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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP
PROGRAMA DE HISTRIA
LUCAS CANDIDO DE OLIVEIRA
Festa de Santos Reis: Patrimnio Imaterial de So
Sebastio do Paraso Minas Gerais
MESTRADO EM HISTRIA SOCIAL
SO PAULO
2015
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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP
PROGRAMA DE HISTRIA
LUCAS CANDIDO DE OLIVEIRA
Festa de Santos Reis: Patrimnio Imaterial de So
Sebastio do Paraso Minas Gerais
MESTRADO EM HISTRIA SOCIAL
Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Histria Social, sob a orientao do Professor Doutor Luiz Antnio Dias.
SO PAULO 2015
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FOLHA DE APROVAO
Lucas Candido de Oliveira
Festa de Santos Reis: Patrimnio Imaterial de So Sebastio do Paraso Minas
Gerais
Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do ttulo de Mestre em Histria Social.
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. __________________________________________________________
Instituio: _______________________ Assinatura: _______________________
Prof. Dr. __________________________________________________________
Instituio: _______________________ Assinatura: _______________________
Prof. Dr. __________________________________________________________
Instituio: _______________________ Assinatura: _______________________
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente a Deus, pelo dom da vida.
Aos meus santos de devoo: Santos Reis e Santo Antnio de Pdua, pelo suporte
espiritual.
Capes e CNPq, pelas bolsas de estudos que possibilitaram este trabalho de
investigao..
Ao meu orientador, Prof. Dr. Luiz Antnio Dias, pela ateno concedida pesquisa.
banca da qualificao: Profa. Dra. Estefnia Knotz Ganguu Fraga e Prof. Dr.
Vagner Carvalheiro Porto, pelas relevantes contribuies.
Aos meus pais: Roldo Cndido de Oliveira e Olanda Aparecida de Oliveira, pela
educao e apoio.
minha irm Joice Aparecida de Oliveira, pelo carinho e apoio.
Aos folies e amigos da Companhia de Santos Reis Barreiro e gua Limpa, pela
convivncia cultural e entrevistas.
equipe do Departamento Municipal de Cultura de So Sebastio do Paraso, pelo
apoio e entrevistas.
minha prima Ins Oliveira de Souza, pela acolhida e apoio durante o percurso.
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OLIVEIRA. Lucas Cndido de. Festa de Santos Reis: Patrimnio Imaterial de So Sebastio do Paraso Minas Gerais. 2015. 164 f. Dissertao de Mestrado em Histria Social Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), So Paulo, 2015.
RESUMO Esta pesquisa tem como fio condutor a Cultura Popular do interior do estado de Minas Gerais, precisamente a Festa de Santos Reis do municpio de So Sebastio do Paraso, e trouxe como problemtica o reconhecimento dessa festividade como bem cultural imaterial do municpio, bem como a proposta de proteo jurdica atravs do Registro, utilizando como aporte a Constituio Federal de 1988, a qual introduziu os bens de natureza imaterial na modalidade de Patrimnio Cultural. O recorte temporal engloba os anos de 2001 a 2015, pois a Festa teve uma interrupo entre 1999 e 2000, retornando no ano seguinte e permanecendo at os dias atuais. Por se tratar de uma pesquisa que aprecia os sujeitos histricos comuns, as fontes bibliogrficas so escassas e, para conseguir suprir essas lacunas, foi utilizada a metodologia da Histria Oral. Devido importncia da Festa para a comunidade detentora, foram analisadas as legislaes que dispem sobre a proteo jurdica dessa Cultura Popular, bem como os mecanismos utilizados pelo estado para proteger seus bens culturais, tais como a Deliberao Normativa 02/2015 do Conep (Conselho Estadual do Patrimnio Cultural), que rege o rateio do ICMS-Patrimnio Cultural em todo o estado de Minas Gerais. A dissertao prope, por fim, o Registro em nvel municipal da Festa de Santos Reis do municpio de So Sebastio do Paraso como Patrimnio Cultural Imaterial, juntamente com o Plano de Salvaguarda e sua inscrio no Livro de Registro das Celebraes.
Palavras-chave: Cultura Popular Festa de Santos Reis Patrimnio Cultural Registro So Sebastio do Paraso
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OLIVEIRA. Lucas Candido. Feast of Three Kings: Intangible Heritage of So Sebastio do Paraso Minas Gerais. 2015. 164 f. Dissertation in Social History Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP), So Paulo, 2015.
ABSTRACT
This study was guided by the the Popular Culture in the state of Minas Gerais, more accurately the Festa dos Santos Reis in So Sebastio do Paraso and it was contextualized the festivity as an immaterial cultural asset in the city and proposed its legal protection through the "Registry", based on the Federal Constitution of 1988 that introduced the immaterial nature goods as Cultural Heritage mode. The study included a time frame from 2001 to 2015, because the Festa dos Santos Reis had a break between 1999 and 2000, returning the following year and remained to the present day. Because this research appreciates the common historical subjects, bibliographic sources are scarce, and to overcome those gaps we used the method of Oral History. Due to the importance of the Party which holds the community we analyzed the legislation which provides the legal protection of this popular culture, and the mechanisms used by the State to protect its cultural property, such as the Normative Resolution 02/2015 of Conep (State Council of Cultural Heritage) governing the apportionment of ICMS-Cultural Heritage throughout the state of Minas Gerais. This dissertation proposes to "Register", at the municipal level, the Festa dos Santos Reis of So Sebastio do Paraso, as an Intangible Cultural Heritage, along with the Safeguard Plan and its registration in the Celebrations Register Book. Keywords: Popular Culture Feast of Three Kings Cultural Heritage Log So Sebastio do Paraso
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LISTA DE SIGLAS
BI: Bens Imveis
BM: Bens Mveis
COMPAC: Conselho Municipal de Patrimnio Cultural
Conep: Conselho Estadual do Patrimnio Cultural
CNRC: Centro Nacional de Referncia Cultural
Cooparaso: Cooperativa Regional dos Cafeicultores de So Sebastio do Paraso
Coopercitrus: Cooperativa de Produtores Rurais
Cooxup: Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxup
CP: Conjunto Paisagstico
CPC: Centro Popular de Cultura
DPI: Departamento do Patrimnio Imaterial
EP: Educao Patrimonial
FNPM: Fundao Nacional Pr-memria
FU: Fundo Municipal de Preservao do Patrimnio Cultural em Bens Culturais
Protegidos
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
ICMS: Imposto sobre Operaes Relativas Circulao de Mercadorias e sobre
Prestaes de Servios de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicao
IDEB: ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica
IEPHA-MG: Instituto Estadual do Patrimnio Histrico e Artstico de Minas Gerais
INRC: Inventrio Nacional de Referncias Culturais
INV: Inventrio de Proteo do Patrimnio Cultural
IPHAN: Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
NH: Ncleo Histrico
ONU: Organizao das Naes Unidas
PCL: Planejamento e Poltica Municipal de Proteo do Patrimnio Cultural e outras
aes
PNPI: Programa Nacional do Patrimnio Imaterial
PPC: ndice de Patrimnio Cultural
RI: Registro de bens imateriais
SEMPAC: Setor Municipal de Patrimnio Cultural
Sphan: Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional
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Unesco: Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura
VAF: Valor Adicionado Fiscal
LISTA DE MAPAS
Mapa 1: Estado de Minas Gerais, localizao da cidade de So Sebastio do Paraso. ..................................................................................................................... 56
LISTA DE CROQUIS
Croqui 1: Representao de um percurso que formaria o smbolo da cruz. ............. 99
Croqui 2: Representao de um percurso realizado pelos folies para evitar a formao do smbolo da cruz. ................................................................................... 99
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Bens registrados pelo IPHAN. ................................................................... 44
Tabela 2: Bens registrados pelo IEPHA/MG. ............................................................ 44
Tabela 3: Bem registrado pelo municpio de So Sebastio do Paraso ................... 45
Tabela 4: Quantitativo de Folias de Reis inventariadas em Minas Gerais pelo ICMS-Patrimnio Cultural at o ano de 2014. Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de dados retirados do projeto Folia de Minas do IEPHA, 2015. ................................ 134
Tabela 5: Elaborao do Plano de Salvaguarda. Fonte: Elaborado pelo autor, a partir de dados retirados do projeto Folia de Minas do IEPHA, 2015. ............................ 135
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Fotografia 1: Bandeira de Santos Reis (Cia. Pedroso). Jan/2012. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ................................................................................................... 46
Fotografia 2: Bandeira de Santos Reis (Cia. Barreiro e gua Limpa). Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso ............................................................................. 46
Fotografia 3: Devoto beijando a Bandeira de Santos Reis. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso .................................................................................................... 48
Fotografia 4: Devoto beijando a Bandeira de Santos Reis. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso .................................................................................................... 48
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Fotografia 5: Mscara de palhao com chapu de palha (Cia. Morro Vermelho). Jan/2013. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira.......................................................... 48
Fotografia 6: Mscara de palhao com cone (Cia. Barreiro e gua Limpa). Jan/2014. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira .......................................................................... 48
Fotografia 7: Palhaos ou Alferes da Companhia de Reis Pedroso. Jan/2010. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira. ......................................................................... 53
Fotografia 8: Palhaos ou Alferes da Companhia de Reis Barreiro e gua Limpa. Jan/2014. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira.......................................................... 53
Fotografia 9: Desfile noturno de um terno de Congo. Dez/2013. Arquivo: Departamento Municipal de Cultura .......................................................................... 66
Fotografia 10: Desfile noturno de um terno de Moambique. Dez/2013. Arquivo: Departamento Municipal de Cultura .......................................................................... 66
Fotografia 11: Orao do tero de Santo Antnio. Jun/2015. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ................................................................................................................. 69
Fotografia 12: Fogueira de So Joo. Jun/2015. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira .................................................................................................................................. 69
Fotografia 13: Barraca improvisada com bambu e lona para receber a Cia. de Reis. Dez/2009. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira..........................................................74
Fotografia 14: Barraca improvisada com bambu e lona para receber a Cia. de Reis. Dez/2009. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira. ........................................................ 74
Fotografia 15: Presena da mulher entre os cantadores. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso .................................................................................................... 79
Fotografia 16: Presena da mulher entre os instrumentistas. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso.....................................................................................................79
Fotografia 17: Companhia de Reis Barreiro e gua Limpa. Folies. Jan/2010. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira .......................................................................... 80
