casas brasileiras

169
UFRGS PROPAR ESTRUTURAS FORMAIS CASAS MODERNAS BRASILEIRAS 1930 - 1960 Jesus Henrique Cheregati

Upload: raphaella-cavalcante

Post on 23-Sep-2015

29 views

Category:

Documents


14 download

DESCRIPTION

Analisa a arquitetura residencial unifamiliar moderna brasileira, em São Paulo e Rio de Janeiro, no periodo compreendido entre os anos de 1930 e 1960, a partir de suas estruturas formais, entendidas como o conjunto dos princípios geradores de identidade do edifício.

TRANSCRIPT

  • 1

    UFRGS PROPAR

    ESTRUTURAS FORMAIS CASAS MODERNAS BRASILEIRAS

    1930 - 1960

    Jesus Henrique Cheregati

  • 2

    capa: desenho do autor baseado no quadro Casa Giratria Paul Klee, 1921

  • 3

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE ARQUITETURA

    PROGRAMA DE PESQUISA E PS-GRADUAO

    EM ARQUITETURA

    ESTRUTURAS FORMAIS CASAS MODERNAS BRASILEIRAS

    1930 - 1960

    Jesus Henrique Cheregati

    Dissertao apresentada ao Programa de Pesquisa e Ps-Graduao em Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, convnio UCG/UFRGS, como requisito para a obteno do ttulo de Mestre em Arquitetura.

    Orientador: Prof. PhD. Arq. Edson da Cunha Mahfuz

    Goinia 2007

  • 4

    Para Paul Klee

    Klee,

    de alguma maneira

    minha alma sua

    naquela tangncia

    onde os seres se fundem

    e, afinal, compreendem

    o incompreensvel.

    Mrcia Metran de Mello

    O Chafariz da Aldeia - 2000

  • 5

  • 6

    Agradecimentos

    Universidade Catlica de Gois

    Dra. Adriana Mara Vaz de Oliveira (em especial)

    Dra. Mrcia Metran de Mello

    Dra. Elane Ribeiro Peixoto

    Dr. Edson da Cunha Mahfuz (em especial)

    Corpo docente do curso de mestrado do PROPAR

  • 7

    RESUMO

    O presente estudo analisa a arquitetura residencial unifamiliar moderna

    brasileira, em So Paulo e no Rio de Janeiro, no perodo compreendido entre os

    anos de 1930 e 1960, a partir de suas estruturas formais, entendidas como o

    conjunto dos princpios geradores da identidade do edifcio. Foram escolhidas 15

    casas, classificadas em trs grupos de estruturas formais. A anlise de cada uma

    delas foi subsidiada pela teoria do Quaterno Contemporneo, assim denominada

    pelo arquiteto Edson da Cunha Mahfuz.

    O trabalho analtico dos exemplos selecionados teve como objetivo

    apreender como a modernidade se expressou por meio da estrutura formal da

    arquitetura residencial, que se acredita abarcar um repertrio de produo

    arquitetnica no Brasil cujas estruturas formais esto recheadas de significados.

    Atravs do estudo dessas estruturas possvel refletir sobre a histria arquitetnica

    do sculo XX.

  • 8

    ABSTRACT

    The present research analyzes the architecture of the Brazilian modern

    residential houses in the cities of So Paulo and Rio de Janeiro, built between the

    decades of 1930 and 1960, understanding its formal structures as a group of

    principles that generates the identity of the building. There were chosen fifteen

    houses which were classified in three groups of formal structures. The analysis of

    each one of them was subsided by the theory of the Contemporary Quaternary as it

    was named by the architect Edson da Cunha Mahfuz.

    The analytical work of the selected examples had as an objective to

    comprehend the way which modernity was expressed through the formal structures

    present in the architecture of residential houses, once it is believed that these

    buildings hold a repertory of production of Brazilian architecture, where its formal

    structures are fulfilled with meanings. Throughout the study of these structures it is

    possible to reflect about the architectural history of 20th century.

  • 9

    SUMRIO

    INTRODUO 10

    A CASA MODERNA E SEUS PRINCPIOS 15

    A casa moderna no Brasil - 21

    O QUATERNO CONTEMPORNEO 25

    programa - 29 lugar - 31

    construo - 34 estrutura formal 36

    Tipo e Estrutura Formal - 38

    AS CASAS MODERNAS COMO OBJETO DE ANLISE - 42

    ANLISES 44

    partidos compactos - 45 casa 1 - partidos compactos reidy casa do arq. 1959 itaipava - 46

    Casa 2 - barra vilanova artigas casa heitor almeida 1949 santos - 51

    composies elementares de base retangular - 57 casa 3 -retngulos deslizantes olavo redig casa geraldo baptista - 1954 petrpolis - 58

    casa 4 - L reidy casa carmen portinho- 1950 rio 63 Casa 5 -S- rino levi casa olivo gomes 1949 s.j. campos - 67

    Casa 6 - H- bina fonyat casa joo antero 1954 petrpolis 73 Casa 7 - T lucio casa pedro paulo 1944 araruama - 78

    Casa 8 -U lina bo bardi casa da arq. 1951- so paulo- 83 Casa 9 -Y mindlin casa jorge hime 1949 petrpolis - 89

    Casa 10 -O- lucio res. hungria machado 1942 rio 93 Casa 11 I niemeyer casa oswald de andrade 1938 petrpolis - 98

    formas especiais 102

    Casa 12 -trapezoidais rocha miranda res. para engenheiro 1955- rezende - 103 Casa 13 -amebide niemeyer casa das canoas 1953 rio - 108

    Casa 14 -circular warchavchik - casa sra. jorge prado 1946 guaruj - 113 Casa 15 -dois blocos em ngulo mindlin casa lauro souza 1953 petrpolis - 116

    CONCLUSO - 120

    REFERNCIAS 126

    ANEXOS - 130

  • 10

    INTRODUO

    Uma teoria no deve ser confundida com os tratados nem com as doutrinas. Ao contrrio, a teoria est sempre aberta ao mundo que pretende explicar: dele extrai confirmao e se modifica, uma vez que surjam dados que a contradigam. O objetivo de uma teoria projetual no pode ser a criao de frmulas que resolvam todos os problemas de uma vez por todas, mas sim a ampliao da prtica de projeto e seu campo problemtico, proporcionando instrumentos que permitam reconhecer de maneira ordenada a complexidade da realidade.(MAHFUZ, 2002, p. 71).

    A teoria um conhecimento especulativo e sistematizado acerca de um

    determinado assunto, adquirido por meio da prtica. A primeira teoria da arquitetura

    remonta aos primeiros sculos da nossa era com os Dez livros sobre arquitetura de

    Vitrvio.1 Essa obra perdurou como cnone de boa arquitetura at o final do sculo

    XVIII e definia, em sua trade (firmitas, utilitas e venustas), que todo edifcio devia

    ser simultaneamente duradouro, til e belo.

    No sculo XIX, as teorias eram, em geral, um desenvolvimento dos

    conhecimentos primeiros de Vitrvio. Eram apresentadas, pelos arquitetos, como

    comentrios ao lado de seus projetos, executados ou no. Em forma de portfolios e

    antologias serviam de guias para a concepo de um edifcio de boa qualidade, o

    que significava apresentar uma composio correta em seu aspecto formal e

    funcional e ter um carter adequado, ou seja, haver equilbrio entre o projeto e sua

    forma, estabelecendo uma relao de significado e simbolismo.

    No sculo XX, um momento de muitas discusses acerca dos diversos temas

    que permeavam a teoria da arquitetura foi o da ruptura causada pelo modernismo

    na passagem do sculo. No campo da edificao, as teorias se ampliaram com base

    em parmetros mais individualistas e prevaleceram as concepes dos tericos

    acerca do que seria uma boa arquitetura, no havendo, como nos sculos

    anteriores, uma diversidade de teorias que tratavam, no entanto, do mesmo ideal

    da boa edificao.

    Somaram-se s teorias do edifcio as teorias urbanas com suas reflexes

    sobre as cidades. As questes tornaram-se mais complexas e as teorias

    1 Marcus Vitruvius Pollio (sc.I, a.C.), arquiteto, engenheiro e tratadista romano, produziu o trabalho intitulado De Architectura que at hoje constitui fonte documental imprescindvel para o entendimento da arquitetura.

  • 11

    extrapolaram o mbito da disciplina, imbricando-se com a lingstica, a semiologia, a

    antropologia e outras reas.

    No Brasil, tomaram corpo as teorias da arquitetura moderna que,

    significativamente, se aliceravam nas teorias de Le Corbusier em seus cinco pontos

    fundamentais.2

    A partir da segunda metade do sculo, principalmente aps a construo de

    Braslia, o cenrio arquitetnico se viu afetado por uma crise que, para Mahfuz

    (2004), se originou com o fenmeno da globalizao, o qual, por mais que no

    percebamos, vem modificando o mundo nos ltimos cinqenta anos.

    Uma das piores conseqncias dessa crise que

    [...] h muita construo e pouqussima arquitetura. A maioria dos edifcios recentes tende a estar entre o pastiche historicista e o amontoado de formas incompreensivelmente agrupadas, em que programa, lugar e construo desempenham um papel bastante secundrio. (MAHFUZ, 2002, p. 117).

    O arquiteto Edson da Cunha Mahfuz interpretou o entendimento da boa

    arquitetura retomando as razes tericas da disciplina e atualizou a teoria vitruviana,

    elaborada h 2 mil anos atrs com base na trade firmitas, utilitas e venustas .

    Se uma teoria deve ser pertinente a seu tempo, Mahfuz procura dar

    respostas criando o Quaterno Contemporneo, uma nova teoria que insere, na

    trade vitruviana, uma questo contempornea o lugar e troca a componente

    venustas pela estrutura formal. Outra questo que procura recolocar no mbito do

    projeto a discusso sobre a beleza. Essas transformaes sintetizam assim o

    Quaterno: lugar, construo (firmitas), programa (utilitas) e estrutura formal

    (venustas).

    Mahfuz justifica seu estudo pela sensao de ausncia de um olhar sobre a

    essncia da arquitetura e sua dimenso cultural e social, bem como pela falta de

    consenso, no incio deste novo sculo, sobre o que caracteriza uma boa arquitetura

    e quais os procedimentos projetuais que nos levam a ela, uma vez que vivemos

    [...] em uma poca em que, aparentemente, vale tudo (MAHFUZ, 2004, p. 1).

    2 Os cinco pontos de uma nova arquitetura (1926) so: pilotis, teto-jardim, planta livre, janela em fita e a fachada livre.

