conversas de café

15
Fátima Moura Café Conversas de Talking about coffee

Upload: vuongtuyen

Post on 13-Feb-2017

229 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Conversas de Café

Con

versas de C

aféTalk

ing ab

out coffee

Fátima M

oura

Fátima Moura

CaféConversas de

Talking about coffee

A061014 Capa_AF.indd 1 16/01/15 14:41

Page 2: Conversas de Café

1. Café: bebida e localCoffee and cafésp. 6

2. Portugal investigadorResearching coffee in Portugalp. 54

4. Portugal torrefatorRoasting coffee in Portugalp. 170

5. Café à medidaCoffee, any way you want itp. 192

Notas finaisFinal notesp. 232

3. Portugal produtorProducing coffee in Portugal

p. 72

p. 78 Brasil Brazil

p. 114 Angola Angola

p. 144 São Tomé e Príncipe São Tomé and Príncipe

Page 3: Conversas de Café

O primeiro café do mundo abre na Turquia

São também peregrinos que, no regresso de Meca para a sua terra natal, a Turquia, trazem a ideia de abrir um estabe-lecimento para servir café. Por esta altura, o império turco parecia imparável, e Constantinopla (Istambul) fazia qua-tro vezes o tamanho de Paris. Diz-se que o Kiva Ham, o pri-meiro café do mundo, abriu portas ao público nesta cidade em 1475, data não isenta de controvérsia, uma vez que há quem situe o estabelecimento já no século xvi. A afluência era grande e havia os que ficavam do lado de fora, a apanhar o fresco da tarde, deitados sobre as esteiras que cobriam al-guns bancos de alvenaria, numa antevisão da esplanada. Na entrada do Kiva Ham aglomeravam-se os vendedores de pães não levedados e de biscoitos – costume que mais tarde será comum a todos os estabelecimentos deste tipo –, pois o café em jejum faz mal, na opinião deste povo, crença que poderá estar a origem do nosso hábito de o beber depois das refeições. Se ali entrássemos depois do almoço, entre as três e as quatro da tarde, teríamos dificuldade em encontrar lu-gar para tomarmos o nosso café, que sorveríamos em tragos ruidosos, a escaldar, enquanto produziríamos «uma música de sorvos assaz agradável»8 e bem audível até no exterior, conforme nos conta Philippe Sylvestre Dufour, o autor de um tratado de 1661. O café ganhou enorme popularidade na Turquia. Nos lares, ricos ou pobres, havia sempre um café para as visitas, exce-to diurnamente durante o Ramadão. As mulheres não pas-savam sem o seu café caseiro, e se os maridos falhassem o abastecimento haveria motivo oficial para divórcio.Dufour conta-nos ainda que, se visitássemos uma casa rica no verão, seríamos recebidos com café acompanhado de sorvete, «uma poção assaz boa. Faz-se, no Egipto, de açúcar, sumo de limão, almíbar, âmbar cinzento e água de rosas»9. À nossa chegada, o dono da casa mandaria que os criados nos trouxessem um defumador de perfume e nos cobrissem com uma toalha, para evitar que os aromas se escapassem. Depois, seríamos obsequiados com uma chávena de sorvete e com uma outra, mais pequena, de café a escaldar.

The end of the monopoly of cultivationIn 1592, Prospero Alpini, a Venetian botanist who became interested in the coffee plant on a trip to Egypt, mentioned in De plantis Aegypti liber that «the Turks have a black drink, which they take in big gulps, not during meals, but after them as dessert»7. In the late fourteenth, early fifteenth century, it was adopted by the Ottoman Turks, who certainly already knew the aromas of the black beverage the Arabs cherished so much. They never parted from it since, so much so that they took it with them on their military incursions designed to expand their empire. When they arrived to Yemen in 1538 and annexed Mocha, the export port of Arabian coffee, they got hold not only of its trade, but also of its growing. The Arabs had held a monopoly of coffee trading thanks to extremely cautious export methods. As it has already been said, all the beans that were sent abroad were previously boiled in order to remove the parchment, a thin film that surrounds it and which is essential for it to germinate.

Café: bebida e local Coffee and cafés19

The Turks resorted to the same trick. Yet the battle of the monopoly of cul-tivation was already lost by then: in the early seventeenth century, pilgrims managed to secretly bring some fertile coffee beans to India on their return from Mecca, which gave rise to its cultivation. A century later, the Dutch and the French also tried to keep the monopoly of cultivation, weaving true sto-ries of espionage and romance (on which more later).

The first coffee house in the world opens in TurkeyPilgrims from Mecca returned to their native Turkey with the idea of opening an establishment where coffee could be served. The Turkish Empire seemed unstoppable at the time. Constantinople (Istanbul) was four times as big as Paris. It is said that Kiva Han, the first coffee house in the world, was estab-lished in Constantinople in 1475, a controversial date that is sometimes said to be in the sixteenth century. The high patronage meant some people had to stay outside, lying on the mats that covered some masonry benches in the cool afternoon – the forefather of the terrace. Men selling unleavened bread and biscuits used to gather at the entrance to Kiva Han (and to all coffee houses later on): the locals though that having coffee with an empty stomach is bad for you – a belief that may be at the origin of our habit of drinking cof-fee after meals. If you went in after lunch, between 3pm and 4pm, it would be difficult to find a seat in order to sip your piping-hot coffee with noisy gulps, thus producing «rather pleasant sipping music»8 which could even be clearly heard outside, as Philippe Sylvestre Dufour says in his 1661 treatise.Coffee became very popular in Turkey. There was always coffee for visitors in both wealthy and poor households, except during the day in Ramadan. Women would not do without their homemade cup of coffee, so much so that there was ground for divorce if their husbands failed to supply it.Dufour also tells us that, if you were to visit a rich household in the summer, you would be welcomed with coffee accompanied by sorbet, «a rather good potion. In Egypt, it is made with sugar, lemon juice, syrup, ambergris, and rose water»9. Upon your arrival, your host would tell the servants to bring a perfume incense holder close to you and cover both of you with a towel to prevent the aromas from escaping. You would then be treated to a cup with sorbet and a smaller one with piping-hot coffee.

Café de Constantinopla, cidade onde terá surgido o primeiro café do mundo, o Kiva Ham.

A coffee house in Constantinople, the city which saw the opening of the first coffee house in the world, Kiva Ham.

Page 4: Conversas de Café

Bebida satânica ou remédio santo

Rapidamente, surgiram inimigos do café em Inglaterra: o governo, a quem a liberdade de expressão que as tertúlias proporcionavam não agradava; os negociantes de bebidas alcoó-licas, sobretudo de cerveja, que viram as suas vendas diminuírem; e as mulheres. Ainda que os serviçais dos cafés pudessem ser do sexo feminino, as mulheres não tiveram, de início, autorização para entrar. Elas ressentiam-se da presença constante dos maridos nos cafés e acusavam a bebida de os deixar secos e enfraquecidos, tornando-os «tão estéreis quanto um deserto árabe». Esta frase é retirada da petição de 1674, feita por mulheres, em que se pede a proibição do consumo de café. A esta petição respondem os homens: «É o café que nos mantém, ou que nos torna, sóbrios. E que as nossas mulheres se, daqui em diante, pen-sarem em fazer petições contra ele, fiquem condenadas à solidão durante toda a noite, e a beberem apenas bonny clabber18 durante todo o dia.»