Fotografia 18: Companhia de Reis Barreiro e gua Limpa. Folies. Jan/2013. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira .......................................................................... 80
Fotografia 19: Dana da Meia Lua. Dez/2009. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ....................................................................................................................................83
Fotografia 20: Dana da Meia Lua. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso .....83
Fotografia 21: Concentrao de carros acompanhando o trajeto. Dez/2010. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ........................................................................................ 93
Fotografia 22: Transporte dos folies. Vista interna. Jan/2013. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ................................................................................................... 93
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Fotografia 23: Famlia reunida segurando a Bandeira. Dez/2013. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ................................................................................................... 95
Fotografia 24: Famlia segurando individualmente. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso.....................................................................................................95
Fotografia 25: Lanche oferecido: biscoito, pau a pique, suco e caf. Jan/2014. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira .......................................................................... 97
Fotografia 26: Lanche oferecido: queijo, po, bolo e caf. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso.....................................................................................................97
Fotografia 27: Translado de casas para evitar cruzar a Bandeira. Jan/2010. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira .......................................................................... 99
Fotografia 28: Translado de casas para evitar cruzar a Bandeira. Jan/2012. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira .......................................................................... 99
Fotografia 29: Prespio. Jan/2013. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ................ 101
Fotografia 30: Prespio. Jan/2014. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ................101
Fotografia 31: Estrela no portal indicando prespio. Jan/2013. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ................................................................................................. 102
Fotografia 32: Estrela no portal indicando Prespio. Jan/2014. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ................................................................................................. 102
Fotografia 33: Comunidade preparando o arco para a Companhia de Reis. Detalhe: corao de rosas no cho. Jan/2010. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ............ 106
Fotografia 34: Arco de bambu. Detalhe: dois coraes de flores ao lado do arco. Jan/2013. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira........................................................ 106
Fotografia 35: Mesa preparada para servir a refeio. Jan/2009. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ................................................................................................. 113
Fotografia 36: Preparao do almoo. Jan/2010. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira.....................................................................................................................113
Fotografia 37: Jantar sendo servido no encerramento das festividades. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso ........................................................................... 115
Fotografia 38: Jantar sendo servido no encerramento das festividades. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso ........................................................................... 115
Fotografia 39: Folies de mos dadas antes do encerramento das festividades. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso........................................................... 116
Fotografia 40: Folies de mos dadas antes do encerramento das festividades. Detalhe: Bandeira ao centro. Jan/2015. Arquivo: Jos Aparecido Pedroso ............ 116
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Fotografia 41: Comunidade reunida assistindo chegada. Jan/2013. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira ................................................................................................. 118
Fotografia 42: Comunidade reunida assistindo chegada. Jan/2014. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira..................................................................................................118
Fotografia 43: Devota pagando promessa. Dez/2012. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira .................................................................................................................... 119
Fotografia 44: Devota pagando promessa. Dez/2013. Arquivo: Lucas Candido de Oliveira .................................................................................................................... 119
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SUMRIO
INTRODUO ................................................................................................. 13
CAPTULO 1: A CONCEPO DE PATRIMNIO CULTURAL E O MUNICPIO DE SO SEBASTIO DO PARASO .................................................................... 28
1.1 A Cultura Popular se transforma em Patrimnio Imaterial ...................... 29
1.2 O municpio de So Sebastio do Paraso e suas culturas populares ... 56
CAPTULO 2: A FESTA DE SANTOS REIS NO CAMPO ............................... 76
2.1 A organizao da Companhia de Reis.................................................... 76
2.2 O giro e suas conjunturas ..................................................................... 93
CAPTULO 3: A POLTICA PBLICA DO PATRIMNIO IMATERIAL DE SO SEBASTIO DO PARASO ........................................................................... 123
3.1 A relao do Instituto Estadual do Patrimnio Histrico e Artstico de Minas Gerais (IEPHA-MG) com os municpios mineiros ....................................... 123
3.2 O Registro como mecanismo de proteo da Cultura Popular ............. 137
CONSIDERAES FINAIS ........................................................................... 154
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .............................................................. 157
FONTES ......................................................................................................... 161
ENTREVISTAS .............................................................................................. 163
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INTRODUO
A Festa de Santos Reis um evento cultural popular conduzido por
um eixo religioso catlico, representado por um grupo social, composto em
mdia por 15 pessoas que simbolizam a viagem dos Trs Reis Magos
procura do Menino Jesus. As festividades compreendem o perodo de 24 de
dezembro a 06 de janeiro, sendo esta ltima data consagrada, no calendrio
catlico, ao dia de Santos Reis.
Meu primeiro contato com um grupo de Companhia de Santos Reis
aconteceu ainda na infncia, atravs de uma visita feita em minha casa,
situada no permetro rural (campo) do municpio de So Sebastio do Paraso
Minas Gerais. Meus pais sempre participaram das Festas de Santos Reis e
tambm recebiam os grupos que passavam no bairro. Ainda criana comecei a
participar eventualmente dos festejos carregando o estandarte de Santos Reis
em algumas casas. Nesse perodo, meus pais se mudaram para um bairro
mais distante onde no havia a Festa de Reis, mas, mesmo assim,
retornvamos nos dias festivos para confraternizar com os antigos vizinhos e a
comunidade.
Em 1988, entretanto, a comunidade encerrou as festividades,
retomando-as apenas em 2001, momento em que fui convidado pelo festeiro
responsvel daquele ano para me integrar ao grupo na posio de bandeireiro
(pessoa que carrega o estandarte). Aceitei o convite e continuei participando
todos os anos, efetivamente, da Festa.
Contudo, acabei mudando minha funo no grupo no ano de 2006. O
motivo se refere a uma promessa que fiz para conseguir aprovao no
vestibular na rea de Histria. Tendo em vista que sempre fui aluno da rede
pblica de ensino, a probabilidade de conseguir aprovao no vestibular de
uma universidade pblica era considerada praticamente impossvel naquele
momento, por isso no trmino do ano de 2006 pedi a intercesso de Santos
Reis para ingressar na Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho
UNESP Campus Franca.
comum, nas festividades de Santos Reis, pessoas que fazem
algum tipo de pedido (promessa) aos padroeiros, a fim de superar alguma
dificuldade e/ou obstculo para atingir um objetivo maior. A credibilidade na
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intercesso dos Santos para auxiliar no momento desejado muito forte e,
quando o devoto contemplado com aquilo que pediu, deve fazer a sua parte,
ou seja, cumprir o que prometeu no princpio. A minha promessa foi a seguinte:
caso conseguisse xito no vestibular iria vestir a fantasia de palhao na
prxima Festa. Essa posio no tem sentido hierrquico entre os integrantes,
mas sim outra funo, que a de, em vez de carregar o estandarte, agora eu o
protegeria com o papel de guarda da Bandeira. Apesar da promessa de
vestir a fantasia compreender apenas um ano, acabei permanecendo no posto
at os dias atuais.
Para me tornar palhao tive que aprofundar meus conhecimentos
na profecia de Santos Reis e entender as conjunturas da Festa, conhecimento
este no muito exigido na funo de bandeireiro. Tive que aprender a
improvisar versos, pois todos devem ser rimados, o que exige tambm
criatividade e originalidade, uma vez que temos que ter o bom senso entre o
que sagrado e o que profano, sem misturar a f com a brincadeira. Minha
base foi um livro de um autor de So Sebastio do Paraso, Luiz Ferreira
Calafiori, Manual de Folia de Reis (1993), que ensina inmeros versos de
saudao s casas, sobre os prespios, entre outros, alm de alguns que
aprendi por meio da oralidade, com pessoas mais velhas que participavam e
outras que ainda participam das festividades, conseguindo resgatar algumas
linhas de Reis (poemas) consideradas antigas.
Enquanto cursava a graduao em Histria, ingressei, atravs de
concurso pblico, no Departamento Municipal de Cultura, no setor de
Patrimnio Cultural. Com isso tive contato com a legislao de proteo do
Patrimnio Cultural de So Sebastio do Paraso e a profisso me exigiu
aprofundamento no assunto, afim de desenvolver diversos projetos de
educao patrimonial que conscientizassem a populao paraisense. E mais, a
formulao de alguns projetos de lei para apresentao Cmara Municipal
objetivando a preservao do Patrimnio Histrico, Artstico e Cultural do
municpio. Com o passar do tempo, tornei-me chefe do Setor de Patrimnio
Cultural, por meio de nomeao do Prefeito Municipal, devendo responder pelo
Setor na esfera municipal, estadual e federal. Mesmo com a mudana de
administrao, nas eleies de 2012, permaneci no cargo em defesa dos bens
culturais at o ano de 2014, pedindo afastamento para concluir o mestrado.
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Tendo em vista minha trajetria profissional e pessoal, acredito que,
como pesquisador, deveria aprofundar no tema Festa de Reis utilizando as
diversas fontes disponveis pela historiografia como forma de salvaguarda
dessa cultura popular que se transforma a cada ano. Sendo assim, resolvi
trazer como problemtica, para a pesquisa, o reconhecimento dessa Festa
como Patrimnio Imaterial do municpio de So Sebastio do Paraso-MG e a
proposta de proteo jurdica, atravs do Registro, desse bem cultural no
municpio. Os objetivos principais deste trabalho so, portanto: analisar a
Festa, como representao da cultura popular do municpio; analisar sua
execuo, descrevendo as particularidades ritualsticas; apresentar a viso da
comunidade sobre os festejos; justificar o motivo da Festa de Reis ser um
Patrimnio Imaterial; e apresentar a proposta do plano de salvaguarda para
que esta Festa permanea viva na comunidade.