  • 12

    Com base na teoria do Quaterno Contemporneo, este estudo props-se a

    avaliar a arquitetura residencial unifamiliar moderna brasileira, no perodo

    compreendido entre os anos de 1930 e 1960, nos estados de So Paulo e Rio de

    Janeiro.

    A opo pelo Quaterno Contemporneo foi motivada pela clareza e

    simplicidade da definio de seus componentes, bem como pela organizao de

    seus parmetros em forma de um organograma,3 o que facilita a interpretao do

    problema arquitetnico.

    luz de uma teoria contempornea, pretendeu-se avaliar uma produo

    moderna, com o objetivo de desmitificar ou comprovar as teorias mximas da

    arquitetura moderna que se aliceravam nas teorias corbusianas baseadas nos seus

    cinco pontos, nas teorias funcionalistas de que a forma segue a funo e na

    desqualificao do lugar como uma das condies fundamentais da arquitetura.

    Buscou-se, tambm, entender por que esse perodo se tornou um registro

    sem variantes e tambm por que, mesmo sendo um perodo rico, findou sem que

    dele fossem extrados, totalmente, sua essncia e contedo. Talvez, a partir da seja

    possvel compreender os caminhos que culminaram na produo arquitetnica atual,

    em sua maior parte inexpressiva, como pensa Colin ao afirmar que falta aos

    profissionais de hoje.

    [...] o esprito que alimentou as nossas vanguardas, o impulso criador da escola carioca e da paulista. As formas arquitetnicas aqui adotadas no presente, sob o pretexto de serem atuais, so tomadas emprestadas por puro mimetismo, faltando uma reflexo mais profunda sobre nossa prpria vocao, uma reflexo por certo difcil neste momento em que o pas, ele prprio, busca a sua identidade. Mesmo a arquitetura do primeiro mundo parece estar tambm enredada em um formalismo onipresente e todo-poderoso, cujas prticas afastam-se dos fundamentos mais puros da arquitetura. (COLIN, 2002, p. 143).4

    Objetivou-se, ainda, realizar um aprofundamento terico dos princpios

    projetuais, por meio do qual fosse possvel obter maior clareza acerca dos

    3 Para o detalhamento deste organograma, ver o captulo sobre o Quaterno Contemporneo neste estudo, p.25. 4 Ver opinio semelhante e aprofundada em A arquitetura consumida na fogueira das vaidades (MAHFUZ, 2002, p. 113).

  • 13

    contedos analisados no exerccio da atividade docente, contribuindo-se, assim,

    para o ensino e o fazer arquitetnico.

    A escolha de edifcios residenciais unifamiliares modernos fundamentou-se

    no fato de a casa ser um tema recorrente entre os mestres da arquitetura moderna

    e o seu principal campo de experimentao, pois

    [...] a partir do Movimento Moderno que o tema da casa passa a ocupar um lugar central nas preocupaes dos arquitetos, deixando de ser considerada apenas como um reflexo das formas significativas desenvolvidas em relao ao templo e o palcio para ser tomada como ponto de partida, e todos os temas edilcios serem considerados como extenses da casa. (JUREGUI ET VIDAL, 1983, p. 54).

    Tambm porque as casas so os projetos que mais possibilitam criar, uma

    vez que assumem um carter de maior interao entre as especificidades do

    profissional e as exigncias do cliente, o que d ao arquiteto maior liberdade para

    encontrar solues particulares.

    O recorte geogrfico dos estados do Rio de Janeiro e So Paulo foi assim

    determinado porque nesses estados foi onde o modernismo brasileiro mais rendeu

    frutos em quantidade e qualidade de projetos e obras que, por suas diferenciaes,

    caracterizaram as escolas paulista e carioca. Esses frutos no foram produzidos em

    vo, pois o Rio de Janeiro e So Paulo constituram portas de entrada e de

    estabelecimento das primeiras e principais escolas de arquitetura e engenharia e dos

    maiores acontecimentos e movimentos artsticos do comeo do sculo XX.

    Acrescentam-se a isso, o poder poltico do Rio de Janeiro, capital federal at 1960, e

    o poder econmico de So Paulo, o que contribua, sobremaneira, para o

    crescimento do cenrio artstico e cultural do pas.

    O recorte temporal, entre os anos de 1930 e 1960, encontra justificativa no

    fato de compreender trs dcadas de intensas transformaes econmicas e sociais

    que colaboraram para a cristalizao da arquitetura moderna brasileira e

    possibilitaram a reviso de

    [...] um modo de concepo formal atemporal, cuja retomada talvez pudesse nos ajudar a sair do beco em que nos metemos, e retomar um caminho que nos leve outra vez a possuir uma arquitetura autntica prpria, forte o suficiente para absorver as influncias externas sem se deixar dominar por elas. (MAHFUZ, 2002, p. 103).

  • 14

    Metodologicamente, o estudo props-se a identificar, a partir de 169

    projetos publicados, quais as estruturas formais5 utilizadas nas residncias

    unifamiliares. Para tanto, depois de reunidos, foram inventariados de acordo com os

    seguintes fatores: autoria, ano do projeto, proprietrio, endereo, estrutura formal

    com croqui e fontes de pesquisa. Aps esse levantamento, as obras foram divididas

    em trs grupos tipolgicos: os partidos compactos, as composies elementares6 de

    base retangular e as formas especiais, totalizando, na soma desses trs grupos, 15

    tipologias diferentes analisadas com base na teoria do Quaterno Contemporneo.

    Nessa anlise identificada a estrutura formal e discutem-se a espacializao do

    programa, as relaes com o lugar e o modo como as solues tcnico-construtivas

    incidem sobre a forma. Vale acrescentar que todos os desenhos aqui apresentados

    so de autoria do autor, baseados em plantas e fotos.

    Quanto estrutura, esta dissertao est dividida em cinco partes. A

    primeira, introdutria, explicita e justifica o trabalho. A segunda, denominada A casa

    moderna e seus princpios, trata das transformaes por que passou a forma da

    casa no mundo at a casa moderna no Brasil. A terceira parte, o Quaterno

    Contemporneo, expe e discute a teoria e seus componentes utilizados nas

    anlises. A quarta parte consiste nas anlises das 15 casas escolhidas divididas em

    trs grupos tipolgicos e, finalizando, um captulo conclusivo onde so tecidas as

    consideraes finais sobre o tema tratado no trabalho, a partir das premissas e dos

    objetivos apontados na introduo.

    5 Estruturas formais: [...] princpio ordenador segundo o qual uma srie de elementos, governados por relaes precisas, adquirem uma determinada estrutura (ARS apud MAHFUZ, 2002, p. 5). 6 A expresso Composio elementar foi criada por Reyner Banham em seu livro Teoria e Projeto na primeira era da mquina (2003, p. 23).

  • 15

    A CASA MODERNA E SEUS PRINCPIOS

    Em busca de reorientao do pensamento projetual num momento de dvidas, para a arquitetura moderna que nos voltamos, por mais paradoxal que isso possa parecer, pois ela tem sido considerada morta e ultrapassada h pelo menos trinta anos. (MAHFUZ, 2004, p. 6).

    Se este estudo pretende analisar projetos residenciais modernos, faz-se

    necessrio entender os princpios que regeram a arquitetura moderna e como eles

    influenciaram os projetos da morada humana. Cabe destacar a importncia desse

    entendimento para a prtica e o ensino da arquitetura, uma vez que, rompendo com

    o mimetismo classicista dos sculos anteriores, o movimento moderno criou uma

    nova idia sobre a concepo do artefato arquitetnico, renovando a maneira de

    pensar a arquitetura, o que nos libertou de uma metodologia de projeto baseada em

    referncias e imitaes.

    Essa nova maneira de conceber, denominada por Hlio Pin de construo

    formal, constituiu, por volta dos anos 1920, [...] uma realidade nova, construda

    com critrios de consistncia visual (1998, p. 30) e o princpio fundamental da

    arquitetura moderna. Construo formal [...] o procedimento por meio do qual se

    obtm a sntese dos vrios subsistemas que compem uma obra de arquitetura

    (MAHFUZ, 2004, p.7); uma lgica que imprimiu identidade7 aos artefatos

    arquitetnicos, principalmente por meio de suas formas recheadas de significados

    que refletem a histria arquitetnica do sculo XX.

    A construo formal assemelha-se a um jogo de montar, em que cada

    elemento do edifcio e seus subsistemas (estrutura, organizao espacial, acessos,

    entorno, etc.) podiam ser pensados independentemente,8 o que [...] permite o

    abandono da imitao como procedimento fundamental, possibilitando o uso de

    esquemas ordenadores de qualquer origem, at da prpria histria da arquitetura

    (MAHFUZ, 2004, p.7). A construo formal diferenciava-se, portanto, da concepo

    da arquitetura tradicional, que solucionava o problema projetual de forma que os

    subsistemas arquitetnicos trabalhassem juntos como uma forma fechada em si

    7 Identidade no sentido de objeto nico com caractersticas prprias. 8 Le Corbusier separava as partes em suportantes e suportadas.

  • 16

    mesma, confundindo-se com sua estrutura formal e baseando-se, somente, na

    adoo de modelos histricos da arquitetura.

    Na arquitetura moderna, a adoo desses modelos substituda pelo

    programa que passa a ser o principal estimulador da forma, mas nunca seu

    determinante. Hlio Pin esclarece:

    No classicismo, o programa estava compreendido no tipo, de modo que carecia de qualquer incidncia na arquitetura que no fosse atravs dele. Ao renunciar ao tipo como momento formativo do projeto, a arquitetura moderna faz do programa o critrio de identidade da obra. Mas se trata de uma identidade genrica, no formal: uma obra como artefato singular depende dos critrios especficos de ordem espacial que fundamentam sua concepo. (1998, p. 102).

    A partir da construo formal que busca na forma9 a sntese de um processo

    projetual, possvel rever quais so os fundamentos que permeiam essa

    construo.

    Para a arquitetura moderna, forma refere-se estrutura, que um sistema

    maior formado por subsistemas menores que constroem um artefato arquitetnico.

    Tanto a forma quanto os condicionantes que lhe do origem se apresentam no

    artefato arquitetnico com algum sentido, pois se orientam pela realidade do

    problema para atingir seus objetivos. Se os objetivos forem cumpridos, espera-se

    que a soluo arquitetnica tenha consistncia, qualidade e identidade.

    Para que uma forma tenha sentido e consistncia, ela precisa expressar

    categorias e atributos espaciais que, para Hlio Pion (1998), so apontados pela

    arquitetura moderna e deveriam servir como contribuio ao pensamento projetual

    contemporneo. So esses atributos: economia, preciso, rigor, universalidade e

    sistematicidade.

