dionísio republicano as festas dos grupos escolares sergipanos e os outros olhares (1911-1930)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA
DIONSIO REPUBLICANO: AS FESTAS DOS GRUPOS ESCOLARES
SERGIPANOS E OS OUTROS OLHARES (1911-1930)
Degenal de Jesus da Silva
So Cristvo
Sergipe-Brasil
2015
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DEGENAL DE JESUS DA SILVA
DIONSIO REPUBLICANO: AS FESTAS DOS GRUPOS ESCOLARES
SERGIPANOS E OS OUTROS OLHARES (1911-1930)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Histria da Universidade Federal de Sergipe, como
requisito obrigatrio para obteno de ttulo de Mestre em
Histria, na rea de concentrao Cultura e Sociedade.
Orientador: Prof.: Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
SO CRISTVO
SERGIPE-BRASIL
2015
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FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
S586d
Silva, Degenal de Jesus da. Dionsio Republicano : as festas dos grupos escolares
sergipanos e os outros olhares (1911-1930) / Degenal de Jesus da Silva ; orientador Claudefranklin Monteiro Santos. So Cristvo, 2015.
237 f. : Il.
Dissertao (mestrado em Histria) Universidade Federal de Sergipe, 2015.
1. Educao - Histria - Sergipe. 2. Civilizao - Histria. 3.
Escolas. 4. Feriados e festas cvicas - Sergipe. I. Santos, Claudefranklin Monteiro, orient. II. Ttulo.
CDU94(813.7):37
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DEGENAL DE JESUS DA SILVA
DIONSIO REPUBLICANO: AS FESTAS DOS GRUPOS ESCOLARES
SERGIPANOS E OS OUTROS OLHARES (1911-1930)
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em
Histria da Universidade Federal de Sergipe, como
requisito obrigatrio para obteno de ttulo de Mestre em
Histria, na rea de concentrao Cultura e Sociedade.
Orientador: Prof.: Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
Aprovado em 27 de fevereiro de 2015.
________________________________________
Prof. Dr. Claudefranklin Monteiro Santos
(UFS)
________________________________________
Prof. Dr. Antnio Lindvaldo Sousa
(UFS)
________________________________________
Prof. Dr. Simone Silveira Amorim
(UNIT)
-
Para meus pais:
Reinaldo Gomes da Silva (In Memoriam) e
Rita Francisca de Jesus.
Sem vocs nada disso seria possvel.
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AGRADECIMENTOS
Esse trabalho tornou-se possvel graas as contribuies de muitas pessoas. As quais
ajudaram por meio de sorrisos, palavras de incentivos, atravs de carinhos e de ombros
colocados a minha disposio quando mais precisava, amigos aos quais tive a felicidade de
conhecer. Muitos desses, passaram pela minha vida de forma rpida, outros foram um vendaval,
fizeram mudanas que a muito tempo esperava acontecer; e h aqueles que se assemelhavam a
leve brisa das tardes interioranas da minha Lagarto/Se de outrora, mas foram muito
significativos, deixaram imperceptveis marcas em meu ser.
Agradeo aos amigos que fiz nessa jornada acadmica. Entre eles cito: Ndia Arajo,
Ivo Rocha e Emanuel Aguiar (tio), meus amigos das noites de sextas-feiras em Lagarto, saudade
daqueles chopps na baiuca. Tambm a Moiss Nascimento e Emanuella Ramos, Kelly Soares,
Adriano (S Antenas), Edson Santana, Rodrigo Freire, Sonia Freire (a pimentinha), Wagner,
Isaque (participamos de cada viagem louca com pouqussimo dinheiro, muito boas lembranas
delas), Daniel (sempre prestativo), Juliana e especialmente a Maria Edeilde que esteve nos
momentos mais difceis que passei, e agora reescrevemos uma belssima histria em nossas
vidas - te amo baixinha.
Aos colegas do mestrado em histria da Universidade Federal de Sergipe, agradeo
pelas boas discusses proferidas nas disciplinas ofertadas pelo PROHIS. Natlia (secretria do
mestrado em histria), Aline Rocha, Carla Dalm, Priscilla, Aquilino, Eduardo, Joselene, Jos
Wesley entre outros. Cada qual com suas posies tericas acadmicas, sobre temas diversos,
em suas intervenes, ajudaram a elaborar essa dissertao que por vrias vezes teve o objeto
de pesquisa repensado.
No poderia de deixar de agradecer aos membros do Grupo de Pesquisa em Histria da
Educao: intelectuais, instituies e prticas escolares - (UFS), a Socorro Lima, Lo
Mittaraquis, Patrcia Francisca entre outros. Com eles aprendi muito sobre como fazer uso da
teoria e da metodologia em histria. Tambm esboo um agradecimento especial a
coordenadora do grupo, Anamaria Bueno (UFS). Com a maior pacincia, indicou-me as leituras
a serem feitas e por diversas vezes corrigiu os meus insistentes erros no projeto do mestrado.
Agradeo aos funcionrios das seguintes Instituies: Arquivo Pblico de Sergipe,
Biblioteca Pblica Epifnio Drea, Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe e a Diretoria de
Inspeo do Estado. Por quase dois anos, esses foram os locais aos quais passei a maior parte
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do meu tempo. Neles, houve pessoas que me auxiliaram a encontrar as fontes, tornando possvel
construir meu objeto de pesquisa.
Aos meus professores amigos, Magno Francisco e Ane Luse que me acompanharam
desde longa data, incentivando a prosseguir nos estudos quando eu mesmo nem sonhava em
fazer um mestrado - tenho especial apreo por eles. Nesta lista encontra-se o professor Alailson
Modesto, socilogo apaixonado pelo estudo da poltica sergipana. Graas a ele, alm dos
estmulos, foi-me apresentado os textos de autores que resistia em l-los como Max Weber,
Emile Durkheim, Zyngmunt Bauman e a lista prossegue.
Agradeo aos professores do mestrado da UFS, aos quais tive o prazer de ouvi-los nas
disciplinas ministradas. Ao professor Dr. Augusto pela observao que fez de rever o ttulo do
meu projeto; ao professor Dr. Fernando S por aconselhar trabalhar um corte temporal maior
para tentar perceber as mudanas nas festas, j que na primeira verso eram apenas quatro anos.
Ao professor Dr. Antnio Lindvaldo, pela sugesto de acrescentar O Processo Civilizador de
Norbert Elias em meu trabalho - no me arrependi de seguir sua orientao, enriqueceu bastante
a pesquisa.
Agradeo aos meus orientadores: o Dr. Jorge Carvalho pela disciplina sobre histria
cultural com incurses a Pierre Bourdieu. Parte das divises da dissertao deve muito as suas
orientaes. Infelizmente, o senhor teve que se ausentar do programa de ps-graduao em
histria. Contudo, me deixou sob responsabilidade de um conterrneo de competncias j
conhecidas por mim: Claudefranklin Monteiro. Em sua disciplina me vi lendo mais textos - a
uma referncia bibliogrfica que j era enorme. Foi o que precisava para realmente ter a certeza
que a partir daquele momento, a minha pesquisa, tinha encontrado o rumo certo. Fora isso, as
conversas que tive com ele sobre festas cvicas, religiosas e do processo romanizador da Igreja
Catlica em Sergipe, levaram-me a ver o processo civilizador como tentativa a ser imposta aos
alunos dos grupos escolas no Estado.
Por ltimo, deixei aquele que na ora da necessidade me socorre e est presente em meu
cotidiano: o grande Yav ou Jav como preferirem. A ele sou grato pela oportunidade que me
ofereceu de poder est concluindo o mestrado - "Tu s meu Deus, minha rocha e meu poder,
Tua graa eu vi, teu amor senti [...]"1. Obrigado por sua ateno, sua misericrdia e amor. Serei
sempre grato a ti.
1 CASTRO, Josu de. "Tu s meu Deus". In.: Alm dos Limites. So Paulo: Gravadora Novo Tempo, 2008.
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Quando se historiador, que fazer seno desafiar o acaso, propor razes,
quer dizer, compreender? Mas compreender no fugir para a ideologia, nem
dar um pseudnimo ao que permanece oculto. encontrar na prpria
informao histrica o que a tornar pensvel.
(Michel de Certeau)
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Ttulo: Dionsio Republicano: As Festas dos Grupos Escolares Sergipanos e os Outros Olhares
(1911-1930)
Resumo:
Os eventos em Sergipe (cvicos, cvico-escolares e escolares) demonstravam trilhar sua prpria
histria. Diferente da sua congnere da regio sudeste (o Estado de so Paulo), as
comemoraes realizadas nas ruas ou nos grupos escolares no foram to espetaculosas ou
apresentavam regularidade em suas celebraes. Tendo como parmetro, o nosso corte
temporal inicia-se em 1911, ano em que aconteceu a primeira festa de um grupo escolar no
Estado. A partir dessa assertiva, debruamo-nos sobre o projeto que ganhava fora desde a
construo de tais edifcios em terras sergipanas: forjar o cidado republicano civilizado atravs
das festas cvico-escolares e escolares. Terminando o intervalo, ao qual estudamos, em 1930,
momento em que elas voltavam a ser realizadas e consolidadas. Daquele momento em diante
vemos os alunos das escolas pblicas de ensino primrio participarem de forma ativa dos
festejos republicanos, cominando, posteriormente, com seu primeiro desfile desde que o novo
regime foi implantado. Foi nesse cenrio que nossa pesquisa se insere. Assim, examinamos as
documentaes que descreviam as solenidades tanto de ruas que tinham a participao de
discentes, e as organizadas nos espaos das escolas graduadas presentes no Arquivo Pblico do
Estado de Sergipe (APES), na Biblioteca Pblica Epifneo Drea (BPED), no Instituto
Histrico e geogrfico de Sergipe (IHGSE) dentre outros. Para dar conta de tal
empreendimento, utilizamos o mtodo comparativo, aproximando das festividades organizadas
em outros Estados brasileiros e principalmente, So Paulo, tentando perceber as semelhanas e
diferenas na forma de conduo e do modo em que ocorriam. Compreendemos que este
trabalho minucioso exigia o mtodo indicirio de Carlo Ginzburg. Nele, o historiador
convocado para ler e tornar os detalhes inteligveis: juntando as pistas e procurando nos indcios
alguma evidencia que nos levassem para outros documentos. E por meio das categorias de
anlise de prticas e representaes de Roger Chartier (A Histria Cultural: entre prtica e
Representaes) e do processo civilizador de Norbert Elias (O Processo Civilizador vol. I),
poderemos entender quais as prticas eram consideradas civilizadas, as formas de imposies
aos discentes e as representaes construdas nas comemoraes/celebraes. Para tornar a
linguagem delas compreensveis, usamos o conceito de revoluo simblica de Pierre Bourdieu
(A Economia das Trocas Simblicas).
