a competência da assembléia nacional constituinte (1933).pdf

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.. .,·'·'··Idcentivo fiscal - Conflito entre Estados . r- - PAULO DE BARROS CARVALHO 130 Licitação - Comprovação de capacidade técnico-operacional - ADÍLSON'ABREU DALLARI 149 Município e autarquia federal - Relações - Conflitos - Impossibilidade de multas a pessoas p˙blicas - TOSHIO MUKAI 154 Secretário Municipal - Indiciamento por ato praticado. no exercício da . . função e no interesse da Administração.. Direito e dever, por parte desta, de promover-lhe a defesa - SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA ~~~ ~'~ , 161 ( ESTUDOS E COMENTÁRIOS Legitimidade do poder de reforma constitucional - FÁBIO KONDER COMP ARATO 167 ão declaratória de constitucinalidade - Inovação infeliz e inconstitucional - MARCELO FIGUEIREDO ~ .. 182 Depósito compulsório da Lei 4.595/64 (Circular n. 2.175/92 do BACEN) - Natureza jurídica - Aspectos legais e constitucionais _ r ---- JOAO DACIO ··ROLIM 200 Conflitos entre princípios do Direito do Trabalho e do Direito Administrativo - ANA RITA TAVARES TEIXEIRA ~ 212 Terrenos: reservados nas margens dos rios navegáveis - Bens p˙blicos ou particulares? - MARTIM OUTEIRO·· PINTO 217 " JURIS·PRUDENCIA. 237 ~: J~ ~.' r~-;': ~r(. !~~ r ~ ~,í,. 1á~;:: tv···· ~.; . f ~~;'; ~:_;;.::. ~;i.·:· ~:~;: ~;: ... :?~" .~). e: 1$.".;'- ~~r " ~~> ...... ' \~~i. ,t')?::-:- fi:':: !li ~ f~ I'~ ~ :,!\ ,v.; ~ N i! ? ~ ~: é'i f,;: W;',~ It ~f~' t,:): S~· ~:~J: 1),.: ~; ~:,;" d' ~:;:',' ~'; ~,~, . ~~j: ,;;-j '~.;'~-\' , Wf \;;,:,.~, t;~, ~." .;:,/'" ~~~:;:- ~r::· "'<i'\' i';~:!. rt:!. ~:;'. u;~ ~!:;: I,,~'~::i;,'_. " A COMPETÊNCIA DA 'ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE de 1933/34 . , (Um texto de Kelsen sobre o. Brasll) HANs KELSEN '. , . , Antigo Professor da .Universidade de Viena.,:erà Catedrático .da de Colônia,' quando se viu obrigado a deixar .a Alemanha em virtude dos ˙ltimos acontecimentos '. políticos "desertrolados nesse país; Ocupa, atualmente, a Cátedra d~ Dir~ito das/Gentes no Instituto Universitário de Altos Estudos Internacionais em Genebra. R espondo aos quesitos, não do ponto de vista político ou de direito natu- ral, mas exclusiva e unicamente do pon- to de vista do direito positivo. Deduzo as minhas conclusões admitindo que para a situação e competência da Assembléia Nacional, Constituinte não pode ser con- siderada outra norma de direito que o Re- gimento 22.621, de 7 de abril de 1933.: 1. O Governo Provisório, que é go- verno de fato, originado de uma revo- lução, tem o direito de impor um regi- mento à Assembléia Nacional Consti- tuinte? . 2. O fato de ter o Governo Provi- sório imposto um regimento Assem- bléia Nacional Constituinte não repre- sentauma ofensa à soberania da dita As- sembléia, que por definição, por" ser constituinte, é soberana? 3. Obrigará juridicamente este regi- mento' a Assembléia Nacional Consti- tuinte e'não. poderá a dita Assembléia re- . jeitar o regimento, adotando um que. for ~." ~ , por ela elaborado? Quesito I . , . O Governo Provisório, por Decre- to 22.621 de 7 de abril de 1933,. baixou o Regimento da Assembléia Nacional Constituinte. '.

