ar03-análise da mortalidade e da morbidade em v. rica

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  • 7/31/2019 AR03-Anlise da mortalidade e da morbidade em V. Rica

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    ANLISE DA MORBIDADE NAS GERAIS(VILA RICA, 1799-1801)

    IRACIDEL NERODA COSTA (1)DA FEA-USP

    Dificilmente superestimar-se-ia a importncia do perodo mineratrio na formao doBrasil. A atividade aurfera levou ocupao do interior; os limites fixados teoricamenteem Tordesilhas foram ultrapassados. As reas de ocorrncia do ouro, afastadas dolitoral e de baixa densidade populacional passaram a exercer tamanha atrao sobre oesprito dos reinis e colonos que, em pouco mais de noventa anos, a populao dacolnia v-se decuplicada.

    A interligao entre as reas j ocupadas pelo colonizador europeu aparece como oprimeiro elemento de integrao nacional, ao mesmo tempo se esboa o mercadoconsumidor interno e intensifica-se o processo de urbanizao. Dentre os centrosmineratrios salientou-se, como de primeira grandeza, Vila Rica, hoje Ouro Preto. Em1734 assim a descreveu o autor do Triunfo Eucarstico:

    "Nesta vila habitam os homens de maior comrcio, cujo trfego e importncia excedesem comparao o maior dos maiores homens de Portugal: a ela, como a porto, seencaminham, e recolhem as grandiosas somas de ouro de todas as minas na Real Casada Moeda: nela residem os homens de maiores letras, seculares, e eclesisticos: nelatem assento toda a nobreza, e fora da milcia; por situao da natureza cabea detoda a Amrica, pela opulncia das riquezas a prola preciosa do Brasil" (2).

    O estudo populacional da regio mineira tem grande interesse porque nesta rea seforma, nos trs primeiros quartos do sculo XVIII, o grande estoque de populao quevai nutrir, em seguida, os fluxos migratrios dos centros aurferos decadentes paraoutras reas da colnia.

    No primeiro quartel do sculo XIX habitaram as Minas Gerais homens e mulheresnascidos no esplendor da minerao e falecidos no perodo de decadncia do ouro etransio para a vida agrcola em ressurgimento no Brasil.

    Neste trabalho analisamos a morbidade e mortalidade em Vila Rica, tema poucoconhecido na demografia histrica brasileira. Nosso material emprico provm dosassentos de bitos da freguesia de Nossa Senhora da Conceio de Antnio Dias, uma

    das duas ento existentes em Ouro Preto. O perodo estudado, abril de 1799 a junho de1801, imps-se desde logo nossa observao porque somente durante os vinte e seismeses indicados os livros de bitos registram a causa mortis.

    A identificao da causa do bito com sintomas ou doenas, praticada ordinariamente,permite estabelecer, ainda que de forma genrica, como se apresentava, poca, oquadro da morbidade

    Na anlise dos registros paroquiais referidos (3) nos ocupamos especialmente com as

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    principais doenas acusadas e sua distribuio entre os mais significativos segmentospopulacionais da sociedade colonial: escravos, forros e demais homens livres(ressaltando dos ltimos aqueles explicitamente indicados como brancos). Nosso intuitofoi procurar, com base nos estratos da sociedade, os possveis condicionantes sociaisdos dados empricos revelados com referncia morbidade e mortalidade.

    * * *

    Trazem os assentos: data do bito, pr-nome do falecido, os ltimos sacramentosdispensados, local de moradia e da sepultura. Constam ainda um ou mais dos seguinteselementos: filiao, cor, estado conjugal, naturalidade, freguesia de origem, nome docnjuge, nome do senhor (quando escravos) ou do antigo dono (quando forros), causada morte e condio social - "escravo , 'forro" ou "homem branco".

    A situao patrimonial est implcita nas expresses "com solene testamento" e"pobre". Indistintamente, no que se refere ao sexo, cor e condio social, vem expressoo nome da irmandade a que se associara o defunto. Os militares foram identificados masno consta a profisso dos civis. As crianas ("inocentes") so qualificadas como

    legtimas, naturais ou expostas; presente o nome dos pais para as primeiras, da mepara as segundas e de quem as recebeu como enjeitadas para as ltimas.

    A designao "inocente" aplicada, com certeza, s crianas ainda no confessadas -- viade regra com sete ou menos anos -- no obedece a limite etrio rgido (4). Infelizmente, aidade do defunto, informao de mxima importncia no se declarou em registro algum.No entanto, foi possvel determinar, base de pesquisa nossa nos assentos debatismos, a idade data da morte de considervel parcela dos inocentes.

    A ausncia da causa mortis para a maioria das crianas -- apenas 10,8% dos assentos(11 sobre 102) a registrou -- lacuna sensvel. Para os adultos, 73,2% dos mortos (ouseja, 280 sobre 382), a causa mortis foi explicitada em 82,2% (230 sobre 280), porcentual

    satisfatrio para o estudo vertente (5).

    * * *

    Por faltar, nos registros de inocentes, indicao clara da cor e estrato social,apresentamos, para o conjunto dos mortos, tabelas menos pormenorizadas do que asreferentes aos adultos (entendidos como "no inocentes").

    Possivelmente foi maior a participao dos brancos nas mortes, pois nos registros dasmulheres livres (exclusive as forras) raro aparecer identificao da cor. Neste caso,subiria o porcentual de brancos em detrimento dos "demais livres".

