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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES - UCAM
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A VIOLÊNCIA URBANA INVADE AS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS
Cristiane Corajo Pereira de Almeida
Orientador:
Prof.: Vilson Sérgio de Carvalho
Rio de Janeiro, RJ
Junho / 2003
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES - UCAM
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A VIOLÊNCIA URBANA INVADE AS INSTITUIÇÕES EDUCATIVAS
Cristiane Corajo Pereira de Almeida
Trabalho monográfico apresentado
como requisito parcial para obtenção
do Grau de Especialista em Docência
do Ensino Superior.
Rio de Janeiro, RJ
Junho / 2003
AGRADECIMENTOS
A Deus, por estar sempre presente em todas as horas do meu dia...
Ao professor Vilson Sérgio de Carvalho, por toda a orientação desta monografia,
de uma forma muito gentil...
Ao meu irmão Leonardo, por me emprestar seu computador para a digitação
desta monografia...
Às amigas de fé Diva e Viviana, pela força e incentivo em nunca deixar-me
desanimar...
Ao meu filho Caio, pelas horas em que não pude dar atenção especial a ele e
pelos momentos em que o privei de seus joguinhos no computador...
À minha mãe Marilene, por estar sempre emprestando-me seu ombro amigo, seu
colo quente e seu tempo precioso...
Ao meu marido Ronaldo, pelo apoio e compreensão do tempo dedicado à
realização desta monografia...
À minha avó Conceição, que já se foi, mas tenho certeza que está sempre por
perto...
Ao grupo de colegas de turma, pelo apoio e camaradagem...
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho de pesquisa
aos professores e alunos que
foram vítimas inocentes desta
guerrilha urbana, especialmente
à Luciana Gonçalves de Novaes,
baleada na Universidade Estácio
de Sá em 06 de maio de 2003.
RESUMO
Educadores e estudantes não estão imunes à brutalidade extrema que está
disseminada pela sociedade. Porém, nem todas as instituições educativas
tornaram-se violentas. Há várias outras faces do fenômeno, muito mais presentes
no cotidiano do professorado: depredação, ameaça, agressão verbal, briga,
confronto entre gangues, uso e tráfico de drogas, preconceito, segregação,
discriminação, abuso de poder, autoritarismo são, certamente, as primeiras que
vêm à mente de quem trabalha numa sala de aula. Outro aspecto, tão grave
quanto, é o fracasso escolar, que deixa marcas profundas em crianças, jovens e
graduandos e, na maioria das vezes, está na origem da violência que assusta
dentro e fora do ambiente da instituição educativa. O debate sobre a violência
deve levar a todos a repensarem seu papel na construção de uma instituição
educativa inclusiva e de qualidade.
A violência pode ter múltiplas causas. A análise que a sociedade costuma fazer
dela se baseia em fatores emocionais, quase sempre gerados por crime chocante,
falta de segurança nas ruas, preconceito social ou discriminação. Outros
argumentos também justificam a violência: a desigualdade social, a atual
desestruturação das famílias etc. Não se pode, ainda, esquecer o papel da mídia
na divulgação de comportamentos violentos. Combater a violência pressupõe a
aplicação de estratégias efetivas de prevenção e tratamento. É difícil construir
uma sociedade igualitária que evite a ruptura dos laços familiares, eduque
adequadamente as crianças, diga não às drogas, encontre alternativas às cadeias,
acabe com as armas e aplique justiça com isenção. Não existem soluções
mágicas. Elas dependem do envolvimento de cada um. A violência urbana é
covarde e sistemática e faz-se necessário o endurecimento do combate ao crime
com legislações mais duras. Os governantes devem conscientizar - se de que o
crime e tudo o que ele representa é um problema a ser resolvido em nome
daqueles que morrem nas mãos dos marginais.
SUMÁRIO
Introdução ........................................................................................................p. 1
1. O que é violência ..................................................................................p. 2
1.1. Histórico da violência ...................................................................... p. 5
2. A violência urbana .................................................................. .............p. 10
2.1. Na raiz da violência, privilégios e exclusões...................................p. 16
2.2. Os jovens delinqüentes expulsos da escola ....................................p. 19
3. A violência intrafamiliar ........................................................................p. 21
3.1. Como detectar a violência doméstica .............................................p. 35
4. A violência nos meios de comunicação ...............................................p. 37
4.1. A violência na mídia de divertimento ...............................................p. 40
5. Sociedade, Direito e Estado em tempos de violência ...........................p. 44
6. Os direitos do cidadão .............................................................. ............p. 47
7. A violência na instituição de ensino .................................................. ....p. 50
7.1 Medidas relativas à segurança nas escolas ...................... .............p. 62
7.1.1. Depredações ............................................................ ................p. 66
7.1.2. Invasões ...................................................................................p. 67
7.2. A violência simbólica .......................................................................p. 69
7.3. Violência na escola – questão de segurança ou de pedagogia?......p. 73
8. A violência da Instituição de ensino .........................................................p. 82
8.1. A. S. Neill e Summer Hill ....................................................................p. 91
9. Mobilização contra a violência ................................................................p. 93
10. Educação para a paz ............................. ................................................p. 97
10.1. A Educação como base da cooperação ...........................................p. 100
11. Propostas concretas para a construção da paz ....................................p. 109
11.1. Escolas que venceram a violência ...................................................p. 114
Conclusão .......................................................................................................p. 124
Anexos.............................................................................................................p. 129
Referências bibliográficas ................................................................... ...........p. 196
Folha de avaliação ..........................................................................................p. 198
INTRODUÇÃO
Ao tomar-se conhecimento do universo da violência na instituição de ensino, ao
observar-se o comportamento agressivo da maioria dos alunos, o desassossego,
as inquietudes de tendência agressivas, a falta de respeito, a ausência de valores
éticos, morais e espirituais, conclui-se que o interior de uma sala de aula é um
palco de dramatização da violência, onde as peças são apresentadas, uma após
outra, na forma de desrespeito ao professor, desacatos, ameaças etc., por alunos
que desrespeitam ao professor, aos colegas e a si mesmos, fazem do templo da
aprendizagem o palco da violência. Assim, percebe-se que a violência nas
instituições de ensino é a extensão da violência familiar e da social que cresce
diariamente em progressão geométrica, de maneira assustadora.
A unidade dos lares se perdeu definitivamente, a família se decompôs e as
instituições de ensino desviaram as suas funções, se transformaram em depósitos
de gente, com objetivos assistencialistas; já não possuem uma didática
transformativa, calcada em objetivos educacionais. A instituição de ensino está
apenas adestrando a parte animalesca do ente humano.
Assusta-se, ao citar a proporção "geométrica" em que a violência se agiganta com
o passar dos dias, mas também conforta-se ao apresentar exemplos e atitudes
que dentro do caráter coletivo serão capazes de fazer frente a esta onda de
violência, estabelecendo uma nova condição, sem utopia, palpável unicamente na
surpreendente capacidade humana.
Onde estão as reais causas da violência nas instituições de ensino, da violência
familiar e da violência social como um todo? Atribui-se os mais diversos fatores
como causa da violência: ignorância, pobreza material, carência cultural,
desigualdade social, regime capitalista etc. Entretanto, tudo isso são fatores
emergentes da violência; então, são determinados pela violência. A verdadeira
causa da violência não é veiculada pelo saber convencional, mas sim ocultada por
este por motivos ideológicos de interesse dos sistemas sociais dominantes em
obscurecer a verdade.
Para erradicar a violência urbana já não serve mais as teorias desprovidas da
prática vivenciada, as promessas de campanhas de políticos, as demagogias, as
boas intenções e os discursos distanciados da ação, precisa-se de atos concretos
de toda a população, articulados através da mobilização da sociedade como um
todo. Para erradicar-se a violência, precisa-se conhecer as leis universais de
causa e efeito, a dialética da dualidade. Precisa-se com urgência saber de fato
qual é a real causa da violência. Saber o que se esconde ideologicamente por
detrás de tudo isto.
Após o contato com o teor destas propostas, indicar-se-á o posicionamento que
deve-se ter quanto ao que se quer e se espera e o que realmente pode-se
realizar, contribuindo com louváveis atitudes individuais em prol da necessária
coletividade, fazendo-se acreditar que a convivência pacífica entre os homens é
mais que possível.
A visão deste trabalho levará à análise e à reflexão sobre atitudes que num
conjunto de ações, indicarão o caminho para uma convivência pacífica ou dentro
dos padrões considerados aceitáveis.
Assim sendo, no capítulo 1 procurou-se analisar o conceito do termo violência e o
seu histórico . O capitulo 2 discursa sobre o conceito de violência urbana, os
privilégios e as exclusões que também levam à violência e sobre os jovens
delinqüentes expulsos da escola. No capítulo 3 procurou-se aprofundar o conceito
de violência intrafamiliar e como detectar os principais sinais de vítimas de
violência doméstica. O capítulo 4 trata da violência nos meios de comunicação e
na mídia de divertimento. O capítulo 5 trata da Sociedade, Direito e Estado em
tempos de violência. O capítulo 6 trata dos direitos do cidadão. O capítulo 7 refere-
se à violência na instituição de ensino, algumas medidas relativas à segurança
nas escolas, o conceito de violência simbólica e relata uma pesquisa sobre
violência na escola realizada em Nova Iorque. O capítulo 8 refere-se à violência
da instituição de ensino e cita uma experiência da instituição Summer Hill. O
capítulo 9 trata da mobilização contra a violência; o capítulo 10 refere-se à
Educação para a paz como base da cooperação. No capítulo 11 são
apresentadas propostas concretas para a construção da paz, assim como as
escolas que venceram a violência, com base na utilização destas propostas.
1. O QUE É VIOLÊNCIA
A violência é humana. Pode-se observar atos de violência
entre animais, ou mesmo em fenômenos naturais, como terremotos e tem
pestades, mas a prática deliberada da violência é atributo do homem. É comum,
portanto, que seja associada ao crime, à morte... mas será esta sua única
manifestação? A violência branca, em que não se derrame sangue, também pode
ser igualmente terrível, na forma de doenças da sociedade, aliada à fome, à
miséria, ao descaso. O que o cidadão comum pode fazer para diminuir o próprio
sofrimento e o de seus semelhantes ? A democracia é o melhor caminho para
resolver estes males?
O conceito de violência, como qualquer outro, é histórico e cultural. O que é
violento para um povo pode não ser para outro; o que foi ontem, pode não ser
hoje; o que é hoje, pode não ser amanhã; e, em uma mesma época e no mesmo
país, o que é para alguns segmentos da população, pode não ser para outros.
Segundo Ubiratan D’Ambrosio (2002):
“A violência é uma característica do mundo animal. Ela
é inerente à sobrevivência. Mata-se para comer ou para
defender-se. Mas a violência não pode servir à ambição
desmedida. O ser humano desenvolveu o sentido de
futuro e passou a buscar algo além da sobrevivência. O
problema é começar a ver o outro como uma ameaça a
esse acúmulo. A construção de uma cultura da paz não
é trabalho para uma só geração. É para os nossos
netos ou bisnetos viverem melhor. E vale a pena. Afinal,
um pouco de nós estará lá com eles.”
(D`Ambrosio, 2002, página 25)
É evidente que o tema da violência é extremamente amplo, quer dizer, um número
excessivamente grande de ações e de comportamentos pode ser caracterizado
como manifestação de violência. Na Universidade, preocupa-se com um certo tipo
de violência, que é caracterizado como violação dos direitos humanos, ou seja,
considera-se que uma sociedade moderna e democrática, através de seu
segmento politicamente organizado – o Estado – e de um de seus principais
instrumentos – o Direito - , deve assegurar os direitos fundamentais da pessoa
humana. Mas quais são esses direitos ? Pode-se começar pela integridade física
do indivíduo, isto é, o Estado e o Direito devem efetivamente garantir a vida dos
cidadãos. Por integridade física entende-se também a proteção dos indivíduos
contra as ameaças, contra as torturas, enfim, contra os maus - tratos de um modo
geral, que possam vir a agredir fisicamente um cidadão.
Entende-se também como direitos fundamentais do ser humano o princípio de
igualdade, ou seja, a igualdade de todos perante a lei, independentemente das
diferenças de classe, de etnia, de cultura, de procedência regional ou de qualquer
outra distinção.
Outro direito fundamental da pessoa humana está alicerçado no princípio de
liberdade, entendendo-se por liberdade não apenas a liberdade de pensamento,
de opinião, de expressão, de convicções políticas ou religiosas, mas também a
liberdade no sentido de que o indivíduo não esteja sujeito à vontade de outra
pessoa, mas, sim, que possa ser efetivamente livre e autônomo. Portanto, numa
sociedade moderna e democrática, o Estado deve assegurar não apenas as
liberdades individuais mas também as públicas.
No Brasil, as liberdades fundamentais não estão sendo asseguradas. Pode-se
dizer que, hoje, o que se chama de direitos humanos foi razoavelmente ampliado,
quer dizer, os direitos humanos são também denominados de direitos coletivos: os
direitos de associação, os direitos de livre defesa de interesses. Os direitos
humanos são ainda os direitos sociais: o direito à saúde, à educação, à
maternidade etc.; enfim, há um grande elenco de direitos sociais que hoje também
são considerados direitos humanos. E os direitos políticos ? Os direitos de votar
livremente e de poder ser votado também fazem parte do que hoje chamamos de
direitos humanos. No Brasil, nem ao menos as liberdades fundamentais ligadas à
proteção da vida e à garantia da igualdade e da liberdade estão asseguradas. O
que parece bastante grave é o fato de uma sociedade que se considera moderna,
que se considera em desenvolvimento, nem sequer assegurar os direitos mínimos
e fundamentais da pessoa humana.
Devido às mudanças sociais provocadas pela industrialização e pela
metropolização crescentes, com características muito dramáticas nos países
pobres, o conceito de violência também se ampliou. Portanto, hoje, considera-se
violento qualquer ato que:
1º) consciente ou inconscientemente ignore, impeça ou atente contra os direitos
humanos e de cidadania;
2º) constranja uma pessoa a fazer o que não deseja ou o que não é aceito, dentro
dos padrões sociais, seja por uma questão de sobrevivência, seja para atender
aos fortes apelos sociais, como o consumo, por exemplo.
É importante ter em mente esses conceitos. Neles se encaixam algumas práticas
que, embora possam parecer simples expressões de liberdade individual,
constitucional - como a da propriedade e livre iniciativa, por exemplo -, na verdade
escondem privilégios que provocam exclusões e são responsáveis por estruturas
sociais desumanizantes e injustas que, por sua vez, geram vários tipos de
violência.
Para compreender melhor essa realidade, deve-se estar sempre atento ao
significado e à importância da cidade, na moderna concepção dos direitos
humanos, observando o que ela representa ou deixa de representar de propício à
elevação do padrão de dignidade e de qualidade de vida para as diversas
categorias sociais. Deve-se lembrar, também, do papel que o Estado
desempenha, ou pelo menos deveria desempenhar, nesse sentido.
Quando se fala em violência, logo pensa-se em crimes tais como homicídio,
estupro e roubo seguido de morte, que são exemplos de "violência vermelha",
assim chamada por ser cruenta, isto é, sanguinolenta.
Poucos se preocupam, no entanto, com a violência "branca", muito mais sutil,
porque não "salta à vista", passa despercebida como se apenas resultasse da
"ordem natural das coisas", não da ação humana intencional.
É o caso da "fome oculta", causada pela alimentação sem proteínas e vitaminas
oferecida à maioria das crianças pobres do Brasil e do mundo, que prejudica seu
desenvolvimento físico e intelectual, além de expô-las às doenças e até ao risco
de morte precoce.
Bem sabe-se que cada homem é diferente do outro, e que as sociedades também
se distinguem no tempo e no espaço. Tal diversidade, no entanto, não justifica a
discriminação social. Se as pessoas são diferentes, ninguém é melhor ou pior,
superior ou inferior e, portanto, impedir o acesso de todos a bens fundamentais é,
sem dúvida, uma violência.
Quando acontecem coisas desse tipo, não percebe-se o ato de violência com a
mesma clareza com a qual se vê um homem esmurrando outro. No entanto, é
preciso reconhecer que a sociedade se encontra mergulhada em um estado de
violência toda vez que as exigências mínimas que garantem o viver com dignidade
deixam de ser atendidas. Nesse caso, a violência só aparentemente não foi
provocada por alguém pois, na verdade, sempre resulta da ação humana.
Por que será que não busca-se saber a causa de tanto sofrimento e exclusão? Ao
contrário, acostuma-se com esse estado de coisas, e muitas vezes nem sequer se
escandaliza com ele. Está-se diante de fatos "banais".
Banalizar significa cair na rotina, aceitar o que é corriqueiro, cotidiano. Tudo que é
banal não tem importância, não provoca impacto, nem chama a atenção. Nada
contra nosso dia –a dia ser feito de inúmeras situações banais, mesmo porque
isso facilita a vida. A gravidade está em considerar banal o que merece
importância.
E a vida não é banal, nem a violência pode ser banal. Pior ainda, sempre que
minimiza-se os atos prejudiciais à vida das pessoas, a ponto de fazê-los parecer
naturais, isso faz-se esquecer (ou simplesmente ignorar) que esses atos
resultaram da vontade humana.