Uma portuguesa e a economia colonial fazem triunfar o chá

No século xviii, o café perde a luta contra o chá em Inglaterra, fruto das políticas fomenta-das pela British East India Company. As colónias inglesas tinham começado a produzir mui-to chá, sobretudo após a terrível doença que destruiu todo o café do Ceilão, fazendo subir o preço e as taxas do café. Pouco a pouco, surgiram por toda a parte as casas de chá, cujas portas eram franqueadas às mulheres e às famílias. Uma portuguesa que detestava café foi, em grande parte, responsável pelo prestígio e pela imagem do chá enquanto bebida socialmente correta. Quando a filha de D. João IV, Catarina de Bragança, desposou Carlos II de Inglaterra (1662), trouxe no seu dote uma arca de folhas de chá e o título de posse da cidade e do porto de Bombaim, a ambicionada porta para o comércio naquela região. A nossa infanta transformou o hábito de beber chá numa moda que se popularizou entre a aristocracia inglesa, fazendo rapidamente surgir os Tea Gardens, de ambiente familiar.

Companheiro da Revolução Industrial

Em meados do século xviii, a cerveja era parte essencial da alimentação dos camponeses ingleses e alemães, que chegavam a consumir três litros diários desta bebida alimentícia à base de cereais e com fraco teor alcoólico. Pelo contrário, a nova bebida que vem ganhando popularidade, o café, não tem praticamen-te benefícios sob o ponto de vista nutricional. As suas vantagens residem na presença da cafeína, que lhe empresta o estatuto de bebida excitante, mas com a grande vantagem de conservar a sobriedade. Não é por acaso que café e chá se tornaram tão populares neste século, em que os ritmos de vida sofrem uma modificação radical. De um regime agrícola que segue o ritmo do sol, passa-se para um trabalho que tem lugar em interiores escuros e cujo ritmo se apoia tão-só na marcha dos ponteiros do relógio. São horas e horas de trabalho – muitas vezes 12 a 14, seis dias por semana –, apenas possíveis se potenciadas pelo café, que mantém os operários alerta e aumenta a produção sem lhes toldar a mente, e ainda proporciona o conforto de

When you think of England today, it is tea –another product that came from the East roughly in the same period – that immediately comes to mind. However, the English pre-ferred coffee in the seventeenth and eighteenth centuries. The first coffee house in Europe away from Venice was opened in an annexe of the Angel Inn, Oxford, by Jacob, a Lebanese Jew, in 1650 or 1651. Shortly after, in 1652, Pasqua Rosée, born within the Greek community in Ragusa, Sicily, opened another coffee house, The Turk’s Head, in the labyrinthine constituency of Cornhill, in the centre of the City of London. Pasqua had worked for an English merchant who had busi-nesses in Smyrna (the present-day Turkish city of Izmir) before decid-ing to make it on his own. Coffee houses began to open at a steady pace. There were almost two thou-sand coffee houses in London less than a century later.

Drink from Hell or holy medicine?Coffee soon began to gather enemies in England: the government (who disliked the get-togethers’ freedom of speech), those who traded in alco-holic drinks, especially beer, whose sales decreased, and women as well. Although they sometimes worked in coffee houses, women were not allowed to enter in the early days. Women resented their husbands’ constant presence in coffee houses and held the drink responsible for drying them out, weakening them and making them «as barren as an Arabian desert». This sentence was taken from a 1674 petition where women call for the prohibition of cof-fee consumption. Men’s response to the petition was as follows: «It is cof-fee that keeps us, or makes us, sober. May our wives who henceforth con-sider petitioning against it be sen-tenced to solitude all night and drink nothing but bonnyclabber18 all day.»

A Portuguese woman, colonial economy and the triumph of teaCoffee lost the fight to tea in the eighteenth century as a result of the policies led by the British East India Company. The English colonies had started to produce large quantities of tea, especially following the terrible disease that destroyed all the coffee from Ceylon, pushing up prices and taxes on coffee. Tea houses, where women and families were welcome, gradually appeared everywhere.A Portuguese woman who hated coffee was largely responsible for the pres-tige and image of tea, a socially correct drink. When King João IV’s daughter Catherine of Braganza married King Charles II of England in 1662, her dowry included a chest containing tea leaves and the title deed of the city and the port of Bombay, the coveted door to trade in the region. With the help of the Portuguese Princess, having tea became fashionable among the English aris-tocracy. Tea Gardens, with a family-friendly atmosphere, soon began to open.

A companion of the Industrial Revolution In the mid-eighteenth century, beer was an essential part of the diet of British and German peasants, who drank up to three litres of this nourishing bever-age made from cereal and with low alcohol content per day.Conversely, as far as nourishing is concerned, the benefits of coffee, the new drink that was becoming popular, are virtually none. Its advantages lie in the presence of caffeine, which grants it its status as a stimulating drink. Furthermore, it keeps you sober.Coffee and tea did not become extremely popular in the eighteenth centu-ry by chance. It was a time of radical change in life cycles: an agricultural

Café: bebida e local Coffee and cafés32

system according to the sun gave way to working in dark interiors according only to the hands of the clock. Very long work periods, frequently twelve to fourteen hours per day over six days a week were only possible to achieve if they were powered by coffee, which allows for an increase in production while keeping the workers’ minds sharp and provides the comfort of a hot drink. Coffee prices went down: it was now shipped more easily and quickly on steamships, whose routes no longer depended on the whims of the wind. It made its way to factories with a little help from their bosses. Operating ex-pensive machines on a production line, in which stopping spelled huge loss-es, was not compatible with beer and other alcoholic beverages that workers used to drink throughout the day.The first vending machines only appeared in the workplace after World War II, in 1946. A liquid coffee concentrate was diluted in hot water: coffee was ready a few seconds later. In a couple of minutes, so was the worker, who then returned to production, properly powered up. Coffee breaks boomed after a campaign by the Pan-American Coffee Bureau for coffee in the workplace. «Give yourself a Coffee-Break – and Get What Coffee Gives to You» was the slogan of the group, which lobbied for coffee-related interests in South America.

Petição das mulheres inglesas contra o café.

The English women’s petition against coffee.

Maquinaria de fábrica ao tempo da Revolução Industrial.

Factory machinery in the days of the Industrial Revolution.

Page 5: Conversas de Café

Portugal Das tabernas aos cafés

Foi apenas no início do século xviii que chegaram ao nosso país as influências francesas no que diz respeito a novas formas e locais de sociabilidade, embora entre nós o convívio em locais públicos sempre tenha passado pela interação entre diferentes classes sociais. Em botequins, tabernas ou tabolagens (ver p. 37) bebia-se muito álcool, discutia-se, lutava--se, tocava-se e, sobretudo, jogava-se. Nesses antros, a paixão pelo jogo – qualquer tipo de jogo – juntava desde marginais a nobres, apesar de a lei ser bem clara no Regimento dos Taberneiros de 1797: «Nenhum taberneiro consentirá nas suas tabernas qualidade alguma de jogo às pessoas que a elas forem comer; e muito menos aos criados de servir e escravos.»19

Consta ainda deste regimento a proibição de «ajuntamentos de mulheres dos quais possam resultar as desordens que são próprias de quem frequenta similares casas». Da redação deste regimento infere-se que o ambiente das tabernas e tavolagens, ou tabolagens, deixava bastante a desejar, sendo frequentes as rixas que começavam dentro e extravasavam para a rua.

Os cafés, enquanto espaços públicos das novas formas de sociabilização, chegaram a Portugal mais tarde do que à maioria dos países europeus, sobretudo no que diz respeito ao ambiente de trocas intelectuais que os caracterizavam em França ou em Inglaterra. Tinop desconsidera os primei-ros estabelecimentos, afirmando que «entre nós, os cafés têm sido apenas umas vezes a cópia grotesca, caricatural, outras vezes a fotografia pessimamente retocada dos lá de fora»20, em parte devido à apertada censura da Real Mesa Censória e ao zelo da Intendência-geral da Polícia. Quando os cafés finalmente chegaram gerou-se alguma confusão com o conceito de botequim. Este, segundo o Dicionário de História de Portugal, é uma loja onde se servem vários tipos de bebidas21. A sua raiz será a mesma da bode-ga espanhola e terá dado origem ao boteco brasileiro, locais onde se consomem bebidas alcoólicas e comidas. Assim fo-ram também os cafés entre nós: além de chá e café, sem-pre neles se serviu álcool «fino», deixando para as tabernas o tradicional vinho barato a copo. Os primeiros botequins de Lisboa terão sido as casas Rosa e Madama Spencer, am-bas na antiga Rua Nova (Rua dos Capelistas) e anteriores ao Terramoto. A maior concentração destes estabelecimentos situava-se no Largo do Regedor e em São Roque.