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    TABELA 1REPARTIO DOS BITOS SEGUNDO A CONDIO SOCIAL: ADULTOS

    (Perodo: abril de 1799 a junho de 1801)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Condio Social Porcentagem Porcentagem Acumulada

    Por grupo Total

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------LIVRES1o. grupo:Brancos 8,6Demais Livres (exclusive forros) 20,7 29,3

    2o. grupo:(forros)Africanos 10,9Crioulos e Pardos 11,6 22,5 51,8

    ESCRAVOS

    Africanos 39,1Crioulos 8,0Pardos 1,1 48,2 100,0-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------FONTE: Para todas as tabelas os dados empricos procedem, em sua maioria, doscdices citados. Fontes de outra procedncia sero indicadas. O perodo abril de 1799 a

    junho de 1801 vlido para todas as tabelas sem especificao contrria.

    Na tabela 2 consideramos, para as crianas, o estrato social dos pais ou da me; osexpostos foram includos entre os livres.

    TABELA 2REPARTIO DOS BITOS SEGUNDO A CONDIO SOCIAL

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Condio Social Porcentagem Porcentagem Acumulada

    Por grupo Total-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Livres 33,8Demais livres (Forros) 23,8 57,6Escravos 42,4 42,4 100,0-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Na tabela 3 acreditamos estar subestimada a participao dos brancos e pardos porcausa dos 7,8% de indefinio que, se distribudos, fariam subir a porcentagem daquelesa 10,0% e a destes para 16,5%.

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    TABELA 3REPARTIO DOS BITOS SEGUNDO A COR: ADULTOS

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Cor Porcentagem Porcentagem Acumulada

    Por grupo Total-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    NEGROS:Africanos 50,0Crioulos 23,5 73,5 73,5

    PARDOS:Cabras 0,7Mulatos 9,4 10,1 83,6

    BRANCOS: 8,6 8,6 92,2

    INDETERMINADA: 7,8 7,8 100,0-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Na tabela abaixo os expostos foram includos entre os "negros ou pardos". Somamos osbrancos adultos queles com indefinio de cor porque nos foi impossvel determin-lapara grande parte dos inocentes legtimos, entre os quais deveria estar a grande maioriadas crianas brancas.

    TABELA 4REPARTIO DOS BITOS SEGUNDO A COR

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Cor Porcentagem

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Negros 56,2Negros ou pardos 17,3Pardos 9,7Brancos e indeterminada 16,8-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    O confronto destes resultados com os levantamentos populacionais disponveis paraVila Rica (comarca) e Minas Gerais, efetuados em fins do sculo XVIII e incio do XIX (6)sugere a existncia de um processo de exciso da parcela populacional negra (escravose forros). Afirmativa derivada da desproporcionalidade no peso relativo de cada grupo

    de cor com referncia aos vivos e mortos. A taxa de mortalidade dos negros seriaaproximadamente 20% mais alta do que a vlida para os demais grupos de cor. Oresultado do mesmo exerccio para livres e escravos (7) indicou que a taxa demortalidade dos cativos teria sido, possivelmente, 76% mais elevada do que a referente alivres.

    * * *

    No estudo dos assentos de escravos adultos verificou-se que as mulheres compunham

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    23,7% da escravaria.

    Os sudaneses, embora significativamente representados, inferiorizavam-se em nmeroaos bantos em geral e aos "Angolas" em particular. Apesar da maior resistncia fsicados "Minas" (8), a provvel participao dos vrios grupos, nos parece, de fato,corresponder apresentada na tabela 5.

    TABELA 5REPARTIO DOS BITOS DE ESCRAVOS SEGUNDO A ORIGEM

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Origem Porcentagem Porcentagem Acumulada

    Por grupo Total-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------SUDANESES:Minas 28,6 28,6 28.6

    BANTOS:

    Angolas 49,6Congos 1,0Rebolos 1,0Benguelas 1,0 52,6 81,2

    COLONIAIS:Crioulos 16,5Pardos 2,3 18,8 100,0-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: Dos escravos africanos 35,3% eram Sudaneses e os restantes 64,7% Bantos.

    * * *

    Para os adultos, dois elementos expressam distino social: ser membro de irmandadee/ou deixar testamento. A condio de pobreza ou mendicncia vem tambm explicitada.

    Apenas um escravo registrou-se como membro de irmandade, ou seja, 0,7% dos cativosmortos entre abril de 1799 e junho de 1801. Dos forros, 12,7% foram "irmos"; dentre osdemais livres (exceto os brancos) 25,9% e, dos brancos, a grande parte: 70,9%. Nesteltimo grupo ocorre o nico caso de estar um pobre vinculado a irmandade.

    Deixaram testamento 8% dos alforriados, 9% dos "demais livres" e 54,2% dos brancos.Do conjunto dos homens livres (excluindo forros) 22% deixaram testamento epertenciam a irmandades; dentre os forros apenas 3,2% satisfizeram mesma condio

    enquanto 54,2%dos brancos a cumpriam.

    Estes porcentuais comprovam que, vincular-se a irmandades, significava marco dedistino social perseguido por todas camadas sociais; embora o acesso a elas noestivesse condicionado pela posse de riqueza, a correlao positiva entre os doiselementos iniludvel.