Cabe ressaltar que os mecanismos para a identificao dessa Festa
enquanto Patrimnio Cultural somente foram possveis com a Constituio
Federal de 1988, a qual introduziu os bens de natureza imaterial, como as
festas, lugares, saberes, modos de fazer, formas de expresso, celebraes,
na modalidade de Patrimnio Cultural do Brasil. Lembremos que o termo
Patrimnio obteve novo significado com a Carta Magna de 1988, pois
substituiu a nomenclatura de Patrimnio Histrico e Artstico (utilizada em todas
as instncias nacionais e internacionais) por Patrimnio Cultural com a
inteno de ampliar o campo de anlise, inserindo os bens imateriais. A partir
da foram organizados diversos encontros com o propsito de formular leis para
salvaguardar essa modalidade patrimonial, sendo seu estudo ainda recente na
historiografia brasileira. At ento, as constituies federais traziam somente os
bens materiais como categoria de Patrimnio Cultural. Entendemos por
Material todos os bens fsicos classificados em: mveis (obras de arte, objetos,
documentos em suas diversas formas, ferramentas, dentre outros) ou imveis
(edificaes, conjuntos urbanos, paisagsticos, artstico, arqueolgico,
paleontolgico, dentre outros).
O primeiro ato jurdico de preservao do Patrimnio Histrico foi
institudo pelo Decreto Lei n25 de 1937, ainda em vigor, estabelecendo o
Tombamento como mecanismo jurdico de preservao do Patrimnio Material
mvel e imvel. Para ser tombado, o bem material deveria apresentar
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requisitos que fossem de interesse pblico, contemplando principalmente os
bens imveis monumentais com evidente valor esttico e artstico, conhecidos
como pedra e cal, ou seja, representantes da elite brasileira. Aps o
reconhecimento histrico e artstico, o bem seria inscrito em um livro
denominado Livro do Tombo, sendo especificados no artigo 4 do referido
Decreto, ou seja, Livro do Tombo Arqueolgico, Etnogrfico e Paisagstico;
Livro do Tombo Histrico; Livro do Tombo das Belas Artes; Livro do Tombo das
Artes Aplicadas. Somente depois de inscrito em um dos livros o bem estaria
protegido. O artigo 17 do Decreto-Lei n 25 estabelece as diretrizes que
devero ser seguidas para proteger os bens tombados:
As coisas tombadas no podero, em caso nenhum, ser destrudas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prvia autorizao especial do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cinquenta por cento do dano causado. (BRASIL, 1937)
Verifica-se, atravs deste artigo, que o Tombamento um
mecanismo eficiente para a proteo do Patrimnio Material, impedindo sua
descaracterizao. Apesar da jurisdio sobre a penalidade s pessoas que
infringirem os bens tombados, essa legislao dificilmente colocada em
prtica por ser abstrato o valor concedido (incalculvel), pois nem sempre o
que prevalece o valor material, mas sim o valor agregado ao bem pela
comunidade detentora.
Lembremos ainda que Tombamento difere de Registro, sendo
este ltimo utilizado como ferramenta jurdica para proteger os bens de
natureza imaterial, instrumento que ser discutido no decorrer desta
dissertao. Alm do Registro, outra proteo jurdica aos patrimnios
imateriais o Inventrio. A diferena entre o Registro e o Inventrio que
aquele possui um Dossi de Registro, que assim descrito nas palavras da
analista tcnica do IEPHA, Dbora Raiza Carolina Rocha e Silva:
O dossi de registro um compilado de documentos administrativos e tcnicos, tais como documentrios, entrevistas, que compe a histria de um determinado bem cultural que a gente estiver avaliando. A diferena entre inventrio e dossi de registro que o dossi a ferramenta
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efetiva de proteo e o inventrio mais um instrumento de
identificao e mapeamento1.
Um pas, um estado, ou um municpio pode conter diversos
patrimnios materiais e imateriais em seu meio, pois cada regio expressa sua
cultura de uma forma, o que faz com que o patrimnio seja nico, isto ,
exclusivo daquele lugar. Essa pesquisa tem como fio condutor o
reconhecimento da Festa de Santos Reis como Patrimnio Cultural de So
Sebastio do Paraso-MG, por esse motivo uniu-se diversos documentos que
levam a evidenciar que a referida Festa representa a identidade cultural desta
cidade. No ser o primeiro bem a ser registrado municipalmente, uma vez que
foi reconhecida a Festa da Congada e Moambique como patrimnio imaterial
de So Sebastio do Paraso em 2010. Os bens culturais no se esgotam por
serem representantes da cultura de um povo, ou seja, podem ser considerados
como cultura viva, principalmente se pegarmos como exemplo os de natureza
imaterial.
O referido municpio completou, em 2015, 194 anos, e ao longo de
sua trajetria diversas Festas de Santos Reis deixaram de existir; em
contrapartida, outras iniciaram, porm esta pesquisa abrange, particularmente,
o perodo de 2001 a 2015 como recorte temporal, momento em que a Festa
selecionada para o estudo foi retomada, aps uma interrupo de dois anos.
Este fato da reestruturao e a minha participao no grupo foram os critrios
utilizados para escolher determinada Festa, uma vez que no municpio
acontecem outras 23 festas de Santos Reis, sendo a grande maioria no
perodo natalino, ou seja, algumas festas acontecem em outros momentos
durante o ano.
A Festa de Santos Reis da comunidade Barreiro e gua Limpa foi
escolhida entre as demais por trazer a religiosidade como fora motriz; por
seguir rituais hereditrios salvaguardados pela memria dos sitiantes mais
antigos do bairro; por percorrer somente a rea rural; e mais, por ser realizada
pelo trabalho da prpria comunidade, sem apoio financeiro de empresas e/ou
outros meios.
1 Dbora Raiza Carolina Rocha e Silva, historiadora e Analista Tcnica da Gerncia de
Patrimnio Imaterial do IEPHA. Entrevista concedida ao autor em 17/09/2015 na cidade de Arceburgo-MG.
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Para pesquisar a Festa de Reis utilizei, alm das fontes bibliogrficas,
as iconogrficas, orais, musicais e entrevistas. Atravs das fontes escritas e
orais, veio luz o mbito dinmico da cultura popular, contemplando as
conjunturas da Festa de Santos Reis na Histria Cultural. A fonte oral
contribuiu muito no desenvolvimento da pesquisa, uma vez que a Festa abriga
diversos eventos que no so encontrados nas fontes escritas, alm de
conceber sujeitos histricos comuns com grandes conhecimentos especficos.
A pesquisa de campo foi possvel, com riqueza de detalhes, uma vez
que convivo com os folies desde 2001. Percebi, enquanto integrante, que os
rituais e impactos deveriam ser registrados, pois se transformam com o passar
dos anos e alguns caem no esquecimento das pessoas, por isso busquei, com
a atitude de um historiador, pesquisar os pormenores de uma festa popular que
se tornou intensa principalmente no campo.
Para desenvolver qualquer pesquisa o historiador deve ter bases
historiogrficas que o conduzam a pesquisar, problematizar, compreender e
escrever sobre o fato contemplado. Este estudo, portanto, alm de trazer as
particularidades da Festa de Reis, tambm faz levantamentos historiogrficos
sobre a Histria Cultural e o que levou a academia a ter a concepo atual de
Cultura Popular, tradio e, ainda, uma anlise sobre o Patrimnio Cultural e as
diretrizes de preservao.
Com a Nova Histria Cultural francesa a cultura ganhou novas
interpretaes [...] trata-se, antes de tudo, de pensar a cultura como um
conjunto de significados partilhados e construdos pelos homens para explicar
o mundo (PENSAVENTO, 2014, p. 15). Esses significados se transformam em
smbolos que vo ser compreendidos nos grupos sociais com sentidos comuns.
Vale ressaltar o significado de smbolos enquanto parte da representao de
um grupo, pois como diz Chartier [...] a tradio do idealismo crtico designa
assim por forma simblica todas as categorias e todos os processos que
constroem o mundo como representao [...] (1990, p. 19). Essas
representaes se tornam fundamentais quando estabelecem um elo com as
identidades dos grupos sociais, pois se no forem reconhecidas como uma
unio fica difcil identific-las como smbolo. A questo simblica funciona
como uma ligao entre um elo e outro, estabelecendo uma verdadeira
linguagem. O dilogo com a antropologia possibilitou a aproximao com o
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povo, permitindo que se quebrassem diversas barreiras que limitavam o olhar
para a cultura, com a dita cultura popular tornando esse tema recorrente para a
historiografia, tanto na terceira quanto na quarta fase da Escola dos Annales.
Seguindo o eixo condutor da quarta gerao dos Annales, o trabalho
que envolve o tema Cultura proporciona uma verdadeira viagem nos campos
da imaginao e veracidade e, mesmo parecendo contraditrio, torna-se um
fato real. Ao passar pelos modos de fazer, falar, costumes, valores, identidades
descobre-se algo que no est totalmente desvendado, mas vai se mostrando
por si s, tornando-se uma representao de um povo que acredita e se faz
acreditar.
A Cultura Popular to estudada e debatida na academia acaba se
transformando com o tempo, descobrindo novas fontes de pesquisa e,
consequentemente, dedicando-se aos pequenos casos, que se revelam
carregados de conhecimentos, significados e magia. A Histria Cultural
possibilita o estudo de novas reas de pesquisa, tendo em vista que sua linha
de estudo trilha caminhos inditos na historiografia, a partir dos derrotados e
no dos vencedores, e nem dos grandes heris, mas sim ouvindo pessoas
comuns e principalmente valorizando cada ser com sua expresso cultural.