Por altura do aparecimento dos primeiros cafés em Portugal, estava ultrapassada a moda do orientalismo no resto da Europa, e o negócio concentrava-se na mão dos italianos. As limonadas e a «neve» eram as maiores atrações dos cafés e, ao contrário de França ou de Inglaterra, bebia-se bastante chá até aos finais do século xviii. Até sob o ponto de vista literário, poucas são as referências ao café-bebida.Uma das épocas áureas da vida dos nossos cafés foram os anos das guerras liberais, os que as precederam e se lhe seguiram, e ainda os anos de viragem do século xix para o século xx, com o fim da Monarquia e a implantação da República. Segue-se uma história abreviada dos principais estabelecimentos dos séculos xviii e xix.

Tabolagem

«É tomado do castelhano tablaje, que é casa de jogo. Na ordenação chamam-se tabolagens às casas de jogos proibidos. Dar tabolagem é dar em sua casa naipes, dados e outras coisas concernentes ao jogo. [...] El-rei D. João II mandou queimar a casa de tabolagem, qual pagode, aonde em semelhanças de idolatria se viram obedecidos e festejados por oráculos da sorte, por efígies da Fortuna...»

Padre Rafael Bluteau,Vocabulário Portuguez e Latino, vol. 8, p. 11

A modernização de Lisboa passa pelos cafés

Quando foi feita a reconstrução da cidade, Pombal, que quis tornar Lisboa moderna sob todos os pontos de vista, foi grande entusiasta da abertura de mais cafés, talvez até porque, em público, seria mais fácil os seus esbirros aperce-berem-se de como se ia formando a opinião pública. Diz-se que o Marquês teria estado na inauguração do botequim de Marcos Filipe, o primeiro a surgir após a remodelação da cidade, tendo almoçado chá e torradas de pão de Meleças com manteiga, e que seria frequentador do botequim do Casaca, na Rua dos Capelistas. Talvez por experiência pró-pria Pombal se tenha apercebido de que era necessário vigiar os cafés, missão que o intendente de polícia Pina Manique levou sempre muito a peito. Tão a peito que a maioria das in-formações que hoje temos acerca destes estabelecimentos

PortugalFrom taverns to cafésFrench influence regarding new socialising ways and places only came to Portugal in the early eighteenth century, although social classes had always interacted as they mingled in public places. In botequins, taverns or tavola-gens (see below) there was plenty alcohol as well as arguing, fighting, playing and mostly gambling. Outsiders, outlaws and noblemen gathered together for their love of all sorts of games, although the 1797 Regimento dos Taberneiros states very clearly that «no publican shall consent in his taverns any sort of game to the people who go there to eat; much less to servants and slaves»19. The Publicans’ Rule also states that «gatherings of women which may give rise to brawls that are common among those who attend such houses» are forbidden. It is implied that the atmosphere in taverns was far from good: brawls that started inside and spread outside were a regular feature.Cafés as public spaces for new ways of socialising came to Portugal later than in most European countries, especially as far as the intellectual exchange atmosphere that was a staple in France or England is concerned. Tinop dis-regards the first cafés, as he says that «among us, cafés have been nothing but a grotesque copy, a caricature, sometimes a badly-retouched photograph of the ones from abroad»20, partly due to the tight strict censorship – institu-tions such as the Real Mesa Censória [Royal Board of Censors] and the Police itself. When cafés finally made their appearance, there was some confusion with the concept of botequim. According to Dicionário de História de Portugal, a botequim is a shop where several types of drinks are served21. The word comes from the same origin as the Spanish bodega and is possibly the basis for the Brazilian boteco, a place where alcoholic drinks and food are consumed. Portuguese cafés were also like this: besides tea and coffee, «fine» alcohol-ic drinks have always been served there – run-of-the-mill cheap wine sold by the glass was a tavern thing. The first botequins in Lisbon were possibly Casa Rosa and Casa Madama Spencer, both on the former Rua Nova (Rua dos Capelistas), before the 1755 earthquake. Most of them were located at Largo do Regedor and São Roque.By the time the first cafés opened in Portugal, the Orientalism craze in the rest of Europe was long gone and business was in Italian hands. Lemonades and ice cream were the major attractions in cafés. Unlike France or England, a lot of tea was drunk until the late eighteenth century. Coffee was scarcely mentioned even in literature.One of the heydays of cafés in Portugal was the years before and after the Liberal Wars in the early nineteenth century and the late-nineteenth cen-tury, early-twentieth century period, as Monarchy came to an end and the Republic set in. A short history of the main eighteenth- and nineteenth-cen-tury cafés is presented next.

Tavolagem or tabolagem«The word comes from the Spanish tablaje, meaning gambling house. In law, tabolagens are houses where forbidden games are played. Dar tabolagem means to hand out decks of cards, darts and other gaming-related material in one’s house. [...] King João II ordered the tabolagem house to be burned, like a pagoda, where oracles of luck and effigies of Fortune were similarly worshipped, obeyed and celebrated...»

Padre Rafael Bluteau, Vocabulário Portuguez e Latino, vol. 8, p. 11

Café: bebida e local Coffee and cafés37

Venda de café em Lisboa.

A coffee stand in Lisbon.

Page 6: Conversas de Café

O polimento do Marrare

Foi o napolitano Antonio Marrare quem elevou o café do século xix a outro estatuto. Homem ambicioso, é descrito fisicamente de forma pouco elogiosa por Tinop: «Pançudo, corado, inxundioso, meio adormecido, andava va-garosamente, amava com delírio os apetitosos produtos da cozinha italiana, e superintendia, com os seus pequeninos olhos de espertalhão, aos negócios botequinistas.»33

O empresário abriu quatro cafés no princípio do referido sé-culo: o de São Carlos (Rua Anchieta), o das Sete Portas (Rua do Arco de Bandeira), o do Cais do Sodré e o do Polimento (Chiado), mas foi este último que se tornou o mais exclusi-vo. Com o café da Rua Anchieta, Marrare fornecia São Carlos e convivia com os dilettanti operáticos e, sobretudo, com as cantoras líricas italianas, tendo-se apaixonado por uma das bailarinas, Margarida Bruni. À moda das italianas seguir-se--ia, no fim do século, a das espanholas, que, «embora mui-to valorizadas pelo romantismo francês, nunca foram, entre nós, sinal de distinção»34. Com estas, mas não só, se enchiam os reservados do Tavares ao tempo de Eça de Queirós.O Marrare do Polimento exibia decoração esmerada, tinha as paredes revestidas com preciosas madeiras, brilhantemente envernizadas, e possuía sala de bilhar de teto rematado em claraboia. O café era servido em prataria, e a sua qualidade muito gabada, ao abrigo das falsificações, tão correntes então. Situava-se em pleno Chiado, que se tornara na época do «li-beralismo vitorioso, mais do que um local, um sítio, ou o sítio por excelência da capital»35, onde conviviam lado a lado clubes aristocráticos, modistas, alfaiates, joalheiros, livrarias, lojas de modas e de decoração e, claro, o Marrare do Polimento. O viajante francês Olivier Merson comparou o Chiado a uma petit Paris. Aqui «tinha expressão uma nova situação munda-na que o liberalismo internacional trazia: o “dandismo” de comportamento e traje, por elegância e snobismo de pose – que de certo modo se opôs à tradição dos costumes “ma-rialvas” que ao regime anterior cabiam, em prática migue-lista...»36. Em julho de 1848, o Chiado foi a primeira zona de Lisboa a receber a iluminação a gás, e o Marrare um dos pri-meiros estabelecimentos a obtê-la, o que facilitava o ver e o ser visto. Mostrar-se tornara-se fundamental, nomeadamen-te através da frequência dos cafés e dos «passeios», numa clara exibição da importância de uma vida pública.