O hábito se torna um perigo quando, diante da violência cada vez mais corriqueira,
faz-se perder a capacidade de indignação. Esse processo de entorpecimento é
também uma forma de banalização da violência. Diferentemente da banalização
pela indiferença, com a qual a violência nem sequer é percebida, aqui sabe-se que
ela existe, mas já não toca-se da mesma forma. Desde cedo as crianças são
entupidas com filmes violentos. Alguns canais de tevê e certos jornais dão
destaque ao noticiário que transforma a violência em show a ser apreciado
comodamente do sofá. Não está-se condenando de antemão a veiculação de
cenas desse tipo, porque, afinal, a violência faz parte da vida e não há por que
escondê-la. No entanto, não deixa de ser curioso que o gosto pela violência tenha
se tornado tão intenso nos últimos tempos. Talvez esses excessos no imaginário
reflitam justamente o excesso da violência existente no mundo real...
1.1. O Histórico da Violência
O contexto do Brasil tradicional, não só o colonial, mas o Brasil
independente, durante a vigência do regime monárquico – uma sociedade
predominantemente rural, convivendo com diversos conflitos, como os
ligados à propriedade, ao monopólio do poder, à raça -, ter-se-á uma
sociedade que resolvia os conflitos, de um modo geral, pelo emprego da
violência. A violência era um comportamento considerado rotineiro e
institucionalizado. Em outras palavras, todos consideravam como normal e
legítima a atitude violenta em conflitos sociais e nas relações interpessoais.
Em determinadas situações só era possível reagir mediante a violência.
Após o período imperial, o que se esperava era que, com a emergência da
sociedade capitalista e, sobretudo, com o advento da forma republicana de
governo, se instaurasse uma era marcada pelo crescimento econômico,
pelo desenvolvimento social, pelo progresso técnico e pela consolidação de
um governo estável, regido por leis justas e pactadas e pela existência de
instituições modernas e capazes de introduzir o país no compasso das
nações civilizadas. Nesse contexto, acreditava-se que a violência seria
coibida, quer dizer, instaurar-se-ia, efetivamente, o império da lei sobre os
costumes e teríamos como resultado um processo de pacificação social.
Processo esse que várias das sociedades da Europa e da América
atravessaram e consolidaram ao longo do século XIX e sobretudo no início
do século XX. Acreditava-se que a violência continuaria existindo, mas que
seria, na verdade, um problema extremamente localizado, resolvido pelos
tribunais. Assim, os conflitos de terra, os conflitos nas relações inter-
subjetivas seriam carreados aos tribunais e resolvidos, portanto, por
critérios institucionais e de justiça. (Fonte: Violência em debate, 1997)
O que verifica-se ao longo de cem anos de vida republicana ? Foi que, a
despeito da forma republicana de governo, a despeito – como dizem os
juristas – de um grande avanço de nossa consciência jurídica, continua-se
sendo uma sociedade extremamente violenta. Continua-se resolvendo os
conflitos através do emprego da violência. E o que é mais grave: continua-
se, ininterruptamente, legitimando e reconhecendo a violência como um
dado normal e cotidiano. Enfim, o que se constata é que a violência
permanece imbricada tanto no funcionamento das instituições – família,
trabalho, escola, polícia, prisões etc. -, quanto nos padrões de relações inter
- subjetivas vigentes.
Se for feito um breve painel da violência na sociedade brasileira, verifica-se
que a História do Brasil é, sob um certo aspecto, uma história social e
política da violência. Lembre-se a longa tradição de lutas populares, desde
o século XIX, nas diferentes regiões do país violentamente reprimidas. Os
professores de História sabem o que foi a repressão, por exemplo, de todos
os movimentos regionais do Brasil ao longo do século XIX. Não se
economizou força, não se pouparam vidas nesse processo repressivo. Com
isso, muitas vezes se reprimiram com muita violência movimentos
populares de reivindicações que podem ser lidas hoje como justas – em
geral ligadas à pobreza e, sobretudo, à pobreza de direitos. (Fonte:
Violência em debate, 1997)
Lembre-se também os sucessivos golpes na estabilidade política e
institucional do país, que, no mínimo, comprometem a vigência da
democracia. O Brasil é uma sociedade na qual periodicamente se alternam
regimes democráticos com regimes autoritários. Desde a República vive-se
esta experiência e, em alguns momentos, dramaticamente.
Lembre-se ainda o modo como mulheres, crianças ou velhos são tratados
nos espaços domésticos. Hoje se sabe que se o espaço doméstico é um
lugar de conforto e segurança, é também, para muitas mulheres e crianças,
para muitos idosos, um espaço extremamente perigoso. É um espaço onde,
através da violência, mulheres e crianças têm os seus direitos limitados.
Para completar, basta lembrar as agressões cometidas cotidianamente nas
prisões, nas delegacias de polícia, nos hospitais destinados a tratamentos
psiquiátricos e também nas chamadas instituições de bem-estar e de
tratamento para crianças e adolescentes pobres e carentes.
Neste painel, interessa chamar a atenção para o fato de que a dita
transição política do regime militar para o democrático parece não ter
afetado muito o quadro da violência. Muitos certamente lutaram pela
reconstrução da sociedade democrática no Brasil e conseguiram uma série
de avanços. Pode-se dizer que hoje tem-se uma sociedade democrática.
Apesar da Constituição ser muitas vezes ambígua, pode-se dizer que os
resultados das lutas dos movimentos, dos grupos politicamente organizados
resultaram numa Constituição em que, pelo menos, os princípios básicos de
uma sociedade democrática estão ali declarados. No entanto , continua-se
vivendo numa sociedade extremamente violenta.
Hoje, a violência não é patrocinada apenas pelo Estado, mas está sendo
disseminada pelo conjunto da sociedade. O mais grave é a aceitação por
parte da opinião pública de que certos problemas e conflitos mo interior da
sociedade sejam resolvidos com mão forte, desde questões mais gerais,
como reivindicações sociais ou greves, até situações mais domésticas –
quando se acredita, muitas vezes, que crianças e adolescentes devem ser
realmente tratados com o velho estilo das palmadas, cujo limite ninguém
sabe muito bem qual é.
Tudo isso leva a crer que, se a democracia se estabeleceu no Brasil, não se
assegurou, contudo, que os cidadãos tenham garantidas sua integridade
física, sua liberdade e sua igualdade. É evidente que alguns cidadãos não
são tão atingidos quantos outros e, quando o são, têm recursos para obter
uma reparação moral ou outra forma de reparação que desejarem, pois
podem ter acesso a advogados, a grupos organizados da sociedade, a
meios de comunicação de massa, enfim, podem ser ouvidos. Mas a imensa
maioria da população vive hoje nas mais precárias condições de existência.
Essa população, que é grande parte da clientela com a qual os educadores
trabalham nas escolas, não tem seus direitos mínimos assegurados.
A violência não é específica do Brasil. Outras sociedades do Terceiro
Mundo também vivem uma experiência de elevadas taxas de violação de
direitos humanos. Na América Latina, pode-se incluir entre essas
sociedades o Peru, a Colômbia e a Bolívia. Na América Central, vários
países, como El Salvador ou Guatemala, passam por experiências
idênticas. Mas o que incomoda no Brasil é a extrema aquiescência da
população. Parece que nada acontece. De repente, um caso escandaloso
vem a público, deixa a todos indignados, mas logo é esquecido, parecendo
novamente que nada acontece. É uma violência cotidiana que parece ser
bem aceita por todos.
Por que a violência no interior da sociedade é tão grande? Não tem-se
ainda uma reflexão consistente a respeito da violação dos direitos
humanos, de suas raízes sociais e políticas no Brasil, mas tem-se algumas
pistas e estas parecem bastante elucidativas para a compreensão do
fenômeno. A primeira delas é a própria dificuldade em falar a respeito dos
direitos humanos numa sociedade na qual as desigualdades sociais são tão
extremas. E, onde as desigualdades são extremas, os conflitos também
tendem a ser extremos e todas as soluções institucionais e normativas
tendem a não ter qualquer eficácia.
A dívida social no Brasil é imensa, isto é, a baixa escolarização e a evasão
escolar, por exemplo, são alguns sintomas dessa dívida; mas este,
infelizmente, não é o único sintoma. Se forem tomados aqui alguns dados
sobre mortalidade infantil, sobre saúde, sobre saúde dentária, tería - se a
medida de quão escandalosa é a situação do país. Acredita-se que numa
sociedade onde as desigualdades são extremas é muito difícil pensar em
respeito aos direitos humanos.
Mas também acredita-se que a melhoria da qualidade de vida, a melhoria
das condições de trabalho de toda a população e, sobretudo, de seus
segmentos mais afetados por um desenvolvimento social injusto e
excludente não são suficientes para eliminar a violação dos direitos
humanos e solucionar a curto, médio ou longo prazo este problema. Por
quê? Porque acredita-se que a questão da violência no Brasil é, antes de
tudo, um problema também da cultura política do país, isto é, o problema do
modo pelo qual a sociedade estabelece culturalmente as relações de poder.
Vive-se numa sociedade na qual as relações de poder são profundamente
assimétricas, isto é, de um lado estão os que têm muito poder e, de outro,
uma imensa maioria praticamente desprovida desse mesmo poder. Poder
aqui entendido não apenas como poder político, mas também como poder
da sociedade em geral. O problema da violação dos direitos humanos e da
violência não é apenas um problema do Estado, mas da sociedade. Tem-
se uma sociedade autoritária que encara, de modo autoritário, a solução
dos conflitos, a superação das diferenças e das dificuldades nos mais
variados campos: econômico, político, social, cultural e nas relações inter-
subjetivas de um modo geral.
Vive-se hoje numa sociedade em que as relações são extremamente
desiguais. De um lado, conforme mencionado, tem-se uma desigualdade de
classe social, isto é, reconhece-se que as classes médias e alta no Brasil
possuem privilégios que as classes populares não têm. De outro, tem-se
uma assimetria de poder que não se restringe às relações de classes
sociais. Ela se apresenta nas relações cotidianas as mais diversas.
A violência é hoje não só o mecanismo de submissão e sujeição dos
indivíduos – homens, mulheres, adultos, crianças, brancos, negros etc.,
mas também, sobretudo, uma linguagem da vida social. Esta linguagem se
expressa no modo pelo qual encara-se como deve funcionar a ordem na
sociedade, como essa ordem deve ser justa. Dessa perspectiva, indaga-se:
é possível funcionar democraticamente uma sociedade que age desse
modo e que incorpora como normal o uso da violência na solução de seus
conflitos e nos momentos de tensão social?
2. A VIOLÊNCIA URBANA
As cidades são as depositárias do que a humanidade tem descoberto, inventado,
realizado e sentido, através dos tempos, e condição essencial para a continuidade
e aperfeiçoamento das realizações culturais. Além disso, como são bens públicos,
podem ser usufruídas, cuidadas, preservadas e respeitadas por todos os seus
moradores e visitantes.
No entanto, no Brasil, tal como no Terceiro Mundo em geral, para a grande
maioria da população a cidade grande é vista como um lugar onde a vida é cheia
de sacrifícios, prejuízos e frustrações, e cenário de um dos problemas que mais
têm despertado preocupação nos dias de hoje: a violência urbana.
Convivendo cotidianamente com os dramas desencadeados pela violência, os
habitantes dos maiores centros urbanos têm mudado radicalmente seus hábitos e
posturas, em função do medo e desconfiança e como reação de defesa contra os
perigos que os envolvem.
Quem mora nos grandes centros, por mais oportunidades de realização que possa
ter, vive o desconforto do sobressalto. A violência nas grandes cidades tem
assustado e isolado os seus habitantes em suas próprias casas, transformadas
em fortalezas.
Muitas pessoas até mesmo tratam de se equipar com tudo o que oferece a
moderna tecnologia em termos de alimentação, informação, comunicação e lazer,
evitando o máximo sair de casa. Mídia, órgãos de segurança, políticos e poderes
públicos ultimamente têm dado mais destaque a seqüestros , assaltos a bancos,
crimes que envolvem pessoas de status elevado e ações de repressão ao
narcotráfico do que as formas de violência cotidianas, que afetam pessoas de
baixa projeção social ou marginalizadas, embora sejam essas as mais freqüentes
e com maior número de vítimas.
Isso se deve, por um lado, ao fato de violência e crimes considerados mais
sofisticados garantirem maior público e audiência. Por outro lado, os crimes que
afetam a população mais pobre merecem menos destaque porque são os que
revelam, de forma mais contundente, um sistema social injusto, que cria privilégios
para alguns e exclui muitos outros dos direitos de cidadania e das possibilidades
de realização que as grandes cidades trazem em seu bojo, oferecendo-lhes, ao
contrário, apenas problemas.
Essas formas de violência são divulgadas com menos destaque porque
justamente revelam pobreza, miséria, discriminações, falta de opção, corrupção
em órgãos públicos e ausência de políticas governamentais, que atendam às
necessidades coletivas (vide anexo 1) .
Embora em alguns casos as deformações de caráter, como a maldade, a
personalidade agressiva, a cobiça ou qualquer tipo de perversão dos personagens
do submundo apareçam como razão principal da violência, a maior parte dos
crimes e atos de violência tem causas na própria estrutura urbana. São eles os
que mais engrossam as listas de ocorrências das delegacias de polícia, hospitais
e do Instituto Médico Legal (IML), representando os dados estatísticos mais
preocupantes, embora menos divulgados.
A violência contra as crianças dentro das próprias famílias, em todos os níveis
econômicos e socioculturais - que causam até mortes -, tem sido outra constante ,
como revelam as instituições de socorro e defesa das crianças vitimizadas.
Embora os dados oficiais sobre o comércio e consumo de drogas estejam muito
longe de representar a realidade - e isso por vários motivos, tais como o poder de
organização e controle dos traficantes, o envolvimento da polícia e a omissão de
informação por parte do usuário, com medo de punição e represália -, os números
são, assim mesmo, muito altos. Além disso, revelam que o comprometimento com
o tóxico está ocorrendo em faixas etárias cada vez mais baixas, conquistando
também o espaço das escolas e atingindo a todos os segmentos sociais, embora
o tipo e qualidade da mercadoria varie segundo as condições econômicas do
consumidor (vide anexo 2).
A sociedade brasileira está tão habituada a esse tipo de violência urbana que até
o presente momento não surgiu uma corrente política, ou um movimento social
forte, para assumir como tema prioritário a luta política pela solução desse
problema.
2.1.- Na raiz da violência, privilégios e exclusões
À medida que as civilizações se tornaram mais complexas e as cidades se
agigantaram, tornou-se necessária a interferência dos poderes públicos garantindo
e colocando à disposição dos cidadãos equipamentos e serviços que,
individualmente ou em pequenos grupos, aqueles não poderiam providenciar,
embora fossem fundamentais em suas vidas. Por exemplo: o abastecimento de
água canalizada e tratada, esgotos, energia elétrica, rede de linhas telefônicas,
escolas, hospitais, transportes coletivos, áreas de lazer.
A produção das riquezas nas cidades é obra da coletividade e, portanto, deve
voltar a ela em forma de bens e serviços de que necessita, tais como os
mencionados acima.
Quando os governantes não cumprem suas obrigações, os segmentos mais ricos
da população podem pagar para obter de particulares as condições materiais
necessárias para viver dignamente, o mesmo não acontecendo com a classe
trabalhadora, principalmente nos países subdesenvolvidos.
Portanto, não basta que as leis garantam, no papel, os direitos do cidadão... É
preciso que o Estado administre o dinheiro público de modo a atender às
necessidades sociais.
No entanto, a ocupação, organização e administração de nossas cidades têm se
voltado sobretudo para a reprodução do capital e preservação do poder das
classes dominantes. Por isso, a maior parte dos investimentos públicos e privados,
que deveriam se destinar ao saneamento básico, transportes coletivos, segurança,
atendimento médico - hospitalar, preservação do meio ambiente e outros mais,
extensivos a todos os cidadãos, são direcionados a obras ou serviços que
beneficiam principalmente a classe empresarial e os espaços ocupados por seus
estabelecimentos, residências e locais de lazer.
Na verdade, o Estado tem operado displicentemente, quando se trata de prestar
serviços para atendimento dos segmentos mais pobres, omitindo-se ou
oferecendo-os de má qualidade. Dessa forma, apenas os que têm recursos
financeiros podem ter acesso aos melhores hospitais, escolas, meios de
locomoção, lazer e redes de informação.
Nesse contexto, a estrutura social de privilégios e exclusões caracteriza-se não só
por violar direitos humanos , mas ainda por provocar atos considerados violentos
também por parte dos injustiçados e excluídos.
Quanto às crianças de rua - as abandonadas por suas famílias ou que fugiram de
casa, para escapar dos maus- tratos ou não sucumbir à miséria -, o que os
grandes centros urbanos lhes reservam? Vítimas precoces da violência e sem o
atendimento necessário por parte do Estado, acabam, muitas vezes, apelando
também para a violência, como estratégia de sobrevivência.
A maior parte dos atos de violência urbana é produto da injustiça social que é, na
verdade, a maior de todas as violências, pois constrange e estimula as pessoas a
cometerem atos que não cometeriam, se tivessem outra opção.
2.2. Os jovens delinqüentes expulsos da escola
A população está descrente da capacidade das autoridades públicas, eleitas por
sufrágio universal, em gestar programas econômico - sociais adequados e
eficazes ao escopo dos problemas urbanos, mas – sobretudo – a um quadro de
insegurança, experimentado quer em sua dimensão objetiva, quer em sua
dimensão subjetiva. O medo constitui hoje um componente essencial da
“personalidade urbana”. Em princípio, qualquer espaço, o privado das casas e dos
ambientes particulares, e o público das ruas e dos lugares de visibilidade das
gentes, pode ser objeto de insegurança. A insegurança perpassa os mais
diferentes planos da existência coletiva.
