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zumbi dos palmaresHistórias, símbolos e memória social
de olho em
F L Á V I O D O S S A N T O S G O M E S
Coordenação Lilia Moritz Schwarcz e Lúcia Garcia
Professor adjunto da Universidade Federal do Rio de Janeiro
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Copyright © 2011 by Flávio dos Santos Gomes
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.
Capa e projeto gráficoRita da Costa Aguiar
Imagens de capaZumbi, Antônio Parreiras, óleo sobre tela, s./d. Acervo do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Niterói - RJ (capa)Negra com criança, Albert Eckhout, óleo sobre tela, 1641, 267x178 cm, Museu Nacional da Dinamarca, Coleção Etnográfica (quarta capa)
Pesquisa iconográficaPriscila Serejo
PreparaçãoMaria Fernanda Alvares
RevisãoLuciane Helena GomideValquíria Della Pozza
[2011]Todos os direitos desta edição reservados àeditora claro enigmaRua São Lázaro, 233011030-020 — São Paulo — sp Telefone: (11) 3707-3531www.companhiadasletras.com.brwww.blogdacompanhia.com.br
Gomes, Flávio dos SantosDe olho em Zumbi dos Palmares : histórias, símbolos e memória social / Flávio dos Santos Gomes; coordenação Lilia Moritz Schwarcz e Lúcia Garcia. — São Paulo: Claro Enigma, 2011.
ISBN 978-85-61041-93-91. Brasil — História — Palmares,1630-1695 2. Zumbi, m. 1695 I. Schwarcz, Lilia Moritz. II. Garcia, Lúcia. III. Título.
11-12279 CDD-923.281Índice para catálogo sistemático:
1. Brasil : Imperador : Escravos revolucionários : Biografia 923.181
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)
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7 IntroduCão
13 capítulo i
Reencontrando Palmares
29 capítulo ii
Várias Áfricas em uma
só margem atlântica
42 capítulo iii
Afinal o que (não) sabemos
sobre Palmares?
60 capítulo iv
Biografias e imagens
de Ganga-Zumba e Zumbi
72 capítulo v
O nativismo e a historiografia
81 capítulo vi
Mitos, emblemas e sinais:
o 20 de Novembro
98 Conclusão
Valeu, Zumbi!
101 Leia mais
109 Cronologia de apoio
116 Sugestão de atividades
119 Créditos das imagens
120 Sobre o autor
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capítulo iReencontrando Palmares
No Brasil colonial, Palmares foi a maior comunidade de fugitivos, datando de 1597 a primeira referência a ela. Localizada entre Alagoas e Pernambuco, estabeleceu-se no coração do Império Português no Atlântico sul — expressão que designa a vasta área atlântica entre Europa, América do Sul e África onde os portugueses tiveram suas colônias. Situava-se à distância de 120 quilômetros do litoral pernam-bucano, nas serras, entre as quais a principal era chamada Outeiro da Barriga, onde havia abundância de palmeiras — daí o nome Palmares. Logo se transformou em local de refúgio, existindo não só um mocambo, mas dezenas deles. Nessa região de grande f loresta, os palmaristas, negros do Palmar ou negros dos Palmares — como eram denomina-dos na documentação — construíram suas aldeias ao longo da serra, numa extensão que podia ir do rio São Francisco ao cabo de Santo Agostinho. Entre montanhas e f lorestas de difícil acesso, contavam com proteção natural. Havia caça e pesca abundantes, frutos e raízes, além de suas plantações. Uma definição generosa apareceria um século depois, em 1694, na correspondência trocada entre as autoridades colo-niais e o Conselho Ultramarino:
[...] constam os Palmares de negros que fugiram a seus se-
nhores, de todas aquelas Capitanias circunvizinhas e muitas
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mais como Vossa Majestade terá notícia, com mulheres e fi-
lhos habitam em um bosque de tão excessiva grandeza que
fará maior circunferência de que todo o reino de Portugal.
O exagero da comparação lusitana foi além para ressal-tar que lá
[...] cultivam terras para o seu sustento, com toda a segurança
de se verem destruídos, porque fiados no extenso do bosque
e fechados arvoredos, e mais serranias que discorrem circun-
vizinhas; não logram domicílio certo para haverem de ser
conquistados.
O fato é que os palmaristas se organizaram num am-biente ecológico complexo. Adaptaram-se à geografia local, talvez em áreas semelhantes às savanas e aos planaltos afri-canos. Foram eficientes ao dominar a fauna e a f lora das serras de Pernambuco, fazendo delas aliadas. Protegidos, porém nunca isolados: a economia de Palmares, de base agrícola, não se destinava exclusivamente à subsistência de uma população crescente. Com os excedentes, realizavam trocas mercantis com moradores e lavradores das vilas pró-ximas. Farinha, vinho de palma e manteiga eram trocados por armas de fogo, pólvora, ferramentas e tudo mais de que precisavam nos mocambos. Mesmo dispersos numa extensa área geográfica, havia comunicação entre aldeias e acampamentos, com atividades econômicas que se comple-mentavam. Num mocambo, podia ser produzida manteiga de amêndoa de palma, enquanto, em outro, fabricava-se o vinho dessa árvore.