Café: bebida e local Coffee and cafés45

MarrareIt was Neapolitan-born Antonio Marrare who led nineteenth-century cafés to the next level. Tinop made a rather unflattering physical description of this ambitious man: «Paunchy, ruddy, full of himself, half asleep, he walked slow-ly, delighted in the tasty products of Italian cuisine and oversaw his business with his beady, smart-aleck eyes.»32

Marrare opened four cafés in the early nineteenth century: São Carlos (Rua Anchieta), Sete Portas (Rua do Arco de Bandeira), Cais do Sodré, and Polimento (Chiado). The latter became the more exclusive. His café on Rua Anchieta supplied São Carlos Opera House. Marrare therefore mingled with dilettanti and mostly with Italian opera singers. He fell in love with a ballerina, Margarida Bruni. Italian women would be followed by another craze, Spanish women, who, «although highly valued by the French romanticism, were nev-er a sign of distinction among us»33. These and other women filled Tavares’s private rooms in the days of Eça de Queirós.Marrare do Polimento’s lavish interior featured walls covered in precious woods with bright varnish finishing and a billiard room with a canopied ceil-ing. Coffee was served in silverware: its quality was much vaunted, miles away from the forgeries that were so common in those days. The café was lo-cated in the heart of Chiado, which, in those days of «triumphant Liberalism had become more than a place; it was the place in the capital»34 where, aris-tocratic clubs, dressmakers, tailors, jewellers, booksellers, fashion and deco-ration shops and, of course, Marrare do Polimento mingled.

Os Vencidos da Vida, em 1888. Da esquerda para a direita: sentados, Guerra Junqueiro, conde de Sabugosa, Eça de Queirós, conde d’Arnoso; de pé, marquês de Soveral, Ramalho Ortigão, Carlos Mayer, conde de Ficalho; na escadaria, Carlos Lobo d’Ávila e Oliveira Martins.

The Vencidos da Vida group in 1888. Left to right: Guerra Junqueiro, the Count of Sabugosa, Eça de Queirós and the Count of Arnoso (sitting); the Marquis of Soveral, Ramalho Ortigão, Carlos Mayer and the Count of Ficalho (standing); on the stairs, Carlos Lobo d’Ávila and Oliveira Martins.

Marrare do Polimento.

Marrare do Polimento.

Page 7: Conversas de Café

Pessoa e os cafés literários

Contrariamente ao que afirmava Tinop (ver p. 38), os cafés lisboetas tornaram-se locais de tertúlia literária a partir de meados do século xix. Exemplo disso são os muitos cafés de Lisboa ligados ao nome de Fernando Pessoa. O primeiro que nos ocorre é a Brasileira do Chiado, à porta da qual ainda hoje o escritor está sentado à mesa, partilhando-a com quem quer que se acomode a seu lado. Foi fundada em 1905 e é um dos poucos sobreviventes des-se tempo, mantendo o esplendor e a popularidade originais. O seu nome está relacionado com o café do Brasil (Minas Gerais), que ali se vendia a peso e, como amostra, era oferecido em chávena a quem o quisesse provar. O célebre logótipo do velhote desdentado a deliciar--se com um café data da abertura, juntamente com o conhecido slogan «O melhor café é o da Brasileira». O grupo da revista Orpheu, do qual também fazia parte Almada Negreiros, nascido numa roça de café santomense, reunia em diversos cafés, e não apenas na Brasileira. Além do habitual Martinho do Rossio, Pessoa também frequentou o Martinho da Arcada, onde a mesa na qual gostava de se sentar está ainda assinalada. Nos anos 30, nos dias de fecho do Martinho, ao fim de semana, Pessoa trasladava-se para o Café Montanha, na esquina da Rua do Arco de Bandeira com a Rua da Assunção, perto do Marrare. Era também comum ver o escritor no Café Royal, nascido em 1904 em pleno Cais do Sodré, decorado com belíssimos azulejos Arte Nova. Muito procurada era a sua tabacaria para compra de jornais estrangeiros.

A boémia

Em Lisboa também não faltavam os cafés pré e pós-teatro. Nas imediações da Avenida, con-centrava-se grande parte da vida noturna de Lisboa. Teatros de revista no Parque Mayer, tão populares até ao 25 de Abril, casas de fado e cabarés, como o famoso Maxime, debitavam a sua clientela para o Café Lisboa, nascido na década de 40. Por lá passava Gago Coutinho, depois das estreias das revistas, que nunca falhava; por lá se avistavam as coristas e os encenadores; por lá se entrosavam pides, à coca de trocas de palavras ilícitas nos textos insidiosos das revistas. No antigo teatro Éden, a Chic era local de conúbio entre atores, de teatro e de revista, que lá se restabeleciam com canjas e bifes.

Goles de informação

O aparecimento dos cafés em Lisboa, e mais tarde no resto do país, está indissoluvelmente ligado a um novo tipo de sociabilidade e de convivência da população das cidades. Como vimos mais acima, a Revolução Francesa é o golpe de misericórdia na vida da corte, fechada sobre si mesma; ao mesmo tempo, franqueia o acesso de todas as classes sociais aos espa-ços públicos, como os restaurantes e cafés, e às vias de circulação, que começam a ser alvo de cuidados especiais e recebem iluminação e policiamento. A missão do intendente Pina Manique não se limitou à espionagem. Nesta época foi feito um grande esforço no sentido de civilizar e tornar mais seguros os espaços públicos, nomeadamente as ruas. Foi no século xix que, com algum atraso, abriram em Portugal os primeiros restaurantes e cafés, locais privilegiados para conviver, mas também para mudar o mundo. Esta missão fê-los atraves-sar os tempos e manteve-os vivos até hoje. Diz-se que sem eles não teria havido Revolução Francesa, nem, quem sabe, o triunfo do nosso liberalismo.

The French traveller Olivier Merson compared Chiado to a petit Paris. Here, there was «a new mundane situation brought by international liberalism: “dandyism” in behaviour and attire, with its elegant, snob-bish – which in a way was opposed to the womanising traditions of the former Miguelist regime...»35 In July 1848, Chiado became the first area in Lisbon to be fitted with gas light-ing: Marrare was one of the first es-tablishments, which made it easier to see and be seen. Showing yourself had become essential, especially by attending cafés and strolling in gar-dens – a clear display of the impor-tance of having a public life.

Pessoa and literary cafésUnlike Tinop’s claims (see p. 39), Lisbon cafés became hotspots for literary get-togethers from the mid-nine-teenth century onwards, as can be seen from the many names in some way linked to Fernando Pessoa. The first that springs to mind is Brasileira do Chiado, in front of which the poet is sitting at a table, sharing it with whoever sits by his side. The café was established in 1905 and is one of the few survivors that have kept its splendour and popularity. Its name is linked to the Brazilian coffee (from Minas Gerais) that was sold there by weight. You could also enjoy a sample cup of coffee. The famous logo of a toothless man in-dulging himself with a cup of coffee dates back from the opening of the café, together with the slogan «The best coffee is from A Brazileira».