Esse sentimento de medo e insegurança, preço que se paga pela vida nas
grandes cidades, tem sido exarcebado pela expectativa, cada vez mais provável,
de qualquer cidadão, independente de raça, classe, cultura, credo ou origem
étnica ou regional, ser vítima de ofensa criminal. Frente à probabilidade de ter a
vida em perigo e de ter confiscados bens materiais, muitas vezes conquistados
pelo dispêndio violento e sofrido de horas de energia humana que produz valor, a
população se “arma” e se defende a seu modo já que, nesse terreno, também
descrê da intervenção saneadora do poder público. E não parece infundado esse
sentimento. As estatísticas oficiais de criminalidade estão indicando o crescimento
de todas as modalidades delituosas, sendo certo que crescem mais rapidamente
crimes que envolvem a prática de violência, como os homicídios, os assaltos, os
estupros, os seqüestros. A epidemiologia da violência criminal sugere que não
apenas cresce, em razão progressiva, a massa de delitos praticados nas
metrópoles brasileiras como também se alteraram os padrões convencionais.
Lado a lado a criminosos solitários e soturnos, hoje assiste-se à emergência da
criminalidade organizada, muitas vezes até sob moldes empresariais. Está aí o
tráfico de drogas para não desmentir ninguém. Essa epidemiologia sugere
igualmente a crescente participação de crianças e adolescentes na delinqüência.
Há um conjunto que se inspira no pressuposto da desorganização social. Este
conjunto ocupa-se em oferecer à opinião pública uma imagem dos agressores
criminais como vítimas da sociedade. Carentes sociais, esses agressores
encontrariam na criminalidade a única alternativa para a sobrevivência. Trata-se
de um conjunto de representações que se apóia no modelo social - econômico
vigente, gerador de desequilíbrios e de justiças sociais como causa fundamental
da criminalidade violenta. Sob essa ótica, identifica-se o elenco de “fatores”
estimulantes da elevada incidência de crimes: migração desordenada para os
centros urbanos; desintegração cultural e familiar, matriz do problema do “menor
abandonado” e infrator; má distribuição da renda, responsável tanto pela pobreza
quanto pela polarização das classes médias; elevação das taxas de desemprego;
carência e precariedade das políticas sociais (de saúde, educação, assistência e
proteção social). Esse conjunto supõe, por conseguinte, que os agentes da
criminalidade procedem das classes populares; logo, as causas da criminalidade
se situam nas distorções da estrutura sócio - econômica da sociedade.
Nessa ordem de representações, identifica-se com freqüência a responsabilidade
das escolas. Tanto no senso comum quanto na fala de autoridades públicas e até
mesmo de certos segmentos intelectuais, esse estado de “anomia social” se deve
à baixa escolaridade da população brasileira. Afirma-se que a maior parte das
crianças e adolescentes, desprovidas de amparo escolar ou expulsas das escolas,
não tem outro caminho senão delinqüir. Não estando nas escolas, encontram-se
nas ruas, vagando, estabelecendo contatos com estranhos, vivenciando modos de
vida estranhos à experiência infantil, adquirindo hábitos pouco compatíveis com o
metodismo e regularidade da vida social moderna. As ruas apresentam-se como o
contraponto das escolas. Naquelas, o desejo corre solto, o vício transveste - se de
virtude, o tempo não obedece à regularidade disciplinar dos relógios, os espaços
não conhecem fronteiras, as regras não se fundam em outra autoridade que não
seja a da vontade pessoal. Pensa-se, uma ordem baseada na lei do asfalto
somente pode subsistir à custa de uma guerra de todos contra todos.
Portanto, cortar o mal pela raiz requer, antes de tudo, confinar as crianças e
adolescentes nas escolas, ocupá-los em tempo socialmente útil, no aprendizado
ordeiro e disciplinado das regras que devem presidir uma ordem social justa,
harmônica, democrática. Trata-se de uma verdadeira cruzada civilizatória que tem
por alvo retirá-los das ruas, reparando e saturando uma ordem social em ebulição
permanente. Outro não parece ser o espírito que anima os CIEPs – Centros
Integrados de Educação Pública, a política de aumento da jornada escolar, os
programas de suplementação alimentar nas escolas e outras diretrizes que
povoam o imaginário daqueles aos quais se incumbe a ingrata tarefa de formular
políticas públicas.
Nada disso parece em princípio reprovável. Exceto quando se indaga se as
escolas, de fato, exercem esse papel para o segmento das classes populares em
cujas fileiras são preferencialmente recrutados os candidatos à construção de uma
biografia na delinqüência. Para estes, a escola se fixa na memória de dois modos:
pela ausência ou pela exclusão violenta. Nesse domínio, a experiência precoce da
punição não suscita incertezas. A escola é um horizonte distante e ao mesmo
tempo familiar. Distante porque nunca se constitui um espaço efetivo de realização
social. A luta pela sobrevivência cotidiana não comporta investimentos em um
futuro incerto e não sabido. Familiar, porque espaço de aprendizado da violência.
A escola brasileira expulsa seus tutelados através de sutis, porém poderosos
mecanismos. Suas práticas, não raro, se mostram compatíveis com o universo
cultural de crianças e adolescentes insubmissos. Constituída em espaço sóbrio,
destituído de emoções e de atrações lúdicas, espaço desinteressante e
desmotivador, ela contrasta com um universo cultural no qual os desafios, os
confrontos, as lutas, o mundo do tête – à - tête, a vida eminentemente feita de
pessoas e não de abstrações constituem seus traços mais significativos.
A evasão apresenta-se como possibilidade segura, seja diante da contingência
econômica, seja devido ao caráter monótono e nada estimulante da aprendizagem
oferecida. Não há firmes convicções a propósito da utilidade da escola. Esta é
vista de forma negativa pela imposição de um aprendizado estranho ao seu
universo cultural, pelo seqüestro do tempo que seria dedicado ao lúdico, às
brincadeiras e aos folguedos, pela vigilância atroz que exarceba sentimentos de
rebeldia e de desobediência às suas normas. “Cabular aula” adquire o sentido da
aquisição de liberdade, de um tempo que é gerido pela própria vontade, pelo
prazer que corre solto na companhia de pares cujas normas de convivência são
pactuadas fora do mundo adulto no livre jogo de influências de uns sobre os
outros. A memória da escola é, na verdade, a memória de sua ausência, daquilo
que se passava fora de seu muro durante as fugas e cábulas às aulas. É a
memória das travessuras infantis, das peladas nos campos abertos, da natação
nos riachos e lagos, do trepar nos pomares para furar frutos.
No limite, é também a memória de uma violência incontida que somente pode
resultar em respostas violentas, em um aprendizado que a escola pretende
justamente negar e conter. Mais do que qualquer outro espaço institucional, a
escola se apresenta a essas crianças e adolescentes como uma espécie de
castigo modelar do comportamento. Um castigo que deve ser sofrido com
resignação. Não são poucas as queixas. O aprendizado imposto que nada diz
respeito ao mundo próximo e conhecido. A humilhação a que são submetidos pelo
não – saber , pela ausência de tradição de freqüência escolar na família, pelas
origens populares. As provas a que se sujeitam para confirmar o pertencimento ao
gênero humano e a recusa de um estatuto de anti - socialidade. A violência que
subjaz às relações sociais e que exclui o diálogo e a compreensão. Autoritárias,
essas relações não dissimulam as formas agressivas de preservação da
disciplina, através das exigências de bom comportamento e desempenho e a
intolerância que educadores manifestam diante do fracasso escolar. Nesse
universo, a baixa escolaridade e a evasão escolar, antes de serem características
peculiares de jovens e crianças que trilham a delinqüência, é o produto do
funcionamento do aparelho escolar.
A escola que tem-se apresenta algumas características contraditórias que marcam
significamente o seu perfil. A primeira delas seria um relação entre o
congestionamento das escolas e a evasão de alunos. As escolas de periferia
estão superlotadas, as classes são numerosas. Esse atendimento diferenciado ao
aluno e às suas dificuldades específicas seria um dos principais fatores
responsáveis pela evasão. Alunos menos preparados, com problemas de
disciplina ou de adaptação à rotina escolar, tenderiam a abandonar os estudos,
mas não a abandonar a escola, que aparece como uma das únicas alternativas de
encontro de jovens. É nesse contexto que surge a figura do “aluno insistente” –
aquele que, durante as aulas, fica principalmente na porta da sala de aula ou,
então, perambulando pelos corredores, pelos arredores da escola ou pelos pátios,
onde desenvolve atividades paralelas, perturbando o andamento das aulas e
dificultando o trabalho de inspetores. Isso porque a escola nada tem a propor a
essa população flutuante, que ocupa tanto suas instalações nas horas de
atividade como fora delas. A disciplina formal de sala de aula não atinge esses
alunos e, fora dela, nada é previsto para ocupá-los ou mesmo diferenciá-los dos
colegas que freqüentam regularmente a escola.
A dificuldade de distinguir os que são ou não alunos é outro problema comum na
escola. Daí as invasões. Essa pauperização, que ocorre também entre os
professores, elimina os traços indicativos dos diferentes papéis sociais no âmbito
da escola: professor, inspetor, alunos, todos estão igualmente pauperizados e
indiferenciados. Nesse sentido, entende-se – embora não se justifique – a
dificuldade do policial, na escola, em distinguir estudantes de maus elementos,
tratando todos igualmente como bandidos.
Um outro problema é o que resulta da concepção do espaço na escola e do
aproveitamento efetivo que dele se faz atualmente. A escola é concebida, em sua
edificação, como um espaço de vivência social. Terrenos amplos, boa localização
e quadra de esportes caracterizam as construções, prevendo-se que ali poderiam
ocorrer inúmeras atividades: festas cívicas, encontros de APM, comemorações e
reuniões de todo o tipo. A própria organização e o regimento escolar estabelecem
– de comum acordo com as APMs, com o Conselho e com o Grêmio – que estas
atividades são desejadas, uma vez que constituem complemento necessário às
atividades em sala de aula. Na realidade, porém, a pauperização, a falta de
recursos e o quadro incompleto de funcionários e professores levam a escola a
restringir suas atividades apenas ao ensino propriamente dito. Nesse sentido,
prevalece a idéia de que ela é meramente transmissora de conhecimentos. Os
professores têm um programa a cumprir, e toda a rotina escolar é desenvolvida
apenas para as atividades em sala de aula. E as noções de disciplina limitam-se a
garantir essas atividades. No entanto, os espaços ociosos e desocupados da
escola, os pátios mal - iluminados e as quadras esportivas mal conservadas são
ocupados de maneira caótica, perturbando o trabalho em sala de aula, sem que
nada possa ser feito para controlar os alunos nessas áreas que ficam expostas a
depredações. Não há bem público que possa ser preservado quando a situação
de todo o conjunto de edificações da escola se encontra em completo estado de
abandono.
Outro problema é o que decorre da insuficiência de quadros, tanto administrativo
como docente. Trata-se, portanto, de uma população flutuante, com pouco tempo
de trabalho na unidade escolar, que não tem possibilidade de participar da história
da instituição, de modo a nela influir permanentemente.
Em contrapartida, os funcionários administrativos em geral são estáveis.
Sobrecarregados de trabalho e de funções – inclusive exercendo papéis de
direção informal – são eles que detêm a cultura da escola, têm maior influência
sobre os alunos e mantêm operacionais as funções burocráticas – pelo menos na
medida em que a sobrecarga de trabalho o permite. Chega-se, assim, a uma
contradição instalada como resultado do pauperismo a que chegou a escola
pública: de um lado, professores ocupados apenas com a transmissão de
conhecimentos; de outro, funcionários administrativos arcando com a cultura da
escola.
Finalmente, serão mencionados os problemas de ordem pedagógica. Em geral, os
professores encontram-se mal informados e mal preparados para o exercício de
suas funções. Mesmo assim, demonstraram preocupação em se atualizar e em se
reciclar. Essas possibilidades de reciclagem e de acesso ao material didático
existem no âmbito da rede de ensino.
No entanto, o fluxo de informação apresenta certos pontos de estrangulamento
que dificultam o acesso de tais informações ao conjunto da rede. Os professores
demonstraram interesse e afirmaram que a recuperação de sua imagem
profissional exige, necessariamente, maior aperfeiçoamento e reciclagem
periódica.
Há possibilidade de mobilização e recuperação dos profissionais de ensino. Mas
resta saber qual é realmente a percentagem, no corpo docente, do que chama-se
“maioria silenciosa”, que não só permanece indiferente como até mesmo solapa
as medidas de mobilização e mudança nas ações pedagógicas.
Funcionários e professores são capazes de enunciar propostas e encaminhar
soluções adequadas às suas necessidades. Segundo eles, para o bom
funcionamento da escola são necessárias medidas simples, que melhorariam a
qualidade do serviço oferecido, tais como:
◆ equacionar o número necessário de funcionários por escola, preenchendo-se os
quadros de acordo com essa necessidade. Isso evitaria problemas como a
sobreposição de funções e a confusão de papéis, situação que vigora atualmente
nas escolas.
◆ estabelecer ações de caráter permanente que levem à discussão dos
problemas e envolvessem a clientela, professores e funcionários na questão da
segurança. Seriam medidas de caráter preventivo como, por exemplo, solicitação
de ronda policial nos arredores da escola e convocação de associações de amigos
de bairro e demais entidades civis para discutir a questão da segurança na escola
e no bairro.
◆ criar serviços específicos relativos à segurança, que contariam com o apoio de
comissões, isto é, formas de representatividade da clientela da escola junto às
autoridades de segurança. Casos de violência que exigem ação policial deveriam
contar com a responsabilidade e a representatividade do conjunto de pais e
professores. Maiores informações sobre o Juizado de Pequenas Causas, por
exemplo, mostrariam como certas situações de depredação, feitas por estranhos à
escola, poderiam ter uma ação efetiva, reparatória e eficaz; e estabelecer a
credibilidade da ação da Justiça em causas públicas – ainda que de pequeno
porte, mas de longo alcance – junto à população seria uma atitude no mínimo
interessante, contrapondo uma ação rápida à morosidade da justiça comum.
◆ a mobilização de professores e da clientela no sentido de desenvolver uma
ação conjunta para que a escola seja protegida pelos próprios usuários, partindo,
para isso, do pressuposto que a instituição desempenha um papel da maior
importância em nossa sociedade. A unidade escolar é um bem público, e é do
interesse da maioria mantê-la em bom funcionamento. Nesse sentido, campanhas
de mobilização da população do bairro e a discussão do bem público seriam o
ponto de partida para desencadear ações diferenciadas e efetivas, vindas da
própria população, com o objetivo de assegurar maior proteção a esse patrimônio.
◆ ações específicas junto ao professorado, propondo uma renovação periódica
em conteúdos programáticos, planos de carreira e uma discussão do perfil e da
trajetória da categoria ao longo das últimas décadas, no sentido de restabelecer a
credibilidade da profissão. Essa reivindicação, que apareceu como uma
expectativa dos professores nas vivências, poderia ser atendida também por uma
campanha nos meios de comunicação de massa. Os órgãos de imprensa têm
veiculado, sistematicamente, notícias que são, no mínimo, desmobilizadoras,
dando ênfase aos atos de depredação e violência, sem apontar alternativas ou
possibilidades de reação a tais situações. Não se trata de negar a questão da
segurança, pelo contrário: deve-se discutí-la amplamente, tendo em vista suas
conseqüências e a partir da necessidade de a população ser co-responsável pelas
linhas de atuação a serem efetivadas. Caberia mostrar à população exemplos de
experiências bem sucedidas, apontar as possibilidades de atuação em cada caso,
sem ficar no nível superficial de medidas genéricas e centralizadoras. Caberia a
cada escola decidir qual a segurança que quer, como instalá-la em sua unidade e
quais as responsabilidades coletivas contidas em cada proposta.
Ainda no conjunto das medidas a serem efetivadas, cabe dar continuidade ao
trabalho nas escolas onde foram efetuadas as vivências. Prosseguir no trabalho
com o conjunto de professores e funcionários, tendo em cada uma dessas
unidades uma visão das ações possíveis propostas tanto por seu corpo docente
como por seu pessoal administrativo.
Cabe, ainda, avaliar como o bairro e a clientela vêem a escola, como podem
contribuir para sua melhoria e quais as formas de participação possíveis. Nesse
sentido, as organizações auxiliares – como o Conselho de Escola e a Associação
de Pais e Mestres – são embriões de uma participação efetiva que ainda não foi
suficientemente implementada, mas que faz parte da organização possível de
cada unidade escolar.
Tanto nas “escola que se tem” como na “escola que se quer” existem problemas
prementes que estão a exigir soluções imediatas, entre as quais se destacam:
◆ equacionar o problema do congestionamento, base de insegurança, distúrbio de
qualquer ação educativa mais efetiva;
◆ estabelecer prioridades de atendimento nas escolas mais depredadas e com
maior necessidade de ação preventiva;
◆ implantar um plano de atendimento às questões de segurança, ouvindo a
própria população das escolas que, assim, poderá ser mobilizada e ter uma
atuação efetiva na prevenção de problemas;
◆ detectar pontos de estrangulamento no funcionamento da escola, equacioná-los
e estabelecer as ações no sentido de resolvê-los e prevení-los;
◆ ocupar o espaço da escola com atividades de lazer oferecidas à população
jovem, tomando o cuidado de não sobrecarregar o diretor com essas tarefas, mas
dividindo a responsabilidade com as associações civis existentes no bairro;
◆ conscientizar a população de que uma escola reformada exige maior
responsabilidade por parte do usuário, que deverá zelar por sua preservação e
manutenção, uma vez que se trata de um patrimônio público que reflete a imagem
da própria clientela perante o bairro.