Palavras-chave: Civilizao. Festas. Feriados. Grupos Escolares. Primeira Repblica.
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Title: Republican Dionysus: Parties in School Groups in Sergipe and Other Looks (1911-1930)
Abstract
The mindset of a transforming school of social reality is much older than you suppose. The
temporal cut begins with the opening of the first school group in Sergipe the Model Group or Attached School. Finally, it finishes in 1930, when the openings of the great temples of
civilization were abandoned, and in its place, more modest buildings were built. In the interim
between demands to reaffirm the Brazilian Republic, there was a need to forge civilized man:
republican, military, citizen. The parties, as an effective instrument of legitimation, should
consolidate the Republic and forge the nation. In this study, school parties were examined with
intention to understand how the new regime installed (The Republic), tried to legitimize itself
amid instability in that period. It is a recent moment of our history, which has left the Monarchy
recently and without historical referent to support it, republican propagators fetch in school
parties, or rather, they embody in them a language and a reinterpretation of the past that may
mark their positions and the new regime, and visualize the construction of the nation in
European bases. The authors that supported us in this research were: Rocher Chartier, and his
concept of representations (Cultural History: between practices and Representations); Norbert
Elias and his Civilizing Process (The Civilizing Process Vol. I) and finally, Pierre Bourdieu,
with his concept of Symbolic Revolution (The Economy of Symbolic Exchanges).
Keywords: Civilization. Parties. Holidays. School Groups. First Republic.
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NDICE DE ILUSTRAES
1.Viver a`s Claras ..................................................................................................................... 77
2. Penitenciria do Estado de Sergipe ...................................................................................... 86
3. Prdio do Patronato So Maurcio ....................................................................................... 87
4. Obras de Calamento da Cidade ........................................................................................... 88
5. Praa Pinheiro Machado ....................................................................................................... 89
6. Praa Pinheiro Machado de Outro ngulo ........................................................................... 89
7. Instituto Coelho e Campos ................................................................................................... 90
8. Instituto Parreira Horta ......................................................................................................... 91
9. Instituto de Chimica de Sergipe ........................................................................................... 91
10. Praa Olympio Campos ...................................................................................................... 93
11. Palacete do Senhor J. Couto Farias .................................................................................... 97
12. Palacete do Coronel Manoel Dantas (Rua de Itabaiana) .................................................... 97
13. Residncia do Dr. Lauro Andrade (Rua Pacatuba) ............................................................ 98
14. Palacete do Dr. Manoel Cruz (Rua Itabaiana) .................................................................... 98
15. Residncias dos Srs. Pedro Amado e Issac Undermann (Rua Itabaiana) ........................... 99
16. Palacete do Coronel Ceciliano Teixeira de Andrade (Rua Pacatuba) ................................ 99
17. Escola 14 de Janeiro (Propri/SE) .................................................................................... 150
18. Desobedincia dos Feriados ............................................................................................. 189
19. Grupo Escolar Sylvio Romero da Cidade de Lagarto/SE (1925) ..................................... 200
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LISTA DE TABELAS
1. Festas Nacionais (Decreto de 1890) ..................................................................................... 45
2. Nmero de Escolas ............................................................................................................... 64
3. Nmero de Matrculas .......................................................................................................... 65
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LISTA DE SIGLAS E DE ABREVIAES
APES Arquivo Pblico do Estado de Sergipe
BPED Biblioteca Pblica Epifnio Dria
DHI-UFS Departamento de Histria da Universidade Federal de Sergipe
IHGSE Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe
PROHIS Programa de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal de Sergipe
UFS Universidade Federal de Sergipe
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SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 15
1. SERGIPE NO FOI UMA ILHA: ESTRATGIAS E JUSTIFICATIVAS
UTILIZADAS NAS FESTAS CIVILIZATRIAS A PARTIR DE 1911 SEUS USOS E
SENTIDOS .............................................................................................................................. 40
1.1 Festas Republicanas antes de 1911: Sergipe nos Primrdios da Primeira Repblica ... 40
1.2 Construo de Prticas e Representaes nas Festas - Seus Usos, Divises e
Compreenses ...................................................................................................................... 53
1.3 O Reforo do Sentido: O Cotidiano Escolar Legitimado pelas Festas ......................... 62
1.4 Celebrar, Comemorar e Legitimar: As Festas nos Grupos Escolares e a Contribuio dos
Indivduos Ilustres ................................................................................................................ 72
2. AS FESTAS NA "REPBLICA DAS ABELHAS": EM BUSCA DA CIVILIZAO E
DO PROGRESSO NA PERIFERIA DO BRASIL .............................................................. 82
2.1 O Processo Civilizatrio a Partir da Cidade de Aracaju ................................................ 82
2.2 Festa na Cidade: Representao de Civilizao no Centro de Aracaju ........................ 91
2.3 Festa de Arrecadao na "Cidade dos Mortos": Formas de Custeio do Ensino Elementar
Pblico nas Primeiras Dcadas da Repblica em Sergipe - Fundo e Caixa Escolar e os
Smbolos da Ptria ............................................................................................................ 101
2.4 A Escola Invade as Ruas: Passeatas Cvicas dos Grupos Escolares Sergipanos - Civismo
e Patriotismo no Espao Urbano ........................................................................................ 112
3. O CONHECIMENTO PRVIO DOS ELEMENTOS FESTIVOS ............................ 120
3.1 A Clientela dos Grupos Escolares Sergipanos: Os "Elementos Instveis" nos Trilhos da
Civilizao ........................................................................................................................ 120
3.2 Regulamentos da Instruo Pblica: A Formao das Almas para as Festas Cvico-
escolares ............................................................................................................................. 130
3.3 A Contribuio da Imprensa Sergipana e a Tentativa de Imposio de um Sentido:
Jornais como Manuais de Civilizao e Outros Olhares ................................................... 142
3.4 Espaos em Festa: a Imposio de um Discurso Arquitetnico Civilizador nos Grupos
Escolares Sergipanos ......................................................................................................... 147
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4. DIONSIO REPUBLICANO: AS FESTAS DOS GRUPOS ESCOLARES
SERGIPANOS E OS OUTROS OLHARES ...................................................................... 156
4.1 Festas Cvicas dos Grupos Escolares Sergipanos nas Ruas ......................................... 156
4.2 Festas Cvicas nos Grupos Escolares Sergipanos ....................................................... 167
4.3 Legitimar o Ensino, Celebrar a Escola, Encenar o Progresso: As Festas Escolares
Sergipanas no Div ........................................................................................................... 180
4.4 Resistncias aos Feriados Cvicos em Sergipe: Os Decretos Escolares e os Outros
Olhares Sobre as Festas ..................................................................................................... 186
4.5 Entre Festas Cvicas e Festas Religiosas: o Estado e a Igreja no mbito Educacional
Sergipano - Resistncias e Negociaes nos Feriados ....................................................... 196
4.6 "Echos das Festas": Um Projeto Alternativo de Forjar o Cidado e a Resistncia ao
Processo Civilizador .......................................................................................................... 206
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................................... 212
FONTES ................................................................................................................................ 218
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................................... 227
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15
INTRODUO
Mas a Histria pessoa entrada em anos, gorda, pachorrenta, meditativa, tarda
em recolher documentos, mais tarda ainda em os ler e decifrar1.
Os estudos sobre festas na histria tm crescido ultimamente. H congressos, simpsios,
colquios, dentre outros, que versam seus olhares na busca de conceitos, metodologias e novas
fontes, na inteno de apreender o momento festivo. Tais eventos acadmicos visam
proporcionar uma melhor percepo da forma como est se trabalhando a festa enquanto objeto
de pesquisa histrica.
Essa profuso de estudos, contrape-se aos anos anteriores s dcadas de 1980, em que
alguns pesquisadores se recusavam a se debruassem sobre determinados objetos de estudos. A
festa era um desses: rea de folcloristas, poderiam dizer uns; devemos nos preocupar com
questes pertinentes (poltica, economia, social etc.), poderiam balbuciavam outros. O olhar
lanado sobre ela contribuiu para que houvesse resistncia em sua insero na histria. Vista
como aglomerao de indivduos em situaes ldicas, despretensiosas, neutras2 etc.; por tanto,
sem importncia prtica na compreenso de certos fatos3.
Uma das resistncias aconteceu na dcada de 1970, em que Pierre Vilar criticou seu
colega, Michel Vovelle, por estudar "a festa revolucionria"4 e no a prpria Revoluo
Francesa. Na viso daquele autor, a categoria festa no comportaria e nem explicaria a demanda
poltica, econmica e social. Via de regra, entendia-se que os festejos eram simplesmente
entretenimento e, portanto, pertencente ao ldico.
Por mais que se olhe com menosprezo s palavras de Pierre Vilar, duas coisas precisam
ser entendidas. Antes de tudo, estamos diante de um historiador do sculo XX, que fez suas
observaes ao partir de um campo ao qual era filiado - o marxismo. Segundo, mister olhar
para o contexto tempo-espao e suas implicaes inseridas naquele momento. Os pases
1 ASSIS, Machado de. " 28 de Agosto de 1892". In: CARA, Salete de Almeida (Org.). Machado de Assis.
Direo: Edla Van Steen; seleo de Salete Almeida Cara. 2 ed. So Paulo: Global, 2006, p. 204. (Coleo
Melhores Crnicas). 2 Esta viso no foi compartilhada por todos os historiadores, nem mesmo, antes do sculo XX. Tome-se como
exemplo, a obra: BURCKHARDT, Jacob. "As Festividades". In.:________. A Cultura do Renascimento na
Itlia: um ensaio. Traduo: Srgio Tellaroni. So Paulo: Companhia das Letras, 2009. p.360-364. Jacob
Burckhardt v a festa como uma maneira de proporcionar unidade s prticas dos indivduos. 3 VAINFAS, Ronaldo. "Histria das Mentalidades e Histria Cultural". In.: CARDOSO, Ciro Flamarion;
VAINFAS, Ronaldo. Domnios da Histria: ensaios de Teoria e Metodologia. 23 reimpresso. Rio de Janeiro:
Elsevier, 1997. p.127. 4 VOVELLE, Michel. "O Retrocesso pela Histria na redescoberta da Festa". In.:_________. Ideologias e
Mentalidades. Traduo: Maria Julia Cottvasser. So Paulo: Brasiliense, 2004.pp. 240-254.
-
16
perpassavam por um conflito de propores mundiais. Ele estava dividido entre: pases
capitalistas, liderado pelos Estados Unidos da Amrica, e, pases de orientao comunistas,
encabeados pela Rssia, os quais disputavam a hegemonia econmica e poltica internacional.