Café: bebida e local Coffee and cafés47

The Orpheu group, which includ-ed other artists such as Almada Negreiros, who was born in a cof-fee plantation in São Tomé, used to meet in several cafés besides Brasileira. Besides Martinho do Rossio, Pessoa was also a regular of Martinho da Arcada, where you can still find the table where he used to sit. When Martinho was closed for the weekend in the 1930s, Pessoa would go to Montanha, at the corner of Rua do Arco de Bandeira and Rua da Assunção, near Marrare. The au-thor could also often be seen in Café Royal, which was established in Cais do Sodré in 1904 and was decorat-ed with beautiful Art Nouveau tiles. Its tobacconist’s was very popular among those who bought the for-eign press.

Bohemian lifeThere were plenty pre- and post- theatre cafés in Lisbon. Much of the city’s nightlife was concentrat-ed in the area around Avenida da Liberdade. Revue theatres at Parque Mayer, which were hugely popular before the 25 April 1974 revolution, fado houses and cabarets as the famous Maxime reeled out their customers onto Café Lisboa, estab-lished in the 1940s. The aviation pioneer Gago Coutinho, who never missed an opening night, used to go there after the show. Chorus girls and stage directors could also be seen there, as well as members of the secret police, always eavesdrop-ping for illicit words on the show’s insidious dialogues.In the old Éden Theatre building, Chic was the place to go for all kinds of actors, who gained back strength with chicken soup and steaks there.

A Brasileira do Chiado, em 1911.

A Brasileira do Chiado, 1911.

Gente da Brasileira do Chiado, ilustração de Alberto de Souza, 1930.

Gente da Brasileira do Chiado [People from A Brasileira do Chiado], an illustration by Alberto de Souza, 1930.

Page 8: Conversas de Café

a migrar e os trabalhadores ficaram entregues à miséria, resultando as piores conturbações políticas e sociais. Houve catástrofes de repercussão mundial, famílias destruídas, homens que mataram e outros que se suicidaram.»5

Tão grave foi esta crise, que o Ceilão trocou o cultivo do café pelo do chá, «a bebida que alegra, mas não inebria», confor-me a colossal campanha feita em Inglaterra pela Companhia das Índias Orientais (East India Company) para alcandorar o chá a bebida nacional. Neste emaranhado de coincidências e curiosidades, aqui fica mais uma: Ceilão chegou a ser terri-tório dos portugueses, que ali chegaram em 1505, à procura da canela. Em 1658, fomos vencidos pelos holandeses, por sua vez expulsos pelos ingleses em 1796.Após esta epidemia no Ceilão, a ferrugem continuou o seu trilho de destruição por vários países asiáticos, nomeada-mente na colónia holandesa de Java e na Índia, e prosseguiu para o continente africano. Poupados ficaram, por essa vez, os cafeeiros sul-americanos.

CIFC, o início da caminhada

Alguns anos mais tarde, mais precisamente em 1951, numa deslocação a São Tomé, Branquinho d’Oliveira confrontou--se com os assustadores estragos da ferrugem alaranjada, conforme relatou por carta ao diretor do Instituto de Café de Angola: «Na Roça Amparo II, [deparei] com um intenso ataque de Hemileia vastatrix que tinha quase desfolhado os cafeeiros que restavam de uma plantação de Arábica, tal como eu lera numa descrição do Ceilão. Desde essa época, em 1951, tanto V. Exa. como eu ficámos vinculados às ferrugens do cafeeiro.»6 Vinculado é um termo curioso, que traduz exatamente o laço de devoção que prendeu Branquinho d’Oliveira à mis-são de salvar o cafeeiro da ferrugem e que iria doravante nortear a sua vida e a da sua mulher, Maria de Lourdes Oliveira, que trocou a sua carreira de médica para colaborar nas investigações do marido.

CIFC: the journey beginsIn 1951, Branquinho d’Oliveira met the daunting ravages caused by coffee rust on a journey to São Tomé, as he report-ed in a letter to the Director of the Instituto de Café de Angola: «In Amparo II Farm, [I came across] an intense attack of Hemileia vastatrix which had almost caused the remaining coffee trees in an Arabica plantation to lose most of their leaves, as I had read in a description of Ceylon. Since that time in 1951, both you and I are united by coffee tree rust.»6 United is an interesting word: it translates exactly Branquinho d’Oliveira’s devotion to his mission – saving coffee trees from coffee rust– which from then on guided his life and that of his wife, Maria de Lourdes Oliveira, who left her med-ical career in order to collaborate with her husband in his research work.Small coffee plants from São Tomé were inoculated with Hemileia vastatrix and brought to Portugal. Once in EAN’s greenhouses, they were duly isolated, since it was not known at the time if the disease was able to attack species from mainland Portugal’s flora. As this contamination turned out not to be possible, and since coffee is not grown in the mainland territory, CIFC was able to conduct all the research without any danger.

Estufas de cafeeiros no CIFC, Oeiras.

CIFC coffee tree greenhouses in Oeiras.

Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro (CIFC).

Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro [Coffee Tree Rust Research Centre] (CIFC).

Page 9: Conversas de Café

Neste ponto, nova coincidência entra na história. Filho de médico, Wellman nascera e passa-ra a sua meninice no sudeste de Angola, nos finais do século xix, na aldeia de Camundongo, no Cuíto Cuanavale. Talvez também por essa forte ligação a Portugal, os norte-americanos decidiram de imediato que seria no nosso país que se centralizariam os estudos relati-vos a esta doença. De diferentes países cafeicultores começaram a chegar ao CIFC amos-tras de ferrugem e de sementes de cafeeiro, para que, neste centro, pudessem encontrar-se variedades resistentes à doença. Como alguns dos países produtores não tinham relações diplomáticas com Portugal, todas essas amostras se concentravam nos EUA, sendo poste-riormente enviadas para Oeiras. Uma vez que, nessa época, as colónias portuguesas, sobretudo Timor, São Tomé e Angola, eram grandes produtoras de café, havia todo o interesse nesses estudos. Um dos pilares do acordo estabelecido entre Portugal e os EUA foi o financiamento por este último das estufas do novo Centro de Investigação de Ferrugens do Cafeeiro (CIFC), no valor de 116 600 dólares. A inauguração oficial do centro data de 24 de abril de 1955.

O que é a ferrugem alaranjada do cafeeiro

Causada pelo fungo Hemileia vastatrix, a ferrugem alaranjada foi referenciada pela primeira vez no Quénia em 1861. Por volta de 1868 apareceu com caráter epidémico no Ceilão (Sri Lanka): dez anos mais tarde, a cafeicultura deste país colapsou, obrigando os agricultores a trocarem o café pelo chá.Esta temível doença ataca as folhas do cafeeiro, que geralmente caem e enfraquecem a planta, com consequente perda de produção e eventual morte. Manifesta-se através de manchas circulares de cor amarelo-alaranjada, que se concentram na parte inferior das folhas (semelhantes à cor da ferrugem). Quanto mais próximas as folhas estiveram do chão, maior é o ataque do fungo. Na parte de cima da folha, surge uma mancha semelhante a uma nódoa de óleo. Atualmente a ferrugem é endémica em praticamente todos os países cafeicultores. Na década de 1970, surgiu no continente americano, provocando no Brasil perdas de produção na ordem dos 30%.

A ferrugem alaranjada e o prestígio internacional

«Mais de 90% das variedades comerciais de cafeeiro resistentes à ferrugem foram criadas, directa ou indirectamente, através de estudos realizados no CIFC»8, nas palavras de Vítor Várzea, investigador do CIFC. Será preciso dizer mais acerca do trabalho que este centro vem desenvolvendo ao longo dos últimos quase sessenta anos?Mas voltemos um pouco atrás na história. No início ou meados do século xx, e no segui-mento de estudos em torno da ferrugem alaranjada, foi encontrado em Timor um cafeeiro são no meio de um campo de plantas doentes. Este pé de cafeeiro revelou-se resistente a todas as estirpes da doença conhecidas na altura, embora com a desvantagem de ser fraco

at USD$ 116,600, which specialises in research on coffee rust and was offi-cially inaugurated on 24 April 1955.