A segurança pode ser entendida no nível grupal e no individual. No primeiro caso,
são opções de caráter institucional que procuram garantir o livre trânsito, o livre
exercício da cidadania. No segundo, são características pessoais que colocam a
segurança como uma postura do indivíduo no que diz respeito a seu modo de
vida, suas condições de trabalho, seus direitos.
No nível institucional existe um duplo conceito de segurança nas escolas. Um
primeiro, que tenta lidar com as ações agressivas resolvendo conflitos, colocando
diferenças de interesses, reconhecendo oposições, ao mesmo tempo em que
procura atuar com equilíbrio, encarando as questões como parte de uma atividade
rotineira da escola e, portanto, passíveis de negociação e de soluções
pedagógicas. Nessa situação de segurança o que se coloca como grande desafio
é a eficácia da ação educativa.
O segundo conceito de segurança é aquele que diz respeito à manutenção da
ordem pública e tem caráter repressivo. É claro que um assalto a mão armada ou
um roubo de grande porte – ocorridos dentro ou fora da escola – exigem medidas
repressivas e profissionais especializados para lidar com a questão. Trata-se,
porém, de distinguir qual o âmbito de interferência da ação policial. É importante
ressaltar que as depredações nas escolas nem sempre são frutos de violência.
Elas podem configurar uma atitude de protesto contra o descaso das autoridades
educacionais em relação à escola pública.
Pouco adianta a presença do policial na escola para lidar com uma população
indiferenciada, que é tratada como delinqüente ou marginal. A ação do professor –
que é capaz de lidar com seus alunos e com a clientela escolar numa relação de
equidade – parece ser muito mais eficaz e produtiva do que a presença do policial.
Isso leva-se a sugerir que, em vez de treinar policiais, seria desejável qualificar
melhor o professor para que possa desempenhar com mais eficiência seu papel e
suas funções, delineando de maneira explícita o alcance e os limites de sua
atuação dentro e fora da escola.
Ao se analisar a questão da segurança nas escolas, é indispensável considerar
que ela faz parte dos problemas de segurança numa sociedade com crescentes
índices de criminalidade. Assim, o debate sobre segurança nas escolas pode vir a
ser um instrumento mobilizador da clientela no sentido de que sejam discutidas e
adotadas ações preventivas de segurança no próprio bairro, envolvendo entidades
civis que desenvolvam ações separadas e conjuntas capazes de assegurar tanto a
segurança da escola como da população do bairro em geral.
Considerando que a segurança tem de ser abordada em seus dois aspectos – o
de ação agressiva e o de ação violenta – apresenta-se a seguir um conjunto de
possíveis recomendações que surgiram nos grupos de trabalhos realizados nas
escolas:
◆ de ordem material:
- equipar a escola com material necessário para seu funcionamento;
- restaurar banheiros, muros, grades, iluminação, portas, janelas, carteiras,
pintura e instalações em geral.
◆ de ordem pessoal:
- preencher os quadros de funcionários;
- estabelecer projetos para reciclagem dos professores.
◆ de ordem preventiva:
- estabelecer ações contínuas e permanentes para atuar preventivamente nos
momentos em que a clientela ou a escola se tornam mais vulneráveis (período
noturno, fins de semana etc.).
◆ no âmbito dos meios de comunicação de massa:
- fazer uma análise de como a mídia tem veiculado a questão de segurança nas
escolas e, com base nesses estudos, elaborar os temas para uma campanha
educativa.
Levando-se em consideração o estado de pobreza e a precariedade das
condições de vida, cabe perguntar se o problema de que se trata é a melhoria
ou simplesmente a implantação da segurança nas escolas.
As análises quantitativas e qualitativas, aliadas ao conjunto de propostas
apresentadas neste trabalho, têm por fundamento a participação –
compreendendo participação como “um processo de desenvolvimento da
consciência crítica e de aquisição de poder” (Bordenave, 1983). Nessa
participação têm-se como interlocutores os representantes do poder público,
na área educacional, os corpos docente, discente e administrativo das escolas
e a população dos bairros.
Numa política educacional que tem por base a participação, cabe ao Estado o
papel de regulador, mediador e moderador, aceitando as diferenças, as
oposições e o próprio conflito como parte construtiva da vida em sociedade.
Esse papel do Estado fundamenta-se numa noção de direito e cidadania
assegurados pela Constituição.
A forma de atuação em uma política educacional participativa compreende
negociação, autonomia, descentralização e pluralidade, estendendo-se
negociação como o reconhecimento dos interlocutores e do conflito de
interesses das partes: pais/professores; alunos/professores;
professores/direção; escola/bairro etc.; autonomia, como a possibilidade de
uma escola escolher o tipo de segurança que quer e arcar com seus limites,
possibilidades e implicações; descentralização, como a adoção de medidas
genéricas e apenas de caráter indicativo, deixando para a unidade escolar a
liberdade de escolha; e pluralidade, como a diversificação e a existência de
vários modelos e medidas de segurança, segundo a especificidade de cada
unidade escolar.
A análise do tema segurança nas escolas leva-se à reflexão de que a “escola
que se tem”, apesar de seus aspectos contraditórios, atende à maioria da
população jovem. Este é um aspecto da democratização ocorrida nas três
últimas décadas com a expansão da rede pública de ensino de 1º e 2º graus. É
impossível negar que a democratização acarretou uma perda de qualidade e
de credibilidade da instituição escolar, sendo a questão de segurança um dos
exemplos que mostram o grau de pauperização e abandono em que se
encontram as escolas. Não obstante, a luta por mais escolas e por melhor
qualidade de ensino é uma reivindicação constante da sociedade. Acredita-se
que a grande dívida do Poder Público com a sociedade é o ressarcimento da
credibilidade desta instituição, lembrando que ressarcimento supõe uma ação
viva e enérgica, um ato de vontade que não se limita apenas a recuperar, mas
também a acrescentar e dar novas significações ao serviço de ensino e
aprendizagem. Deve-se procurar entender de que forma o processo de
exclusão social que ocorre no âmbito do sistema escolar contribui para o
aumento da desigualdade social e para o descrédito da escola e do exercício
da cidadania. E levanta-se a seguinte questão: podem os educadores propor
ações construtivas que revertam a situação de exclusão e desigualdade social
no cotidiano da escola ?
3. VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR
“Quando a linguagem fracassa, é a violência que a substitui.
A violência é a linguagem daquele que não se exprime mais
pela palavra.”
Elie Wiesel
A família é um grupo de reprodução biológica e social. Não basta que os casais
tenham seus filhos. É preciso criá-los, ensinando-os a desempenhar os papéis
sociais específicos de cada idade, de cada gênero (masculino / feminino), de cada
raça / etnia, de cada classe social. Esse processo, que se chama socialização,
obedece a várias gramáticas. Socializar significa cuidar com afeto, mas também
reprimir. Assim, na família não se desenvolve somente o amor, mas também o
ódio. A sociedade brasileira permite que se apliquem castigos físicos moderados
aos filhos. Todavia, há pais e mães que extrapolam esses limites, espancando
duramente as crianças, abusando sexualmente delas (em geral, os agressores
são homens) e até matando-as. Há, dessa forma, uma violência intrafamiliar, que
se desenrola entre parentes.
Embora esses parentes não precisem necessariamente viver no mesmo domicílio
para que se caracterize a violência em família, a probabilidade de ocorrências
violentas é maior quando eles habitam sob o mesmo teto, convivendo
cotidianamente. O parentesco é determinado por convenções sociais. Isso
significa que ele se insere no terreno simbólico: a cada pessoa se atribui uma
posição num esquema de significados, que é o parentesco.
Quando o homem é o chefe da família, é também, de fato, seu amo e senhor,
mandando e desmandando na mulher e nos filhos. É muito alta a freqüência de
relações violentas entre o chefe da família e sua mulher e filhos, crianças e
adolescentes. Obviamente, o homem, por ter mais força física, e também por ter
sua agressividade estimulada e aplaudida pela sociedade, sai vitorioso nas brigas
familiares.
Não apenas o homem pratica violência intrafamiliar. Sobretudo em sua ausência,
a mulher se torna todo poderosa em relação a seus filhos, cometendo numerosos
atos de violência contra as crianças. Na ausência do chefe da família, a mulher
assume seu lugar, apropriando-se do poder que cabe àquele, para desempenhar
a tarefa de socializar a geração mais jovem, atribuída, na esmagadora maioria das
sociedades, às mães.
A violência deixa seqüelas mais ou menos graves. A violência é um
comportamento aprendido. Crianças vítimas de violência apresentam maior
probabilidade de se tornarem adultos violentos que as não vítimas.
Há uma idéia muito difundida de que só pessoas pobres e sem cultura são
capazes de praticarem violências - sejam físicas, sexuais ou emocionais - contra
outras com quem coabitam ou até mesmo contra membros de sua própria família.
Trata-se de puro preconceito contra pobres e pouco instruídos. A violência é
praticada em todas as classes sociais, em todas as raças / etnias, nos países de
cultura ocidental assim como nos de cultura oriental, nos industrializados como
também nos não industrializados, em todos os continentes da Terra (vide anexo
4).
Alguns casos de violência doméstica encontram-se em anexo (vide anexos 5 a 9),
assim como algumas atitudes para a erradicação deste grave problema (vide
anexos 10 e 11) .
3.1. COMO DETECTAR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Alguns professores enfrentam um problema muito comum em instituições de
ensino públicas e particulares: alunos vítimas de maus tratos. Na maioria das
vezes, o agressor é alguém da família.
A criança precisa aprender com palavras e atitudes de compreensão, não com
tapas e humilhações. Mas existem outras formas de violência. A psicológica
envolve ameaças e humilhações. A falta de carinho, de higiene e até de
alimentação adequada também deve ser denunciada. E a pior de todas é o abuso
sexual, que deixa marcas para toda a vida.
Diálogo e carinho ajudam muito. Às vezes, porém, é preciso coragem e envolver
outros setores da sociedade para tirar um aluno de uma situação de risco.
Segundo a pedagoga Kátia Carvalho Abbud (2003), vice-presidente do Centro de
Estudos e Prevenção da Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes, é
comum o professor ser escolhido pela vítima para escutá-la em situações deste
tipo. Por uma razão simples: ele ocupa um espaço muito importante na vida de
qualquer criança, até pelo tempo que permanece ao lado dela todos os dias.
Assim sendo, ao suspeitar-se de agressões ou abuso sexual, é importante
conversar com um adulto da família, tomando-se o cuidado de não entrar em
conflito. Muitas vezes, a mãe sabe ou desconfia do problema, mas não faz nada
por temer o agressor ou por acreditar que a denúncia será ainda mais traumática,
o que é um absurdo. “O ideal é mostrar o sofrimento pelo qual o filho está
passando e, juntos, procurar uma saída.”, diz Maria Helena, do Instituto Kaplan
(2003).
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que os profissionais que lidam com
crianças e jovens devem comunicar às autoridades a suspeita ou a confirmação
de maus tratos. Quem se cala comete o crime de omissão. Algumas atitudes são
imprescindíveis:
- o professor deve ser muito cauteloso e dividir o problema apenas com a
coordenação da instituição de ensino ou com um psicopedagogo;
- o professor não deverá jamais perguntar à criança se ela apanha em casa ou
se alguém está abusando dela. E não deve questionar a família, apenas
observar como se dá a relação do filho com os pais;
- o professor deve comunicar a suspeita ao Conselho Tutelar de sua região. Em
caso de abuso sexual, ligar para 0800–99-0500. A denúncia pode ser anônima,
- o professor deve falar sobre direitos humanos com seus alunos e explicar que
tapas, puxões de orelhas e xingamentos são formas de violência.
É fácil identificar a criança maltratada fisicamente, pois a mesma apresenta:
- manchas roxas pelo corpo ( o professor deve desconfiar de manchas nos
olhos, na boca, nas nádegas, nos órgãos genitais ou no peito);
- queimaduras no rosto, nos braços, nas mãos, nas nádegas, nas plantas dos
pés ( elas podem ser causadas por cigarro, água ou óleo fervente);
- vergões nos braços, pés e tórax, indício de que a criança pode ter sido
amarrada,
- feridas na boca, nos lábios e nos olhos e ainda o desenho característico de
uma dentada de adulto na pele;
- medo dos pais e de voltar para casa;
- mudanças freqüentes de humor, comportamento agressivo, desatenção, timidez
ou apatia;
- apreensão quando outras crianças começam a chorar;
- desconfiança no contato com adultos;
- sono agitado e pesadelos;
- conhecimento sexual inadequado para a idade, presença de doenças
sexualmente transmissíveis, gravidez precoce e masturbação excessiva;
- auto - flagelação;
- falta de apetite ou comer demais, marcas no corpo: queimaduras, fraturas,
mordidas.
A criança que sofre violência emocional pode:
- ter problemas para brincar com os colegas;
- ter medos exagerados;
- sentir-se muito triste;
- afastar-se das pessoas;
- apresentar atitudes auto - destrutivas,
- apresentar baixo rendimento escolar.
4. A VIOLÊNCIA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
Todos os temas são passíveis de virar notícia, mas a ocorrência policial é
seguramente um tema privilegiado. Por quê? Por ser violenta? A violência sempre
teve lugar de destaque na mídia, por falar diretamente a nossos instintos mais
profundos. E hoje? Quem consome a reportagem do crime? Como é pautada
pelos jornais e pela tevê a notícia violenta e a ocorrência policial?
Não há dúvida de que, quando se pensa em violência nos meios de comunicação,
imediatamente dois tipos de produtos requerem análise mais atenta: a ficção
adulta e infantil, apresentada em telas grandes e pequenas (mídia de
divertimento), e a informação jornalística (mídia informativa), cada vez mais rica
em ocorrências violentas.
A imagem da violência está presente na tela e no fotojornalismo. Ao ler o
noticiário, ouví-lo pelo rádio ou assistí-lo pela televisão, se é tomado por um
sentimento de perplexidade e confusão. Se, por um lado, as autoridades afirmam
estar tomando providências, estas parecem insuficientes para impedir que a
insegurança se instale nas escolas. Apesar dos alarmes, os furtos continuam.
Crianças se armam. Há tiros trocados dentro e nos arredores da escola, numa
onda de violência incompreensível para o leitor mais desavisado.
As imagens violentas da mídia chocam-se com a experiência escolar de anos
atrás, em que a escola era um lugar abrigado e seguro, onde ações agressivas
ocorriam e eram sancionadas por regulamentos, conselhos de classe e reuniões
de professores. Atos de violência eram inexistentes.
Uma avaliação crítica e questionadora da produção da notícia permite construir
uma imagem um pouco mais diversificada da violência nas escolas. Pode-se
distinguir, por exemplo, duas categorias de delitos: os furtos e roubos, que
atingem o patrimônio da escola; e as agressões, que atingem diretamente a
pessoa. Embora as vítimas sejam sempre os escolares, nota-se que são diversos
os lugares em que ocorre a violência: no pátio, num canto escuro e mal iluminado,
na porta da escola ou na via pública.
Os meios de comunicação, quando introduzem em suas pautas temas que
envolvem violência, agem sobre a sociedade em duas etapas. Primeiro,
agendando o tema da violência como assunto de discussão imediata (agenda
setting) e, em segundo lugar, construindo, mediante uma recepção ritualizada, um
universo simbólico que, a longo prazo, condiciona a ótica que o receptor terá da
realidade (aculturação).
A sociedade discute sobre violência, entre outros fatores, porque os agentes
sociais são, individualmente, partícipes diários de soluções não pacíficas de
conflito. A violência é tema de suas agendas privadas. As experiências vividas,
quase sempre traumatizantes, são alvo de repetidas narrações em que os
detalhes acabam compondo um monólogo no qual os agentes se apresentam
como participantes de um contexto coletivo comum. Segundo Nelson Hoineff,
jornalista eespecialista em TV por assinatura, crítico de cinema e diretor de
documentários, com passagem por grandes emissoras, como Manchete e SBT
(2002):
“Podemos resistir à banalidade mantendo nossa
indignação a ela constante como se estivéssemos
vendo televisão cada dia pela primeira vez. E
estimulando a formação de uma televisão
consistente, afinada com a grandeza do próprio
veículo. A sociedade tem que saber, em primeiro
lugar, que é ela quem está pagando a televisão e
que as outorgas são dadas em seu nome. Deve ter
em mente, também, que a televisão é um meio de
comunicação que constitucionalmente não pode
estar sujeito à censura prévia. Portanto, não há
como reclamar formas de controle mais rígidas do
governo, por exemplo. É uma equação difícil de
resolver. Mas o melhor caminho é chamar a
atenção para o fato de que a sociedade não está
satisfeita com a televisão que lhe está sendo
oferecida. Há caminhos para se fazer isso. É
necessário que haja organização suficiente. Em
muitos países existem instituições voltadas para o
controle da qualidade da TV. No Brasil há algumas
bastante sérias, mas que acabam tendo pouca
penetração na mídia.”