Assim, h de se compreender s afirmaes de Villar pelo paradigma ao qual era filiado
e pelo contexto histrico de produo de seu discurso. Sua pesquisa esteve articulada em um
determinado espao e tempo que interagia e influenciava os pensamentos, as afirmaes,
hesitaes, abordagens, teorias e temas que esto presentes em seus posicionamentos como
historiador5.
Passado aquele momento de crtica propalada por seu colega, Vovelle pronuncia o
crescente interesse dos historiadores sobre o estudo da festa. No ano de 1980, apresenta uma
comunicao discutindo os rumos e alternativas seguidas pelos pesquisadores. O texto,
apresentado num colquio, foi incorporado em seu livro Ideologias e Mentalidades, seria um
manifesto da importncia desse objeto para a histria6.
A defesa e reflexes de Vovelle nos eventos acadmicos e publicaes em revistas de
histria, no seriam os nicos pontos a serem destacados como contribuies a historiografia.
H de se evidenciar, tambm, a importncia das anlises de Mona Ozouf na dcada de 19707,
Daniel Fabre, Y. M Berc, Emanuel Le Roy Ladurie8 e tantos outros que se debruaram sobre
esse "novo" objeto de estudo. O engajamento desses acadmicos ajudou a legitimar e atrair
historiadores, sejam antigos na profisso ou recm apresentados, a vislumbrarem possibilidades
de compreenso histrica atravs da festa.
Tais defesas encorajaram a produo de um nmero cada vez maior de pesquisas
voltados para o momento festivo; e, consequentemente, sua atuao por historiadores de
diversos pases, principalmente, no Brasil, se faz sentir em temas como a poltica, a escravido,
as revoltas sociais, os carnavais entre outros. Essa insero em uma vasta rea da historiografia
brasileira, mostra-se profcua, bem como, necessidade de se avanar para outras questes em
que sua presena e reflexo se fizessem urgentes.
Este o caso das festas tendo como participantes alunos das escolas brasileiras de ensino
primrio na Primeira Repblica. So poucos os estudos voltados para essa temtica. Foi
5 CERTEAU, Michel de. "A Operao Historiogrfica". In.:________. A Escrita da Histria. Traduo: Maria
de Lourdes Menezes; reviso tcnica de Arno Vogel. 2ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2010. pp.66-67. 6 VOVELLE, Michel. Op. Cit. 2004. pp. 240-254. 7 OZOUF, Mona. "A Festa Sob a Revoluo Francesa". LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. Histria: novos
objetos. Traduo: Terezinha Marinho; reviso tcnica: Gadiel Perruci. Rio de Janeiro, F. Alves, 1976.pp.216-
232. 8 SANTOS, Claudefranklin Monteiro. "Introduo". In.: _________. A Festa de So Benedito em Lagarto-SE
(1771-1928): limites e contradies da romanizao. Recife-PE. Tese (Doutorado em Histria). Universidade
Federal de Pernambuco. p.23.
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possvel identificar alguns trabalhos em So Paulo, Rio de janeiro, Paran, Paraba, Pernambuco
e, um ou outro Estado do pas. Tambm, percebe-se que no h uma continuidade de uma
produo para outra. Ou seja, pouqussimos mestrandos e doutorandos em histria nas
universidades voltaram seus olhares sobre elas.
Ao tomarmos como objeto de estudo, temos que levar em considerao a escassez de
uma produo substancial (na questo numrica) no Estado de Sergipe voltado para as festas
cvico-escolares e escolares. Isso no invalida realizao de uma pesquisa, pois, ao final, o
que o historiador deve se ater a qualidade do que se produziu; e, como estes textos podem
ajudar a avanar no conhecimento acadmico.
Por tanto, refletido sobre as pesquisas j realizadas e as fontes que fornecem
informaes referentes a Sergipe, construmos um objeto que ao mesmo tempo dialogasse com
o que j foi escrito, fornecendo fundamentao terica e que nos possibilitssemos avanar no
conhecimento sobre as solenidades no Estado. Desta feita, Dionsio Republicano: as festas dos
grupos escolares sergipanos e os outros olhares (1911-1930), prope-se a tomar como objeto
de pesquisa um conjunto de medidas impostas pelos indivduos que estavam de posse da
mquina administrativa para forjar o cidado republicano civilizado e formar a nao atravs
das festas cvico-escolares e escolares.
Por conseguinte, concentramos nosso olhar para os eventos realizados nos grupos
escolares sergipanos. Eram neles, ou atravs deles, que o objeto deste trabalho - forjar o cidado
republicano civilizado e formar a nao por meio das festividades - desempenhou melhor seu
papel. As condies de aprendizagem como utenslios didticos at a estrutura fsica facilitaram
a inculcao9 dos conhecimentos que deveriam ser transmitidos10.
A inteno, inicialmente, era estudar s festas de uma determinada Instituio de ensino
primrio sergipana. O espao em que olharamos os momentos festivos seria o Grupos Escolar
Sylvio Romero, inaugurado em 1925, tendo existido bem antes desta data como Escola N 2.
Desta forma pela documentao encontrada, o nosso corte temporal poderia ser recuado at
1922.
Ao fim, o projeto foi abandonado no transcurso de recolhimento das fontes e leituras da
bibliografia, pois surgiu o questionamento: por que estudar as solenidades em um grupo escolar
9 JULIA, Dominique. A Cultura Escolar como Objeto Histrico. Revista Brasileira de Histria da Educao. N 1, jan/jun. Campinas, So Paulo: Autores Associados, SBHE, 2001.p.9-44. 10 Nas escolas isoladas, o espao em que se ministravam as aulas eram alugados ou a prpria casa do professor,
quando no, as duas possibilidades. A falta de condies adequadas para os estudos, tambm, foi notria. Os alunos
sentavam-se no cho por falta de cadeiras suficientes; tinha-se carncia de espao para comportar os discentes,
relgios, mapas, globos terrestres, material didtico que subsidiasse a teoria e a prtica.
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18
em particular e no os vrios grupos escolares? Depois de um tempo de reflexo, ciente do
tamanho da tarefa a ser operada, decidimos por pesquisar os festejos nas diversas escolas
graduadas de Sergipe. Levando em conta, primeiro, se focalizasse em apenas um - o Grupo
Escolar Sylvio Romero -, a documentao no daria subsdio para realizar um empreendimento
tal que pudesse contribuir com a pesquisa no Estado. Desta feita, s uma viso mais ampla
proporcionaria uma melhor visualizao de sua organizao e utilizao.
Por termos optado por pesquisar vrias Instituies de ensino, pudemos fixar o recorte
temporal de 1911 a 1930. A pesquisa comea em 1911 por ser a primeira festa a ser realizada
em um grupo escolar em Sergipe. Em sua inaugurao a importncia atribuda a este prdio foi
ofuscada pela solenidade da Escola Normal. Pouco destaque foi dado ao Grupo Modelo ou
Escola Anexa nos jornais sergipanos11.
Neste grupo escolar, os futuros professores da Escola Normal praticavam o que havia
de mais moderno na pedagogia da poca12. Era um momento de colocarem em ao tudo o que
tinham aprendido no curso de formao de docentes daquela escola. Claro que nem todos iriam
ministrar suas aulas nesses prdios imponentes, representantes ideais da nova fase iluminista
sergipana. Muitos no encontravam condies mnimas de um bom ensino. s escolas isoladas
eram alvos de crticas severas pela falta de estrutura material e higinica adequada13.
As inauguraes dos prximos edifcios foram recepcionadas com mais imponncia,
evidenciando a importncia para a localidade que se construiu ou reformou o prdio para fins
educacionais. Assim foram considerados, por muito tempo, smbolos da civilizao que se
estabeleceu em terras sergipanas14. As novas construes, representantes da civilizao, eram a
nova ferramenta de fabricao de futuros republicanos15.
Nos primeiros sete anos, as inauguraes dos prdios escolares ficaram confinados a
Aracaju. Decerto, revelavam a falta de planejamento e mapeamento dos locais em que deveriam
ser instalados. Com isso, houve transtornos para a administrao pblica que percebeu,
tardiamente, a proximidade dos edifcios, fazendo desta forma, diluir o nmero de matrculas
nas Instituies de civilizao.
11 CORREIO DE ARACAJU. Anno V, n588, Aracaju/SE. 18 de agosto de 1911. p. 2. 12 SANTOS, Magno Francisco de Jesus. Ecos da Modernidade: a arquitetura dos grupos escolares sergipanos
(1911-1926). So Cristovo: Editora UFS, 2013. p.27. 13 Cf.: FREITAS, Anamaria Gonalves Bueno de. Vestidas de Azul e Branco: um estudo sobre as representaes
de ex-normalistas (1920-1950). So Cristvo/SE: Grupo de Estudos e Pesquisas em Histria da
Educao/NPGED/UFS, 2003. 14 Cf.: SALES, Lus Carlos. O Valor Simblico do Prdio Escolar. Teresina: EDUFPI, 2000. 15 Cf.: SOUZA, Rosa Ftima de. Templos de Civilizao: a implantao da escola primria graduada no Estado
de So Paulo (1889-1910). So Paulo: Ed. da UNESP, 1998.
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Na outra ponta da histria, os interiores sergipanos conviviam com os antigos modelos:
as escolas isoladas, estabelecidos pelo regime monrquico. Elas foram alvos dos
pronunciamentos presidenciais nas sesses da Assemblia Legislativa e nos jornais do Estado.
Depois de sete anos transcorridos e quatro grupos escolares construdos na capital, esses
representantes da civilizao, aportaram na primeira cidade do interior de Sergipe: Capela.
Agraciada com o Grupo Escolar Coelho e Campos, em 1918.
Os anos posteriores a 1922 foram fecundos para a proliferao de grupos escolares em
Sergipe. Cerne das preocupaes dos governantes republicanos, a instruo do povo passou a
abocanhar uma fatia maior do oramento do Estado; e o interior no ficou de fora, [...] os
municpios beneficiados foram: Itabaiana, Laranjeiras, Estncia, Capela, Nepolis, Lagarto,
Santo Amaro das Brotas e So Cristvo16.
Decerto, o crescente investimento no trouxe apenas representao de um Estado
interessado nos benefcios da educao, mas tambm evidenciou a ciso que existia no
legislativo. Pois, os altos recursos exigidos na edificao destes prdios foram alvos de
pronunciamentos na Assembleia Legislativa de Sergipe por polticos. Alguns, viram estes
custos elevados desnecessrios. Eles reivindicavam a construo de grupos mais modestos com
menos gastos - em 1926 tratava-se da inaugurao do ltimo grupo escolar suntuoso em terras
sergipanas.
