as 12 valsas brasileiras em forma de … agradecimentos: adelia issa antonio felipe issa cláudio...
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EDELTON GLOEDEN
AS 12 VALSAS BRASILEIRAS EM
FORMA DE ESTUDOS PARA VIOLÃO DE
FRANCISCO MIGNONE:
UM CICLO REVISITADO
Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de Artes Plásticas
da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Artes .
Orientador: Prof. Dr. José Eduardo Gandra da Silva Martins
São Paulo
2002
ii
Banca Examinadora: _____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
_____________________________________
iii
para
Herton Gloeden e
Maria Francisca Paschoa Gloeden
iv
Agradecimentos:
Adelia Issa
Antonio Felipe Issa
Cláudio Hodnick
Flávia Prando
Irmãos Vitale
José Eduardo Martins
Leonardo Camargos
Marco Antônio da Silva Ramos
Mário da Silva
Mário Ficarelli
Maria Josephina Mignone
Maurício Roger Simão
Ricardo Marui
Sérgio Abreu
Vera de Andrade
v
RESUMO
Uma nova edição das 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos (1970) para
violão de Francisco Mignone, como uma alternativa para viabilizar sua
execução. A importância deste ciclo na história do violão brasileiro e
internacional.
vi
ABSTRACT
A new edition of 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos (1970) for guitar
by Francisco Mignone, as an alternative to make its execution possible. The
importance of this cycle in the History of the Brazilian and International guitar
repertoire.
vii
SUMÁRIO
Abreviaturas........................................................................................ix
Introdução...........................................................................................1
1. O repertório brasileiro de concerto de 1944 a 1975........................5
2. A obra violonística de Francisco Mignone....................................37
3. As 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos para Violão
3.1 – Aspectos musicais ...............................................................53
3.2 – Principais fontes...................................................................81
3.3 – Critérios para a edição..........................................................87
3.4 – Partitura................................................................................90
3.5 – Notas .................................................................................144
Conclusão ........................................................................................161
Bibliografia ......................................................................................165
Anexo
1. Cópias
1.1 Cópia escaneada da 1a. página do manuscrito
1.2 Cópia escaneada da 1a. página da Valsa em do menor
1.3 Cópia do manuscrito
1.4 Cópia da 1a. edição
viii
2. Cópias das primeiras páginas
2.1 Minuetto – Fantasia
2.2 Choro
2.3 Modinha
2.4 Repinicando
2.5 Brazilian song
2.6 Concerto
2.7 Valsa de Esquina
2.8 Variações
2.9 O impossível carinho
2.10 7a. Valsa de esquina
2.11 Dialogando
2.12 Choro
2.13 Batuque
3. Programa do recital a ser apresentado durante a defesa, com a audição
integral das 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos para violão de
Francisco Mignone.
4. Ficha técnica
5. CD com a primeira gravação das 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos
para violão de Francisco Mignone.
ix
Abreviaturas
A contralto, alto
acomp. acompanhamento
B baixo
bd bandolim
Bt barítono
bat bateria
CD compact disc
cel celesta
clt clarinete
cor ing corne inglês
crd cordas
crv cravo
ctb contrabaixo
fem. feminino
fl flauta
hp harpa
inst instrumento
LP long playing
M mezzo-soprano
MS manuscrito
ob oboé
o.d. obra didática
órg órgão
orq orquestra
p. página
p/ para
perc percussão
pf piano
pic piccolo
qt crd quarteto de cordas
S soprano
sax saxofone
s.d. sem data
séc. século
tímp tímpanos
trbn trombone
tpt trompete
v voz
vibraf vibrafone
x
vla viola
vlc violoncelo
vln violino
vlo violão
vol. volume
xilo xilofone
Editoras
AB Anna Blume
BE Bèrben
BR Brasiliance
CE Cembra
CH Chanterelle
CO Columbia
EA Edição do autor
EO Editora da OSESP
FE Fermata
GR Guitar Review
MA Mangione
ME Max Echig
MT Metropolis
NM Novas Metas
RA RioArte
RB Ricordi Brasileira
RI Ricordi
TO Tonos
VI Vitale
ZA Jorge Zahar Editor
ZI Zimmermann
vii
SUMÁRIO
Abreviaturas........................................................................................ix
Introdução...........................................................................................1
1. O repertório brasileiro de concerto de 1944 a 1975........................5
2. A obra violonística de Francisco Mignone....................................37
3. As 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos para Violão
3.1 – Aspectos musicais ...............................................................53
3.2 – Principais fontes...................................................................81
3.3 – Critérios para a edição..........................................................87
3.4 – Partitura................................................................................90
3.5 – Notas .................................................................................144
Conclusão ........................................................................................161
Bibliografia ......................................................................................165
Programa do recital a ser apresentado durante a defesa, com a audição integral
das 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos para violão de Francisco
Mignone.
Ficha técnica
viii
CD com a primeira gravação das 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos
para violão de Francisco Mignone.
Anexo
Cópias
1.1 Cópia escaneada da 1a. página do manuscrito
1.2 Cópia escaneada da 1a. página da Valsa em do menor
1.3 Cópia do manuscrito
1.4 Cópia da 1a. edição
Cópias das primeiras páginas
2.1 Minuetto – Fantasia
2.2 Choro
2.3 Modinha
2.4 Repinicando
2.5 Brazilian song
2.6 Concerto
2.7 Valsa de Esquina
2.8 Variações
2.9 O impossível carinho
2.10 7a. Valsa de esquina
2.11 Dialogando
2.12 Choro
2.13 Batuque
1
Introdução
Nossa escolha por uma temática brasileira para o doutoramento deu-se em face
da necessidade de assumir um compromisso como professor e intérprete, frente à situação da
atual música de concerto no Brasil 1, vertente esta das mais marginalizadas da história artística
deste país.
A definição para a escolha final do nosso tema percorreu um longo caminho,
colocando-nos à frente da mais significativa produção violonística de nossos principais
compositores .
Os primeiros contatos com os compositores Cláudio Santoro (1919-1988) e
Mário Ficarelli (1935) 2, no trabalho de leitura, revisão e apresentação de suas obras originais
para violão entre os anos de 1985 e 1987, serviram de motivação e ponto de partida para
investigarmos a produção brasileira.
Nossa abordagem, até aquele momento, estava quase inteiramente voltada ao
repertório internacional. A inclusão de obras do repertório brasileiro era rara, exceto a obra de
Heitor Villa-Lobos (1887-1959), um dos pontos altos da história do instrumento, alvo de
numerosos ensaios, pesquisas, estudos acadêmicos e gravações pelos mais importantes ensaístas,
musicólogos e intérpretes.
De fato, o fenômeno Villa-Lobos exerce enorme fascínio não só entre violonistas.
Sua importância para a arte brasileira é incontestável e sua posição no cenário internacional
continua sendo de crescente afirmação, o que por vezes pode contribuir para colocar a produção de
1 Música de concerto é a denominação escolhida para definir nosso campo de ação, como intérprete e professor.
2 Não descartamos os contatos mantidos anteriormente com outros compositores. Partimos de Santoro e Ficarelli
em razão do interesse despertado no exame do repertório brasileiro naquele momento.
2
nossos importantes compositores em segundo plano e, no caso da produção violonística, num
quase total esquecimento. Naturalmente, neste sentido, não podemos abordar o fenômeno Villa-
Lobos como o “vilão” da situação atual da música brasileira para violão, esta, uma matéria que
deve ser revista com cuidado, pois o violão brasileiro sem o criador dos Choros seria difícil de ser
imaginado. Portanto, não sendo este o tema principal desta tese, trataremos apenas como referência
às colocações históricas e estéticas.
Retomando nossa trajetória, voltamo-nos logo após o ingresso no doutorado,
em 1998, a pesquisar e apresentar uma série das obras de compositores como: Camargo
Guarnieri (1907-1993), Francisco Mignone (1897-1986), César Guerra Peixe (1914-1993),
Radamés Gnatalli (1906-1989), Lina Pires de Campos (1918), Eunica Katunda (1915-1985),
Cláudio Santoro (1919-1989), George Olivier Toni (1926), Gilberto Mendes (1927), Sérgio O.
Vasconcelos Corrêa (1934), Edmundo Villani-Côrtes (1930), Paulo Costa Lima (1954), Paulo
Porto Alegre (1953) e a música brasileira dos séculos XVIII e XIX, as quais procuramos
divulgar ao máximo em nossos recitais, tanto os originais, como transcrições voltadas à
música de câmara nas formações de voz e violão, flauta e violão, duos e quartetos de violões
3.
Durante todo este processo, o tema central desta tese mudou três vezes. O
primeiro trabalho proposto versava sobre as obras para violão de Francisco Mignone e de
Camargo Guarnieri. Pelo entusiasmo de experiências anteriores, quando apresentamos a
3 Nossa atuação, até o momento, teve a colaboração do flautista José Ananias, dos sopranos Adelia Issa e Martha
Herr, do mezzo-soprano Anna Maria Kieffer, do tenor Lenine Santos, de membros da Orquestra Sinfônica do
Estado de São Paulo, da maestrina Naomi Munakata, dos musicólogos Maurício Monteiro e Rubens Ricciardi e
do Quarteto Brasileiro de Violões composto por Paul Galbraith, Edelton Gloeden, Everton Gloeden e Tadeu do
Amaral. Parte desta produção foi registrada em gravações ao vivo, realizadas pela Radio Cultura FM 103,3 MHz
de São Paulo e nos CDs Viagem pelo Brasil (Acrom, São Paulo), Uma Festa Brasileira (Paulus, São Paulo),
Essência do Brasil (Delos, Los Angeles) e Lina Pires de Campos, Obra Camerística (Regia Musica, São Paulo).
Durante este trabalho foram realizadas primeiras audições de obras de Paulo Costa Lima, Olivier Toni, Paulo
Porto Alegre e as integrais de Lina Pires de Campos e Camargo Guarnieri.
3
integral de Camargo Guarnieri e várias obras de Mignone 4, tentamos reunir dois campos
estéticos tão díspares em produções violonísticas irregulares, como veremos adiante. O
segundo tema foi idealizado a partir da produção violonística dos compositores ligados ao
movimento Música Viva. Aqui, nos deparamos com problemas que fugiam aos propósitos
estéticos do movimento, em razão da produção violonística, na sua quase totalidade, situar-se
cronologicamente em uma fase bem posterior ao movimento, acentuando as diferenças de
estilo. Outra razão, foi o contraste entre as dimensões reduzidas das produções de Cláudio
Santoro, Eunice Katunda e Edino Krieger com a obra de Guerra Peixe, de maior porte, repleta
de pequenos ciclos, que constituem capítulos à parte no repertório violonístico brasileiro.
Apesar de ter trabalhado com grande riqueza de fontes, tais temas não
possibilitavam vislumbrar uma unidade frente aos desafios do doutoramento que, como
formato ideal, procura temáticas mais específicas; porém, deram-nos a base para estabelecer o
conteúdo do capítulo O Repertório de 1944 a 1975.
A definição deu-se, por fim, após a audição das 12 Valsas de Esquina (1938-
1943) para piano, de Francisco Mignone, numa gravação realizada pelo compositor 5, quando
vislumbramos a possibilidade de uma nova abordagem, além da já realizada pelo Prof. Flávio
Terrigno Barbeitas das até então 12 Valsas (1970) para violão 6. Diferentemente deste
trabalho, nos fixamo-nos dentro dos contextos relacionados ao repertório violonístico e da
realização de uma edição que viabilize a execução deste importante ciclo.
Após o acesso aos manuscritos, através da editora Irmãos Vitale, em São Paulo,
em setembro de 2001, tomamos contato com um texto mais corrigido e melhor apresentado do que
4 A primeira audição da obra completa para violão de Camargo Guarnieri foi realizada no dia 11/05/1994 por
Edelton Gloeden no Auditório do SESC Ipiranga em São Paulo durante o Festival Camargo Guarnieri. Nas
comemorações do centenário de Francisco Mignone em 1996, foram apresentadas obras para violão solo em
diversas ocasiões, com particular destaque para a primeira audição da obra para voz e violão feita por Adelia
Issa e Edelton Gloeden no Festival de Inverno de Campos de Jordão em 1997.
5 LP Festa LDR 5001, Rio de Janeiro, s.d.
6 Circularidade Cultural e Nacionalismo nas Doze Valsas para Violão de Francisco Mignone.
4
aquele editado em 1970. Além de confirmar o título 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos,
feito de próprio punho pelo compositor, estão colocados os dedilhados feitos a lápis por Antônio
Carlos Barbosa Lima (1944). Com isto, temos a fonte bibliográfica principal para viabilizar a
execução de um dos mais importantes ciclos da música de concerto para violão feita no Brasil.
Dissertação de Mestrado apresentada à Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 12/1995. Flavio Terrigno Barbeitas é hoje professor no Conservatório Mineiro de Música da UFMG.
5
1. O Repertório Brasileiro de 1944 a 1975
Antes de partirmos para o estudo da obra violonística de Francisco Mignone e,
em particular, das suas 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos para violão solo (1970),
uma abordagem do repertório brasileiro torna-se imprescindível, para uma melhor
compreensão de conteúdos históricos e estéticos.
O violão, com sua pequena sonoridade e infinitos recursos, está presente tanto
nas manifestações das culturas espontâneas de vários povos, como nas mais elaboradas
criações de importantes compositores. O mais paradoxal dos instrumentos musicais é um dos
elementos mais fortes e vivos da cultura brasileira, porém esta constatação não parece tão
óbvia e natural, quando examinamos a produção de nossos mais importantes compositores,
exceto naturalmente, Heitor Villa-Lobos.
A história do violão no último século foi marcada pelo convívio entre
compositores e intérpretes. Junto à presença secular do compositor-intérprete, tradicional até o
início do século XX, consolidou-se a figura do compositor não violonista 1. Fatos como a
simples consulta a um método, que possibilitou a Manuel de Falla (1876-1945) a composição
de Homenaje, pour Le Tombeau de Claude Debussy (1920), a convivência de Julian Bream
(1933) junto a compositores como Benjamin Britten (1913-1976) e Hans Werner Henze
(1926), a notável Sequenza XI (1988) de Luciano Berio (1925), criada para Eliot Fisk (1954)
e, também de outra forma, como olhar indiferente de Andrés Segovia (1893-1987) às Quatre
1 Trabalho iniciado principalmente por Andrés Segovia (1893-1987) a partir dos anos 20. In. GLOEDEN,
Edelton. O Ressurgimento do Violão no Século XX: Miguel Llobet, Emilio Pujol e Andrés Segovia.. Dissertação
de mestrado apresentada ao Departamento de Música da ECA/USP, 1996, São Paulo. Naturalmente esta relação
entre compositores e intérpretes não é exclusiva da recente história do violão.
6
Pièces Brèves (1933) de Frank Martin (1890-1974) retomadas por Julian Bream nos anos 60,
são exemplos que mostram que cada obra tem uma história entre compositores e intérpretes.
No Brasil, o violão sempre foi um instrumento da prática da música popular,
razão pela qual é atribuída aos violonistas uma reputação de pouco crédito. Do anedotário à
literatura, encontramos registros curiosos 2. Apenas dois dos mais contundentes exemplos
encontrados em nossa literatura: O primeiro, de Lima Barreto (1881 - 1922) é o romance
Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), do qual selecionamos o seguinte trecho:
Não foi inútil a espionagem. Sentado no sofá, tendo ao lado o tal sujeito,
empunhando o “pinho” na posição de tocar, o major, atentamente, ouvia: “Olhe Major,
assim.” E as cordas vibravam vagarosamente a nota ferida: em seguida, o mestre aduzia: “É
‘ré’, aprendeu?”
Mas não foi preciso pôr na carta; a vizinhança logo concluiu que o major
aprendia a tocar violão. Mas que cousa? Um homem tão sério metido nessas malandragens!
Uma tarde de sol – sol de março, forte e implacável – aí pelas cercanias das
quatro horas, as janelas de uma erma rua de São Januário povoaram-se rápida e
repentinamente, de um e de outro lado. Até da casa do general vieram moças à janela! Que
era? Um batalhão? Um incêndio? Nada disto: O Major Quaresma, de cabeça baixa, com
pequenos passos de boi-de-carro, subia a rua , tendo debaixo do braço um violão impudico.
É verdade que a guitarra vinha decentemente embrulhada em papel, mas o
vestuário não lhe escondia inteiramente as formas. À vista de tão escandaloso fato, a
consideração e o respeito que o major Policarpo Quaresma merecia nos arredores de sua
casa, diminuíram um pouco. Estava perdido, maluco, diziam. Ele, porém, continuou
serenamente nos seus estudos, mesmo porque não percebeu esta diminuição...
- Policarpo, você precisa tomar juízo. Um homem de idade, com posição,
respeitável, como você é, andar metido com este seresteiro, um quase capadócio – não é
bonito!.
O major descansou o chapéu-de-sol - um antigo chapéu de sol com haste inteiramente de
madeira, e um cabo de volta, incrustado de pequenos losangos de madrepérola – e
respondeu:
- Mas você está muito enganada, mana. É preconceito supor-se que todo o
homem que toca violão é um desclassificado. A modinha é a mais genuína expressão da
poesia nacional e o violão é o instrumento que ela pede. Nós é que temos abandonado o
2 Ver: o verbete Violão in ANDRADE, Mário. Dicionário Musical Brasileiro, Belo Horizonte, Itatiaia, 1989, p.
561; LIMA BARRETO, Alfonso Henrique de. Triste fim de Policarpo Quaresma, p. 14, 3a. ed., Rio de Janeiro,
Record, 1999;
AMADO, Jorge. O país do carnaval, 49a. ed., p. 62, Rio de Janeiro, Record, 1999.
7
gênero, mas ele já esteve em honra, em Lisboa, no século passado, com o Padre Caldas, que
teve um auditório de fidalgas. Beckford, um inglês notável, muito o elogia.
- Mas isso foi de outro tempo; agora...
O segundo, também citado por Mário de Andrade (1893-1945), é de Jorge
Amado (1912-2001) em seu O País do Carnaval (1931), onde encontramos o seguinte trecho:
- Eu não sou nem um nem outro. O Brasil não deve importar sistemas
políticos. Nós até hoje temos importado tudo. Até uma constituição. Demo-nos bem com ela?
Nós precisamos é nacionalizar tudo. Desde os sistemas de governo até as prostitutas...Nem
comunismo, nem fascismo...Nem polacas, nem francesas...- explicava doutoralmente Ricardo.
- Cuidado, Ricardo, esse rubi traz uma doença contagiosa: a retórica... Pois eu
sou comunista...- e Rigger engasgou-se com um pedaço de carne.
Jerônimo não acreditava:
- Comunista, você? Um aristocrata? “Comigo não, violão...”
Das apresentações em pequenos saraus, festas e serenatas do final do séc. XIX,
até o advento do rádio implantado no Brasil, em 1922, os violonistas locais atuavam
principalmente em grupos regionais. Entre os mais conhecidos, e possivelmente os mais
importantes que consolidaram esta tradição do violão em nossa música popular, citamos estes,
entre três gerações: Joaquim Francisco dos Santos, o ‘Quincas Laranjeiras’ (1873-1935), João
Teixeira Guimarães (1883-1947) o ‘João Pernambuco’, Américo Jacomino (1889-1928) o
‘Canhoto’, Aníbal Augusto Sardinha (1915-1955) o ‘Garoto’, Dilermando Reis (1916-1977) e
Laurindo de Almeida (1917-1995).
A presença do violão em recitais e nas grandes salas de concertos, até meados
do século XX, era esporádica no Brasil. Chama-nos a atenção a passagem de violonistas
estrangeiros, como Josephina Robledo (1897 - ?), Agustin Barrios (1885-1944), Andrés
Segovia e Julio Martinez Oyanguren (1905-1973), apenas para citar alguns dos mais
importantes.
8
A espanhola Josephina Robledo, uma das últimas discípulas de Francisco
Tárrega (1852-1909), chegou ao Brasil por volta de 1916, em uma tournée. Permaneceu aqui
até 1923, residindo em São Paulo e Rio de Janeiro, quando transmitiu os ensinamentos de
Tárrega. Teve entre seus discípulos o paulista Osvaldo Soares, não muito prestigiado por
Domingo Prat (1886-1944), o principal cronista de violão da época 3. Robledo cultivou a
amizade de Catulo da Paixão Cearense (1866-1946), com quem se apresentava em saraus,
mostrando seus arranjos para violão, como este da canção Ontem, ao luar, que o poeta,
teatrólogo, cantor e compositor maranhense fez em parceria com o flautista e compositor
carioca Pedro de Alcântara (1866-1921).
O lendário violonista e compositor paraguaio Agustín Barrios (1885-1944)
percorreu nossos principais teatros, de Pelotas a Manaus, entre 1916 e 1931. Foi reverenciado
por Olavo Bilac (1865-1918), Coelho Neto (1864-1934) e Manuel Bandeira (1886-1968) e
entre suas obras, as conhecidas de caráter brasileiro, como a Maxixe (1920) e o Chôro da
Saudade (1931).
3 In GLOEDEN, Edelton. op. cit. p. 162.
9
A. Barrios: compassos iniciais do Maxixe
A. Barrios: compassos iniciais do Chôro da saudade
As atuações do uruguaio Julio Martinez Oyanguren despertaram a atenção nas
crônicas de Lamberto Baldi, Lorenzo Fernandez (1897-1948) e Mário de Andrade (1893-
1945) 4. Andrés Segovia fascinou nossas platéias em 1937, 1942, 1950, 1953 e 1957 5.