(Hoineff, 2002, página 8)
As narrações de alguma experiência com a violência, repetidas à exaustão,
acabam constituindo-se num cartão de visita, num instrumento motivador da
integração social. Além de ser tema das agendas privadas (assuntos comentados
nos circuitos sociais mais estreitos), a violência é um tema de discussão social
agendado pelos meios de comunicação mediante algumas ocorrências
privilegiadas, que deixam a esfera privada de suas vítimas e penetram em um
espaço público de discussão. Segundo Ubiratan D’Ambrosio (2003):
“Acho que os meios de comunicação deveriam ser
mais bem utilizados. Hoje é possível ver os conflitos
mundiais na televisão ou no computador. Esse
material é riquíssimo, traz informações, gera
emoções. É preciso falar sobre os conflitos, debatê-
los e tentar encontrar possibilidades de resolvê-los.
Assim se faz uma educação voltada para o despertar
da consciência.”
(D`Ambrosio, 2003, página 26)
O leitor menos afeito ao jargão das teorias da comunicação deve estar esperando
algum esclarecimento sobre o termo "agenda setting" ("fixação da agenda"),
usado há pouco. É a hipótese segundo a qual a agenda temática dos meios de
comunicação impõe os temas de discussão social. A mídia determina sobre o que
se vai falar. Em outras palavras, as pessoas, em suas comunicações
interpessoais, discutem prioritariamente sobre os temas abordados pelos meios de
comunicação.
Essa hipótese é intuitiva e de fácil compreensão. Esse agendamento temático não
se limita a temas relacionados com a violência. A rigor, a tendência que um tema
mediatizado terá em ser agendado pela sociedade dependerá, entre outros
fatores, de sua capacidade de romper com a expectativa do receptor, de causar-
lhe surpresa.
4.1.- A Violência na mídia de divertimento
A violência como espetáculo e forma de divertimento não é uma especificidade
dos meios de comunicação. A antropologia ensina que, nas sociedades ditas
primitivas, os combates físicos entre homens e animais, e entre homens de grupos
distintos, constituíam-se em rituais em que o aspecto religiosos e sagrado
(instituição de poder, exorcização de todos os males etc.) se confundia com a
dimensão da diversão propriamente profana.
Hoje os meios de comunicação eletrônicos constituem a principal instância de
divertimento da sociedade. A televisão comercial, as televisões a cabo, os vídeos,
o cinema, os vídeo - games, os sistemas multimídia, que envolvem o uso de
computadores, ocupam posição central entre as atividades "de descontração". Os
distintos universos sociais caminham para uma padronização crescente das
formas de divertimento e dos conteúdos de entretenimento propostos. Nesse
sentido, a violência permanece um conteúdo temático ultra - presente no mercado
de ficção laser.
Defensores e críticos desse tipo de concentração temática seguem desfilando
seus argumentos. O fato é que os efeitos produzidos pela exposição ritualizada e
exagerada a esses produtos parecem incontestáveis: um telespectador que
assista seriados policiais norte-americanos diariamente terá maior tendência a
acreditar estar vivendo em uma sociedade mais violenta do que realmente é.
Estará, portanto, mais propenso a adotar, ele mesmo, soluções de conflito menos
pacíficas.
Assim indicam os estudos sobre aculturação promovida pelos meios de
comunicação, ou seja, a construção que esses meios fazem de um universo
simbólico que, em grande parte, determina a ótica que seus receptores têm da
realidade. Esse efeito não é imediato, ou seja, não se produz de um dia para o
outro. Trata-se de um processo de inculcação, onde a recepção diária, ritualizada,
faz crer em um mundo que não existe. Um mundo possível entre muitos outros.
Esse efeito será ainda mais nefasto no caso de receptores menos críticos. Quanto
menos este ou aquele indivíduo conhece a realidade, mais facilmente interiorizará
um mundo fictício que lhe é imposto diariamente. Daí o estudo da recepção de
programas infantis ter especial importância. O consumo exagerado e diário de
produtos ficcionais infantis poderá levar a criança a um quase autismo, ou seja, a
um isolamento progressivo da realidade não televisiva, em que qualquer
referencial não apresentado pelo vídeo tenderá a não encontrar registro e portanto
não ser filtrado, contrastado, associado etc. Segundo Nelson Hoineff (2002):
“ Considero que não é função específica da criança
educar as crianças. A televisão não é um mecanismo
de complementação à educação formal. A televisão
tem tanto dever de educar quanto um jogo de
futebol, por exemplo. Dito isso, podemos partir para
pensar num modelo de televisão que seja compatível
com a dignidade do espectador e de modelos de
programação adequados à criança (que a meu ver
não devem reproduzir a educação formal e sempre
que possível se antepor a ela). É muito difícil
assegurar isso quando o entorno da televisão é tão
medíocre e imune a qualquer forma de controle. O
que a televisão gera hoje é em grande parte não
apenas ofensivo ao cidadão como inibidor de seu
crescimento. A maior parte dos brasileiros se forma
através da televisão e o tipo de formação que ela
vem produzindo é indiscutivelmente nefasta. Mas
tudo o que o jovem possa ver na televisão de
verdadeiro, de ético, tudo que estimule sua reflexão
e facilite o entendimento do mundo é profundamente
educativo.”
(Hoineff, 2002, página 10)
Esse isolamento é facilmente perceptível junto aos jovens que aderiram sem
limites à prática do vídeo - game. Em alguns desses jogos, os objetivos passam
pelo uso ininterrupto da violência, canalizada nos personagens comandados pelo
usuário. A trivialidade do uso da violência extrema, a reconstrução de uma
representação mais efêmera de vida e de morte e a supervalorização do reflexo
em detrimento da reflexão são alguns dos muitos efeitos que o uso desses jogos
pode produzir.
O tema da violência nos meios de comunicação não se limita à mídia ficcional e de
divertimento. Os efeitos potencialmente danosos à sociedade também não se
esgotam nos filmes mais ou menos sanguinários. A informação jornalística
também contém forte carga de conteúdo de violência. Só que, nesse caso, a
componente ficcional está mascarada por uma aparência de objetividade da
informação.
5. SOCIEDADE, DIREITO E ESTADO EM TEMPOS DE
VIOLÊNCIA
O homem vive em sociedade. E, para viver organizado coletivamente necessitou
de algum tipo de código, estipulando leis e punições... Da Grécia Antiga aos dias
atuais, como as leis foram aplicadas? No Brasil de hoje, o Código Penal ainda
reflete os costumes da sociedade? A violência policial, a chacina e o linchamento
são, no Brasil, formas disfarçadas de pena de morte? É possível estender o
princípio de igualdade, defendido na Constituição, para todos os brasileiros?
Sente-se tão impotente diante do velho fenômeno social da violência que, se por
um lado, quase se acostuma com ele - e, portanto, pouco incomoda -, por outro,
ainda que indignado, acredita-se mesmo que nada se pode fazer para mudar a
situação. Mas seria tolice - se não ingenuidade de nossa parte - cair na
“armadilha” de desconsolo e do conformismo para justificar, assim, tamanha
passividade diante de questão que afeta cotidianamente. É hora de “sacudir” a
poeira do pensamento... O tema, a bem da verdade, causa desconforto, e, por
isso mesmo, exige reflexão.
Refletir a respeito da violência torna-se cada vez mais necessário para se
compreender melhor em que ela consiste, de que maneira está presente na vida e
como combatê-la. Sabe-se o quão presente ela está, seja de forma explícita ou
dissimulada. A questão é: como lidar com a violência? Importa conhecê-la para
controlá-la, enquanto ainda há tempo; conhecê-la para que não reine soberana,
ditadora e totalitária; para que não destrua o que ainda está em construção: uma
sociedade mais humana, justa e democrática.
Pensar em violência é pensar em direitos humanos. É pensar que aquilo que é
indispensável para um também é indispensável para o outro. Essa idéia guarda,
entretanto, uma contradição interessante.
Pensar no outro é questão que envolve ao mesmo tempo o direito e o respeito à
igualdade e à diferença. Se tem-se dificuldade em aceitar o outro, logo, tem-se
dificuldade em aceitar diferenças e igualdades.
Vive-se no mundo da diversidade, onde o respeito às diferenças se impõe:
respeito à mulher, ao negro, ao indígena, ao deficiente, ao homossexual, ao
pobre, ao migrante.
O princípio constitucional de que "todos são iguais perante a lei" deve ser
entendido dentro desse contexto de diferença. Vale dizer, o princípio da igualdade
só estará sendo contemplado se o do respeito às diferenças também o estiver. Ser
diferente não é, necessariamente, ser desigual.
Comer, beber, dormir, sonhar ... por exemplo, são necessidades comuns a todos
os seres humanos, por mais diferentes que eles sejam. Assim, não é o caso de se
eliminar as diferenças, mas as desigualdades. É o caso, portanto, de se começar
a apostar na capacidade da solidariedade humana. E a solidariedade, não é
aquela que reconhece no outro o "coitado - pobre - miserável", mas a que
reconhece no outro - que é sempre diferente - a igualdade. É admitir: "O
indispensável para mim também é indispensável para o outro, por mais diferente
que ele seja".
Enquanto prevalecer a atual lógica de distribuição de renda no Brasil (a maior
parte da riqueza concentrada nas mãos da menor parte da população) e o atual
modelo de Justiça, a criminalidade tenderá a aumentar, e a impunidade também.
Mas as saídas estão ainda no investimento em saúde, moradia e educação pelo
Estado, em especial à população que não tem acesso a esses serviços básicos,
inclusive aos de Justiça, hoje caros, morosos e nem sempre justos. Estão no
investimento em uma educação, desde o ensino básico, não discriminatória de
classe, sexo, raça, orientação sexual, crença etc. Estão no rígido controle e
fiscalização da venda, porte e uso de armas, no combate ao tráfico de drogas e
ao crime organizado. Estão na vontade política para a reformulação das leis e do
sistema prisional; na aplicação pelos juízes, se for o caso, de penas alternativas
previstas no Código Penal, como a prestação de serviços à comunidade para os
crimes de menor gravidade, com o intuito de esvaziar as prisões e fazer da pena
algo minimamente eficaz do ponto de vista jurídico e social. Enfim, as saídas estão
no investimento na vida.
O que tem-se hoje, com a atuação violenta da polícia, justiceiros e esquadrões da
morte, talvez seja uma forma de punição mais parecida com uma vingança
pública, ilimitada e institucionalizada.
O respaldo de parcela significativa da sociedade dá legitimidade à ação violenta
do Estado? Quais são os limites do uso da força? Seriam legítimos os
linchamentos? Não está-se perdendo o controle da violência? Será que os
métodos de tratamento da problemática da violência, o sistema penal e
penitenciário, a concepção de direito, justiça, crime e castigo podem ser
considerados "civilizados"? A raiz do problema, contudo, parece residir, em grande
parte, no lento e crescente processo de desumanização do mundo
contemporâneo.
A indignação e a conformação fazem parte da vida. Ambas, quando levadas ao
extremo podem ser perigosas. A questão é: com o que se indignar e com o que se
conformar? A conformação excessiva é estagnante. A indignação, em boa
medida, é possibilidade de transformação.
6. OS DIREITOS DO CIDADÃO
A cidadania se define, hoje, pelos princípios de democracia, o que significa
sempre um processo, isto é, trata-se não de algo estático, que é dado, mas sim de
algo permanentemente dinâmico. Cidadania é, além de consolidação social e
política, a conquista de novos espaços e a criação de novos sujeitos de deveres e
de direitos, ou seja, é a criação de espaços sociais de lutas. Isso se dá através
dos movimentos sociais, populares, sindicais, profissionais os mais variados.
A cidadania significa necessariamente o reconhecimento da igualdade e da
liberdade dos cidadãos, pois o próprio conceito de cidadão é o do indivíduo
portador de direitos e deveres.
Os direitos do cidadão não se confundem com direitos humanos, mas devem estar
intimamente ligados numa sociedade democrática. Em que diferem os direitos do
cidadão dos direitos humanos? Os direitos do cidadão são aqueles claramente
definidos num contexto legal. Tais direitos variam muito de período histórico para
período histórico, numa mesma Nação, num mesmo Estado, e variam de um
Estado para outro num mesmo período histórico. As pessoas podem perder a
cidadania, recuperar a cidadania, adquirir uma nova cidadania. Nesse ponto já
tem-se uma diferença essencial para com a idéia de direitos humanos. Estes não
são adquiridos por nenhuma lei, por nenhuma ordenação jurídica e independem
de um determinado conjunto acoplado aos deveres. Os direitos humanos são
direitos fundamentais e, portanto, considerados naturais. Se são naturais,
independem de uma organização jurídico – formal . São naturais no sentido de
que são essenciais, estão diretamente vinculados à essência da natureza
humana.
Quando alguém nasce, já é detentor de direitos humanos, que significam
basicamente o direito à vida. Mas não somente o direito à vida, que já é,
evidentemente, o primeiro dos direitos fundamentais, mas o direito à vida com
dignidade. E daí decorrem todos os outros direitos. São direitos humanos
fundamentais, direitos naturais inalienáveis, que independem dos poderes
públicos para existirem, mas que exigem o respeito por parte desses mesmos
poderes públicos. Quando os poderes públicos não reconhecem os direitos
humanos, esses poderes carecem de legitimidade.
Os direitos de cidadania, que podem ser conquistados e ampliados, são diferentes
dos direitos humanos. Porém, numa democracia, é radicalmente exigido que
estejam sempre juntos. Muitas vezes a cidadania é apenas uma aparência de
democracia. É apenas um conjunto das famosas liberdades formais, ou direitos da
burguesia, para, ideologicamente, esconder uma dominação, sendo que, na
verdade, se observa uma falta de direitos para todos.
Nem sempre a conquista de direitos sociais, num processo autoritário e sem
participação dos interessados, dos envolvidos, significa um avanço no sentido
democrático, que una as idéias de cidadania e de justiça à idéia de democracia.
Existe uma identificação entre cidadania e democracia, na medida em que tal
identificação recupera radicalmente as idéias de direitos e deveres, numa visão
que une igualdade e liberdade.
Os cidadãos nascem desiguais. Os cidadãos crescem desiguais. Mas eles têm
direito à igualdade de oportunidades, à igualdade de reconhecimento como
pessoas humanas com a mesma dignidade. O privilégio é só para alguns.
Aos conservadores, que, como o nome diz, querem conservar um estado de
coisas que a eles interessa, repugna a idéia de igualdade. Essa idéia abala suas
convicções sobre a própria superioridade que possuem e que lhes confere mais
“direitos” – direitos que valem, evidentemente, só para os “superiores”. Assim,
esse pensamento conservador vê na idéia de cidadania plena uma certa vitória da
luta de classes, que significa, da perspectiva desse pensamento, violência e
inserção dos de baixo, vistos não apenas como as classes desfavorecidas mas
também, principalmente, como as classes perigosas. Perigosas no sentido de que
“ameaçam tomar o meu lugar”, isto é, “não apenas ameaçam tomar meu
patrimônio, não apenas ameaçam a minha integridade física e mesmo a minha
vida, mas ameaçam a minha posição superior e privilegiada na sociedade”.
O artigo 13 do Pacto Internacional das Nações Unidas, relativo aos direitos
econômicos, culturais e sociais, reconhece, em primeiro lugar, o direito de toda
pessoa à educação e que essa educação deve visar ao desenvolvimento pleno da
personalidade humana na sua dignidade, devendo fortalecer o respeito pelos
direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. Essa educação deve unir as
idéias de cidadania e democracia, capacitando todas as pessoas a participar
efetivamente de uma sociedade livre. Educar para os direitos humanos é educar
para a participação na vida pública, para a consciência dos direitos e deveres e é,
portanto, num contexto político e histórico determinado, educar para a cidadania.
O registro social da educação para a cidadania significa reconhecer e reivindicar
os direitos e a existência, a criação e a consolidação de novos sujeitos políticos,
de novos indivíduos ou grupos com a consciência de seus direitos e deveres. Isso
é o que se chama de cidadania ativa, cidadania participante, em oposição à
cidadania passiva, outorgada e tutelada pelo Estado.
A discussão dos supostos teóricos referentes às crianças e adolescentes ditos
“carentes” evidencia uma preocupação constante com a superação das
“deficiências” e das diferenças culturais pela via da escola. Nesse sentido, à
educação é atribuído o papel de agente de eqüalização social, o que significa, na
verdade, a persistência da crença ingênua do poder redentor da educação em
relação à sociedade. Esse tipo de concepção educacional ou desconsidera que as
desigualdades econômico - sociais se produzem fora da escola e encontram sua
solução última também aí, ou, mesmo incorporando esse conhecimento, atribui à
escola em particular e a processos educativos em geral um papel de
transformação e superação que não têm condições de desempenhar, ou melhor,
para o qual podem contribuir, dentro de limites restritos. Essa contribuição
depende, dentre outras coisas, da apreensão das contradições presentes na
sociedade capitalista desigual, as quais permeiam a prática escolar, e,
especialmente, da disposição de trabalhar sobre essas contradições ao invés de
negá-las pela busca do consenso e da harmonia.
Essa associação entre cidadania, justiça e democracia obriga a retomar-se a idéia
fundadora de democracia. Democracia, no sentido contemporâneo, é aquele
regime que se funda no critério da maioria, mas com pleno e radical respeito aos
direitos da minoria e, portanto, aos direitos humanos, aos direitos fundamentais da
pessoa humana. Democracia é ter e criar direitos. É também exigir a garantia e o
reconhecimento desses direitos. A luta pelos direitos do cidadão, a luta pelos
direitos humanos como luta pela democracia significa recuperar a luta pelo direito
primordial: o direito à humanidade, mas com dignidade, justiça e liberdade.