Naquele momento, algumas ruas e casas de Aracaju (Sergipe) passavam por certas
reformulaes fsicas, incluindo projetos de saneamento, calamento, construo de praas,
aterros entre outros. Pequenos casebres por seu aspecto rudimentar ou por estarem fora do
alinhamento exigido pelas normas urbanas vieram abaixo - nem todas, foram destrudas. Numa
tentativa de civilizar e modernizar17, a capital sergipana, assim como o Brasil18, almejou
alcanar o progresso, reorientando e controlando os lugares e o modo como deveriam ser
construdas as novas habitaes e instituies governamentais19. Alm de servirem de cenrio
de educao para insero de prticas civilizadas ao serem realizadas as festas cvico-escolares
em suas ruas.
16 BARRETO, Luiz A. Graccho Cardoso: vida e poltica. Aracaju: Instituto Tancredo Neves, 2003. p. 22. 17 MARTINS, Paulo Csar Garcez. "Habitao e vizinhana: limites da privacidade no surgimento das metrpoles
brasileiras". In.: NOVAIS, Fernando A; SEVCENKO, Nicolau (orgs.). Histria da Vida Privada no Brasil. So
Paulo: Companhia das Letras, 1998. pp. 133-134. - (Histria da Vida Privada no Brasil; 3). 18 CHALHOUB, Sidney. Cortios. In:_______. Cidade Febril: cortios e epidemias na Corte imperial. So Paulo, Cia da Letras, 1996. pp. 15-59. 19 SOUSA, Antnio Lindvaldo. "A Cidade de Aracaju e os Homens Pobres (Dcadas de 1910 a 1930)". In.: Revista
de Aracaju/Prefeitura Municipal de Aracaju, Aracaju-Se. v.11, n.11, p. 290, 2005.
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O que nos leva para a data limite de nosso objeto: 1930. Depois de muitos anos com as
festas praticamente estagnadas (1923-1930), em 1929, elas comearam a sinalizar seu retorno.
Os festejos cvico-escolares eram organizados com certa frequncia e tornavam-se manchetes
nos jornais sergipanos. Segundo o Presidente de Sergipe, Manoel Corra Dantas, em 1930 as
comemoraes de ruas j estavam arraigadas no Estado20- afirmao contestada nessa pesquisa.
So duas datas que remontam a situaes adversas. Na primeira, festa de inaugurao
do Grupo Escolar Modelo (1911) - ou Escola Anexa, como era chamada - que no teve destaque
nos jornais, tornando-se, por isso, coadjuvante frente Escola Normal - mesmo que mais tarde
fosse reconhecida e tomada de referncia pelos outros grupos escolares. A ltima, refere-se
(1930) a retomada das comemoraes a serem organizadas depois de anos de certa estagnao
dos festejos cvicos de rua.
A esta altura de nosso trabalho, alguns questionamentos provocaram-nos inquietaes:
por que estudar as festas escolares no vis de forjar o cidado republicano civilizado e formar
a nao? Em parte isto poderia ser explicado pela aproximao com determinado tema que
qualquer graduando de histria tende a ter. Se, posteriormente, sua predileo muda, isso de
certo est ligado a vida pessoal do indivduo e sua relao com a trajetria acadmica.
No passado, final do XIX, no campo da Histria, permitia-se aceitar o discurso de
distanciamento do objeto - era o momento. Observador e observado deveriam ser estranhos.
Nenhuma afeio ou posio poltica poderia emanar do portador da cincia histrica, apenas
os fatos mereceriam a fora das mos do pesquisador impondo presso nas teclas da mquina
datilogrfica afim de serem preservados no papel21.
Atualmente, tem-se conscincia que o mito do distanciamento serviu apenas para a
histria trilhar o estatuto de cincia. A relao de preferncia do observador para o seu objeto
explicito, pois "[...] verdade que nenhuma produo de conhecimento nas cincias humanas
jamais pode ignorar ou negar o envolvimento de seu autor como sujeito humano nas suas
prprias circunstancias [...]"22. A escolha do tema e, a delimitao temporal-espacial obedecem
subjetividade do pesquisador, por mais critrios cientficos que sejam usados na hora de
ordenar e classificar, objetividade e subjetividade esto presentes em tais momentos.
20 ESTADO DE SERGIPE. Mensagem Apresentada Assemblia Legislativa do Estado de Sergipe, em 7 de
setembro de 1930, ao Installar-se a 2 Sesso Ordinria da 17 Legislatura, pelo Sr. Manoel Corra Dantas,
Presidente do Estado. Aracaju: Typ. do "Estado de Sergipe", 1930. p. 15. 21 Entre os prprios metodicos - ou erroneamente, positivista - a prtica de tal modo de fazer-se histria no era
seguido. 22 SAID, Edward W. "Introduo". In.:________. Orientalismo: o oriente como inveno do ocidente. Traduo:
Rosaura Eichenberg. So Paulo: Companhia das Letras, 2007. p.39.
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Desta feita, j havia predileo pela temtica festa. As leituras cultuadas durante o
percurso at chegar o mestrado mostram o interesse por se aprofundar nessa vertente: Roberto
da Matta em suas duas obras clssicas: O Que Faz o brasil, Brasil? e Carnavais, Malandros e
Heris; Mary Del Priori com a obra, Festas e Utopias no Brasil Colonial; e, uma coletnea de
Textos organizados por Maria Clementina Pereira Cunha intitulado Carnavais e Outras
F(r)estas, entre outras leituras que podem ser consultadas na referncia bibliogrfica.
Com um conjunto de leituras j feitas, percebemos que existia uma lacuna substancial
sobre a pesquisa de festas cvico-escolares e escolares em Sergipe - noutros Estados, tambm,
so poucos os trabalhos que elegem essa vertente. O que h so estudos direcionados para outros
objetos que perpassam por elas. O olhar (teoria) e a metodologia (o caminho seguido) esto
atrelados a uma abordagem de comprometimento com temas que gravitam ao redor das
solenidades.
Assim, esta pesquisa uma contribuio ao campo da histria das festas cvico-escolares
e escolares sergipanas. Visto que existe a necessidade de mais estudos sobre esse tema
especfico em Sergipe. O que se tm so artigos e alguns captulos de livros direcionados para
elas, por hora, cito alguns autores, pois uma descrio mais detalhada encontra-se adiante, nas
referncias bibliogrficas: Miguel Berg, Magno Francisco Santos de Jesus Santos, Crislaine
Barbosa, Jorge Carvalho do Nascimento entre outros.
Essas leituras, mesmo centradas na Primeira Repblica, explicitam que as autoridades
polticas no imprio brasileiro almejavam tornar este pas uma civilizao nos trpicos. E tal
desejo perpassava pela utilizao das solenidades. Outra leitura feita das obras, foi que cada
momento tem seu contexto e uma srie de medidas que possibilitassem alcanar aquela
idealizao. Embora, tanto uma forma de governo (a Monarquia) como a outra (a Repblica),
perceberam a educao como instrumento de fomentao de indivduos civilizados. O que
variou entre ambos, foram as formas usadas e o alcance das estratgias colocadas em ao23.
De forma que os republicanos adotaram um modelo de civilizao europeia que pudesse
englobar a maioria, se no todos os indivduos brasileiros, inserindo-os novas prticas e cultos
em que a nao e a localidade de origem dos indivduos pudessem coadunar rumo a uma
23 Cf.: AZEVEDO, Crislane B. de. Grupos Escolares em Sergipe (1911-1930): cultura escolar, civilizao e
escolarizao da infncia. Natal, Rio Grande do Norte: Editora da UFRN, 2009; SANTOS, Magno Francisco de
Jesus. Ecos da Modernidade: a arquitetura dos grupos escolares sergipanos. (1911-1926). So Cristovo: Editora
UFS, 2013.
;VIDAL, Diana Gonalves; FARIA FILHO, Luciano Mendes. Os Tempos e os Espaos Escolares no Processo de Institucionalizao da Escola Primria. As Lentes da Histria: estudos da histria e historiografia da educao no Brasil. Campinas-SP: Autores Associados, SBHE, 2005. p. 41-69.
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sociedade mais civilizada. As festas seriam um dos instrumentos mais eficazes no combate
ausncia de cidados republicanos civilizados em Sergipe.
Ora, quando se tem grupos que vieram de origens distintas e que passaram por situaes
as mais diversas, e o que mais grave, sem se reconhecerem, a unidade regional ou/e nacional
pode ficar prejudicada. Com isso, ter-se-iam culturas de procedncias indgenas,
afrodescendentes etc., que destoavam com o ideal de indivduo calcado em prticas civilizadas.
Desta forma, a unidade, seja enquanto nao - ideia de pertencimento - ou de prticas
sociais, perderia seu sentido. A representao de um pas multirracial em que parcela
considervel da populao no se adequava ao tipo de individuo de caractersticas europeias,
to desejado pelos advogados de um processo civilizador, mostrou-se um empecilho para os
fomentadores do culto a nao e do cidado republicano civilizado.
Para as autoridades sergipanas, no deveria permanecer assim: um povo miscigenado,
habitantes marginais do reino da poltica e da civilizao. Desse modo, compreendiam que os
verdadeiros representantes de um ideal de progresso e de modelo a seguir, estariam no indivduo
civilizado de referncia europeia. Nesses cidados republicanos civilizados, esperava-se
encontrar os bons costumes, disciplina, vontade de servir ao pas, gosto pelo trabalho rduo e
grau elevado de instruo.
Com isso, a rejeio de prticas que foram depreciadas por sua aproximao com modos
no condizentes com a civilizao, diz muito desse processo. Tomando como ponto de partida
s assertivas de Norbert Elias no livro, A Sociedade de Corte, atravs do processo civilizatrio
foi possvel desenvolver uma srie de reflexes sobre a insero de prticas sociais no convvio
entre os indivduos que nos auxiliaram a entender esta faceta da nossa pesquisa.
Primeiro, na obra, o autor apresenta como referencial s sociedades de corte da
Alemanha e Frana - principalmente -, grupos servidores do rei que mantinham seus status por
terem, dentre outras coisas, costumes refinados nos sculos XVII e XVIII. Segundo, era o grupo
de privilegiados da corte que definiam s prerrogativas de estigmatizao dos atos sociais com
os selos de civilizados ou brbaros. E por ltimo, trata-se de uma leitura de cima para baixo.
Nesse sentido, prticas civilizadas e no civilizadas so formas de enxergar dentro da posio
e cultura do observador, o grupo ao qual pertence, legitimando os indivduos ao qual
associado, e de exclurem os que no se encaixam nos padres estabelecidos do processo
civilizatrio24.
24 Cf.: ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte: investigao sobre a sociologia da realizao e da aristocracia de
corte. Traduo: Pedro Sussekind; prefcio: Roger Chartier. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
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Ora, essa era uma das vertentes das festas, pois as aes dos indivduos que participavam
delas, ajudavam-na a alimentar uma representao, ao mesmo tempo que promoviam seu
discurso de modelo civilizatrio a ser seguido. Este carter didtico torna-se de mais fcil
percepo quando ocorriam as encenaes, hierarquizada e ajustada a realidade daquele
momento por personagens e smbolos da Primeira Repblica25.
