as esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ação política

Upload: ricardo-figueiredo-de-castro

Post on 09-Apr-2018

222 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    1/34

    HISTRIA SOCIAL Campinas - SP NO 2 55-88 1995

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTEBRASILEIRO DE 1933-34: PROJETO E AO

    POLTICA

    Ricardo Figueiredo de Castro*

    * Doutorando em Histria pela Universidade Federal Fluminense.

    Resumo: Nos anos de 1933 e 1934 -durante o processo de instalao efuncionamento da AssembliaNacional Constituinte - a esquerdapaulista, liderada pela trotskistaLiga Comunista, implementou umaexperincia de unificao de suastendncias para intervir noprocesso constituinte. A principalconquista desta unificao foi acriao da Frente nicaAntifascista que conseguiu barrarem So Paulo o avano da ameaafascista.

    Abstract: In 1933 and 1934 duringthe process of installation andoperation of the BrazilianConstituent Assembly the left ofSo Paulo State, headed by theTrotskyst Liga Comunista[Communist League], succeded inunifying its tendencies to interferein the constituent process. Themain conquest of this unificationwas the creation of the Frentenica Antifascista [AntifascistUnique Front] that succeded instopping the progress of the fascistmenace in So Paulo State.

    Palavras-chave: Brasil - Trotskismo - Oposio de Esquerda - Frente nicaAntifascista (FUA) - Liga Comunista (LC) - Partido Comunista do Brasil (PCB) -Partido Socialista Brasileiro (PSB) - Mrio Pedrosa - Lvio Xavier - AssembliaNacional Constituinte - Constituio de 1934.

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    2/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE56

    1. Introduo

    Os anos 30 foram cruciais para a histria do Brasil pois redefiniram anatureza da dominao burguesa e do modo de produo capitalista.

    A dcada de 30 inicia-se com um golpe de Estado prontamente

    transformado ideologicamente na chamada Revoluo de 30 (Fonseca, 1989:145). Esta no a Revoluo Burguesa, mas o seu aprofundamento, o seuponto de inflexo, quando ocorrem substanciais mudanas na forma e nanatureza da dominao burguesa (Fonseca, 1989: 240-243).

    O perodo inaugurado com a Revoluo de 30 e que se estende at1945 caracteriza-se como um perodo de transio entre a hegemonia daburguesia agrria e a hegemonia da burguesia industrial. Apesar de ser umperodo de crise de hegemonia, o Estado brasileiro j burgus, sem que, noentanto, nenhuma das fraes de classe da burguesia consiga impor seudomnio s demais (Fonseca, 1989: 323-324).

    A Revoluo de 30 seria burguesa no s pelas suas propostas, comotambm pelos seus agentes e, mais ainda, por suas conseqncias, posto queela inaugura um novo tipo de desenvolvimento capitalista (Fonseca, 1989:145-6), por meio de importantes mudanas: (a) no campo econmico, aindustrializao sofre mudanas qualitativas e quantitativas; (b) no campopoltico, uma alterao da correlao de foras entre as classes , ou seja, umnovo pacto de poder; e (c) no campo social, uma nova perspectiva para otratamento da questo operria e para a questo da participao poltica dossetores mdios (Fonseca, 1989: 28). Alm disso, essas mudanas sodefinidas a partir do fortalecimento do poder burgus (Fonseca, 1989: 28).Outrossim, apesar de no ter ainda internalizado o motor de sua reproduo, oque s ocorrer na dcada de 50, o capitalismo j o modo de produohegemnico no Brasil (Fonseca, 1989: 28).

    O projeto burgus que saiu vitorioso nesse processo teve que levar emconta o peso especfico da classe operria, articulando uma poltica que

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    3/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 57

    tivesse um discurso que lhe fosse atraente e, simultaneamente, escapasse deseu domnio. No ps-30 o projeto burgus conferiu ao Estado a funo deformular e articular a palavra dos trabalhadores (Gomes, 1988: 23).

    Del Roio (1990: 315-316) afirma que a burguesia no foi capaz deviabilizar um projeto de democratizao da sociedade e da economia que

    redefinisse o carter excludente do liberalismo no Brasil. Ao Estado coube atarefa de viabilizar e implementar o projeto burgus. Ainda segundo Del Roio(1990: 12, 13, 316 ess.), a prpria classe operria no conseguiu viabilizaruma alternativa nacional-popular de revoluo burguesa que, ao ampliar egeneralizar a cidadania, impedisse ou, pelo menos, dificultasse aimplementao do projeto burgus que concedeu ao Estado o papel dedefinidor e condutor da hegemonia burguesa em meio a crise de hegemoniaentre suas fraes.

    A revoluo burguesa no Brasil definiu-se, ento, pela via passiva,ao conferir ao Estado um papel regulador da vida social e econmica,absorvendo as contradies da formao social. Entretanto, como afirmaCarlos N. Coutinho (1988: 132), as tendncias ocidentalizantes que davamcondies para a independncia da sociedade civil1 frente sociedadepoltica2, vinham se desenvolvendo desde a dcada de 20. Estas tendnciasforam obstaculizadas em parte pela soluo pelo alto que foi o golpe daAliana Liberal. No entanto, a modernizao capitalista, iniciada com a

    1 Sociedade civil designa o conjunto das instituies responsveis pela elaboraoe/ou difusode valores simblicos, de ideologias, compreendendo o sistema escolar,as Igrejas, os partidos polticos, as organizaes profissionais, os sindicatos, os

    meios de comunicao, as instituies de carter cientfico e artstico etc.(Coutinho, 1985: 60-61).

    2 Sociedade poltica (...) designa precisamente o conjunto de aparelhos atravs dosquais a classe dominante detm e exerce o monoplio legal ou de fato da violncia;trata-se assim dos aparelhos coercitivos do Estado, encarnados nos gruposburocrticos ligados s foras armadas e policiais e aplicao das leis. (Coutinho,1985: 60) .

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    4/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE58

    Revoluo de 30, no suprimiu os pressupostos objetivos da autonomizaoda sociedade civil que j haviam sido criados (Coutinho, 1988: 132). Aconcretizao de aparelhos privados de hegemonia, isto , os resultadossubjetivos da sociedade civil, podiam ser barrados, como o foram no EstadoNovo, mas no suprimidos (Coutinho, 1988: 132).

    Na conjuntura imediatamente posterior Revoluo de 30 as fraesde classe dominantes alijadas do poder lutam pela participao na formulaodos caminhos polticos do novo regime (Gomes, 1980 e 1986). So Paulo oestado da federao que mais merecer a ateno de Getlio, na tentativa desolucionar a discrepncia entre as orientaes de seu governo e as aspiraespolticas da oligarquia3 paulista - a que mais perdeu politicamente com onovo regime. Os interventores indicados por Getlio no conseguem conteras insatisfaes paulistas que se consubstanciam na palavra de ordem daconvocao de uma Assemblia Constituinte. Essa insatisfao explode nachamada Revoluo Constitucionalista de 32. A oligarquia paulista derrotada no campo de batalha mas vence politicamente: Getlio forado aconvocar o processo constituinte. Consegue, porm, intervir no processo demodo que vendeu caro a sua derrota: Getlio ser o grande articulador portrs dos debates constituintes (Gomes, 1980).

    Os anos de constitucionalizao que vo de 1933 a 1934 sero, assim,de grande agitao e turbulncia (Gomes, 1986: 12) na nascente sociedadecivil brasileira, sobretudo na paulista. A crise de hegemonia no Estadobrasileiro e as idas e vindas de Vargas para resolver o problema da resistnciada oligarquia paulista, entre outros fatores, propiciaram as condies para quea nascente sociedade civil paulista criasse, nesse perodo, canais deinterveno poltica, como as vrias organizaes polticas que ento

    3 Entendemos oligarquia como uma situao de poder em que so estabelecidasregras ou normas, legais ou por tradio, que permitem a um mesmo grupo dirigenteperpetuar-se no poder, ou s abri-lo a outros grupos com seu expressoconsentimento (Fonseca, 1990: 142).