Tem-se, no Brasil, um marco muito importante do ponto de vista jurídico - formal,
que foi a edição da Constituição Federal de 1988. Esta estabeleceu, no seu artigo
5º, várias regras, várias normas, vários dispositivos relacionados aos direitos
fundamentais da pessoa humana que, em síntese, procuram evitar a intervenção
indevida do Estado nos assuntos relacionados ao indivíduo. Pretende a
Constituição Federal proteger, juridicamente, o cidadão dos desmandos dos
agentes e dos servidores do Estado, que muitas vezes, em nome da pretensa paz
social, acabam desrespeitando os mais elementares direitos das pessoas. No
artigo 5º da Constituição Federal encontra-se uma série de direitos individuais e
garantias processuais que vedam ações arbitrárias do Estado, de modo a
assegurar a todas as pessoas – adolescentes, idosos, adultos etc. -, pelo menos
do ponto de vista formal, a possibilidade de vida, de saúde, de educação, de
desenvolvimento das potencialidades humanas.
Dentre os dispositivos da Constituição Federal encontra-se, ainda, o artigo 227,
que estabelece e afirma os direitos fundamentais da criança e do adolescente, ao
definir que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a eles, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à liberdade, à saúde etc. Esta é a afirmação
da dignidade da pessoa humana, ou seja, somente quem possui liberdade, saúde,
educação, alimentação, a segurança da possibilidade de desenvolver suas
relações familiares, suas relações comunitárias, é uma pessoa que vive de forma
plena, pois exerce seus direitos fundamentais.
O mesmo artigo 227, em sua segunda parte, repudia toda forma de violência, de
negligência, de opressão, de crueldade, enfim, toda ação que atende contra esses
direitos fundamentais. O mais importante nessa visão dos direitos humanos
concernentes à infância e à adolescência é que pela primeira vez na história do
Direito brasileiro a criança e o adolescente são colocados como sujeitos de direito,
formalizando uma verdade que já era historicamente evidente, isto é, que a
criança e o adolescente, ainda que em processo de desenvolvimento físico,
mental e intelectual, ainda que nessa condição peculiar de pessoas em processo
de desenvolvimento, como diz o Estatuto da Criança e do Adolescente, são
efetivamente sujeitos de direito. Assim, do ponto de vista jurídico, a criança e o
adolescente deixam de ser meros objetos de intervenção no mundo adulto, seja
esse mundo representado pela família, pela sociedade ou pelo Estado. Durante
muito tempo, para o mundo do Direito e, creio, também para o da Educação, a
criança e o adolescente foram considerados meros objetos de intervenção do
adulto, ou pela incidência da lei, ou em razão da vontade da norma escolar, ou por
qualquer prática que não estivesse relacionada àquela condição peculiar de
pessoa em processo de desenvolvimento.
O Estatuto da Criança e do Adolescente só é conhecido, ao menos do ponto de
vista da mídia, no que concerne à questão do adolescente infrator – parte
importante, porém pequena, do Estatuto. O fundamental deste Estatuto foi colocar
a criança e o adolescente como sujeitos de direito. Essa legislação teve como um
de seus objetivos regular as relações que envolvem crianças, adolescentes e
família; crianças, adolescentes e sociedade; crianças, adolescentes e Estado (vide
anexos 12 e 13). Veja as concepções presentes no Estatuto quanto a cada área:
Em primeiro lugar, no que se refere à família, abandonou-se aquela idéia
maniqueísta que considera tudo o que ocorre nesse âmbito como o ótimo, o
perfeito, o bom, o saudável e, em contrapartida, as relações extrafamiliares
representariam o perigo, a indignidade, toda sorte de fatores negativos, enfim, que
influenciariam o desenvolvimento físico, mental e intelectual da criança e do
adolescente. Mas sabe-se que, na realidade, e não raras vezes, se dá o oposto,
ocorrendo dentro da família a violência e o máximo desrespeito aos direitos
fundamentais da criança e do adolescente, notadamente ao direito básico à
integridade física. Tal violência, bem conhecida pelos professores, foi objeto de
dispositivos específicos do Estatuto. Se parece óbvio o princípio de que não se
deve lesar fisicamente a ninguém, no caso da criança, infelizmente, na realidade
em que se vive, tal direito deve ser resgatado. Isso é de suma importância, razão
pela qual o Estatuto tenta regular as relações existentes entre as crianças e os
adolescentes e suas famílias, pautando-se na concepção de que aqueles devem
ter seus direitos fundamentais preservados até em relação aos seus próprios
parentes, ainda que adultos.
Também no âmbito da sociedade o Estatuto direciona-se no sentido de garantir os
direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes – ressaltando-se aqui a
condição especial que é o processo de desenvolvimento -, estabelecendo deveres
gerais a toda e qualquer pessoa integrante do corpo da sociedade em relação à
criança e ao adolescente. São normas gerais que tentam regulamentar e
redimensionar as relações existentes entre a criança, o adolescente e a
sociedade.
Finalmente, no que se refere ao Estado, o Estatuto estabelece uma série de
direitos e garantias para as crianças e adolescentes, na tentativa de equacionar
pela lei os principais problemas que os afetam. Dentre os direitos fundamentais, o
direito à educação aparece em primeiro lugar. A criança e o adolescente, por força
do dispositivo inserido na Constituição Federal e disciplinado pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente, têm o inquestionável direito fundamental de
desenvolver suas potencialidades através do processo educacional.
Defronta-se, no cotidiano, em razão das várias funções, com pessoas subjugadas
por um sistema extremamente concentrador de renda, que pauperiza a classe
trabalhadora, que joga precocemente a criança e o adolescente no mercado de
trabalho, que cria e mantém uma escola que facilita a evasão escolar –
decorrência, segundo especialistas, da própria sistemática da escola: currículo,
metodologia etc.
Com as mudanças na área jurídico - formal aqui abordadas, passou-se a ter a
possibilidade de questionar o Estado quanto a toda essa situação, quanto a toda
essa violência, principalmente quando praticada pelos chamados pequenos
poderes. Eu não sou o Estado, mas sou um agente do Estado; esse é o caso
também do professor. E muitas vezes é esse pequeno poder que o professor
detém, que eu detenho, abusivo, que revela toda a essência da própria violência
do Estado. Nesse aspecto, o Estatuto da Criança e do Adolescente forneceu à
sociedade um instrumento geral e eficiente de luta contra tais violências.
Na área específica da Educação, o Estatuto criou mecanismos externos de
controle da atividade educacional; esses mecanismos, se ainda não funcionam
hoje, certamente passarão a funcionar – o que já ocorre em alguns estados, mais
ou menos satisfatoriamente. Como exemplo de controle da atividade educacional,
cita-se a obrigatoriedade legal que tem o professor, tanto da rede pública como da
particular, de comunicar todos os casos de evasão escolar não só aos órgãos
administrativos da escola como também ao Conselho Tutelar, órgão da
comunidade encarregado de zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Isso
é importante porque o Conselho Tutelar, sendo um órgão da sociedade civil, pode
questionar os próprios órgãos educacionais a respeito daquelas evasões ou de
altos índices de repetência, de modo a fazer com que as escolas, através de um
interlocutor institucional, se aproximem da comunidade.
Usando o mesmo mecanismo, o Estatuto da Criança e do Adolescente encontrou
uma maneira de enfrentar outro problema, também ligado à questão educacional:
os maus tratos a crianças. Assim, o professor – ou o médico – que deparar com
um aluno vítima de violência física imposta pelos pais ou responsáveis, é obrigado
a comunicar tal ocorrência às autoridades competentes – via de regra, ao
Conselho Tutelar. Tenta-se assim, pela primeira vez, coibir de maneira ordenada
as violações aos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Deve-se
acrescentar que ainda falta uma série de fatores para dar vida ao que estabelece
a lei, como qualificação de pessoal, aprendizado, experiência prática etc.
A preocupação do legislador do Estatuto da Criança e do Adolescente, ao criar
todos esses mecanismos de controle e instrumentos jurídicos à disposição da
sociedade civil, foi sair da visão estreita do Estado liberal, que se resume na
afirmação da igualdade de todos perante a Lei. O Estatuto procura garantir
efetivamente essa igualdade e, mesmo que as soluções que apresenta ainda não
sejam as mais adequadas, tenta oferecer as respostas concretas e necessárias
aos fatos ensejadores do desmando, do arbítrio, da opressão, da crueldade e do
desrespeito a esses direitos fundamentais. Do ponto de vista jurídico - formal, na
área relacionada à Educação, é a primeira vez que tem-se a possibilidade de
colocar o Estado no banco dos réus. A Educação como direito de todos e dever do
Estado é uma conquista popular que vem de anos e anos, e não uma dádiva do
Estado. É uma conquista da população que paga seus impostos, que devem ser
canalizados para as atividades fundamentais do Estado – dentre elas, a saúde e a
educação, evidentemente.
Uma questão muito importante que foi considerada pelo Estatuto da Criança e do
Adolescente é a marca do autoritarismo dos chamados pequenos poderes. No
caso da Educação, isso tem a ver mais especificamente não com a quantidade
mas com a qualidade do ensino, e há dispositivos no Estatuto que estabelecem
até, por exemplo, o direito dos pais participarem do processo de escolha das
linhas educacionais e de outras atividades dessa natureza. É claro que ainda é
muito difícil colocá-los em prática, a não ser naqueles casos de manifesta
qualidade de ensino indesejado, com alto índice de evasão escolar, de repetência
etc. Então, existem efetivamente esses mecanismos, ainda que incipientemente
usados, para se colocar o Estado e, de certa forma, a própria escola, no contexto
de uma nova concepção jurídico - formal que permita seu questionamento.
No que concerne à questão do desrespeito à integridade do indivíduo, questão
muito debatida pela área da Educação, o Estatuto da Criança e do Adolescente
apresenta no artigo 17 uma definição de direito ao respeito que vale para qualquer
área, inclusive no âmbito das relações familiares. O direito da criança e do
adolescente de serem respeitados pelo mestre ou professor à primeira vista pode
parecer uma bobagem, mas não raras vezes, em função de atitudes autoritárias
por parte dos professores, isso gera uma série de problemas. Este mesmo artigo,
explicita que o direito ao respeito consiste, em primeiro lugar, na inviolabilidade da
integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente. O que se
considera mais lesivo é, evidentemente, a atitude violenta, quer seja física, quer
seja psíquica.
Além da vedação da violência física, diz a lei que o direito ao respeito abrange
também a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores,
idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais. A criança e o adolescente têm o
direito de ser respeitados por todos, inclusive pelos mestres e professores.
Outros dispositivos foram inseridos no Estatuto da Criança e do Adolescente, com
o clero propósito de coibir a violência. Um exemplo é o artigo 230, que tem sido
objeto de muita discussão. Esse artigo estabelece como delito o ato de privar a
criança ou o adolescente de sua liberdade, sem que haja flagrante de ato
infracional ou resistência a ordem escrita de autoridade competente. O Estatuto da
Criança e do Adolescente, ao tratar a questão da criminalidade infanto - juvenil, o
faz de forma equilibrada, fugindo dos extremos. Por um lado, os menores
infratores não são considerados anjos que devem ser desculpados de todo e
qualquer ato. Por outro lado, no extremo oposto, consideram-se menores
infratores como psicopatas, monstros, que devem ser punidos pela sociedade
através da pena de morte ou coisa que o valha. Entre uma e outra postura, o
Estatuto tenta traçar uma linha de equilíbrio: não são anjos nem bandidos.
A concepção que prevaleceu entre os legisladores do Estatuto da Criança e do
Adolescente foi a de que se deve combater a violência venha ela de onde vier : da
sociedade, da família, do Estado, da polícia, do promotor, do professor e até
mesmo da parte de um menor. Dizer não à violência é um ato pedagógico, um ato
necessário. È preciso que se firme que as formas de enfrentamento de condições
sociais adversas são outras que o não matar, não roubar, não espancar. O
potencial de indignação que nossas classes populares carregam, em função das
condições sociais injustas, deve ser canalizado para a atividade política, para a
atividade sindical, e não para ações isoladas, das quais tem-se exemplos terríveis.
As condições mínimas para viver supõem a garantia do que se chama de "direitos
humanos": tudo que permite ao homem ser homem, não uma coisa ou um animal,
ou seja, direito à vida e à liberdade. Para tanto, necessita de moradia,
alimentação, transporte, educação, saúde, trabalho, salário justo, terra para quem
nela trabalha, segurança contra a violência, acesso à justiça. Não só. Também
lazer e sonho, exigências nada supérfluas, na medida em que integram qualquer
projeto de humanização.
Quando fala-se em direitos, certamente não é para descuidar-se dos deveres.
Aliás, nem há como esquecê-los. Eles são cobrados desde cedo pela sociedade,
quando aprende-se o controle do desejo, a disciplina, no esforço de atingir os
objetivos impostos pela coletividade. Nada mais justo, portanto, que, se exigi-se o
cumprimento dos deveres, também sejam respeitados os direitos.
As notícias da tevê indicam desrespeito aos direitos humanos e, nesse sentido,
se configuram como formas de violência. Como seria possível superar as várias
formas de banalização da violência ? É preciso reconhecer que essa questão
depende da política.
A democracia é a forma de governo que tem compromisso com a vida, por isso o
combate à violência depende da implantação de mecanismos democráticos de
exercício do poder capazes de garantir a cidadania plena e o respeito aos direitos
humanos.
Defender os direitos humanos não significa preservar apenas os próprios direitos
ou os de sua família, numa acanhada visão individualista, justamente porque
pertence-se a uma coletividade: o mundo vai além do jardim!
Fazer parte de uma sociedade significa interagir com liberdade, não só indicando
representantes no governo, mas também participando pessoalmente de decisões
coletivas.
De nada adianta se declarar cidadão, se não se consegue sobreviver com
dignidade. Um homem só é cidadão quando se torna "pertencente à cidade""
integrado nela e participante das decisões que definem seus rumos.
Então, se é obrigado a reconhecer que, embora na Constituição estejam
expressos os direitos dos cidadãos, na prática tem-se cidadãos de primeira e de
terceira classe, e até "não – cidadãos", se pensar-se naqueles que foram
despojados de bens materiais e culturais, excluídos de qualquer participação do
poder e dos bens sociais.
Do ponto de vista do projeto educativo propriamente dito, parece que as
contribuições que a escola – e, com suas especificidades, as entidades de
atendimento – pode oferecer são, em essência, duas:
➲ fornecer às crianças e aos adolescentes conhecimentos e suporte que os
instrumentem para enfrentar os desafios que lhes são postos pela necessidade de
viver e sobreviver na sociedade capitalista desigual;
➲ realizar um trabalho educativo que permita a essas crianças e adolescentes
desenvolver uma compreensão crítica de sua condição de vida e das suas
determinações econômico - sociais.
Certamente são proposições bastante amplas e, como tais, devem ser objeto de
reflexão e aprofundamento.
Para finalizar, deve-se repetir que deve-se ser contra a violência, parta ela de
onde partir. O incondicional respeito à dignidade da pessoa humana, seja criança
ou adulto, seja infrator ou não, seja professor ou aluno, é elemento indispensável
para a construção da cidadania.
7. A VIOLÊNCIA NA INSTITUIÇÃO DE ENSINO
Há hoje um amplo campo de estudos sobre a violência na escola. Um dos
aspectos desse fenômeno que tem mobilizado a atenção da sociedade é o
fechamento e a ameaça de invasão de algumas delas em decorrência de guerras
entre quadrilhas. Não sem motivo: essas ações representam ameaças à vida e à
integridade física do corpo escolar e tentativas, muitas vezes bem - sucedidas, de
indução dos alunos à compra e ao uso de drogas. A instituição é a que congrega o
maior número de crianças e jovens por longos períodos, abrigando um público
potencial para os entorpecentes (vide anexo 14) .
Estatísticas revelam o aumento de participantes jovens no narcotráfico e a
diminuição da idade em que se transformam em consumidores. Não há como
minimizar a importância dessa questão. Seu enfrentamento deve resultar da
articulação entre poder público e sociedade, em diferentes níveis (vide anexo 2).
Ainda que sua eliminação, pelo menos no atual momento, pareça difícil,
possibilidades de reduzi-la existem, por meio de ações coordenadas. Há hoje um
grande e expressivo movimento, liderado por diferentes instituições, que busca
fomentar uma cultura de paz. É preciso reconhecer, no entanto, que as agressões
não se devem só ao tráfico. Alunos e ex-alunos lideram depredações e destroem
equipamentos porque não encontram respostas às suas expectativas.
Um outro lado da questão refere-se à posição da própria instituição. A relação
que mantém com estudantes e comunidade e sua participação efetiva para a
aprendizagem e progressão na escolaridade podem contribuir para a redução dos
conflitos.
Soluções simples, como conservar instalações equipadas e agradáveis, podem
contribuir para minorar a agressividade, bem como manter um corpo técnico-
pedagógico que possa assistir aos alunos e à comunidade. A (re)estruturação do
ensino, de modo a atender às expectativas de seu público, contemplando as
necessidades de inserção no mundo do trabalho e as diversidades socioculturais,
também é ponto central. Parece relevante ainda que os alunos contem não só
com seu entorno, onde possam praticar atividades variadas, inclusive com a
presença da comunidade. Por fim, outro aspecto fundamental é a oferta de cursos,
seminários e atividades diversas para professores e, por que não, estudantes -
que possibilitem reflexões sobre a dimensão da violência. Não são poucas as
interpretações sobre os fatores e estruturas que com ela se relacionam, inclusive
as análises sobre suas dimensões socioculturais, às quais eles não têm acesso
(vide anexo 15) .