What is coffee tree rust?Coffee rust is caused by the Hemileia vastatrix fungus. It was first referenced in Kenya in 1861. It became epidemic in Ceylon (Sri Lanka) c. 1868: ten years later, coffee growing in the country collapsed, forcing farmers to grow tea instead of coffee.This dreaded disease attacks coffee tree leaves: they usually fall off and weaken the plant, leading to production loss and possibly death. Round orange-yellow (rust-coloured) spots appear on the lower part of leaves. The closer the leaves are to the ground, the hardest the fungus attacks. A spot similar to an oil stain appears on the top part of the leaves. Coffee rust is now endemic in virtually all coffee-growing countries. It made its appearance in the American continent in the 1970s. As a consequence, production losses in Brazil reached 30 percent.

Portugal investigador Researching coffee in Portugal64

Folha de cafeeiro com sintomas de ferrugem alaranjada.

A coffee tree leaf showing signs of rust.

Coffee rust and international prestige«Over 90 percent of the coffee rust-resistant coffee tree commer-cial varieties were directly or indi-rectly created as an outcome of CIFC studies»8, according to the words of CIFC researcher Vítor Várzea. It is needless to say more about the re-search the Centre has been doing for nearly sixty years.Let’s go back a bit in history. In the early, mid-twentieth century, follow-ing studies on coffee rust, a healthy coffee tree was found amidst a field of diseased plants in Timor. It proved resistant to all strains of the disease known at the time, even though it did not produce many berries. It was named Timor Hybrid, as it was a cross between Arabica and Robusta. In 1957, CIFC began to cross it with other coffee trees of good produc-tive quality: new very resistant and very productive varieties such as Catimor (Caturra × Timor Hybrid) or

Page 10: Conversas de Café

Era uma época difícil para se imigrar para o cultivo do café, a crise de 29 estava à porta, e com ela a ruína de poderosos cafeicultores. Entre 1885 e 1896, tinham-se vivido os anos mais prósperos da cultura cafeeira. Longe iam os tempos da austeridade da fazenda autossuficiente, em que os fazendeiros se gabavam de só comprarem sal, querosene e pólvora. Com os preços em alta e a possibilidade de dispor do dinheiro que anteriormente se destinava à compra de escravos, os fazendeiros começaram a cultivar uma nova forma de vida, perpassa-da pelo luxo. Construíram grandes mansões na cidade de São Paulo, longe das fazendas, onde só iam a contas, e rechearam-nas de objetos refinados e de coleções. À porta, alinhavam-se os mais modernos automóveis. Lá dentro, tinham lugar as festas mais luxuosas e despreo- cupadas. Os filhos estudam em Coimbra ou em França e tinham fama de playboys, enquanto os pais, barões, se divertiam em Paris e frequentavam o Tour d’Argent, onde tinham fama de cresos. Quando não vão à Europa, mandam-na vir ao Brasil, como foi o caso das três mag-níficas tournées que a atriz Sarah Bernhardt fez à capital. O dinheiro do café transformou-se também em mecenato, que iria tornar São Paulo a capital da cultura do Brasil.

Portugal produtor Producing coffee in Portugal108

Imigrantes in São Paulo. She was scared. The man from her home-town put his handkerchief between his hand and Maria’s and did not let go – not even when they sat on the long benches in the crowded waiting room where stifled clerks and translators processed Italians, Japanese and Germans. Maria was lodged in one of the many rooms where dozens of iron bunks were lined up, made medical tests and had jabs and then was on a train again, heading for the farm where she finally joined her parents.Those were hard times to immigrate to grow coffee: the 1929 crash was just around the corner, bringing ruin to mighty coffee producers.The heyday of coffee growing was between 1885 and 1896. The days of austere, self-sufficient farms when coffee farmers boasted they only bought salt, kerosene and gunpow-der were long gone.Prices were high. The money that used to be needed to buy slaves was therefore available. Coffee farmers indulged in luxury. They built big mansions in São Paulo, away from the farms where they would only went to check the accounts, and filled them with exquisite collection items. State-of-the-art motorcars lined up at the entrance. Luxurious, carefree parties were held inside. Their children studied in Coimbra or France and had a playboy reputa-tion. Their parents were barons who lived the high life in Paris and were regulars of the Tour d’Argent, where they were seen as filthy rich. If they were not able to go to Europe, they would send for it, as was the case of the three magnificent tours by Sarah Bernhardt to the capital city. Coffee farmers became patrons of the arts and São Paulo became Brazil’s cul-tural capital.

Coffee and milkThe Empire ended when the repub-lic was declared in 1898. Campos Salles, the first president, immedi-ately set up the «governors’ policy», commonly known as the «coffee-and-milk policy». The nickname shows the economic power of the states of São Paulo and Minas Gerais due to coffee and cattle, respective-ly. Coffee barons and cattle ranchers took turns in power.Surpluses in coffee production led to several crises in the late nine-teenth century and early twenti-eth century. Brazil had benefitted from the decline in Haiti, Java and Ceylon and had 70 percent of world-wide production, even though it did not produce quality coffee. In 1906,

Costura dos sacos de café, Fazenda Santa Rita, 1920.

Sewing sacks of coffee, Santa Rita Farm, 1920.

Passaporte de imigrante da menina Maria Moreira Pedro, de 10 anos, vinda de Mealhada, ao encontro dos pais, no porto de Santos.

The immigrant passport from ten-year-old Miss Maria Moreira Pedro, who travelled from Mealhada to reunite with her parents at the port of Santos.

Ensacamento do café, Fazenda Santa Rita, 1920.

Sacking coffee, Santa Rita Farm, 1920.

Page 11: Conversas de Café

Café com leiteEm 1898, a implantação da República pôs fim ao Império. O primeiro presidente, Campos Salles, instituiu desde logo a «política dos governadores», popularmente conhecida como «política do café com leite», tradução do poderio económico dos estados de São Paulo, pelo café, e de Minas Gerais, pelo gado vacum. Barões do café e ganadeiros alternavam-se no poder.O fim do século xix e o início do xx foram marcados por crises de excesso de produção de café. No virar do século, aproveitando o declínio do Haiti, Java e Ceilão, o Brasil era respon-sável por setenta por cento da produção mundial, embora o seu café fosse considerado de má qualidade. Em 1906, o Brasil produziu quase vinte milhões de sacas para um consumo mundial que não excedia os dezasseis milhões – excesso de oferta que conduziria à queda dos preços. Em resposta, o Estado financiou-se junto de bancos europeus para comprar e guardar grandes stocks. Crise após crise, cada vez mais endividados junto das casas comis-sárias, os grandes latifúndios foram-se tornando inviáveis. Porém, o pior estava para vir, e não tardaria muito. Em 1929, a crise da Bolsa de Nova Iorque paralisou o consumo e a econo-mia mundiais. Os preços do café na Bolsa de Santos caíram para números nunca vistos, pro-vocando o caos entre os cafeicultores e um número dramático de bancarrotas e suicídios. Na vida dos imigrantes deram-se também grandes mudanças. Uns foram forçados a mu-dar-se para a cidade, enquanto outros aproveitaram a crise para comprar um quinhão das grandes fazendas, desmembradas pelos bancos credores a fim de facilitar a venda, dando início a grandes fortunas.

111 Portugal produtor Producing coffee in Portugal

Café, Cândido Portinari,

1935.

Café [Coffee], Cândido Portinari,

1935.