4 In. ANDRADE, Mário. Música e Jornalismo. (org. Paulo Castagna) ps. XXVIII, 228 e 232.
5 Andrés Segovia viveu de 1936 até o final da 2a. Guerra Mundial em Montevidéu, Uruguai.
10
O violão foi introduzido no ensino oficial de música no Brasil em 1947, quando o
violonista uruguaio Isaías Sávio (1900-1977) ingressou no Conservatório Dramático e
Musical de São Paulo. Podemos considerar que este foi o ponto de partida para o
aparecimento de uma nova geração de violonistas que, nas décadas seguintes, começou a
mudar o perfil do instrumento no país. Orientados principalmente por Isaías Sávio e Antonio
Rebello (1900-1965), do Rio de Janeiro, esta geração apareceu no momento da afirmação
internacional do violão nos anos 50 e 60, que aconteceu principalmente através dos grandes
cursos de Siena e Santiago de Compostela, dirigidos por Andrés Segovia, e também com Abel
Carlevaro (1918-2001), Narciso Yepes (1927-1997), Alírio Diaz (1923), Julian Bream (1933)
e John Williams (1941), que então iniciavam suas carreiras. Entre os principais violonistas
brasileiros que irão atuar de forma pioneira, junto a compositores brasileiros citamos: Geraldo
Ribeiro (1939), Turíbio Santos (1940), Maria Lívia São Marcos (1942) e Antônio Carlos
Barbosa Lima (1944).
Um pouco antes do aparecimento desta geração de violonistas brasileiros que
mencionamos acima, o repertório brasileiro de concerto, posterior a Villa-Lobos, escrito para
violão solo, violão e orquestra e também inserido em formações camerísticas, começa a surgir
a partir de 1944, através de Camargo Guarnieri (1907-1993), Eunice Katunda (1915-1990),
César Guerra Peixe (1914-1993), Ascendino Theodoro Nogueira (1913) e Radamés Gnattali
(1906-1988). Nesta produção dos anos 40, à exceção de Gnattali e do próprio Mignone, pelos
fortes vínculos com a música popular, as iniciativas dos autores acima citados apareceram
isoladamente, como veremos mais adiante.
11
Nas tabelas que seguem abaixo procuramos, num primeiro levantamento, dar
uma mostra da produção brasileira de concerto até o final dos anos 80, com importantes obras
de referência do repertório internacional 6.
1. OBRAS PARA VIOLÃO SOLO
Ano Título Autor Edição Referências do Repertório
Internacional
1944 Ponteio Guarnieri, C. RB
1946 Suite Guerra Peixe, C. MS Castelnuovo-Tedesco, M., Rondó;
Hába, A., Vierteltongitarre, Op.63;
Smith-Brindle, R., Nocturne
1947 Rodrigo, J., Tiento antiguo
1948 Dança Brasileira Gnattali, R. CH Ardévol, J., Sonata
1949 Ponteio Th. Nogueira, A. MS
1951 Toccata em ritmo de
samba no.1
Gnattali, R. CH Harrison, L., Serenade;
Orbón, J., Preludio y Danza;
Tansman, A., Cavatina
1953 Modinha;
Repinicando;
Minueto Fantasia;
Chôro
Mignone, F. GR
1954 Valsa Chôro
no. 1
Guarnieri, M.C. RB Rodrigo, J., Tres piezas españolas;
Bajando de la Meseta;
Tansman, A., Trois pièces
1955 Valsa Chôro no. 2 Th. Nogueira, A. RB Apostel, H.E., Sechs Musiken
Prelúdio Krieger, Edino ZA
1956 Smith Brindle, R., El Polifemo de
Oro
1957 Canto Caipira no.5 Th. Nogueira, A. MS Gerhard, R., Fantasia;
Krenek, E., Suite Op. 164;
Milhaud, D., Segoviana;
Ohana, M., Tiento
Brasiliana no. 1
Brasiliana no. 2
Brasiliana no. 3
Th. Nogueira, A. RB
1958 Estudo no. 1 Guarnieri, M.C. RI Apivor, D., Variations;
Berkeley, L., Sonatina;
Miroglio, F., Choreïques;
Sauguet, H., Soliloque
Brasiliana no. 4 Th. Nogueira, A. RB
6 Na medida do possível, procuramos completar ao máximo o conteúdo das tabelas até o ano de 1975. A
extensão até o final da década de 80, justifica-se para possibilitar uma maior visibilidade desta produção, ligada
principalmente a importantes compositores que não eram violonistas.
12
Brasiliana no. 5
Valsa Chôro
no. 4
Valsa Chôro
no. 5
1959 12 Improvisos
4 Serestas
Valsa Chôro
no. 1
Th. Nogueira, A. RB Brouwer, L., Tres Apuntes;
Ghedini, G.F., Studio da Concerto;
Petrassi, G., Suoni Noturni;
Rodrigo, J., Junto al Generalife
Valsa Chôro
no. 1
Vasconcellos
Corrêa, S.
RB
Ponteio Lacerda, O. MS
1960 Moda a Paulista Lacerda, O. RB Auric, G., Hommage a Alonso
Mudarra;
Goubaïdoulina, S., Sérénade;
Poulenc, F., Sarabande;
Rodrigo, J., Sonata Giocosa
Valsa Chôro
no. 3
Th. Nogueira, A. RB
1961 Valsa Lacerda, O. MS Arrigo, G., Serenata per chitarra;
Castelnuovo-Tedesco, M.
24 Caprichos de Goya;
Kurtag. G., Cinque Merrycate
1962 Rodrigo, J., Invocación y danza;
Tansman, A., Suite in modo polonico
1963 Suite Nazareth Katunda, E. MS Britten, B., Nocturnal Op. 70;
Company, A., Las seys cuerdas;
Dodgson, S., Partita I;
Hallfter, C., Codex I;
Mompou, F., Suite compostelana;
Ohana, M., Si le jour paraît
Prelúdio Escobar, A. NM
1964 RB Brouwer, L., Elogio de la Danza
1965 Drogoz, P., Suite percutante
Jolivet, A., 2 Études de concert
1966 Prelúdio no. 5 Guerra Peixe, C. FE
1967 10 Estudos Gnattali, R. CH Scelsi, G., KO-THA;
Einem, G.von., Drei Studien;
Guastavino, C., Sonata no.1
1968 Bennet, R.R., Impromptus;
Brouwer, L., Canticum
1969 Prelúdio no. 1 Guerra Peixe, C FE Dodgson. S., Fantasy-Divisions;
Guastavino, C., Sonata no. 2
Sonata Guerra Peixe, C. VI
1970 Prelúdio no. 2
Prelúdio no. 3
Prelúdio no. 4
Guerra Peixe, C. FE Apivor, D., Discanti;
Asencio, V., Suite Valenciana;
Col.lectici íntim;
Berkeley, L., Theme and Variations
12 Estudos Mignone, F. CO
12 Valsas Mignone, F. VI
Brazilian Song Mignone, F. GR
13
Cortejo Souza Lima, J. de VI
Ponteio Pereira da Silva, A. RB
1971 Solilóquio Escalante, E. RB Asencio, V., Suite mística;
Brouwer, L., La Espiral Eterna;
Fricker, P.R., Paseo Op.61;
Hespos, H.J., KITARA;
Orrego-Salas, J., Esquinas;
Petrassi, G., Nunc;
Rawsthorne, A., Elegy;
Rodrigo, J., Elogio de la guitarra;
Walton, W., 5 Bagatelles
1972 7 Brazilian Etudes Fonseca, C.A.P. da CO Huber, K., Ein Hauch von Unzeit V
Maderna, B., Y Después;
Maxwell Davies, P., Lullaby for Ilian
Rainbow;
Rodrigo, J., Pájaros de primavera
Prelúdio Katunda, E. MS
1973 Prelúdio no. 1 Katunda, E. MS Brouwer, L., Parabola;
Guastavino, C., Sonata no. 3;
Henze, H.W., Memorias deEl
Cimarrón
Tocata ponteada Guerra Vicente, J. NM
1974 Livro das 6 Cordas Almeida Prado, J.A. ME Brouwer, L., Tarantos;
Takemitzu, T., Folios
Brasileiras
(ed.1974)
Bosmans, A. MT
Sonatina Vasconcellos
Corrêa, S.
RB
Ritmata Krieger, E. ME
Momentos I Nobre, M. ME
Divertimento Souza Lima, J. de VI
1975 Portrait Almeida Prado, J.A. TO Henze, H.W., Royal Winter Music I;
de la Vega, A., Sound Clouds;
Vivier, C. , Pour guitare
3 Prelúdios Campos, L. P. RB
Suite Mahle MS
Momentos II Nobre, M. ME
1976 Momentos III Nobre, M. ME Dodgson, S., Partita II;
Ginastera, A., Sonata
Variações sobre
Luar do Sertão
Valsa de Esquina
Mignone, F. FE
Sighs Antunes, J. ZI
1977 Homenagem a
Villa-Lobos
Nobre, M. TO Donatoni, F., Algo;
Murail, T., Tellur;
Rodrigo, J., 2 Prelúdios
Estudo no. 1 Coelho de Souza, R. NM
Estrias III Valle, R. do MS
1978 Introdução, Ponteio
e Tocatina
Campos, L. P. VI
Divagações Amaral Vieira, J.C. VI
14
poéticas
Verdades Côrtes. M. VI
Estudo no. 1 Scliar, E. FN
Serenada Op. 113 Widmer, E. MS
1979 Etéreo Ficarelli, M. MS Henze, H.W., Royal Winter Music II;
Lúdicas 1 a 7 Guerra Peixe, C. VI
Tiradentes op. 119 Widmer, E. MS
1980 Sonatina Kaplan, J.A. CH
3 Valsas brasileiras
Batuque
Mignone, F. MS
Lúdicas 8 a 10 Guerra Peixe, C. VI
1981 Sonata no. 1 Almeida Prado, J.A. TO Amy, G., Quasi une toccata
Brouwer, L., El Decameron Negro;
Denissov, E., Sonate;
Manzoni, G., Echi;
Maxwell Davies, P., Hill Runes
Nodaira, I., Arabesque IV
Rodrigo, J., Un tiempo fue Italica
famosa
Toccata em ritmo de
samba no. 2
Gnattali, R. CH.
Breves Guerra Peixe, C. VI
1982 Momentos IV ,
Momentos V
Nobre, M. ME
MS
Dodgson, S., Partita III;
Ohana. M., Cadran lunaire
Peixinho, J., L’Oiseau lyre
Estudo no. 1 Santoro, C. SA
2 Prelúdios Santoro, C. ME
1983 Poesilúdio no. 1 Almeida Prado, J.A. TO Bennett, R.R., Sonata;
Carter, E., Changes;
Lombardi, L., Thamar y Amnòn
Faz de conta...
Música sem nome
Quiçá
Kiefer, B. MS
Lúdica I Tacuchian, R. ME
Brasiliana no. 13 Gnattali ME
Cadernos de Mariza Guerra Peixe, C. VI
Estudos no. 2
Estudo no. 3
Guarnieri, M.C. BE
Fantasia Sul
América
Santoro, C. SA
1984 Peixinhos da Guiné Guerra Peixe, C. MS D’Angelo, N., Due canzone lidie;
Maxwell Davies, P., Sonata;
Tippet, M., The Blue Guitar
Momentos VI e
Momentos VII
Nobre, M TO
Prólogo e Toccata
Nobre, M. ME
Lúdica II Tacuchian, R. ME
Appassionata Miranda, R. MS
15
Mosaico Vieira Brandão, J. ZA
1985 Pequena Suite Gnattali, R. ME
Prelúdio no. 4 Campos, L.P. RB
1986 Valsa Choro
no. 2
Guarnieri, M.C. MS Brouwer, L., Paisaje Cubano con
Campanas;
Reynolds, R., The Behavior of
Mirrors
Solbiati, A., Tre Pezzi
6 Peças para Violão Vasconcellos
Corrêa, S.
EA.
1987 Romanceiro Krieger, E. ZA Dillon, J., Shrouded Mirrors
1988 A Francisco
Mignone
Bosmans, A. MS
Profiles Tacuchian, R. MS Berio, L., Sequenza XI;
Takemitzu, T. All in twilight
1989 5 Peças Widmer, E. MS Ferneyhough, R., Kurze Schatten II;
Koskelin, O., Tutte le corde
2. OBRAS PARA VIOLÃO E ORQUESTRA
Ano Título Autor Edição Referências do repertório
internacional
1950 Concerto carioca no.1 p/ pf,
vlo eletr., orq e bat de escola
de samba
Gnattali, R. BR Ohana, M., Trois Graphiques
1951 Concertino n.1 (Concerto de
Ipanema) p/ vlo. e orq.
Gnattali BR
Concertino no. 2 p/ vlo e
orq
Gnattali, R. BR
Concerto p/ vlo e pequena
orq
Villa-Lobos, H. ME
1954 Rodrigo,J., Fantasia para un
Gentilhombre
1958 Brouwer, L., 3 Danzas
Concertantes
1966 Rodrigo, J., Concierto Madrigal
p/ 2 vlões e orq.
1967 Concertino no. 3 (Concerto
de Copacabana) p/
vlo, crd, fl, tímp e bells
Gnattali, R. BR
Concerto no. 4 (Concerto à
brasileira) p/ vlo e crd
Gnattali, R. BR
1968 Concerto p/ 2 vlo, ob e crd Gnattali MS
1969 Concertino p/ vlo e orq Th. Nogueira, A. RB
1970 Bennnett, R.R., Concerto
1971 Diálogo p/ vlo e crd Mahle, E. MS
16
1972 Brouwer, L., Concerto
no.1
1975 Concerto p/ vlo e orq Mignone, F. RA
1979 Lúdicas p/ vlo e qt crd ou
orq. de crd (4+4+2+2+1)
Guerra Peixe, C. MS
1983 Fantasia Sul América p/
vários instrumentos, v, e orq
Santoro, C. SA Brouwer, L., Retratos
Catalanes;
Takemitzu, T., The Edge of
Dream
Sertania – Sinfonia do
Sertão, Op. 138 p/ v, vlo e
orq
Widmer, E. MS
1986 Henze, H.W., An eine Äolsharfe
1989 Kurtag, G., Grabstein für
Stepan, op. 15 c p/ guitare et
groupes instrumentaux dispersés
dans l’space
3- MÚSICA DE CÂMARA
Ano Título e formação Autor Edição Referências do repertório
internacional
1944 Serestas p/ fl., vlo e qt
crd
Gnattali, R. BR Burkhard, W., Serenade p/ fl e vlo
1946 Negrinho do Pastoreio
Cantata p/ vv fem., a
capella ou com acomp.
ocasionais de fl, vlo e
perc
Katunda, E. AB Burkhart, F., Toccata p/ 2 vlo
1951 Pacto de paz p/ S, M, A,
Bt, B, coro misto, pic, fl,
vlo, 2 vla e perc
Katunda, E. MS Castelnuovo-Tedesco, M., Romancero
gitano Op. 152 p/ coro e vlo
1954 Suite de Dança popular
brasileira p/ vlo, pf e
perc
Gnattali, R. MS Boulez, P., Le marteau sans maître
p/ a, fl em sol, vla, vlo, vbraf, xilo,
perc;
Stravinsky, I., 4 Russian Songs p/ v,
fl, vlo, hp
1956 Jolivet, A., Sérénade p/2 vlo
1957 2a. Sonatina p/ vlo e pf
(ou crv)
Gnattali, R. BR Britten, B., Folksong arrangements
p/ vz e vlo
1958 Britten, B., Songs from the Chinese, Op.
58 p/ T e vlo;
Seiber, M., The Owl and the
Pussycat p/ v, vln, vlo
Henze, H.W., Kammermusik 1958
17
1959 Sonata p/ fl e vlo Gnattali, R. CH Krenek, E., Hausmusik
Oratório de Sta. Maria
Egipcíaca p/ 3 vvs
faladas, A, ob (cor ingl),
clt, ctb
Widmer, E. MS
1960 Musik für Sopran, Tenor
(...) nach 2 Minneliedern
Widmer, E. MS Castelnuovo-Tedesco, M., Platero y
Yo p/ vlo, narr.
Gráfico de la Petenera
Op. 21p/ v e vlo.
Widmer, E. MS
1962 Castelnuovo-Tedesco, M., Les
guitares bien tempérés op.199 p/ 2
vlo;
Petrassi, G., Seconda Serenata-Trio
p/ bd, vlo, hp
1965 Castelnuovo-Tedesco, M. Sonatina
Op. 205 p/ fl e vlo;
Maderna, B., Aulodia per Lothar p/
ob d’amore e vlo ad libitum
1966 Sonatina p/ vlc e 2 vlo Gnattali, R. MS Castelnuovo-Tedesco, M., Eclogue
p/ fl, cor ing e vlo
Modinha p/ v, fl e vlo Nobre, M. TO
1967 2 Peças p/ canto e vlo Mahle, E. MS
1968 Dia da graça p/ v. e vlo Nobre, M. TO Gerhard, R., Concerto for 8; Libra
1969 Sonata p/ vlc e vlo Gnattali, R. CH
2 Canções p/ v e vlo
I- Cântico II
II- Resta, assim, é
remover;
Mãe-d’água, canto
vocalizado e vlo
Guerra Peixe, C. MS Takemitzu, T., Stanza I p/ vlo, hp,
pf, cel, vibraf, vlc
1970 Dueto Característico p/
vln e vlo
Guerra Peixe, C. MS Brouwer, L., Per suonare a tre p/ fl,
vla e vlo;
Bozza, E., Polydiaphonie p/ fl, vlo
Rotter, J., Trio-Divertimento p/ vl,
vlo, ctb;
Henze, H.W., El Cimarrón: recital p/ 4
musicians (Bt, fl, vlo, perc)
Galope p/ vln, vla,
vlo, 2 fl e bat
Guerra Peixe, C. MS
De Rabeca e Viola p/
vln e vlo
Guerra Peixe, C. MS
Es singt die leise
Mittenacht Op. 68 p/ 3
coros SATB/SA/TTBB),
fl, vlo, órg, 2 perc,
SATB solistas
Widmer, E. MS
1971 Introdução e chôro p/
vln e vlo
Gnattali, R. MS
1973 Lebendige Steine Op. 82 Widmer, E. Brouwer, L., Per suonare a due p/ 2
vlo
18
p/ 2 coros, narr., tp, vlo,
órg, 2 perc
1974 Enigma p/ fl e vlo Blauth, B. RB Dodgson, S., Duo p/ vlc e vlo;
Henze, H.W., Carillon, Récitatif,
Masque p/ bd., vlo e hp
Duo I p/ fl e vlo Corrêa de
Oliveira, W.
MS
Prelúdio e Fuga p/ 2 vlo Mignone, F. MS
Desafio p/ fl e vlo Vasconcellos
Corrêa, S.
RB
Peça p/ fl e vlo Souza Lima, J. de RB
1976 Choro p/ v e vlo Mignone, F. MS
Dialogando p/ S. e vlo. Mignone, F. MS
O impossível carinho p/
v e vlo.
Mignone, F. MS
1977 Estudo no. 1 p/ narr. e
vlo
Coelho
de Souza, R.
NM Denissow. E., Sonate p/ fl e vlo;
Kutavicius, B., Clocks of the past I
p/ vlo e qt crd;
Lachenmann, H., Salute für
Caudwell p/ 2 vlos;
Suter, R., La Scesa p/ 3 clt. e vlo
1978 Homenagem a Villa-
lobos p/ vlo e 8 inst.
Richter, F. MS
1979 Lúdicas p/ vlo e qt crd
ou orq de crd
(4+4+2+2+1)
Guerra Peixe, C. MS Henze, H.W., Arien des Orpheus p/
vlo, hp, crv e crd;
Kurtag, G., A Kis csáva, op. 15 p/
pic, trbn e vlo.
Trio Op. 117 p/ vln, vlc
e vlo
Widmer, E. MS
1980 Yanomani p/ coro, T e
vlo
Nobre, M. TO
1981 Chôro p/ 2 vlo Mignone, F. MS Takemitzu, T., Toward the Sea p/ A
fl. e vlo
Suite p/ vlo e crv Richter, F. MS
Quadras ao gosto
popular p/ v e vlo ou
S/M/A e vlo,
Ou isto ou aquilo,
Leilão de jardim,
Figurinhas p/ v e vlo ou
S/M/A e vlo
Mahle, E. MS
1983 3 Danças Brasileiras p/
2 vlo.
Nobre, M. TO
1984 A briga dialética dos
estilos p/ fl, vla e vlo
Santoro, Cl. MS Denisov, E., In Deo Speravit cor
meam p/ vln, vlo e órg.
1985 Sonata p/ vln e vlo Mahle, E. MS
Improvisation à 3 p/ fl,
vla e vlo
Santoro, C. MS
19
1986 Caderno de Mariza p/ fl
doce soprano e vlo
Guerra Peixe, C. MS Babbit, M., Soli e Duettini p/ 2 vlo.;
Manoury, P., Musique I pour
cordes pincées
1987 Natal p/ voz e vlão Mahle, E. MS
1988 Ulisses in Copacabana...
p/fl, clt, tpt, sax, pf, vlo,
vln, vla, ctb
Mendes, G. EO Fedele, I., Bias p/ ob e vlo
O exame da produção contida nas tabelas acima nos leva às seguintes
constatações:
1- Até 1980, a estética nacionalista é predominante, principalmente pela presença de
lideranças forjadas por Mário de Andrade, como Camargo Guarnieri e Francisco Mignone
(1897-1986), seguidos por Guerra Peixe (1914-1993), também um simpatizante do
pensamento do autor de Macunaíma e, de maneira independente; Radamés Gnattali, dono da
maior produção violonística brasileira, resultante do convívio com várias gerações de
violonistas, tanto da música popular quanto da música de concerto. Juntando a esta produção a
obra para violão de Ascendino Theodoro Nogueira (1913), temos a base principal do
repertório nacionalista brasileiro situado entre 1944 e 1975, razão pela qual faremos um breve
comentário sobre esta produção, com exceção de Francisco Mignone, que trataremos nos
próximos capítulos.