A violência na escola choca a opinião pública e é conseqüência de uma série de
mazelas históricas cujos responsáveis são o governo, o empresariado, a imprensa
e também a instituição escolar. A tendência dos educadores sempre foi a de
buscar culpados por essa realidade cruel que às vezes invade os colégios. Mas
quem se dedica a analisar o fenômeno afirma que ele só entra em um caso:
quando as portas estão abertas. E os portões ficam escancarados, quando não se
cumpre a missão de educar.
Pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (Unesco), em 14 capitais brasileiras e divulgada em março de
2002, mostrou que os adolescentes vêem a educação como o caminho para
alcançar melhores posições no mercado de trabalho e na sociedade. Apesar
disso, constrangidos pela agressividade, tanto de professores quanto de colegas,
muitos não acreditam que possam transformar o sonho em realidade. Por isso,
cerca de um terço dos jovens diz não ter vontade de freqüentar as aulas. Em vez
de desenvolver a cidadania, o sistema os coloca para fora da pirâmide social.
A frustração confirma o resultado de levantamento realizado em 2001 pelo
Sindicato de Especialistas de Educação do Magistério Oficial do Estado de São
Paulo (Udemo). Em 87% dos 429 estabelecimentos pesquisados, o desinteresse
pela instituição está associado ao fato de ela não demonstrar sua utilidade. Em
64% delas, os estudantes não vêem um futuro promissor e não se sentem ligados
ao espaço em que estudam. (Fonte:)
Esse desinteresse só muda quando mestres e discípulos sentem-se parte de um
único grupo. Se a criança se vê acolhida, a maneira de agir muda. Quem pretende
formar cidadãos deve, portanto, promover trocas, e não imposições. É possível
que a depredação seja o meio encontrado para reivindicar um espaço público
negado. A destruição do patrimônio muitas vezes está associada a administrações
autoritárias, indiferentes ou omissas.
Em 12 de agosto de 2002 foi lançado, em São Cristóvão, o projeto “Paz nas
Escolas”, uma parceria da Polícia Militar com os colégios para garantir a
segurança nos estabelecimentos públicos e particulares (vide anexo 15).
Os telefones 3399-2212, 3399-2213 e 3399-2216 estão disponíveis para
denúncias e não é preciso identificar-se. Segundo o comandante - geral da Polícia
Militar, coronel Francisco José Braz, duas patrulhas farão a ronda nas
proximidades das escolas e é possível a instalação de câmeras nos colégios,
embora algumas instituições já estão fazendo uso destes materiais (vide anexos17
a 19).
A chacina feita em abril de 1999 por dois estudantes do Colorado, nos Estados
Unidos, quando 12 colegas e um professor foram assassinados, acendeu um
fósforo no ambiente inflamável criado pela exclusão social no país. Novos casos
de violência, desta vez alunos brasileiros, levaram mídia e opinião pública a exigir
soluções de curto prazo.
Em momentos como este é grande a tentação de se encontrar saídas de forte
apelo popular, mas pouco eficazes. Uma delas é a presença de policiais
disfarçados entre os estudantes, para detectar gangues e tráfico de drogas. “Esse
tipo de medida é anti – educativa. Ela pode quebrar a confiança dos alunos na
escola", alerta o pedagogo Antônio Carlos Gomes da Costa (2002), consultor do
Instituto Ayrton Senna e da Fundação Odebrecht. Ao se quebrar a relação de
confiança de estudantes com a escola, as perdas são incalculáveis. A saída talvez
esteja, justamente, no oposto. Confiança é a moeda de troca que deve vigorar
entre os muros da escola. “É preciso encarar o jovem como parte da solução, não
do problema”, sintetiza Costa.
7.1. Medidas relativas à segurança nas escolas
A questão da segurança vem sendo considerada como um dos mais sérios
problemas para as escolas. As medidas relativas à segurança nas escolas
compreendem duas áreas básicas: as que se referem à preservação do
patrimônio e dos bens materiais e as que se relacionam com a proteção das
pessoas, que são mais freqüentes, embora as que causem maiores prejuízos ao
patrimônio público sejam as depredações.
7.1.1. Depredações
Nesse tipo de atos de agressão cabe distinguir aqueles diretamente ligados ao
uso e ao desgaste de materiais e instalações. As escolas são um espaço onde
circula um grande número de pessoas – adultos e crianças – e, portanto, seus
equipamentos e edificações sofrem desgaste natural. No entanto, as depredações
também compreendem ações de outra natureza, como quebra de louças de
instalações sanitárias, furto de torneiras, lâmpadas e até mesmo de portas e
divisórias. Essas ações não podem ser consideradas como decorrentes do
desgaste de material, mas como atos de vandalismo. Nas escolas, alguns dos
pontos mais vulneráveis à depredação costumam ser os muros – principalmente
quando estão em estado precário – e a iluminação de pátios, corredores e áreas
de recreação.
A necessidade de difundir o conceito de “bem público” entre os usuários da escola
torna-se a cada dia mais urgente e de primordial importância. Nesse sentido, uma
das medidas que poderiam ser tomadas seria a divulgação dos custos e outros
prejuízos causados por essas depredações. Este seria um meio de informar os
usuários, conscientizando - os sobre o quanto danificam o patrimônio que deveria
ser de seu próprio interesse conservar.
7.1.2. Invasões
As invasões parecem ser o núcleo da questão da segurança nas escolas. Pôde-se
verificar que esses atos são diferenciados, e cada um deles está associado a
problemas específicos da unidade escolar. Assim, podem ser caracterizados os
seguintes tipos:
➲ Invasão de alunos – Os próprios alunos denominam-se “alunos insistentes”.
São aqueles que, embora tenham abandonado os estudos, ainda estão
matriculados e vão à escola para desfrutar de um mínimo de convívio social.
Querem jogar bola, participar de algumas atividades, namorar, encontrar os
amigos. Fazem algazarra, perturbam as aulas, marcam sua presença de maneira
muito forte, prejudicando o funcionamento da rotina escolar. Esses alunos fazem
parte do contingente de evadidos da escola e que poderiam ser, de alguma forma,
readaptados ou reintegrados ao trabalho escolar. Da ação educativa dirigida a
eles poderia resultar uma melhor manutenção do patrimônio e uma sensível
diminuição das depredações.
➲ Invasão pela população do bairro – Ocorre muito mais por uma indefinição de
espaços da escola e pela facilidade de acesso do que por intenção de depredação
ou ação agressiva.
➲ Invasão para ações violentas – Os atos de violência desse tipo (assaltos a mão
armada, agressões, ameaças, lesões corporais) raramente ocorrem no interior da
escola, mas sim em seus arredores, e exigem ação policial porque são casos de
segurança pública. Quando ocorrem em seu interior, os relatos mostram que os
professores, de alguma forma, dão conta da situação, seja enfrentando o
agressor, seja contando com a ajuda dos demais alunos e funcionários. É bom
lembrar que o bom relacionamento entre escola e clientela proporciona uma certa
garantia de seu funcionamento e de sua segurança. É o que se chama de “lei do
pedaço”, que vigora na periferia das grandes cidades. Um acordo tácito entre os
moradores protege a população de uma determinada área da ação dos maus
elementos (muitas vezes conhecidos pela população local) que passam a agir fora
do bairro. É assim que, de alguma forma, prevalece a “lei do pedaço”. A maior ou
menor presença dos chamados “bandidos” numa determinada área deveria
despertar ações mobilizadoras da própria população no sentido de se resguardar
e proteger. Nesse sentido, o maior entrosamento da escola com sua clientela
poderia ser um eficaz canal de prevenção de ações violentas no bairro.
➲ Invasão pela polícia ou pelo judiciário – Segundo relatos das vivências, os
professores sentiram-se muito constrangidos quando um juiz entrou nas salas de
aula de uma escola para revistar alunos. Neste caso houve uma nítida invasão de
área por parte da autoridade. A escola é um espaço de autoridade do professor. A
polícia e o representante do Poder Judiciário exorbitaram em sua ação, na medida
em que, sem licença, invadiram a esfera de autoridade do diretor e dos
professores.
Em todos esses casos, uma definição clara de papéis e de possíveis ações
educativas poderia contribuir de maneira efetiva para prevenir ações violentas no
âmbito da escola.
7.2. A Violência Simbólica
Há dois tipos de violência : a simbólica e a explícita. A violência simbólica é
diferente da violência explícita que vem grassando na sociedade brasileira e
até rompendo o tecido social, embora ambas possam ocorrer
simultaneamente.
A violência já se tornou tão explícita que está relativamente banalizada na
sociedade. Acostuma-se a viver com ela . Os poderes públicos e as classes
dirigentes não estão preocupados com as conseqüências ou resultados que
podem advir de toda essa violência (vide anexo 21).
A violência simbólica ajuda não só a obscurecer a violência que está no dia
– a - dia, no cotidiano, como também a esconder suas verdadeiras causas.
Por isso, é importante situar a violência simbólica no contexto atual da
Escola brasileira.
A teoria da violência simbólica, que se insere na teoria da reprodução social
pela educação escolar, deve-se a dois sociólogos franceses: Pierre
Bourdieu e Jean-Claude Passeron. Resumindo-a, pode-se dizer que esses
autores acusam toda ação pedagógica de ser uma violência simbólica. Para
compreender isto é preciso saber como definem violência simbólica. Para
esses autores, ela ocorre toda vez que se impõem um significado a grupos
ou populações como sendo o legítimo, verdadeiro, sem mostrar quais são
as relações de força da sociedade que determinam este significado como o
legítimo e verdadeiro. Toda vez que se ensina alguma coisa, sem explicar
quais as relações de poder da sociedade que determinaram sua validade,
está-se praticando uma delinqüência pedagógica; está-se sendo violento do
ponto de vista simbólico.
Ao falar em violência e agressividade, psicólogos acham que a
agressividade pode ser até construtiva, pois não tem necessariamente a
idéia de destruição. Lutar por alguma coisa, ser agressivo numa luta pelo
saber, pela profissão ou pelas relações familiares pode ser construtivo.
Toda vez que se afirma, por exemplo, que o homem é agressivo e a mulher
não o é, pratica-se um ato de violência simbólica, visto estar-se negando à
mulher o direito de ser agressiva, que é um componente fundamental na
luta pela vida, principalmente numa sociedade capitalista e que, hoje, se
pretende até neoliberal. A luta é necessária, pois, já que a sociedade é
competitiva. A questão da agressividade pode, assim, fornecer um bom
exemplo de violência simbólica (vide anexo 20).
A ação pedagógica, assim como a ação da publicidade, dos órgãos
burocráticos, é carregada de violência simbólica, na medida em que
raramente são analisadas as relações de força e de poder ali embutidas. E,
no caso do Brasil principalmente, a profunda desigualdade social constitui a
violência simbólica dos significados aqui transmitidos por tais ações.
Outro conceito importante para se entender a violência simbólica é o de
“arbitrário cultural dominante”. Para Bourdieu e Passeron, todo dado cultural
é arbitrário, na medida em que é uma convenção feita por homens e
mulheres que vivem numa determinada cultura. Nenhum dado cultural pode
ser remetido a princípios universais, sejam eles físicos ou biológicos,
mesmo tendo relação com tais princípios. Os conteúdos escolares se
baseiam num arbitrário cultural dominante. Isto é, existe uma gramática
dominante, uma história dominante, um espaço geográfico determinado por
grupos dominantes. Daí a expressão “arbitrário cultural dominante”.
A Escola, por sua vez, utiliza os arbitrários culturais dominantes porque lhe
são impostos pela sociedade como um todo. É a partir deles que se
constroem os currículos e se promove a ação pedagógica, que é a relação
de comunicação entre professor e aluno. É importante lembrar também que,
segundo Bourdieu e Passeron, a ação pedagógica é dotada de autoridade
pedagógica, isto é, teoricamente não se discute a palavra do professor, ou
seja, ele possui uma autoridade pedagógica.
Quanto aos currículos escolares, nota-se o quanto esse arbitrário cultural
dominante é ensinado nas escolas, é imposto sobre crianças
desamparadas diante dele, com uma violência simbólica não - expressa,
bastante sutil. Percebe-se que os textos utilizados em aula não partem dos
pressupostos da criança. Tudo permanece dentro da escola de forma
extremamente artificial , e é essa artificialidade que exclui a criança, de
maneira simbólica, sem revelar as relações de força que estão em jogo. É
isso que faz com que o aluno saia da escola ou continue a freqüentá-la,
muitas vezes depredando-a. E é compreensível que deprede uma
instituição que o exclui e o abandona. O que não se percebe é que, na
verdade, ele já havia sido excluído pelo arbitrário cultural dominante
adotado no interior da instituição. Nota-se também o quanto tudo isso
contribui não só para alimentar a violência no interior das escolas, como
também para escamoteá-la e até para autorizá-la.
Apenas para complementar as colocações de Bourdieu e Passeron: eles
afirmam que o arbitrário cultural dominante obedece a relações de classes
e de grupos dominantes. As relações de raça, que no Brasil são
mascaradas de maneira imperfeita, e as de sexo, estas muito bem
mascaradas.
Ora, o que tem tudo isso a ver com a violência que está grassando por aí?
Existe um processo ideológico que escamoteia as raízes da violência. Ela é
sempre apresentada como a violência do pobre, do favelado, do negro, a
violência que emana dos excluídos. Num primeiro momento, esse processo
ideológico camufla a violência das instituições, da organização burocrática
que os exclui. Num segundo momento, impede a compreensão do porquê
de estas pessoas serem violentas, aparecendo como gratuita essa
violência. Assim, pode-se concluir que, se eliminar-se os agentes dessa
violência, ela acabará – raciocínio este totalmente falso.
É óbvio que a educação escolar não criou esta violência. Os professores
não criaram esta violência. Ao contrário, eles apresentam um alto nível de
consciência em relação às condições sociais que aí estão. Mas a sala de
aula não abre uma perspectiva para o professor trabalhar contra tal
situação, porque os currículos trazem as receitas daquilo que tem de ser
ensinado. Essa impossibilidade de adaptar o currículo escolar a uma
situação concreta, vivenciada de fato pela escola, faz dos conteúdos dos
currículos escolares um véu ideológico que impede a problematização
social. Eles acabam escondendo, por exemplo, a desigualdade entre os
sexos. A mulher passa a acreditar que tem grandes oportunidades de
trabalho na Educação, porquanto o contingente de mulheres que aí trabalha
é enorme. Além disso, as que trabalham como educadoras são vítimas da
violência simbólica e a reproduzem, impedindo a reflexão sobre a
desigualdade racial, escamoteando as causas da exclusão dos não -
brancos e justificando todas as formas de violência que caminham no
sentido de eliminar, excluir e reprimir.
A violência simbólica, enquanto instância que ocorre nas escolas, é o
principal vilão da história? Não. A violência simbólica é apenas o inocente
útil, manipulado pelos poderes públicos na direção de impedir a
compreensão da verdadeira violência.
7.3. Violência na escola: questão de segurança ou de pedagogia ?
Peter Lucas é professor da New York University e Ph.D. Ele é o autor de uma
pesquisa sobre a tendência emergente da violência escolar.
A violência começou a atingir as instituições de ensino. Os professores têm muito
medo de confrontar-se com certos alunos por causa da ameaça constante de
violência das gangues. Realmente, esta é uma situação difícil de ser resolvida.
Mas existe o mito de que grande parte da violência nas instituições de ensino está,
de alguma forma, relacionada com drogas.
O uso de detectores nas maiores escolas influenciou a “posse de narcóticos”
enquanto incidente escolar grave. A queixa mais comum que se ouve atualmente
é a de que o fumo de maconha passou a ser um problema sério. Os alunos de
graduação contam que fumam maconha para “relaxar” e “dar uma aliviada” para
que não fiquem violentos durante as aulas. No entanto, os seguranças dizem que,
quando os alunos descem, eles ficam irritados, perdem a capacidade de se
concentrar nas aulas; depois ficam caminhando pelos corredores e sempre
acontece alguma coisa violenta. E os professores não vão mais lidar com esse
problema, porque agora é uma questão de segurança.
Nas conversas e oficinas de Peter Lucas no Brasil, discutiu-se e problematizou-se
essa “questão de segurança”. Suas pesquisas atuais concentram-se nas
conseqüências imprevistas da segurança nas universidades. Sete anos depois da
ampla implementação de sistemas de segurança em cerca da metade das
grandes universidades da cidade (atualmente 70 universidades), Peter Lucas
argumenta que existem cinco conseqüências inesperadas que são todas
negativas. Em termos concisos, o surgimento da segurança escolar mudou
radicalmente as universidades.
Em primeiro lugar, a segurança nas instituições de ensino introduziu uma cultura
de responsabilidade que forçou o Conselho Educativo de Nova York a atualizar
continuamente seu sistema de segurança para ficar livre da responsabilidade. Em
função do êxito de processos judiciais abertos por professores que foram feridos
nas instituições de ensino, o Conselho Educativo quer colocar-se numa posição
em que possa dizer aos alunos, aos pais e principalmente aos professores: “Vocês
não podem processar-nos porque tínhamos o pacote de segurança mais
atualizado à disposição no momento. Guardas de segurança, tecnologias
relacionadas e reposicionamento de pessoal em cargos de segurança também
são muito caros. E esse valor irá aumentar ainda mais, à medida que as
instituições de ensino continuarem a atualizar seus sistemas de segurança.”