Page 12: Conversas de Café

Ciência e técnica do café

Devido nomeadamente às condições climatéricas e de altitude, 98% do café cultivado em Angola era de cafeeiros Robusta (Coffea canephora) e apenas 2% de Arábica (Coffea arabi-ca). Considerado um dos melhores do mundo, o Robusta era cultivado em várias regiões (Cabinda, Cazengo, Ambriz e Amboim), sendo o mais prestigiado e de preço mais elevado o do Amboim, no Cuanza-Sul, onde ficavam as roças dos Seixas. Após um período de crise nos fatídicos anos 30, o Robusta angolano conheceu os seus melhores dias logo após a Segunda Guerra Mundial, devido à popularidade do café instantâneo junto dos soldados norte-ame-ricanos. Portugal e Angola fizeram um grande esforço no sentido de modernizarem o cultivo do café, a principal exportação da província, em relação à sua forma de beneficiamento, ao aconselhamento a agricultores e sobretudo aos problemas científicos e técnicos que a sua produção colocava. Mendes Ferrão sintetizou-os na seguinte passagem: «A cultura dos cafeeiros em Angola encarou problemas de ordem técnica muito impor-tantes. Entre eles referem-se os ataques de ferrugem alaranjada aos cafeeiros arábica, o aparecimento da morte súbita, o esgotamento dos terrenos, exigindo, por vezes, apoio es-pecializado. Por isso institucionalizaram-se ou intensificaram-se as colaborações científi-cas e técnicas com instituições nacionais e estrangeiras, devendo salientar-se dentre elas o Centro de Investigação da Ferrugem do Cafeeiro e a Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar; e, localmente, o Instituto de Investigação Científica de Angola, que havia sido criado em 1956, e a Direcção dos Serviços de Agricultura e Florestas.»5

Portugal produtor Producing coffee in Portugal140

A coffee blend for every houseBefore landing in Novo Redondo, Captain Reinaldo dos Santos of Angolan airline DTA, who was a friend of the family, used to fly over Casa Ferramenta. An employee would then begin to grind the pilot’s favourite blend in a ball roaster made of metal and send it straight away to the airport. Coffee was a constant feature in Angolan homes, whether it was the delightful Robusta – deemed one of the best in the world – or a blend of several varieties of Robusta, maybe mixed with some Arabica. Each family had its favourite blend. Several jugs of coffee were made throughout the day; coffee was never reheated. It was the ideal drink for socialising, which was cherished – preferably over a meal.

Coffee: science and techniqueBecause of climate- and altitude-re-lated conditions, ninety-eight per-cent of the coffee that was grown in Angola came from Robusta (Coffea canephora) coffee trees and only two percent from Arabica (Coffea arabi-ca). Robusta was deemed one of the best in the world. It was grown in several regions: Cabinda, Cazengo, Ambriz and Amboim. The most fa-mous – and the most expensive as well – came from Amboim, southern Kwanza, where the Seixas’s plan-tations were situated. Following a long crisis during the ill-fated 1930s, one of the best times for Angolan Robusta was just after World War II due to the popularity of instant cof-fee among American soldiers.Portugal and Angola made a big ef-fort to modernise the coffee-grow-ing industry – Angola’s main export – as far as processing and advice for farmers were concerned and

especially regarding production-re-lated scientific and technical prob-lems. Mendes Ferrão summarised them in the following passage: «Coffee-tree cultivation in Angola faced serious technical problems. Coffee leaf rust in Arabica coffee trees, sudden death and soil deple-tion – sometimes there was a need for specialised support. Scientific and technical collaborations with national or foreign institutions were established or intensified ac-cordingly. These included Centro de Investigação da Ferrugem do Cafeeiro and Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar and, at a local level, Instituto de Investigação Científica de Angola, established 1956, and Direcção dos Serviços de Agricultura e Florestas.»5

Armário com amostras de café do escritório do Saldanha da Marques Seixas, atualmente no Jardim Botânico Tropical.

A shelf containing coffee samples in Marques Seixas’ Saldanha office, currently in Jardim Botânico Tropical.

Terreiro de secagem de café no Quitexe, distrito de Uíge,

Angola.

A coffee drying yard in Quitexe, Uíge, Angola.

Page 13: Conversas de Café

163 Portugal produtor Producing coffee in Portugal

In three acts

Act One: the cane cycleSugar cane plantations in São Tomé were based on Brazilian plantations, plus the knowledge resulting from the previous experience in Madeira, where sugar cane had been grown since the early fifteenth century. The appearance of sugar meant an increase in the number of slaves and in the crown’s interest. Grants were replaced by direct control by captains and later by governors. The cane cycle lasted less than two centuries. Its end is linked to poor-quality sugar, as opposed to quality sugar from Brazil, rather than to Angolar upheavals, which are usually held responsible for its decay. They were not the only trou-bles to befall on the islands during the period. There was a devastating cyclone in 1585. French and Dutch pirates invaded the islands several times in the seventeenth century; the latter occupied São Tomé from 1641 to 1644. As in Angola, freedom came from Brazil.Only in the eighteenth century did a new monoculture appear – one that made new farmers rich: coffee.

Act Two: the coffee cycleCoffee trees were introduced in São Tomé and Príncipe by Captain General João Batista da Silva Lagos in 1800, although Mendes Ferrão16 mentions a document written in 1789 from the Arquivo Histórico Ultramarino that refers to the in-troduction of coffee seedlings from Brazil at a time when coffee was already moving northwards on the Paraíba Valley. A new colonisation period began in the second half of the eighteenth century with the ar-rival of new settlers, who will estab-lish large coffee plantations. Some of the best-known coffee farmers from São Tomé were Francisco Assis

Segundo ato: o ciclo do café

O cafeeiro foi introduzido nas ilhas pelo capitão-mor João Batista da Silva Lagos, em 1800, embora Mendes Ferrão17 mencione um documento de 1789, existente no Arquivo Histórico Ultramarino, em que se refere a introdução de mudas desta planta vindas do Brasil, numa época em que o café já trepava pelo Vale do Paraíba. Na segunda metade do mesmo século, inicia-se um novo período de colonização com a chegada de nova remessa de colonos, que irão fundar grandes roças de café. Entre os mais conceituados cafeicultores santomenses estão os nomes do já referido Francisco Assis Belard (Roças Santa Margarida, Monte Macaco e Maiança); Manuel José da Costa Pedreira (fundador de uma das roças mais emblemáticas e completas de São Tomé, a Monte Café); José Maria de Freitas (Roças Bela Vista, Santarém e ilhéu das Rolas); João Maria de Sousa e Almeida, barão de Água-Izé (Roça Água-Izé); José Constantino Dias, marquês de Vale-Flor (Roças Bela Vista e Rio do Ouro – esta última pas-sou a Empresa Estatal Agro-Pecuária Dr. Agostinho Neto, em 1980), fundador da Sociedade Agrícola Vale-Flor; e Francisco Mantero (Roças Porto Real, na ilha do Príncipe, e São Nicolau), fundador da Sociedade Agrícola Colonial e da Companhia da Ilha do Príncipe. Refira-se ain-da António Lobo de Almada Negreiros, da Roça Saudade, pai de José de Almada Negreiros, que ali nasceu.

Terreiro na dependência Bemposta da Roça Novo Destino, em Monte Café.

Coffee drying yard, Novo Destino Plantation at Bemposta, Monte Café.

Grupo de trabalhadores da Roça Novo Destino, em Monte Café.

A group of workers of Novo Destino Plantation, Monte Café.

Page 14: Conversas de Café

O papel libertador da fronteira

Hoje cruzamos a fronteira entre Portugal e Espanha sem se-quer nos apercebermos. A raia pode passar despercebida no meio de uma ponte que atravessamos de carro, no centro de um rio que passamos de barco, ou numa curva de qualquer estrada poeirenta. É assim desde que entrámos na CEE, ain-da lá não vão trinta anos. Longe ficaram os nossos pavores de desafiar a Guarda Fiscal com um par de alpercatas e um saco de caramelos comprados em Ayamonte. Porém, durante muitos séculos, foi a situação frontei-riça que definiu Campo Maior. Conquistada aos mouros em 1230 pelas nossas forças combinadas com as de Leão, a vila acabou por ficar do nosso lado da fronteira. Fortificada, participou em constantes escaramuças com os espanhóis, e foi local de passagem de invasores, que atravessavam para cá e novamente para lá.