    Excludos os escravos, para os quais evidentemente no h indicao de testamento oupobreza, encontra-se entre os forros o maior contingente de pobres: 25,4% deles so

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    assim nomeados; a cifra cai, para os livres, a 7,3%. Esta discrepncia torna-se maisnotria se apenas os homens forem computados, 46,7% dos forros em contraposio a4,9% de livres (incluindo brancos, excluindo forros). (9)

    No perodo de dificuldades por que passava a atividade exploratria, em decadncia,devem ter sido mais atingidas as camadas desprivilegiadas da sociedade.

    concentrao da riqueza na poca de fastio seguiu-se, de forma igualmente assimtrica,a distribuio da pobreza ao tempo do recesso econmico.

    Os coevos, apesar da viso viciada, identificaram claramente a camada socialabsorvedora da misria: "A Capitania de Minas Gerais, que fez as grandes riquezas dosfelizes reinados do Sr. D. Joo V, e do Sr. D. Jos I de feliz memria, se acha em estadode pobreza, e de misria;... Os casamentos, e mais ainda as mancebias dos proprietrioscom mulheres pretas, e mulatas tm feito mais de trs partes do povo de gente liberta,sem criao, sem meios de alimentar-se, sem costumes, e com a louca opinio de que agente forra no deve trabalhar". (10)

    * * *

    Como indicamos, pequeno o nmero de assentos de "inocentes" nos quais se declaraa causa do bito. Este fato nos obriga a uma anlise restrita mortalidade; as doenasdas crianas foram tratadas em conjunto com as dos adultos, no s por causa dopequeno nmero de registros que declaram a causa mortis de inocentes (11 ao todo)mas, sobretudo, porque os males apontados como causadores da morte de crianastambm o foram para as demais pessoas. No apresentam, portanto, qualquerespecificidade que pudesse ser entendida como caracterstica da infncia.

    Marcante a discrepncia dos pesos relativos quanto a legtimos e bastardos, entre osbatizados de um lado e os mortos por outro (11). Os filhos legtimos perfizeram 39,0%dos batismos e apenas 21,6% dos falecidos; 61,0% de bastardos batizados ocuparam,

    entre os mortos, 78,4%. Indcio evidente de que a condio de legitimidade -- aliada queestava a parmetros socioeconmicos -- dava criana maior probabilidade desobrevivncia. Os mais sujeitos morte precoce so os expostos, vindo a seguir osescravos e por fim os bastardos livres.

    TABELA 6REPARTIO DOS ASSENTOS DE BATIZADOS E BITOS: INOCENTES

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Assentos % Legtimos Porcentagem - Bastardos Total

    Escravos Naturais Expostos-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Batizados 39,0 20,5 31,7 8,8 100,0

    bitos 21,6 26,5 36,2 15,7 100,0-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: Batizados: 205 assentos para o perodo 1798-1801. bitos: 102 assentos, perodoem anlise (1799-1801).

    Outra observao pode ser feita quanto s crianas batizadas em perigo de vida que

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    vieram a falecer. Existe forte evidncia, com uma probabilidade de erro da ordem de 5%,a indicar terem estes prvulos morrido antes de completado o primeiro ms de vida. (12)

    Somando-se aos batizados in periculo vitae (dezoito ao todo), aqueles inocentes para osquais foi possvel determinar a data do nascimento (em nmero de 52), chega-se a cobrir68,7% das mortes de crianas ocorridas no perodo em estudo.

    TABELA 7DISTRIBUIO DOS BITOS DE INOCENTES

    (70 registros)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Perodo Nmero de bitos Porcentagem Porcentagem

    por perodo sobre o total acumulada-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Inocentes Mortos:

    Ao 1o. ms de vida 22 31,42 31,42

    Entre o 1o. e o 12o.ms de vida 26 37,15 68,57

    Entre o 12o. e o24o. ms de vida 12 17,14 85,71

    Entre o 24o. e o36o. ms de vida 6 8,57 94,28

    Entre o 36o. e o48o. ms de vida 2 2,86 97,14

    Depois do 48o. msde vida 2 2,86 100,00-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Baseados nestes elementos podemos estabelecer os limites inferior e superior para aparticipao de crianas mortas nos primeiros doze meses de vida sobre o total deinocentes falecidos. Assim, considerando como mortos com mais de um ano osprvulos para os quais foi impossvel determinar a idade, obtemos o limite inferior, 60%.Com a ajuda da tabela e do grfico abaixo obtido o limite superior, 68,57%. Vale dizerque de 60,0% a 68,6% das mortes de crianas ocorreram antes de completado o primeiro

    ano de vida.

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    GRFICO 1DISTRIBUIO DOS BITOS DE INOCENTES

    (Com base em 70 registros)

    Para o ano de 1800 a taxa de mortalidade infantil teria sido de 238 por mil (clculo combase na media ponderada dos nascimentos de 1799 e 1800, pesos 1/4 e 3/4,respectivamente) ou de 252 por mil, caso tomssemos to-somente os nascimentosocorridos em 1800.