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    5/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 59

    surgiram e as manifestaes privadas ou pblicas que ocorriamperiodicamente. Igualmente, permitiu que o fascismo crescesse e seexpandisse, com a criao da Ao Integralista Brasileira (AIB), e que asesquerdas se organizassem e agitassem a capital paulista. So Paulopresenciou neste perodo, mais do que outro lugar no Brasil, a agitao das

    esquerdas.Entre as esquerdas surgiu ento a Frente nica Antifascista (FUA),

    liderada pela Liga Comunista4. Acreditamos que a FUA foi uma possibilidadehistrica de interveno no processo constituinte que teria criado condiespara uma revoluo burguesa de carter nacional-popular, ainda que nofosse esse o seu objetivo.

    2. A Constituinte e as esquerdas

    Na conjuntura por ns analisada, 1933-1934, a esquerda brasileira erahegemonizada politicamente pelo PCB. No entanto, em So Paulo o partidono tinha insero poltica. Isso se explica pelos seguintes fatores: (a)historicamente, So Paulo era um Estado onde o partido no conseguia seestabelecer orgnica e politicamente, apesar de tentativas da direo nacionaldesde o final da dcada de 20 em reverter esse quadro. O PCB permaneciaainda um partido muito ligado a capital federal, com alguns ncleos isolados,como os de Pernambuco, de So Paulo e do Rio Grande do Sul (Castro,1993); (b) o PCB passava por um profundo processo de renovao em seus

    4 A Liga Comunista foi a organizao fundada em janeiro de 1931 por militantes doPCB que se opunham, sobretudo, poltica de alianas e sindical do partido.Filiavam-se Oposio de Esquerda internacional, criada e liderada por LeonTrotsky. Autodenominavam-se bolcheviques-leninistas e eram pejorativamentedenominados trotskistas pelo PCB. Para maiores detalhes ver Castro (1993: cap.3).

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    6/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE60

    quadros (obreirismo) e em sua perspectiva poltica (Del Roio, 1990: cap. IV),o que dificultava sua insero orgnica efetiva nos movimentos de massanesse perodo; (c) em maio de 1932 o Comit Central do PCB desmanteladopela represso getulista (Dulles, 1977: 398) levando alguns meses para serecompor, ainda que precariamente. Apenas durante o ano de 1934 que o

    partido conseguir efetivamente organizar uma direo nacional (Vianna,1992: 191).

    Desse modo, no perodo analisado So Paulo tornou-se o locusprivilegiado das oposies e da campanha pr-Constituinte. Por motivosdiversos a oligarquia paulista e a esquerda no-pecebista (a Liga Comunista eo PSB, principalmente) lutaram pela convocao da Assemblia NacionalConstituinte.

    Assim, o objetivo principal deste texto analisar preliminarmente aposio terica e a ao poltica dos principais membros da esquerda paulistafrente questo da Constituinte e problemtica que lhe subjacente: aconcepo sobre a estrutura econmico-social brasileira, sua revoluoburguesa e sua via revolucionria socialista.

    Analisaremos basicamente a Liga Comunista, que foi o principal grupode esquerda paulista neste perodo, conseguindo tirar do PCB a hegemoniapoltica em So Paulo por um breve espao de tempo ao propor, organizar eliderar a formao da Frente nica Antifascista (FUA) que, ainda que sedirecionasse contra a ameaa fascista, conseguiu arregimentar a esquerda emtorno da idia de frente das esquerdas, configurando-se como umaantecessora histrica da Aliana Nacional Libertadora, que se organiza apartir das bases polticas desenvolvidas pela FUA. Como contrapontoanalisaremos, tangencialmente, o Partido Comunista do Brasil (PCB) e oPartido Socialista Brasileiro (PSB)de So Paulo.

    O PCB, segundo Del Roio (1990: 316), apesar de ser a organizaoligada classe operria com mais condies de viabilizar a realizao de umaalternativa nacional-popular que barrasse a soluo excludente, no

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    7/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 61

    conseguiu faz-lo. Esta alternativa havia sido gestada na poltica do grupodirigente liderado por Astrojildo Pereira que no sobreviveu dcada de 20.Entre 1930 e 1935, a instabilidade orgnica do PCB que se segue e a ascensoda direo partidria prestista-stalinista inviabilizou de vez essa possibilidadehistrica. A viso insurrecional desta nova direo consubstanciada no

    Levante Comunista de 35 contribuiu para viabilizar a consolidao da ordemburguesa pelo alto.

    Entre 1930 e meados de 1934 o PCB sofre um profundo processo dereorganizao. O grupo dirigente liderado por Astrojildo Pereira e OctvioBrando, que se gestara nos anos 20, dissolvido e um novo grupo dirigente,o prestista-stalinista5 s se organizar por ocasio da I ConfernciaNacional do PCB em julho de 1934. Nesse nterim, o partido passa por umainstabilidade orgnica, com a sucesso de vrios secretrios-gerais, e,conseqentemente, poltica. O grupo dirigente partidrio dos anos 20 -herdeiro da tradio anarquista e sindical e organizado em torno de Astrojildoe Brando e da oposio de finais da dcada (Mrio Pedrosa, Lvio Xavieretc.) - substitudo por uma direo partidria, portadora de uma novacultura poltica (a prestista-stalinista) e que se organizar em torno deLus Carlos Prestes (Del Roio, 1990 e Castro, 1993). Enquanto isso, nessesquatro anos o PCB um corpo sem cabea.

    Essa instabilidade orgnica reflete-se na concepo que o partido tinhada formao social brasileira e de sua via revolucionria. O documento finaldo III Congresso do PCB de fins dos anos 20 criticado pelo Comintern queimpe uma outra anlise. Esta permanecer at a I Conferncia de julho de1934.

    As resolues do III Congresso consideram o Brasil um pas de tiposemicolonial, economicamente dominado pelo imperialismo, ainda que

    5 Termo com o qual Del Roio (1990: 15) designa a direo que ascende ao ComitCentral do PCB em meados da dcada de 30, surgida dos simpatizantes doprestismo e, ao mesmo tempo, fiel orientao stalinista vigente na IC.

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    8/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE62

    politicamente independente (Del Roio, 1990: 72). A anlise pecebista superficial e subestima o grau de desenvolvimento capitalista no Brasil.Ainda assim mostra o amadurecimento de uma perspectiva que vinha segestando no partido h alguns anos, a partir da anlise de Octvio Brandoem seu livroAgrarismo e Industrialismo.

    O III Congresso considera ainda que (...) o Brasil um pas deeconomia principalmente agrria, baseada na grande propriedade e naexplorao das grandes massas camponesas. O desenvolvimento econmico travado pelo imperialismo que tambm fez a burguesia desistir de suafuno revolucionria. O projeto de aliana pecebista dirige-se para apequena-burguesia e o golpe principal do movimento revolucionrio deveriaser voltado contra a dominao imperialista (Del Roio, 1990: 73).

    A partir da interveno do Comintern sobre o PCB em 1929/1930 aproposta do III Congresso de aliana com a pequena burguesia criticada esubstituda pelas anlises sectrias do VI Congresso do Comintern (1928).Atravs do seu Secretariado Sul-Americano o Comintern impe ao PCB ateoria do social-fascismo que considerava a social-democracia braoesquerdo do fascismo, o terceiro perodo que previa uma nova ondarevolucionria a partir de uma catstrofe iminente do capitalismo e a classecontra classe que inviabilizava qualquer aliana poltica que no fosse pelabase (Del Roio, 1990: 118-119).

    Assim, a poltica de alianas do PCB no mais considera a pequenaburguesia como aliada. As foras impulsionadoras da revoluoantiimperialista, antifeudal e democrtica seriam agora o proletariado, amassa de assalariados agrcolas e os camponeses pobres (Del Roio, 1990:138). Urgia ento, segundo Del Roio (1990: 200):

    preparar, atravs de greves e manifestaes, as bases para umarevoluo popular, operria e camponesa, agindo quase queexclusivamente no movimento social e descartando qualquer

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    9/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 63

    poltica de alianas estratgicas ou tticas, por localizadas quefossem.

    Quanto ao processo revolucionrio, o PCB previa uma revoluoburguesa de carter agrrio e antiimperialista que, com a liderana do partidolevaria a revoluo burguesa a se transformar numa revoluo socialistaatravs da agitao e do ataque s instituies da democracia burguesa.Lembramos ainda que o partido compartilhava da perspectiva do Cominternda iminente catstrofe do capitalismo e previa o terceiro perodo queconsiderava que uma terceira revolta, popular e revolucionria, se seguiria srevoltas tenentistas dos anos 20.