    A economia refere-se ao uso de um nmero reduzido de elementos espaciais

    para gerar a forma,10 o que no significa comprometer o edifcio retirando

    elementos fundamentais sua formao. Convm aqui salientar que arquitetura

    econmica elementar e no arquitetura simples.

    9 Forma como a instncia inevitvel da arquitetura. 10 Pin salienta que no se deve confundir esse princpio com o minimalismo, que uma deciso puramente estilstica (1998, p. 28).

  • 17

    A preciso diz respeito inteno de executar bem as obras que, para

    serem construdas com exatido, necessitam de projetos bem representados e

    detalhados e do olhar do arquiteto sempre presente em sua execuo.

    O rigor significa estar atento para que nada exterior ao projeto possa

    interferir na sua construo, e que s o essencial permanea.

    A universalidade11 um princpio que faz com que o observador reconhea

    no edifcio sua estrutura formal que pode atravessar o tempo e servir a outras

    funes; a qualidade de permanncia. So exemplos as plantas livres americanas

    de Mies van der Rohe.

    A sistematicidade um mtodo de trabalho segundo o qual os problemas

    projetuais devem ser resolvidos juntos, levando em conta o seu todo, integrado. Um

    exemplo sistemtico a aplicao do esquema Dom-in de Le Corbusier e nos

    projetos de Louis Kahn.

    Vale ressaltar que esses critrios no devem ser interpretados simplesmente

    para a construo, mas devem estar presentes nas intenes que a antecedem,

    como na confeco do programa e na adoo do partido. Mahfuz (2004, p. 11)

    acredita que [...] o resultado desse esforo, se exercido por um nmero suficiente

    de arquitetos e apoiados por seus clientes, seria o retorno da arquitetura brasileira a

    um patamar de excelncia compatvel melhor produo realizada no sculo XX.

    Considerando esses princpios, pode-se averiguar suas relaes com as

    transformaes da casa tradicional para a moderna a partir da Revoluo Industrial

    na segunda metade do sculo XVIII, levando-se em conta outra grande contribuio

    do modernismo: a preocupao social manifesta em um olhar mais prximo do

    homem e seu habitat.

    Esta a relao profunda entre a arquitetura moderna e a civilizao industrial: tal como a indstria tornou possvel a produo de objetos de uso e servio em quantidade capaz de apresentar como objetivo realizvel o de que todos os homens participem das mesmas oportunidades materiais, assim a arquitetura moderna tem como fim transmitir em igual medida a todos os homens certas oportunidades culturais antes hierarquicamente

    11 Pin diz que universalidade no deve ser entendida como disponibilidade ou versatilidade, seno como a condio do essencial na constituio das coisas, valor cujo reconhecimento constitui uma qualidade especfica da espcie humana (1998, p.32).

  • 18

    diferenciadas segundo as diferentes classes sociais, e um programa de redistribuio dos bens artsticos segundo as exigncias da sociedade moderna. (BENVOLO apud DOIS, 1979, p. 28).

    Esse olhar mais direto para novas exigncias sociais, para o homem e,

    conseqentemente, para sua casa resultou, especialmente, da migrao desse

    homem para as cidades em virtude das crescentes necessidades industriais, o que

    acarretou o inchao das cidades e a urgncia na construo de novas casas.

    Assim, as cidades crescem e, necessitando de moradias, procuram-se

    mtodos novos de construo e novos materiais. A arquitetura entra em cena,

    participando do processo como colaboradora e como receptora, pois toda essa

    transformao tambm se reflete em seus princpios, em relao tanto s tcnicas

    construtivas quanto aos novos materiais, como o ferro, o ao, o vidro, o cimento

    armado, dentre outros. A casa passa, ento, a obter enormes vantagens

    construtivas, principalmente quando se consegue, por meio do concreto armado,

    vos maiores que deixam livres fachadas inteiras. Os pilares recuados tambm

    libertam as fachadas para novas composies. Aparece, desse modo, a planta livre,

    graas eliminao das paredes como suporte, porque agora quem sustenta a casa

    um esqueleto de cimento armado ou ao, exigindo das paredes apenas a funo

    de vedao.

    Vale acrescentar que tais mudanas no foram repentinas, resultaram de um

    processo que durou quase todo sculo XIX. O modernismo foi um movimento

    mundial do qual no se pode precisar o comeo, pois [...] quanto mais

    rigorosamente se procura a origem da modernidade, mais atrs ela parece estar

    (FRAMPTON, 2000, p. IX).

    Um dos marcos importantes do movimento foi William Morris12 e seus

    seguidores, por meio das artes aplicadas arquitetura. As transformaes formais

    mais contundentes viriam, porm, com o advento da Escola de Chicago,

    protagonizada por Louis Sullivan que, baseado na reconstruo dessa cidade

    americana, principalmente de seus edifcios comerciais, apresentou novas formas

    que iriam influenciar toda a gerao futura de arquitetos.

    12 De acordo com Leonardo Benvolo (2001, p. 202): Pode ser considerado, mais que qualquer outro, como o pai da arquitetura moderna.

  • 19

    No contexto dessas transformaes que nasceu a casa moderna,

    protagonizada com exemplos como as casas abstratas de Adolf Loos (casa Steiner,

    Viena, 1910), os planos livres da De Stijl de Gerrit Rietveld (casa Schrder, Utrecht,

    1924) e o espirit nouveau de Le Corbusier (maison Citrohen, Pessac, 1920).

    Falar de nomes precursores da arquitetura moderna no define o que

    realmente a caracteriza, uma vez que ela foi um produto das condies

    socioculturais de uma poca. Mas alguns desses precursores marcaram fortemente

    o modernismo por meio de seus princpios impressos em suas edificaes

    residenciais, que so nosso objeto de anlise, os quais exerceram influncia em todo

    o mundo, inclusive no Brasil.

    Para nosso estudo, foram investigados dois nomes de importncia destacada

    na arquitetura moderna mundial que tiveram ascendncia sobre os arquitetos

    modernos brasileiros, seja por seus princpios ou pela adoo de estruturas formais

    anlogas. So eles: Mies van der Rohe e Le Corbusier.

    Mies van der Rohe,13 que se destacou por sua arquitetura de forma pura,

    [...] reduzida a uma essncia retangular (STRICKLAND, 2003, p.134), na qual a

    ordenao e a sistematizao da estrutura resistente em ao permitiam total

    flexibilizao dos espaos que se formavam abertos e modelados pela disposio

    dos planos de vidro muito utilizados por ele. Essa caracterstica fundamental de Mies

    imprime, em suas obras, um carter universal que pode ser sentido pela facilidade

    de readaptao desses espaos a novos usos e costumes. Mahfuz14 salienta, alm

    dessas caractersticas, seu didatismo, seus significados e o modo como a estrutura

    resistente de seus projetos se confunde com a definio de sua estrutura

    formal/espacial.

    Autor de projetos comerciais, em sua maioria, possui um dos maiores cones

    residenciais da arquitetura moderna, a Casa Farsworth, construda em 1950 e

    localizada prximo de Plano, no Estado de Illinois (EUA). Esta obra retrata sua mais

    pura convico de que menos mais; um prisma transparente, solto do solo,

    permite a viso total do lugar, tanto interna quanto externamente.

    13 Ludwig Mies van der Rohe (1886-1969), arquiteto alemo naturalizado americano. 14 Ver Ordem, estrutura e perfeio no trpico. Mies van der Rohe e a arquitetura paulistana na segunda metade do sculo XX (MAHFUZ, 2005).

  • 20

    A influncia de Mies na arquitetura moderna brasileira pode ser constatada

    pela quantidade de projetos modernos realizados por nossos arquitetos,

    principalmente nas dcadas de 1960/1970, nos quais esto presentes seus conceitos

    de produo; sua viso industrializvel, com ressalvas e adaptaes; as estruturas

    resistentes que se confundem com a estrutura formal dos edifcios e a tectonicidade,

    com o predomnio da horizontalidade e da economia dos meios. Dentre os arquitetos

    modernos mais influenciados destacam-se Lina Bo Bardi, na concepo do Museu de

    Arte Moderna em So Paulo, e Vilanova Artigas em vrios de seus projetos, sem

    falar no modernismo tardio de Paulo Mendes da Rocha.

    Por ltimo, talvez o mais famoso ou mais conhecido arquiteto forjador da

    renovao arquitetnica na passagem do sculo XIX para o XX, Le Corbusier,15 que

    foi o autor e divulgador das teorias arquitetnicas modernas europias. Entre elas

    merecem destaque seus cinco pontos fundamentais: a estrutura resistente

    independente, normalmente usada por ele em concreto, que deveria funcionar como

    um esqueleto; a independncia das vedaes em relao estrutura, o que se

    batizou de plano livre ou planta aberta; o teto plano que pode ser utilizado como

    terrao-jardim; as fachadas que, livres da estrutura, seriam palcos para

    composies diversas e poderiam at mesmo sustentar janelas em fita para

    melhorar o conforto trmico e os pilotis, que eram espaos abertos no pavimento

    trreo das edificaes com o fim de permitir a viso do lugar.

    Le Corbusier obteve fama com seus inmeros projetos, dentre os quais

    merece distino a Villa Savoye de 1920-1931, em Poissy, na Frana, a qual com

    suas formas geomtricas puras sobre pilotis, imprime credenciais originais pela

    cobertura plana com terrao-jardim, janelas em fita, superfcies brancas, lisas e sem

    ornamento; casa mquina lgica, funcional e eficiente. Essa era a receita para

    uma casa que poderia ser edificada em qualquer lugar.

    No Brasil, a influncia de Corbusier notria; alm da utilizao de seus

    princpios, clara tambm a utilizao dos mesmos elementos usados por ele em

    seus projetos.

    15 Charles Edouard Jeanneret, conhecido por Le Corbusier, arquiteto suo (1887-1966).

  • 21

    seguro dizer que as suas idias e projetos so a fundao sobre a qual se assenta no s apenas a produo do perodo ureo da nossa arquitetura, admirada em todo mundo, e que culmina com a construo de Braslia, mas tambm de vrios de seus desenvolvimentos posteriores. (MAHFUZ, 2005, p. 2).

    A casa moderna no Brasil

    As reformas urbanas das grandes metrpoles brasileiras, tendo como palco

    principal a cidade do Rio de Janeiro, surgiram pelo crescente xodo rural provocado

    pela industrializao de nosso pas. Tais reformulaes tentavam adequar a cidade

    aos padres urbanos europeus do momento, nos moldes de Haussmann em Paris na

    segunda metade do sculo XIX, seguidos pelo ento governador carioca Pereira

    Passos.