O encontro em São Paulo, entre Camargo Guarnieri (1906-1993) e o violonista,
professor e compositor Abel Carlevaro, na década de 40, marcou o início do repertório
nacionalista brasileiro, cuja primeira composição foi o Ponteio (Prelúdio) para violão solo,
escrito em 1944. Após ouvir as Variations sur Folia de España et Fugue (1929), do
compositor mexicano Manuel Ponce (1886-1948), executadas pelo músico uruguaio 7.
7 Abel Carlevaro nos relatou os detalhes dos encontros com Camargo Guarnieri e Villa-Lobos nos anos 40, em
uma entrevista concedida à Rádio USP, realizada em abril de 1999, no programa Violão em Tempo de Concerto.
O Ponteio, de Camargo Guarnieri, foi gravado por Carlevaro nos anos 50 e posteriormente registrado em CD
pelo selo Formosa Melodiya, Taiwan. Carlevaro fez a estréia mundial dos Prelúdios de Villa-Lobos na Rádio
20
Guarnieri tomou a iniciativa de criar esta sua primeira obra violonística, em
meio à composição dos 50 Ponteios (1931 a 1959) para piano, um grande ciclo concebido na
essência do tocar e na sonoridade dos instrumentos de cordas dedilhadas, como o violão e a
viola sertaneja, que podemos captar nos Ponteios de no. 30 e 45, respectivamente.
Camargo Guarnieri: Trecho do Ponteio no 30
Camargo Guarnieri: compassos iniciais do Ponteio no 45
O Ponteio (1944) está entre suas melhores realizações violonísticas. O
compositor não abre mão de seu estilo, mesmo explorando um campo novo. Passagens
polifônicas de textura simples são interrompidas por duas seqüências de tremolos
praticamente atonais, fazendo desta obra a mais ousada escrita para violão até o aparecimento
dos trabalhos de Almeida Prado (1943), Edino Krieger (1928) e Marlos Nobre (1939) nos
anos 70.
Nacional do Rio de Janeiro em 1941, segundo o seu depoimento, e em recital em Montevidéu a 11/12/1942, de
acordo com o catálogo do Museu Villa-Lobos, Villa-Lobos, sua obra, pg. 149, 3a. ed., Rio de Janeiro, Museu
Villa-Lobos, 1989.
21
Camargo Guarnieri: trechos do Ponteio
Guarnieri, como muitos compositores brasileiros que estamos mencionando,
não escrevia para violão com naturalidade. Isto pode ser constatado pelo número reduzido de
composições - apenas seis peças - escritas esparsamente, quase todas encomendadas, e de
grande dificuldade técnica. O violonista Everton Gloeden (1957) nos informou que Guarnieri
tinha como referência principal para abordar a escrita violonística a mão esquerda do piano.
Nos anos 50, escreveu a Valsa-Choro no. 1 (1954), bem característica do seu estilo polifônico
e o Estudo no. 1 (1958) de transcendental dificuldade para a mão esquerda, dedicado a Isaías
Sávio, que fez um belo trabalho de revisão. Ao retomar suas obras para violão nos anos 80,
seu estilo já é mais abstrato. Os Estudos no. 2 e 3 (1983), em parte, retomam as idéias do
primeiro, encerrando sua produção violonística com uma sombria Valsa-Choro no. 2 (1986).
É interessante notar que há um aumento progressivo da dificuldade técnica no decorrer das
três primeiras obras, que é refletido no mesmo modo na retomada dos três trabalhos da década
de 80. Infelizmente, estas obras para violão não atingiram a genialidade de suas mais singelas
criações pianísticas, um paradoxo entre os compositores nacionalistas brasileiros mais
representativos, que tinham como ideal estético o som da viola sertaneja e do violão.
22
Entretanto, este fato não poderia servir de motivo para que esta importante obra esteja
relegada a um segundo plano.
Camargo Guarnieri: compasos iniciais do Estudo no. 1
Theodoro Nogueira foi aluno de Guarnieri. Explorou na sua obra violonística
um universo sonoro voltado praticamente ao folclore paulista, em particular, a chamada
‘música caipira’. Teve como colaborador constante o violonista baiano Geraldo Ribeiro, que
gravou boa parte desta obra. Talvez por adotar uma rigorosa escrita serrada entre duas e três
vozes, sua obra aparentemente apresenta uma dificuldade técnica não proporcional ao
rendimento sonoro. Sua produção violonística está hoje praticamente esquecida pelos
intérpretes, necessitando de novas abordagens, além do fato do compositor estar em atividade.
Theodoro Nogueira empreendeu um grande esforço para incluir a viola brasileira, como assim
a denominava, na categoria de instrumento de concerto. Na década de 60, escreveu 7
Prelúdios para viola solo, um Concertino para viola brasileira e orquestra de câmara, e uma
23
inclusão na Missa a Nossa Senhora dos Navegantes 8. Theodoro Nogueira transcreveu obras
de Bach para violino solo para este instrumento, que também foram gravadas por Geraldo
Ribeiro 9.
Theodoro Nogueira: compassos iniciais da Brasiliana no 1
César Guerra Peixe é um dos mais importantes compositores que contribuíram para
a literatura violonística brasileira. Diferentemente de Guarnieri, sua obra para violão ocupa uma
posição importante na totalidade de sua produção. Podemos apontar alguns fatores relevantes sobre
esta sua face criativa como:
a- O contato com a música popular na juventude, quando adquiriu conhecimentos básicos do
instrumento. Aqui temos um caso muito próximo ao de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), no
que se refere ao manuseio e forma de tratamento instrumental, ou seja, um compositor que
dominava plenamente a escrita violonística. É preciso lembrar que Guerra Peixe possuía fortes
restrições ao compositor Villa-Lobos, de quem foi um crítico mordaz, exceção feita à sua obra
8 Estas obras também foram gravadas nos anos 60. Os 7 Prelúdios e o Concertino por Antônio Carlos Barbosa Lima e
orquestra dirigida por Armando Belardi, LP, HI-FI CMG-1019 Chantecler, São Paulo s.d. A Missa a Nossa Senhora
dos Navegantes também foi gravada pelo intérprete paulista, com o Coral e Conjunto Instrumental de São Paulo, sob
regência de Miguel Arqueróns, LP HI-FI, CMG 1027, Chantecler, São Paulo s.d.
9 LP intitulado Bach na Viola Brasileira, FB 317-B, Fermata, São Paulo, 1971, onde incluiu, na contra-capa, um
artigo publicado na Gazeta em 24/08/1963 intitulado Anotações para um estudo sobre a viola: Origem do
instrumento e sua difusão no Brasil, onde Guerra Peixe é mencionado. Viola brasileira é o nome dado por
Ascendino Theodoro Nogueira à viola caipira ou viola sertaneja.
24
violonística que ressaltava como uma das mais importantes contribuições do criador das
Bachianas Brasileiras 1 0 ;
b- Sua atividade como folclorista através das pesquisas de campo iniciadas logo após a
chegada ao Recife, e depois no Estado de São Paulo, onde familiarizou-se com instrumentos
populares como a viola sertaneja. Passa então a utilizar nos títulos de suas obras, uma
terminologia relacionada às formas de execução destes instrumentos, como: Ponteado, De
Viola e Rabeca, Moda e Rasgueado entre outros. Junto com Ascendino Theodoro Nogueira e
Jorge Antunes (1942) é um dos poucos compositores que escreveram para este instrumento;
c- A atividade de compositor e professor, preocupado com a criação de obras didáticas voltadas à
música nacional. Guerra Peixe é o único, entre os mais destacados mestres brasileiros, a criar uma
obra didática de grande interesse, onde a introdução de elementos da linguagem musical e a
progressividade técnica são abordadas sem concessões. Talvez seja este um dos motivos pelos
quais estas obras sejam pouco acessíveis para um estudante em fase inicial de aprendizado 11. De
qualquer forma, examinando todo o conjunto de sua obra didática, o violão foi o instrumento
mais privilegiado. Podemos afirmar aqui também a influência de Béla Bartók (1881-1945),
do qual o compositor petropolitano transcreveu, em 1969, oito peças para dois violões
extraídas do Mikrokosmos, para as classes de violão da Pró-Arte Seminários de Música e
Seminário de Música do MIS do Rio de Janeiro;
d- A inclusão do violão em sua música de câmara. Aqui, uma especial ligação com o
Movimento Armorial, que apareceu em 1970, ao qual Guerra Peixe contribuiu
significativamente. A julgar pelo seu trabalho desenvolvido desde os anos 50, pode-se dizer
10 Ver depoimento contido no vídeo O Índio de Casaca, Manchete Vídeo, Rio de Janeiro, 1987.
11 A obra didática de Guerra Peixe tem sido adotada com sucesso nas nossas classes da Escola Municipal de
Música de São Paulo nos anos 90 e na graduação do Departamento de Música da ECA/USP nas disciplinas de
instrumento e prática instrumental.
25
que sua linguagem musical já se colocava como precursora deste movimento. As obras de
câmara com violão, escritas especialmente para Movimento Armorial são as seguintes: Dueto
Característico, no estilo popular nordestino (1970) para violino e violão, Galope (1970) para
violino, viola, violão, 2 flautas e bateria e De Viola e Rabeca (Mourão), para violino e violão.
Examinando os oito itens da sua obra violonística, podemos fazer uma divisão
em quatro grupos. No primeiro, uma concentração de peças de repertório, a Suite, os
Prelúdios e a Sonata (itens 1 a 3). A Suite (1946), por mais paradoxal que possa parecer, é
talvez a primeira obra para violão solo de todo o repertório, onde é utilizada uma série
dodecafônica. Ao mesmo tempo, ela marcou o início do abandono de Guerra Peixe do uso
desta técnica 1 2 . Paradoxal também, é apontar o motivo que levou o autor do Museu da
Inconfidência a criar uma obra desta natureza para violão solo em 1946, e para que
intérprete, naquela época, estaria destinada. No período da composição desta Suite, o
compositor naturalmente começava a afastar-se do dodecafonismo. Sua obra anterior, a 1a.
Sinfonia (1946), já apresentava sinais de mudança como declarou o compositor:
Depois da Sinfonia n.1, o propósito nacionalizante parte da própria série; e o dodecafonismo
é cada vez mais distante. Grandes discussões com Mozart de Araújo, em torno do problema
do “caráter” nacional na música brasileira. Tão seguro está da enganadora possibilidade de
conciliar um certo tipo de dodecafonismo com elementos do populário, que compõe –
tentando prová-lo a Mozart de Araújo – a Suíte (antes “Três Peças”) para violão,
introduzindo na obra remotas sugestões de música popularesca. Agora o ritmo brasileiro se
faz imprescindível, embora diluidamente: Ponteado (antes “Ponteio”, Acalanto e Choro)1 3 .
12 A utilização das técnicas seriais no repertório para violão solo começa a partir dos anos 50. Sechs Musiken für
Gitarre Op. 25 (1955) de Hans Erich Apostel (1901-1972), El Polifemo de Oro (1956) de Reginald Smith
Brindle (1917) e a Suite (1957) de Ernst Krenek (1990-1991), são os exemplos para violão solo deste período.
Anteriormente o violão foi utilizado em obras camerísticas capitais que marcaram a história das técnicas seriais,
como a Serenade Op. 24 (1923) de Arnold Schoenberg (1874-1951), Drei Lieder Op. 18 (1925) e Zwei Lieder
Op. 19 (1926) de Anton Webern (1883-1945) e, nos anos 50, Le Marteau sans Maître (1953-1954) de Pierre
Boulez (1925).
13 In: GUERRA PEIXE, C. Guerra-Peixe, Principais Traços Evolutivos da Produção Musical, Item V, p. 2,
man., Rio de Janeiro, 1971. No Item VI, p. 5, onde consta: OMB e Gravação de Waltel Branco em discos
C.B.S. O violonista tem executado a obra em diversos concertos.
26
Guerra Peixe utiliza a série abaixo para a construção desta suite e junto
apresenta o tema principal do primeiro movimento, Ponteado 1 4 .
A mudança definitiva de orientação estética para o nacionalismo, já no início
dos anos 50, deixou nas composições para violão seu estilo inconfundível, onde a exploração
da pequena forma é uma constante. Nos Prelúdios, a primeira obra para violão na plenitude da
sua fase nacionalista, faz uso da campanella 1 5 , que aparece em todo o ciclo explorado de
diversas formas, entre harpejos nos dois primeiros prelúdios, intercalado por seqüências
melódicas de terças no primeiro e terceiro e entre acordes nos dois últimos. O som da viola
sertaneja é evocado em todo o ciclo através desta técnica, tanto que o quinto da série leva o
José Mozart de Araújo (1904-1988), a quem a Suite para violão está dedicada, foi musicólogo, professor e
historiador. Ocupou importantes postos e foi pesquisador de documentos sobre a música antiga do Brasil. Em
1964, publicou sua principal obra A Modinha e o lundu no século XVIII, Ricordi, São Paulo.
14 Idem, ibdem. A indicação da série também aparece em: GUERRA PEIXE, C. Relação cronológica de
composições desde 1944, p. 6, MS, s.d. (escrita provavelmente em 1993), onde aponta a data Rio, 06 de maio e
a indicação O.B.M – 1967, e in: Razão e Paixão na Obra de um Mestre da Música Brasileira, item V –
Principais traços evolutivos da produção musical, MS, p.2, Rio de Janeiro, 1971.
15La Campanella, o nome do Estudo transcendental no. 3 de Franz Liszt (1811-1886), baseado no terceiro movimento
do Concerto p/ vln no. 2 de Nicolò Paganini (1782-1840). O uso desta técnica é raro entre os compositores não
violonistas. Guerra Peixe é um dos compositores que utiliza esta técnica em toda a sua obra. Está presente nas obras de
Villa-Lobos como o Estudos no. 11 (1929); nos Prelúdios 2 e 4 (1940) e no Concerto para violão e pequena
orquestra (1951). Radamés Gnattali utiliza-se da campanella nos Estudos 1, 4 e 5 (1967).
27
subtítulo de Ponteado nordestino, por ter sido escrito anteriormente sem o uso da sexta corda,
para também ser executado em uma viola sertaneja.
Guerra Peixe: compassos iniciais dos Prelúdios n o . 1 e 5
A Sonata (1969) é a primeira abordagem da forma realizada para violão solo
no Brasil, segundo o compositor, totalmente de sugestões nordestinas1 6 , e apresenta-se como
uma exceção entre os demais ciclos de sua obra violonística, compostos por miniaturas.
Dividida em três movimentos com duração aproximada de quinze minutos, esta obra
16 In. GUERRA PEIXE, César. Relacionamento cultural e artístico de Guerra Peixe com Pernambuco, p. 4,
item 8, MS, Rio de Janeiro, 04/04/1974.
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apresenta, em seu primeiro movimento, Allegro, uma intrincada estrutura com notáveis
contrastes sonoros entre os temas. O segundo movimento, um tranqüilo Larghetto, é
construído na forma ternária simples A-B-A. Uma brevíssima introdução abre o terceiro
movimento, Vivacíssimo, construído na forma de um rondó. A forma cíclica torna-se evidente
pelo uso de motivos comuns e pelas transformações temáticas que circulam nos três
movimentos.
Guerra Peixe: compassos iniciais do 1o mov. da Sonata para violão
No segundo grupo, estão as 10 Lúdicas, um ciclo didático comparável aos
conhecidos 20 Estudios Sencillos do cubano Leo Brouwer (1939) e aos Microestudios de Abel
Carlevaro, que pode perfeitamente ser apresentado como obra de concerto, nas versões para
violão solo e na reconstituição feita pelo autor com acompanhamento de cordas, que
transformou sobremaneira seu conteúdo expressivo. Podemos considerar as Lúdicas como um
ciclo de transição, quando na seqüência de sua obra violonística, o autor da Retirada de
Laguna mergulha nas suas obras de caráter didático do terceiro grupo (itens 6 a 7). Temos
aqui as Breves, divididas em 6 pequenas suites, cada uma com três movimentos, e as 4 pequenas
peças do Caderno de Mariza. Aqui, como já apontamos, o compositor reconstruiu, sem
29
concessões, um verdadeiro microcosmos do seu universo sonoro. Peixinhos da Guiné, obra que
pode também ser utilizada didaticamente, é apenas uma simples criação sobre um tema recolhido,
razão pela qual a colocamos isoladamente no quarto grupo (item 8).
Guerra Peixe: compassos iniciais da Lúdica no. 8
Como vimos anteriormente, Radamés Gnattali, pelo seu perfil de músico que
transitava com naturalidade entre as práticas da música popular e da música de concerto,
representou uma exceção frente às primeiras iniciativas isoladas de Guarnieri, Guerra Peixe e
Eunice Katunda, na década de 40. Suas primeiras composições para violão foram escritas em
um período do intenso no dia a dia dos trabalhos na Rádio Nacional, convivendo com
violonistas como Laurindo de Almeida, Dilermando Reis e José Menezes (1921) e
principalmente Anibal Augusto Sardinha, o ‘Garoto’, que fez a estréia de suas primeiras obras 17.
Pelo conjunto de sua produção, foi o compositor que mais escreveu para violão
na história da música brasileira e o que manteve um contato quase constante com a criação de
obras originais, além de numerosos arranjos e transcrições. Combinando os dados das tabelas
acima, verificamos que Gnattali trabalhou na composição para violão nos anos de 1944, 1948,
1950, 1951, 1954, 1957, 1959, 1966, 1967, 1969, 1971, 1981, 1983 e 1985, tendo portanto
17 Temos o registro deste período da Tocata em ritmo de samba no. 1 de Gnattali, executada por Anibal
Augusto Sardinha, em uma gravação particular contida no acervo do Prof. Ronoel Simões (1919). Outro registro
feito por ‘Garoto’, em acetato, em 22/08/1954, é o Concertino no. 2 de Gnatalli, com a Orquestra Sinfônica da
Radio Gazeta de São Paulo, dirigida por Armando Belardi, obra esta estreada no ano anterior pelo mesmo
intérprete no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, com a orquestra dirigida por Eleazar de Carvalho.
30
uma produção que se estende por 41 anos, num total aproximado de 19 obras originais aqui
levantadas, escrevendo em média uma obra violonística a cada dois anos 18.
Tinha um gosto particular por escrever música para os amigos. Este fator,
aliado à sua maneira prática e rápida de compor, e a uma percepção aguçada para entender o
temperamento do executante para quem estava escrevendo, fez sua obra violonística crescer
consideravelmente, estando internacionalmente entre os compositores mais prolíficos.
Diferentemente de Guarnieri, Guerra Peixe e Theodoro Nogueira, as primeiras obras vieram
sob influência de Aníbal Augusto Sardinha e naturalmente da música popular daquele
período, envolta em influências jazzísticas 19 . O convívio com várias gerações de violonistas
brasileiros o coloca entre os mais hábeis no tratamento da escrita violonística, porém, sem
grandes mudanças de estilo.
Radamés Gnattali: compassos iniciais da Tocata em ritmo de samba no. 1
18 Neste trabalho, nos limitamos somente a considerar as obras originais de Gnattali. Um trabalho sobre suas
transcrições e arranjos envolvendo o violão pode ser de grande valia. É provável que a obra de Radamés
Gnattali permaneça por muito tempo sem uma revisão completa e sua produção violonística não foge a esta
realidade, pois está cercada de problemas de diversas ordens.
19 Como Francisco Mignone, Gnattali, para sobreviver, atuou como músico popular nas mais variadas
atividades. Porém, diferentemente de seu colega, trabalhou com música popular até o final de sua vida. Vale
mencionar aqui uma referência publicada num artigo em O Estado de São Paulo, São Paulo, 12 fev. 1939 e
editado em ANDRADE, Mário. Música, doce música, cap. intitulado “Música nacional”. Cit. em BARBOSA,
Valdinha & DEVOS. Anne Marie. Radamés Gnattali, O Eterno Experimentador. p. 47, Rio de Janeiro, MEC-
Funarte, 1985...Há de falar também de um compositor novo, mal conhecido dos paulistas, o gaúcho Radamés
Gnattali. Tem uma habilidade extraordinária em manejar o conjunto orquestral, que faz soar com riqueza e
estranho brilho. É certo que “jazzifica” um pouco demais para o meu gosto defensivamente nacional, mas
apesar de sua mocidade, já domina a orquestra como raros entre nós. É a nossa maior promessa no momento.
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Radamés Gnattali: compassos iniciais da Bossa nova, 1o. mov da Brasiliana no. 13
Em meados dos anos 80, quando Gnattali escrevia suas últimas obras, seu estilo
particular e inconfundível estava bem de acordo com as tendências que mais atraíam os violonistas
naquele momento, estabelecendo vínculos com uma música popular onde o jazz, a bossa nova e o
tango de Astor Piazzolla (1921-1992) predominavam. Este modismo continua sendo um dos
caminhos prediletos da grande maioria dos compositores e intérpretes do violão atual.
2- Retomando a produção das tabelas acima, temos a presença significativa de compositores
ligados a Camargo Guarnieri. De Ascendino Theodoro Nogueira, Lina Pires de Campos
(1918), Osvaldo Lacerda (1927), Sérgio de O. Vasconcellos Corrêa (1934) e Eduardo
Escalante (1937), seguidores mais fiéis da estética guarnieriana, até Eunice Katunda, Marlos
Nobre (1939), Almeida Prado (1943) e Aylton Escobar (1943), que percorreram outros
caminhos, em alguns casos e em certos momentos, retomando a prática de um nacionalismo
revisto e renovado.