    Desse modo, o partido lanava improprios contra a idia de umaAssemblia Constituinte, considerada uma grande tapeao (Vianna, 1992:185), ou, como afirma Del Roio (1990: 200), apenas um paliativo quefavorecia a reaglutinao das classes dominantes. Em dezembro de 1931,

    por exemplo, o PCB lana um documento intitulado Contra a Constituintedos ricos (Carone, 1982: 131-132) no qual a frente nica (pela base) colocada como o nico caminho revolucionrio. Marly Vianna (1992: 185)lembra que essa frente nica nunca chegou a sair da retrica. Inclusive, oPCB fez o que pde para que a FUA no vingasse ou, pelo menos, que casoela tivesse sucesso, ele fosse creditado sua ao. Lembramos que o PCB fezuma convocao para o contra-comcio de 7 de outubro de 1934 que expulsouos integralistas da Praa da S mesmo quando este j havia sido convocadopela FUA, tentando assim tirar vantagens polticas (Abramo, 1984).

    O PCB alm de ter uma perspectiva insurrecional do processo

    revolucionrio tendeu, ento, a abstrair o potencial revolucionrio das massase, voluntaristicamente, a partir da ascenso do grupo prestista-stalinista na IConferncia Nacional (em julho de 1934), a imaginar a insurreio cada vezmais enquanto funo de um grupo de elite armado (os militares) que, aodesferir um golpe certeiro no poder constitudo, desencadearia a aoinsurrecional das massas (Vianna, 1992: 57-59). Diramos que o Levante de

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    10/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE64

    35 seria a realizao desse projeto revolucionrio. Destarte, a conceporevolucionria pecebista alm de insurrecional, como a da LC, pregava a lutaarmada.

    Como afirma Del Roio (1990: 213):

    Nessa viso ofensivista induzida pela concepo stalinianado terceiro perodo como crise insupervel do capitalismo,plantada num ambiente cuja cultura poltica via nos golpes defora voluntaristas a forma de fazer histria, como aquelaconsubstanciada no prestismo, forjou-se uma sntese mope daquesto da democracia como terreno mais propcio para a lutada classe operria, no s para suas reivindicaes econmicas,mas tambm para se propor como classe dirigente. A relativasubestimao do integralismo, que nem ao menos citado nomanifesto da Conferncia Nacional, est relacionada subestimao da questo democrtica [grifos nossos].

    A outra organizao poltica importante nesse perodo em So Paulofoi o Partido Socialista Brasileiro (PSB) de So Paulo. Em 1933, graas nova legislao eleitoral, surgem vrios partidos no Brasil (Gomes, 1986: 29)e vrios deles procuram mostrar uma perspectiva socialista. Na maioriaabsoluta dos casos esto ligados a tenentes (Carone, 1991: 95). O PSB de SoPaulo ser o que ter maiores desdobramentos (Carone, 1991: 98). A primeiraexperincia foi feita sob o patrocnio do interventor Waldomiro Lima queprocurava formar uma base de apoio em So Paulo para vos polticosprprios (Gomes, 1988: 269 ess.). Esse PSB caracteriza-se como um partidosocial-democrata que pregava conquistas trabalhistas dentro das propostas

    tenentistas de cooperao entre capital e trabalho; mas, segundo FranciscoFrola (...) representava melhor uma coalizo de grupos pessoalmentefavorveis ao General do que um verdadeiro partido de massas (citado emCarone, 1991: 100).

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    11/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 65

    A segunda fase do PSB se inicia em janeiro de 1934. Agora o PSBbusca na tradio marxista o referencial terico-poltico, retomando de certomodo o Manifesto-Programa redigido por Francisco Frola e outros em janeirode 1932 e que no se transformou em partido.

    O Manifesto deste novo PSB de dezembro de 1933, assinado entre

    outros por Francisco Frola, que seria como que um elo que ligaria este novoPSB ao Manifesto-programa de 1932 e ao PSB de Waldomiro Lima. Estenovo PSB em seu Manifesto denuncia os males do sistema capitalista(Carone, 1991: 101). O documento no realiza uma anlise maispormenorizada da formao social brasileira mas inscreve-se claramente natradio socialista, constatando inclusive a existncia da luta de classes, quedever ser extinta futuramente. No entanto, diferentemente do PCB e da LC,aceita a liberal democracia como quadro de luta poltica, declarando que,uma vez atingido o pleno poder, promover o novo ordenamento jurdico dapropriedade (...). Enquanto isso lutar por melhor sorte do proletariado, comomelhores salrios, sindicatos livres etc.. Esse manifesto mostra umaconcepo de transio socialista que buscava sair da esfera ideolgicacomunista pregando uma via mais lenta, no abrupta, por meiosinstitucionais, procurando respeitar a liberdade. Ou seja, este PSB coloca-secomo a vertente reformista da cultura poltica da esquerda marxiana de ento,enquanto o PCB e a LC compartilham da mesma viso bolchevique, deruptura revolucionria. O PSB em sua defesa da poltica institucional comoforma de garantir melhorias para os trabalhadores levar o partido a apoiar asua insero nos debates sobre a Constituinte, apesar da sua fraquezaorganizacional impossibilitar uma ao conseqente de seus deputados.Ainda assim, o PSB ser o maior aliado e brao direito da LC na criao eexpanso da FUA.

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    12/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE66

    3. A Liga Comunista e a formao social brasileira

    Pode-se dizer que as principais bandeiras de luta da Liga Comunistaforam: a) a convocao de uma Assemblia Constituinte em basesdemocrticas e a luta pela eleio de deputados comunistas que defendessem

    um programa mnimo; b) a unidade sindical para o combate a lei n 19.770que institua a interveno estatal no movimento sindical; c) a lutaantifascista contra o integralismo; e d) a unidade das foras de esquerda nafrente nica, nas ruas e no Parlamento. Estas bandeiras de luta se explicampela perspectiva revolucionria dos oposicionistas e pela prpria poltica doPCB.

    Ainda como Grupo Comunista Lenine, a Oposio de Esquerdaproduziu aquela que seria a primeira tentativa de compreender a histria daintroduo do modo de produo capitalista na formao social brasileira:Esboo de uma anlise da situao econmica e social do Brasil,6 redigidopor Mrio Pedrosa e Lvio Xavier e editado em outubro de 1930 (Abramo &Karepovs, 1987: 66-82). Marcos Del Roio (1990: 171) reconhece que,naquela conjuntura, esta foi a mais consistente reflexo do ponto de vistamarxista sobre a formao social brasileira. Este ensaio juntamente com oProjeto de teses sobre a situao nacional7 (Abramo & Karepovs, 1987: 143-169) so os trabalhos da Oposio de Esquerda brasileira que nos permitemconhecer as interpretaes sobre a realidade brasileira que norteavam a aopoltica da Liga Comunista no perodo por ns estudado. O Projeto de teses de 1933 e afigura-se como um aprofundamento das questes levantadas peloEsboo, de outubro de 1930, ao retomar e desenvolver teses, alm de citarliteralmente alguns trechos.

    6 A partir de agora, apenas Esboo.7 A Partir de agora, apenas Projeto de teses

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    13/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 67

    Estes dois documentos8 demonstram que seus autores tinham ummnimo de conhecimento da teoria econmica marxista contida em O Capital.Lembramos que Mrio Pedrosa, um dos autores do texto de 1930, tinhaconhecimentos da lngua alem, alm de ter estudado, nos anos 20, teoriaeconmica na Alemanha. Outro que conhecia o alemo e poderia ter lido O

    Capital foi Rodolfo Coutinho, que nos anos 20 estudara na URSS. AristidesLobo e Lvio Xavier, o outro autor do Esboo, tambm tinham conhecimentosde lnguas estrangeiras, alm de serem tradutores: o primeiro traduziu Oestado e a Revoluo de Lenin e o segundo Enciclopdia das CinciasFilosficas de Hegel (Konder, 1988: 200).

    Diferentemente do que afirma Carlos Guilherme Mota (1980: 123),segundo o qual no incio da dcada de 30 ningum nunca leu O Capital,parte do grupo dirigente da LC j havia lido O Capital ou, pelo menos,conhecia o fundamental de sua contribuio (Castro, 1993: 110).

