Com o modelo de descentralização, aliado à

flexibilização dos monopólios estatais e a

redução de barreiras à entrada de capital

estrangeiro no país, surgiram grandes grupos

econômicos com interesse em explorar

atividades que outrora eram de exclusiva

função do Estado, como os serviços públicos;

As controvérsias advindas do contrato de

concessão, devem seqüencialmente passar

pela mediação, pela conciliação e pela

arbitragem, que merece aplicação no direito

administrativo;

A concepção dos novos entes reguladores

deverá observar os cuidados necessários, de

modo a evitar o excessivo intervencionismo

estatal, que acaba por impedir a formação de

um mercado competitivo, estimulador da

eficiência das empresas prestadoras de

serviços;

Aula 7 | Agências Reguladoras 164

As Agências reguladoras estão sujeitas às

normas gerais de licitação, tanto para suas

atividades fim, como para as instrumentais,

sendo em ambos os casos, seus contratos

considerados como contratos administrativos

regidos pelo direito público.

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