Sob os auspcios dos republicanos, as festas cvico-escolares e escolares elevaram-se ao
patamar de forjar o cidado republicano civilizado e formar a nao26. Porquanto, as
festividades nacionais deveriam representar o Brasil. No uma regio do sul, sudestes, norte,
nordeste, etc., mas de forma homognea deveriam ser dos brasileiros27. Em contrapartida,
tinham-se as comemoraes estaduais: homenagens a personalidade ilustres da regio que
contriburam de alguma forma para a Repblica, e mereceriam ser lembrados ou homenageados
em determinadas datas.
Assim, o ciclo das comemoraes que aconteciam durante o ano, tornou compreensvel
para ns, o desnudamento das representaes e das prticas dos indivduos envolvidos na
realizao dos festejos e a forma como elas haveriam de ser conduzidas28. Toda uma mirade
de ideais29 foram utilizados e transportados para que parcela da sociedade os cultuasse pelos
grupos escolares. Doravante, a escola virou um relicrio de vrios smbolos a serem impostos
em tais eventos.
A escola primria republicana instaurou ritos, espetculos, celebraes [...] to
francamente como expresso de um regime poltico. De fato, ela passou a
celebrar a liturgia poltica da repblica [...]. Festas, exposies escolares
desfiles dos batalhes infantis, exames e comemoraes cvicas constituram
momentos especiais na vida da escola pelos quais ela ganhava ainda maior
visibilidade social e reforava sentidos culturais compartilhados30.
Para percebermos a existncia das mltiplas festas e suas representaes durante o ano,
foi pensado a melhor forma de organizao do texto. A inteno era fugirmos do modelo de
trabalhos de concluses de cursos (monografias, dissertaes e teses), tendo-se como padro:
reviso da bibliografia no primeiro captulo; no segundo, contexto do objeto; e, por fim, seu
25 BITTENCOURT, Circe. "As 'Tradies Nacionais" e o Ritual das Festas Cvicas. In.: PYNSK, Jaime (autor e
organizador). O Ensino de Histria e a Criao do Fato. Rev. e atual. - So Paulo: Contexto, 2009. p. 60. 26 Ibidem. p. 56. 27 Ibidem. p. 77. 28 SANTOS, Claudefranklin Monteiro. Op. Cit. p. 24. 29 As festas cvicas como o 7 de Setembro, o Dia da Bandeira, etc. E as que valorizavam a natureza brasileira,
enfatizando, a relao homem-natureza, exemplo, o Dia da rvore. No s estas festas compunham-se de tais
ideais, outras tambm, tinham uma representao a impor. 30 SOUZA, Rosa Ftima de. Op. Cit. 1998. p.241.
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desenvolvimento e consideraes finais. No uma crtica, tm suas utilidades. Uma dessas
situar o leitor na discusso que a pesquisa se prope a desenvolver. Neste caso, escolhemos
trilhar outro caminho.
Assim, em vez de resenhar os textos sobre festas no primeiro captulo, preferimos
caracterizar o perodo em estudo, por vezes, retomando o dilogo local-nacional. Abordando,
por meio do mtodo comparativo que vai permear toda a nossa pesquisa, o que h em comum
com as outras unidades da federao. Desta feita, podemos evidenciar de forma mais
contundente, a diferena nas comemoraes cvico-escolares e escolares sergipanas com os
outros entes federativos.
Dessa forma, a orientao terica da dissertao levou em conta a categoria de anlise
de Roger Chartier: representaes. Dela, levamos em considerao os grupos e s prticas
envolvidos nas festas que a Repblica mandava guardar31. E como isso influenciava na
capacidade da escola de forjar o cidado republicano civilizado e formar a nao tanto
idealizado pelas autoridades de posse da administrao32.
Nesse contexto, h lutas para imporem a viso de mundo de determinado grupo na
sociedade. Um conjunto de prticas (polticas, sociais, escolares etc.) que ele procura consagrar
atravs de conceitos que se tornam palavras de ordem no trabalho de inculcao: civismo,
patriotismo, republicanismo entre outros. Sendo assim, aquilo que almejavam legitimar como
realidade estava norteada de prticas civilizadas. Neste dialogo, prticas e representaes
contribuam na construo de mundo idealizado.
Sendo que a composio social da realidade era fundada em estratgias33 que tendiam
a impor uma autoridade dos discursos custa de outros. E na qual deveriam construir a viso
de mundo de determinada sociedade. Objetivando legitimar um projeto reformador, procurou-
se justificar34 para os indivduos ao qual se destinavam, as suas escolhas e condutas. Foram
dessa forma que as representaes35 construdas do mundo social, aspiravam a uma
universalidade baseadas na razo.
Por certo, estudarmos as representaes por ela mesmas no foi o foco desse trabalho.
Por mais que esse conceito de Chartier esteja em voga, optamos na pesquisa, por temos um
posicionamento crtico, refletindo sobre as armadilhas e limitaes das categorias aqui usadas.
31 OLIVEIRA, L. L. "As Festas que a Repblica Manda Guardar". In.: Estudos Histricos (Rio de Janeiro), v.2,
n.4, p.172-189, 1989. 32 CHARTIER, Roger. "Introduo". In.:________. A Histria Cultural: entre prticas e representaes.
Traduo: Maria Manuela Galhardo. Lisboa: Difel, 1990. p.17. - (Memria e Sociedade). 33 Idem. 34 Idem. 35 Idem.
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Nesse sentido, ao lermos s crticas de Pierre Villar, entendemos que enriqueceu muito o debate
- e o trabalho. Pois, alm de demonstrar o valor das representaes, apontou para uma coisa que
se tornou corriqueira na historiografia (sobretudo, para quem trabalha com Chartier): esquecer
a importncia do acontecimento que produziu aquela imagem36. Assim, nos disse Villar: "
evidente que h a representao, mas no se pode esquecer o fato"37. Se houve uma tentativa
de impor uma idealizao de sociedade rumo civilizao foi porque houveram meios para que
tais objetivos fossem alcanados - alm do contexto histrico daquele momento.
Ora, nos primeiros anos da Repblica encontrava-se no militar o modelo de cidado to
desejado no processo civilizador do Brasil. Eram indivduos pertencente a uma instituio do
Estado que mais se aproximou de uma viso Europeia de sujeito civilizado. Mesmo que o
soldado cidado durante o corte temporal dessa pesquisa (1911-1930) no fosse o mais ideal,
sua influncia se fez sentir pelas formas de organizao no 7 de Setembro, nos exerccios fsicos
nos ptios e pela disciplina imposta na hora de sada dos grupos escolares, entre outros.
Na contramo, alguns autores refletiram sobre situao da sociedade em nosso pas. O
que eles descreveram em seus textos desconstroem a imagem idlica de uma civilizao
brasileira. No transcurso da Primeira Repblica, polticos, intelectuais, homens de cincias e
literatos tentaram captar a identidade dos sujeitos. Em diversos momentos foram descritos
indivduos distantes dos modos civilizados. Tomemos como exemplos alguns textos daquele
perodo.
No primeiro, Aristides Lobo denomina os brasileiros de "bestializados" frente a frieza e
a falta de adeso poltica diante do cortejo de Proclamao da Repblica. Em seguida, temos
uma cronista escrita no incio desse perodo: Machado de Assis, num tom irreverente, por
diversas vezes, fez aluso em seus textos da apatia dos brasileiros para as coisas pblicas -
confirmando o pensamento de Aristides Lobo.
E por fim, uma literatura escrita na dcada de 1920, que descrevia o jeito incivilizado
de uma personagem que personificava as qualidades dos brasileiros: Macunama. Mrio de
Andrade, narrou a histria desse indivduo que nasceu na floresta. E que desde cedo demonstrou
traos de incivilidade: comportamentos e hbitos selvagens. Era um sujeito sem ptria, errante,
almejava somente se dar bem. Sem predisposio para o trabalho, usava da esperteza para
conquistar seus objetivos.
36 Conquanto, Pierre Vilar marque posies em sua entrevista concedida a professora, Marcia Mansor DAlessio
(1998), quando discute representaes e fatos, preciso entender que contextos e fatos histricos esto
intimamente ligados. Ao traar o percurso via contexto histrico, pode-se enxergar com mais clareza aos fatos. 37 VILLAR, Pierre. "Entrevista com Pierre Villar". In.: DALESSIO, Marcia Mansor (Org.). Reflexes Sobre o
Saber Histrico. So Paulo: Fundao Editora da UNESP, 1998.p.30 - (Prima).
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Contudo, o conceito de civilizao na histria est continuamente se reinventando.
Pensar que o processo civilizador foi o mesmo em toda a Primeira Repblica, seria como
anestesiar suas mudanas. Mesmo tendo um perodo to curto a ser trabalhado, foi de suma
importncia recuperar a fala dos indivduos desse perodo.
Assim, em 1913, o Inspetor Geral do Ensino, Joo Esteves da Silveira, num relatrio
enviado ao Diretor da Instruo Pblica, escreveu o que entendeu por civilizao38. Seria uma
marcha constante rumo ao novo, ao moderno, cabendo ao Estado fomentar pela via da educao
o desenvolvimento dos indivduos para que se possa ter um pas civilizado. Ela seria o meio,
por excelncia, para tentar impor os padres civilizatrios.
O Presidente de Sergipe, Jos Joaquim Pereira Lobo (1919), em discurso proferido na
Assembleia Legislativa, descrevia sobre a situao desoladora que se encontrava a
Administrao pblica. Lamentando as informaes que chegavam a seu conhecimento.
Segundo ele, o direito do cidado estava sendo desrespeitado, pois presos estavam sendo
mantidos nas selas sem terem o devido julgamento legal.39 E concluiu, alertando a urgncia de
sair de to deprimente crculo, incompatvel com um Estado civilizado.
De seu discurso Presidencial, ficaram claros alguns pontos. Em pases civilizados, as
Instituies pblicas como a justia, o legislativo e o executivo, dentre outros que fizessem
parte do governo, deveriam funcionar com celeridade. Mesmo aqueles indivduos tendo
praticados atos considerados incivilizados na sociedade, no justificaria o desencadeamento da
violncia mais do que a lei determinava. Era sujeito, acima de tudo que se esperava preservar
ou melhor, regenerar.
Seu discurso no se distanciava de outros proferidos pelos Presidentes do Estado. As
esperanas da Ptria, dos brasileiros, segundo essas autoridades, estariam na educao. Sua
idia passava por uma forma bem organizada de ensino. Assim, seria preciso ter o maior nmero
de lugares de fomentao da instruo: a formao de professores na Escola Normal sediada na
capital; a escola complementar; o Atheneu Sergipense; os grupos escolares e as escolas isoladas,
entre outras.