    O fato que Esboo apresenta uma anlise que leva em conta conceitos

    como modo de produo, formao social, meios de produo, acumulaoprimitiva de capital, propriedade privada, expropriao dos meios deproduo. Embora seja apenas um esboo, o que explicitado no prpriottulo, esse trabalho consegue analisar minimamente as condies histricasconcretas da introduo do capitalismo na formao econmica brasileira, emconstruo. H, pois, nesse curto ensaio uma sensibilidade terica emarticular o abstrato do modo de produo com o concreto da formaoeconmica. O texto consegue definir satisfatoriamente a especificidade docapitalismo brasileiro em relao ao seu carter universal. Essas mesmascaractersticas esto presentes no Projeto de teses, que, inclusive, j cita e

    edio francesa deA revoluo permanente de Trotsky. Marx mencionadonos dois textos, sendo que nesse trabalho o prprio livro III de O Capitalque citado.

    8 Tanto eles quanto todos os outros documentos polticos da Liga Comunista (seobrasileira da Oposio de Esquerda) analisados a seguir foram extrados de Abramo& Karepovs (1987).

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    14/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE68

    Como, ento, a Liga Comunista entendia a formao econmico-socialbrasileira? Os dois textos oposicionistas acima citados nos ajudaro afornecer a resposta.

    Segundo o Esboo (citado em Abramo & Karepovs, 1987: 66-67)

    o modo de produo capitalista e a acumulao - e, porconseqncia, a propriedade privada capitalista - foramexportados diretamente das metrpoles para o Novo Mundo.

    A oferta ilimitada de terras teria colocado um entrave acumulao e ao modo de produo capitalistas:

    Tendo sempre o colono livre a possibilidade de tornar-seproprietrio de seu meio de produo, isto , podendo otrabalhador acumular por si prprio, torna-se impossvel aacumulao e o modo de produo capitalistas. Ali est acontradio que a burguesia da metrpole deveria resolver - o

    segredo de sua florao e de sua gangrena (Marx).A soluo teria sido encaminhada pela interveno do Estado:

    A dependncia do trabalhador em relao ao capitalista,proprietrio dos meios de produo, teve de ser criada pormeios artificiais: a apropriao da terra pelo Estado, que aconverteu em propriedade privada, e a introduo da escravidoindgena e negra; numa palavra a colonizao sistemtica(Abramo & Karepovs, 1987: 67).

    So ainda formuladas as caracterstica particulares da formaoeconmica e poltica do Brasil na Amrica Latina:

    Trabalho escravo, latifundium, produo dirigida pelossenhores da terra com a sua clientela, burguesia urbana e umacamada insignificante de trabalhadores livres, tanto nas cidadesquanto nos campos [...] (Abramo & Karepovs, 1987: 69).

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    15/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 69

    No prximo trecho antecipa-se, de certa forma, a formulao que CaioPrado Jr. far anos depois acerca da natureza da economia colonial:

    O Brasil nunca foi, desde a sua primeira colonizao, mais queuma vasta explorao agrcola colonial. Seu carter deexplorao rural precedeu historicamente sua organizao

    como Estado (Abramo & Karepovs, 1987: 67-68).E de acordo com o ulterior Projeto de teses (citado em Abramo &

    Karepovs, 1987: 152), desde a sua primeira colonizao, o Brasil no foimais que uma vasta explorao rural tropical.

    No Brasil, segundo o Esboo, a acumulao primitiva de capital teriaperpassado a transio do trabalho escravo para o livre:

    No Brasil, a acumulao primitiva do capital fez-se demaneira direta: a transformao da economia escravista emsalariado do campo se fez diretamente e o afluxo migratrio,que j comeara antes da abolio da escravatura, teve como

    objetivo oferecer braos grande cultura cafeeira. Produziu-seaqui, portanto, o que Marx chama de uma simples troca deforma (In: Esboo, citado em Abramo & Karepovs, 1987: 67).

    Mas no Esboo no explicitado qual seria o modo de produohegemnico no Brasil colonial. A acumulao primitiva de capital indica queo capitalismo no se estabelecera plenamente. Essa questo indicada noProjeto de teses. Segundo este, no perodo colonial teria predominado umcerto feudalismo colonial (Abramo & Karepovs, 1987: 157), no qual, comovimos, introduziam-se as relaes de produo capitalistas e realizava-se aacumulao primitiva de capital.

    Seria apenas no Segundo Imprio, atravs da cultura do caf, que ascondies da produo capitalistas conseguiriam se desenvolver plenamente:

    Toda a histria econmica e social do Segundo Reinado no seno a histria das tentativas dos senhores de terra deadaptarem-se s condies da produo capitalista

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    16/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE70

    [...]

    O desenvolvimento capitalista do Brasil tornou necessria atransformao do trabalho escravo em trabalho assalariado. Amudana de forma de que fala Marx processou-se aqui demodo direto. A escravido tornara-se um empecilho

    libertao das foras produtivas. [...] O desenvolvimento dacultura do caf nas provncias do centro-sul umdesenvolvimento tipicamente capitalista. (In: Projeto de Teses,citado em Abramo & Karepovs, 1987: 154-155).

    A economia escravista teria, assim, propiciado o desenvolvimento dasforas produtivas plenamente capitalistas:

    Integraram-se na fazenda de caf as condies essenciais auma grande explorao agrcola moderna, ainda com asvantagens decorrentes de um meio geogrfico e histricoexcepcional. Terras virgens, ausncia da renda fundiria pelaconfuso do proprietrio territorial com o capitalista dono daexplorao numa nica pessoa, o conseqente emprego de todoo capital da empresa no melhoramento da cultura, e sobretudo,o estabelecimento da monocultura, forma especializada deproduo que, pelo emprego simultneo de todos os meioseconmicos num objetivo nico, desenvolve aceleradamente ofundo de acumulao. Geraram-se, assim, determinadas pelognero de explorao da terra, isto , decorrentes no s doaumento da produtividade social mas tambm da maiorprodutividade natural do trabalho, ligado s condies naturais(Marx), todas as formas de desenvolvimento capitalista, naescala nacional: crdito, dvida pblica, sistema hipotecrio,comrcio importador, rede ferroviria, desenvolvimento urbanoetc. (Abramo & Karepovs, 1987: 155).

    No Esboo e no Projeto de teses afirma-se que a burguesia paulistaenriquecida com o caf imps a Repblica e, atravs dela, implantou suahegemonia atravs do sistema federativo (Abramo & Karepovs, 1987: 70 e155 - respectivamente).

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    17/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 71

    Ser ento com a Repblica que o capitalismo se espalhar peloterritrio brasileiro:

    Mas o processo econmico estendeu-se pouco a pouco a todoterritrio brasileiro e o capitalismo penetrou todo o Brasil,transformando as bases econmicas mais retardatrias. (In:Esboo, citado em Abramo & Karepovs, 1987: 74).

    No entanto, essa penetrao do capitalismo seguida de uma maiorintegrao com a economia mundial e ao imperialismo:

    medida que progride economicamente, o Brasil integra-secada vez mais economia mundial e entra na esfera de atraoimperialista. (Abramo & Karepovs, 1987: 72).

    E quais so os desdobramentos disso na economia nacional e para aburguesia nacional? Ainda segundo o Esboo (citado em Abramo &Karepovs, 1987: 74)

    a penetrao imperialista um revulsivo constante que acelerae agrava as contradies econmicas e as contradies declasse. O imperialismo altera constantemente a estruturaeconmica dos pases coloniais e das regies submetidas suainfluncia, impedindo o seu desenvolvimento capitalistanormal, no permitindo que esse desenvolvimento se realize demaneira formal nos limites do Estado. Por essa razo, aburguesia nacional no tem bases econmicas estveis que lhepermitam edificar uma superestrutura poltica e socialprogressista.

    Em vista disso, a burguesia no tem condies no s de viabilizar aunidade nacional sem que oprima o proletariado (In: Esboo. Citado emAbramo & Karepovs, 1987: 81) nem muito menos de instituir plenamente ademocracia burguesa. Portanto, na poca do imperialismo, a burguesia ameaada tanto pelo imperialismo quanto internamente pelo fantasma daluta de classe proletria (Abramo & Karepovs, 1987: 74). A burguesia seria,

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    18/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE72

    pois, politicamente incapaz, covarde e portadora de um reacionarismo cego evelhaco (Abramo & Karepovs, 1987: 74).