Exemplo disso foi o estudo de Ginsburg (2006) a partir de Menocchio, um
sujeito histrico annimo utilizado pelo autor para retratar uma poca.
Segundo Chartier, a histria cultural tem como objetivo a
identificao do fato social em suas diversas conjunturas, respeitando cada
realidade, isto , [...] identificar o modo como em diferentes lugares e
momentos uma determinada realidade social construda, pensada, dada a ler
[...]. (1990, p. 16-17), pois, atravs das conjunturas de cada local, pode-se
aproximar do evento histrico, as particularidades enriquecem a pesquisa,
tornando-a mais autnoma, j a superficialidade, a generalizao se distanciam
do objeto pesquisado. Alm disso, as representaes expressas pelo
historiador so frutos de interesse, ou seja, sempre exposto aquilo que
interessa quele grupo, os valores e as identidades. J o que no faz jus s
representaes, descartado. Isso possibilita uma releitura do fato histrico,
pois no se chega a uma explorao total do tema, uma vez que entre o jogo
de interesse sempre h algo que pode ser includo na anlise, principalmente
quando o objeto se trata da Cultura Popular.
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O termo cultura popular abrange, na historiografia, diversos
sentidos, ou seja, com o passar do tempo, vai ganhando novas interpretaes
e reinterpretaes de acordo com as conjunturas estabelecidas. Distinguir o
termo popular dos outros no uma tarefa fcil. Primeiramente o
colocaramos o mais distante possvel do que conhecemos por elite, mas para
definir o popular seriam necessrias anlises mais aprofundadas, envolvendo
um vis histrico cultural, social, econmico e poltico, pois o popular se firma
com caractersticas prprias e bem definidas, embora tambm receba
influncias da cultura dominante e vice-versa. Por isso, torna-se perigoso, no
entendimento das reas culturais, identificar a cultura erudita como a dos
letrados e a cultura popular como a dos no letrados. A ideia de Cultura Erudita
estaria ligada ao conhecimento, [...] a elite detm o poder porque possui o
saber [...] (CHAUI, 1986, p. 29), permitindo assim o desenvolvimento
intelectual e a criatividade; j na outra ponta, encontra-se a Cultura Popular,
conduzida pelo povo inculto, ignorante, desprovido de saber e repleto de
crendices. Por esse motivo o povo deveria ser vigiado e disciplinado pelos
eruditos, ou seja, a fora de dominao. Torna-se perigoso classific-las dessa
forma por no levar em considerao suas particularidades e mais ainda pela
questo do dilogo entre uma e outra, pois a Cultura Popular
[...] era oral, transmitida informalmente (nas casas, ruas, praas, etc) por meio de idiomas e dialetos vernculos. [...] Os leigos, de seu lado, no desconheciam a cultura clerical, que de certa forma fazia parte de suas vidas atravs da liturgia crist, dos sermes, das modalidades de comportamento impostas pela Igreja. Essas intensas trocas eram alimentadas e alimentavam a cultura intermediria, aquela praticada, em maior ou menor medida, por quase todos os membros de uma dada sociedade, independentemente de sua condio social [...]. (FRANCO JR., 2004, p. 103)
Sabemos que o destaque aos grandes sujeitos polticos abafava o
povo comum das diversas vilas e pequenos bairros. A forma como a Histria
era vista fazia com que se descartasse qualquer resqucio do sujeito comum,
pois esses documentos no seriam importantes para a historiografia,
dificultando assim um estudo aprofundado sobre o povo. O que era guardado,
arquivado, remetia a um povo selecionado com importncia na sociedade,
proveniente de um cargo de destaque ou de uma famlia com grande poder
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monetrio. Todavia, com a introduo da Histria Oral, o percurso recebeu
novos enfoques. Sabe-se que a primeira experincia com a Histria Oral
aconteceu entre os anos de 1960 e 70, nos Estados Unidos, e a partir da essa
metodologia conquistou a historiografia, expandindo-se por diversos pases.
Essa nova ferramenta permitiu maior aproximao com o povo
comum e, com isso, novos pontos de vista foram surgindo, pois eram ouvidas
pessoas que, mesmo participando diretamente do evento, eram excludas dos
relatos ou documentos por no serem vistas como protagonistas da Histria.
As primeiras pesquisas que trazem os grupos sociais comuns so relacionadas
aos operrios, que defendiam suas causas atravs de greves ou organizaes
sindicais. O dilogo direto com os sujeitos histricos permitia maior amplitude
nas pesquisas, alm de abranger pontos que eram descartados pelos
dominantes, talvez pontos fundamentais para originar tais conflitos.
Tudo aquilo que se analisa sobre qualquer grupo social se torna
importante dentro de uma problemtica levantada pelo historiador, ou seja, no
sentido mais geral, uma vez que a experincia de vida das pessoas de todo
tipo possa ser utilizada como matria-prima, a histria ganha nova dimenso
[...] (THOMPSON, 1992, p. 25). A Histria Oral foi bem adaptada nas
pesquisas de campo, pois era utilizada a interdisciplinaridade para conseguir
alcanar seus objetivos. O dilogo entre a Histria e outras reas do
conhecimento (antropologia, sociologia, lingustica, folcloristas, por exemplo)
proporcionou um avano da oralidade como fonte de pesquisa.
A Festa de Reis um smbolo da oralidade pois, atravs dos versos
improvisados, a msica consegue se propagar entre as pessoas, sendo
transmitida sem formalidades entre as geraes. Na maioria das vezes os
folies so pessoas simples, que no esto ligados diretamente leitura,
semianalfabetos, logo, no preservam sua cultura atravs da escrita, mas sim
da oralidade.
Ao mesclar as evidncias das entrevistas, os historiadores
conseguem dinamizar as pesquisas pela quantidade de fontes disponveis para
a anlise direta. As referncias bibliogrficas so importantes no estudo,
embora no consigam completar todas as lacunas existentes. A unio entre
estes dois mtodos (bibliografia e oralidade) fundamental para a riqueza de
detalhes e preciso a que se pode chegar, pois alguns pontos de vista no
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esto disponveis nos livros, tendo em vista que foram descartados pelos
autores no decorrer do tempo, sendo selecionados apenas os mais
importantes, que geralmente fazem meno ao setor dominante.
Diversos documentos produzidos em diferentes pocas, tais como
censo, registros ou estatsticas sociais em geral, foram baseados em
entrevistas e, por esse motivo, tambm no podem ser considerados como
totalmente seguros, ou seja:
Em suma, as estatsticas sociais no representam fatos absolutos mais do que notcias de jornais, cartas privadas, ou biografias publicadas. Do mesmo modo que o material de entrevistas gravadas, todos eles representam, quer a partir de posies pessoais ou de agregados, a percepo social dos fatos; alm disso, esto todos sujeitos a presses sociais do contexto em que so obtidos. Com essas formas de evidncia, o que chega at ns o significado social, e este que deve ser avaliado. (Ibidem, p. 145)
Isso significa que as fontes escritas e documentadas no tem um
valor maior que as orais, isto , os documentos histricos so firmados a partir
de diferentes conjunturas, devendo sempre ser questionados, pois como afirma
Portelli a histria oral no tem sujeito unificado; contada de uma
multiplicidade de pontos de vista, e a imparcialidade tradicionalmente
reclamada pelos historiadores substituda pela parcialidade do narrador
(1997, p. 39), ou seja, essa parcialidade tem o sentido de assumir uma posio
contrria ou a favor do fato contado, uma vez que o narrador expe seu ponto
de vista ao relatar.
O entrevistador deve tomar cuidado para no se deixar influenciar na
pesquisa, pois sua experincia acaba danificando aquilo que foi colhido atravs
de uma m interpretao, ou seja, nas manipulaes informais de
entrevistadores e de analistas, que buscam ajustar os resultados que
encontram ao que eles prprios percebem como concluses verossmeis
(THOMPSON, 1992, p. 159). Outro ponto importante nas entrevistas remete
pessoa que est entrevistando, alterando os resultados dependendo da classe
social, etnia, crena, poltica e educao. Cada tema exige uma aproximao
entre os dois lados ou um distanciamento. Em certas conversas a proximidade
inibe o entrevistado, em outras contribui para a riqueza de detalhes.
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O local no qual ocorrem as entrevistas tambm influencia no
resultado. diferente o dilogo realizado na casa, na praa ou na festa, isto ,
o meio acaba influenciando a pessoa que est sendo entrevistada. Logo, as
entrevistas realizadas para essa pesquisa contemplaram principalmente o
espao da festa; algumas outras foram realizadas nas casas dos folies.
Uma virtude fundamental do entrevistador saber ouvir e respeitar
sua fonte humana. Antes de iniciar os questionamentos o pesquisador deve se
informar sobre as conjunturas e o histrico do local, para ter maior xito nas
perguntas e compreender melhor as respostas. O entrevistado tem que sentir
confiana e segurana no pesquisador para transmitir seu conhecimento, por
isso mais de uma questo sobre o mesmo tema (com diferentes maneiras de
formulao) ajuda a atingir um resultado com maior preciso.
As questes no devem ser fechadas e totalmente objetivas, pois a
inteno que a fonte fale e expresse o seu entendimento com liberdade e
naturalidade. O historiador que se dispe a trabalhar com a Histria Oral deve
apenas estabelecer um ponto inicial para comear a entrevista, a partir dessas
conjunturas pr-estabelecidas que a conversa comear a fluir, sendo flexvel
quando necessria, ou seja, [...] a entrevista completamente livre no pode
existir. Apenas para comear, j preciso estabelecer um contexto social, o
objetivo deve ser explicado, e pelo menos uma pergunta inicial ser feita [...]
(Ibidem, p. 258).