38 Relatrio do Inspetor Geral do Ensino Joo Esteves da Silveira Dirigido ao Excelentssimo Diretor da Instruo
Publica. Aracaju, 23 de Julho de 1913. p.2. 39 ESTADO DE SERGIPE. Mensagem do Presidente do Estado de Sergipe Jos Joaquim Pereira Lobo
Dirigida Assemblia Legislativa de Sergipe em 07 de Setembro de 1919, ao Installar a 3 Sesso Ordinria
da 13 Legislatura. Aracaju: Imprensa Official, 1910. p.10.
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Mas s a educao - assim entendemos de seu pronunciamento - no daria conta de
encaminhar Sergipe rumo a civilizao40. Desta forma, ele descreveu outras instncias que
poderiam ajudar a transformar a sociedade sergipana - civilizando os indivduos. Pois, afirmava
que a organizao do trabalho pela reduo da jornada, possibilitava tambm ao operariado
aplicar o tempo de repouse que lhe fosse concedido na cultura e elevao de seu esprito.
Tambm nessa lista acrescentou os capitais provenientes do governo e particulares que
difundiam o progresso no Estado41.
A viso de civilizao que o Presidente Jos Joaquim Pereira Lobo (1921) compreendia
era mais do que s formas de organizao, insero, instruo de indivduos e progresso
material. Para ele, num Estado civilizado, acima de tudo, seria est ciente (as autoridades) dos
interesses morais e materiais do povo que credita aos governantes o aperfeioamento dos
costumes sergipanos42.
Por certo, as escolhas por parte dos indivduos no se dariam pela violncia fsica. Eles
foram constrangidos: primeiro, por si mesmos a adotarem determinadas prticas, costumes,
hbitos civilizados; segundo, mesmo que no sofressem fisicamente, eram inclinados a
aceitarem pela coero exercida pela sociedade. Doravante, o indivduo passaria a si
autodisciplinar e conter os gestos irracionais e irrefletidos.
Com isso, a fundamentao terica est calcada em dois autores basilares para esta
pesquisa, promovendo-se uma articulao entre as duas categorias at aqui explanadas.
Entendemos que as festas difundiam uma representao de civilizao no Estado de Sergipe.
Ou seja, num mesmo tempo em que impunham uma viso de mundo, criavam a possibilidade
de promover uma reorientao de prticas sociais. Tornando-se inteligvel, atravs do estudo
das estratgias e justificativas que auxiliavam na construo das representaes republicanas.
Tendo como pea fundamental as festas cvicos-escolas e escolares sergipanas.
Outro autor, e no menos importante que nos auxiliou foi Pierre Bourdieu. O seu
trabalho sobre, A Produo da Crena, nos ajudou a compreender o processo de legitimao
das prticas e representaes trabalhadas por Chartier. Atravs dos modus operandi dos grupos
em busca de reafirmarem suas vises de mundo, buscamos entender e descrever os mecanismos
utilizados nas festas de legitimao. Apropriamo-nos, tambm, da categoria de capital
40 ESTADO DE SERGIPE. Mensagem do Presidente do Estado de Sergipe Coronel Dr. Jos Joaquim Pereira
Lobo Dirigida Assemblia Legislativa de Sergipe em 07 de Setembro de 1920, ao Installar a 1 Sesso
Ordinria da 14 Legislatura. Aracaju: Imprensa Official, 1920. p. 41. 41 Idem. 42 ESTADO DE SERGIPE. Mensagem do Presidente do Estado de Sergipe Coronel Dr. Jos Joaquim Pereira
Lobo Dirigida Assemblia Legislativa de Sergipe em 07 de Setembro de 1921, ao Installar a 2 Sesso
Ordinria da 14 Legislatura. Aracaju: Imprensa Official, 1921. p. 6.
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simblico, na inteno de tornarmos inteligvel para o leitor, a organizao dos festejos nas ruas
e nos grupos escolares. Em que eram colocados disposio de um determinado objeto
(material ou simblico) seu prestgio e disposio na construo de certa realidade.
Tais comemoraes, eram instrumentos tidos como eficientes no manuseio da
legitimao de prticas e representaes. Os grupos escolares deixavam a disposio dos
festejos republicano tudo que o novo regime tinham-lhes outorgado: prestgio (transformao
social via educao); ostentao dos grupos escolares (alm dos smbolos da nova ordem
espalhados pelos prdios); instrumento de legitimao atravs dos eventos republicanos entre
outros.
Portanto, as festas no eram neutras. Atravs do movimento recorrente no transcorrer
de sua existncia, ideais foram inventados43 ou re-significados. Este foi um dos pr-requisitos
para a perpetuao na histria, e um dos seus efeitos sobre os indivduos. Mikhail Bakhtin,
analisou as obras de Franois Rabelais e chegou concluso que "a sua sano deve emanar
no do mundo dos meios e condies indispensveis, mas daquele dos fins superiores da
existncia humana, isto , do mundo dos ideais. Sem isso, no pode existir nenhum clima de
festa"44. Ou seja, h uma representao nesses momentos festivos que seus promotores tentam
imprimir, no importando quais e com qu intenes. Elas sem os ideais no sobreviveriam e
nem aconteceriam.
Esses momentos eram propcios para implementao do projeto republicano. As
tradies ou ressignificaes tm um propsito como apontado por Hobsbawm. No caso da
tradio, tais prticas visavam inculcar certos valores e normas de comportamentos atravs da
repetio, deixando implcito uma continuidade com o passado. Sendo que nas festividades
tentou-se criar uma ponte passado/presente a fim de legitimar aes e o novo regime45. J as
resignificaes seriam reaes a situaes novas, mantendo em parte algo de antigo e em parte
recente, introduzida por seus contemporneos.
Muito dessa linguagem teve como parmetro o passado. Afinal, o novo regime no Brasil
precisava se consolidar. Ela vivia um momento complicado, pois o povo esteve ausente das
decises que culminaram com a queda da Monarquia; e os que estavam no comando precisavam
43 HOBSBAWM, Eric J. "Introduo: a inveno das tradies". In.: HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, Terence
(Orgs.). A Inveno das Tradies. Traduo: Celina Cardim Cavalcante. 2 ed. So Paulo: Paz e Terra, 2012.
p.8. 44 BAKHTIN, Mikhail. "Introduo: apresentao do problema". In.:_______. A Cultura Popular na Idade
Mdia e no Renascimento: o contexto de Franois Rabelais. 8 ed. Traduo: Yara Frateschi Vieira. So Paulo:
Hucitec, 2013. p.8. 45 HOBSBAWM, Eric J.; RANGER, Terence (Orgs.). Op. Cit. 2012. p.8.
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legitimar a Repblica que se formava. Situao turbulenta. Assim, instaurou ritos, celebraes,
comemoraes que mais tarde os grupos escolares festejariam em Sergipe.
[...] justamente nestas pocas de crise revolucionria que evocam com temor
os espritos do passado, tomando-lhes de emprstimo seus nomes, suas
palavras de ordem, seus costumes, para que possam surgir sobre o novo palco
da histria sob um disfarce respeitvel e com esta linguagem emprestada46.
Essa linguagem, mais especificamente, vai ser tratada nas festas que a Repblica
mandava guardar47, ao proporem lembrana de fatos, de feitos heroicos passados a ser
recuperados. Contribuindo para legitimar e dar coeso social nao48. Haja visto, figura de
Tiradentes para os republicanos: smbolo da afronta dos Braganas. Insatisfeito com a situao
dos impostos e outras providencias emanadas pela coroa portuguesa, junto com outros
consortes, incitou uma revolta conhecida como Inconfidncia Mineira.
[...] tempo que as festas celebram o tempo regenervel, aquele que a
comoo revolucionria tem a virtude de reatualizar num movimento novo: a
alegria esfuziante das festas [...] diz da capacidade do tempo em fazer morrer
o velho mundo e engendrar o novo49.
Atravs delas, houve uma tentativa de criar um sentimento de pertencimento50 - via
educao - aos que participavam. Jean Duvignaud, diz que seria o instrumento mais potente na
construo da fraternidade, tornando possvel produzir uma imagem de coeso e unidade capaz
de regenerar a sociedade51.
So salutares s observaes da historiadora, Mona Ozouf, sobre a miopia de enxergar
as festividades como algo monoltico, fechado num nico estado de coisas52. Para a autora, h
vrios tipos de festas: de comemorao, de celebrao, fnebres etc. Elas poderiam ser
montadas e desfeitas ao sabor dos organizadores.
46 BOURDIEU, Pierre. "Gnese e Estrutura do Campo Religioso". In.:________. A Economia das Trocas
Simblicas. Introduo, organizao e seleo: Sergio Miceli. So Paulo: Perspectiva, 2009. p.77. - (Coleo
estudos; 20/ dirigida por j. Guinsburg). 47 Entende-se por guardar: o que no deveria ser esquecido pelos brasileiros.47 48 BURCKHARDT, Jacob. Op. Cit. 2009. p. 360. 49 OZOUF, Mona. Op. Cit. 1976.p. 218. 50 Cf.: HOBSBAWM, Eric J. Naes e Nacionalismo Desde 1780: programa, mito e realidade. Traduo: Maria
Celia Paoli e Anna Maria Quirino. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. 51 DUVIGNAUD, Jean."A Ideologia na Festa, A Festa na Ideologia". In.:_______. Festas e Civilizaes.
Traduo e Nota Introdutria: L. F. Raposo Fontenelle. Fortaleza: Edies Universidade Federal do Cear, Rio de
Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. p.157. 52 OZOUF, Mona. Op. Cit. 1976. p. 218.
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Os pesquisadores, geralmente, a enquadra em duas classificaes: festa da ordem e de
inverso. Roberto da Matta um desses. Sua convico est na crena da originalidade da
identidade social nas festividades comandada pelo "povo". um clssico da produo
acadmica, que ainda hoje, encontra muitos adeptos que trilham o roteiro traado por ele -
mesmo sendo um texto da dcada de 197053.
Carnavais, Malandros e Heris, um estudo fundador daquilo que poderamos chamar
de valorizao da cultura popular. Mas a pesquisa avana, antigos cnones sofrem crticas,
vises paradigmticas so deixadas a margem. Podemos dizer que foi o que aconteceu com a
abordagem sobre as festas na obra dele. Porquanto, estudos recentes debruam-se na pluralidade
da festa(s)54.
Elas para alguns pesquisadores55 assumem um funcionalismo, que para seus crticos
seria mecanicista. Entendem que seria um momento de desregramento, de vlvula de escape;
tempo e lugar propcio para os excessos e extravasamentos que o cotidiano censura. A exemplo
de Jean Duvignaud, Festas e Civilizaes, afirmavam que ela causava ruptura, subverso. Sua
presena denota a destruio da sociedade e o estabelecimento de regra nenhuma, o que
podemos ver como o contrrio do dia-dia.