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Page 1: A competência da assembléia nacional constituinte (1933).pdf

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.,·'·'··Idcentivofiscal - Conflito entre Estados. r- - PAULO DE BARROS CARVALHO 130

Licitação - Comprovação de capacidade técnico-operacional- ADÍLSON'ABREU DALLARI 149

Município e autarquia federal - Relações - Conflitos - Impossibilidadede multas a pessoas p˙blicas- TOSHIO MUKAI 154

Secretário Municipal - Indiciamento por ato praticado. no exercício da. .função e no interesse da Administração.. Direito e dever, por parte

desta, de promover-lhe a defesa- SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA ~~~ ~'~ , 161

( ESTUDOS E COMENTÁRIOS

Legitimidade do poder de reforma constitucional- FÁBIO KONDER COMP ARATO 167

Ação declaratória de constitucinalidade - Inovação infeliz e inconstitucional- MARCELO FIGUEIREDO ~ .. 182

Depósito compulsório da Lei 4.595/64 (Circular n. 2.175/92 do BACEN) -Natureza jurídica - Aspectos legais e constitucionais

_ r

---- JOAO DACIO ··ROLIM 200

Conflitos entre princípios do Direito do Trabalho e do Direito Administrativo- ANA RITA TAVARES TEIXEIRA ~ 212

Terrenos: reservados nas margens dos rios navegáveis - Bens p˙blicos ouparticulares?- MARTIM OUTEIRO·· PINTO 217

"JURIS·PRUDENCIA. 237

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A COMPETÊNCIA DA 'ASSEMBLÉIA NACIONALCONSTITUINTE de 1933/34

. ,

(Um texto de Kelsen sobre o. Brasll)

HANs KELSEN'. ,. ,

Antigo Professor da .Universidade de Viena.,:erà Catedrático .da de Colônia,'quando se viu obrigado a deixar .a Alemanha em virtude dos ˙ltimos acontecimentos

'. políticos "desertrolados nesse país;

Ocupa, atualmente, a Cátedra d~ Dir~ito das/Gentes no Instituto Universitário deAltos Estudos Internacionais em Genebra.

Respondo aos quesitos, não do pontode vista político ou de direito natu-

ral, mas exclusiva e unicamente do pon-to de vista do direito positivo. Deduzo asminhas conclusões admitindo que paraa situação e competência da AssembléiaNacional, Constituinte não pode ser con-siderada outra norma de direito que o Re-gimento 22.621, de 7 de abril de 1933.:

1. O Governo Provisório, que é go-verno de fato, originado de uma revo-lução, tem o direito de impor um regi-mento à Assembléia Nacional Consti-tuinte? .

2. O fato de ter o Governo Provi-sório imposto um regimento .à Assem-bléia Nacional Constituinte não repre-sentauma ofensa à soberania da dita As-sembléia, que por definição, por" serconstituinte, é soberana?

3. Obrigará juridicamente este regi-mento' a Assembléia Nacional Consti-tuinte e'não. poderá a dita Assembléia re-

. jeitar o regimento, adotando um que. for~." ~,

por ela elaborado?

Quesito I. , .

O Governo Provisório, por Decre-to 22.621 de 7 de abril de 1933,. baixouo Regimento da Assembléia NacionalConstituinte. '.

Page 2: A competência da assembléia nacional constituinte (1933).pdf

6 REVISTA TRIMEST

Resposta

1. Não existe diferença essencial ~n-. tre um governo de fato e um governo' de

. jure" em direito das gentes e menos in-da no domínio do direito constitucio ala.Admitindo que o Governo Provisóri é11mais alta autoridade legislativa que s -udiretamente da revolução, sem d˙v dadaquele governo depende determinar aconvocação e a competência da Assdm-bléia Nacional Constituinte.

2. A promulgação do citado regi-mento não' significa a incursão na "$0-

~berania" da Assembléia Nacional Cons-: tituinte. A concepção da soberania, Inoverdadeiro sentido da palavra, denhum modo pode ser enquadrada nomínio do direito positivo. Nem mes oo Estado como tal é soberano, pois ci-ma dele se encontra o direito das gen es,

.'que lhe confere direitos e obrigaç es.Ainda menos se pode dizer de qualq erórgão do .Estado que seja sobera o.Quanto à Assembléia Nacional Con ti-

.tuinte, seria questão de saber se ela p s-sui as qualidades de um órgão origi á-rio e supremo, a quem cabe fazer as eise cuja competência é ilimitada. Seria,

. tão, só o caso de' uma Assembléiacional Constituinte que tivesse sidoginada diretamente da revolução. M

.'so não se dá. A existência legal e a com-petência da Assembléia Nacional C'Jls-tituinte fundam-se no regimento de "11 deabril de 1933. Ela é um órgão criado rorum outro órgão e formou-se pelo catni-

: nho legal. Não pode modificar isso a cír-. cunstância de a Assembléia ter o n~me~de '~Assembléi~ Nacional Constituin~ "., Deste nome nao podem ser deduzi asquaisquer qualidades de direito.