    Convicto, Passos foi seguido em suas aes por prefeitos de outras cidades,

    como So Paulo, Porto Alegre, Santos, Salvador, Recife, dentre outras, os quais

    procuraram organiz-las tendo a casa como o edifcio

    mais observado. Onde percebiam indcios de insalubridade, os proprietrios eram

    enxotados para as periferias.16 Em contrapartida, com a crescente valorizao da

    higiene domstica, palacetes eram erguidos no centro de grandes lotes ajardinados.

    Tambm as novas casas menos abastadas deveriam adequar-se aos novos modos

    de vida requeridos por uma cidade industrializada.

    Foi uma poca de reforma dos espaos, tanto pblicos quanto privados,

    quando ocorreu uma devassa organizacional para que doenas e pestes em geral

    deixassem de degradar as cidades que, saneadas, podiam crescer vertiginosamente.

    Era tempo de adaptar os edifcios s novas demandas econmicas e tecnolgicas da

    segunda metade do sculo XIX, as quais [...] iriam provocar o desprestgio dos

    velhos hbitos de construir e habitar (REIS FILHO, [196?], p. 44).

    Nesse perodo a morada no Brasil no mudou muito. Embora tenha passado

    por diversas fases, sempre esteve atrelada estrutura urbana na qual estava

    instalada, mantendo um nvel tecnolgico precrio, programas repetitivos e casas

    construdas, na possibilidade de nossa mo-de-obra, maneira portuguesa e

    16 nesse momento que surgem as favelas, de acordo com Lemos (1989).

  • 22

    escravocrata, ou seja, permaneceu de acordo com padres coloniais em relao

    organizao espacial, ao sistema construtivo e apropriao.

    Um sopro de modernidade ocorreu a partir da segunda metade do sculo

    XIX at os primeiros anos do sculo XX, com o surgimento de casas nos moldes

    neoclssicos e eclticos e com o advento do art-nouveau e do neocolonial. Essas

    transformaes foram pontuais porque ainda estavam aliceradas na mo-de-obra

    escrava e na ausncia de infra-estrutura urbana.

    Contudo, embora fossem visveis algumas inovaes tecnolgicas e formais

    no incio do sculo XX, as casas, em sua maioria, ainda lembravam as casas

    coloniais com seu aspecto denso, normalmente gerado pelos telhados cermicos e

    paredes grossas. Eram como fortalezas protetoras, caracterstica esta que perdurou,

    pelo menos, por 400 anos. De acordo com Katinsnky (2003, p. 16):

    Somente nos finais da dcada de 20, iniciam-se timidamente as discusses em torno da arquitetura conveniente para o pas. Mas durante as dcadas de 30 e 40 que esse debate toma corpo e se faz pblico (ainda que muito reduzido em nmero), permitindo hoje os primeiros balanos de acertos e erros.

    Essas discusses se acirraram quando alguns brasileiros perceberam que sua

    cosmoviso estava se modificando em razo do dilogo mantido com o mundo

    moderno: [...] um quadro mais perturbado e perturbador do sujeito e da identidade

    estava comeando a emergir dos movimentos estticos e intelectuais associado com

    o surgimento do Modernismo (HALL, 2004, p. 32).

    Os primeiros reflexos de mudana puderam ser sentidos aps a Primeira

    Guerra Mundial. Cessadas as comunicaes com a Europa, de onde se importavam

    todos os materiais de construo, o Brasil passou a sofrer grande processo de

    americanizao produzido, principalmente, pelo cinema e a publicidade. Os meios de

    comunicao ordenavam a casa a se transformar num instrumento de um novo

    modo de vida, um habitat moderno que deveria surgir para auxiliar o homem a

    viver, pois a casa moderna [...] no seria um organismo com vida prpria, [haveria]

    uma relao de dependncia com o ser que a habita. O edifcio passa a ser

    entendido como estrutura reflexiva, alimentada pelos incessantes impulsos sociais

    (MIGUEL, 2003, p. 15).

  • 23

    Desse modo, a casa moderna enveredava por novos caminhos que, somados

    a processos compositivos e construtivos alterados por novas tecnologias e novos

    materiais como o ferro, o vidro e o concreto, iam ao encontro dos novos usos e

    costumes do perodo para o qual estava sendo proposta. Difundiam-se, ento, novas

    propostas de bem-viver, como p-direito adequado escala humana; preocupao

    com as noes de iluminao e ventilao; ligao ntima entre exterior e interior

    conectando os moradores diretamente com a natureza, por meio de ptios ou de

    pavimentos sobre pilotis.

    Essas preocupaes foram fundamentais para o desenvolvimento de um

    novo modelo residencial que, para esse bem-estar moderno, admitia a casa

    descolada dos limites do lote e apartada da rua. Solta no lote, era palco livre para

    criaes independentes. Vale ressaltar que essas transformaes no ocorreram em

    todas as residncias brasileiras; foi um processo paulatino que se iniciou, primeiro,

    nas casas mais abastadas e, logo aps, com as grandes aglomeraes urbanas e o

    surgimento dos cortios e favelas, passou a ser uma preocupao social, tornando-

    se, tambm, um modelo econmico factvel para as habitaes populares que,

    agora, poderiam ser produzidas em srie.

    Essas e muitas outras transformaes levaram busca de uma nova

    identidade para a habitao brasileira, que tem incio com a casa modernista de

    Gregory Warchavichk,17 em 1929, e culmina no perodo ureo do incio da produo

    arquitetnica moderna entre os anos 1930 e 1940, o qual se desenvolve at a

    dcada de 1960. Esse foi o momento quando o modernismo realmente chegou

    arquitetura brasileira, principalmente quando Lcio Costa [...] resgata a

    feminilidade barroca antes negada e culmina no equacionamento duma arquitetura

    moderna de veia corbusiana e sabor brasileiro (COMAS, 2004, p.1).

    Essa modernidade trouxe a maior mudana j ocorrida na casa brasileira,

    alm de grandes movimentaes para diversos segmentos sociais, econmicos e

    polticos. A arquitetura moderna foi a grande transformadora do campo

    arquitetnico, como afirmou Flvio de Carvalho em palestra proferida em So Paulo,

    na Rdio Cultura em 27 de janeiro de 1938:

    17 Historiograficamente reconhecida como a primeira manifestao moderna no Brasil, foi construda em So Paulo entre 1927 e 1928 e exposta ao pblico em 1929, na Rua Santa Cruz na Vila Mariana (Ver CAVALCANTI, 2001, p. 110).

  • 24

    A nova arquitetura, a chamada arquitetura moderna ou contempornea, j se apresenta como uma previso: ela nua e lisa, despida de todo o preconceito ancestral; os berloques que ornamentavam o esprito sanguinolento do homem at pouco tempo ainda selvagem se encontram ausentes. Ela quase no tem pudor e no tem medo, pois as suas aberturas so grandes e acolhedoras e as suas paredes, frequentemente transparentes. Ela mais mentalista que emotiva, o que, por si s, uma demonstrao de movimento para frente. (in XAVIER, 2003, p. 55).

    Tudo isso culminou no reconhecimento da arquitetura moderna brasileira

    que compreendeu o perodo de 1930 a 1960, quando se tornou conhecida

    mundialmente18 em razo de uma originalidade construda nos moldes modernos

    sem esquecer suas tradies19 e do uso de materiais regionais,20 apesar de nossa

    acanhada tecnologia e mo-de-obra sem especializao.

    18 Esta expanso deveu-se exposio do Museu de Arte Moderna de Nova York, ao livro Brazil Builds de Phillip Goodwin e s diversas revistas que dedicavam seus nmeros arquitetura brasileira. 19 Vale acrescentar que, primeiramente, o modernismo se manifestou na literatura, com vertentes na pintura e na msica e, posteriormente, na arquitetura, que no acompanhava com o mesmo vigor o debate literrio ou pictrico do incio dos anos 1920. 20 importante salientar que o uso de materiais regionais tambm foi uma caracterstica do modernismo internacional, uma vez que Walter Gropius (casas do bairro de Trten em Dessau, 1926-28) j mudava os materiais de seus projetos dependendo da regio onde eram construdos; na Alemanha, utilizava revestimentos de cobre e nos Estados Unidos, de madeira. Marcel Breuer utilizava madeira e um tipo de pedra muito encontrado nas regies de Massachussets nos EUA (casa Breuer II, New Canaan, 1947-1948); Wright erigia suas casas num dilogo perfeito com o contexto (casa da cascata, Bear-Run, 1934-1937).

  • 25

    LUGAR

    PROGRAMA

    utilitas

    CONSTRUO

    firmitas

    ESTRUTURAS FORMAIS venustas

    FORMAPERTINENTE

    condies internas ao problema projetual

    condio externa ao problema projetual Organograma do quaterno contemporneo

    Fonte: MAHFUZ, 2004, p.1

    O QUATERNO CONTEMPORNEO

    Antes de se comear um projeto, h uma fase preliminar em que se busca uma definio do problema, a qual decorre da anlise da informao relativa a quatro imperativos necessrios e suficientes para essa definio. (MAHFUZ, 2002, p. 17).

    Esses quatro imperativos foram sugeridos por Mahfuz quando reinterpretou a

    trade Vitruviana (utilitas, firmitas e venustas), na qual firmitas estaria relacionado aos

    sistemas estruturais, tecnologias e materiais empregados nas construes; utilitas,

    adequao funcional dos espaos aos seus usurios e da maneira como estes espaos

    se relacionam; venustas, preocupao esttica que o profissional deve ter ao

    projetar, o que, para Vitrvio, significava adequao das ordens clssicas aos edifcios,

    sinnimo de beleza para alguns.

    Nessa reviso, Mahfuz (2004) atualiza a trade ao inserir o repertrio de

    estruturas formais para complementar o sentido de Venustas, porque o projeto deve

    procurar a pertinncia da formas e no a beleza que, sendo [...] algo to relativo e

    mutante (p. 3), questionvel; insere tambm o conceito de lugar, porque

    nenhum projeto de qualidade pode ser indiferente ao seu entorno (p. 4). Elabora,

    assim, o que chamou de Quaterno Contemporneo. Essa teoria, que subsidia o

    ensino, a anlise e a crtica da arquitetura, foi esquematizada pelo autor da seguinte

    forma:

  • 26

    O Quaterno estrutura-se de acordo com as condies internas e externas do

    problema projetual.

    As condies internas do problema projetual so: o lugar, a construo e o

    programa, repertrios contidos na estrutura formal e relacionados com as questes

    objetivas que subsidiam a forma pertinente e nela esto refletidas. So questes

    objetivas porque preexistem no universo do artefato a ser projetado e funcionam

    como [...] estimulantes da forma, pela sua presena constante, com maior ou

    menor intensidade, na origem e no desenvolvimento do processo projetual

    (MAHFUZ, 2004, p. 4). Essas condies no definem, em particular, a forma

    pertinente.

    denominada condio externa a estrutura formal, que o esquema formal

    que sintetiza as trs condies internas e se relaciona com as questes subjetivas

    do problema projetual, uma vez que parte do profissional a opo por uma

    determinada construo formal.