O fato que a entrevista conduzida por perguntas que no aceitam
mudanas de itinerrio pode deixar grandes oportunidades de aprofundamento
ou curiosidades sem espao para serem desenvolvidas. J as entrevistas que
so totalmente livres podem tambm caminhar por um sentido oposto ao do
tema, no contribuindo muito para a pesquisa. Enfim, o entrevistador deve ter
bom senso e mesclar os dois eixos sendo flexvel e insistente em alguns
momentos, isto , um bom mediador. Essas so algumas das dificuldades que
o historiador oral enfrenta com suas fontes.
Para que uma entrevista seja bem conduzida pelo pesquisador, o
mesmo deve preparar um roteiro antes de abordar o entrevistado, respeitando
suas conjunturas e tendo bem definido seus questionamentos e problemticas
para no se perder no meio da conversa.
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Entre as formas de utilizao da Histria Oral nas pesquisas, este
trabalho contempla a Histria Oral Temtica e a Tradio Oral. O problema
central o reconhecimento da Festa de Santos Reis em uma comunidade do
campo e entender como essa comunidade percebe a festa essencial para
discutir a questo sobre Patrimnio Cultural Imaterial do lugar. A histria oral
temtica quase sempre usada como tcnica, pois articula, na maioria das
vezes, dilogos com outros documentos (MEIHY, 2000, p. 67). Na pesquisa de
campo foi verificada ainda uma forte Tradio Oral entre os integrantes do
grupo e a comunidade. Consideramos como tradio oral uma modalidade da
histria oral que contempla [...] as questes do passado longnquo que se
manifestam pelo que chamamos de folclore e pela transmisso geracional, de
pais para filhos ou de indivduos para indivduos (Ibidem, p. 71-72), ou seja, no
caso da Festa de Reis, so explicaes sobre o motivo dos rituais, crenas e
crendices, mitos envolvendo os personagens de Santos Reis e sua visitao
a Jesus, que fazem com que os folies continuem seguindo essa tradio
transmitida pela oralidade. Os mitos so tudo aquilo que o grupo social
acredita e respeita, que foi aprendido atravs da oralidade com seus
antepassados, como por exemplo: o mito da criao do mundo, o da justia
divina, o da terra prometida, o dos deuses, o da intercesso de santos
devocionais etc, que reunidos constroem um conjunto mitolgico caracterstico
de cada comunidade.
Os sujeitos histricos que contriburam com a presente pesquisa so
moradores dos bairros rurais, alguns da cidade de So Sebastio do Paraso
que participam ativamente das festividades, como colaboradores, visitantes
e/ou folies, e outros que vm somente para prestigiar a Festa de Reis.
Contriburam tambm os integrantes do Setor de Patrimnio Cultural do
municpio de So Sebastio do Paraso que relataram sobre a importncia do
Registro da Festa de Reis. Cabe ressaltar a importncia das entrevistas
realizadas com dois tcnicos do Departamento de Patrimnio Imaterial do
IEPHA-MG, que foram essenciais para entender o processo de valorizao dos
bens imateriais, principalmente a Festa de Reis, haja vista que estes tcnicos
so responsveis pela capacitao de gestores municipais, de um programa
denominado Projeto de Inventrio Cultural para fins de Registro das Folias de
Minas Gerais, que tem como objetivo identificar e inventariar os diversos
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grupos de Folia de Reis existentes em todo o estado mineiro. Foram realizadas
22 entrevistas contemplando os segmentos citados acima, entre eles o clero
local. Cada qual com seus questionamentos prprios envolvendo a realidade e
experincia particular, buscando a identidade com a Festa.
Na maioria das entrevistas foi utilizado o gravador, outras somente a
conversa e a reteno das informaes principais, que foram transcritas
posteriormente por motivo de a pessoa no se sentir vontade perante o
aparelho, por se tratar de pessoas comuns com poucos recursos de oratria,
que se sentem reprimidas com a tecnologia. Em alguns casos, enquanto o
gravador estava ligado, as respostas foram extremamente curtas, mas aps ser
desligado a entrevista obteve grande xito. Algumas entrevistas foram
realizadas nas prprias casas dos folies e a maioria no decorrer dos oito dias
de festa, momentos oportunos que contriburam para a pesquisa, pois o clima
festivo permitiu maior entrosamento entre o folio e a entrevista. As entrevistas
foram transcritas respeitando o dialeto regional e a originalidade dos
depoentes. Outra ferramenta utilizada foi a filmadora, que permitiu captar as
posies para desenvolvimento das msicas, danas, vestimentas e todos os
detalhes necessrios para a descrio dos festejos.
A entrevista proporciona uma relao direta com o sujeito, contributo
da Histria Oral. Sua singularidade, em contato com o coletivo, produz a
totalidade do ser representada no pensamento individual que no deixa de
fazer parte do contexto comunitrio, ou seja, no individual um resqucio do
social (DELGADO, 2010).
O fio condutor que une a Histria Oral, a Cultura Popular e o
Patrimnio Cultural a memria. No podemos desprezar o papel da memria
e da identidade para conceber um bem enquanto patrimnio cultural de um
povo, pois como ressalta Le Goff
[...] a memria um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja busca uma das atividades fundamentais dos indivduos e das sociedades de hoje, na febre e na angstia. (1990, p. 476)
Atravs da memria, os fatos passados conseguem permanecer ao
longo do tempo e serem relembrados atravs de repeties como nas festas
populares e/ou rituais. A partir do momento que as Festas se tornam objetos de
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representao da cultura de um povo, garantem tambm a efetivao da
identidade. Logo, temos uma juno da memria com a identidade que reflete
no bem cultural transformando-o em Patrimnio.
Aps essa breve explanao sobre o caminho historiogrfico e
metodolgico, o primeiro captulo desta dissertao traz a concepo de
Patrimnio Cultural Imaterial e as conjunturas do municpio de So Sebastio
do Paraso, situado no sudoeste do Estado de Minas Gerais, com suas
caractersticas principais, tais como, Histria, Cultura, Economia, Poltica,
Religio, entre outras. Atravs das festas populares, estaremos adentrando em
uma nova forma de analisar os protagonistas histricos que podem ser
verificados nas faces da cultura popular, posto que a realizao das festas
infiltra no cotidiano da comunidade e solidifica na memria do povo, angariando
novos espaos e interesses, assumindo, juntamente com aqueles que as
desenvolvem, uma presena significativa que se concretiza em sujeitos
histricos, ou seja, eles se tornam representantes da cultura local.
O captulo ir analisar tambm o sentido de cultura, tradio,
identidade e memria, sendo estes os critrios necessrios para identificar um
Patrimnio Cultural. Nem todas as festas populares podem ser consideradas
como Patrimnio Cultural de uma regio ou de um povo, pois antes de
conceitu-las devem ser analisadas as conjunturas que as desenvolvem,
levando em considerao principalmente o modo como a sociedade as
enxerga.
Recentemente o tema Patrimnio Cultural vem ganhando espao na
historiografia, saindo do coadjuvante e passando para o protagonista. Elegendo
alguns bens culturais como representantes de um povo ou regio, porm o que
vemos na maioria das vezes um enquadramento de bens considerados
importantes para uma sociedade por intermdio de certo embelezamento, ou
seja, tudo aquilo que belo aos nossos olhos deve ser preservado
juridicamente. Qual seria o raciocnio lgico em preservar algo simples, sem
um estilo arquitetnico clssico, que representa a populao menos
favorecida? O que vale mais: um palacete do incio do sculo XIX construdo
em estilo arquitetnico neoclssico ou uma casa simples com quatro cmodos
que abrigou uma famlia na mesma poca? A resposta curta depende dos
olhos de quem analisa e a partir de que problemtica. Mas essa resposta
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atual, pois a grande maioria dos Patrimnios Brasileiros preservados foi
escolhida por uma classe dominante.
As polticas ligadas preservao patrimonial vo ser preparadas
pelos intelectuais, com isso, tem-se um direcionamento a tudo aquilo que deve
ser protegido por lei e, consequentemente, o que deve ser categorizado como
bem cultural ou simplesmente deixado margem da sociedade, por no
representar/identificar uma minoria elitista. Este talvez seja o maior obstculo
enfrentado pelo povo comum ao tentar preservar sua memria e histria,
restando apenas a Histria Oral como soluo efetiva de preservao
patrimonial.
Dessa forma, chegaremos ao conceito de Patrimnio Imaterial em
constante crescimento na atualidade, uma vez que eram reconhecidos
somente os bens de natureza material at 1988. Os bens imateriais vo ganhar
uma legislao prpria a partir do Decreto n 3551 de 04 de Agosto de 2000,
que Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem
patrimnio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimnio Imaterial
e d outras providncias.
O segundo captulo busca analisar o perodo do festejo narrando a
rotina do grupo, juntamente com a formao da Companhia de Reis e suas
conjunturas. As posies que cada sujeito deve representar dentro da
manifestao popular e seu papel na sociedade. A recepo do grupo social
pela comunidade e seus significados, alm dos rituais que so desenvolvidos
em situaes diversas. Com essa anlise criteriosa poderemos concluir se a
Festa de Reis pode ou no ser compreendida como representao da Cultura
local e, consequentemente, um Patrimnio Imaterial.
No perodo em que a Companhia de Reis est realizando seu
trajeto, vrias famlias so visitadas pelo grupo de folies de Santos Reis,
sendo recebidos com o maior carinho e ateno pelos donos da casa. A
Bandeira (estandarte), que vai frente de todos os integrantes, um smbolo
de devoo, pois representa os Santos Reis entregando os presentes Ouro,
Incenso e Mirra em adorao ao Menino Jesus. De acordo com Hansen,
comum dentro de qualquer manifestao popular o smbolo e/ou uma
representao, uma vez que [...] significa o uso de signos no lugar de outra
coisa: no festejo, so roupas, cores, cenas, personagens e alegorias postos no
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lugar [...] (2001, p. 738), portanto a Bandeira faz essa representao ativa dos
Magos dentro da Companhia de Reis.