3. A Assembléia Nacional Cotuinte não possui outros direitos alémdos que lhe foram outorgados pelo Re-gimento de 7 de abril de 1933. Por i soela não tem o direito de revogar o r gi-mento e substituí-lo por outro. O r gi-mento obriga a Assembléia Nacio aI

L DE DIREITO PÚBLICO-9

Constituinte no sentido em que lhe regulaa função e especialmente lhe determinaa competência. O regimento é um ele-.mento essencial da organização naquele -tempo vigente. Em relação àquela orga-nização, a chamada Assembléia Nacio-mal Constituinte não tem o caráter decriadora da Constituição, mas deexecu-.tora da elaboração da Constituição..Ofendendo as disposições do regimento,.ofenderá assim a organização em vigor.'Em dependência das circunstâncias po-lderá valer isso como uma tentativa pa-ra, por meio da revolução, tornar-se umórgão sob todos os pontos de vista cons-tituinte, isso é originário e supremo cria-dor da Constituição.

;Quesito. 11

. O regimento baixado pelo Governo'Provisório em seus arts. 101 e 102 (Dis-'posições gerais) limita a competência da'Assembléia Nacional Constituinte,vedando-lhe discutir e votar qualquer"projeto de lei". A Assembléia Nacio-nal. Constituinte deverá tratar' unicamen-.te das questões referentes à elaboraçãoida Constituição, eleição do Presidente dalRep˙blica e aprovação dos atos do 00-:verno Provisório.

1. A limitação da competência dai Assembléia Nacional Constituinte não,representa nova ofensa à soberania da di-(ta Assembléia?

2. A eleição do Presidente da Rep˙-:blica, prevista pelo regimento, não faz.prejulgar a adoção obrigatória, pela As-i sembléia Nacional Constituinte, do regi-:me "republicano", regime de novo im-:posto pelo Governo Provisório? Essa im-;posição não representa nova ofensa à so-:berania da Assembléia Nacional Cons-i tituinte?

.Resposta

1. Os arts. 101 e 102 do Regimento

DOUTRINA

de 7 de abril de 1933 significam a limita-ção da competência da Assembléia Na-cional Constituinte. Não existe, porém,a incursão na soberania, pois, de acor-do com os motivos acima salientados, aAssembléia Nacional Constituinte nem ésoberana, no verdadeiro sentido da pa-lavra, nem é órgão originário e supremocriador da Constituição.

2. A disposição do Regimento de 7de abril de 1933 que se refere à eleiçãodo Presidente da Rep˙blica significaigualmente a limitação da competênciada Assembléia Nacional Constituinte emvista de que esta tem os poderes paraadotar só uma constituição que for re-publicana. Quanto à forma de estado, oteor da futura Constituição está já pre-julgado pelo Regimento de 7 de abril de1933.

Quesito 111

O art. 14 do mesmo decreto, dispon-do sobre a forma do compromisso a serprestado pelos deputados à AssembléiaNacional Constituinte, contém o com-promisso de observar a Constituição"Federal" que for adotada.

1.A expressão Constituição' 'Fede-ral" não faz prejulgar a adoção obriga-tória pela Assembléia do regime "fede-rativo"?

2. A imposição do regime federati-vo não representa nova ofensa à sobera-nia da Assembléia?

Resposta

1e 2. O que foi dito a respeito doquesito 11,2~, refere-se igualmente ao ca...ráter federativo. da futura Constituição.Aquele caráter representa, do mesmomodo que a forma republicana do Esta-do, uma limitação à atividade legislati-va da Assembléia NacionalConstituinte,

••.•••• \ ~ #. ...

Ultrapassar o limite significaria a quebrada organização em vigor . .A.sdisposiçõesdo Regimento de 7 de abril de 1933 quese referem à forma republicana do Esta-do e ao caráter federativo da futuraConstituição são previstas, não direta,,mas indiretamente. E um método jurídi-co-técnico que, apesar de ser -muíto du-vidoso, é sempre possível e, infelizmen-te, representa, não raro, o meio de darexpressão à vontade legislativa.