Segundo esse autor, o principal obstculo para a compreenso da festa, em todos os seus
aspectos e escalas, havia sido distorcido por uma percepo social inteiramente dominada pelas
noes de funcionalidade, de utilidade e, evidentemente, pelo esprito de rentabilidade que
caracterizaria o ocidente industrializado56.
Para Jean Duvignaud, trabalhar com a noo de polos em que de um lado temos as
regras, trabalho, censura e o cansao; e de outro, o ldico, o prazeroso e a alegria. Entende, o
autor que seria errneo evidenciar os opostos, pois privilegia a estabilidade e a preservao: as
inquietaes e rupturas deixam de serem vistas. Entretanto para ele nem toda a festa tem essa
capacidade subversiva: h as que perderam ou nunca tiveram este potencial destrutivo.
Sua dicotomia toma duas classificaes: as festas como representaes e festas de
destruio. Nas primeiras, todos sabem seus papis onde podem posicionar em seu espao. Um
teatro encenado ao ar livre, em que so comumente repetidas e sem consequncias sociais
53Cf.: DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heris: para uma sociologia do dilema brasileiro. 6ed.
Rio de Janeiro: Rocco, 1997. 54 Cf.: CUNHA, Maria Clementina Pereira (Org.). Carnavais e outras F(r)estas: ensaios da histria social da
cultura. Campinas, So Paulo: Editora da UNICAMP, CECULT, 2002. 55 Cf.: DUVIGNAUD, Jean. Festas e Civilizaes. Traduo e Nota Introdutria: L. F. Raposo Fontenelle.
Fortaleza: Edies Universidade Federal do Cear, Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. 56 DUVIGNAUD, Jean. Op. Cit. 1983. p. 22.
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posteriores. No ltimo - na qual baseia suas afirmaes -, participam todos com sua capacidade
destrutiva e criativa - gera consequncias.
Ren Girard, em seu livro, A Violncia e o Sagrado, escreveu que a festa unifica e acaba
com a alteridade. Isso traria a violncia tona, pois o que a mantm controlada, a diferena
que ela suprime quando aparece para os indivduos em sociedade. Mesmo as solenidades ditas
oficiais ou da ordem e as populares esto presentes nas discusses sobre tal objeto em seu
trabalho.
La Freitas Perez chegou seguinte concluso: a festa no morreu e no se mantem
como um fssil, estagnadas em um nico significado. Para a autora exploso de vida plena de
atualidade. Ela est viva e se ressignificando porque mais do que ela mesma; a prpria vida,
com suas fugacidades e efemeridades57. E portanto, escapam a qualquer lei: triste ou alegre,
privada ou pblica. Seria um acontecimento imprevisvel.
Corroborando as assertivas de Mona Ozouf, Guilherme Amaral Luz entendeu que as
elas no eram apenas efemeridades, questo de esttica, cheias de pomposidades. Seriam mais
do que espetculos. Proporcionavam legitimar a sociedade que se fazia representar nos espaos
festivos. Contudo, mesmo no perodo colonial as festividades no mantinham os mesmos
sentidos e funes58.
Os historiadores da educao liderados por Rosa de Ftima e Souza, vem aquele
momento das festas escolares atravs das lentes de Norbert Elias. Seria um momento de
civilizar os indivduos. Um currculo invisvel presente nos programas escolares da Primeira
Repblica. O novo regime devia ser visto em seu esplendor, dar-se a ver na expresso de
Carvalho59. Prova, inquestionvel, de que a civilizao chegou aos recantos mais longnquos
do antigo imprio.
Marcos Levy Albino Bencostta, pesquisando as festas, teve outra compreenso delas.
Ao contrrio de Souza, no entender daquele autor, tais solenidades tinham seu prprio ritmo,
durao e espao para serem realizadas. Seria como um fenmeno cultural demarcado por um
tempo coletivo bem prprio60.
57 PEREZ, La Freitas. "Festa para Alm da Festa". In.: _________; AMARAL, Leila; MESQUITA, Wania
(Orgs.). Festa como Perspectiva e em Perspectiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. pp. 21-42. 58 AMARAL LUZ, Guilherme. "Festa Barroca?". In.: PEREZ, La Freitas; AMARAL, Leila; MESQUITA, Wania
(Orgs.). Festa como Perspectiva e em Perspectiva. Rio de Janeiro: Garamond, 2012. pp. 337-351. 59 CARVALHO, Marta Maria Chagas de. "A Escola Modelar". In.:_______. A Escola e a Repblica. So Paulo:
Brasiliense, 1989.p. 25. 60 BENCOSTTA, Marcos L. Albino. Desfiles Patriticos: memria e cultura cvica dos grupos escolares de Curituba (1903-1971). In: VIDAL, Diana Gonalves (Org.). Grupos Escolares: Cultura escolar primria e escolarizao da infncia no Brasil (1893-1971). Campinas, So Paulo: Mercado das Letras, 2006. p. 300.
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Entre os trabalhos produzidos que discutem as festas cvico-escolares e escolares nos
grupos escolares sergipanos, destacamos: Miguel Andr Berger, o qual as ver como uma
vitrine61, dar-se a ver - na expresso de Marta Maria Chagas de Carvalho - um momento da
Repblica mostrar sua grandiosidade, se expor a sociedade, alm de cumprir seu papel de
divulgadora dos eventos histricos republicanos e das grandes datas sergipanas; Crislane B. de
Azevedo, entende que as comemoraes em Sergipe tinham a funo de civilizar os gestos,
comportamentos, a conduta, noutras palavras formar o cidado, ela lembra que nesses
momentos de celebrao do civismo havia o enaltecimento do presidente do Estado, o que
servia para engrandecer a Repblica62; e por fim, uma coletnea de textos sobre grupos
escolares da qual Jorge Carvalho do Nascimento fez parte com um ttulo sugestivo, A escola no
Espelho: So Paulo e a Implantao dos Grupos Escolares em Sergipe. Ele afirmou que a
construo do sentimento patritico deveria ser cultivada pela construo de heris e do culto
bandeira. As festas cvicas eram fundamentais nesse processo de formao, visto que o
calendrio festivo se estendia ao longo do ano. Ento seria um instrumento de legitimao das
datas que estavam sendo comemoradas, atravs da escola63.
Sendo assim, nessa pesquisa compreendemos que as festas so como um "fato social
total", nelas esto em jogo vontades sociais, prticas e representaes em processo de
legitimao e reconstruo. Investimentos polticos e a produo de novos sentidos: nos
smbolos, signos, arte etc. Decerto, mais do que expressar, constituem momentos cruciais de
imposio, de enfrentamento, de conflito colocado em cena pelos diversos grupos que a
utilizam64.
At aqui foram expostas s vertentes que os pesquisadores tomaram para entenderem as
festas que a Repblica mandava guardar. No interesse de nosso estudo e por entendemos que o
uso de qualquer conceito limitado, mas tambm direciona o pesquisador em um vis que d
solidez pesquisa produzida, a presente pesquisa abarca, apenas, uma parte dos fatos. Portanto,
no pretendemos - e nem podemos - gerar uma histria total.
61 BERGER, Miguel Andr. Os grupos escolares e as festas para difuso da instruo e civilidade. In: Revista do Mestrado em Educao. Vol.11. So Cristvo: NPGED-UFS, 2005. p. 51-68. 62 Cf.: AZEVEDO, Crislane B. de. Grupos Escolares em Sergipe (1911-1930): cultura escolar, civilizao e
escolarizao da infncia. Natal, Rio Grande do Norte: Editora da UFRN, 2009. 63 NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. A Escola no Espelho: So Paulo e a implantao dos grupos escolares no estado de Sergipe. In: VIDAL, Diana Gonalves (Org.). Grupos Escolares: Cultura escolar primria e escolarizao da infncia no Brasil (1893-1971). Campinas, So Paulo: Mercado das Letras, 2006.p.153-171. 64 ALMEIDA, Jaime de. "Festa e Histria na Amrica Espanhola e no Caribe". In.: VAINFAS, Ronaldo (Org.).
Amrica em Tempo de Conquista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. pp. 146-147. - (Coleo Jubileu). Sua
categorizao estava um pouco desatualizada, mas mostrou-se profcuo para a nossa pesquisa ao fazermos as
devidas alteraes. E assim o fizemos, com base nos novos estudos sobre as festas, omitimos alguns elementos e
acrescentamos outros.
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A primeira dvida na hora de refletirmos sobre a metodologia foi, que caminhos a
pesquisa deve seguir para alcanar dois objetivos: relacionar de forma slida a teoria que se
utilizou com os mtodos que foram pensados65. Isso porque no campo da histria, por muito
tempo, declinamos do dever de pensarmos numa dimenso central: a teoria. Historiadores
eximiam-se da responsabilidade de teorizarem sobre s prticas de seus ofcios. No precisamos
dizer que, por vezes, o resultado eram um emaranhado de histrias, narraes desordenadas e
informaes problemticas.
No sculo XIX, a histria, na emergncia de distanciar-se da operao histrica anterior,
embebida pelas filosofias, assumiu uma postura rgida na busca de cientificidade. Os
historiadores metdicos (como foram chamados pela rigidez na observao dos mtodos
empregados) marginalizaram a filosofia e, consequentemente, a teoria tornou-se secundria (na
melhor das hipteses) na reflexo sujeito-objeto66.
S recentemente, superamos esta resistncia. Durante a hegemonia dos Annales havia a
preocupao de evitar uma filosofia da histria67. Rejeitavam-se as propostas dos metdicos:
estudo das origens, a histria dos grandes homens (geralmente, polticos), a forma de entender,
selecionar e criticar o documento entre outros. Mesmo com tanto avano na busca de novos
objetos e abordagens, muito pouco se avanou nesse dialogo.
Por fim, na metodologia foi constri um programa de busca compatvel com o objeto
pretendido. A histria por demais complexa, cheia de tentculos. Adentrar o vasto reino da
Histria sem planejamento, seria lanar-se ao mar sem grandes chances de sucesso. Perder-se-
ia tempo, recursos na etapa emprica, e esforo no condizente com a teoria.
Assim, entendemos por Histria uma pesquisa conduzida, o mais prximo possvel (com
as adaptaes necessrias s cincias humanas), da cincia. Disciplina por demais complexa,
escreveu Fernando Braudel, no h uma histria, mas vrias histrias e pontos de vistas68- a
depender da teoria que se utiliza. Conscientes das multiplicidades de fontes, lugares e
classificaes, seria justo investimos tempo na deciso: que caminho seguir.