    Com base em clculo probabilstico (13) chegamos ao ndice de 230 por mil para a taxade mortalidade infantil do perodo estudado. As taxas de mortalidade infantil da tabelaabaixo revelam existir entre os inocentes disparidades to significativas quanto aquelasencontradas para os adultos. (14)

    TABELA 8TAXAS DE MORTALIDADE SEGUNDO A CONDIO DO INOCENTE

    (Mortes por mil nascimentos)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Perodo Geral Legtimos Escravos Naturais Expostos-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------1799-1801 (1) 240 133 310 275 428

    1800 (2) 252 191 286 273 267-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: (1) com base em clculo probabilstico; (2) com base nos assentos de 1800.

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    Considerando-se apenas os assentos de adultos, a causa mortis vem indicada para 95%dos brancos, 81% dos escravos, 76% dos forros e 83% dos demais livres (excetobrancos e forros).

    Quanto aos registros sem especificao da causa mortis, em 72% (77% para escravos,80% para forros e 45% para "demais livres") anotou-se: "morreu repentinamente" ou "demorte apressada". Tais assentos foram desprezados nesta parte de nossa anlise, pois acircunstncia apontada diz respeito impossibilidade de serem ministrados ossacramentos da penitncia e extrema uno, sem caracterizar realmente as condiesfsicas do passamento. Vale dizer que, para justificar a ausncia dos ltimossacramentos dizia-se ter a pessoa morrido "repentinamente". Esta assertiva confirmada pela existncia de registros que, de fato, anotaram mortes inesperadas.Neste caso, ao lado da qualificao "morte repentina", vem igualmente indicada a causa:"de uma hemorragia de sangue", "por debaixo de um banco de terra" etc.

    Com bases nos grandes grupos de doenas ou causas de morte (Tabela 1.1) elaboramos

    a tabela 9.

    TABELA 9PARTICIPAO DE CADA GRUPO DE DOENAS, SEGUNDO

    OS DIFERENTES SEGMENTOS SOCIAIS(Os valores -- ndices -- so, para cada segmento social, as propores por mil bitos)

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------CAUSAS DOS DEMAIS LIVRES .BITOS (a) ESCRAVOS FORROS EXCLUSIVE INCLUSIVE GERAL

    BRANCOS BRANCOS BRANCOS-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------I. 213 188 233 250 237 216

    II. 35 - 36 83 50 33III. 9 - - - - 4IV. 88 21 71 42 63 66V. 514 666 500 376 462 527VI. 9 21 18 83 37 21VII. 53 62 71 83 75 63VIII. - - 18 - 13 4IX. 35 21 53 83 63 41X. 44 21 - - - 25-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Participao, sobre o total, dos principais grupos de doenas-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    I, IV, V e VII 868 937 875 751 837 872-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------(a) Os grupos de doenas, em algarismos romanos, vo especificados na Tabela 1.1.

    Verifica-se que as doenas enquadradas nos grupos I, IV, V e VII foram responsveis por87,2% do total das mortes; as demais categorias no apresentaram grandesdiscrepncias, quer na participao sobre o total das mortes, quer com respeito distribuio entre os segmentos sociais. (15)

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    A anlise do quadro acima leva concluso de que para cada segmento social de per siexistem disparidades significativas com referncia ao peso de cada grupo no total dasmortes. Por outro lado, entre os grupos populacionais revelaram-se duas discordnciasde maior monta. A primeira se refere ao grupo I; nele forros e brancos colocam-se emposio excntrica com referncia populao como um todo, o que, provavelmente, se

    deva, por um lado, como pode ser visto na tabela 10, menor incidncia de tuberculoseentre os alforriados, doena de grande peso (42,3%) no grupo infecto-contagioso; e, poroutro, maior susceptibilidade apresentada pelos forros hidropisia, componente dogrupo V.

    Justamente neste ltimo encontramos outra discrepncia: os brancos morriam emmenor proporo de hidropisia, (mal de grande peso no grupo V). A prpria indefinioda etiologia deste mal (16) impossibilita-nos qualquer afirmao categrica. Estaria esteconjunto de sintomas e doenas ao qual se dava o nome de "hidropisia" ligadoimediatamente s condies de higiene e qualidade da alimentao? A nosso ver, aresposta a esta pergunta afirmativa mas, a falta de informaes mais precisas nosobriga a ficar em terreno meramente conjetural.

    Na tabela 10 destacamos os quatro grupos de maior peso, nos assentos estudados, eindicamos, para cada um, as doenas com presena marcante.

    TABELA 10PARTICIPAO DAS PRINCIPAIS DOENAS NOS DIFERENTES SEGMENTOS SOCIAIS(os ndices so as propores, por mil bitos, para cada grupo de doenas e para cada

    segmento social)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------CAUSAS DE PESO DA DEMAIS LIVRES .BITOS DOENA NO ESCRAVOS FORROS Exclusive BRANCOS Inclusive

    (a) SEU GRUPO Brancos Brancos-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------I. (216)(b)Febre re-corrente 365 291 444 539 167 421TuberculosePulmonar 423 542 222 308 500 368Total 788 833 666 847 667 789

    IV. (66)Pneumonia 438 500 -- 500 -- 400

    V. (527)Hidropisia 969 966 1.000 929 1.000 946

    VII. (63)Gangrena 667 834 667 250 1.000 500-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: (a) Os grupos de doenas, indicados em algarismos romanos, esto especificadosna Tabela 1.1. (b) Os ndices entre parnteses indicam a participao do grupo por milmortes em geral.