    Na anlise especfica sobre o Brasil o Projeto de teses (citado emAbramo & Karepovs, 1987: 159) analisa a crise da Aliana Liberal como umaluta entre fraes burguesas pelo controle do Estado federal, disputa essa

    inserida na questo do desenvolvimento desigual do capitalismo e noimperialismo:

    Assim, sob a dominao da burguesia a unidade nacionalbrasileira tende a esfacelar-se ao peso da contradio entre odesenvolvimento desigual do capitalismo nos estados e a formada Federao - nas condies criadas pela pressoimperialista.

    Esta anlise ser, posteriormente, retomada para explicar a Revoluode 30 (In: Aos trabalhadores do Brasil. Citado em Abramo & Karepovs,

    1987: 56-65) assim como o perodo imediatamente posterior e a RevoluoConstitucionalista de 32:

    Sob a presso irresistvel da crise mundial, atenazada pelasexigncias do imperialismo, acuada por uma situao semsada, perdida a sua posio de comando da mquina do Estadonacional, a burguesia paulista joga a sua cartada final, tentandorecobrar pela fora o poder perdido em outubro de 1930. J queno pode mais exercer sozinha a hegemonia, ela se contentacom o controle sobre o poder, combinado com a burguesia deMinas e do Rio Grande do Sul.(In: Carta aos camaradas doPartido Comunista. Citado em Abramo & Karepovs, 1987:

    118-119).Marcos Del Roio (1990: 172), analisando o Esboo, afirma que os

    oposicionistas procuraram compreender os interesses concretos das classesdominantes, apesar de terem possivelmente exagerado o nvel do capitalismobrasileiro. Demais, para vantagem da anlise se eximiram de reduzir a

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    19/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 73

    questo da situao brasileira disputa entre o imperialismo ingls e o norte-americano, como fazia o PCB. Conclui que apesar disso, os oposicionistastm um projeto quase igual ao do PCB, subjetivista e abstrato ao propor asalvaguarda da unidade nacional atravs da instaurao de uma ditaduraproletria por meio da organizao do Estado sovitico no Brasil.

    Consideramos que Del Roio apesar de, como vimos acima, elogiar aconsistncia da anlise, no chegou propriamente a analisar o seu alcance.Igualmente, sua concluso acerca da abstratividade e subjetividade daproposta poltica dos oposicionistas fica comprometida, posto que o objetivoprincipal deste texto era o de fazer um esboo sobre a histria do capitalismono Brasil e da crise intra-burguesa da dcada de 20, e no o de traar umprojeto poltico. Esse carter mais propriamente poltico Marcos Del Roioencontraria em documentos posteriores, j da Liga Comunista.9

    Diramos, ento, que a Liga Comunista considerava que o capitalismoj se estabelecera em todo o Brasil e a burguesia nacional estava enredada nodomnio imperialista, no possuindo, pois, condies de edificar umasuperestrutura poltica e social progressista (In: Esboo, citado por Abramo& Karepovs, 1987: 74). Desse modo, ela repudiava veementemente qualquerpossibilidade de aliana com qualquer frao da burguesia, posto que esta noestaria interessada em estabelecer a democracia burguesa. A perspectivarevolucionria dos oposicionistas est claramente formulada nos documentosda prpria Liga Comunista, como por exemplo,Aos trabalhadores do Brasile mais ainda em Projeto de teses sobre a Assemblia Constituinte, queanalisaremos a seguir.

    9 Quando da elaborao deste texto a Liga Comunista ainda no existia. O Esbooainda no um texto propriamente poltico de uma organizao que se propunha aintervir na poltica, mas sim um texto terico que pretendia explicar a histriabrasileira. A Liga Comunista que surge alguns meses depois publicar vrios textospolticos (vide a lista das fontes) nos quais suas palavras de ordem, a sim, estoclaramente expostas.

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    20/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE74

    4. Estado e Revoluo: a democracia burguesa e a AssembliaConstituinte

    Logo na fundao da Liga Comunista os oposicionistas analisam aRevoluo de 30 em Aos Trabalhadores do Brasil (Abramo & Karepovs,

    1987: 56-65). Esta teria sido desencadeada pela crise do caf que teriabaqueado o Partido Republicano Paulista, representante do domnio daburguesia paulista na Federao. Nesta luta entre as fraes burguesas opoder passava ento das mos da burguesia paulista para o Rio Grande doSul, Minas e o Nordeste. A vitria da Aliana Liberal significou amanuteno da unidade nacional atravs de um acordo da burguesia nacional,e esta unidade estaria sendo realizada graas a um acirramento da opressosobre as classes pobres (In: Aos Trabalhadores do Brasil. Citado porAbramo & Karepovs, 1987: 60).

    Marcos Del Roio (1990: 170) afirma que a anlise oposicionista do

    golpe da Aliana Liberal, formulada neste texto, apesar de mais sofisticadano era fundamentalmente diferente da do PCB.

    ainda Del Roio (1990: 170-171) quem afirma:

    Procurava-se evitar o esquematismo de ver na Aliana Liberalum instrumento do imperialismo americano em luta contra oimperialismo ingls, como faziam os comunistas do PCB. ALiga Comunista julgava que o movimento aliancista fora feitocom a finalidade de manter a unidade burguesa do Brasil,manter a centralizao do poder poltico, sob a forma deditadura do poder poltico, sob a forma de ditadura militar

    manifesta ou mascarada [...], mas de qualquer modo, tem desubmeter, pois, sua poltica poltica dos grandes pasesimperialistas. Nessas condies, se [...] concita o proletariadoa lutar pelas liberdades democrticas e pela legalizao de seupartido de classe [...] lutando tambm pela convocao de umaAssemblia Constituinte.

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    21/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 75

    Sua anlise, contudo, no d o devido destaque analtico propostapoltica dos oposicionistas ento formulada: a luta pelas liberdadesdemocrticas atravs da palavra de ordem da convocao da AssembliaConstituinte com base no voto universal (In: Aos Trabalhadores do Brasil.Citado por Abramo & Karepovs, 1987: 64-65).

    A convocao de uma Assemblia Constituinte definida pelanecessidade do proletariado levar avante a bandeira da democracia, que nomais seria implementada pela burguesia:

    O proletariado no se iludir, pois, s ele, como classeverdadeiramente revolucionria e pelo carter internacional daluta que trava contra a burguesia, pode lutar pela liberdade,pela democracia. S o proletariado pode combater pelasreivindicaes democrticas, pois s ele tem interesse naconquista da democracia (Abramo & Karepovs, 1987: 62-63).

    Entretanto, a palavra de ordem da Liga Comunista dirigia-se aosmilitantes pecebistas na perspectiva de que estes influssem na poltica dopartido.

    A Luta de Classe de 1. de maio de 1931 defende mais uma vez apalavra de ordem da Assemblia Constituinte (Dulles, 1977: 382-384). Opanfleto Po e liberdade para os operrios, de 5 de agosto de 1931, alm depedir o fim das arbitrariedades do governo contra as lideranas operrias,conclama mais uma vez pela Assemblia Constituinte (Carone, 1982: 277).

    Em maro de 1932 a Liga Comunista realiza uma Conferncia

    Nacional de Oposio. Segundo Del Roio (1990: 225), nesta ocasio a LCsistematizou a elaborao terica que vinha fazendo at ento. No Boletim deOposio n 4, ento editado, publicou-se o Projeto de Teses sobre a

    Assemblia Constituinte, que foi oferecido ao PCB.Este trabalho sistematizador da teorizao da Liga Comunista oferece-

    nos a possibilidade de compreender como a Oposio de Esquerda brasileira

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    22/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE76

    pensava o Estado burgus, assim como a democracia e o Parlamento, alm docaminho revolucionrio a ser trilhado nessas condies.

    A partir da, portanto, conseguiremos entender melhor a ao da LigaComunista na questo da Assemblia Constituinte e da unidade sindical e dasforas da esquerda.