O captulo ir descrever as visitas nas casas, juntamente com os
diversos rituais dentro de uma jornada especfica. Esses rituais giram em torno
de dana, canto, instrumentos musicais, trajetria a ser percorrida durante os
dias de apresentao, prespios, casas visitadas, oferendas, promessas,
refeies e recepo pela comunidade detentora do bem cultural.
E, no terceiro captulo, a busca pela identificao da Festa de Santos
Reis como Patrimnio Imaterial do municpio de So Sebastio do Paraso,
conforme todas as caractersticas, aproximaes, prticas e representaes.
O captulo ir analisar o papel do IEPHA-MG (Instituto Estadual do
Patrimnio Histrico e Artstico de Minas Gerais) e sua importncia para os
diversos municpios do estado que se preocupam com seu Patrimnio Cultural,
em especial a Deliberao Normativa do n 02/2015 do Conep (Conselho
Estadual do Patrimnio Cultural). Alm das legislaes do municpio de So
Sebastio do Paraso, ser dada especial ateno Lei Municipal n 3413 de
31 de agosto de 2007, que estabelece as normas de proteo do Patrimnio
local.
Mesmo com tanto desenvolvimento e transformao, o sentido e a
nomenclatura da poltica pblica direcionada ao protagonista continuam sendo
os mesmos (Decreto Lei n 25, de 30 de novembro de 1937), porm com uma
adio de meios protetores afirmados atravs do artigo 216 da Constituio
Federal de 1988, que estabelece os meios de proteo ao Patrimnio Cultural
Brasileiro, ou seja, inventrios, registros, vigilncia, tombamento e
desapropriao. Nota-se a permanncia do Tombamento como poder jurdico,
institudo em 1937.
Atravs da anlise da legislao e da representao da Festa de
Reis para a comunidade, levando em considerao suas prticas e
representaes, ser proposto o Registro da festa, no livro de Registro das
Celebraes do municpio estudado.
Logo, este estudo visa contribuir com a historiografia cultural, haja vista
que ele procura destacar as caractersticas de um evento cultural popular para no
se perder ao longo do tempo, em se tratando de um trabalho descritivo baseado
na cultura regional.
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CAPTULO 1: A CONCEPO DE PATRIMNIO CULTURAL E O
MUNICPIO DE SO SEBASTIO DO PARASO
1.1 A Cultura Popular se transforma em Patrimnio Imaterial
As pesquisas relacionadas ao Patrimnio Cultural ainda so
escassas na academia, pois esse tema comeou a ser explorado h pouco
tempo e vem ganhando, cada vez mais, espao na historiografia brasileira. As
polticas pblicas culturais do nosso pas passaram por continuidades e
descontinuidades desde sua concepo com a Semana de Arte Moderna de
1922, em So Paulo, que contribuiu para a incorporao da Cultura na pasta
do Ministrio da Educao e da Sade Pblica em 1930, e, posteriormente, a
criao do Sphan (Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional) em
1937, at a atualidade.
Lembremos que poltica pblica cultural a unio de todos os
documentos que visam proteo e expanso da cultura de um lugar, atravs
de iniciativas governamentais ou da sociedade civil. Esses documentos so
necessrios para garantir que os bens culturais sejam respeitados, protegidos,
preservados e ampliados, visando principalmente os interesses comuns. A
representao governamental da cultura, no Brasil, est expressa no Ministrio
da Cultura, que foi criado somente em 1985, e nas secretarias estaduais e
municipais de cultura. Observa-se que em grande parte dos municpios
brasileiros no existe uma Secretaria Municipal de Cultura autnoma, ou seja,
a mesma est vinculada a outras pastas. Exemplo disso o municpio de So
Sebastio do Paraso, tendo em vista que a pasta da Cultura est agregada
da Secretaria de Esportes, Lazer, Cultura e Turismo, sendo uma entre tantas
outras, desde 2010, pois at ento estava vinculada Secretaria de Educao,
Cultura e Esportes. Infelizmente essa realidade nos faz entender que a cultura
no est entre as prioridades dos governos e, muitas vezes, est atrelada
unicamente a produzir eventos festivos, no cumprindo o papel de
conscientizar e desenvolver a sociedade.
Antes de iniciarmos a discusso sobre as polticas pblicas
relacionadas aos patrimnios culturais do Brasil, devemos conceber o
significado de patrimnio e compreender quais os critrios necessrios para
contempl-lo como tal, ou seja, a identidade cultural, valores agregados,
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memria e histria. Sem discutir esses pontos no poderemos denominar um
bem cultural como representante da cultura de um grupo social e/ou
comunidade.
O mais importante, dentre todos, a identidade cultural, pois o
reconhecimento do sujeito enquanto pertencente a algo na sociedade, ou seja,
est ligado a algum fato, no meio social, que o faz se sentir representante de
sua cultura. O conceito de cultura muito complexo e acaba tomando formas
diferentes em diversos locais, por cada grupo social ter uma noo do que
cultura para ele. Isso significa que no podemos identificar um fato enquanto
cultura se o mesmo no for referncia de um grupo, isto , no ser visto como
representao, sem um dilogo permanente com a prpria comunidade, sem
identidade local. Identidades referem-se a atributos culturais, simbologias,
experincias, hbitos, crenas, valores. Remete a um elenco de variveis em
permanente construo [...] (DELGADO, 2010, p. 47). Devemos analis-la no
plural, tendo em vista que existem diversas identidades sobre distintas
situaes, pois cada sujeito histrico possui uma experincia e viso de mundo
diferente.
Essas identidades esto atreladas valorizao que o grupo social
atribui ao bem cultural. Esse valor no tem nenhuma aproximao com a
economia, mas sim com o sentimento, so os valores atribudos aos bens que
os transformam, isto , deixam de ocupar um simples papel para agregar novos
significados. Esses valores e significados vo ser percebidos apenas pela
comunidade que o identifica no sendo representativos e importantes para
outros indivduos que esto em realidades diferentes. Segundo Delgado:
As identidades so representaes coletivas contextualizadas e relativas a povos, comunidades, pessoas, j que a humanidade no genrica nem caracterizada por universalismo abstrato. Ao contrrio, encarna-se em expresses e formas originais e especficas, traduzidas por identidades religiosas, de gnero, polticas, corporativas, nacionais, culturais, partidrias, ideolgicas. (Ibidem, p. 61)
Portanto, antes de determinar que um bem seja patrimnio cultural
de um lugar e de uma sociedade, devemos verificar como o grupo social
detentor o enxerga. S depois de analisarmos que o bem representa a cultura
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do seu ncleo social, carregado de significado e valores, que poderemos
identific-lo como patrimnio cultural daquele povo.
Devemos ter conscincia que a identidade cultural no esttica,
pois a cultura est em plena transformao, logo, existem mudanas de
significados e atribuio de novas identidades. As manifestaes culturais vo
se recriando a cada apresentao aderindo novos elementos e abandonando
outros que so substitudos, com isso h uma continuidade na cultura popular,
no admitindo que ela caia no esquecimento, ou se fixe como um folclore.
Consoante Ortiz (2012) o folclore se mantm pela tradio e resiste s
transformaes do dia a dia, no aceitando as pluralidades que constitui a
cultura popular. Vale ressaltar que o Centro Popular de Cultura (CPC), criado
em 1961, foi o primeiro passo dado para a valorizao e o reconhecimento da
Cultura Popular no Brasil.
O fator que probe a Cultura Popular de cair no esquecimento das
pessoas a memria. A memria uma grande companheira da identidade,
uma vez que as duas caminham juntas. No h identidade sem memria.
Sabemos que a memria seletiva, ficando guardado aquilo que foi
significativo e forte, marcando nossa vida, ou pelo lado positivo ou pelo
negativo. Ela um sinal que permite que nos identifiquemos como sujeitos do
tempo, nos conscientizando a respeito dos acontecimentos passados que
ficaram registrados por ela prpria, e que so lembrados quando instigada,
induzida ou mesmo de forma voluntria. Memria e tempo tambm caminham
juntos e se complementam na Histria, no deixando os fatos serem
esquecidos e perdidos com o passar do prprio tempo, garantindo assim sua
permanncia.
A memria essencial a um grupo porque est atrelada construo de sua identidade. Ela [a memria] resultado de um trabalho de organizao e de seleo do que importante para o sentimento de unidade, de continuidade e de coerncia isto , de identidade [...]. (ALBERTI, 2005, p. 167)
A memria responsvel pela constituio da Histria e,
consequentemente, das identidades, pois o ser humano est em busca de suas
referncias identitrias, ou seja, de tudo aquilo que o caracteriza na sociedade.
Montenegro aborda a diferena entre a histria e a memria, no entanto
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reconhece que uma est ligada a outra, isto , a histria est presente na
memria e a memria na histria. Segundo o autor, a memria coletiva ou
individual, que expe diferentes fatos e acontecimentos selecionados que vo
sendo reelaborados com o tempo, deve ser sempre instigada para que esses
mesmos fatos e acontecimentos no caiam no esquecimento. Esses fatos
constroem a histria, que
opera sempre com o que est dito, com o que colocado para e pela sociedade, em algum momento, em algum lugar. Desses elementos, o historiador constri sua narrativa, sua verso, seu mosaico [...]. (MONTENEGRO, 1994, p. 19)
Independente de os fatos lembrados serem distintos da realidade
vivida, eles so resgatados pelos historiadores por intermdio das evidncias
histricas.