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    Evidencia-se pela tabela acima que brancos e escravos morreram em maior proporodo que forros e "demais livres" de tuberculose pulmonar, enquanto estes ltimosestiveram mais expostos a febres intermitentes. A hidropisia, apesar de se distribuirassimetricamente em relao aos agrupamentos sociais, revela-se grande responsvel

    pelas mortes causadas por distrbios do aparelho digestivo. Cabe gangrena papeligualmente significante no grupo de molstias da pele e do tecido celular subcutneo.

    Estes resultados comparados com os obtidos por outro autor (17), referentes parquiada S, So Paulo (SP), apresentam pontos de concordncia e divergncia. Os grupos II,VI; VII e X (tomamos aqui os dados relativos aos livres, exclusive os forros e includos osbrancos) esto bem prximos, por sua composio, dos apontados para a rea paulista.Para os grupos I, IV e V largas diferenas distinguem mineiros e paulistas.

    Em Vila Rica as doenas infecto-contagiosas jogam papel de menor realce do que emSo Paulo (237 contra 622,6 por mil mortes), sendo menos expressiva nesta ltima aparticipao da tuberculose pulmonar. As doenas do aparelho respiratrio so

    inexpressivas em So Pauto (1,9 por mil mortes) e de maior importncia em Vila Rica: 66por mil mortes (18). As doenas do aparelho digestivo -- 462 mortes em mil para VilaRica contra 95,6 por mil em So Paulo -- marcam outra diferena significativa entre osdois ncleos populacionais.

    * * *

    No se revelou grande discrepncia entre os diferentes grupos sociais em que foidecomposta a amostra. Os grupos so relativamente homogneos quer no que dizrespeito incidncia de molstias quer ao peso relativo delas.

    O elemento distintivo fundamental fica, assim, escamoteado, se analisarmos apenas as

    doenas e sua distribuio entre as camadas sociais. Aparece quando se toma em contaa relao entre as taxas de mortalidade dos diversos grupos. Verificou-se, tanto paraadultos quanto para crianas, ser a condio social ou de cor -- que se confundiam emlarga escala no perodo colonial -- decisiva para explicar a desproporcionalidade entreos pesos relativos dos grupos sociais na populao viva, de um lado, e no conjunto dosmortos por outro.

    Elemento merecedor de realce o meio fsico, entendido no conjunto das condiesgeogrficas e de trabalho. A encontramos as razes para algumas diferenasencontradas no confronto entre os estudos sobre os paulistas e os mineiros.

    O ambiente cultural, hbitos de higiene e de alimentao, aliado ao momento histrico, a

    decadncia econmica, compuseram, a nosso ver, com relevncia, o quadro explicativodas doenas de maior presena: as infecto-contagiosas e as do aparelho digestivo.

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    APNDICE 1

    Quadro 1.1CLASSIFICAO DAS DOENAS E CAUSAS DE BITOS,

    SEGUNDO GRANDES GRUPOS

    (Entre parnteses vai a nomenclatura anotada nos Cdices)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------I. Doenas Infecciosas e Parasitarias: Coqueluche (vmica); Difteria (garrotilho);Disenteria (disenteria); Febre Recorrente (febre, maligna, febre maligna, febre podre);Ictercia (icterice); Lepra (lazaro, lepra); Tuberculose Pulmonar (deitando sangue pelaboca, tsica) ; Outras Tuberculoses (tubrculo) ; Tumor Maligno (cancro).

    II. Doenas do Sistema Nervoso e dos rgos dos Sentidos: Deficincia Mental (doido,mentecapto); Epilepsia (gota coral); Paralisia (parlezia, estupor).

    III. Doenas do Aparelho Circulatrio: Aneurisma (aneurisma).

    IV. Doenas do Aparelho Respiratrio (exceto tuberculose pulmonar): Asma (defluxoasmtico); Empiema (empiema); Laringite Aguda (esquinncia); Pneumonia (pleuriz);Outras Doenas do Aparelho Respiratrio (defluxo, defluxo no peito inflamao do bofe).

    V. Doenas do Aparelho Digestivo: Hidropisia (hidropisia); Obstruo Intestinal e Hrnia(obstruo, volvo, constipao, quebradura).

    VI. Doenas do Aparelho Geniturinrio: Anria (reteno de urina); Hemorragia Uterina(de um froxo).

    VII. Doenas da Pele e do Tecido Celular Subcutneo: Morfia (morfea); Gangrena(gangrena); Abcessos (postema, apostema); Sarnas (sarnas recolhidas).

    VIII. Doenas do Sistema Osteomuscular: Reumatismo no Especificado (reumatismo).

    IX. Sintomas e Estados Mrbidos mal Definidos: Apoplexia (apoplexia); Clica (clica);Entrevada (entrevada); Hemorragia de sangue (hemorragia de sangue).

    X. Acidentes, Envenenamentos e Violncias: Afogamento (afogado); Acidentes devidos afatores ambientais (picado de cobra); Soterramentos (por debaixo de um banco de terra,dentro de uma mina, por debaixo de um pouco de terra que lhe caiu).-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: Elaborado com base no Manual de Classificao Estatstica Internacional deDoenas, Leses e Causas de bitos (baseada nas recomendaes da 8a. Conferncia

    de Revises, 1965, e adotada pela Dcima Nona Assemblia Mundial de Sade) traduode Manildo Fvero, Washington, Organizao Mundial da Sade, 1971, 2 vols.Nomenclatura atualizada de acordo com: Santos Filho, Lycurgo, Histria da Medicina noBrasil (do sculo XVI ao sculo XIX), Brasiliense, So Paulo, 1947 2 vols. Do mesmoautor: Pequena Histria da Medicina Brasileira, DESA e USP, So Paulo, 1966, 150 p.