Quesito IV

Um Governo Provisório, originadode uma revolução, que não tinha por ob-jetivo a instituição de um regime ditato-rial "permanente", tendo convocado aAssembléia Nacional Constituinte, nãotem por essa circunstância transmitido aplenitude de seus poderes à dita. Assem-bléia, que se tornará assim soberana?

Resposta

As capacidades do poder de um go-verno originado de uma revolução nãopodem ser determinadas do ponto de vis-ta do direito positivo pelos objetivos queteve o movimento revolucionário no iní-cio. A denominação de um governo co-mo "provisório" tem geralmente umasignificação política e de nenhum modouma de direito positivo. Um governo for-mado por meio revolucionário possui ospoderes que quer possuir sob a condiçãode que possa obter geralmente a obediên-cia às suas prescrições. É o princípio daefetividade que vale para um' governooriginado de uma revolução como prin-cípio de direito positivo. A indicação so-bre as intenções do movimento revolu-cionário não é fundamento suficiente pa-ra que possa obrigar o governo a trans-mitir a totalidade dos seus poderes a umaAssembléia Nacional Constituinte por elepróprio criada.

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Quesito V

Corri 'a instalação da AssembléiaNacional Constituinte poderá o Gover-no Provisório continuar a conservar ospoderes ditatoriais que tinha conquista- .do por meio da vitoriosa revolução?

Resposta

A resposta a este quesito é dada jána resposta ao quesito IV ...

Genebra, 14 de outubro de! 1933.

UM TEXTO DE KELSEN SOBRE O BRASIL

ARI MARCELO SOLON. Professor Assistente do Departamento de Filosofia e Teoria Geral de Direito

da Faculdade de Direito da Universidade de S. Paulo

Pouco antes de publicar, em 1934, aprimeira apresentação completa da

Teoria Pura do Direito, Kelsen dedicou-se ao estudo de um tema de direito cons-titucional brasileiro: a competência daAssembléia Nacional Constituinte cujaconvocação foi determinada pelo Decre-to 22.621, de 7 de abril de 1933, do go-'verno provisório originado da Revoluçãode 1930 e que elaborou o texto da Cons-tituição de 1934. Kelsen havia abando-nado a Alemanha em razão da ascensãodo nazismo e lecionava então Direito dasGentes no Instituto de Altos Estudos In-ternacionais de Genebra. Oferecemos aoleitor a Íntegra do parecer escrito pelo ju- .rista vienense - "A Competência da As-sembléia Nacional Constituinte" - pe-la primeira vez .publicada no Brasil naRevista Política, em janeiro de 1934, cujacópia foi enviada gentilmente pelo HansKelsen-Instituts de Viena ao Prof. Ter-cio Sampaio Ferraz Jr.

Pela leitura do texto, julgamos queeste estudo de Kelsen deva ter partido desua teoria da soberania desenvolvida nolivro Das Problem der Souverãnitãt unddie Theorie des Vôlkerrechts. Beitrag zueiner Reinen Rechtslehre (Tübigen) de1920. Recapitulemos, para melhor com-preensão do leitor, algumas das teses da

teoria da soberania retomadas neste pa-recer: aceitando-se a construção da pri-mazia do direito internacional sobre onacional, a concepção da soberania te-ria de sofrer metamorfose radical, nãose falando mais na soberania do Estadono sentido próprio do termo, pois a or-dem suprema é a ordem jurídica inter-nacional e não a ordem nacional subor-dinada. Contemplar as coisas jurídicassob o ponto de vista do primado do di-reito internacional é o que Kelsen faz aoresponder aos quesitos formulados. Nãodispomos de elementos suficientes paratratar do significado histórico deste tex-to no Brasil. No plano teórico, ˙nico as-pecto sobre o qual nos deteremos, elesuscita problemas curiosos se levarmosem conta que, pela periodização habitualda obra kelseniana, nos encontramos noauge da fase neo-kantiana que culmina-rá justamente com a publicação no mes-mo ano da Teoria Pura do Direito. A vi-são que Kelsen apresentaria nesta obrafoi mediatizada pelo neo-kantismo, ex-pressão do caráter irremediável da dife-rença entre as categorias do sein e sol-len. Ao kelsenianismo, como se sabe,atribui-se a exploração desta clivagem nodomínio jurídico, que sofrerá matiza-ções, no correr dos anos seguintes, até

.a publicação da 2~ edição da Teoria Pu-ra, em 1960.