3- Compositores como Francisco Mignone, Ascendino Theodoro Nogueira e César Guerra
Peixe, individualmente escreveram um número maior de obras para violão do que Villa-
Lobos. Radamés Gnattali não chega a ultrapassar o autor do Rudepoema em obras para violão
solo, mas suas produções camerísticas e para violão e orquestra somadas, fazem do
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compositor gaúcho, como vimos, o mais prolífico dos compositores brasileiros no que se
refere à criação de obras violonísticas. O conjunto desta sua produção é também maior,
comparado com todos os demais compositores aqui abordados. Mignone escreveu a maior
quantidade de obras para violão solo, Theodoro Nogueira a maior quantidade de ciclos e
Guerra Peixe uma obra didática única, como mostram as tabelas anteriores e a que segue:
Villa-Lobos Mignone Th. Nogueira Gnattali Guerra Peixe
Suite popular
brasileira
(05 mov.)
Modinha Ponteio Dança Brasileira Suite (3 mov.)
Choros no. 1 Repinicando 05 Valsas-Choro 02 Tocatas em
ritmo de samba
05 Prelúdios
12 Estudos Minueto fantasia 06 Brasilianas 10 Estudos Sonata (3 mov.)
05 Prelúdios Choro 12 Improvisos Brasiliana no. 3
(03 mov.)
10 Lúdicas –
(o.d.)
12 Estudos 04 Serestas Pequena suite
(03 mov.)
Breves
(6 suites) – (o.d.)
12 Valsas Canto Caipira
no. 5
Caderno de
Mariza – (o.d.)
Brazilian Song Peixinhos da
Guiné
Valsa de Esquina
Variações sobre
Luar do Sertão
Batuque
4- Entre 1944 e 1973, não há uma só obra escrita para violão fora da estética nacionalista,
razão pela qual propomos que o período entre 1944 e 1975, ano da conclusão do Concerto
para violão e orquestra do autor das Valsas de Esquina, seja uma referência histórica
importante. Portanto, em relação ao repertório internacional, sem precisarmos entrar nas obras
da avantgarde mais radicais deste período, a produção brasileira mostra um perfil claramente
conservador. O Livro das 6 cordas, de José Antônio de Almeida Prado, Momentos I, de
Marlos Nobre e a Ritmata, de Edino Krieger (1928), escritas todas em 1974 e dedicadas a
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Turíbio Santos, marcaram o início de uma nova fase do repertório violonístico brasileiro, pelo
conteúdo de elementos explorados pela vanguarda da época.
Almeida Prado: trecho inicial do Discurso, 1a parte do Livro para seis cordas
5- Com exceção de César Guerra Peixe e Radamés Gnattali, todos os demais compositores não
violonistas demonstraram pouca familiaridade em escrever para violão. Os acima citados não
foram sequer violonistas amadores, mas tiveram na juventude, através da música popular, um
contato direto com o instrumento, o que lhes possibilitou um maior domínio da escrita violonística.
Em relação aos demais, teríamos de desenvolver um estudo particular com cada autor, como
faremos adiante com Francisco Mignone e suas 12 Valsas Brasileiras na Forma de Estudos. No
decorrer da história do violão no séc. XX, como vimos acima, este problema foi contornado
através do trabalho conjunto entre intérpretes e compositores. No caso brasileiro, isto se deu em
pequena escala, resultando em uma grande quantidade de obras de considerável dificuldade técnica
e de pouco rendimento sonoro, e que não atraiu a atenção dos intérpretes, em sua maioria omissos.
34
6- A predominância de pequenas formas, como o prelúdio (ponteio), o estudo, a peça de
caráter e as danças, como a valsa e a valsa-choro, apresentadas isoladamente ou em ciclos,
indica uma limitação à exploração de formas maiores e mais elaboradas. Naturalmente, isto
também ocorreu pelo pouco domínio da escrita violonística, com exceção das obras de câmara
e dos concertos, concentrados principalmente na produção de Gnattali, onde a manipulação de
formas de dimensões maiores foram mais facilmente abordadas. Uma sonata para violão solo
em três movimentos apareceu somente em 1969, como vimos, através da iniciativa de Guerra
Peixe.
7- A partir de 1963, uma quantidade significativa de compositores escreveu cada um apenas
uma obra para violão solo, fato também decorrente do pouco conhecimento da escrita
violonística. São os casos de Aylton Escobar (1943), Adelaide Pereira da Silva, Ernst Mahle
(1929), Jorge Antunes (1942), Raul do Valle, Amaral Vieira (1952), Esther Scliar (1926-
1978), Mário Ficarelli, José Alberto Kaplan (1935), Ronaldo Miranda (1948) e José Vieira
Brandão (1911).
8- O fenômeno da pequena e da grande produção espalhada por longos períodos, com exceção
feita à obra de Theodoro Nogueira, concentrada nos anos 50, e de Radamés Gnattali,
considerando a totalidade de sua produção, como mostram as tabelas anteriores e a seguinte:
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Autor Seqüência da ordem cronológica das obras para
violão solo
Camargo Guarnieri 1944, 1954, 1958, 1982, 1986
Guerra Peixe 1946, 1966, 1969, 1970, 1979, 1981, 1983, 1984
Radamés Gnattali 1948, 1951, 1967, 1981, 1983, 1985
Theodoro Nogueira 1949, 1955, 1957, 1958, 1959, 1960
Francisco Mignone 1953, 1970, 1976, 1980
Edino Krieger 1955, 1974, 1987
Vasconcellos Corrêa 1959, 1974, 1986
Osvaldo Lacerda 1959, 1960, 1961
Eunice Katunda 1963, 1972, 1973
Aylton Escobar 1963
Adelaide P. da Silva 1970
Eduardo Escalante 1971
Pinto da Fonseca 1972
Guerra Vicente 1973
Marlos Nobre 1974, 1975, 1976, 1977, 1982, 1984
Almeida Prado 1974, 1975, 1981, 1983
Ernst Mahle 1975
Pires de Campos 1975, 1978,
Jorge Antunes 1976
Raul do Valle 1977
Amaral Vieira 1978
Ester Scliar 1978
Ernst Widmer 1978, 1979, 1989
Mário Ficarelli 1979
J.A. Kaplan 1980
Cláudio Santoro 1982, 1983, 1985
Bruno Kiefer 1983
Ricardo Tacuchian 1983, 1984, 1988
Ronaldo Miranda 1984
Vieira Brandão 1984
9- A quase totalidade das obras para violão solo editadas no Brasil foi composta entre 1944 e
1975. Estão hoje praticamente esgotadas e fora de catálogo. Com a música de câmara e a
música para violão e orquestra, o predomínio é de obras não editadas, o que resulta em um
desconhecimento geral deste repertório, falta de distribuição e dificuldade de acesso.
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10- Há poucos intérpretes interessados neste repertório. Naturalmente, devemos considerar o
trabalho heróico daqueles que abordaram esta produção pela primeira vez. Portanto, os
registros fonográficos deixados por estes pioneiros são documentos de grande importância
para a história do violão brasileiro. Infelizmente, estas gravações também estão esgotadas e
fora de catálogo, com pouca possibilidade de serem reeditadas, tendo como conseqüência,
como temos visto, o acesso cada vez mais difícil.
11- Francisco Mignone, com uma seqüência de obras de porte como os 12 Estudos (1970), as
12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos (1970) e o Concerto (1975), encerra um período
da história do violão brasileiro ligado ao nacionalismo preconizado por Mário de Andrade,
mesmo com o seu, Batuque a produção didática de Guerra Peixe e a última obra de
Guarnieri, a Valsa-Choro no 2 (1986).
Concluímos este capítulo estabelecendo que na história do violão brasileiro
encontramos três grandes linhas ou vertentes. A primeira, sempre contínua, da tradição secular
da música popular em suas manifestações mais espontâneas, e mais recentemente não tão
expostas à grande mídia. A segunda, dentro da tradição da música de concerto, iniciada e
liderada pela figura de Villa-Lobos, que ainda hoje sobrevive dentro das grandes contradições
da criação musical contemporânea 2 0 . E a terceira, que tomou corpo nos anos 80, representada
pela figura de Radamés Gnattali, tem como proposta o convívio da música de concerto com
uma faixa da música popular de mercado.
20 Aqui incluídas todas as tendências.
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2. A obra violonística de Francisco Mignone
Francisco Mignone deu uma importante contribuição à literatura violonística
brasileira. No capítulo anterior, pudemos constatar que o compositor paulista foi, entre nós,
um dos que mais escreveu obras originais para violão. Em seu último catálogo, elaborado em
ordem cronológica por Maria Josephina Mignone (1923), esposa do compositor, também
constam uma quantidade significativa de transcrições 1.
Podemos ir ainda mais adiante, constatando que a obra violonística do autor das
Lendas sertanejas, figura entre as mais importantes da literatura violonística internacional 2.
De posse deste último catálogo, mais as indicações das tabelas do primeiro
capítulo e com novas informações, reelaboramos, para nosso estudo, o seguinte catálogo da
obra para violão de Francisco Mignone:
1 MIGNONE, Francisco. Vasco Mariz (organizador) Francisco Mignone, O homem e a obra, p. 191, Rio de Janeiro, Funarte & ED.UERJ, 1997. Na página 155, que inicia este catálogo, Maria Josephina Mignone escreveu: ...”É provável que alguma outra obra ainda venha a ser localizada após esta publicação”. 2 Ver: SUMMERFIELD, Maurice J. The Classical Guitar, its evolution, players and personalities since 1800, fourth edition, p. 310, Newcastle-upon-Tyne, 1996.
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1 - OBRAS ORIGINAIS PARA VIOLÃO SOLO
Ano Título Edição Observações 1953 Choro MS Dedicada a Monina
Távora 1953 Minuetto-Fantasia GR
1953 Modinha GR Dedicada a Monina Távora
1953 Repinicando MS
1970 Brazilian Song GR
1970 12 Estudos CO Dedicados a Carlos Barbosa- Lima
1970 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos VI Dedicadas a Isaías Sávio. 1a. Audição: Edelton Gloeden, Centro Universitário Maria Antônia / USP, São Paulo
1973 Lundu do Imperador MS Da ópera O Chalaça
1976 Valsa de Esquina FE 1976 Variações sobre o tema Luar do Sertão de Catullo da
Paixão Cearense FE
1980 Batuque MS Dedicado a Turíbio Santos
2 - OBRAS ORIGINAIS PARA DOIS VIOLÕES
Ano Título Edição Observações 1974 Prelúdio e Fuga MS 1974 Canção Sertaneja MS 1981 Choro MS Dedicado aos Irmãos Assad
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3 - OBRAS ORIGINAIS PARA VOZ E VIOLÃO
Ano Título Edição Texto Observações 1976 Choro MS vocalize 1976 Dialogando MS vocalize 1976 O impossível carinho MS Manuel Bandeira Obra baseada na
7a. Valsa de Esquina p/ pn.
4 - OBRA PARA VIOLÃO E ORQUESTRA
Ano Título Edição Observações 1975 Concerto para violão e orquestra RA Dedicado a Carlos Barbosa-Lima.
1a. Audição: 04/05/1977, solista: Carlos Barbosa-Lima, Orquestra Sinfônica de Lousisville, Kennedy Center, Washington
5 - TRANSCRIÇÕES PARA VIOLÃO SOLO DO AUTOR
Ano Título Edição Observações sd 8a Valsa de Esquina MS Original p/ pf, MG, 1940 1970 Valsa-Choro no.1 MS Original p/ pf, RB, 1946 1970 Valsa-Choro no.3 MS Original p/ pf RB, 1950 1970 Valsa-Choro no.5 MS Original p/ pf, RB, 1950 1980 Lenda Sertaneja ME Original p/ pf, Lenda Sertaneja no. 7, EM, 1932 1980 3 Valsas Brasileiras MS Originais para pf.
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6 - TRANSCRIÇÕES PARA DOIS VIOLÕES DO AUTOR
Ano Título Edição Observações s.d. Canção Sertaneja
no. 8 MS Título original Lenda Sertaneja no. 8 p/ pf, RB,
1938
1974 Canção da garoa MS Pequena Valsa de Esquina no. 2 p/ pf, MA, 1964 1974 4 Valsinhas MS Apenas duas localizadas. Pequenas Valsas de
Esquina no. 1 e no. 5 p/ pf, MA, 1964. 1974 Lenda Sertaneja no. 4 MS Original p/ pf, CE, 1930 sd Lundú GR Original p/ pf, TO, 1947 sd Mandinga doce MS Canção sertaneja assinada por Chico Bororó, com
texto de Décio Abramo, CC, sd sd Marvadinho MS Original p/ pf, CE, 1936 sd Num vorto a pé MS Cateretê assinado por Chico Bororó, com texto de
Salvador Soares, CC. sd Valsa-choro no. 10 MS Original p/ pf
7 - TRANSCRIÇÕES PARA VOZ E VIOLÃO DO AUTOR
Ano Título Edição Texto Observações 1976 Pardonnez moi MS Beatrix Reynal Original p/ v e pf, 1943, MS 1976 Vous reverrai-je um jour ? MS Beatrix Reynal Original p/ v e pf, 1944, MS 1980 Nana MS An. Original p/ v e pf, 1928, RB 1980 Las Mujeres son las moscas MS An. Original p/ v e pf, 1928, RB
8 – TRANSCRIÇÃO PARA ORQUESTRA DE VIOLÕES
Ano Título Edição Observações 1983 Dança do Chico-Rei e da Rainha N’Ginga MS Extraída do bailado Maracatu
do Chico-Rei (1933)
Sabemos que, durante a infância e juventude, Mignone desfrutou uma intensa
vida musical, freqüentando os mais diversos ambientes. Da ópera, do conservatório, passando-
se por Chico Bororó até as serenatas de rua. Sobre estas, numa entrevista, o compositor
relatou:
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...Bem, eu tocava nos cinemas e à noite, após a sessão, saia em companhia de outros músicos: eu com violão ou flauta, outros com clarinetas, pandeiros, etc. Íamos cantando pelas ruas da cidade...cantando e improvisando, e tal...Em geral as serenatas eram destinadas a alguma moça – namorada – ou conhecidos. Íamos até a casa delas, tocávamos e cantávamos. Isso quando os pais permitiam. às vezes éramos surrados, ou levávamos boas bacias de água na cabeça...3
Nestas impressões, Mignone não deixa dúvida sobre o seu envolvimento nas
serenatas pelas ruas paulistanas do início do séc. XX, e o que isto o influenciou principalmente
nas suas valsas e choros, onde é bem peculiar encontrarmos uma sonoridade exageradamente
violonística.
À parte estas impressões, temos alguns registros relacionados com Mignone e o
violão. O primeiro data de 1930, quando era diretor artístico da Parlophon. Em março daquele
ano, o compositor recebia os violonistas Aníbal Augusto Sardinha, o Garoto, e Serelepe (D.
Montezano), para um teste, que logo após, transformou-se na primeira experiência
profissional de Garoto em disco 4.
Outro fato, foi a publicação, em 1937, de um arranjo para violão de Nazareth, a
terceira das Quatro peças brasileiras (1930) para piano, feita pelo violonista argentino
Antonio Sinópoli (1878 - ? ) 5.
3 BRIZA, Lucita. Surras, peladas e saraus modernos, entrevista inédita de Mignone realizada em 1975. Caderno de Sábado, p. 05, Jornal da Tarde, 30/08/1997, São Paulo. 4 ANTÔNIO, Irati & PEREIRA, Regina. Garoto, Sinal dos Tempos. Rio de Janeiro, p. 16, Funarte, 1982 (coleção MPB,5). 5 Na capa consta: F. MIGNONE/NAZARETH/Danza Brasileña/arreglo para guitarra de A. Sinopoli/1937/G. Ricordi & C. – Editores/ Buenos Aires. Sinópoli também editou pela mesma Ricordi argentina, o que nos parece serem os primeiros arranjos para violão de peças de Ernesto Nazareth (1863-1934) como Odeon, Brejeiro e Espalhafatoso.
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F. Mignone: compassos iniciais de Nazareth na transcrição de Sinópoli e no original
Em 1953, surgem as primeiras composições originais para violão. Duas delas,
Modinha e Chôro, foram publicadas nos primeiros números da prestigiosa Guitar Review e
dedicadas à violonista e professora argentina Monina Távora 6. São pequenas obras
6 Guitar Review, New York, no. 22, ano 1958 p. 10 e 11 (Modinha) e p. 16 e 17 (Chôro) e no. 47, p. 20 e 21, ano 1980 (Brazilian song). Ver Anexo. Adolfina Raitzin de Távora, conhecida como Monina Távora, a quem Mignone dedicou duas das peças escritas em 1953, a Modinha e o Chôro, foi discípula de Domingo Prat (1886-1944) e Andrés Segovia e posteriormente, responsável pela formação de dois dos mais prestigiados duos da história do violão, os brasileiros Sérgio e Eduardo Abreu e Sérgio e Odair Assad.
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despretensiosas e singelas, ideais para propósitos didáticos e que, de certa maneira, já apontam
para procedimentos que aparecerão na retomada de sua produção violonística nos anos 70.
Apesar de cauteloso, notamos certa familiaridade com a escrita violonística.
Podemos definir o Minuetto-Fantasia, como uma peça híbrida de traço clássico
na forma ternária simples (A-B-A-Coda). A Modinha, já bem ao seu estilo cantante, com a
indicação Lento, nel spirito di una serenata está construída num simples rondó A-B-A-B-A.
Já o Chôro e Repinicando, mais despojados que as peças anteriores, estão impregnados de
ritmos da música urbana que encontramos em João Pernambuco, Ernesto Nazareth e do
próprio Chico Bororó. Mignone tinha uma enorme facilidade de penetrar no universo destes
músicos, especialmente Ernesto Nazareth, sem dar a impressão de estar fazendo uma simples
reprodução de estilo ou cópia. Neste contexto, podemos incluir sua Brazilian Song (1970).
Dezoito anos depois, num depoimento para o Museu da Imagem e do Som,
sentimos uma certa insatisfação e reserva do compositor em relação ao violão. Não sabemos
se isto está relacionado com resultado final destas primeiras obras, ou simplesmente pelos
motivos expostos na declaração abaixo:
...Confesso que não sou muito admirador do violão, devido aquele negócio de escorregar o dedo na corda, aquele ruído que ninguém consegue tirar, nem o Segovia. E tem outra coisa, o violão é um instrumento simpático, durante vinte minutos, depois começa a ficar cansativo. Ele não tem grande variedade de sonoridade, sempre procurando posições complicadas, mas é um instrumento muito romântico, simpático. Mesmo um concerto do Segovia eu não consigo ouvir inteiro, depois da primeira metade estou mais do que satisfeito. E como não conheço bem o instrumento, prefiro não escrever, porque tem que pedir a outro o arranjo, sabe como são essas coisas, acabam dizendo que arrumaram a música para mim, que não conheço o violão e a gente tem que ter amor próprio 7.
7 Texto do depoimento dado no dia 15/10/68 p/ o Museu da Imagem e do Som no Rio de Janeiro. In: BARBEITAS, Flavio Terrigno. Circularidade Cultural e Nacionalismo nas Doze Valsas para Violão de Francisco Mignone. Dissertação apresentada à Escola de Música da UFRJ, p.76, Rio de Janeiro, 1995.
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Dois anos mais tarde, o conteúdo deste comentário parece ir abaixo, quando
Mignone escreve seus dois grandes ciclos para violão, os 12 Estudos e as 12 Valsas
Brasileiras em Forma de Estudos, concluídos em menos de dois meses. O encontro com o
violonista Carlos Barbosa-Lima foi decisivo para motivar o compositor à criação de suas
principais obras para violão. O intérprete paulista não somente fez as primeiras audições dos
Estudos e do Concerto, como um importante trabalho de revisão dos 12 Estudos, que
receberam uma primorosa edição em dois volumes pela Columbia Music Company em 1973.
Além disso, realizou, em 1978, o único registro fonográfico onde encontramos o seguinte
texto de autoria do compositor:
12 Estudos para violão de Francisco Mignone dedicados ao intérprete Carlos Barbosa-Lima 8 .
Em 1970, durante a realização do 2o. Festival Internacional de Violão de Porto Alegre, promovido pelo então Liceu Palestrina, Francisco Mignone, convidado pelos organizadores do Festival, teve a oportunidade de conhecer pessoalmente o festejado violonista Barbosa-Lima 9. Este tocou para o compositor vários prelúdios e estudos de Villa-Lobos. Após a execução magistral dessas obras, o intérprete perguntou e solicitou a Mignone: “porque o sr. não
escreve algo para o meu instrumento dedicando-me a obra?” E, disse mais, “dos nossos autores
toco apenas obras de Villa-Lobos porque não possuo e nem tenho de outros brasileiros”. De
pronto, prometi, entusiasmado pela solicitação, de pensar seriamente em atendê-lo. E, ao regressar ao Rio, de um jato, compus quatro estudos que, imediatamente remeti ao Barbosa-Lima. Este gostou e gabou as obras e fê-lo com tal calor que me estimulou a escrever mais oito estudos. E, com isso, tenho a plena certeza e convicção que enriqueci o patrimônio da literatura violonística brasileira que, excluindo a obra genial de Villa-Lobos, era muito pobre e insignificante e, no mais das vezes, baseado em arranjos e transcrições 10.
8 Texto da contracapa do LP Barbosa-Lima Interpreta 12 Estudos para violão de Francisco Mignone, LP Philips 6598-312, Rio de Janeiro, 1978. 9 Promovidos pelo Liceu Palestrina, os Seminários Internacionais de Violão de Porto Alegre, realizados conjuntamente com concursos internacionais, foram uma referência importante do violão sul-americano entre os anos de 1969 até 1985. Em 1974, tivemos a oportunidade de presenciar Carlos Barbosa-Lima interpretando uma seleção de estudos na presença do compositor. 10 Sobre esta afirmação, percebemos o desconhecimento do compositor sobre o repertório violonístico brasileiro naquele momento. É certo que o violão como instrumento de concerto no início dos anos setenta começava a firmar-se internacionalmente com o já consolidado repertório segoviano, as obras de Villa-Lobos e violonistas
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Villa-Lobos indiscutivelmente deu ao violão novas e insuspeitadas possibilidades. E é justamente pensando nisso que, relendo e estudando Villa-Lobos, me propus a ampliar e especular ainda mais as possibilidades do mais romântico dos instrumentos de corda. Cada estudo, por mim escrito, tem uma peculiaridade técnica que permite ao executor o emprego de todos os seus recursos artísticos interpretativos. São esses predicados que Barbosa-Lima aplica e desfruta com grande mestria e, sobretudo, admirável autoridade. Como autor não poderia desejar maior e melhor intérprete. Muito obrigado.