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    TABELA 1.1REPARTIO DOS BITOS POR CAUSAS: POPULAO LIVRE E ESCRAVA

    (Freguesia de Na. Sa. da Conceio de Antnio Dias, abril de 1799 a junho de 1801)------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    CAUSA DO BITO ESCRAVOS LIVRES TOTAL PROPORO (a) H M H M H M H+M

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------I) Doenas Infecciosase Parasitrias:Coqueluche 1 - - - 1 - 1Difteria - - 1 - 1 - 1Disenteria 1 - - - 1 - 1Febre recorrente 6 1 7 5 13 6 19Ictercia - - - 2 - 2 2Lepra - 1 2 - 2 1 3Tuberculose pulmonar 7 6 5 4 12 10 22Outras Tuberculoses - - 1 - 1 - 1Tumor Maligno 1 - 1 - 2 - 2Total 16 8 17 11 33 19 52 216

    II) Doenas do Sist. Ner-voso e dos rgos dosSentidos:Deficincia Mental 1 - 1 - 2 - 2Epilepsia - - 1 1 1 1 2Paralisia 3 - 1 - 4 - 4Total 4 - 3 1 7 1 8 33

    III) Doenas do Aparelho

    CirculatrioAneurisma 1 - - - 1 - 1 4

    IV) Doenas do AparelhoRespiratrio (A. R.):Asma - - 1 1 1 1 2Empiema - 1 - - - 1 1Laringite Aguda - - 1 - 1 - 1Pneumonia 4 1 1 1 5 2 7Outras doenas do A. R. - 4 1 - 1 4 5Total 4 6 4 2 8 8 16 66

    V) Doenas do AparelhoDigestivo:Hidropisia 45 11 26 41 71 52 123Obstruo Intestinale Hrnia 2 - 1 1 3 1 4Total 47 11 27 42 74 53 127 527

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    VI) Doenas do AparelhoGeniturinrio:Anria - - 4 - 4 - 4Hemorragia Uterina - 1 - - - 1 1Total - 1 4 - 4 1 5 21

    VII) Doenas da Pele edo Tecido Celular Sub-cutneo:Gangrena 2 3 5 - 7 3 10Morfia - - 1 - 1 - 1Abcessos - 1 - 2 - 3 3Sarnas - - 1 - 1 - 1Total 2 4 7 2 9 6 15 63VIII) Doenas doSist. Osteomuscular:

    Reumatismo noespecificado - - - 1 - 1 1 4

    IX) Sintomas e EstadosMrbidos Mal Definidos:Apoplexia 1 - 3 1 4 1 5Clica 2 - - - 2 - 2Entrevada - 1 - - - 1 1Hemorragia desangue - - 1 1 1 1 2Total 3 1 4 2 7 3 10 41

    X) Acidentes, Envenena-mentos e Violncias:Afogamento 1 - - - 1 - 1Acidentes devidos afatores ambientais 1 - - - 1 - 1Soterramentos 2 1 1 - 3 1 4Total 4 1 1 - 5 1 6 25

    TOTAL GERAL 81 32 67 61 148 93 241 1.000-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: H = Homens / M. = Mulheres. (a) Proporo por mil bitos (causas especificadas).

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    TABELA 1.2REPARTIO DOS ASSENTOS DE BITOS

    (nmeros absolutos)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Categoria do INOCENTES ADULTOS TOTALAssento Escravos Livres Escravos Forros Demais Livres

    H M H M H M H M H M-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Com causa mortis -- 4 5 2 81 28 21 27 41 32 241Sem causa mortis 7 16 41 27 22 4 9 6 5 4 141

    Total 7 20 46 29 103 32 30 33 46 36 382-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: H = Homem / M = Mulher. Computamos 382 registros distribudos entre inocentes(102) e adultos (280).

    TABELA 1.3

    REPARTIO DOS ASSENTOS DE BITOS DOS ADULTOS-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Categoria do Escravos Forros Demais Livres Total .Assento (1) (2) (1) (2) (1) (2) (1) (2)-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Com causa mortis 109 80,7 48 76,2 73 89,0 230 82,2Sem causa mortis 26 19,3 15 23,8 9 11,0 50 17,8

    Total 135 100% 63 100% 82 100% 280 100%-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: (1) nmeros absolutos; (2) % sobre o grupo. Para os explicitamente indicadoscomo brancos a causa do bito est indicada em 95% dos assentos.

    APNDICE 2

    O clculo da relao entre as taxas de mortalidade de negros e demais grupos de cor foirealizado com base nos censos disponveis para Vila Rica (comarca) e Minas Gerais e narepartio dos bitos, segundo a cor, do perodo compreendido entre abril de 1799 e

    junho de 1801.

    A participao dos vrios grupos de cor para a populao viva vem indicada na tabela

    2.1; na coluna 6 est a mdia aritmtica das cinco primeiras; por ela v-se que aparticipao de brancos e pardos era de 48,1% e a dos negros de 51,9%.