The liberating role of the borderThese days, you cross the border between Portugal and Spain without even realising it. It may go unnoticed in the middle of a bridge you cross in your car, half way along a river you sail on or on a curve on a dusty road. It has been like this ever since we joined the EU, not a mere thirty years ago. Far behind us are our fears of defying the Guarda Fiscal with a pair of espadrilles and a bag of caramels bought just across the border in Ayamonte.Yet Campo Maior was defined by its border situation for many centuries. Conquered from the Moors in 1230 by Portuguese forces combined with those from Léon, Campo Maior eventually became on this side of the border. The fortified town played a part in the constant skirmishes with the Spaniards and was a place of passage of invaders, who crossed it there and back again.By operating as a prohibition line, the border opened up the possibility of a business outside the rigid agrarian structure: smuggling. This eventually changed the town completely. Even though it was not strictly a profession, as, generally speaking, smugglers stuck to their jobs as rural workers, trad-ers or even Guarda Fiscal officers, smuggling allowed them not to be totally dependent on landowners, who were masters of the economic and political power as well as social status.Nonetheless, the stories of smuggling that are still told passionately and boldly in Campo Maior to this day are not those of heroes, but of men fighting for survival through a parallel activity based on cunning, physical strength and determination.

Zona fronteiriça de Campo Maior. Ao fundo, já é Espanha.

The border area near Campo Maior. Spain lies in the distance.

Ao funcionar como linha de proibição, a fronteira abriu a possibilidade de um negócio marginal à rígida estrutura agrária: o contrabando, que, com o tempo, mudará com-pletamente a face da vila. Apesar de não ser uma profissão – uma vez que, em geral, os contrabandistas mantinham o seu trabalho de assalariados, comerciantes ou até de guar-das fiscais –, o contrabando permitiu-lhes escapar à depen-dência total dos latifundiários, senhores que detinham o poder económico, o poder político e o estatuto social.Contudo, as histórias de contrabando que ainda hoje se con-tam com paixão e frontalidade em Campo Maior não são de heróis, mas sim de homens em luta pela sobrevivência atra-vés de uma atividade paralela baseada na astúcia, na força física e na determinação.

Page 15: Conversas de Café

Balão ou vacpot

Moagem média a grossa

40 g de pó para 400 ml de água (10%)

No centro da mesa, o balão atrai as atenções de todos e revela a transparência de um ritual alimentado pelo calor da chama e pela convivialidade. Este método foi desenvolvido por Robert Napier, engenheiro naval, em 1849. Muito aprecia-do no Japão, funciona através da criação de vácuo, que faz subir a água, justificando o seu outro nome: vacpot ou máquina de café por vácuo. O balão é constituído por dois recipien-tes em vidro de forma arredondada, que se acoplam em altura através de uma borracha vedante e encaixam num apoio metálico. Deita-se a água no balão inferior, de preferência já bem quente, para diminuir o tempo do processo, e aquecida pela chama de uma mecha, geralmente alimentada a álcool. Quando a água começa a fazer bolhas, encaixa-se bem o recipiente de cima (funil), já com o café em pó, e deixa-se a água subir. Nessa altura, mexe--se com uma colher e deixa-se em infusão durante 30 a 40 segundos. Retira-se a lamparina e, logo que se inicia o arrefecimento, a água começa a descer por sucção, passando pelo filtro, geralmente em flanela (lavável ou substituível). O café resulta com doçura e pouca intensidade.

O método invertido

No método descrito em cima, o líquido começa a cair através da gravidade antes do fim do tempo de infusão, podendo levar a um café subextraído. Para o evitar, há quem prefira o «método invertido», que produz um café mais encorpado. Rega-se o filtro de papel, coloca--se no porta-filtros e reserva-se. Introduz-se o êmbolo dentro da base, com o anel de borra-cha a tocar no n.º 4, ou seja, as duas partes quase completamente separadas, com a abertura da base virada para cima. Introduz-se o funil e deita-se o café na base através deste. Rega-se com um pouco de água, até atingir o nível 3. Mexe-se durante 10 segundos e deita-se o resto da água, até atingir o nível 2. Enrosca-se o filtro na base e espera-se 20 segundos. Vira-se todo o conjunto com cuidado, sobre uma caneca ou cafeteira em vidro, e faz-se pressão com o êmbolo, lenta e continuadamente, até atingir o pó.

AeropressMedium grind15 g coffee powder per 200 ml waterAeropress is one of the latest coffeemakers. It works like a puzzle, maybe because it was designed by a toymaker, Alan Adler, in 2005. There may be only three pieces in the puzzle (base, plunger and filter holder), but the way they connect to each other and how it works are not intuitive. Once you under-stand the concept, though, Aeropress is easy to operate. The set also includes a filter holder, a measuring spoon and a funnel.Aeropress works by air pressure (hence the name). It extracts the properties of coffee while keeping the essential oils. The resulting coffee has a medium intensity and full flavour.Water up the filter (a paper disk) with a little hot water, place it in the filter holder and screw the base. Flip the base so that the filter is on the bottom side and place it on a glass jar or a mug strong enough to stand the pressure on the plunger. Pour in the dust through the black funnel. Remove the funnel. Drizzle it slowly with hot water (80ºC) until it reaches the desired level. Let it set for ten seconds. Stir it carefully for ten seconds with a spatula. Wait for twenty seconds. Water the plunger rubber ring and insert it in the base carefully so that it may slide better. Press gently with both hands until you reach the powder: the coffee will drip onto a jar or a mug. For weak coffee, simply add hot water. Disassemble the Aeropress and wash each component.

The inverted methodIn the method described above, the liquid drips by gravity before the end of the infusion time. This may lead to under-extracted coffee. To prevent this, some people prefer the «inverted method», which produces full-bodied cof-fee. Rinse the paper filter, place it in the filter holder and set aside. Place the plunger in the base. Make sure the rubber ring reaches level 4, i.e., both parts are almost completely separated, and the opening of the base is facing up. Insert the funnel and use it to pour coffee into the base. Rinse with a little water until it reaches level 3. Stir for ten seconds and pour the remaining wa-ter until it reaches level 2. Screw the filter to the base and wait for 20 seconds. Turn the whole set upside down carefully over a mug or a glass coffeemaker and press the plunger slowly and steadily until it reaches the coffee powder.

Glass jug or vac potMedium to coarse grind 40 g coffee powder per 400 ml water (10%)In the middle of the table, a glass jug will draw everyone’s attention and re-veal the transparency of a ritual powered by a flame and by socialising.The method was created by the naval engineer Robert Napier in 1849 and is very popular in Japan. Vacuum makes water rise – hence its other name, vac pot, vacuum coffeepot. The glass jug is made up of two round glass contain-ers linked height-wise through a rubber seal and joined to a metal pod. Pour the water into the lower jug, preferably hot, so as to reduce the processing time. It is heated by a wick’s flame, usually using alcohol. When the water starts bubbling, join the top part container (the funnel) and the coffee powder already inside tight and let the water rise. Stir with a spoon and let it brew for 30-40 seconds. Remove the lamp. As soon as it starts to cool down, the water will begin to go down by suction through the filter (which is usually made of flannel and can be washed or replaced). The end result will be a sweet, low intensity coffee.

Café à medida Coffee, any way you want it221

Balão.

Jug.

Máquina de café de lamparina, antiga variante do balão.

A lamp coffeemaker, an old variation of the jug.