    A relao entre as condies internas e externas no de ao e reao ou

    causa e efeito, de cumplicidade; ambas devem ser manipuladas conjuntamente no

    desenvolvimento do processo de projeto para que a forma pertinente sintetize tais

    premissas, resultando, assim, em uma boa soluo para um artefato arquitetnico.

    Essas duas relaes autnomas, porm cmplices buscam a forma

    pertinente, que o foco central do Quaterno. Ela entendida como a forma que

    expressa, em sua individualidade, a pertinncia dos elementos constitutivos da

    arquitetura: o programa, a construo, o lugar e a estrutura formal. Mahfuz

    identifica repertrios que buscam, por meio de condies internas e externas do

    problema projetual, [...] artefatos marcados pela pertinncia ou adequao de sua

    forma (2004, p.3), porque

    Talvez nosso horizonte no seja outro seno verificar certa pertinncia na arquitetura; pertinncia na leitura do problema, pertinncia da forma proposta. Decompor corretamente a situao em seus aspectos constituintes essenciais e conhecer as propriedades da forma de tal modo que ela encarne a situao pertinente. nesse sentido que um arquiteto um profissional da forma: conhece exatamente suas conseqncias. (ARAVENA/MORI apud MAHFUZ, 2004, p. 3).

    Desse modo, concebe-se a forma como a essncia da arquitetura.

    Essa concepo sofreu alteraes ao longo da histria da arquitetura. Aristteles via

  • 27

    a forma como [...] estrutura essencial e interna (MONTANER, 2002, p. 8);

    posteriormente o conceito se tornou sinnimo de beleza baseada em regras; com as

    vanguardas abstratas do incio do sculo XX, ocorreu uma volta ao essencialismo de

    Aristteles. Neste estudo,

    A concepo adotada como seminal a de forma entendida como estrutura essencial e interna, como construo do espao e da matria. Dentro desta concepo, forma e contedo tendem a coincidir. O termo estrutura seria a ponte que interligaria os diversos significados da forma. (MONTANER, 2002, p. 8). 21

    A busca da forma pertinente no Quaterno Contemporneo uma novidade

    pela maneira como proposta, pois gera uma nova formatao para os princpios

    que sempre regeram a arquitetura. H que se reconhecer, porm, que a busca pela

    forma como estrutura ordenada por princpios aparece tambm em outros autores,

    prova disso so os conceitos anunciados desde a Idade Mdia por Georg Andras

    Bckler em sua Baumaisterin Pallas (O Arquiteto Pallas):

    A beleza resulta da forma ou da bela estrutura bem ordenada, quando o conjunto do edifcio e as suas partes e estas entre si respondem e se correspondem de um modo correto; o edifcio deve ser considerado como um corpus completo e coerente no qual cada membro, em harmonia com todos os outros, responde sua necessidade. (BCKLER, 2003, p. 7).

    ou por Lcio Costa (1995, p. 246) no sculo XX:

    [...] inumerveis problemas com que se defronta o arquiteto desde a germinao do projeto at a concluso efetiva da obra, h sempre, para cada caso especfico, certa margem final de opo entre os limites -mximo e mnimo- determinados pelo clculo, preconizados pela tcnica, condicionados pelo meio, reclamados pela funo ou imposto pelo programa, - cabendo ento ao sentimento individual do arquiteto, no que ele tem de artista, portanto, escolher, na escala dos valores contidos entre tais limites extremos, a forma plstica apropriada a cada pormenor em funo da unidade ltima da obra realizada.

    Observa-se, portanto, que o conceito que rege o Quaterno Contemporneo,

    como materializao de uma arquitetura de qualidade por meios que estimulem a

    forma, j era anunciado tanto em tempos remotos como atuais. Esse detalhe no

    desqualifica a teoria de Mahfuz. Ela traz, novamente, para o mbito da arquitetura,

    21 Aristteles entende a forma como o elemento ativo da existncia do objeto.

  • 28

    questes projetuais que organizam e tornam contemporneos, em tempos de

    escassez de boa arquitetura, parmetros para projeto, anlise e crtica arquitetnica,

    visto que [...] exatamente a falta dessa capacidade de entender a forma como

    sntese de programa, construo e lugar um dos fatores determinantes da baixa

    qualidade da nossa arquitetura recente (MAHFUZ, 2002, p. 155).

    O Quaterno Contemporneo, como mtodo de anlise, facilita a organizao

    do processo analtico-crtico pela contextualizao abrangente do problema

    arquitetnico que se fecha no conceito de arquitetura com qualidade.

    Como mtodo de projetao passvel de proposio, entendendo-se que a

    arquitetura formada por fragmentos que sero organizados e associados para se

    chegar a uma soluo. Alm disso, como teoria, que uma reflexo acerca da

    disciplina, mostra-se, tambm, como uma nova forma de conduzir as crticas e

    avaliaes no ensino, constituindo-se em um contedo propositivo organizado, um

    modelo facilitador do processo heurstico entre o docente e o aluno.

  • 29

    programa

    A resoluo de um programa em termos formais a essncia da arquitetura. O programa o maior vnculo que um projeto mantm com a realidade. Sendo a realidade seu horizonte, o sentido de um projeto articul-la. Mais do que uma fria lista de espaos e reas mnimas, um programa arquitetnico deve ser visto como uma relao de aes humanas. Estas sugerem situaes elementares que podem ser a base da estruturao formal. A verdadeira novidade em arquitetura no aparece no terreno da linguagem arquitetnica e da expresso, mas quando muda a sua concepo programtica, que o verdadeiro reflexo do esprito dos tempos. (MAHFUZ, 2004, p. 4).

    Tambm chamado de programa de necessidades , basicamente, a

    manifestao do cliente de suas necessidades e aspiraes para uma determinada

    edificao. Normalmente confeccionado em forma de lista de ambientes, na qual

    se enumeram as dependncias de um edifcio e suas funes: os espaos

    tridimensionais interiores (com piso, teto e paredes) e suas dimenses, mobilirios e

    aberturas, todos eles determinados pelas atividades que ali sero exercidas e pelas

    relaes humanas a elas inerentes.

    Essas manifestaes22 podem ser apresentadas, pelo cliente, como

    condies prticas de conforto fsico, as quais se manifestam no edifcio pela

    funcionalidade ou pelos valores de beleza, carter e expresso arquitetnica visveis

    em sua forma.

    Considerando tais manifestaes, vale lembrar que, em qualquer programa,

    coexistem os ambientes e suas funes e as pessoas que deles faro parte. Por isso,

    o programa tambm inclui, em suas funes, as relaes humanas pertinentes a ele.

    Cabe ao arquiteto, com sua formao terico-prtica, coordenar e orientar esse

    aspecto, no deixando que o programa se torne, simplesmente, uma listagem de

    ambientes. Esse cuidado pode redimir erros de projeto como pr-dimensionamentos

    alterados. A possibilidade da forma est, tambm, em como o profissional interpreta

    o programa.

    Essas relaes, tambm consideradas por Mahfuz,23 so definidoras da

    ambientao do programa proposto e, conseqentemente, servem de base para a

    estruturao formal do edifcio e como suporte de sua identidade, (PIN, 1998,

    p.86) ainda que genrica e no formal. 22 Graeff classifica essas manifestaes como utilitrias e artsticas. Ver Graeff (2006, p. 15). 23 Ver Reflexes sobre a forma pertinente em Mahfuz (2004, p. 4).

  • 30

    Vale ressaltar que no cabe aqui qualquer hierarquia e [...] nenhum

    resqucio daquele funcionalismo radical que conectava funo e forma numa relao

    de causa e efeito, atribudo arquitetura moderna pelos seus crticos ortodoxos

    (MAHFUZ, 2004, p. 4). Como salienta Pin:

    ...a arquitetura moderna funcional porque parte do programa concreto, com sua estrutura especfica, como elemento que, quando estimula a forma, estabelece seus mbitos de possibilidade na ordenao do espao habitvel; no se deve entender, portanto, o funcionalismo moderno como o reconhecimento terico do abandono da forma ante o cometido determinante do programa. (1998, p. 82).

    Forma e funo devem trabalhar juntas para dar sentido ao edifcio; a

    submisso de uma das partes a outra causa prejuzo a uma boa soluo

    arquitetnica. Nunca demais enfatizar que a forma no conseqncia direta de

    um esquema funcional, a ser construdo de um certo modo, em um certo lugar

    dado (MAHFUZ, 2004, p.5).

    A relao entre programa e estrutura formal de cumplicidade, pois um

    nunca determina o outro. Ambos devem ser manipulados simultaneamente e de

    forma tal que a modificao de um, geralmente, implique a transformao do outro.

  • 31

    lugar

    Todo lugar algo complexo, composto de topografia, geometria, cultura, histria, clima, etc. Porm, por mais fora que possua um lugar, o projeto no ser nunca determinado por ele [...] as relaes entre lugar e forma tambm dependem da interpretao do sujeito que projeta. A ateno ao lugar pode ter como resultado a sugesto de uma estrutura visual/espacial relacionada a ele porm autnoma, no sentido em que ela possui identidade prpria, e cujo reconhecimento independente da percepo das relaes entre objeto e lugar. (MAHFUZ, 2004, p. 4).

    No sculo XXI, a incluso do lugar na trade vitruviana foi repertrio

    discutido entre Mahfuz e Alejandro Aravena Mori.24 Esse adendo assim foi proposto

    no porque Vitrvio ignorasse os condicionantes do lugar, mas sim, porque estavam

    alm das questes terrenas, como a construo, o programa e a beleza. O lugar da

    construo era uma escolha ligada aos deuses, acrescia dignidade ao edifcio, que

    deveria expressar a importncia da morada de uma divindade.25

    O lugar mereceu a ateno de Vitrvio quando este se referiu

    convenincia, que conceituava como [...] o aspecto qualitativamente correto da

    obra executada a partir do emprego de fatores de validade comprovada. Resulta da

    escolha do stio, [...], da observncia de costumes ou da natureza do entorno

    (POLIO, 2002, p. 55).

    Desde Vitrvio at o modernismo do sculo XX, lugar era chamado de

    espao. Foi na dcada de 1960 que se deu a substituio de espao por lugar em

    diversos movimentos, como o neo-racionalismo de Aldo Rossi, o estruturalismo de

    Strauss e o novo-brutalismo dos Smithson, para contrapor, na atividade projetual,

    ao conceito de espao, que, alm de possuir muitos significados, era considerado

    muito abstrato.