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    TABELA 2.1REPARTIO DA POPULAO SEGUNDO A COR

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Cor (1) (2) (3) (4) (5) (6)

    % % % % % Mdia-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Brancos 16,12 22,09 19,17 24,64 20,83 20,60Pardos 21,36 25,60 28,75 33,58 28,33 27,50Negros 62,52 52,23 52,06 41,78 50,84 51,90

    TOTAL 100% 100% 100% 100% 100% 100%----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: (1) Comarca de Vila Rica, 1776; (2) Minas Gerais, 1776; (3) Minas Gerais, 1805; (4)Minas Gerais, 1808; (5) Minas Gerais, incio do sculo XIX.

    Na tabela 2.2 indicamos a repartio dos bitos para o perodo abril de 1799 a junho de1801; assentos constantes dos cdices da Freguesia de Nossa Senhora da Conceio de

    Antnio Dias.

    TABELA 2.2REPARTIO DOS BITOS SEGUNDO A COR

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Cor Porcentagens-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Negros 56,2Negros ou Pardos 17,3Pardos 9,7Brancos e Indeterminada 16,8

    TOTAL 100,0-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Com base nestas duas tabelas elaboramos a tabela 2.3. Nesta ltima agrupamos, noreferente aos bitos, em um s grupo (denominado "demais grupos de cor"): "Negros ouPardos", "Pardos" e "Brancos e Indeterminada". Note-se que minimizamos aparticipao, nos bitos, dos negros.

    TABELA 2.3

    REPARTIO DOS ASSENTOS DE BITOS E DA POPULAO VIVA, SEGUNDO A COR-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Cor bitos Populao Viva Relao

    (1) (2) (3)=(1)/(2)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Negros 56,2 51,9 1,0828

    Demais Grupos de Cor 43,8 48,1 0,9106-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

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    A razo de proporcionalidade entre as taxas de mortalidade para os dois grupos emapreo nos dada pela simples diviso dos nmeros indicados na coluna 3 da tabela2.3, ou seja: 1,0828 / 0,9106 = 1,189. Vale dizer que a taxa de mortalidade dos negrosdever ser 18,9% mais elevada do que a vlida para os demais grupos de cor. O fato,

    acima indicado, de termos includo alguns negros na categoria "demais grupos de cor"trabalha a nosso favor, isto , 18,9% subestima o diferencial entre as taxas demortalidade em foco.

    Para o clculo da relao entre as taxas de mortalidade de escravos e livres trabalhamosde forma semelhante. Nas tabelas 2.4 e 2.5 indicamos os dados e operaes realizadas.

    TABELA 2.4

    POPULAO DA PARQUIA DE ANTONIO DIAS - 1804-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Distritos Livres Escravos Total

    -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Antnio Dias 1.100 594 1.694Morro 946 343 1.289Alto da Cruz 824 294 1.118Padre Faria 458 159 617TOTAL 3.328 1.390 4.718-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Fonte: indicada na nota 7 do corpo do trabalho.

    TABELA 2.5

    REPARTIO DOS ASSENTOS DE BITOS E DA POPULAO VIVA,

    SEGUNDO A CONDIO SOCIAL-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Condio Social bitos Populao Viva Relao

    (1) (2) (3)=(1)/(2)-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    Livres 57,60 70,54 0,8165

    Escravos 42,40 29,46 1,4392-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------OBS.: 1,4392 / 0,8165 =1,7626.

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    APNDICE 3

    GRFICO 3.1DISTRIBUIO DOS BATISMOS DE INOCENTES (EXCLUSIVE OS EXPOSTOS)

    (Freguesia de Na. Sa. da Conceio de Antnio Dias. Perodo 1798-1805, 499 assentos)

    GRFICO 3.2DISTRIBUIO DOS BATISMOS DE INOCENTES EXPOSTOS

    (Freguesia de Na. Sa. da Conceio de Antnio Dias. Perodo 1798-1805, 83 assentos)

    NOTAS

    (1) Agradecemos ao Instituto de Pesquisas Econmicas da USP e, sobretudo, ao Dr.Affonso Celso Pastore, o apoio financeiro que nos possibilitou a realizao deste

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    trabalho.

    (2) MACHADO (Simo Ferreira), Triunfo Eucarstico. Exemplar da Cristandade Lusitana,Oficina da Msica, Lisboa, 1734, p. 24-25.

    (3) Cdices pertencentes ao acervo do Museu Aleijadinho, Ouro Preto, MG.

    (4) Foram encontrados, nos cdices estudados, casos de crianas com mais de seteanos consideradas "inocentes".

    (5) Indicaes complementares sobre os registros de bitos constam nas tabelas 1.2 e1.3.

    (6) Consideramos os seguintes levantamentos populacionais: 1) Populao de Vila Rica(comarca) e Minas Gerais, para 1776, Rocha, Jos Joaquim. Memria Histrica daCapitania de Minas Gerais. Revista do Arquivo Pblico Mineiro (Abreviada para R.A.P.M.nas citaes seguintes), Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1899, ano IV,fascculos l e II, p. 511. 2) Populao de Minas Gerais, para 1805 e 1808, R.A.P.M.,

    Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1899, ano IV, fascculos I e lI, p. 294. 3)Estimativa da populao de Minas Gerais para incio do sculo XIX. Rugendas, J.Maurcio. Viagem Pitoresca Atravs do Brasil, Martins e Editora da USP. So Paulo, 1972,il., p. 27. A participao adotada, em nossos clculos, para os grupos de cor foi a mdiaaritmtica simples dos porcentuais implcitos nos levantamentos acima apontados. Talexerccio matemtico, justificado apenas pela falta de dados empricos concretos, deveser tomado to-somente como hiptese de trabalho.