Num exame do manuscrito, constatamos que Mignone ocupou-se da
composição dos 12 Estudos entre agosto e o dia 15/09/1970, data assinalada no manuscrito
do último estudo, confirmando seu depoimento, sobre o curto espaço de tempo levado para a
composição de um ciclo de envergadura para um instrumento pouco familiar. Ainda mais
surpreendente, foi o tempo gasto para compor o ciclo das 12 Valsas Brasileiras em Forma de
Estudos, apenas seis dias, de 19 a 24/09/1970, como assinalam os manuscritos.
Seguimos com a reprodução de um trecho de uma recente entrevista de Carlos
Barbosa-Lima sobre o primeiro encontro com o compositor 11.
... eu encontrei com ele (Mignone) num dos Seminários Internacionais de Porto Alegre, naquela época áurea de Porto Alegre. Ele estava lá dando uma conferência, e eu lhe disse que depois de Villa-Lobos ninguém havia se arriscado a compor estudos para violão no Brasil 12. Ele gozou da idéia, conversamos muito, eu toquei para ele, e logo em seguida ele foi mandando pelo correio. Eu fui ficando entusiasmado, já revisava e mandava de volta porque percebi que estava se tornando uma obra realmente portentosa, digna do grande compositor que era Mignone. Era uma pessoa encantadora, tocava piano com um charme que você nem imagina, gostava de viajar, beber, conversar. Eu considero os Estudos um marco na história do violão.
como Narciso Yepes, Julian Bream, John Williams tomando suas posições. No capítulo anterior, podemos até admitir que a produção brasileira até 1970 ainda era pequena, mas não tão pobre e insignificante. 11 ZANON, Fábio. Entrevista com Carlos Barbosa Lima parte III, In: Violão Intercâmbio, no. 40, Ano VII, p. 23, mar/abr. 2000, Santos. 12 Camargo Guarnieri havia escrito seu Estudo no. 1 em 1958 e Radamés Gnatalli seus 10 Estudos em 1967, sendo o sétimo dedicado a Carlos Barbosa Lima.
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Ainda não muito satisfeito com a primeira edição dos 12 Estudos de Mignone,
nesta mesma entrevista Barbosa Lima declarou:
...Talvez eles mereçam uma nova edição, talvez Mel Bay se interessasse em fazer uma versão revisada, com algumas modificações que fiz e o Mignone gostou muito, e que viesse com um CD junto 13. Barbosa Lima comenta ainda nesta entrevista sobre os 12 Estudos como um ciclo e
também da dificuldade técnica do último da série.
...Eles são muito de tocar como um todo. Aquele Estudo no. 12 eu nem cheguei a tocar muito em público, é muito difícil. Na hora de gravar foi uma batalha. Fiquei feliz de ter saído logo de primeira, nem quis mexer muito porque ele não dá espaço para o intérprete relaxar, é uma dificuldade atrás da outra...14
A julgar por esta última observação, não somente o décimo segundo estudo,
mas como um todo, o ciclo de Mignone é um empreendimento árduo e de grande dificuldade.
Sua duração por volta de 43 minutos, com uma média por volta de 3 minutos e 15 segundos
por estudo, é aproximadamente 10 minutos a mais do que a média das gravações dos Estudos
de Villa-Lobos. Dentro deste perfil, esta obra de Mignone está entre os grandes ciclos de
estudos do repertório violonístico internacional.
Curioso observarmos o cuidado com a distribuição das tonalidades, um aspecto
que provavelmente Mignone notou nos estudos em Villa-Lobos. Enquanto que o centro tonal
13 Idem, ibidem. Esta foi a segunda abordagem da forma de estudo feita pelo compositor. A primeira foi em 1931, quando completou seus Seis estudos transcendentais para piano dedicados a Guiomar Novaes, uma obra de referência da literatura pianística brasileira. 14 Idem, Ibidem
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dos 12 Estudos de Villa-Lobos está baseado em mi, Mignone optou por um centro tonal em
sol, como podemos constatar na tabela abaixo 15.
Villa-Lobos – 12 Estudos (1929) Mignone – 12 Estudos (1970) 1- mi menor 1- la menor 2- LA MAIOR 2- re menor 3- RE MAIOR 3- SOL MAIOR 4- SOL MAIOR/mi menor 4- mi menor 5- DO MAIOR 5- la menor 6- mi menor 6- SOL MAIOR 7- MI MAIOR 7- fa # menor 8- do # menor 8- sol menor 9- fa # menor 9- SOL MAIOR 10- si menor 10- fa menor 11- mi menor 11- re menor 12- la menor 12- mi menor
Uma característica típica desta obra de Mignone, que não vemos nos estudos de
Villa-Lobos é a circularidade motívica, como nos casos Valsa em sol menor e na 4a. Valsa-
choro para piano como veremos adiante. Alguns exemplos abaixo:
1. Estudo no 5 com a Valsa em do menor:
15 Um estudo sobre as tonalidades dos 12 Estudos para violão de Villa-Lobos, foi apresentado por Marlos Nobre (1939), no texto do encarte do CD LC 4401, Joaquim Freire/guitar/ Marlos Nobre/ Homenagem a Villa-Lobos & Reminiscência/ Heitor Villa-Lobos/ Douze Etude (Doze Estudos), Léman Classics, Suiça, 1993.
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2. Estudo no 3 e Estudo no 9:
Aqui faremos uma primeira tentativa de estabelecer algumas relações de estilo e
de caráter entre os estudos, dividindo-os em 4 grupos:
1- Execução transcendental de perpetum mobile, nos . 1, 4, 8 e 12;
2- Melodia seresteira, nos. 2, 5 e 11 (Spleen), subtítulo assinalado no manuscrito;
3- Universo de Chico Bororó e seus contemporâneos nos. 3, 6 e 9;
4- Peças de caráter: no. 7 (Cantiga de ninar), subtítulo assinalado no manuscrito e no. 10,
chopiniano.
Interessante constatar que os estudos pertencentes ao terceiro grupo, ligado ao
universo de Chico Bororó e seus contemporâneos, foram escritos em sol maior e o único que
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faz alusão ao ritmo de valsa é o oitavo em sol menor, confirmando relações de caráter com
tonalidades.
Ao contrário do ciclo villalobiano, Mignone voltou-se essencialmente à tradição
romântica, privilegiando a melodia de caráter seresteiro. Indiscutivelmente, como apontava na
autocrítica de seu cinqüentenário, sua música para violão vinte e três anos após A parte
do anjo, confirmava a tendência natural à simplicidade porém com grande controle e
refinamento 16.
Depois dos 12 Estudos, Mignone começa a relacionar-se com outros
violonistas. Ao contrário de Radamés Gnatalli, não foram muitos os que mantiveram contato
com Francisco Mignone. Tentando estabelecer uma ordem cronológica, podemos citar:
Monina Távora, Carlos Barbosa-Lima, Isaías Sávio, o Duo Marly e Miriam Colla, o Duo
Sérgio e Odair Assad, Maria Lúcia Godoy e Sérgio Abreu, nos trabalhos para voz e violão, e
Turíbio Santos. O encontro com estes intérpretes também motivou a realização de um grande
número de transcrições, como podemos notar nas tabelas acima.
Não sabemos se o compositor mudou de idéia em relação aos arranjos de suas
obras feitos por terceiros, como declarou anteriormente. Se observarmos seu catálogo, o
hábito de realizar transcrições e orquestrações foi uma constante em toda sua trajetória. Suas
transcrições violonísticas, merecem um estudo à parte pois, na sua maioria, ficaram sem
revisão. Mignone não tinha o hábito de registrar a fonte original e às vezes mudava o título,
16 A minha música deverá ser, dia a dia, mais refinada como técnica, mais clara, franca facilmente compreensível para a maioria. IN: MIGNONE, Francisco. A Parte do Anjo: autocrítica de um cinqüentenário, p. 39, São Paulo, Mangione, 1947.
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como vemos nas tabelas acima, fazendo com que muitas destas transcrições passem
desapercebidas por originais 17.
O Lundú do Imperador é parte da ópera O Chalaça (1973). Pelo seu tamanho
e formato não se presta a uma execução desvinculada da ópera.
O Prelúdio e Fuga (1974) é uma importante contribuição para o repertório
brasileiro para dois violões. Possui partes instrumentais equilibradas e virtuosísticas muito
semelhantes as dos 24 préludes et fugues - Le Guitares bien Tempérées Op. 199 de Mario
Castelnuovo-Tedesco. O prelúdio em duas seções contrastantes é seguido por uma fuga de
corte acadêmico com um tema construído por duas células, uma cromática pronunciadamente
nacionalista e a outra barroca 18.
F. Mignone: compassos iniciais da fuga do Prelúdio e Fuga p/ 2 violões
O Concerto para violão e orquestra (1975) é ainda uma obra pouco conhecida
entre nós, apesar de ter sido estreada nos Estados Unidos em 1977, com grande sucesso. Com
uma escrita já bem desenvolvida, resultado das composições anteriores, leva uma
instrumentação camerística compreendendo: flauta, oboé, clarinete, fagote, vibrafone, celesta,
17 Fizemos uma primeira tentativa de informar em nossas tabelas quais foram as obras originais pelas quais e o compositor baseou suas transcrições. 18 Não foi possível localizar o Choro (1980) para dois violões.
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xilofone e cordas. Num exame da partitura, notamos que o primeiro e segundo movimentos
estão dentro da tradição romântica e o terceiro a afirmação da nacionalidade 19.
Em 1976, Mignone escreveu duas de suas obras menos interessantes. As
Variações para violão sobre o tema “Luar do Sertão”, de Catulo da Paixão Cearense e a
Valsa de Esquina. Nelas, não sentimos a espontaneidade e singeleza das pequenas peças dos
anos 50 e da Brazilian Song de 1970, que são muito apropriadas ao uso didático. Mignone
explorou o conhecidíssimo tema de Catulo da Paixão Cearense pela primeira vez em 1931,
quando escreveu variações para soprano ligeiro (coloratura) e piano. Sua segunda abordagem
para violão possivelmente foi concebida como música popular de efeito virtuosístico. A escrita
é quase totalmente pensada para instrumento de cordas de arco como um violino, com acordes
cerrados e longos trechos monódicos. Na Valsa de Esquina, há um desequilíbrio entre as
seções. A primeira é bem apresentada mas é seguida de outras duas não muito bem concebidas
para o instrumento.
Nas três peças para voz e violão de 1976, escritas para Maria Lúcia Godoy e
Sérgio Abreu, Mignone explorou o uso de linhas vocalizadas, que aparece por inteiro no
Chôro e no Dialogando e nas partes extremas de O Impossível Carinho.
As partes vocais são de dificuldade técnica considerável, tanto que as duas
primeiras podem ser executadas em instrumentos como flauta e clarinete, mais afeitos ao estilo
característico do choro urbano. Por sua vez, na canção O Impossível Carinho, Mignone faz
uma releitura da sua 7a. Valsa de Esquina, através do emprego de vocalize nas partes
19 Recentemente, a parte de solista mereceu uma primorosa revisão do violonista e luthier Sérgio Abreu. Ver Anexo.
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extremas e introduzindo a poesia de Manuel Bandeira na seção central 20. É possivelmente a
obra brasileira para voz e violão mais importante.
A produção violonística de Mignone encerrou-se em 1980, quando o
compositor completou o Batuque, no mais característico estilo de Chico Bororó e, desta vez,
mais desenvolvido do que as pequenas peças dos anos 50, com certa proximidade da temática
africana que tomou parte significativa de suas obras do começo da década de trinta.
Após estes comentários, podemos concluir este capítulo estabelecendo três
períodos na obra original para violão de Francisco Mignone:
O primeiro período é caracterizado pelo predomínio da música urbana ligada a
Chico Bororó, através das primeiras quatro obras escritas em 1953, como: Minuetto-Fantasia
e principalmente Modinha, Chôro e Repinicando. O segundo é caracterizado pela criação das
grandes obras feitas entre 1970 até 1976. É o mais criativo e importante, quando foram
escritos os 12 Estudos, as 12 Valsas Brasileiras em forma de estudos, o Prelúdio e Fuga, o
Concerto para violão e orquestra e O impossível carinho. No terceiro, uma volta à
simplicidade de Chico Bororó, com o Batuque.
20 Poesia musicada primeiramente por Camargo Guarnieri em 1930, um dos pontos altos da canção modernista brasileira.
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3. AS 12 VALSAS BRASILEIRAS EM FORMA DE ESTUDOS PARA VIOLÃO
3.1 – Aspectos musicais
A tradição da valsa brasileira presente entre compositores e violonistas
populares, refletida na obra de Mignone, foi captada por Luiz Heitor Corrêa de Azevedo
(1905-1992) neste trecho de “Si alza la tela”:
...E na estupenda coleção de 12 Valsas de Esquina..., (Mignone) procura fixar os rítmos e a cadência melódica de vários tipos de valsas encontradas na tradição musical brasileira: valsas de violão e valsas de pianeiros, serenatas rasgadas ou chorinhos caipiras 1. Entre estes violonistas populares, a valsa estava entre as danças prediletas,
aparecendo de maneira preponderante como música instrumental. Destacamos Américo Jacomino,
O Canhoto, nas primeiras décadas do séc. XX, autor da famosa Abismo de Rosas; passando João
Teixeira Guimarães, o João Pernambuco, com Sonho de Magia, possivelmente admirada por Villa-
Lobos até Dilermando Reis, que mais escreveu valsas para violão, entre as quais Se ela perguntar 2.
No repertório violonístico brasileiro de concerto, predomina a valsa-choro nas
abordagens de Villa-Lobos, Theodoro Nogueira, Sérgio Vasconcellos Corrêa (1934) e
Camargo Guarnieri. Uma única valsa foi escrita por Osvaldo Lacerda (1927). Valsas aparecem
também como movimentos da Suîte Nazareth (1963) de Eunice Katunda (1915-1985) e da
Brasiliana no. 13 (1983) de Radamés Gnatalli, sem esquecer o seu Estudo no. 2 (1967)
1 In: MIGNONE, Francisco. A parte do anjo: autocrítica de um cinqüentenário, pg. 17, São Paulo, Mangione, 1947. 2 Interessante confrontarmos o início de Sonho de Magia com o Prelúdio no. 5 de Villa-Lobos.
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intitulado Valsa seresteira. Após a abordagem de Mignone, apenas Camargo Guarnieri
escreveria a sua segunda Valsa-Choro em 1986.
Curioso notar que, no repertório internacional de 1920 até 1970, há poucos
exemplos de valsas entre compositores não violonistas. Citamos a Valse de Manuel Ponce
(1886-1948), da da coleção das 4 Piezas (1932), Segovia Op. 29 (1925) de Albert Roussel
(1869-1937), apesar de não levar a indicação de valsa, e Guido Santórsola (1904-1996), com
Vals Romantico (1944) e a Valsa-Choro (1961). Entre os compositores-intérpretes, temos as
famosas Vals Venezolanas de Antônio Lauro (1917-1986) e as de Agustín Barrios. Sob este
aspecto, concluímos que a contribuição de Mignone, pelo seu formato, não encontra
precedentes.
Mignone tinha um especial fascínio pelo passado histórico e artístico. A
começar pelos argumentos que escolhia para a maioria de suas óperas e bailados, até a
produção de música instrumental, notamos um gosto especial em tratar, à sua maneira, formas
e estilos antigos, talvez com um propósito de evocar o passado distante e recente de seu
tempo. Examinando seu último catálogo de música instrumental, deparamos com uma grande
quantidade de danças antigas, como o minueto, passando pelas antigas formas brasileiras como
modinha e lundu3. Até mesmo nas valsas, onde o compositor encontrava a total liberdade de
expressão, a memória foi um sempre um fator decisivo, como neste depoimento sobre a 8a.
Valsa de Esquina:
...A oitava valsa de esquina, na forma A-B-A, é a que tem o maior e melhor parentesco com as obras de Mignone quando, ainda era moço, escondido de si mesmo, escrevia música popular sob o pseudônimo CHICO BORORÓ. A obra tem todo o sabor e as características das valsas
3 Mariz, Vasco (organizador) Francisco Mignone, O homem e a obra. Rio de Janeiro, Funarte & ED.UERJ, 1997.
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suburbanas da garoenta paulicéia. Aqui é uma flauta, ali uma clarineta, acolá um violão, alhures uma namorada ouvindo extasiada o embalo acariciante de uma serenata cantada ao luar...4
O entusiasmo pela valsa resultou em mais de uma centena de exemplares,
apresentados como peças isoladas ou dispostos em grandes ciclos. O piano é o instrumento
predominante, seguido pelo fagote e pelo violão, sem contar as mais variadas versões e
adaptações camerísticas e sinfônicas. Mesmo na idade provecta, quando parecia encerrada a
produção de valsas, Mignone surpreendia com a conclusão do segundo volume das 24 Valsas
Brasileiras e com a Última Valsa, sua derradeira composição. São poucos os textos onde o
compositor comenta sua obra de forma otimista, como este sobre a valsa que reproduzimos
em seguida:
Escrevi até hoje 53 valsas. No dizer de Manuel Bandeira sou, o “Rei da
Valsa”. Doze são as conhecidíssimas Valsas de Esquina. Seguem-se às doze Valsas-Choro, mais doze para violão, as recentíssimas e inéditas Valsas-Brasileiras para piano...., “Valsa
Elegante”, outra em sol maior e, finalmente, a que se denomina “Improviso Romântico”.
Tais peças formam o ciclo dessa, como diria o irreverente Mário de Andrade, “valsalhada”
toda. O porquê de tanta valsa vou procurar dizer a você meu paciente leitor. A “VALSA” originou-se na Áustria e Alemanha, a partir de 1770. Músicos célebres como Haydn, Mozart, Schubert e Beethoven contribuíram para a divulgação, seguidos pelos românticos Weber, Chopin, Schumann, Liszt e o puritano Brahms. Também não devemos esquecer os franceses, entre os quais estava Chabrier com sua famosa obra sinfônica “Espanha” e, mais tarde, os impressionistas gauleses Debussy (“La plus que
lent”), Ravel – autor das deliciosas e rebuscadas “Valses nobles et sentimentales” e o
aplaudidíssimo poema sinfônico “La Valse”. É importante assinalar que as quatro baladas
para piano de Chopin são outras tantas valsas que se juntam à Berceuse e à Barcarola. O Carnaval de Schumann, também para piano, contém muitos números valsísticos, e o genial Beethoven inicia a terceira sinfonia e a quarta com verdadeiros rítmos valsantes. Como vemos, a valsa tomou conta de toda a música ocidental. No Brasil, a valsa começou a ser manipulada pelo príncipe D. Pedro e pelo importado músico alemão Sigmund Neukomm. Francisco Manuel, autor do Hino Nacional, compôs, em 1834 a valsa “Beneficência” e, em 1847, “O Primeiro Beijo”. Henrique Alves de Mesquita escreveu, em 1867, a valsa “Saudades de Mme. Charton (sic)”. No século passado a valsa teve cultores em
todos os níveis, do popular ao erudito. Quando, afrancesada, veio ao Brasil, provocou uma enchurrada de valsas que lhe imitavam o estilo. Todo o mundo escrevia valsas com títulos
4 Texto de autoria do compositor, contido no LP Mignone interpretando Mignone. Rio de Janeiro. LP Philips-Polygram 6598-311, 1978.
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franceses. Nem “o gênio da ópera” e homem de teatro Carlos Gomes escapou à moda do
tempo. E compôs uma obra que ostentava o pomposo título: “Grande valsa de Bravoure”,
para piano. Na mão dos “chorões”, com seus cavaquinhos, violões e flautas a valsa começou a tomar características nacionalísticas. Anacleto de Medeiros, um regente de bandas, aparece com sua “Terna
saudade” e o festejado Patápio Silva – grande flautista da época – com a movimentadíssima “Primeiro Amor”. É bom saber que esta valsa foi uma das primeiras gravadas pela fábrica
“Odeon” no início deste século. Seguiram-lhe as pegadas Chiquinha Gonzaga e o inexaurível Ernesto Nazareth. Em Nazareth os cacoetes chopinianos são freqüentes e comprovam a boa formação pianística do compositor. Os autores brasileiros mais em evidência e filiados à corrente do Modernísmo cultivaram a valsa brasileira-nacionalista. Villa-Lobos reina soberano com “Tristorosa”, “A
dor” e “Impressões seresteiras”. Acompanha-o Lorenzo Fernandez, escrevendo “Valsa
suburbana”. E, antes deles, Nepomuceno também contribuía para a formação da valsa
brasileira. Pelo que expus, vocês podem avaliar a importância da valsa no Brasil e no mundo. Os atuais Camargo Guarnieri, Radamés Gnatalli, Osvaldo Lacerda, Teodoro Nogueira e Valdemar Henrique dão à valsa nacionalista uma força que transborda das nossas fronteiras e a tornam universal. Exatamente para fixar ainda mais este caráter nacionalista, grande parte da minha produção musical é destinada à valsa brasileira. Quando foram lançadas as “Valsas de Esquina”, todas elas dedicadas a
amigos e colegas, percebi que me esquecera de Manuel Bandeira. E este, que adorava essas valsas, me disse. “Você se esqueceu de mim!”. Retruquei: “Manuel, você não perde por esperar”. E as doze Valsas-Choro que se seguiram dediquei todas a ele. Ainda me lembro do seu sorriso satisfeito e adentuçado, quando leu a dedicatória. As “Valsas de Esquina” foram escritas para o público, as “Valsas-Choro” e
outras para violão com finalidade editorial e as “Brasileiras”, que aparecem neste disco,
exclusivamente para um “Brasil Brasileiro”, como diria Ari Barroso. Comecei a coleção de “Valsas Brasileiras” em 1962. Escrevi três, de pronto.