    Para Cristian Norberg-Schulz (2006, p. 444), por exemplo, enquanto espao

    era a organizao tridimensional dos elementos que formam o lugar, o lugar era

    uma referncia [...] a algo mais do que uma localizao abstrata. Pensamos numa

    totalidade constituda de coisas concretas que possuem material, forma, textura e

    cor. Juntas, essas coisas determinam uma qualidade ambiental que a essncia do

    lugar. 24 Arquiteto argentino tambm estudioso das questes inerentes arquitetura. 25 Encontra-se esta abordagem em Da Arquitetura (POLIO, 2002).

  • 32

    A partir de ento, o termo espao, mais abstrato, foi substitudo por lugar,

    que destaca a formao fsica de um stio e suas qualidades socioculturais e

    psicolgicas.

    Portanto, o lugar onde o edifcio ser construdo e estabelecer uma

    relao positiva com seu entorno, levando em conta fatores como a vista, os

    vizinhos, a rua, etc. que so as foras do lugar, segundo Backer (1998, p. 4).

    Tambm chamado de stio ou terreno o recinto composto de aspectos internos e

    externos. So aspectos internos os que dizem respeito s dimenses

    planialtimtricas limitadas, orientao solar, ventilao, iluminao e s

    preexistncias. O terreno pode ser rearranjado em sua composio natural, o que

    no significa destitu-lo, completamente, de suas caractersticas identitrias, pois

    esse movimento, necessariamente, resultaria em um princpio incorreto de projeto,

    no seu desordenamento e de seu entorno e em prejuzos econmicos.

    So aspectos externos os que dizem respeito sua relao com o entorno

    imediato e regional, ou seja, as relaes que o stio estabelece com a calada, a rua,

    os vizinhos ou, num mbito maior, com o bairro e a cidade. O lugar faz parte do

    traado urbano e traz, em sua clula, referncias do tecido maior a cidade ,

    como o clima, os materiais regionais, as disponibilidades de tcnicas construtivas do

    local, a mo-de-obra e as leis de uso do solo especficas de cada regio. o lugar

    antropolgico citado por Aug,26 que se relaciona com a viso de Montaner:

    Lugar est relacionado com o processo fenomenolgico da percepo e da experincia do mundo por parte do corpo humano. [...] Em pequena escala, o lugar entendido como uma qualidade do espao interior que se materializa na forma, textura, cor, luz natural, objetos e valores simblicos. [...] Em grande escala, interpretado como genius loci, como capacidade para fazer aflorar as preexistncias ambientais, como objetos reunidos no lugar, como articulao das diversas peas urbanas (praa, rua avenida). [...] Uma ulterior e mais profunda relao entenderia o conceito de lugar, precisamente, como a correta relao entre pequena escala do espao interior e a grande escala da implantao. (2001, p. 37).

    Alm dos aspectos internos e externos apontados, o lugar carrega tambm

    um aspecto cultural, formado por sua histria, sua cultura e seu significado. Como

    exemplo, pode-se apontar a diferena entre a arquitetura moderna produzida no

    26 [...] princpio de sentido para aqueles que o habitam e princpio de inteligibilidade para quem o observa (AUG, 2004, p. 51).

  • 33

    mundo e a arquitetura moderna brasileira, que se tornou conhecida

    internacionalmente pelo uso de materiais regionais, apesar de uma acanhada

    tecnologia e uma mo-de-obra sem especializao, ou seja, ela se diferenciou pela

    interpretao e uso de recursos do lugar num sentido mais amplo.

    A relao entre estrutura formal e lugar depende de quem projeta e para

    onde se projeta, uma vez que, para um mesmo lugar, so possveis vrias

    estruturas formais e quaisquer que sejam elas, para o bem ou para o mal,

    modificaro esse lugar. Essas formas so estimuladas por todas as caractersticas do

    lugar, as quais sugerem, mas nunca impem uma forma.

  • 34

    construo

    A importncia da construo para a arquitetura tanta que se poderia afirmar que no h concepo sem conscincia construtiva. A construo um instrumento fundamental para conceber, no apenas uma tcnica para resolver problemas. (MAHFUZ, 2004, p. 5).

    A construo diz respeito aos materiais construtivos (construo em

    madeira, concreto armado, etc.), aos elementos da construo (cimento, portas,

    escadas paredes, etc.) e conscincia construtiva. Todos esses fatores devem estar

    a servio das finalidades do programa, das especificidades do lugar e da adequao

    estrutura formal adotada, promovendo ao edifcio: solidez, durabilidade,

    estanqueidade, envelhecimento, economia e conforto. Tudo isso em busca de uma

    arquitetura de qualidade.

    Enfim, a construo diz respeito tectnica do edifcio.27 preciso conhecer

    e dominar a arte da construo e entender como materiais e tcnicas so agregados

    e coordenados, pois [...] as formas arquitetnicas adquirem existncia real nos

    materiais de construo (GRAEFF, 2006, p. 57).

    Um dos fatores mais importantes dessa tectnica diz respeito economia

    construtiva, que no deve ser apartada das questes de ordem tcnica. Ela

    promovida na construo por meio da ordem e da regularidade, as quais dependem

    da escolha de um mtodo construtivo adequado e organizado, como forma de

    promover a racionalizao da construo e dos materiais que dela fazem parte.

    A construo moderna, por exemplo, baseada no sistema Dom-in de

    Corbusier e com sua estrutura esqueleto, modular e independente das vedaes,

    demonstra um processo claro, ordenado e organizado que possibilita chegar a

    solues econmicas at por admitirem adaptaes a diferentes funes e

    localizaes, ou seja, a mesma estrutura formal serve a vrios programas, o que se

    pode ver nos projetos de Mies van der Hohe.

    Para Norberg-Schulz (1998, p. 104), A estrutura formal tambm depende

    de uma repetio ordenada de elementos precisos. A construo s pode satisfazer

    estas estruturas se possuir uma ordem correspondente.

    27 A tectnica do edifcio diz respeito arte de construir edifcios. Ver A tectonicidade necessria em Pin (1998, p. 90).

  • 35

    Outra questo de ordem tanto econmica quanto esttica no seguir

    modismos ou modelos estilsticos no uso dos materiais construtivos, sem que esses

    sejam pertinentes s solues pr-ordenadas na concepo do projeto. Para cada

    projeto existem materiais apropriados e todos os materiais empregados devem ter

    sua funo especfica, seja como barreira s intempries ou para promover conforto

    e adequao forma pertinente. Deve-se, porm, sempre buscar autenticidade e

    preservar a idia de que [...] a fora expressiva dos materiais revela que a cor, a

    textura, o sentido grfico, a densidade e a resistncia, entre outras qualidades

    especficas dos materiais, funcionariam como elementos de composio

    arquitetnica (S,2005,p. 85). Isso ocorre, principalmente, quando se utilizam

    materiais regionais, pois estes, quase sempre, imprimem autenticidade ao edifcio,

    possibilitando um melhor dilogo deste com seu entorno, alm da reduo de seus

    custos construtivos.

    A relao entre estrutura formal e construo existencial. Sem

    construo no h manifestao arquitetnica. Como salienta Pin (1998, p. 6),

    tanto [...] a tcnica, como o programa, incidem de modo definitivo nas condies

    de possibilidade da forma; a concepo espacial no superar o estgio grfico se

    no atende tanto a disciplina como aos estmulos das tcnicas construtivas.

    A construo representa, assim, um meio para se atingir a estrutura formal

    desejada, estabelecida tambm pelos condicionantes do programa e do lugar, mas

    no representa seu fator determinante.

  • 36

    estrutura formal

    [...] a identidade formal de uma obra depende da presena de uma estrutura formal que defina sua organizao espacial e as relaes com o seu entorno. a presena dessa estrutura formal que separa a arquitetura de qualidade daquele funcionalismo barato que deriva a planta do organograma funcional, to comum nas dcadas de 60 e 70 do sculo passado. (MAHFUZ, 2004, p. 6).

    O termo estrutura formal, introduzido por Mahfuz no quaterno

    contemporneo como condio externa do problema arquitetnico, foi tomado por

    emprstimo de Hlio Pin (1998, p. 104), para quem o edifcio uma estrutura

    formal justificada pelos critrios construtivos, funcionais e expressivos do artefato.

    Para Carlos Mart Aris apud Mahfuz (2004, p. 5), estrutura formal [...] um

    princpio ordenador segundo o qual uma srie de elementos, governados por

    relaes precisas, adquirem uma determinada estrutura.

    Esse princpio ordenador a entidade que vertebra o edifcio; um

    esquema, uma abstrao que nasce a partir dos condicionantes bsicos do projeto:

    o lugar, o programa e a construo.

    Justificando a afirmao de Quincy28 de que nada sai do nada, essa

    abstrao pode vir tanto da histria da arquitetura como de anlises conceituais de

    objetos externos ao repertrio arquitetnico.29 Vale ressaltar que tais repertrios

    devem ser utilizados [...] de maneira crtica, levando em conta a pertinncia das

    decises tomadas em cada situao especfica (MAHFUZ, 2004, p. 6).

    Pode-se dizer que dispomos de um nmero finito de estruturas formais do

    programa que se desdobram em uma infinidade de formas a partir da incluso do

    lugar e da construo em sua sntese.

    A estrutura formal deve ser a base para a explicao de um edifcio que,

    de acordo com Mahfuz,30 deve sempre ser iniciada por sua elucidao. Em seguida,

    so apresentados os detalhes mais especficos, como a explicitao dos demais

    componentes programa, o lugar e a construo que so fatores internos da

    forma resultante. 28 Concepo presente em sua publicao Dictionnaire Historique d Architecture (QUINCY,1832, p. 629). 29 Ver Sementes do cerrado e design contemporneo. (HSUAN - AN, 2002). 30 MAHFUZ, em aula no curso de mestrado em agosto de 2004.

  • 37

    Uma estrutura formal pode diferir em suas nomenclaturas conforme o autor

    da obra, mas mesmo assim poder ser entendida de maneira correta. O objetivo

    fazer com que o comunicador transmita uma imagem primria e inteligvel do

    edifcio tratado. Ela deve ser concisa. Nesse mbito, todo edifcio uma estrutura

    formal determinada pela sntese de seu programa, da construo e do lugar.

    Exemplo 1: Projeto da residncia para as duas filhas de Lcio Costa, em Braslia,

    na dcada de 1960:

    estrutura formal = dois paraleleppedos superpostos - um quadrado sobre um

    retngulo - ambos com ptio interno.

    Exemplo 2: Projeto da residncia da eng Carmem Portinho, no Rio de Janeiro, na

    dcada de 1950, de autoria de Affonso Eduardo Reidy:

    estrutura formal= edifcio em L composto por dois blocos trapezoidais

    perpendiculares, ligados por duas circulaes que geram um ptio interno.