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Para além do au-mento das fugas, da ocu-pação de terras férteis e da reprodução demográ-fica, eram as articulações mercantis de Palmares que mais preocupavam as autoridades coloniais e, sobretudo, incomoda-vam senhores de enge-nho e grandes lavrado-res. Estava formada ali uma ampla rede social clandestina, na qual não se trocavam apenas bens econômicos. Existiam ar-ticulações em torno dos mocambos, das senzalas, das vilas e dos engenhos — como denúncias de que alguns moradores protegiam os negros do Palmar e de que as expedições pu-nitivas fracassavam por conta de informações conseguidas antecipadamente. Houve quem garantisse que pequenos lavradores e mascates mantinham contato com alguns mo-cambos e mesmo os visitavam, visando estabelecer relações comerciais.
Na metade do século xvii, a população palmarista al-cançava entre 6 mil e 8 mil pessoas, embora alguns cronistas da época ainda com mais exagero falassem de 20 mil a 30
Palmeira africana em ilustração do livro Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola
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mil. Podiam ser mesmo milhares de moradores, divididos em aldeias estáveis e/ou acampamentos improvisados nas bordas das serras e vizinhanças das vilas. Em Palmares, ao que se sabe, os povoados mais importantes eram conhe-cidos pelo nome de sua localização geográfica ou de seus chefes e comandantes militares. Macaco — principal deles e também o mais habitado — era o centro político e adminis-trativo, e funcionava como capital. Alguns povoados eram utilizados como espaços de preparação para os combates. Neles, produziam-se armamentos e armadilhas por conta do estado permanente de guerra e de perseguições, exigindo de Palmares uma organização social militar.
Divisão e articulação formavam a base socioeconômi-ca dos mocambos. Esparsamente dispostos nas serras, os ne-gros do Palmar buscavam proteção, empregando estratégias de defesa. Diante de uma aldeia atacada refugiavam-se em
Una
Macaco
Gôngoro
Subupira
Oiteiro
Osenga
Garanhuns
Dambraganga
Quiloange
Aqualtune
Pedro Capacaça
Acotirene
Cucaú
Tabocas Grande
Quissama
Tabocas Pequeno
Catinga
Andalaquituche
Nome dos mocambos em Palmares que apare-cem na documentação colonial:
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outras próximas. Além de povoados — com cercas e forti-ficações — e plantações bem protegidas, existiam por toda parte acampamentos militares avançados e entrepostos para trocas mercantis. Essas e outras informações são revela-das pelos relatos das expedições punitivas.
Será que essas narrativas eram exageradas tanto para justificar o empenho de alguns governadores da capitania e de militares como para ressaltar os recursos mobilizados na repressão? Provavelmente. De um lado, temores e dificulda-des para a sua destruição e, de outro, uma reprodução de-mográfica crescente fizeram de Palmares bem maior do que foi ou poderia ter sido. Será? Para quaisquer escapadas ou ajuntamentos de fugitivos só se falava em Palmares, talvez se omitindo evasões de grupos semi-isolados nas franjas dos engenhos e nos extensos canaviais que podiam não se ligar necessariamente ao quilombo. No final do século xvii, au-toridades chegaram a afirmar, com exagero, que os palma-ristas se espalhavam até as capitanias de Sergipe, Itamaracá, Paraíba e Rio Grande do Norte.
No entanto, Palmares não precisou crescer para conhe-cer a intolerância e as tentativas de destruição. Em 1602, partiu talvez a primeira expedição contra Palmares, sob a determinação do governador-geral Diogo Botelho. Com o comando do oficial português Bartolomeu Bezerra, foram atacados alguns mocambos. Não sabemos quantas outras expedições foram enviadas nesses primeiros tempos. Mas antes de findar o primeiro quarto do século xvii novos per-sonagens entraram em cena: holandeses invadiram e ocupa-ram a Capitania de Pernambuco. Além das plantações de cana, da reorganização dos engenhos, do comércio do açú-
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car, do controle do tráfico atlântico nas feitorias africanas, da organização arquitetônica de Olinda e da administração das companhias de comércio, Palmares também demanda-va preocupação dos holandeses. Em 1644, com a ajuda de espiões, foi organizada a primeira expedição holandesa, sob o comando do capitão Rodolfo Baro.
No ano seguinte, houve mais uma, comandada pelo ca-pitão João Blaer. Resultado: roças destruídas, fugitivos cap-turados e mocambos localizados. As fontes que até agora co-nhecemos — especialmente da fase holandesa de ocupação
Combate entre holandeses e portugueses (1640), pintura a óleo de Gilles Peeters
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