    Segundo o Projeto de teses sobre a Assemblia Constituinte (Citadoem Abramo & Karepovs, 1987: 95), o Estado instrumento do domnio deuma classe sobre outras:

    Seja qual for a forma de governo, o que existe sempre aditadura de uma classe sobre a outra. Portanto, no capitalismoa burguesia exerce seu poder sobre as outras classes atravs docontrole do Estado. Com exceo da Rssia, onde existiria aditadura do proletariado, a burguesia exerce o poder em todosos pases do mundo atravs de sua ditadura, a ditadura daburguesia.

    Aqui o termo ditadura do proletariado, como concebiam Trotsky, Marxe Engels, tem a ver com o domnio de uma classe sobre outras, nosignificando, pois, uma forma de governo (Deutscher, 1988: 395).

    E qual seria ento a maneira de acabar com a ditadura da burguesia einstaurar a do proletariado?

    As massas exploradas e oprimidas s podero libertar-se dadominao burguesa por meio da Revoluo Proletria, queinstituir a ditadura do proletariado, baseada nos sovietes,como rgo de governo, no Partido Comunista, comoorganizao poltica. (In: Projeto de Teses sobre a Assemblia

    Constituinte. Citado em Abramo & Karepovs, 1987: 97).Segundo a Liga Comunista os sovietes teriam duas importantes funes

    a desempenhar no processo revolucionrio:

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    23/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 77

    uma, de rgos de insurreio, como organismo de frentenica das massas no perodo que precede a tomada do poderpelo proletariado; e outra, de rgos de poder, aps a destruiodo aparelho de Estado da burguesia (Abramo & Karepovs,1987: 98).

    Os sovietes, segundo a Liga, deveriam anteceder a insurreio, quandoa tomada do poder pelo proletariado afigurava-se como iminente, como nocaso de uma greve geral, por exemplo (Abramo & Karepovs, 1987: 97).

    O perodo posterior insurreio seria um perodo de duplo poder,apenas solucionado com o fim da democracia burguesa.

    Vitorioso o proletariado [na insurreio], os sovietes, comorgos de poder do proletariado, sero opostos s instituiesdemocrticas da burguesia. Somente ento soar a ltima horada democracia burguesa (In: Trotsky, L.. A RevoluoEspanhola, p. 93. Citado em Abramo & Karepovs, 1987: 98).

    No entanto, enquanto isso no acontecesse cumpriria ao proletariadoparticipar de todas as maneiras da democracia burguesa, pois essaparticipao no s teria a finalidade de destru-la (desmascarando-a) comotambm de dirigir as massas que ainda tivessem iluses para com ademocracia (Abramo & Karepovs, 1987: 98). Boicotar a democraciaburguesa, somente quando existir a perspectiva concreta de tomada do podere de contrapor a democracia proletria burguesa (Abramo & Karepovs,1987: 99). Citando Trotsky e exemplificando com Lenin, o documento afirmaque esse boicote s pode ser decidido a partir da anlise da correlao deforas em cada caso particular.

    Enquanto esse momento no chega, deve-se participar das instituiesda democracia burguesa, a mais importante delas, o Parlamento, ainda que eleseja uma instituio destinada a enganar o povo:

    O parlamento uma instituio da democracia burguesa,destinada a fazer crer ao povo que ele quem governa, pois,

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    24/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE78

    podendo eleger os seus representantes, no lhe seria difcilobter a maior parcela de poder. (In: Projeto de teses sobre a

    Assemblia Constituinte. Citado em Abramo & Karepovs,1987: 100).

    A Liga Comunista formula ento sua viso do Estado burgus, que

    diramos ser restrita, pois concentra seu poder na sociedade poltica e noconcebendo uma diluio do poder numa sociedade civil (Coutinho, 1985: 19):

    O essencial nesse aparelho de Estado [burgus] a burocraciaadministrativa concentrada nos ministrios e sustentada pelapolcia, pela marinha e pelo exrcito burgueses. O mecanismoburocrtico de todo Estado burgus - escreve Trotsky -qualquer que seja a sua forma, eleva-se sobre os cidados,fortalecendo seu poderio para fomentar uma fidelidade mtuaentre as classes governantes e propagar sistematicamente, entreas massas, o temor e a subordinao aos governantes.(Plataforma da Oposio Russa -- La situacin real de Rusia, p.119) (In: Projeto de Teses sobre a Assemblia Constituinte.Citado em Abramo & Karepovs, 1987: 100-101).

    Destruir o parlamento sem destruir simultaneamente o prprio regime

    burgus no deve interessar ao proletariado, afirma o documento (Abramo &

    Karepovs, 1987: 101).Para a Liga Comunista o proletariado deve em toda a sua luta contra a

    burguesia usufruir da democracia burguesa, lanando palavras de ordemdemocrticas, como a Assemblia Constituinte, por exemplo. Participar doParlamento no s seria a maneira de chamar as massas retrgradas vida

    poltica como tambm de denunciar a prpria democracia burguesa (Abramo& Karepovs, 1987: 102).

    A concepo revolucionria da Liga Comunista combinava aparticipao na democracia burguesa com o acirramento da luta de classes, aser desencadeado por sovietes de carter insurrecional:

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    25/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 79

    No caso de uma situao revolucionria, a palavra de ordemde Assemblia Constituinte pode existir perfeitamente ao ladoda de sovietes. Estes so os rgos de frente nica das massasj preparadas para a insurreio; aquela o meio de trazer paraa insurreio as massas que reclamam a Constituinte, as massasque ainda esperam alguma coisa da democracia burguesa e ques se convencero da superioridade da democracia soviticadepois que tiverem tomado o poder com o Partido Proletrio frente. (Abramo & Karepovs, 1987: 104).

    Podemos ver que a Liga Comunista tem pontos de contato com aquelesa quem critica: o PCB e o Comintern. So eles: uma concepo restrita doEstado burgus e uma concepo explosiva da revoluo socialista.10

    No entanto, a Liga Comunista e a Oposio de Esquerda internacionalno compartilham da viso catastrofista do capitalismo contida na tese doterceiro perodo. A ttica de classe contra classe do Comintern reduziu a

    nada o espectro de alianas, pois lutar pela frente nica pela base ,segundo Del Roio (1990: 119), no passava de um eufemismo com afinalidade de dar uma aparncia de continuidade ttica poltica e parajustificar o isolamento que os comunistas se auto-impunham.

    Ainda que, nesse perodo, tanto o PCB quanto a LC no aceitassem emhiptese alguma uma aliana de classe com a burguesia, a LC concebendo aparticipao no Parlamento burgus propunha uma poltica que, no final dascontas, contribua para o fortalecimento das liberdades democrticas.Inclusive, ainda segundo o Projeto de teses sobre a Assemblia Constituinte,mesmo quando se formasse uma situao revolucionria sem que o povo

    estivesse preparado, o partido comunista deveria abster-se de lutar pelopoder, pois isso seria aventureirismo:

    10 Para uma discusso sobre a concepo restrita do Estado burgus e a concepoexplosiva da revoluo socialista ver Coutinho (1985: 15-46).

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    26/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE80

    Neste caso, o que compete vanguarda proletria lutar pelasmassas, conquistar a sua confiana e conduzi-las, ento, lutapelo poder. (In: Projeto de Teses sobre a AssembliaConstituinte. Citado em Abramo & Karepovs, 1987: 104).

    Na sua parte final o documento analisa a situao brasileira e as vrias

    alternativas polticas colocadas para os comunistas. Caso a Constituinte fosseadiada pelo governo, deveria-se defender a sua imediata convocao. Casoela fosse convocada deveria-se lutar ento pela eleio de candidatosprprios, que tanto denunciariam a democracia burguesa quanto defenderiamum programa mnimo (Abramo & Karepovs, 1987: 109).

    Assim:

    A tarefa da vanguarda proletria, na hiptese formulada, ser,pois, de propaganda dos objetivos gerais da polticarevolucionria, de educao, portanto, das camadas maisprofundas da populao, atradas arena poltica, propaganda

    essa conjugada com a formulao das reivindicaes concretasque as interessem imediatamente e preparem o terreno parauma etapa ulterior do movimento proletrio no Brasil.(Abramo & Karepovs, 1987: 110).