Interrompi a composição até 1979, quando fui acometido de enfarte. Nos dias em que estive acamado, recuperando-me, lembrei-me delas e prometi a mim mesmo completar a série. A de número quatro, que inicia este disco, começa com um preludiar de violão acompanhado mais tarde por uma flauta seresteira. É dedicada à menina Ana Helena Cazzani de Carvalho. Reparem que entre as sete valsas gravadas não há duas que se pareçam. A “Valsa Elegante” tem uma história análoga ao soneto de Felix Arvers: a
dama a quem dediquei esta peça e que amava secretamente, perguntou-me um dia: “Quem é
esta mulher?” Nunca lhe disse. guardei o segredo. Minto. Quem o sabia era o Mário de
Andrade, que está à minha espera lá em outras bandas...De início as valsas de esquina não tinham esse nome, não. Foi Mário de Andrade quem assim as denominou quando as ouviu pela primeira vez. Lembram aquelas valsas que à noite, debaixo dos bruxuleantes lampiões a gás das esquinas, os chorões tocavam em suas serenatas às amadas que, atrás das venezianas ou cortinas arreadas, ficavam ouvindo. As esquinas serviam de refúgio, caso aparecesse um parente na rua para afugentar os boêmios perturbadores do silêncio noturno...5
5 Texto de Francisco Mignone inserido da contracapa do LP 46.81.0385, Estúdio Eldorado Mignone, intérprete: Maria Josephina – participação especial do autor, São Paulo, 1980.
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Francisco Mignone sistematizou suas 12 Valsas Brasileiras em Forma de
Estudos para violão em doze tonalidades menores, dispostas numa seqüência cromática,
partindo de do menor até si menor. Mesmo não explorando a totalidade das 24 tonalidades,
isto não nos impede de colocar este ciclo entre as raras obras do repertório violonístico
baseadas na exploração do universo do sistema temperado, inicialmente posto em prática por
Johann Sebastian Bach (1685-1750) no Wohltemperiert Klavier (1722-1744), seguido por
Frédéric Chopin (1810 – 1849) nos 24 Préludes Op. 28 (1836-9) e por Dmitri Shostakovitch
(1906-1975) com os seus 24 Prelúdios e fugas (1950-1).
Na história do repertório do violão, as primeiras obras que exploraram este
universo apareceram no séc. XIX em meio a guitarromanie 6.
Com propósito didático, estas obras foram escritas pelo polonês Feliks Horecki
(1786-1837) e por Luigi Legnani (1790-1877) violonista e compositor italiano ligado a
Niccolò Paganini (1784-1840) 7.
No século XX, antes do ciclo de Mignone, estavam escritos os 24 Preludes
para violão (1929) do compositor mexicano Manuel Ponce e Les Guitares Bien Tempérées, 24
préludes et fugues pour deux guitares (1962) do compositor italo-americano Mario
Castelnuovo-Tedesco (1895-1968) 8.
6 O termo Guitarromanie refere-se às quatro primeiras décadas do Séc. XIX, na Europa Pós-Revolução Francesa, quando houve um grande cultivo da música para guitarra de seis cordas simples. 7 HORECKI, Feliks. 24 Studja Lub Cwiczenia, ze szcezgólnym uwzglednienniem arpeggia Op. 30, Varsóvia, PWN – 7555, sd e LEGNANI, L. Trente Six Capriches dans les tons Majeurs et Mineurs pour guitarre Op. 20, Paris, Richault. Ed. facsimilar, Milão, Ricordi, 1983. 8 Ver: PONCE, Manuel. 24 Preludes, London, Tecla Editions, 1981, prefácio de Miguel Alcázar e CASTELNUOVO-TEDESCO, Mario. Les Guitares Bien Temperées: 24 préludes et fugues pour 2 guitares Op. 199, 1a. ed. Firenze, Aldo Bruzzichelli – Editore, 1974. 2a edição, Bèrben, Ancona, 1996.
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Duas são as justificativas que apresentamos para a incluir estas doze valsas do
autor de O Chalaça, no contexto das obras que exploram o universo do sistema temperado.
São elas:
1- O caráter didático, ligado à demonstração prática do sistema temperado para o qual a
totalidade das obras mencionadas acima foram destinadas. No caso das valsas para violão, a
confirmação vem através do título 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos, que nos foi
revelado através do manuscrito citado 9. Outro fator que pode reforçar ainda mais a idéia de
uma obra didática desta natureza, é a dedicatória feita para Isaías Sávio, mestre de Carlos
Barbosa-Lima e o professor de violão mais prestigiado e requisitado do país naquele momento.
Além da homenagem a uma das mais importantes personalidades da história do violão
brasileiro, Mignone estaria apresentando, principalmente aos alunos de Sávio, uma obra para
violão que tinha como objetivo principal a exploração de tonalidades pouco usadas, além de
continuar ampliando as propostas apresentadas nos 12 Estudos;
2- O uso de 12 tonalidades menores na construção dos grandes ciclos de valsas, como uma de
suas principais características adotadas pelo compositor a partir das Valsas de Esquinas para
piano, como podemos constatar neste depoimento:
....e há uma coisa que talvez não devesse contar, mas como estamos aqui fazendo revelações...Nas Valsas de Esquina não há uma parecida com a outra, são doze valsas, uma diferente da outra. Isso porque estudei a fundo os Prelúdios de Chopin. Ele escreveu vinte e quatro e não há um ponto que se parece com outro, nem na tonalidade. Ele aproveitou as vinte e quatro tonalidades - maiores e menores – eu aproveitei as doze menores 10.
9 Ver Introdução e Fontes principais. 10 MIGNONE. F. Depoimento dado ao Museu da Imagem e do som em 15 de outubro de 1968. Fundação Museu da Imagem e do Som, p.7, Rio de Janeiro, 1991. Apud. BARBEITAS, Flavio Terrigno. Circularidade Cultural e Nacionalismo nas Doze Valsas para Violão de Francisco Mignone. Dissertação apresentada à Escola de Música da UFRJ, p. 91, Rio de Janeiro, 1995.
59
O seqüenciamento das 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos para violão,
como vimos acima, aparecerá no segundo volume das 24 Valsas Brasileiras para piano, ou
seja, da décima terceira até a vigésima quarta. Tal seqüenciamento não aparece nos demais
ciclos, bem como no primeiro volume das Valsas Brasileiras para piano.
Segue abaixo uma tabela, onde demonstramos o uso das tonalidades menores
nos ciclos valsas de Mignone para violão e para piano 11.
12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos p/ violão (1970)
12 Valsas de Esquina p/ piano (1938-40-43)
12 Valsas Choro p/piano (1946-50-55)
24 Valsas Brasileiras p/piano (1963-72-79-84)
do menor do menor si bemol menor do # menor do # menor mi bemol menor do menor fa # menor re menor la menor la menor re menor mi bemol menor si bemol menor sol menor sol menor mi menor mi menor si menor la menor fa menor fa # menor do # menor mi bemol menor fa # menor sol menor si bemol menor si bemol menor sol menor do # menor mi menor la bemol menor la bemol menor la bemol menor fa menor si menor la menor si menor re menor fa menor si bemol menor re menor la bemol menor mi menor si menor fa menor fa # menor do menor do menor do # menor re menor mi bemol menor mi menor fa menor fa # menor sol menor la bemol menor la menor la # menor si menor
11 No último grande ciclo pianístico de Mignone, ressaltando particularmente sua segunda metade onde o seqüenciamento das tonalidades é semelhante ao do ciclo violonístico, o caráter didático não se faz presente.
60
Não podemos deixar de mencionar que nas 16 Valsas para fagote solo (1981)
de Francisco Mignone, apenas uma foi escrita em tonalidade maior.
As 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos seguem uma mesma linha
estilística iniciada nas Valsas de Esquina (1938-42). Estruturação de tonalidades, tratamento
formal, contornos melódicos e a preocupação em firmar-se dentro da estética nacionalista. Esta
última característica nem sempre serviu de empecilho para que elementos da tradição européia
aparecessem em sua obra. Em suas valsas, está bem evidenciada a mistura entre o europeu e o
nacional. Seguem dois depoimentos sobre esta instabilidade de conviver entre o nacional,
como um caminho ideal preconizado por Mário de Andrade para sua carreira, e o europeu,
essência da sua natureza e formação.
1- As Valsas de Esquina foram escritas porque uma ocasião, numa discussão, sempre com o Mário de Andrade, o homem que mais me ajudou nesta parte, notamos que de todas as músicas brasileiras a que menos tinha sofrido influência da música americana era a Valsa, ela que se mantém genuinamente brasileira, apesar de suas origens serem de Chopin, ou italianas, espanholas, como queiram. Elas se mantêm num ponto em que posso fazer alguma coisa, e lembrei do meu tempo de seresteiro, daquelas Valsas que conheci em São Paulo um grande número delas... 12 2- No entanto, desejo reportar-me a um curioso episódio ocorrido, aí por volta de 1946, em casa de Luiz Heitor, na Rua dos Perecis. Estava presente Manuel Bandeira, amigo dileto do mestre, e Mignone atravessava um período de alguma depressão estética, pois julgava a sua própria música como demasiado fácil e mesmo vulgar. Em uma noitada íntima, estava Mignone ao piano interpretando uma de suas Valsas de Esquina, e eis que o compositor subitamente emendou acordes puccinianos e a melodia de E lucevan le stelle, da ópera Tosca. Deu dois murros no teclado e exclamou: “isto é que é a minha música!”. Foi um
constrangimento geral e todos procuraram consolá-lo e rebater sua afirmação 13.
12 Depoimento. Rio de Janeiro: Fundação Museu da Imagem e do Som, 1991. Apud. BARBEITAS, Flavio Terrigno. Circularidade Cultural e Nacionalismo nas Doze Valsas para Violão de Francisco Mignone. Dissertação apresentada à Escola de Música da UFRJ, pg. 82, Rio de Janeiro, 1995. 13 MARIZ, Vasco. Vida Musical, p. 216, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1997.
61
Dois anos após a morte de Mário de Andrade, ao completar cinqüenta anos,
Mignone publica, em 1947, seu A Parte do Anjo (autocrítica de um cinqüentenário), quando
assumia com naturalidade todas as influências sentidas sobre a sua criação, que posteriormente
foram confirmadas nos depoimentos que se seguiram até sua última obra.
Dois anos antes de escrever os 12 Estudos e as 12 Valsas Brasileiras em Forma
de Estudos, Francisco Mignone, aos 70 anos de idade, faz a seguinte declaração numa
entrevista ao Jornal do Brasil:
...Mas, voltando a minha fase nacionalista, devo declarar que não andava contente com que produzia. Dediquei-me, para esconder-me de mim mesmo, a acompanhar ao piano, reger orquestras, ser regente de rádio, membro da falecida CAC e professor de regência na Escola Nacional de Música. E perdi muito tempo. Quando voltei a ser senhor de mim mesmo, mandei às urtigas, em primeiro lugar, a árdua, complicada e sisifesca tarefa de regente... Mais uma coisa. Depois de dobrar o cabo das boas resoluções, aos sessenta e mais anos, entreguei-me a escrever música pela música. Aceito e emprego todos os processos de composição conhecidos. Transformo-os à minha maneira. Como sou e serei sempre um eterno insatisfeito, refaço cinco ou mais vezes as minhas obras. O que é certo é que mandei numa coisa: se antes entregava-me a um inútil não-vale-a-penismo, hoje reajo escrevendo uma obra atrás da outra, na ânsia de superar-me 14.
Por esta declaração, podemos detectar a razão de tantas transcrições e também
da rapidez com que Mignone escrevia neste período.
Mignone não utiliza propriamente a repetição de motivos próprios como
elementos condutores exclusivos de uma só obra. Em especial em suas valsas, fazia-os circular
livremente no conjunto delas como uma espécie de assinatura e autocitação. Junto a estes
procedimentos, a memória do passado se faz presente através de Chopin, da ópera italiana, de
Chico Bororó e outros.
14 Francisco Mignone aos 80 anos, excertos da entrevista ao Jornal do Brasil, a 6/4/1968. In MARIZ, Vasco (organizador). Francisco Mignone, O homem e a obra. Rio de Janeiro, p.45, Funarte & ED.UERJ, 1997.
62
A seguir, apresentaremos o quadro morfológico de cada uma das 12 Valsas
Brasileiras em Forma de Estudos, seguido de breves comentários sobre as características e
procedimentos apontados acima.
Valsa em do menor
Seção A
Moderato e romântico (compasso 01 até compasso 37) –
Seção B
Più Vivo (c.38 até o primeiro tempo do c.68) –
Coda
Molto Vivo (segundo tempo do c.68 até c.96)
Forma: Binária
Após a apresentação do tema principal da primeira seção, Mignone concentra
toda a escrita nas regiões média e grave até o final da peça. O intuito é explorar a sonoridade
característica das cordas graves do violão. Interessante notar que este é um dos recursos mais
usados nas suas valsas para piano, com a clara intenção de imitar um violão. Portanto, vemos
que o sentido de improviso e virtuosidade do Più vivo desta valsa para violão é praticamente o
mesmo que encontramos no Più vivo da p.05 da 12a. Valsa de Esquina.
63
F. Mignone: Trecho da Valsa em do menor
F. Mignone: Trecho da 12a Valsa de esquina
Certo toque chopiniano como a pontuação usada no exemplo abaixo, que
aparece em várias outras situações neste ciclo de valsas.
F. Mignone: Valsa em do menor, comp. 30 e 31
64
Valsa em do sustenido menor
A
Bem choroso e seresteiro (c.01 até c.32) –
A’
Calmo e espressivo (c.33 até c.60) –
B
a tempo (c.61 até c.93)
Forma: Binária simples
É possível que o motivo mais característico das valsas de Mignone, seja aquele
que ouvimos no início da 2a. Valsa de Esquina, a mais conhecida, com inúmeras versões do
próprio compositor. Três mínimas pontuadas como uma assinatura e autocitação. O mesmo
aparece na 10a. Valsa de Esquina.
F. Mignone: compassos iniciais da 2a e 10a Valsas de esquina
65
Nas 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos, este motivo característico
inicia a 2a. Valsa em do sustenido menor e a 4a. Valsa em mi bemol menor.
F. Mignone: compassos iniciais das Valsas em do sustenido menor e mi bemol menor
Valsa em re menor
Tema
Moderato (c.1 até c.16)
Variação I
(c.17 até c.32)
Variação II
(c.33 até primeira metade do c.48)
Variação III
Meno (segunda metade do c.48 até c.64)
Variação IV
Mais Depressa (c.65 até c.80)
66
Variação V
Assai Vivo (c.84 até c.99)
Variação VI
Meno (c.100 até a primeira metade do terceiro tempo do c.114)
Coda
(segunda metade do terceiro tempo do c.114 até c.122)
Forma: Tema e 6 Variações
Mignone aqui nos coloca diante da mais simples seqüência de acordes
construída sobre um baixo, à maneira de um antigo ground, como o vemos em When I laid in
earth do Dido and Aeneas, de Purcell. Nela o compositor nos revela a harmonia essencial que
utiliza em suas valsas.
F. Mignone: compassos iniciais da Valsa em re menor
67
Valsa em mi bemol menor
A
Lento e meditativo (c.01 até c.33) –
B
Allegre (c.34 até c. 65) – D.C.
A
Lento e meditativo (c.01 até c.33) –
Coda
(c.66 até c.87)
Forma: Ternária simples
Como vimos na Valsa em do sustenido menor, o início assemelha-se ao da 2a.
Valsa de Esquina. A influência de Chopin se faz presente na segunda seção, onde Mignone
faz a citação do motivo da segunda seção da Valsa Op. 64 no. 2, do mestre polonês,
apresentando-o na forma espelhada.
F. Chopin: motivo da Valsa Op. 64 no 2
F. Mignone: motivo da Valsa em mi bemol menor
68
Valsa em mi menor
A
Com muita vibração (c.01 até c.31) –
B
Meno e cantando (c. 32 até c.72) – D.C.
A
Com muita vibração (c.01 até c.31) –
Coda
Com abandono e tristeza (c.73 até c.90)
Forma: Ternária simples
Guardadas as devidas proporções, notamos que a instabilidade provocada pela
escrita rítmica e pela harmonia desta 5a. Valsa em mi menor possui um parentesco com a 12a.
Valsa de Esquina, como nos exemplos seguintes:
69
1. Início da Valsa em mi menor e início da 12a Valsa de esquina
70
2. Idem, trechos seqüenciais:
71
Valsa em fa menor
A
Lento e espressivo (c.01 até c.16)
B
a tempo (c.17 até c. primeira metade do primeiro tempo do c.33)
A’
(segunda metade do primeiro tempo do c.33 até c.58)
Forma: Ternária simples (Prelúdio)
Aqui, temos uma afinidade na construção temática com os Preludes Op. 28 de
Chopin, em particular o quarto da famosa série em mi menor. Além desta valsa, o Estudo no.
10, também em fa menor, segue o mesmo princípio.
72
F. Chopin: trecho inicial do Prelude Op.28 no 4
F. Mignone: trecho inicial da Valsa em fá menor
73
F. Mignone: trecho inicial do Estudo no 10
Valsa em fa sustenido menor
A
Andante com ar de modinha (c.01 até primeiro tempo do c.21) –
A’
a tempo ( segundo tempo do c.21 até c.37) –
B
a tempo (meio arrítmico e fantasioso) (c.38 até primeiro tempo do c.50) –
Coda
Bem devagar (segundo tempo do c. 50 até c.55)
Forma: Binária simples
74
Temos aqui a melodia colocada sobre um acompanhamento de acordes
repetidos, procedimento tipicamente pianístico. Um sinal que Mignone não havia ainda
familiarizado-se totalmente com uma escrita mais idiomática do violão. O uso de seqüências de
acordes em posição fechada, como nesta valsa, é constante em sua obra para violão.
Coincidentemente, na seção contrastante que segue, a partir do compasso 38, a seqüência de
acordes apresenta-se em posição aberta, onde a sonoridade do instrumento é favorecida por
uma escrita mais idiomática.
Valsa em sol menor
A
Movimentado e cantado (c.01 até c.29) –
B
Vivo (c.30 até c.61) –
A’
Io Tempo (c.62 até c.98) –
Coda
Bem Lento (c.89 até c.94)
Forma: Ternária simples
Aqui temos outra autocitação. O tema exposto na primeira seção desta. Valsa
em sol menor para violão é literalmente o mesmo do final da Valsa-Choro no. 4 para piano,
porém simples e sem ornamentações. Na retomada, este tema ganha uma nova variação,
diferenciada da obra pianística 15.
15 Detectamos esta autocitação quando ouvimos a seguinte gravação : Francisco Mignone. 12 Valsas-Chôros.
LP Festa LDR 5.002, Rio de Janeiro, 1962; Idem. ibidem. CD FT 1804, 1999.
75
Valsa em la bemol menor
A
Soturno (bem triste) (c.01 até c.36) –
B
Un poco più mosso (c.37 até c.50) –
C
Allegro mosso (c.51 até c.96) – D.C.
A
Soturno (bem triste) (c.01 até c.35) –
Coda
A tempo (c.97 até c.108)
Forma: Ternária simples
Novamente, a melodia exposta na primeira seção nos bordões concentrando a
escrita nas regiões média e grave. Na seção que segue, A Tempo ma un poco più mosso, novo
motivo com uso de harmonias em posição fechada, variado na segunda frase com passagens
em terças. No Allegro mosso, novo tema nos bordões sob persistente acompanhamento em
acordes em posição fechada.
76
Valsa em la menor
A
Preludiando calmamente (c.01 até c.016) –
B
Allegro deciso (c.17 até c.55) –
A’
Sempre Allegro ma poco meno del precedente (c.56 até c.71) –
A’’
a tempo e deciso (c.72 até c.83) –
Coda
Presto (c.84 até c.87) e Lento (c.88 e 89)
Forma: Ternária simples (Estudo)
Esta é de todas a que mais afinidades apresenta com a forma de estudo. A seção
inicial e sua primeira retomada, (A’) em modo maior, são estudos de sextas. Aqui, um contato
com a música rural, com a sonoridade do instrumento aproximando-se da viola sertaneja. A
segunda seção, Allegro deciso, apresenta-se como um estudo de notas repetidas que abre com
um motivo usado na Sonata no. 1 (1941). Na segunda retomada da seção (A’’)’, uma
combinação das dificuldades expostas.
77
F. Mignone: início da 2a seção da Valsa em lá menor
F. Mignone: trecho da Sonata no 1 para piano
Ressaltamos que, na segunda seção, a escrita se aproxima muito da utilizada em
instrumentos de arco. Daí a concentração dos acordes em posição cerrada.
78
Valsa em si bemol menor
A
Suave e meditativo (c.01 até c. 19) –
B
Più lento (c.20 até c.36) –
C
Più mosso e poco agitato (c.37 até c.66) –
B
Più lento (come prima) (c.67 até primeira metade do primeiro tempo do c.83) –
A
(c.83 até primeiro tempo do c.99) –
Coda
(segundo tempo do c.99 até c.120)
Forma: Palíndromo
De todas é a mais italianizante. Desde a chamada introdutória do Suave e
meditativo, passando pelo ‘belcantismo’ do Più mosso até o recitativo, que pouco a pouco
vai tomando forma no transcorrer da segunda seção.
79
Valsa em si menor
A
Com muita alegria e entusiasmo (c.01 até c.22) –
B
(c.23 até c.38) –
A’
(c.39 até c.55) –
C
Molto meno (c.56 até c.89) – D.C.