    Hipotticamente, esta seria a primeira figura que se forma na mente.

    Estrutura formal acabada: soluo na qual foram levados em conta o lugar, o programa e a construo.

    Hipotticamente, esta seria a primeira figura que se forma na mente.

    Estrutura formal acabada: soluo na qual foram levados em conta o lugar, o programa e a construo.

  • 38

    Tipo e Estrutura Formal

    O tipo princpio estrutural da arquitetura, no podendo ser confundido com uma forma passvel de descrio detalhada. Todo edifcio pode ser conceitualmente reduzido a um tipo. (MAHFUZ, 1995, p. 77).

    Pode-se dizer que estrutura formal uma nova nomenclatura para tipo, o

    qual, tendo sido muito utilizado em tempos clssicos, foi revivido na virada do

    sculo XXI com um novo nome, adequado para um novo contexto.

    Os conceitos de tipo e estrutura formal se assemelham. Para Quatremre de

    Quincy31, primeiro autor a definir tipo,

    A palavra tipo no representa tanto a imagem de uma coisa que deve ser perfeitamente copiada e imitada, seno a idia de um elemento que deve servir de regra ao modelo [...] O modelo, entendido segundo a execuo prtica da arte, um objeto que se deve repetir tal e qual; pelo contrrio, o tipo um objeto de acordo com o qual cada um pode conceber obras que no se assemelharo em absoluto entre si. Tudo est dado e preciso no modelo; tudo mais ou menos vago no tipo. Vemos assim que a imitao do tipo no tem nada que o sentimento e o esprito no possam reconhecer [...] Para tudo necessrio um antecedente; nada sai do nada. (QUINCY apud MARTNEZ, 2000, p. 108).

    Quincy, em seus estudos sobre tipologia, alm de tratar o tipo como um

    esquema, dizia que, por mais abstrato que fosse, carregava em si as condies

    fsicas, culturais e tecnolgicas em que foram gerados. Para Durand apud Strer

    (2001, p. 21), o tipo servia apenas como um instrumento analtico de deduo de

    um esquema geomtrico. Quincy estudou o tipo por meio da histria e da filosofia;

    Durand o fez pela matemtica e a tecnologia. Um buscou a alma; o outro, o corpo

    fsico.

    Para Ars (1996, p. 4), o tipo precisamente o que define as regras de

    construo formal que fazem com que a reunio de uma srie de elementos [grifo

    do autor] se converta em uma totalidade estruturada.

    Para Giulio Carlos Argan,32 um tipo mais um princpio passvel de variaes

    e explorao formal. Alan Colquhoun33 o reconhece como recurso necessrio para o

    31 Denominao presente em sua publicao Dictionnaire Historique d Architecture (1832, p. 629). 32 Ver mais Sobre a Tipologia em arquitetura, em Nesbit (2006). 33 Ver mais acerca da Tipologia e Metodologia de Projeto, em Nesbit (2006).

  • 39

    mtodo de projeto e como um meio para recuperar a significao cultural do objeto

    arquitetnico. Anthony Vidler34 no o dissocia das origens da arquitetura.

    Esses e muitos outros conceitos de tipo, produzidos por diversos autores,

    permearam a histria da arquitetura. Embora tenham o mesmo significado, o termo

    tipo de uso mais freqente que estrutura formal, mas mltiplas e complexas so

    as formas de interpret-los.

    Os conceitos de tipo e estrutura formal extrapolam os limites fsicos do

    projeto: um edifcio no s seu esqueleto. Em sua estrutura base esto contidos

    fatos filosficos e histricos que explicam que tipo ou estrutura formal a

    materializao de uma forma que tem origem em seus condicionantes, os quais

    podem ser objetivos (como o lugar, o programa e a construo) e subjetivos (como

    as concepes filosficas e histricas que a originaram), porque:

    Falar de uma estrutura da forma implica aprofundar-se na subdiviso por partes dessa forma e procurar semelhanas no s na configurao geral, mas tambm nas conexes entre as partes: ou seja, ir alm das analogias formais para identificar parentescos tipolgicos entre conjuntos. (MARTINEZ, 2000, p. 116).

    Tipo e estrutura formal so a mesma coisa, so apenas um ponto de

    partida, um esquema que no representa a realidade, mas uma abstrao que

    necessita de certo grau de inveno para se tornar uma nova criao. Por exemplo:

    um edifcio em L, em U, ou de tantas outras formas bsicas que podem ser

    trabalhadas sem perder sua fundamentao tipolgica ou sua estrutura formal. Esse

    trabalho acontece a partir da agregao dos condicionantes da arquitetura: o

    programa, o lugar e a construo que, simultaneamente, tambm condicionam a

    escolha do tipo ou da estrutura formal.

    Neste estudo estamos tratando de tipos formais. De acordo com Mahfuz

    (1995, p. 79), o nmero de tipos formais bastante limitado [...] o nmero de

    combinaes desta categoria e das demais que pode ser muito elevado, ou seja,

    podemos ter, por exemplo, estruturas formais em L a partir das quais inmeras

    formas podem ser desenvolvidas: L com ptio central ou uma das barras do L

    ser trrea e a outra com pilotis, etc. Se para cada estrutura formal podemos ter

    34 Ver mais acerca da Tipologia e Metodologia de Projeto, em Nesbit (2006).

  • 40

    variaes, pode-se imaginar a infinidade dessas combinaes, pois, como afirma

    Mahfuz:

    Nenhuma obra de arquitetura importante corresponde inteiramente a um tipo: h sempre um grau de inveno envolvido em sua criao. Em outras palavras, poder-se-ia dizer que, em um projeto arquitetnico, h um componente tradicional, representado pela presena de tipos em sua constituio, assim como h tambm um componente de inveno, representado pela transformao desses tipos e sua adaptao circunstancial. (2002, p. 26).

    Para nossas anlises, estamos catalogando arquitetura moderna em tipos, a

    qual se dizia a-histrica35 e sem referncias tipolgicas [...] para enfatizar, em seu

    lugar, o valor individual, a originalidade de cada edifcio e destacar a personalidade

    criativa de seus autores (MARTINEZ, 2000, p. 106). Mas, como toda arquitetura se

    refere, de um modo consciente ou inconsciente, a exemplos anteriores que lhe

    sirvam de precedente (ARS, 1996, p. 4), mesmo a arquitetura moderna procurava

    criar seus prprios modelos baseados nas teorias corbusianas. Enfim, nada sai do

    nada.

    Para o modernismo, o tipo era coisa do passado e sinnimo de imobilidade

    para as formas arquitetnicas que, a partir de ento, deveriam ser tratadas com

    total liberdade e estar a servio da funcionalidade dos edifcios. O tipo fora

    substitudo pelo programa.

    Nos anos 1950 e 1960, Aldo Rossi, Giulio Carlos Argan e outros estudiosos

    das questes tipolgicas reviveram o termo tipologia como forma de organizao

    dos artefatos arquitetnicos do ocidente, uma vez que esses estavam sendo

    projetados sem considerao de seus pontos de vista cultural e esttico, quando

    cada edifcio aspirava ser uma nova criao, indita.

    Sabendo-se que nada sai do nada e que em arquitetura no existe

    ineditismo, mas sim, transformao, o estudo dos tipos arquitetnicos um mtodo

    organizacional que se ope aos pensamentos individualistas e exaltao do

    particular. Como conceito, reafirma-se quando nos anos 1960 assume seu lugar de

    35 Para Eisenman apud Mahfuz (1995, p. 81), no sentido em que se eliminam os estgios formativos do processo.

  • 41

    relevncia para, alm de interpretar a arquitetura do passado, evoluir e servir como

    ferramenta fundamental para a crtica arquitetnica e para o processo projetual.

    No modernismo brasileiro, o que se cria so variantes dessa forma basilar,

    demonstrando que uma estrutura formal, como princpio, pode ter possibilidades

    formais infinitas, que aqui so estudadas por meio de edifcios residenciais

    unifamiliares. Fica demonstrado, por meio das anlises, que as estruturas formais

    catalogadas no se fecham num rol limitado de formas, como algo esttico e no

    transformador como temia Moneo,36 porque os momentos mais intensos do

    desenvolvimento arquitetnico so aqueles em que aparecem novos tipos [...]

    solapam diversos tipos para produzir outros novos (MONTANER, 2001, p. 151).

    36 Moneo via a obra arquitetnica sob dois aspectos antagnicos: como objeto nico e como passvel de ser repetido em srie. Este tema tratado em Consideraes sobre o conceito de tipologia arquitetnica (STRHER,2001,p.26).

  • 42

    AS CASAS MODERNAS COMO OBJETOS DE ANLISE

    Foram catalogados 169 projetos residenciais unifamiliares modernos, os

    quais foram organizados em trs grupos. Para a formao dos grupos, a fuso

    das 15 estruturas identificadas fundamentou-se na percepo de projetos

    anlogos que apresentavam estruturas formais com um mesmo princpio. Os trs

    grupos so:

    1.partidos compactos: -partidos compactos de base quadrada -barra 2. composies elementares de base retangular -retngulos deslizantes -L -H -U -Y -S -O -I -T 3. formas especiais

    -amebide -circular -dois blocos em ngulo -trapezoidais

    Os partidos compactos retangulares consistem em estruturas formais

    encerradas em um paralelogramo. A estrutura formal em monobloco a mais

    comum entre os projetos modernos, totalizando 49 projetos e 40% do total.

    As composies elementares de base retangular so estruturas formais

    formadas, dominantemente, por barras retangulares que, reclusas na iconologia das

    letras e em ngulos retos, consistem em formas quadrangulares mais perceptveis

    formalmente, alm de possibilitarem melhor relao interior/exterior com os espaos

    livres formados pelos vazios gerados.

  • 43

    As formas especiais so as que no se encaixam nas duas classificaes

    anteriores por inclurem formas curvas, em ngulos no retos ou prismas no

    quadrangulares. So as estruturas menos utilizadas no perodo estudado.

    As 15 estruturas formais sero analisadas num primeiro momento,

    individualmente, para que se conheam suas especificidades. Como a anlise se

    fundamentou na teoria do quaterno contemporneo, salienta-se, primeiramente, a

    estrutura formal adotada, depois o lugar, o programa e a construo, inserindo-se,

    na concluso de cada item do repertrio, a relao deste com sua estrutura formal.

    Entende-se que Fazer arquitetura chegar sntese formal de um programa, em

    sentido amplo, e das condies de um lugar, assumindo ao mesmo tempo a

    historicidade da proposta (PIN apud MAHFUZ, 2004, p. 5).