    (7) Servimo-nos, para os clculos referentes a livres e escravos, dos dados relativos Parquia de Na. As. de Antnio Dias apresentados por MATHIAS, Herculano Gomes. Umrecenseamento na Capitania de Minas Gerais (Vila Rica - 1804, Arquivo Nacional, Rio deJaneiro, 1969, il., p. xxv.

    (8) "os mineiros preferiam os 'minas' exportadas principalmente de Ajud, tanto porserem mais fortes e mais vigorosos do que os bantos, como porque acreditavam teremeles poder quase mgico para descobrir ouro. O Dr. Lus Gomes Ferreira acrescenta queeram, tambm, muito mais corajosos, e mais resistentes s doenas. 'Porque os que sobons quando chegam a dizer que so doentes, esto meio mortos, como eu muitasvezes tenho visto ... e os Angolas nas doenas so muito moles e os de nao Minamuito duros" Boxer, C. R. A Idade de ouro do Brasil, Editora Nacional, So Paulo, 1969,p. 195.

    (9) Dos brancos, 12,5%, eram pobres. Tal porcentagem, aparentemente discrepante,poder ser entendida como resultado de provveis insucessos nos negcios. Para uma

    descrio da atitude dos homens brancos frente ao trabalho e s iniciativas aventureirasveja-se W. L. Eschwege von. Pluto Brasiliensis, Companhia Editora Nacional, So Paulo,s. d., 2 vol.,passim.

    (10) "Carta datada de Sabar a 30/3/1805. Assinada por Baslio Teixeira de S Vedra", inR.A.P.M., ano II, fascculo 3, 1897, p. 673.

    (11) Os legtimos so filhos de forros e demais livres (inclusive brancos); os filhos deescravos raramente so identificados como legtimos (no perodo abarcado por este

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    trabalho todos os nascidos de escravas foram ditos naturais). Os bastardos livres so,em sua maioria, filhos de crioulas ou pardas forras e pardas livres.

    (12) Com base nos assentos da parquia em estudo estabelecemos a distribuio dosbatismos em funo dos dias decorridos do nascimento. Concluiu-se que 94,5% dascrianas nascidas legitimas ou bastardas receberam o batismo nos primeiros 30 dias de

    vida. Para os expostos (estudados parte) a cifra vai a 95,1 %. Os parmetros dascurvas de freqncia so indicados abaixo:

    -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Inocentes Mdia Mediana Moda-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------Expostos 13 dias 10 dias 9 diasDemais 17 dias 13 dias 12 dias-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

    (13) Efetuamos o clculo para o ano de 1800 com base nos assentos, porque nos foi

    possvel determinar a data de nascimento para parcela considervel das crianasfalecidas nesse ano. J para o perodo todo (1799-1801) utilizamos a curva de freqnciapor ns elaborada, pois foi impossvel determinar a data de nascimento de grande partedos falecidos em 1799 e 1801, em razo de lacunas nos assentos de batizados. de senotar a pequena discrepncia entre os valores calculados com base nos dois mtodosde que nos servimos.

    (14) Para o ano de 1800 utilizamos diretamente os cdices. Para o perodo 1799-1801admitimos a taxa de mortalidade infantil da ordem de 240 por mil e calculamos as taxaspor grupo com base nos assentos (batismos e bitos) e na curva de distribuio dosbitos (Cf. grfico 1). Destarte, os resultados para o espao de tempo compreendidoentre abril de 1799 e junho de 1801 aparecem, apenas, como indicadores plausveis.

    (15) impossvel falar sabre os grupos III e VIII no referente s relaes deproporcionalidade entre os grupos sociais porque aparecem, nos grupos em apreo,casos isolados de aneurisma e reumatismo. A discrepncia verificada no grupo IXdevesse ao fato de se tratar de soterrados; com certeza, trabalhadores das minas.

    (16) "Citada a cada passo pelas autores antigos, a hidropisia -- acmulo de lquidoseroso numa cavidade ou no tecido conjuntivo subcutneo -- foi sintoma observado comfreqncia no Brasil Afeces hepticas, crdio-renais e at infestaes parasitriascausaram, no pas, os numerosos casos de hidropisias, relatados pelos escritores dossculos passados", Santos Filho, Lycurgo. Histria da Medicina no Brasil (do sculo XVIao sculo XIX), Brasiliense, So Paulo, 2o. vol, p. 159.

    (17) Marclio, Maria Luza,A Cidade de So Paulo: Povoamento e Populao - 1750/1850,Pioneira e Editora da USP, So Paulo, 1974, passim.

    (18) "Vila Rica est situada ... nas abas meridionais de uma Serra, chamada do OuroPreto, e por isso quase sempre est a Vila coberta de nvoas, que de ordinrio fazempadecer os habitantes, seus defluxos, e so as molstias comuns neste Pas, por serbastante frio", Rocha, Jos Joaquim da, Memria Histrica da Capitania de Minas Gerais,R.A.P.M., ano II, fascculo 3, 1897, p. 445.

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