    Pouco tempo depois, em maio de 1932, aps o desenlace desastroso dagreve dos ferrovirios e de outros trabalhadores paulistas, boa parte dadireo nacional do PCB foi presa e encarcerada na Ilha Grande, at o finaldo ano (Almanaque Abril, 1990: 13).

    Nesse nterim, a Liga Comunista:

    retomando as concluses de sua conferncia nacional, teve ainiciativa de propor ao PCB [In: Carta aos camaradas doPartido Comunista de 14 de julho de 1932. Citado em Abramo& Karepovs, 1987: 114 a 129] a formao de uma frentecomunista para lutar pela imediata convocao de umaassemblia constituinte, pelo cumprimento das promessas daoligarquia liberal e para preparar o terreno para a convocao

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    27/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 81

    de um congresso de unificao dos comunistas onde asdivergncias internas fossem dirimidas (Del Roio, 1990: 225-226).

    Estas propostas de reconciliao no tinham aceitao entre ospecebistas, devido pesada propaganda do PCB, e principalmente do

    Komintern, contra os oposicionistas de esquerda.Certamente os oposicionistas procuraram se aproveitar do fato de que a

    direo pecebista estava presa para tentar retornar ao partido, visto que, comosabemos, embora se considerassem oposio, frao do PCB, eles haviamsido expulsos do partido. Os documentos da Liga Comunista dirigem-se militncia pecebista procurando sempre mostrar a justeza de suas propostase os equvocos da direo do PCB.

    Alguns meses depois, em novembro de 1932, toma posse na secretaria-geral Domingos Brs, que teria expulsado Astrojildo Pereira e chamadoAntonio Maciel Bonfim (Miranda) para assessorar a direo do PCB(Pacheco, 1984: 232 e Canale, 1985: 116). Para Del Roio (1990: 205), teriase iniciado ento a transio do obreirismo para o prestismo-stalinismo.

    Em abril de 1933, a Liga Comunista, atravs deA Luta de Classe, lanaCampanha eleitoral - ao Partido Comunista, projeto de programa eleitoralproposto ao PCB com um programa comunista Assemblia Constituinte jconvocada, tentando assim convenc-lo mais uma vez a participar doprocesso eleitoral (Abramo & Karepovs, 1987: 131-141). Esse projeto apresentado por uma carta, a mais amistosa possvel, em que a aceitao daproposta formulada no teria nenhuma condio. Possivelmente, essadisposio amistosa procurava levar em conta que uma nova direo havia seestabelecido no PCB.

    No final do ms, 29 de abril, a Liga Comunista, ao constatar que o PCBno aceitara sua proposta eleitoral nem lanara nenhum candidato, lanaAristides Lobo como candidato do comunismo Assemblia Constituinte.Prontamente, no mesmo dia, o partido lana os nomes de Jonas Trombini e

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    28/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE82

    Attila Borges Dias (Abramo & Karepovs, 1987: 131 - nota 57). Aindasegundo Abramo & Karepovs (1987: 131 - nota 57), isso fez com que a LCcoerente com sua postura de frao do PCB, retirasse a candidatura deAristides Lobo e passasse a apoiar os candidatos do partido.

    5. A Liga Comunista e a poltica de frente nica (sindical e dasforas de esquerda)

    A Liga Comunista compartilhava da crtica da Oposio de Esquerdainternacional ao Comintern por este recusar-se a participar de frentes nicas.A LC tem, pois, na questo da frente nica a base de sua atuao com asesquerdas e com o movimento sindical.

    Segundo os Estatutos da Liga Comunista (citado em Abramo &

    Karepovs, 1987: 179), a frente nica seria um de seus princpiosfundamentais:

    (h) reconhecimento da necessidade de uma larga POLTICADE FRENTE NICA relativamente s organizaes de massa,tanto sindicais como polticas, inclusive a social-democraciacomo partido. Condenao da palavra de ordem ultimatista spela base, que significa praticamente a recusa a uma polticade frente nica e, por conseguinte, a recusa a formar sovietes.[...] .

    A Liga Comunista tem na frente nica das esquerdas o pressuposto

    ttico que nortearia sua ao poltica. As questes da AssembliaConstituinte, da poltica sindical, da luta antifascista e das alianas polticasse baseiam assim na frente nica.

    Pouco depois da promulgao (19 de maro de 1931) da Lei federal n19.770, que atrelou o movimento sindical ao Estado, os oposicionistas deesquerda analisam-na nas pginas do seu jornalA Luta de Classe (1 de maio

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    29/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 83

    de 1931): lei mussolinesca de sindicalizao de classes que vem acentuarainda mais o que est dominando o governo no Brasil: um esprito fascista emprocesso de cristalizao. (Antunes, 1982: 112). A Liga Comunista,portanto, repudia veementemente a poltica sindical do governo Vargas.

    A princpio os oposicionistas de esquerda colocaram-se contra os

    sindicatos oficiais, que recebiam autorizao federal para funcionarem.Depois de esgotadas todas as possibilidades, optaram por entrar nessessindicatos tentando reverter por dentro a estrutura sindical (Abramo &Karepovs, 1987: 114). Lembramos que a poltica de frente nica sindical nose efetivaria em sindicatos sem base nem naqueles que no representassem adiversidade ideolgica dos trabalhadores.

    Na Carta aos camaradas do Partido Comunista (citado em Abramo &Karepovs, 1987: 124) os oposicionistas fazem srias crticas polticasindical do PCB, crticas que lembram aquelas feitas pela Oposio Sindical:

    (a) No devemos opor, como o Partido o vem fazendo, umabarreira entre os interesses superiores, histricos, finais doproletariado - a conquista do poder poltico pela insurreio - aos interesses dirios, simples, econmicos ou mesmocorporativos das massas proletrias. Ao contrrio, precisamosun-los, e fazer da luta pelos ltimos uma etapa NATURAL daluta final pelos primeiros.[...] (b) Antes de gritarmos, como oPartido o vem fazendo, intil e irresponsavelmente - Viva aC.G.T.! ou Viva a Federao Sindical ! - que se tornam assimsimples entidades abstratas, bandeiras partidrias, provocando deantemo prevenes e antipatias dos elementos operrios nocomunistas, necessrio partir modestamente do princpio..

    O ponto (b) contm tambm uma crtica poltica pecebista de lanarpropostas sindicais sem se ater especificidade das questes operrias e daprpria amplitude poltica do movimento operrio. Assim, as propostas aomovimento operrio lanadas pelo PCB so mais partidrias do quepropriamente sindicais.

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    30/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE84

    A unidade sindical almejada pelos comunistas - pecebistas ouoposicionistas - deveria, pois, segundo a Liga Comunista, ser alcanadaatravs da efetivao de uma verdadeira frente nica.

    O binio 1933-1934 assiste, como j vimos, a uma intensa atividade dafrgil sociedade civil brasileira e abarca tambm, sintomaticamente, o perodo

    de maior atividade e combatividade poltica dos oposicionistas de esquerdabrasileiros. Eles se batem tanto pela unificao sindical (em So Paulo,principalmente) quanto pela unificao das esquerdas; primeiro doscomunistas (stalinistas e trotskistas em 1932) e depois das esquerdaspaulistas, na Frente nica Antifascista (FUA): socialistas, anarquistas,trotskistas e at pecebistas paulistas.

    O ponto culminante dessa poltica o combate entre fascistas eantifascistas (FUA) na Praa da S a 7 de outubro de 1934.

    Del Roio (1990: 242) define a diferena entre a FUA e a AlianaNacional Libertadora (ANL). Enquanto esta propunha uma frente ampla da

    sociedade civil contra o imperialismo, aceitando inclusive a burguesianacional nacionalista, aquela propunha uma frente que abarcaria apenas aesquerda, j que a burguesia no era vista como um aliada confivel deacordo com o pensamento de Trotsky.

    J Marly Vianna (1992: 135) v uma continuidade poltica entre a FUAe a ANL. Era como se a ANL fosse o desdobramento poltico da FUA.

    Entre 6 e 10 de maio de 1933 acontece a I Conferncia Nacional daLiga Comunista do Brasil (Abramo & Karepovs, 1987: 9).