Exemplo ainda de uma postura neo-kantiana é a afirmação do parecerista deque "a concepção dasoberaniacno ver..;'dadeiro 'sentido da palavra, de nenhummodo pode serenquadrada no domíniodo díreitoposítivo": Na tentativa de evi- . f·

tar o errometodológico de derivara nor-matividade dá realidade; Kelsen buscou' )uma resposta formal ao fundamento de .~validade da ordem jurídícaem umanor- ~ma fundamental hipotética ou pressupos- ",ta. Esta concepção da norma fundamen-tal conduz à afirmação de se poder pre- .dicar soberania à ordem jurídica estatal, 'quando for possível conhecer todas as,normas positivas como oriundas de umasó norma superior e ' Neste sentido, a so-berania também é uma pressuposição,um postulado da ciência do direito "denenhum modo enquadrada no domíniodo direito positivo". Na explicação deum querer como um componente meta- ..jurídico da norma, ao mesmo tempo emque o pensar é visto como seu conte˙do,julgamos que Kelsen se aproximou peri-gosamente de um direito naturallógico,pois na fundamentação transcendental ànorma fundamental ele foi tudo, menospositivista. Muitos anos mais tarde, opróprio Kelsen consumou - satisfatoria-mente, a nosso ver - a ruptura com a .noção transcendental da norma funda-mental: "Em obras anteriores tenho mereferidó a normas que não são o sentidode um ato de vontade. Apresentei sem-pre em minha teoria a norma fundamen-tal que não era o' sentido de um ato devontade, mas sim pressuposta pelo 'pen-samento. Podem crer-me não ter sido-fá-cil abandonar uma teoria que sustenteidurante décadas. Abandonei-a no conhe-cimento de que um dever-ser (sollen)sempre é o correlato de uma vontade(wollen). Minha 'norma fundamental éuma norma fictícia pressuporido um atode vontade fictício que a estabelece, É a . ,ficção que qualquer autoridade, deseja

"

que isto deva ser. Vocês podem me re-preender que estou falando contra minhaprópria teoria. Isto é inteiramente.certo!Tive que modificar minha teoria da nor-ma fundamental em sua representação.Não pode haver normaspuramentepen-

.sadas, isto é, normas .que são o sentidode um ato de pensamento, não o senti-do de 'um. ato. de vontade. O que é pen-sado.por meio da norma .fundamental éa ficção de um: ato de vontade, que real-mente, não existe" {cf', Scmõlz, F, M.,Das Naturrecht inderpolitschen Theo- :rie. Wien, Springer Verlag, 1963, p, 123).No entanto, outras conseqüências teóri-cas bem diferentes ,sucedem ao se aban-donar a hipótese do, primado, do direito .nacional - 'diante do qual a soberaniaé constituída como um pressuposto ló- .gico - , ao se projetar o dever-ser até ..a civitas maxima da comunidade jurídi-.ca internacional, não se detendo nasfronteiras das nações e dos Estados.

Assim, apesar da clivagem forte-mente acentuada em nossa leitura espe-cífica da noção de soberania, o enfoquedo parecer não tem como ponto de par-tida esta hipótese lógico-transcendentalmas o princípio da efetividade do direi-to internacional ("Um governo forma-do por meio revolucionário possui os po-deres' que quer possuir sob a condiçãoque possa obter geralmente a obediência ',às' suas prescrições. 'E o princípio da efe-tividade que vale para um governo ori-ginado de uma revolução como princí-pio de direito positivo. "), Simplesmen-te, a soberania do Estado desaparece doponto de vista da comunidade jurídicainternacional, onde passa a, radicar ofundamento de validade de sua ordemjurídica ("Nem mesmo o Estado comotal é soberano, pois acima dele' se encon-tra o direito das gentes,' que lhe conferedireitos eobrigações", diz o parecer). Na

. teoria da soberania, este é o significado'da primazia do' direito internacional.Aqui também se expõe a perigo a sepa-ração metódica entre sein e sollen como