A
Com muita alegria e entusiasmo (c.01 até c.22) –
B
(c.23 até c.38) –
A’
(c.39 até c.46 indo para c.90 e c.91) –
Coda
(c.92 até c.104)
Forma: Ternária ABA’ – C – ABA’ Coda
80
A valsa que encerra o ciclo tem na sua primeira seção um seqüenciamento de
células rítmicas que ressaltam o caráter dançante. É seguido de uma seção, com um breve tema
sob pedal de dominante. Novamente, a retomada da seção inicial desta vez variada. Na seção
seguinte (C), uma melodia lírica começa a tomar forma, quando após a barra dupla no
compasso 64, um novo motivo percorre os seis compassos seguintes.
O ciclo das 12 Valsas Brasileiras em Forma de Estudos é o mais despojado
escrito por Mignone. Nele, há apenas o essencial. Notamos que, depois Valsa em re menor, a
música vai tornando-se mais intimista. O tratamento das tonalidades menores é bem diferente
daquele usado nos Estudos, mais interiorizado do que a luminosa atmosfera seresteira destes.
Alia-se a este fator, a sonoridade ‘escura’ das tonalidades de do sustenido menor, mi bemol
menor, fa menor, fa sustenido menor, la bemol menor e si bemol menor, que no violão são por
vezes “lúgubres”. Outro dado que enfatiza a atmosfera noturna destas valsas, é o reduzido uso
de tonalidades maiores nas seções contrastantes. Aparecem apenas na Valsa em mi menor, na
Valsa em sol menor e na Valsa em la menor, sempre na tonalidade homônima.
81
3.2 – Fontes Principais
São duas as fontes principais que tivemos acesso para esta edição das 12 Valsas
Brasileiras em Forma de Estudos, de Francisco Mignone. Pela ordem de contato, são as
seguintes:
3.2.1 - A primeira edição lançada pela Irmãos Vitale S/A. Ind. e Com., São Paulo – Rio de
Janeiro, 1970. Cada uma das valsas foi editada separadamente para a venda em forma avulsa
no formato 22,6 x 31 cm, constando na página de rosto da primeira valsa: FRANCISCO
MIGNONE / 1a. VALSA / Em Dó Menor / PARA VIOLÃO / Digitada por / CARLOS
BARBOSA LIMA / 190 - Violão / Vinheta do editor / IRMÃOS VITALE / EDITORES /
BRASIL. A numeração de catálogo vai de 190 até 201. Na pág. 2, constam em todas a
dedicatória a ISAÍAS SÁVIO, o título 1a. Valsa em Dó Menor, no canto superior esquerdo a
indicação - Digitada por CARLOS BARBOSA-LIMA e no canto direito FRANCISCO
MIGNONE com a data colocada (1970) colocada abaixo do nome.
3.2.2 - O manuscrito pertencente à Irmãos Vitale S/A. Ind. e Com., São Paulo – Rio de
Janeiro, no formato 23 x 31 cm, com 36 páginas incluindo folhas de rosto, provavelmente
antecedeu a preparação da edição mencionada acima. Foi escrito a caneta-tinteiro preta, pelo
compositor, e apresenta dedilhado de Carlos Barbosa-Lima feito a lápis, e as anotações do
gravador em lápis de cor e caneta esferográfica. Possui correções feitas por apagamento e por
sobreposição de colagens à caneta- tinteiro e em certos trechos com caneta esferográfica. Todas as
valsas, exceto a segunda, apresentam folha de rosto e não são todas que constam as datas de
composição. Estas aparecem na Valsa em Do menor e a Valsa em Re menor, datadas de 19-9-70,
82
na Valsa em Fa sustenido menor, datada de 21-9-70, e nas Valsas em La menor e Si bemol menor,
datadas de 24-9-70. Esta última data aparece no final da décima segunda, Valsa em Si menor,
abaixo da assinatura do compositor.
Pela ordem, uma descrição de cada obra do ciclo. Na primeira, que apresenta o ciclo
e a primeira Valsa em Do menor, constam as seguintes indicações:
a- Numeração da Valsa em do menor colocada no meio da página em círculo;
b- Dedicatória a Isaías Sávio com letra não identificada no canto direito;
c- Título 12 VALSAS BRASILEIRAS / EM FÓRMA DE ESTUDOS feito em lápis de cor azul
marinho, pelo compositor;
d- Dedicatória a Isaías Sávio, que aparece novamente feita por Antônio Carlos Barbosa-
Lima;
e- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA Em Dó Menor/ para violão / de / FRANCISCO
MIGNONE / (1970);
f- Assinatura do compositor com local e data: Rio - 19-9-70 colocados abaixo da mesma;
g- Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo e,
h- Numeração de catálogo 190 v., no canto inferior direito.
A segunda, como vimos, não apresenta página de rosto, porém há a numeração
colocada em círculo à direita, entre a dedicatória e o título.
Na terceira, estão apresentadas as seguintes indicações na página de rosto:
a- Numeração da Valsa em ré menor colocada em círculo no canto direito da página;
b- Dedicatória a Isaías Sávio com letra de Carlos Barbosa-Lima;
c- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA em Ré Menor/ para violão / de /
FRANCISCO MIGNONE / (1970);
83
d- Assinatura do compositor, colocada ao lado direito da página, com local e data: Rio - 19-
9-70, abaixo da mesma;
e- Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo.
Na quarta, estão apresentadas as seguintes indicações na página de rosto:
a- Numeração da Valsa em mi bemol menor colocada em círculo no canto direito da página;
b- Dedicatória a Isaías Sávio, com letra de Carlos Barbosa-Lima;
c- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA em mi bemol menor/ para violão / de /
FRANCISCO MIGNONE / (1970);
d- Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo.
Na quinta, estão apresentadas as seguintes indicações na página de rosto:
a- Numeração da Valsa em mi menor colocada em círculo no canto direito da página;
b- Dedicatória a Isaías Sávio, com letra de Carlos Barbosa-Lima;
c- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA em mi menor/ para violão / de / FRANCISCO
MIGNONE / (1970);
d- Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo.
Na sexta, estão apresentadas as seguintes indicações na página de rosto:
a- Numeração da Valsa em fa menor colocada em círculo no canto direito da página;
b- Dedicatória a Isaías Sávio, com letra de Carlos Barbosa-Lima;
c- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA em fa menor/ para violão / de / FRANCISCO
MIGNONE / (1970);
d- Assinatura do compositor;
84
e- Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo.
Na sétima, estão apresentadas as seguintes indicações na página de rosto:
a- Numeração da Valsa em fa sustenido menor colocada em círculo no canto direito da
página;
b- Dedicatória a Isaías Sávio, com letra de Carlos Barbosa-Lima;
c- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA em fa sustenido menor/ para violão / de /
FRANCISCO MIGNONE / (1970);
d- Assinatura do compositor, colocada ao lado direito da página, com local e data: Rio - 21-
9-70, abaixo da mesma;
e- Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo, colocada no lado
esquerdo inferior.
Na oitava, estão apresentadas as seguintes indicações na página de rosto:
a- Numeração da Valsa em sol menor colocada em círculo no canto direito da página;
b- Dedicatória a Isaías Sávio, com letra de Carlos Barbosa-Lima;
c- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA em sol menor/ para violão / de / FRANCISCO
MIGNONE / (1970);
d- Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo.
Na nona, estão apresentadas as seguintes indicações na página de rosto:
a- Numeração da Valsa em la bemol menor colocada em círculo no canto direito da página;
b- Dedicatória a Isaías Sávio, com letra de Carlos Barbosa-Lima;
85
c- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA em la bemol menor/ para violão / de /
FRANCISCO MIGNONE / (1970);
d- Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo.
Na décima, estão apresentadas as seguintes indicações na página de rosto:
a- Numeração da Valsa em la menor colocada em círculo no canto direito da página;
b- Dedicatória a Isaías Sávio, com letra de Carlos Barbosa-Lima;
c- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA em La menor/ para violão / de / FRANCISCO
MIGNONE / (1970);
d- Assinatura do compositor, colocada ao lado direito da página, com local e data: Rio - 24-
9-70, abaixo da mesma;
e- Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo.
Na décima primeira, estão apresentadas as seguintes indicações na página de
rosto:
a- Numeração da Valsa em si bemol menor colocada em círculo no canto direito da página;
b- Dedicatória a Isaías Sávio, com letra de Carlos Barbosa-Lima;
c- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA em si bemol menor/ para violão / de /
FRANCISCO MIGNONE / (1970);
d- Assinatura do compositor, colocada ao lado direito da página, com local e data: Rio - 24-
9-70, abaixo da mesma;
e- Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo.
86
Na décima segunda, estão apresentadas as seguintes indicações na página de
rosto:
a- Numeração da Valsa em si menor colocada em círculo no canto direito da página;
b- Dedicatória a Isaías Sávio, com letra de Carlos Barbosa-Lima;
c- Título escrito a caneta-tinteiro, VALSA em si menor/ para violão / de / FRANCISCO
MIGNONE / (1970);
d- Assinatura do compositor, colocada ao lado direito da página, com local e data: Rio - 24-
9-70, abaixo da mesma;
e- A Indicação Digitada por Carlos Barbosa-Lima, feita pelo mesmo.
87
3.3 Critérios para a edição
A razão principal para o trabalho desta edição para as 12 Valsas Brasileiras em
Forma de Estudos de Mignone, é como vimos, dar condições para que a obra possa ser
executada. A primeira edição, lançada com muitos erros e sem uma devida revisão, contribuiu
para o esquecimento deste importante ciclo por mais de 31 anos. Mesmo Carlos Barbosa-Lima
que fez o dedilhado da primeira edição, reconhece a necessidade de uma nova revisão, com
aponta o trecho abaixo extraído de recente entrevista 1:
- Você as digitou, mas elas continuam bem difíceis de fazer resultar, não é mesmo ? É, na época eu tentei tornar possível tocá-las do jeito que o Mignone escreveu, mas hoje eu acho que elas precisam de uma revisão mais abrangente, sabe? Eu até tenho um aluno que, sob minha supervisão, fez um estudo e uma outra versão das valsas, se você quiser posso lhe mostrar.
Foram adotados os seguintes critérios para esta edição:
3.3.1 A utilização do manuscrito de Irmãos Vitale Editores como referência principal, por
apresentar-se mais completo e corrigido evitando os inúmeros erros da primeira edição;
3.3.2 A viabilidade de execução sem prejuízo do conteúdo do texto com realização de
intervenções na partitura diante das seguintes situações:
a. Impossibilidade de execução,
b. Comprometimento da execução, ou seja, execução possível mas com dificuldade técnica.
1 ZANON, Fábio. Entrevista com Carlos Barbosa Lima parte III, In: Violão Intercâmbio, no. 40, Ano VII, p. 21, mar/abr. 2000, Santos.
88
c. Correção dos erros da fonte principal de referência (manuscrito),
d. Suprir a falta de elementos necessários em determinados trechos que não constam no
manuscrito, como por exemplo, pausas e sinais de articulação,
e. Aumentar da clareza do texto. O manuscrito não apresenta muitas vezes um formato lógico
para acomodar a escrita do violão, em razão do espaço muito pequeno do pautado usado pelo
autor. Dentro deste item, chamamos a atenção para o dedilhado. Estes dois fatores nos levou
por vezes a alterar a disposição dos elementos na partitura, para aumentar a clareza do texto,
como no exemplo abaixo:
1. Original:
2. Edição:
As intervenções e demais trechos comentados nas notas da edição, p.144, estão
assinalados na partitura com uma chave com linha tracejada, como no exemplo abaixo:
89
Da mesma forma, a colocação de ligaduras desta nova revisão está apresentada
em forma de um semicírculo tracejado, como no exemplo abaixo:
Valsa em do menor, comp. 49
Os procedimentos utilizados nas intervenções são os seguintes:
1- Exclusão de notas,
2- Inclusão de notas,
3- Mudanças de posicionamento de acorde,
4- Uso de outras inversões de acorde,
5- Colocação de dedilhado
3.3.3 Com exceção do dedilhado e das ligaduras tracejadas, todas as intervenções estão
justificadas 2;
3.3.4 Abrir a edição com a inserção de cópia do manuscrito e da primeira edição da obra 3.
2 Ver Notas, p. 144. 3 Ver Anexo
90
3.4 Partitura
FRANCISCO MIGNONE
12 VALSAS BRASILEIRAS EM FORMA DE ESTUDOS PARA VIOLÃO (1970)
Edição: Edelton Gloeden
(2002)
Copista: Leonardo Camargos
144 3.5 Notas Valsa em do menor Compasso 18. No original:
Trecho de difícil execução. Solução apresentada: a exclusão da nota mi bemol no terceiro acorde; Compasso 19. No original:
Trecho de difícil execução. Solução apresentada: a eliminação da nota re no terceiro acorde; Compasso 30. No original:
Inserção de uma haste inferior na nota fa, que abre o compasso, transformando-a em uma semínima pontuada para tornar a escrita mais exata; Compasso 31. No original:
Inserção de uma haste inferior na nota fa, que abre o compasso, transformando-a em uma semínima pontuada, e exclusão das duas notas fa dos acordes seqüenciais, para tornar a escrita mais exata e possibilitar maior clareza da parte principal;
145 Compassos 52 e 53. No original:
Impossibilidade de execução do trecho. Apresentamos duas soluções: A primeira, excluindo a nota mi bemol, e a segunda dispondo o acorde em outra posição, como indicado na ossia; Compassos 54 e 55. Idem, compassos 52 e 53; Compasso 67. Colocação de uma pausa de semínima no terceiro tempo que não consta no manuscrito; Compasso 92. No original:
Impossibilidade de manter todas as notas do acorde na duração indicada, devido a mudança de posição necessária para a execução do motivo no baixo. Solução apresentada: mudança da escrita para possibilitar a execução, ou seja, o acorde com duração de colcheia e as devidas pausas. Valsa em do sustenido menor Compassos 01, 02, 03. Alteração, na ossia, da disposição das notas do acompanhamento para que as três mínimas pontuadas possam ser executadas na duração real; Compasso 19. Colocação de uma tratina na nota mi, mínima pontuada que não consta no manuscrito; Compasso 36. Seguimos a indicação do revisor do manuscrito, Carlos Barbosa-Lima, mantendo o harmônico na nota sol sustenido que abre o compasso; Compasso 44. Seguimos a indicação do revisor do manuscrito, mantendo o harmônico na nota fa sustenido que abre o compasso; Compasso 45. Colocação de uma pausa de colcheia no primeiro tempo que não consta no manuscrito;
146 Compasso 49. Idem, compasso 45; Compasso 50. Idem, compasso 49; Compasso 51. Idem, compasso 50; Compasso 52. Idem, compasso 51 e seguimos as indicações anteriores do revisor do manuscrito, colocando harmônico sobre a nota do sustenido que abre o compasso; Compasso 54. Colocação de uma pausa de colcheia no primeiro tempo que não consta no manuscrito; Compasso 55. Idem, compasso 54; Compasso 56. Idem, compasso 55; Compasso 57. Idem, compasso 56; Compasso 60. Idem, compasso 56. Valsa em do sustenido menor – (3) em F# Apresentamos novamente esta obra com uma opção de scordatura que utiliza a terceira corda afinada um semitom abaixo, para propiciar mais conforto na execução e riqueza tímbrica, sem nenhuma descaracterização sonora. Esta scordatura proposta é usada no estudo e execução da música renascentista, portanto familiar entre violonistas. Valem, portanto, todas as informações apresentadas na Valsa em do sustenido menor com a afinação normal. Valsa em re menor Compasso 51. No original:
Exclusão da nota mi dos acordes do segundo e terceiro tempos, para valorizar o fraseado;
147 Compasso 52. No original:
Exclusão da nota re do acorde do segundo tempo, para valorizar o fraseado; Compasso 53. No original:
Exclusão da nota re do acorde do segundo tempo, para valorizar o fraseado, e exclusão da nota la do segundo espaço do mesmo acorde, por impossibilidade de execução; Compasso 54. No original:
Exclusão da nota re do acorde do segundo tempo, para valorizar o fraseado; Compasso 56. No original:
Impossibilidade de execução do acorde do segundo tempo. Solução apresentada: exclusão da nota si bemol da terceira linha e incluir a nota re, quarta corda solta;
148 Compasso 60. No original:
Impossibilidade de execução do acorde do segundo tempo. Solução apresentada: exclusão da nota la do segundo espaço; Compasso 61. No original:
Impossibilidade de execução do acorde do segundo tempo. Solução apresentada: exclusão da nota si do acorde; Compasso 62. No original:
Impossibilidade de execução do acorde do segundo tempo. Solução apresentada: mudança na posição do acorde, passando a nota la para uma oitava acima; Compasso 63. No original:
Impossibilidade de execução do acorde do segundo tempo. Solução apresentada: exclusão da nota re;
149 Compassos 82 e 83. No original:
Trecho de difícil execução. Se a opção for o original, a solução apresentada é a seguinte: o uso de harmônico na nota la na segunda metade do segundo tempo, como indicamos na partitura, deixando-a ressoar até tocar acorde com fermata no compasso seguinte. O objetivo é amenizar a sonoridade ‘dura’ das quartas da região aguda no terceiro tempo. Apresentamos
também a solução impressa na ossia, transportando as notas graves do terceiro tempo uma oitava mais baixa, que resulta em execução mais cômoda e sonoridade mais ampla; Compassos 91, 92 e 93. No original:
Trecho de difícil execução para ser concatenado com as seqüências de movimento anterior e posterior. Sugestão apresentada: exclusão da nota sol no primeiro e no terceiro tempos do compasso 91, para permitir mais conforto nas mudanças sem prejuízo de sonoridade; Compasso 92. Trecho de difícil execução pela extensão dos dedos 1 e 4 da mão esquerda em meio à concatenação rápida dos movimentos. Solução apresentada: exclusão da nota si do segundo tempo, para permitir mais conforto nas mudanças sem prejuízo de sonoridade; Compasso 93. Impossibilidade de execução pela extensão dos dedos 1 e 4 da mão esquerda e também pela concatenação rápida de movimentos. Solução apresentada: exclusão da nota si do segundo tempo, para permitir uma troca de movimentos com mais conforto sem prejuízo de sonoridade;
150 Compassos 100 e 101. No original:
Exclusão da nota la (segundo espaço) dos acordes repetidos com função de acompanhamento, para valorizar o motivo em oitavas. A indicação de ragueado no original tem pouca funcionalidade e não é aplicável nas seqüências seguintes; Compassos 102 e 103. No original:
Exclusão da nota mi (primeira linha) dos acordes repetidos com função de acompanhamento, para valorizar o motivo principal escrito em oitavas; Compassos 104 e 105. Apesar do mi bemol grave da oitava, tocado na quarta corda, não poder ser mantido devido a troca de posição e a repetição dos acordes de acompanhamento, decidimos conservá-lo, para não alterar a escrita original em demasia; Compasso 106. No original:
Exclusão da nota la (segunda linha), dos acordes repetidos com função de acompanhamento, para valorizar o motivo principal escrito em oitavas. Apesar do la grave da oitava, tocado na quinta corda solta, não poder ser mantido devido a repeticão dos acordes de acompanhamento, decidimos conservá-lo, para não alterar a escrita original em demasia; Compasso 107. Apesar do sol grave da oitava, tocado na sexta corda, não poder ser mantido devido a repeticão dos acordes de acompanhamento, decidimos conservá-lo, para não alterar a escrita original em demasia;
151 Compassos 108 e 109. Apesar do sol grave da oitava, tocado na quarta corda, não poder ser mantido, devido a armação da posição e a repetição dos acordes de acompanhamento, decidimos conservá-lo, para não alterar a escrita original em demasia; Compassos 110 e 111. No original:
Exclusão da nota re (terceira linha) dos acordes repetidos com função de acompanhamento, para valorizar o motivo em oitavas. Apesar do re grave da oitava, não poder ser mantido devido a execução dos acordes de acompanhamento, decidimos conservá-lo, para não alterar a escrita original em demasia; Compassos 112 e 113. No original:
Exclusão da nota fa (primeiro espaço) dos acordes repetidos com função de acompanhamento, para valorizar o motivo em oitavas. Apesar do fa grave da oitava, não poder ser mantido devido a repetição dos acordes de acompanhamento, decidimos conservá-lo, para não alterar a escrita original em demasia; Compassos 114 e 115. No original:
Mudamos a disposição das notas de acompanhamento no compasso 114 para uma oitava acima e colocamos as colcheias da oitava em mínimas pontuadas, em razão do original resultar numa sonoridade ‘pobre e vazia’; Compasso 115. Impossibilidade de execução. A solução foi mudar a posição do acorde passando a nota do sustenido para uma oitava acima.