    A partir dessa conferncia a Liga Comunista inicia a poltica de frentenica de esquerda - ampliando a natimorta frente comunista proposta em

    julho de 1932, no aceita pelo PCB -, que culminar na formao da FUA.J no dia 27 de maio, talvez por resoluo da referida conferncia,

    lanado em So Paulo o jornal antifascista O Homem Livre, de determinanteinfluncia trotskista (Abramo, 1984: 15 e 90). Esse jornal ser muitoimportante na poltica de aproximao das esquerdas paulistas, proposta pelosoposicionistas de esquerda.

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    31/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 85

    No dia 10 de junho de 1933, numa manifestao pblica realizada nasede da Unio dos Trabalhadores Grficos de So Paulo (UTG-SP), foioficialmente proposta a formao da Frente nica Antifascista (FUA), napresena de trotskistas, socialistas, anarco-sindicalistas e imigrantes italianosantifascistas (Del Roio, 1990: 238; veja tambm Abramo, 1984: 17). Quinze

    dias depois, a 25 de junho, a FUA oficialmente fundada, na sede da UnioCvica 5 de julho (Abramo, 1984: 18 e Del Roio, 1990: 238).

    A 11 de julho ocorre o lanamento pblico da FUA e trs dias depois(dia 14) acontece a sua primeira manifestao pblica, na sede da LegaLombarda, quando ento lanado o Manifesto da Frente nica Antifascista(Abramo, 1984: 90; documento publicado integralmente entre as pginas 75 e77).

    A FUA promoveu vrias manifestaes em So Paulo, queconseguiram reunir vrias organizaes de esquerda. Alm disso, elaprocurou reunir todas as organizaes de esquerda paulistas.

    A Coligao dos Sindicatos Proletrios, criada no mesmo processo quelevou a formao da FUA, procurou unificar o movimento sindical paulistana luta contra o perigo fascista, representado pela integralismo da AIB.

    Nos dias 27 e 28 de agosto acontece em Paris a Conferncia daOposio de Esquerda internacional, reunindo 14 organizaes socialistas deesquerda ou oposicionistas comunistas, que conclama a construo de umaIV Internacional (Marie, 1990: 59).

    Nove meses depois, seguindo as resolues da Oposio de EsquerdaInternacional, os oposicionistas brasileiros deixam de se considerar fraooposicionista do PCB e fundam a Liga Comunista Internacionalista (1 demaio de 1934).

    A Liga Comunista Internacionalista continua, ento, sua poltica deunidade das esquerdas. No entanto, a perda da possibilidade de retornar ou,pelo menos, de influir nos rumos do PCB e a forte represso getulista aoLevante de 1935 aceleram a desagregao do grupo trotskista.

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    32/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE86

    6. Concluso

    A luta pela Assemblia Constituinte no foi, como vimos, umabandeira de luta apenas da oligarquia paulista. A esquerda paulista em seusdois grupos mais importantes, a Liga Comunista e o Partido Socialista

    Brasileiro, realizaram uma vigorosa ao poltica pela sua convocao e pelaeleio de deputados que representassem os interesses dos trabalhadores. Aao desses dois grupos lanaram algumas das bases de uma culturapoltica11 de esquerda que a partir dos anos 40 defender uma viarevolucionria que privilegia a democracia como elemento estratgico e nomeramente ttico, como considerava o PCB. No devemos esquecer que oulterior Partido Socialista Brasileiro da dcada de 50 e importantesintelectuais defensores do socialismo com democracia fizeram parte destasduas organizaes da dcada de 30. No entanto, o Levante Comunista de 35 eo Estado Novo bloquearam tanto entre a esquerda quanto para a sociedadecivil brasileira o amadurecimento dessa cultura poltica, que permanecermarginal at pelo menos a dcada de 70.

    7. Fontes Impressas utilizadas:

    Carta aos camaradas do Partido ComunistaA Constituinte dos ricosEsboo de uma anlise sobre a situao econmica e social do Brasil

    11 Consideramos aqui cultura poltica um sistema de representaes baseado numacerta viso do mundo, numa leitura significante, seno exata, do passado histrico,na escolha de um sistema institucional e de uma sociedade ideal conforme osmodelos admitidos, e que se exprime por um discurso codificado em smbolos, ritose que o evoca sem que uma outra mediao seja necessria (Berstein, 1992: 71).

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    33/34

    RICARDO FIGUEIREDO DE CASTRO 87

    Estatutos da Liga ComunistaPo e liberdade para os operriosManifesto da frente nicaProjeto de teses sobre a situao nacionalProjeto de teses sobre a Assemblia Constituinte

    Aos trabalhadores do BrasilOBS.: Todas publicadas em Abramo & Karepovs (1987)

    8. Bibliografia:

    ABRAMO, Flvio. 1984. 7 deoutubro de 1934 - 50 anosCadernos Cemap. So Paulo, ano I,n 1, p. 3-65. out..

    ABRAMO, Flvio & KAREPOVS,Dainis (org.). 1987. Nacontracorrente da histria, 1930-1933. So Paulo, Brasiliense.

    ALMANAQUE ABRIL. 1990. Brasil, dia-a-dia. So Paulo:Editora Abril.

    ANTUNES, Ricardo. 1982. Classeoperria, sindicatos e partido no

    Brasil. So Paulo, Cortez Autores

    Associados.

    BERSTEIN, Serge. 1992.Lhistorien et la culture politiqueVingtime sicle - Revue dhistoire.Paris, (35): 67-77, juil.-sept.

    CANALE, Dario. 1985. AInternacional Comunista e o Brasil:1920-1935 In: TAVARES, JosNilo. (org.) Novembro de 35: meiosculo depois. Petrpolis, Vozes.

    CARONE, Edgard. 1982. PCB.1922-1943. So Paulo, DIFEL.

    ______________. 1991. Brasil, anosde crise (1930-1945). So Paulo,Ed. tica.

    CASTRO, Ricardo Figueiredo de.1993. A Oposio de Esquerdabrasileira (1928-1934): teoria e

    prxis. Niteri, ICHF/UFF.

    [dissertao de mestrado]

    COUTINHO, Carlos Nelson. 1985.Adualidade de poderes.Introduo teoria marxista de estado erevoluo. So Paulo: Brasiliense.

  • 8/7/2019 As esquerdas e o processo constituinte brasileiro de 1933-34: projeto e ao poltica

    34/34

    AS ESQUERDAS E O PROCESSO CONSTITUINTE88

    ______________. 1988. Gramsci.Rio de Janeiro, Campus.

    DEL ROIO, Marcos. 1990. A classeoperria na revoluo burguesa: a

    poltica de alianas do PCB, 1928-1935. Belo Horizonte, Oficina deLivros.

    DEUTSCHER, Tamara. 1988.Trotskismo In: BOTTOMORE,Tom. (ed.) Dicionrio do

    pensamento marxista. Rio deJaneiro, Jorge Zahar Editor, p. 394-395.

    DULLES, J. W. 1977. Anarquistas ecomunistas no Brasil. Rio deJaneiro, Nova Fronteira.

    FERREIRA, Pedro Roberto. 1993. Oconceito de revoluo da esquerdabrasileira, 1920-1946. So Paulo,PUC. Captulo V

    FONSECA, Pedro Cezar Dutra.1989. Vargas, o capitalismo emconstruo, 1906-1954. So Paulo,Brasiliense.

    GOMES, Angela de Castro. 1980.Apresentao. In: Regiona-lizao e centralizao poltica.Partidos e Constituinte nos anos

    30. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.p. 15-18.

    _______________ 1986. Confrontoe compromisso no processo deconstitucionalizao, 1930-1935,

    In: FAUSTO, Boris (org.).Histriageral da civilizao brasileira. O

    Brasil republicano. So Paulo,DIFEL. tomo III, vol. 3.

    _______________. 1988.A invenodo trabalhismo. Rio de Janeiro, Ed.Vrtice.

    KONDER, Leandro. 1988. A derrotada dialtica. Rio de Janeiro,Campus.

    MARIE, Jean-Jacques. 1990. Otrotskismo. So Paulo, Perspectiva.

    MOTA, Carlos Guilherme. 1980. Ideologia da cultura brasileira. 4ed. 2 impresso. So Paulo, tica.

    PACHECO, Eliezer. 1984. O PartidoComunista Brasileiro (1922-1964).So Paulo, Alfa-mega.

    VIANNA, Marly. 1992. Revolucionrios de 35: sonho erealidade. So Paulo, Companhiadas Letras.