Por conseguinte, esta pesquisa pautar-se- pelos parmetros da Histria Cultural. Na
apreenso desta classificao buscamos perceber os objetos estudado dos que se nomeiam nesse
65 BOURDIEU, Pierre. "Introduo a uma Sociologia Reflexiva". In.:__________. O Poder Simblico. Traduo:
Fernando Tomaz. 13ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. pp.23-24. (Portugus de Portugal). 66 DOSSE, Franois. "O Historiador: um mestre de verdade". In.:__________. A Histria. Traduo: Maria
Helena Ortiz Assumpo. Bauru, So Paulo: EDUSC, 2013. pp.37-42. 67 Cf.: REIS, Jos Carlos. A Histria Entre a Filosofia e a Cincia. 3ed. 1reimp. Belo Horizonte: Autntica,
2006. 68 BRAUDEL, Fernando. Histria e Sociologia". In.:_________. Escritos Sobre a Histria. Traduo: J. Guinsburg e Tereza Cristina Silveira Mota. So Paulo: Perspectiva, 2011. pp.91-92. - (Debates; 131/ dirigido por
J. Guinsburg).
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campo. Isso porque a ao emprica de tais sujeitos que do e daro corpo a qualquer
paradigma, programa, escola, ou, outro tipo de nomenclatura que se possa utilizar. Desta forma,
a cultura construdo e muda de sociedade a sociedade e de tempos em tempos. Sua criao
ajuda na elaborao de uma linguagem de comunicao e orientao (simblica) de fomentao
de uma "realidade"69.
Por meio dos annales na pessoa de Jacques Le Goff, foi possvel ampliarmos a noo
de documento. Para ele, [...] tudo que o homem diz ou escreve, tudo o que fabrica, tudo que
pode e deve informar-nos sobre eles"70. A compreenso que temos dele definem quais vo ser
perguntados, provocados; assim, a categoria documento define uma parte importante do
campo de atuao do historiador e a amplitude de sua busca71.
Escreveu h muito tempo um estudioso da Histria: onde estiver o homem, a h
histria.72 Mas no transcurso de vida de um indivduo ou instituio, eles acabam deixando para
trs indcios de sua passagem existencial. O que fizeram, em alguns casos o que pesavam, como
se relacionavam com as pessoas etc., uma mirade de informaes guardadas num determinado
suporte.
Em nossa pesquisa utilizamos o mtodo indicirio. Nele o historiador comparado a
um detetive que vasculha os menores indcios na inteno de elucidar os fatos. Vai em busca
de traos, marcas, pegadas como um caador e de vestgios como um investigador. Ir alm
daquilo que dito, ir alm do que mostrado. Presta ateno nas evidencias e no entende o
real como transparente73.
Em consonncia com o que fora exposto anteriormente, as fontes sero analisadas e
conectadas a outros fatos que tenham ou tragam alguma significao para a pesquisa. "Deus
est no particular", essa a premissa que orientar no manejo das fontes visuais e escritas:
69 Cf.: BURKE, Peter. A Cultura Popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. Traduo: Denise Bottmann.
So Paulo: Companhia das Letras, 2010; BURKE, Peter. O Que Histria Cultural? Traduo: Sergio Goes de
Paula. 2ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008; PESAVENTO, Sandra Jatahy. Histria e Histria
Cultural. 2ed. 2reimp. Belo Horizonte: Autntica, 2008. 70 LE GOFF, Jacques. "Documento/Monumento". In.:_______. Histria e Memria. 5 ed. Campinas-SP: Ed. da
UNICAMP, 1992. p. 548. 71 KARNAL, Leandro; TATSCH, Flavia Galli. Documento e Histria: a memria evanescente. In: PINSKY; Carla Bassanezi; LUCA, Tania Regina de (orgs.). O Historiador e suas Fontes. 1 Ed. 1 reimpresso. So Paulo:
Contexto, 2011. p. 9-27. 72 BLOCH, Marc. "A Histria e os Homens". In.:________. Apologia da Histria, ou, o Ofcio de Historiador.
Prefcio: Jacques Le Goff; apresentao a edio brasileira: Lilia Moritz Schwarcz; traduo: Andr Telles. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. p.52. 73 GINZBURG, Carlo. "Sinais: razes de um paradigma indicirio". In.:________. Mitos, Emblemas, Sinais -
morfologia e histria. Traduo: Federico Carotti. So Paulo: Companhia das Letras, 1989.pp. 143-180.
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literrias ou no74. Procuramos diversificar as fontes aqui utilizadas, pois entendemos que ao
fazermos isso, iria enriquecer o nosso trabalho e, concomitantemente, nos possibilita formar o
quebra cabea.
Assim, os lugares vasculhados que nos forneceram subsdios bibliogrficos levantados
com base na proposta elencada, ou seja, festas em Sergipe, ensino na Primeira Repblica,
grupos escolares, entre outros. Os locais de busca foram: a biblioteca da UFS e o setor de
Documentao Sergipana existente no mesmo prdio, que conta com um acervo considervel
de ttulos iniciais que norteiam: histria da educao, pensamento educacional entre outros
estudos citados por Anamaria Gonalves Bueno de Freitas75 e Jorge Carvalho do Nascimento76.
O Departamento de Histria e o Ncleo de Ps-Graduao em Educao do mestrado em
Educao tambm tem se voltado em muitas das suas monografias e dissertaes a Histria da
Educao. Um lcus privilegiado para encontrar estudos j realizados.
O Instituto Histrico e Geogrfico de Sergipe (IHGSE) tem a disposio do pblico
textos produzidos por pesquisadores sergipanos sobre a histria em suas variadas vertentes. A
Revista do IHGSE e o acervo documental muito contriburam com a pesquisa. Ademais, a
revista contm artigos voltados tanto para a Histria como Histria da Educao. Foram
acessveis, tambm, as mensagens dos presidentes e governadores de Sergipe, leis e instrues
sobre educao no Estado e, alm do mais, possui revistas de circulao nacional do perodo
em estudo.
O Arquivo Pblico de Sergipe que conta com um acervo voltado para educao
contendo quatro catlogos sobre o ensino em Sergipe desde o sculo XIX ao XX. Nele foi
pesquisado: Relatrios de Diretores, Relatrios de Professores, Relatrios de Inspetores,
Relatrios de Diretores Gerais da Instruo Pblica, Delegados de Ensino, Regulamentos de
Ensino, ofcios entre outros. Esses foram os locais de coleta dos dados para construo da
pesquisa. Acervos pblicos ou particulares que se localizam em Sergipe. Alm dos arquivos
particulares (sergipanos ou no) e acervos localizados em outros estados brasileiros, foram
includos.
74 Cf.: GINZBURG, Carlo. O Queijo e os Vermes: o cotidiano e as idias de um moleiro perseguido pela
inquisio.Traduo: Maria Betnia Amoroso; traduo de poemas: Jos Paulo Paes; reviso tcnica: Hilrio
Franco Jr. So Paulo: Companhia das Letras, 2006. 75 FREITAS, Anamaria Gonalves Bueno de. Cultura Material Escolar e a Produo das Dissertaes de Mestrado do Ncleo de Ps-Graduao em Educao. In: BERGER, Miguel Andr. A Pesquisa Educacional e as Questes da Educao na Contemporaneidade. Macei: UDUFAL, 2010. p. 139-153. 76 Cf.: NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Historiografia Educacional Sergipana: uma crtica aos estudos da
histria da educao. So Cristovo: Grupo de Estudos e Pesquisas em Histria da Educao/NPGED, 2003.
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Nas fontes encontradas, utilizamos tambm as imagens. Porque entendemos que era de
fundamental importncia a sua utilizao para o desenvolvimento desse trabalho. Mas como
qualquer texto, no so neutras, esto impregnadas de vises e particularidades do grupo a que
pertencem - essas fontes precisam ser criticadas: o olhar mltiplo e que requer conhecer
caractersticas intrnsecas s imagens, mas tambm admitir que o olhar precisa ser preparado
para ver e analisar as imagens77. Portanto elas no serviro apenas como ilustrao, elas deram
indcios para reconstruirmos as representaes e prticas nas festas. Partindo disso,
compreendemos as imagens como signos que transmitem uma mensagem, que tem explicita ou
implicitamente um discurso a inculcar aos seus destinatrios78.
A obra de arte considerada enquanto bem simblico (e no em sua qualidade
de bem econmico, o que ela tambm ) s existe enquanto tal para aquele
que detm os meios para que dela se aproprie pela decifrao, ou seja, para o
detentor do condigo historicamente construdo e socialmente reconhecido
como a condio da apropriao simblica das obras de arte oferecidas a uma
dada sociedade em um dado momento do tempo79.
Como visto, para que o signo faa o efeito esperado necessrio que a mensagem
chegue at o leitor e que ele tenha elementos para compreend-la. A confuso na hora de
interpretar as imagens no recente. Peter Burke declara que elas tm sidos alvos de
interpretaes errneas [...] por espectadores contemporneos80. Na citao de Burke
interessante esclarecer que o autor usa a palavra texto: no est claro se engloba o conceito de
imagens. Independente disso, esta pesquisa compreende que, assim como um texto, elas
precisam ser criticadas para serem lidas.
Para superar qualquer interferncia na recepo da mensagem - como no caso apontado
por Peter Burke -, foram adotados alguns caminhos a serem percorridos devidos a problemas
tericos que a teoria da recepo impe. Primeiro como saber que o destinatrio interpretou
corretamente a mensagem? O nvel de instruo garante um melhor desempenho? Se, sim e os
analfabetos?
Vamos por partes. Os jornais, legendas e outras formas de inculcao que levem o leitor
a entender que deve representar um objeto desta forma e no de outra, faz parte do universo dos
letrados. Assim, buscar os textos que situam a foto explicando-lhe o sentido foi um dos
77 KNAUSS, Paulo. O Desafio de Fazer Histria com Imagens: arte e cultura visual. ArtCultura, Uberlndia, v. 8, n. 12, p. 8, jan.-jun. 2006. 78 Cf.: SALES, Lus Carlos. O Valor Simblico do Prdio Escolar. Teresina: EDUFPI, 2000. 79 BOURDIEU, Pierre. Op. Cit. 2005. p. 283. 80 BURKE, Peter. "Iconografia e Iconologia". In.:________. Testemunha Ocular: histria e imagem. Bauru, So
Paulo: EDUSC, 2004.p.51.
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caminhos percorrido dessa pesquisa. Lembrando-se da subjetividade de quem aperta o
obturador e est por detrs da mquina; de fazer ver certas cenas e ocultar outras81. Eles no
so determinantes, mas influenciam no tipo de representao que os indivduos tero.
Assim, o significado que os objetos visuais recebem so investidos nas relaes
humanas. Tambm o entendimento de Paulo Knauss:
[...] seguind
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