    Os Projetos a serem analisados so:

    1. partidos compactos: -partidos compactos de base quadrada reidy casa do arq. 1959 itaipava -barra vilanova artigas casa heitor almeida 1949 santos

    2. composies elementares de base retangular:

    -retngulos deslizantes olavo redig casa geraldo baptista - 1954 petrpolis - L reidy casa carmen portinho- 1950 rio - H- bina fonyat casa joo antero 1954 petrpolis -U lina bo bardi casa da arq. 1951- so paulo- -Y mindlin casa jorge hime 1949 petrpolis -S- rino levi casa olivo gomes 1949 s.j. campos -O- lucio res. hungria machado 1942 rio - T lucio casa pedro paulo 1944 araruama

    3. formas especiais:

    -amebide niemeyer casa das canoas 1953 rio -circular warchavchik - casa sra. jorge prado 1946 guaruj -dois blocos em ngulo mindlin casa lauro souza 1953 petrpolis -trapezoidais rocha miranda res. para engenheiro 1955- rezende

    Num segundo momento, conclui-se o trabalho analtico comparando as 15

    obras com o fim de desmitificar as mximas do modernismo - forma segue a

    funo ou o isolamento e independncia das partes do projeto- e verificar como

    os quatro critrios do pensamento projetual modernista (economia, rigor, preciso e

    universalidade) so perceptveis na teoria do Quaterno Contemporneo.

  • 44

    ANLISES

  • 45

    partidos compactos

    casa 1 - partidos compactos de base quadrada reidy casa do arq. 1959 itaipava casa 2 - barra vilanova artigas casa heitor almeida 1949 santos

  • 46

    CASA 1 Arq.: Affonso Eduardo Reidy (ANEXO A)

    Propr.: O arquiteto

    End.: Vale do Cuiab, Distrito de Itaipava, Petrpolis (RJ)

    Ano: 1959

  • 47

    Estrutura formal: Monobloco sobre pilotis.

    Esta casa est localizada em um terreno de grande declividade numa regio

    montanhosa do estado do Rio de Janeiro. Sua implantao exigiu que o terreno

    sofresse um corte em que a base para o pilotis avana em dimenses maiores que

    a projeo da casa, surgindo da uma rea pavimentada que amplia a varanda

    criada pelo pilotis e afasta a vegetao densa das proximidades da casa.

    A relao da estrutura formal com o lugar quase que de indiferena, em

    virtude da viso domesticada que se tem da mata atravs das poucas aberturas

    existentes no nvel dos olhos no pavimento superior.

  • 48

    O programa simples se desenvolve, predominantemente, no pavimento

    superior, que tem a seguinte composio: um quarto para o casal e outro

    reversvel, que tambm serve como escritrio; uma sala de jantar; uma de estar;

    cozinha e, particularmente, um grande banheiro que se divide em dois,

    provavelmente para que a parte posterior seja utilizada apenas pelo casal, ficando

    a parte da frente liberada para as visitas.

    No pilotis, quase que totalmente liberado, fica o setor de servios:

    lavanderia, garagem, quarto de servios e banheiro. O restante do espao livre

    para mais garagens, estar ou quaisquer outros fins.

    Os acessos, feitos por duas escadas de um lance, ajudam a marcar os

    setores da casa: o social, pelo acesso coberto no centro do pilotis; o de servios,

    pelo acesso descoberto em uma das laterais da casa. interessante destacar que,

    apesar de estarem no mesmo piso, no h viso de um atravs do outro, o que

    preserva e confere importncia ao acesso social.

    Trata-se de uma residncia projetada para o prprio arquiteto, na qual

    possvel perceber vrias restries programticas, como: libertar a casa do solo,

    destitu-la do visual das montanhas e no promover sua incluso no contexto do

    entorno. Se o programa se distingue pelas prioridades e necessidades de seus

    usurios, h de ser respeitado, o que no desqualifica essa casa como

    paradigmtica de boa arquitetura.

    O programa simples ajuda a definir uma estrutura formal compacta, que

    pde ser sistematizada em uma malha proposta de forma que coincidisse a

    estrutura formal com a estrutura prpria do edifcio.

    Construda sobre uma malha quadrada de 10m x 10 m, a casa se ergue

    sobre pilotis. Estes se sustentam sobre uma estrutura de concreto, composta por

    trs prticos unidos por uma laje nervurada de piso e duas lajes abobadadas como

    cobertura, que se livram das guas pluviais por pequenas grgulas em suas

    extremidades. As vedaes so feitas com tijolos aparentes e uma delas (na sala de

    jantar) tambm serve como painel interno graas forma como os tijolos foram

    assentados. Na maioria dos cmodos, a iluminao e a ventilao so provenientes

    das aberturas existentes entre o final das vedaes planas e a cobertura

    abobadada; arcos envidraados se formam como caminhos do sol e do vento.

  • 49

    No pilotis, o volume que sustenta a escada social todo revestido com

    seixos rolados muito comuns em riachos brasileiros, cuja textura quebra a frieza do

    concreto. Sobrepondo-se a essa textura, a parede que protege a escada lisa e

    pintada de amarelo. Sua forma triangular ajuda a criar [...] uma elegante

    composio geomtrica, tal sada de uma exposio de arte construtivista

    (CAVALCANTI, 2001, p. 53).

    As tcnicas e os materiais construtivos adotados colaboraram com a

    estrutura formal para sua adequao com a natureza, uma vez que os materiais

    foram usados em seu estado natural. O concreto armado permitiu elevar a casa do

    solo, o que, supostamente, propiciaria tranqilidade a seus moradores, evitando a

    indesejvel, mas possvel, visita de animais. Esta uma casa compacta e racional,

    quase minimalista, que com o rigor de sua sistematicidade construtiva promoveu,

    alm da economia, a universalidade, pois sua estrutura formal pode ser totalmente

    reconhecida por quem a observa.

    Autor de poucos projetos particulares em virtude de seu vnculo profissional

    com o servio pblico, Reidy projetou e construiu esta casa para si mesmo e sua

    esposa, a engenheira Carmen Portinho, com a finalidade de veraneio. Ela reflete,

    sobretudo, a sensibilidade social de Reidy sempre presente em seus projetos, entre

    os quais se destaca o conjunto de Pedregulho, construdo no Rio de Janeiro de

    1947 a 1952.

    Fortemente influenciado por Le Corbusier, Gropius e Mies Van der Rohe,

    fica clara neste projeto uma analogia visual com as casas Jaoul (1954-1956) de

    Corbusier, que, a partir do ps-guerra, reavaliou sua produo, tornando-a mais

    orgnica com o uso de materiais naturais como o tijolo. Alm dos materiais, a

    cobertura abobadada o elemento mais marcante dessa analogia. Nas casas Jaoul

    ela sustentada pelas paredes de alvenaria portantes; na casa de Itaipava, as

    paredes recuam da estrutura porticada, deixando mostra seu esqueleto, mas

    ambas procuram deixar claro que a forma coincide com a estrutura formal.

    Outra analogia visual pode ser estabelecida com a casa Citrohn de 1920-

    1927; nesta, a escada externa liga o solo ao terrao-jardim e, na casa de Reidy,

    conduz do pilotis ao pavimento superior como uma escada de servios. Se tais

    analogias podem ser feitas, tambm diferenas marcantes podem ser apontadas,

  • 50

    por exemplo, o inverso do esquema domin de Corbusier, quando Reidy, no

    caminho oposto, revela a estrutura.

    Referendada como modelo de boa arquitetura, essa casa reflete,

    intimamente, a teoria do Quaterno Contemporneo, servindo como exemplo claro

    de que o lugar, o programa e a construo influenciam a estrutura formal adotada,

    assim como aspectos culturais e histricos revelam as influncias sofridas por

    Reidy.

  • 51

    CASA 2 Arq.: Joo Batista Vilanova Artigas (ANEXO B )

    Propr.: Heitor Almeida

    End.: Santos (SP)

    Ano: 1949

  • 52

    Estrutura formal: Edifcio em forma de barra, composto por dois blocos

    retangulares paralelos, ligados por uma circulao em rampa e uma prgula que

    geram um ptio central.

    Implantado em um terreno urbano de esquina, de 12m x 35m, com uma

    inclinao de mais ou menos 85cm, este projeto se coloca no sentido longitudinal

    do lote, estabelecendo, assim, uma integrao maior entre a casa, a calada e a

    rua.

    A estrutura formal adotada colabora com o lugar pelas dimenses

    longilneas do lote, cujo desnvel gera dois volumes em nveis diferentes ligados por

    meio de rampas; ambos, volumes e rampas, reclusos em uma barra.

  • 53

    O programa simples, quase convencional, a no ser pelas rampas que

    ligam os dois blocos de dois pavimentos e o solrio no teto do escritrio. O bloco

    menor formado por garagem, depsito e rea de servios no pilotis; escritrio e

    dependncia de empregada no trreo e um solrio no andar superior. No bloco

    maior, o da direita, ficam o setor social no trreo (jantar, estar, lavabo e cozinha) e

    o setor ntimo no andar superior (quartos e banheiros). O programa e a estrutura

    formal so muito semelhantes aos da segunda residncia do arquiteto em So

    Paulo, projetada no mesmo ano.

    A estrutura formal adotada colabora com o programa no sentido de

    assegurar melhor diviso dos setores da casa e tambm de separar funes no to

    necessrias ao funcionamento da residncia. Se no fosse pela circulao por meio

    das rampas que ligam os dois blocos e, conseqentemente, os pavimentos, esta

  • 54

    casa poderia subsistir simplesmente com as funes do bloco maior. Vale ressaltar

    que, para Artigas, a circulao uma funo residencial to importante quanto

    dormir, estar e trabalhar; ela que atua como elemento integrador das funes

    residenciais, sem falar na ponte que estabelece entre o lote e a rua.

    Construtivamente, este projeto [...] comunica s solues primrias de

    construo uma expresso nova, elaborada em funo das idias vigentes na

    sociedade (Artigas, 1956, apud INSTITUTO TOMIE OHTAKE, 2003, p.107).

    Submetendo todo o espao da casa estrutura em grelha prvia de 4m x 3m,

    Artigas resgata sua formao politcnica e, com base na proposta Dom-in de

    Corbusier, prope toda a estrutura em colunas recuadas para que fiquem livres as

    fachadas. O uso da prgula de concreto prope um filtro para a luminosidade

    intensa no ptio que abriga as grandes esquadrias do escritrio, as rampas que se

    voltam para ele e uma rea intermediria entre o pblico e o privado, a rua e a

    casa. Vale atentar para a soluo, nova para a poca, de inserir a caixa dgua em

    um volume de alvenaria de 3m x 2m x 2