152 Valsa em mi bemol menor Compassos 01, 02, 03 e 05. Início de difícil execução na região aguda dos bordões, onde a afinação pode ser comprometida numa execução do ciclo ou numa seqüência com outras peças. Solução apresentada: a troca de naipe do acompanhamento, como está indicado na ossia; Compasso 32: No original:
Impossibilidade de execução. Solução apresentada: uso de outra posição do acorde. Valsa em mi menor Compassos 02, 04, 06, 10, 12 e 14. No manuscrito, falta uma colcheia ligada entre o primeiro e terceiro tempos. Ex.:
Compassos 01 e 02. No original:
Seqüência inicial de difícil execução devido a disposição das notas dos acordes do segundo compasso. Soluções apresentadas: 1- Dobramento das notas sol e si do acorde da segunda metade do terceiro tempo do primeiro compasso, para obter uma densidade que ressalta sem esforço a acentuação assinalada. 2- Inserção no acorde seguinte, no segundo compasso, de um harmônico na nota la tocada na quinta corda na décima segunda posição, antes do acorde como uma acciaccatura, com a função de completar a harmonia e dar possibilidade de montagem dos acordes seqüenciais;
153 Compassos 03 e 04. Seqüência semelhante aos compassos 01 e 02, de difícil execução, devido a disposição das notas dos acordes do quarto compasso. Soluções apresentadas: 1- Dobramento das notas sol e si do acorde da segunda metade do terceiro tempo do terceiro compasso, para obter uma densidade que ressalta sem esforço a acentuação assinalada. 2- Inserção no acorde seguinte, no quarto compasso, de um harmônico na nota la tocada na quinta corda na décima segunda posição, antes do acorde como uma acciaccatura, com a função de completar a harmonia e dar possibilidade de montagem dos acordes seqüenciais; Compassos 05 e 06. Dobramento da nota sol do acorde da segunda metade do terceiro tempo do compasso 05, para obter uma densidade que ressalte a acentuação sem esforço; Compassos 07 e 08. No original:
Acorde da segunda metade do terceiro tempo difícil de ser montado. Solução apresentada: uso de outra inversão; Compassos 09 até 14. No original:
Impossibilidade de execução da seqüência de acordes. Solução apresentada: exclusão da nota la de todos os acordes, embutida na harmonia pela ressonância da quinta corda solta no harpejo do acompanhamento;
154 Compassos 17. No original:
Dificuldade de montagem do acorde. Solução apresentada: uso de outra inversão; Compasso 18. No original:
Impossibilidade de execução da seqüência de acordes. Solução apresentada: prolongamento da nota re, última do compasso anterior tocada em harmônico até o final do compasso 18, e executar os acordes com três notas; Compasso 22. No original:
Impossibilidade de execução da seqüência de acordes. Solução apresentada: a exclusão da nota do no primeiro, segundo e terceiro acordes; Compasso 31. Dobramento em uníssono a nota sol, última do compasso como reforço tímbrico; Compassos 44 e 45. Impossibilidade de manter a nota si do baixo na duração indicada. Optamos por não alterar a escrita original; Compasso 49. Inserimos um bequadro na nota do apenas como precaução; Compasso 81. No original:
Seqüência de grande dificuldade de execução. Solução apresentada: exclusão da nota fa sustenido do primeiro tempo e da nota re sustenido do segundo tempo. Como a seqüência está toda construída sobre o acorde de dominante, a exclusão destas notas não alteram a sonoridade pretendida;
155 Compasso 85. Impossibilidade de manter as notas do no segundo e terceiro tempos na duração estabelecida. Optamos por não alterar a escrita original; Compasso 87. No original:
Seqüência de acordes de difícil montagem. Solução apresentada: troca da nota la por uma nota mi. em todos os acordes; Compasso 88. Colocação de pausas que não constam no manuscrito no segundo e terceiro tempos. Valsa em fa menor Compassos 34 e 35. Impossibilidade de manter a nota la na duração estabelecida. Optamos por não alterar a escrita. Valsa em fa sustenido menor Compasso 11. No original:
Impossibilidade de execução do acorde da segunda metade do segundo tempo. Solução apresentada: Exclusão da nota do sustenido; Compasso 12. No manuscrito, o compositor aponta a indicação deixe vibrar a 5a. corda. Na edição consta deixe vibrar a 1a. corda. Optamos por esta última por ser a correta;
156 Compasso 16. No original:
Impossibilidade de execução para manter a duração do baixo do acorde na segunda metade do terceiro tempo. Solução apresentada: a exclusão da nota la sustenido no acorde da última colcheia. Valsa em sol menor Compasso 02. Pequena dificuldade na mudança de posição entre o terceiro tempo do primeiro compasso e o primeiro acorde do segundo, que pode expor o executante ao ruído de cordas produzido pela mão esquerda e a um comprometimento do legato implícito no fraseado. Solução apresentada na ossia: mudança para um dedilhado que concentra toda a execução do segundo compasso na primeira posição e a exclusão da nota mi do último acorde; Compasso 07. Incluímos na ossia a nota mi bemol no baixo apenas para preenchimento harmônico; Compasso 09. No original:
Impossibilidade de montagem do acorde. Solução apresentada: uso de outra inversão; Compasso 16. No original:
Passagem de difícil execução. Solução apresentada: uso de outra inversão com uma mínima no baixo fa seguida de um re semínima no 3o tempo; Compasso 19. Dobramento do mi oitava abaixo, como reforço harmônico para progressão melódica sobre o um mesmo acorde até o final do compasso seguinte;
157 Compassos 19 e 20. No original:
Exclusão da nota mi do acorde do terceiro tempo no compasso 20, para manter uma unidade tímbrica no fraseado; Compasso 62. Exclusão da nota sol do terceiro tempo, como alternativa para evitar a mudança de posição. Ver ossia. Valsa em la bemol menor Compasso 11. Seguimos a sugestão do revisor do manuscrito, mantendo o uso de harmônico na nota la bemol no acorde de acompanhamento; Compasso 12. Seguimos a sugestão do revisor do manuscrito, mantendo o harmônico na nota sol no acorde de acompanhamento; Compasso 13. Seguimos a sugestão do revisor do manuscrito, mantendo o harmônico na nota re bemol no acorde de acompanhamento; Compasso 15. Seguimos a sugestão do revisor do manuscrito, mantendo harmônico na nota do bemol no acorde de acompanhamento; Compasso 36. Seguimos a sugestão do revisor do manuscrito, mantendo uso os harmônicos na linha superior; Compasso 45. Impossibilidade de manter a nota fa na duração estabelecida. Optamos por não alterar a escrita original; Compasso 47. Impossibilidade de manter a nota mi bemol na duração estabelecida. Optamos por não alterar a escrita original; Compassos 51 até 72. Como havíamos comentado anteriormente, Mignone faz uso de seqüências harmônicas usando acordes em posição fechada. Neste trecho, a melodia do baixo nos compassos 56, 57, 64 e 65 tem suas notas encurtadas pela impossibilidade de mantê-las devido a posição cerrada de alguns acordes. Solução apresentada: uso de outra posição, invertendo a segunda e terceira notas depois de cada um dos baixos. Ver ossia; Compassos 97 a 99 e compassos 101 a 103. Temos aqui, no compasso 98 e 102 a mesma situação que aparece nos compassos 56, 57, 64 e 65, porém com uma mudança obrigatória na metade dos compassos 99 e 103 para a posição original.
158 Valsa em la menor Compasso 03. Inclusão do sinal de acentuação na nota la no baixo da segunda metade do primeiro tempo; Compasso 05. Idem, compasso 03; Compasso 06. Idem, compasso 05; Compasso 07. Idem, compasso 06; Compasso 08. Idem, compasso 07; Compasso 09. Idem, compasso 08; Compasso 11. Idem, compasso 09; Compasso 12. O penúltimo acorde é difícil de ser montado pela extensão dos dedos 1 e 2 com o dedo 4. Solução apresentada na ossia: a exclusão da nota si, presente na harmonia do início do compasso; Compasso 19. Separação da haste do acorde das notas repetidas para maior clareza do texto; Compasso 20. Idem, compasso 19; Compasso 29. Idem, compasso 20; Compasso 31. Idem, compasso 29; Compasso 33. Seqüência de difícil execução. Solução apresentada: exclusão da nota sol sustenido que aparece na terceira e na quarta semicolcheia do segundo tempo, como está indicado na ossia; Compassos 34 a 36 e 42 a 45. Seqüências de difícil execução. A solução foi reescrever estes compassos como estão indicados na ossia; Valsa em si bemol menor Compasso 06, No original:
Impossibilidade de executar o acorde. Soluções apresentadas: 1- Exclusão da nota sol do acorde. 2- Exclusão da nota la bequadro como indicamos na ossia;
159 Compasso 19, No original:
A nota fa que conclui a seção possui pouca sustentação em meio ao ritenuto. Solução apresentada: Dobramento oitava abaixo com uso de uma acciaccatura, que guarda relações com os acordes que imitam golpes de arco da seção inicial; Compasso 87. Idem compasso 06; Compasso 113. No original:
Impossibilidade de execução. Solução apresentada: nota do foi excluída do primeiro acorde. Valsa em si menor Compasso 05, No original:
O último acorde é de extrema dificuldade para ser armado isoladamente e impossível de ser concatenado com o acorde do compasso seguinte. Soluções apresentadas: 1- Exclusão do fa sustenido do acorde. 2- Outra inversão do acorde, como está indicado na ossia; Compasso 15, Idem compasso 05; Compasso 43. No original:
Não constam no manuscrito o do sustenido na clave e um bequadro no do da segunda tercina do segundo tempo, alteração esta que caracteriza o acorde de sétima diminuta. Feitas as correções devidas, resulta a dificuldade na montagem do acorde do terceiro tempo, caso semelhante ao compasso 05. Solução apresentada: mudança de posição;
160 Compasso 92. Dobramento em uníssono da nota sol do acorde no terceiro tempo, para valorizar o sforzando; Compasso 94. Idem, compasso 92; Compasso 96. Idem, compasso 94; Compasso 97. Idem, compasso 96; Compasso 98. Idem, compasso 97; Compasso 99. Idem, compasso 98.
161
Conclusão
Dez anos após a composição e edição das 12 Valsas Brasileiras em Forma de
Estudos, Mignone deixou registrado que este ciclo para violão foi feito apenas com finalidade
editorial 1. Sentimos, nesta declaração, um certo conformismo e frustração, possivelmente por
não receber uma resposta dos violonistas em relação a esta obra. Mesmo os Estudos, mais
divulgados e conhecidos, até hoje não são muito visitados.
É possível que até o final de sua vida, Mignone não tenha presenciado a
execução de alguma destas valsas para violão. Hoje sabemos que o compositor sentia um
grande entusiasmo em escrever para intérpretes aos quais se identificava.
Apontamos quatro fatores que contribuíram para a falta de interesse e o
esquecimento da obra e as soluções possíveis para superar tais barreiras. São os seguintes:
1- O emprego de tonalidades pouco usadas. Um aspecto técnico que chama a atenção dos
violonistas, logo ao primeiro exame da partitura para problemas como dificuldade de leitura e
pouco rendimento sonoro. Acreditamos que nós, violonistas, estamos hoje mais preparados e
interessados nas obras que exploram o universo do sistema temperado dentro do repertório do
violão. Um exemplo é a edição de 1981, de Miguel Alcazar, que nos revelou o ciclo dos 24
Preludes de Manuel Ponce, cinqüenta anos após a edição fragmentada de Andrés Segovia 2.
Hoje, este ciclo está plenamente incorporado ao repertório como obra referencial, com
inúmeras gravações e guardando afinidades como estrutura, proposta didática e até mesmo
história com o ciclo de Mignone;
1 Texto de Francisco Mignone inserido da contracapa do LP 46.81.0385, Estúdio Eldorado Mignone, intérprete: Maria Josephina – participação especial do autor, São Paulo, 1980. 2 B. Schott’s Söhne, Mainz, 1930.
162
2- A grande quantidade de erros da primeira edição. Aqui detectamos muitas discrepâncias
em relação ao manuscrito dos Irmãos Vitale. Este revelou-se mais completo e serviu de
referência para a elaboração desta edição alternativa;
3- A falta de uma revisão mais apurada e abrangente, reconhecida por Carlos Barbosa-Lima,
como vimos, que fez o dedilhado da primeira edição e provavelmente muitas das correções no
manuscrito. Propusemos-nos a uma nova revisão com um novo dedilhado, justificando todas
as correções e alterações feitas nesta edição. Procuramos abrir nossa edição, incluindo nesta
tese, e em futura publicação, uma cópia do manuscrito dos Irmãos Vitale, a exemplo das mais
recentes tendências editoriais de obras de referência do repertório violonístico como a
Sonata (1933) do compositor espanhol Antônio José (1902-1936) descoberta nos anos 80 3;
4- Considerando as diferenças entre o manuscrito dos Irmãos Vitale, a primeira edição, a data
de conclusão da obra e o lançamento no mercado, acreditamos que houve certa precipitação.
Escrever para violão, sem um conhecimento razoável das suas possibilidades e
do manejo de sua escrita, é uma tarefa árdua e arriscada. Na recente história do instrumento, a
colaboração entre compositores e intérpretes vem tornado-se quase obrigatória,
principalmente quando o instrumento é trabalhado nos seus limites.
Na história dos instrumentos, entre vários exemplos, citamos o Concerto para
violino e orquestra Op. 73 em ré maior (1878) de Johannes Brahms (1833-1897), que teve o
violinista e compositor Joseph Joachim (1831-1907) como consultor e autor da famosa
3 Edizioni Bèrben, Ancona, 1990.
163
cadenza. Na época, uma obra de extrema dificuldade, hoje obrigatória do repertório de
qualquer grande solista. Como exemplo mais recente, não podemos deixar de mencionar o
depoimento do violoncelista, pianista e regente Mstislav Rostropovich (1927) sobre o seu
convívio com três grandes compositores do séc. XX.
...At the end of my life I can name three heroes, three supreme figures: Prokofiev,
Shostakovich and Britten. My relationship with Britten was diferent from the others because
when I came to know him I was more mature as a person and musician. With Prokofiev and
Shostakovich I was more like a student, but with Ben, thought not his equal, I was more
developed, older. He opened my eyes to completely new human qualities. I had never met
anyone like him before. And of course I was overwhelmed by the wealthy of his music, the
ocean of his music. I don’t know who played the piano better then him. I stopped playing
Schubert’s Arpeggione Sonata after he died – it was impossible to find anyone else who
would rise his level...
...There were only two composers – Britten and Shostakovich – who composed so
perfectly for the instrument that you didn’t have to change a note. For Prokofiev, no!
Somethings he composed things that were really impossible for the instrument. And I would
have to help him. ‘Change them, Slava, change, change!’ he would say 4.
Colaborações como estas foram decisivas para a evolução da técnica
instrumental, para a arte da interpretação e para viabilizar a execução de obras primas.
Acreditamos, que no caso de Mignone e Barbosa-Lima, tivemos uma das mais
relevantes colaborações na história do repertório violonístico brasileiro, que resultou em obras
como os 12 Estudos e o Concerto para violão e orquestra. Infelizmente, as 12 Valsas
4 BBC Music Magasine, Rostropovich at 75. Entrevista a Moray Welsh. p. 36, vol. 10, number 8, april, 2002.
164
Brasileiras em Forma de Estudos não receberam um tratamento igual as obras mencionadas
acima.
É praticamente impossível manter-se isento, por mais criteriosa e escrupulosa
que tenha sido a metodologia empregada nas intervenções. O aumento da responsabilidade e
da cumplicidade do intérprete é proporcional à medida que sua participação seja solicitada e,
portanto, é vital saber mergulhar no universo do compositor, ainda mais quando não podemos
consultá-lo. Este foi o nosso maior desafio neste trabalho.
Esperamos, com esta edição, contribuir para a divulgação deste ciclo único e
referencial do repertório violonístico brasileiro e internacional.
165
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VASCONCELOS, Ary. A Música na República Velha, Rio de Janeiro, Edição do Autor,
1985.
168
2. Revistas
CLASSICAL GUITAR, Newcastle upon the Tyne, vol. 8, no. 5, january 1990.
PUNTO MARGINAL, Revista de Cultura y Política, Asunción, Ano 1, número 4, agosto-
setiembre, 1994. – En Homenaje a Agustin Barrios.
REVISTA DO INSTITUTO DE ESTUDOS BRASILEIROS, Instituto de Estudos avançados,
USP, São Paulo, n. 42, 1997.
REVISTA MÚSICA, Depto. de Música, ECA/USP, São Paulo, vol. 1 no. 2, nov. 1990.
3. Artigos e textos
FIGUEIREDO, Guilherme. As “Valsas-Chôros” de Francisco Mignone, texto do encarte do
LP Festa LDR 5.002, Francisco Mignone. 12 Valsas-Chôros. Rio de Janeiro, 1962.
GOSS, Steve. Innovations, European guitar compositions of the 1970s and 1980s, part 4, pg.
22, Newcastle upon the Tyne, Classical Guitar, vol. 8, no. 5, january 1990.
HORTA, Luiz Paulo. As 12 Valsas de Esquina de Francisco Mignone – Arthur Moreira Lima,
texto do encarte do LP Kuarup KLP-013, Rio de Janeiro, 1982.
KRIEGER, Edino. Razão e Paixão na Obra de um Mestre da Música Brasileira, Rio de
Janeiro, encarte do CD César Guerra Peixe, Repertório Rádio MEC III, SOARMEC, CD
S014, 1998.
MARTINS, José Eduardo. A pianística multifacetada de Francisco Mignone, Revista Música,
Depto. de Música, ECA/USP, São Paulo, vol. 1 no. 2, nov. 1990.
169
MIGNONE, Francisco. 12 Estudos para violão de Francisco Mignone dedicados ao
intérprete Carlos Barbosa Lima, texto do encarte do LP Philips 6598-312, Barbosa-Lima
interpreta 12 Estudos para violão de Francisco Mignone, Rio de Janeiro, 1978.
___________________. Texto da contracapa do LP 46.81.0385, Estúdio Eldorado Mignone,
intérprete: Maria Josephina – participação especial do autor, São Paulo, 1980.
___________________. Texto da contracapa do LP LP Philips-Polygram 6598-311, Mignone
interpretando Mignone. Rio de Janeiro, 1978.
4. Dicionários e Enciclopédias
ANDRADE, Mário de. Dicionário Musical Brasileiro, Belo Horizonte,
Editora Itatiaia Ltda, 1989.
DICIONÁRIO GROVE DE MÚSICA: edição concisa, editado por Stanley Sadie, trad.
Eduardo Francisco Alves, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1994.
ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA: erudita, folclórica e popular. São Paulo,
editor: Marcos Antônio Marcondes, Art. Ed., 1977.
ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA: erudita, folclórica e popular. 2a. ed. São
Paulo, editor: Marcos Antônio Marcondes, Art. Editora & PubliFolha, 1998
GRIFFITHS, Paul. Encyclopaedia of 20th-Century Music. London, Thames and Hudson,
1986.
_______________. Enciclopédia da Música do Século XX. trad. Marco Santarrita & Alda
Porto, São Paulo, Martins Fontes, 1995.
170
5. Dissertações
BARBEITAS, Flavio Terrigno. Circularidade Cultural e Nacionalismo nas Doze Valsas para
Violão de Francisco Mignone. Dissertação apresentada ã Escola de Música da UFRJ, Rio de
Janeiro, 1995.
GLOEDEN, Edelton. O Ressurgimento do Violão no Século XX: Miguel Llobet, Emilio Pujol
e Andrés Segovia. Dissertação apresentada ao Depto. de Música da ECA/USP, São Paulo,
1996.
6. Cópias de documentos diversos
GUERRA PEIXE, César. 1 – Curriculum Vitae; 2 – Diplomas, Certificados e Outros
Documentos, 3 – Prêmios de Composição, de Estímulo, Menções Honrosas, etc. 4 –
Instituições das quais foi membro, participações em congressos e atuação como jurado em
concursos; 5 – Principais traços evolutivos da produção musical; 6 – Catálogo de obras
musicais; 7 – Musicologia; 8 – Gravações em discos fonográficos e tapes; Referências
bibliográficas; Rio de Janeiro, 1971.
_____________________. Relação Cronológica de Composição desde 1944. Rio de Janeiro,
1993.
_____________________. Relacionamento Cultural e Artístico de Guerra Peixe com
Pernambuco, s.l., s.d;
MIGNONE, Francisco. 12 Estudos para violão, cópia do MS, Rio de Janeiro 1970;
__________________.12 Valsas para violão (avulsas), São Paulo, Irmãos Vitale, 1970;
171
___________________. 12 Valsas Brasileiras em forma de estudos, MS, São Paulo, Irmãos
Vitale, 1970.
7. Entrevistas
BRIZA, Lucita. Surras, peladas e saraus modernos, entrevista inédita de Francisco Mignone
realizada em 1975. Caderno de Sábado, pg. 05, Jornal da Tarde, 30/08/1997, São Paulo.
LOPES-GRAÇA, Fernando. Inquérito aos Compositores Brasileiros. II- Francisco Mignone
In: Obras Literárias – Opúsculos (2), pg. 199. Lisboa, Editorial Caminho, 1984.
WELSH, Moray, Rostropovich at 75. BBC Music Magasine, London. p. 36, vol. 10, number
8, april, 2002.
ZANON, Fábio. Entrevista com Carlos Barbosa Lima parte III, In: Violão Intercâmbio, no. 40,
Ano VII, p. 21, mar/abr.2000, Santos.
8. Gravações
Barbosa-Lima Interpreta 12 Estudos para violão de Francisco Mignone, LP Philips 6598-
312, Rio de Janeiro, 1978.
Francisco Mignone, Sonatas e Sonatinas, piano: Heitor Alimonda, Esther Naiberger, Miriam
Ramos, André Carrara e Estela Castaldi, São Paulo, CD 004840, Paulus, 1999.
Francisco Mignone, Concerto para piano e orquestra e 19 Canções. Rio de Janeiro, CD
S003, SOARMEC, 1997.
Francisco Mignone. 12 Valsas-Chôros. LP Festa LDR 5.002, Rio de Janeiro, 1962.
Idem. ibidem. CD FT 1804, 1999.
172
As 12 Valsas de Esquina de Francisco Mignone – Arthur Moreira Lima, Rio de Janeiro, LP
uarup KLP-013, 1982.
Valsas de Esquina, Francisco Mignone, piano. Rio de Janeiro, LP Festa LDR 5001, s.d.
Mignone interpretando Mignone. Rio de Janeiro. LP Philips-Polygram 6598-311, 1978.
Viagem pelo Brasil, Música brasileira indicada por viajantes da primeira metade do século
XIX. Anna Maria Kieffer, voz; Gisela Nogueira, viola de arame e Edelton Gloeden, violão. São
Paulo, Akron, 2000.
9- Outras publicações
Villa-Lobos, sua obra, catálogo, 3a. ed., Rio de Janeiro, Museu Villa-Lobos, 1989.
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