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10 REVISTA TRIMESTRAL :DE DIREITO PÚBLICO-9

admite o próprio Kelsen na mencionadaobra de 1920: "O direito internacionalatinge o limite mais externo do conheci-,mento normativo. E talvez ainda direi-to, pois ele, embora pondo em perigo aoposição fundamental entre ser e dever:ser, não se dispõe a estabelecer qualquerpoder fático como poder jurídico, masdeixa. valer apenas como poder jurídico ':um determinado poder fático. Nesta fra-queza do direito internacional com rela- :.ção ao poder fático, nesta inclinação do !direito internacional em capitular dian- <i

. te dos fatos, revela-se o problema de suanatureza jurídica mais claramente do quena suposta falta do momento coativo"(Das Problem, ob. cit., p. 241). ,

.-0;7

..A metamorfose do. poder fático -emjurídico, a primazia do elemento fatualjá denotam indícios de abandono do con-traste fundamental entre ser e dever-ser.A teoria' do direito à luz do primado dodireito .internacional é quase uma ciên-cia do' "ser" normativo. Na mesma épo-ca do 'parecer, Kelsen'se.ocupa com in-vestigações' socíõló gica~.sobre crençasanimísticas no direito-primitivo iAlma eo Direito, 1936), discute o amor platô-nico numa perspectiva psicanalítica (DiePlatonische Liebe, 1933) e começa a in-troduzir nos estudos conceitos do reper-tório empirista, por exemplo, a noção decausalidade de, Hume em substituição àcategoria apríorística de Kant. Isto seafirma não para sublinhar uma contra-dição interria na teoria vienense, mas pa-ra expressar que, 'apesar dos preceitosneo-kantianos, a Teoria Pura se via co-mo uma teoria da realidade jurídica, uma

. teoria empírica do direito positivo, o quetambém se pode observar justamente naopinião emitida por Kelsen acerca do di-reito brasileiro. O leitor do parecer, con-tudo, terá razão ao se perguntar comose conciliam estas investigações com asposições metodológicas precisadas naTeoria Pura de que o direito somente po-dia ser objeto de estudo normativo.

Com efeito, na fase neo-kantiana daTeoria Pura do Direito, Kelsen atacariao pluralismo metodológico de quem afir-masse a primazia das considerações fá-ticas sobre toda investigação normativano mesmo domínio. Ao determinar o co-nhecimento do objeto, afirmará seguin-do a posição gnoseológíca da escola neo-kantiana de Marburg, o mesmo objetonão poderá ser estudado por muitos mé- .todos. Disto resulta ter a ciência do di-reito de adotar um método estritamentenormativo, deixando de lado a verdadedas pretensões empíricas (cf. Das Pro-b/em, p.10). É provável, assim, ser o pa-recer em estudo uma das mais precocesevidências do futuro abandono da razãotranscendental por 'parte da Teoria Pu-ra. De fato, somente na perspectiva dodireito internacional é possível encontraruma regra de produção' que eleve o mo-mento da facticidade a um princípio ju-rídico. Aí está um exemplo de realismojurídico quando se parte do princípio daefetividade - "princípio universalmen-te reconhecido do direito internacionalpelo qual, mesmo' um governo, tendooriginariamente ferido. a ordem jurídica,esta ruptura dando-se apenas na perspec-tiva do direito estatal isolado, pode-setornar legítimo - legítimo do ponto elevista do direito internacional, se adqui-rir no Estado permanente estabilidade e .contar com reconhecimento geral" (DasProb/em, oh. cit., p. 240). É deste pon-to de vista, que não.é bem c deste mun-do codificado nas constituições nacio-nais, que Kelsen contempla o primado dodireito internacional chegando a resulta-dos surpreendentemente realistas nesteparecer. Se, para explicar a criação deum novo direito, se recorre ao fato deuma revolução vitoriosa, não seria o ca-so de abandonar o enfoque puramentenormativo, adotando-se a perspectivarealista da efetividade do direito? Have-ria alguma representação jurídica paracolocar em contato o direito novo com

o

DOUTRINA 11

o anterior, destronado por uma revolu-ção, sem que a explicação jurídica tro-pece na realidade do poder efetivo? A re-cusa de inscrever o direito na sua efeti-vidade deixa de ter sentido quando, co-

mo neste admirável trabalho, o Direitoe o Estado são encarados sob um pontode vista a eles estranho, ou sej a, quandoos encaramos em face do direito inter-nacional, sub specie juris genti˙m,

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