Dessa forma, a histria estabelece uma ligao com um grupo
maior, mais abrangente, tudo aquilo que se tornar pblico, envolvendo no s
um pequeno grupo ou famlia, mas sim um nmero expressivo de pessoas,
como um bairro, cidade e/ou pas. Sendo assim, o historiador utilizaria a
memria como fonte para conseguir se aprofundar na histria, levando em
considerao que a temporalidade da memria diferente da histria. Segundo
Le Goff
a memria, onde cresce a histria, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memria coletiva sirva para a libertao e no para a servido dos homens. (1990, p. 477)
Essa relao entre memria, histria e identidades essencial para
entender a ideia de patrimnio cultural, haja vista que o patrimnio est
vinculado a esses pilares por representar um passado comum entre a
coletividade, sendo elementos necessrios para compartilhar a cultura de um
povo. Portanto, podemos distinguir o que Patrimnio a partir da
representatividade e identidade com que um povo define determinado fato, ou
seja, deve conter uma significao de grande relevncia para ser categorizado
como Patrimnio daquele povo, estando presente na memria da comunidade,
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a tal ponto de reproduzi-lo e reviv-lo constantemente. A partir do momento
que esses fatos tornam-se representao e identidade, podem tambm ser
considerados como Referncias Culturais, isto , pontos em comum
reconhecidos e identificados pela comunidade detentora. Por exemplo, uma
festa que ocorre todos os anos e rene a comunidade para o festejo; um
alimento que preparado e reconhecido pela comunidade; uma praa, casa,
bebida, etc., o fundamental que o grupo social detentor perceba aquele bem
como integrante da sua histria e cultura (atribuindo valores), e que seja
tambm reconhecido pela coletividade e no por um olhar individual. A
memria coletiva d origem s novas manifestaes culturais, com traos
resgatados pela memria e outros aderidos atravs das conjunturas atuais, que
passam a representar o grupo social, sendo transmitidos de pais para filhos.
Por isso, patrimnio todo bem que carrega a memria, a histria e
consequentemente as identidades e os valores de uma coletividade, formando
um vnculo entre um e outro, independente de essa coletividade representar
uma famlia, um bairro, uma cidade, um estado, um pas ou a humanidade.
Segundo Cor,
A discusso sobre patrimnio ganha destaque em um cenrio no qual a construo dos processos sociais de identidade resgata a tradio e a memria como forma de referenciar as relaes sociais do cotidiano. Em outras palavras, as pessoas tm buscado referncias culturais de tradio familiar e cultural para significarem e construrem sua identidade. Por isso, retomar e reviver antigos espaos e prticas sociais faz com que os patrimnios sejam valorizados. (2014, p. 70)
A diversidade cultural brasileira contribui para que os grupos sociais
busquem suas referncias culturais e se estabeleam como sujeitos histricos.
Logo, a conscientizao faz com que pessoas simples se preocupem com sua
prpria histria e procurem uma autenticidade no passado, com fatos que
ficaram gravados na memria, e com isso os lugares, celebraes, saberes,
formas de expresso, juntamente com bens materiais tornam-se patrimnios
culturais que merecem ser protegidos e preservados. Em um mundo que se
transforma a cada instante e busca o avano tecnolgico que faz com que o
evoludo de hoje se torne o ultrapassado de amanh, a histria faz presena e
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se firma entre as pessoas atravs dos patrimnios culturais. Por mais que a
pessoa procure novidades, ela no consegue apagar sua prpria memria.
Ao buscar na histria os primeiros passos de valorizao do
Patrimnio Cultural, encontraremos no trmino do sculo XVIII, na Frana, o
princpio das polticas pblicas preservacionistas. No decorrer do XIX houve a
preocupao com a instituio de patrimnios nacionais como smbolo de
nacionalizao, pertencimento de um mesmo territrio, tendo em vista a
formao de diversos estados nacionais hispano-americanos e unificaes
europeias. Atravs desses patrimnios, os grupos sociais conseguiam
referenciar sua cultura, fortalecendo principalmente suas identidades, ao se
relacionar com o passado histrico.
J no incio do sculo XX, a Constituio Mexicana (1917) e a
Constituio de Weimar (1919) vo ser pioneiras, pois inserem em seus textos
a preservao do Patrimnio Histrico, servindo como modelo para a
Constituio Brasileira de 1934.
Com o trmino da Primeira Guerra Mundial e o Tratado de
Versalhes, os bens culturais ficaram a cargo da Comisso Internacional de
Cooperao Intelectual da Liga das Naes, que visava fortalecer as relaes
culturais entre os diversos pases que participavam da organizao. Essa
Comisso foi responsvel pela organizao da Conferncia Internacional de
Atenas, em 1931, que teve como consequncia a Carta de Atenas, podendo
ser considerada a certido de nascimento internacional de proteo aos bens
culturais histricos e artsticos.
Aps a Segunda Guerra Mundial e com a extino da Liga das
Naes foi criada a ONU (Organizao das Naes Unidas), e logo em seguida
a Unesco (Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a
Cultura) que contriburam muito para a expanso das polticas pblicas de
preservao do patrimnio cultural com a realizao de diversas convenes
visando a sua proteo dentro de uma dimenso internacional. A Unesco
passa a legitimar o discurso acerca do patrimnio, alm de ditar as tendncias
da atuao dos Estados junto ao que se entende por patrimnio [...]. (Ibidem,
p. 88). A Conveno para a proteo dos bens culturais em caso de conflito
armado que ocorreu em Haia, no ano de 1954, define os bens mveis e
imveis que contenham interesse histrico ou artstico e stios arqueolgicos
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como bens culturais que devem ser protegidos. Tal nomenclatura identificativa
passou a ser utilizada em todas as polticas pblicas culturais.
Durante a Ditadura Militar brasileira foi criado o Centro Nacional de
Referncia Cultural (CNRC), no ano de 1975, incorporado Fundao
Nacional Pr-memria (FNPM) em 1979, que visava contemplar os bens
culturais no consagrados at ento na legislao, isto , os de natureza
imaterial. Sob a direo de Alosio Magalhes, o Centro buscava compreender
os diversos espaos que contemplavam a identidade social, no separando o
grupo detentor do seu patrimnio. A preservao e a proteo fazem sentido
para as pessoas que conhecem e do significado ao bem, que se transforma
em referncia cultural do povo. Cabe ressaltar que o termo referncia fazia-se
necessrio para [...] se distinguir das instituies oficiais, museolgicas, e
propor uma forma nova e moderna de atuao na rea da cultura (FONSECA,
2003, p. 91). Essa nova viso levaria em conta os valores e sentimentos que os
grupos sociais atribuam aos seus bens. O bem material no estaria isolado,
mas sim faria parte de um contexto tendo em conta a sua representao,
memria e histria para a comunidade, ou seja, aquilo que d significado ao
bem naquele espao. Para exemplificar o sentido de referncia cultural,
podemos imaginar uma imagem sacra sendo retirada do seu altar para ser
preservada em um museu, ou seja, ela perderia todo o sentido religioso que
adquiriu durante anos na comunidade e passaria a ser vista apenas como
objeto artstico pelos visitantes do museu. Na realidade essa a mesma
situao que envolve as imagens de pedra sabo dos profetas esculpidos por
Aleijadinho. Se forem retiradas da frente do Santurio Bom Jesus de
Matosinhos e levadas para um museu, perdero sua referncia cultural.
A Constituio Federal de 1988 reafirmou as modalidades de
patrimnio cultural brasileiro atravs do artigo 216, incluindo os bens de
natureza imaterial, at ento fora das legislaes brasileiras, alm de instituir
as diretrizes de preservao e proteo como os inventrios, registros,
vigilncia, tombamento e desapropriao como formas de acautelamento dos
bens culturais. O patrimnio imaterial contempla todas as manifestaes
culturais populares que se firmam na coletividade, na transmisso hereditria e
se transformam pela prpria comunidade que as constri e as mantm vivas
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O patrimnio imaterial considerado uma cultura em transformao, e no esttica, como os patrimnios materiais. Para que o patrimnio imaterial exista, necessria uma preocupao como a transmisso do saber e, consequentemente, como a manuteno da sua representatividade e da sua identidade em relao apropriao dos significados e das formas de produo das manifestaes e dos saberes culturais, o que permite sua continuidade. (COR, 2014, p. 92)
Aps um curto perodo inativo, o Ministrio da Cultura (criado em
1985) foi reinstitudo em 1992, juntamente com o rgo responsvel pelo
Patrimnio Histrico, o IPHAN (Instituto Nacional do Patrimnio Histrico e
Artstico Nacional). Este ltimo est vinculado diretamente ao Ministrio da
Cultura e tem como misso a preservao do patrimnio cultural brasileiro,
juntamente com sua divulgao, expanso e desenvolvimento socioeconmico.
Praticamente uma dcada aps a promulgao da Constituio
Federal, ainda no havia nenhuma diretriz legislativa que contemplasse os
bens de natureza imaterial, ou seja, essa modalidade estava expressa
juridicamente apenas na Constituio. Com isso, o IPHAN realiza em 1997 um
seminrio intitulado Patrimnio Imaterial: Estratgias e Formas de Proteo
que teve como objetivo a elaborao de diretrizes e meios jurdicos para
salvaguardar o patrimnio imaterial do Brasil, atravs da Carta de Fortaleza.
A partir desse encontro houve maior ateno voltada para essa modalidade,
culminando com a criao e aprovao do Decreto n 3551, de 04 de agosto de
2000 que instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e criou o
Programa Nacional do Patrimnio Imaterial (PNPI).
O Decreto foi importante por estabelecer as diretrizes dos bens
imateriais, posto que, at ento, existiam apenas as diretrizes para os
patrimnios materiais, as quais possuem como instrumento principal o
Tombamento. O Registro se difere do Tombamento por este ltimo contemplar
os bens que no podem sofrer descaracterizao e, caso seja extremamente
necessrio, que seja realizado interferindo o mnimo possvel, devendo essa
deciso ser tomada em conjunto pelo Conselho do Patrimnio Cultural
(COMPAC), composto pela sociedade civil e agentes pblicos. J os bens
imateriais sofrem transformaes constantes, ganhando novos significados, o
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que se faz necessrio para a utilizao de uma nova ferramenta jurdica que
contemple essa realidade.
No caso dos patrimnios materiais, os bens culturais so
catalogados no Livro de Tombo, respeitando suas caractersticas, isto , so
divididos em quatro categorias: Histrico; Belas Artes; Arqueolgico,
Etnogrfico e Paisagstico, e Artes Aplicadas. J nos patrimnios imateriais, os
bens so inscritos no Livro de Registo, de acordo com sua categoria,
promulgado atravs do Decreto n 3551 da seguinte forma:
I - Livro de Registro dos Saberes, onde sero inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; II - Livro de Registro das Celebraes, onde sero inscritos rituais e festas que marcam a vivncia coletiva do trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras prticas da vida social; III - Livro de Registro das Formas de Expresso, onde sero inscritas manifestaes literrias, musicais, plsticas, cnicas e ldicas; IV - Livro de Registro dos Lugares, onde sero inscritos mercados, feiras, santurios, praas e demais espaos onde se concentram e reproduzem prticas culturais coletivas. (BRASIL, 2000)
Esses livros so utilizados para catalogar os bens imateriais de
acordo com suas caractersticas relevantes e, para isso, o Processo de
Inventrio, juntamente com o Dossi de Registro, deve ser detalhado,
facilitando a identificao e posteriormente a catalogao do bem, tendo em
vista que alguns bens compreendem funes interligadas: com isso, um nico
bem cultural pode ser subdividido em mais de um registro. Temos dois casos
dessa situao nos registros do IPHAN; o 1 deles corresponde Roda de
Capoeira, registrada no livro das Formas de Expresso, e o Ofcio dos
Mestres de Capoeira, registrado no livro dos Saberes. Nota-se que a Roda de
Capoeira e o Ofcio dos Mestres de Capoeira esto interligados, pois um no
funciona sem o outro, isto , no temos como conceber uma roda de capoeira
sem a presena e participao do mestre que ir reg-la. No momento de
registrar esse bem imaterial, entretanto, verificaram-se as duas situaes, a
relacionada ao ofcio/saber, e a relacionada forma de se expressar. No 2
caso, o Toque dos Sinos em Minas Gerais (tendo como referncia as cidades
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de So Joo Del Rei, Ouro Preto, Mariana, Catas Altas, Congonhas do Campo,
Diamantina, Sabar, Serro e Tiradentes) foi registrado no livro das Formas de
Expresso, e o Ofcio de Sineiro no livro de Registro dos Saberes. Verifica-se
que o Toque dos Sinos e o Ofcio de Sineiro tambm esto interligados, no
entanto, cada um com suas caractersticas especficas. Logo, podem ser
averiguados nos documentos eletrnicos do IPHAN que o nmero do processo
e a data da solicitao do pedido so os mesmos, juntamente com a data do
registro, o que significa que dois pedidos (Roda de Capoeira e Toque dos
Sinos), aps a anlise e interpretao do Conselho Consultivo do Patrimnio
Cultural, se transformaram em quatro registros (Roda de Capoeira, Ofcio dos
Mestres de Capoeira, Toque dos Sinos e Ofcio de Sineiro). Assim, podemos
inferir que o Conselho buscou valorizar e identificar todas as categorias
relacionadas.
Aps a inscrio do bem no livro, o Patrimnio Imaterial ser
reavaliado a cada 10 anos, uma vez que o bem imaterial no esttico e se
transforma a cada ano. Se for verificado que perdeu sua identidade se
descaracterizando totalmente, ele consequentemente perde o ttulo,
conservando apenas a documentao do Registro como referncia histrica.
Outro objetivo da reavaliao incentivar a sociedade a manter o bem,
contribuindo para sua continuidade e expanso, evitando que seja
desprestigiado ou at mesmo esquecido por j obter o ttulo de Patrimnio
Imaterial do Brasil, sendo assim um obstculo para seu plano de salvaguarda,
tendo em vista que a institucionalizao das prticas de preservao est
vinculada ao conhecimento de determinado patrimnio cultural. No tem como
proteger/preservar algo que no se conhece. O conhecimento sobre o bem
cultural lhe d um valor cognitivo, pois as pessoas o interpretaro com base em
seu desenvolvimento e consolidao no espao onde ocorre, sendo necessrio
um desenvolvimento de Educao Patrimonial permanente, garantindo assim
sua continuidade.
O Programa Nacional do Patrimnio Imaterial (PNPI) tende a apoiar
e fomentar parcerias com instituies governamentais da esfera federal,
estadual e municipal, de ensino, organizaes no governamentais, agncias
de desenvolvimento e organizaes privadas ligadas diretamente cultura e
pesquisa, viabilizando projetos de identificao, reconhecimento, salvaguarda e
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promoo do patrimnio cultural imaterial. O programa provocou mudanas
significativas na concepo de patrimnio cultural, contribuindo na formulao
de diretrizes que reconhecessem os bens culturais de natureza imaterial no
Brasil como dinmicos e no estticos, sendo repensados e reafirmados ao
longo do tempo. Alm disso, possibilitou o resgate dos sujeitos histricos
annimos que participaram e participam ativamente de variadas expresses
culturais, que representam a diversidade cultural brasileira.
Em 2000 o IPHAN institucionalizou a metodologia do Inventrio
Nacional de Referncias Culturais (INRC) com tcnicas do prprio inventrio
cultural, posto que ele o primeiro passo para se reconhecer um bem
enquanto patrimnio cultural, tanto de natureza material, quanto imaterial.
Trata-se de uma anlise sobre o bem com todas as informaes possveis de
forma sucinta, como, no caso do patrimnio material, verificao do permetro,
do volume, dos materiais utilizados na edificao, do estilo arquitetnico, do
modelo, das cores, das formas, dos bens artsticos aplicados, entre outros. J
no caso dos bens imateriais verificam-se as referncias culturais integradas,
prticas, representaes, identidade na comunidade detentora do bem,
agentes envolvidos, recursos, produtos, descrio dos lugares e suportes
fsicos, reas de ocorrncia, bens mveis/imveis integrados, identificao dos
problemas, dentre outros.
A metodologia do INRC no prope um modelo obrigatrio para ser
seguido, mas sim recomendado, visando identificao e levantamento de
detalhes de bens para criar um banco de dados destinados s pesquisas, e
mais ainda:
A ideia do uso da INRC que se consiga elaborar esse banco de dados, no qual haver informaes para identificao do bem cultural, e a partir da seja possvel visualizar um mapa da cultura brasileira, mostrando suas relaes espaciais, produtos, saberes, prticas, smbolos e rituais. (COR, 2014, p. 205)
O inventrio nada mais do que a catalogao de um bem,
constituindo-se um material riqussimo de informaes que possibilita conhec-
lo integralmente, sobretudo quando no existem outros mtodos para
preserv-lo e/ou proteg-lo. Por meio dessa iniciativa, so reunidos diversos
documentos iconogrficos, de histria oral, escritos que facilitam a identificao
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do bem e sua importncia na comunidade, situao que no seria possvel se
ele no fosse inventariado. Independente da inteno dos idealizadores do
inventrio na comunidade, se houver o registro ou simplesmente sua
catalogao, o produto final se torna um arquivo documental da cultura do
lugar.
Geralmente as informaes que so solicitadas para realizao do
inventrio no so simples, devendo ser geridas por profissionais com ensino
superior. Apesar da possibilidade de iniciativa do processo de inventrio e/ou
registro poder ser requerido pela sociedade civil, o que ocorre na maioria das
vezes o processo ser oriundo das administraes pblicas. Isso infelizmente
restringe, em partes, a produo de diversos inventrios sobre os bens
culturais brasileiros, uma vez que as prefeituras, principalmente, no
disponibilizam de profissionais capacitados para atender essa demanda, o que
leva algumas a contratar empresas que do o suporte tcnico. A falta de
recursos humanos impossibilita a realizao de procedimentos necessrios
para acautelar os riscos dos patrimnios brasileiros, sendo esse um dos
maiores problemas enfrentados pelos setores responsveis pela preservao.
Sem considerar que a conscientizao das pessoas em relao preservao
lidera o ranking dos problemas, fazendo-se necessrio o desenvolvimento de
projetos de Educao Patrimonial nos diversos municpios.
Com isso, a preparao dos inventrios acaba saindo das mos dos
detentores e passando para profissionais que nem sempre esto a par das
conjunturas que envolvem o bem, ou seja, o que ser produzido poder conter
algumas interpretaes que no so as mesmas da comunidade detentora, no
abordando as referncias culturais, o que acaba sendo incoerente com as
propostas do INRC. Tais prticas acontecem com frequncia nos municpios
mineiros, tendo em vista que os preenchimentos das fichas de inventrio
requerem muitos detalhes especficos e tcnicos, alm dos locais onde se
concentra o bem cultural serem de difcil acesso, impossibilitando um
acompanhamento cauteloso com a comunidade detentora, ficando o processo
simplificado em algumas visitas tcnicas. Sendo assim, os bens culturais
identificados e protegidos juridicamente so, em sua maioria, oriundos dos
interesses dos governos municipais, estaduais e federais. Por esse motivo,
esta pesquisa prope o reconhecimento e identificao da Festa de Reis como
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Patrimnio Imaterial do municpio de So Sebastio do Paraso, e, ainda, o
Registro como ferramenta de proteo, uma vez que o interesse partiu do
integrante da comunidade detentora e ser apresentado ao Conselho Municipal
do Patrimnio Histrico, Artstico e Cultural do municpio.
Em 2002, o Brasil conheceu seus primeiros bens registrados pelo
IPHAN, ou seja, o Ofcio das Paneleiras de Goiabeiras e a Arte Kusiwa
(pintura corporal e arte grfica dos ndios Wajpi), o que contribu
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