Em segundo lugar, o surgimento de uma divisão de Segurança Escolar dentro do
Conselho Educativo resultou numa explosão virtual das estatísticas de incidentes
de violência, levando à uma “crise de representação”, na qual as instituições de
ensino estão começando a não comunicar a quantidade real de violência porque
agora elas são comparadas e classificadas em termos de incidentes e
suspensões. Isso as força a apenas suspender os alunos envolvidos em
“incidentes graves”, tais como posse de armas, posse de narcóticos, assalto,
violação sexual, roubo e atos graves de vandalismo, como incêndio premeditado.
Assim, as instituições de ensino começam a concentrar-se exclusivamente em
incidentes graves à custa de muitas formas menores de violência que ficam sem
controle e sem contestação. A ironia nas estatísticas escolares em relação a
incidentes e suspensões é que, nas instituições de ensino com pacotes de
segurança mais completos, os números têm aumentado regularmente, muito
embora todos saibam que as instituições de ensino não estão comunicando todos
os casos.
A terceira questão é que a implementação de guardas de segurança e tecnologia
relacionada mudou fundamentalmente o papel do professor, o qual não trata mais
dos incidentes violentos fora da sala pelo fato de que agora existe pessoal
especializado encarregado da segurança. Essa situação torna-se problemática,
quando os alunos percebem que os professores não se interessam por seu
comportamento, somente por seu desempenho dentro das salas de aula. Assim,
existe agora uma nova cisão mente/corpo, na qual os professores preocupam-se
somente com questões cognitivas dentro da sala de aula, e a segurança só se
preocupa com o corpo nos espaços públicos da instituição de ensino, como os
corredores.
Em quarto lugar, a segurança também muda a identidade dos estudantes. Os
alunos agora precisam passar pelas novas regras de segurança, transpor
sistemas de acesso com cartão, equipamentos de raios-x e outros equipamentos
de detecção, guardas posicionados junto às portas das lanchonetes e guardas
distribuídos em todos os andares. No momento em que pisam ns dependências da
escola, os alunos são constantemente vistos como o “outro” potencialmente
violento. Infelizmente, se eles são vistos como violentos, isso se torna uma
profecia autodeterminada para muitos estudantes que respondem com violência a
esse tipo de formação de identidade.
Uma controvérsia que freqüentemente decorre dessa abordagem centrada na
instituição de ensino refere-se ao papel da família e da comunidade na questão da
violência. De fato, os estudantes chegam à instituição de ensino com muita
“bagagem”. E as instituições educativas, obviamente, não existem num vácuo.
Fora delas, a violência de adolescentes pode ser atribuída à muitas causas,
como a violência que emana do ambiente doméstico quando as famílias são
forçadas a viver na miséria como resultado de alterações demográficas em grande
escala, migração ou discriminação étnica e racial. A violência também pode
aparecer quando existem más condições para a criação dos filhos, quando as
crianças são repetidamente expostas à violência doméstica, quando os próprios
filhos são vítimas de abuso e quando as crianças não têm supervisão dia após dia.
A violência também pode infiltrar-se nas instituições de ensino, quando a
comunidade se desintegra, quando a reestruturação deixa um vácuo em seu
rastro, quando as crianças carecem de modelos pró-sociais para tomar como
exemplo, em função do longo tempo de desemprego e da pouca perspectiva de
um futuro estável e produtivo. E o próprio bairro pode tornar-se um cenário de
violência quando o tráfico de drogas toma conta das ruas, quando armas são
abundantes e baratas e quando a violência das gangues alastra-se na forma de
“conflitos de território”, criando zonas de insegurança na comunidade.
Em uma grande extensão, todas essas questões são importantes para as
universidades estudadas por Peter Lucas em Nova York. Mas seu foco de
interesse estava em como os fatores estruturais da instituição educativa em si
contribuíam para a violência. Essencialmente, ele estava preocupado com três
questões:
. Como a instituição de ensino por si mesma cria condições para a violência ?
. Como a instituição de ensino responde à violência ?
. Como essa resposta acaba incentivando o crescimento da violência ?
Essas questões são profundas o suficiente para justificar todo um estudo sem sair
de dentro do prédio escolar. Diante dessa situação e das advertências de Peter
Lucas aos educadores brasileiros sobre as conseqüências negativas da
segurança escolar excessiva, ainda havia muitas questões relacionadas com
estratégias preventivas fora da cultura de segurança. Inevitavelmente, Peter Lucas
descobriu que todas suas respostas concentravam-se mais ou menos em cinco
temas. Primeiro, a crise da violência escolar e da segurança escolar também
começa no topo, isto é, na academia. Na universidade repensa-se radicalmente a
natureza da formação tradicional dos professores. Atualmente, eles não têm
treinamento na ecologia social da violência, estudos sobre a paz e educação em
direitos humanos. As escolas de educação estão fechadas para a cultura do corpo
e escolarização porque, como professores nas instituições educativas de hoje,
acha-se que ensinar e aprender têm a ver apenas com questões cognitivas. Se
alguém for a qualquer escola de educação, será muito difícil encontrar aulas de
cultura corporal e escolarização, jogo e escolarização, violência e escolarização e
paz e escolarização.
Sem capacitação adequada, os professores não terão como compreender a
agressividade estudantil, irão abster-se de dialogar com os estudantes sobre
violência e nunca darão início a novos cursos sobre a paz. Assim como deve-se
repensar as escolas de educação, precisa-se também incluir cuidadosamente
violência e estudos de paz no currículo cotidiano das instituições de ensino. Em
Nova York tem alguns cursos escolares de paz sendo ministrados por professores
e educadores da comunidade. Existem variações no currículo, mas os temas
gerais incluem matérias como paz e justiça, direitos humanos, assistência às
vítimas e resolução de conflitos.
Um dos programas estudados por Peter Lucas foi o programa SAVE, sigla de
“Students Against Violence Everywhere” (“Estudantes contra a Violência em Todas
as Partes”). Teoricamente, toda instituição de ensino no Brooklyn tem uma divisão
e um currículo SAVE. O programa selecionava 30 alunos para uma aula de uma
hora e meia de estudos sociais SAVE todas as manhas. Os estudantes escolhidos
representavam 15 líderes “negativos”, isto é, estudantes que eram tidos como
líderes de gangues, traficantes de drogas e estudantes influentes com história de
incidentes escolares graves. Misturados com esse grupo havia 15 líderes
“positivos”, representando os capitães de times esportivos, líderes de turmas e
estudantes populares que estavam fazendo cursos avançados. O currículo para
esse grupo foi construído em torno de eventos correntes que incluíam tanto estudo
de casos internacionais, como a guerra na Bósnia, e diferentes modelos de paz,
como os Julgamentos de Verdade e Reconciliação na África do Sul. No âmbito
local, os alunos estudavam tópicos estimulantes, como a brutalidade da polícia
em Nova York e, até mesmo, os efeitos potenciais da violência nos indivíduos, nas
famílias e nas comunidades. Eles também aprendiam a desenvolver a empatia, a
compreender a influência de emoções subjacentes no comportamento, as
habilidades específicas de resolução de conflitos e o respeito pela dignidade
humana.
A questão crucial em relação aos programas de paz nas instituições de ensino é
se os estudantes serão capazes de transferir suas habilidades para outros
ambientes, incluindo os corredores das instituições de ensino além da sala de
aula. Independentemente do modelo, a premissa de tais programas é conversar
com os estudantes sobre violência e paz antes que ocorram incidentes graves nas
instituições de ensino. O programa SAVE, sem dúvida, mudou os estudantes que
dele participaram mas, evidentemente, não afetou o número de incidentes graves
e suspensões. Mas a idéia desses programas é mais importante do que os
resultados porque eles oferecem a única estratégia pró-ativa contra a violência.
Como já foi mencionado, existem sempre muitas questões a respeito da
comunidade e de como a violência do bairro em torno da instituição de ensino
afeta à ela. O papel das organizações comunitárias locais é fundamental nesse
relacionamento.
Peter Lucas fez uma visita ao Rio de Janeiro. Passou um dia na favela da
Serrinha, no subúrbio. Visitou uma escola e algumas organizações comunitárias
que trabalham com as crianças após as aulas. Em primeiro lugar, ficou
impressionado com a dedicação das pessoas em oferecer atividades alternativas
nesse horário. Mas também não pode deixar de perceber que esses agentes
comunitários também eram pacificadores – pessoas - chave que têm uma boa
reputação. Essas pessoas, que viveram e trabalharam na Serrinha toda a sua
vida, medeiam o relacionamento crítico entre a escola e a comunidade,
negociando o conflito. Elas podem influenciar a violência e a paz, porque têm
acesso aos professores e aos líderes de gangues, à polícia e aos traficantes de
drogas, aos estudantes e aos pais. Sem essas pessoas e suas organizações
comunitárias, a possibilidade de a violência do bairro transbordar para as escolas
seria sem dúvida maior. Uma das coisas que pode-se fazer diante de tal
situação – e Nova York já está fazendo até certo ponto – é financiar organizações
comunitárias locais que ofereçam serviços dentro das escolas, incluindo de tudo,
desde ensino acadêmico até aconselhamento para abuso de substâncias, de
cuidados com a saúde até atividades de enriquecimento após as aulas etc. Deve
haver um comprometimento em financiar serviços comunitários adicionais para
mediar a violência nas escolas, pois os residentes locais muitas vezes preenchem
a lacuna entre os professores e os guardas de segurança ou a polícia.
Outra iniciativa importante contra a violência em Nova York é o movimento da
“pequena escola”, que criou quase 60 pequenas escolas nos últimos cinco anos.
É de conhecimento público que as escolas menores e as escolas de 2º e 3º graus
alternativas tradicionais de Nova York têm muito pouca violência e pouca
necessidade de segurança. A natureza das escolas pequenas, com uma média
de 200 a 300 alunos, cria um relacionamento diferente entre professores e alunos.
Os professores precisam envolver-se com todos os aspectos do estudante – de
corpo e alma.
Em Nova York, existe uma questão importante em relação à segurança nas
escolas, que é diferente das questões do Brasil. Se a cultura da segurança está
aqui para ficar, então a sociedade deve-se perguntar como se pode fazer da
cultura de segurança algo interessante. Essa é uma pergunta importante porque,
se não molda-se a segurança de maneira ativa, ela é que irá continuamente
moldar nossas escolas e nossas identidades. Felizmente, existem diversos
modelos interessantes de programas de segurança escolar e policiamento
comunitário no país. Esses programas precisam ser estudados por suas limitações
e suas possibilidades. Também precisa-se repensar o treinamento dos guardas.
Eles não têm formação em ecologia social da violência ou educação de paz. A
idéia é humanizar radicalmente a profissão através da educação dos próprios
guardas. Se não se for capaz de imaginar um papel mais positivo e humanista
para os guardas de segurança, então a segurança nas escolas irá previsivelmente
pautar-se por algumas divisões muito pouco criativas da polícia, tais como o
policiamento residencial da cidade de Nova York, onde os guardas são armados e
seu papel é estritamente repressivo. Para países como o Brasil, que recém estão
começando a sentir os efeitos da violência escolar, certas decisões devem ser
tomadas em tempo hábil em relação a como responder ao comportamento
violento. Se Nova York é um modelo, então Peter Lucas não tem tanta certeza de
ter as respostas, mas tem certas advertências quanto ao que não fazer.
Uma pergunta importante a formular, ao considerar-se a segurança como opção, é
em que momento a cultura da segurança transpõe um certo limite e torna-se parte
do problema? Diante de tais advertências, ainda encontra-se resistência por parte
de muitas pessoas. Por exemplo, os educadores do Brasil sempre ficam chocados
quando Peter Lucas menciona que o orçamento de segurança para uma única
escola em Nova York pode ultrapassar um milhão de dólares. Eles dizem que isso
nunca aconteceria no Brasil porque os sistemas escolares não dispõem dessa
quantia. Esse raciocínio é ingênuo por dois motivos. A cultura da segurança agora
é um grave negócio internacional e, quando as possibilidades de ganhos são
grandes, tudo é possível. Peter Lucas participou de uma conferência sobre
Educação em São Paulo, e as empresas que vendem tecnologia de acesso e
equipamentos de detecção estavam lá com seus estandes, o que significa que os
vendedores já estão aliciando as escolas.
Assim, parece a Peter Lucas que o Brasil está num ponto em que os sistemas
escolares ainda podem escolher se respondem à violência escolar com segurança
ou se optam por treinar e retreinar os professores para aderirem à educação de
paz. O que, então, pode-se esperar dos diversos programas de paz? Um único
programa de educação em direitos humanos ou educação para a cidadania nunca
irá garantir por si só a transformação social, considerando-se as muitas
desigualdades dentro e fora da escola. Mas um único programa também não irá
criar mudanças duradouras, a menos que modelos de paz sejam cuidadosa e
progressivamente introduzidos no currículo dos sistemas escolares em geral. Até
que a aplicação generalizada de educação de paz torne-se comum, Peter Lucas
não prevê qualquer redução significativa na violência escolar. Mas os educadores
devem-se por fim fazer a seguinte pergunta: “Seremos pró-ativos e
responderemos à violência como educadores ? Ou iremos simplesmente pegar os
telefones de emergência em nossas salas de aula, como se faz agora em Nova
York, e chamar os guardas da central de segurança ?”.
8 - A VIOLÊNCIA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO
“Toda ação pedagógica é, objetivamente, uma violência
simbólica na medida em que é imposição de um
arbitrário cultural por um poder arbitrário (...) A ação
pedagógica também é uma violência simbólica tanto
mais quanto opera na delimitação, por seleção e
exclusão, das significações que serão veiculadas pela
ação pedagógica; (...) A função última do sistema de
ensino é sempre reproduzir e legitimar a estrutura das
relações sociais no seio de uma sociedade dada. ”
Bourdieu et Passeron, La Reproduction
Existe prejuízo quando priva-se alguém daquilo a que tem direito e com isso lhe é
causado dor, sofrimento, e a "diminuição" de sua humanidade. Não mais é visto
em sua integridade, como um sujeito, dono de si, senhor de direitos, mas como
uma coisa.
Nesses casos, está-se provocando a destruição do outro, que se configura a partir
de diversos tipos de violência: ferir, matar, prender, roubar, ameaçar, humilhar.
Essas formas atingem a integridade do corpo e da vida, a liberdade de movimento,
o direito à propriedade, ou ainda perturbam o espírito e a dignidade das pessoas.
Por isso, a violência se exerce não só quando mata-se ou fere-se fisicamente
alguém, mas também quando, por exemplo, calunia-se (fere-se sua imagem
pública) ou quando doutrina-se (impede-se seu livre exercício de crítica).
Segundo Ubiratan D’Ambrosio (2003):
“Muitos educadores pressupõem que a disciplina
rígida é imprescindível para o aprendizado. Nada
disso é necessário para aprender. Depois de tanto
tempo seguindo esse modelo, a anti -
solidariedade e a anti - naturalidade viraram
procedimentos normais no processo de
aprendizagem. Precisamos de alternativas para a
rotina escolar. Ter consciência de que coisas
desse tipo não podem acontecer já é um primeiro
passo."
(D`Ambrosio, 2003, página 27)
A violência também varia em graus diversos, podendo ser julgada de maneira
diferente de acordo com o prejuízo provocado. Assim, maltratar um cachorro ou
atear fogo em uma reserva florestal, beliscar uma criança ou provocar um
genocídio, representam diferentes matizes de violência (vide anexo 21).
Há um meio termo entre o "autoritarismo" e a "liberalidade": é o reconhecimento
de que os desejos e as ações individuais são importantes e devem ser
respeitados, mas dentro de certos limites. Esses limites cada pessoa deve
descobrir, segundo um processo de aprendizagem e amadurecimento. Por essa
razão, as ações e referências - e, eventualmente, as ordens - oferecidas pelos
pais, professores e autoridades são importantes na formação dos jovens. Mas há
uma diferença abismal entre parâmetros discutidos e livremente aceitos, e normas
impostas de forma arbitrária.
Nos últimos anos, evocar a imagem de instituições de ensino violentas tem-se
tornado clichê entre educadores, principalmente nos grandes centros urbanos.
Essa imagem inquietante é fortalecida sempre que ocorrem episódios truculentos
associados a estudantes e professores. E o que era apenas exceção parece
tornar-se regra (vide anexos 24 a 32 ). Conforme explicita Ubiratan D’Ambrosio
(2003):
“Desde os primeiros tempos a educação privilegia o
ensino de saberes concluídos e inibe o aparecimento
de novos. É um sistema instalado em ambiente que
desrespeita quem vem de classes menos
privilegiadas, exigindo comportamentos distintos
daqueles aos quais essas crianças estão
acostumadas (por exemplo, ficar trancado entre
quatro paredes, sentado durante horas). E não leva
em consideração a natureza da infância: todas as
crianças gostam de se movimentar, falam pelos
cotovelos. O professor, muitas vezes, fica exigindo
silêncio. Outra coisa: um aluno percebe que seu
melhor amigo está sofrendo, com dificuldades numa
prova, mas não pode ajudá-lo porque o sistema não
permite. Como é possível desenvolver um espírito de
humanidade se a escola inibe iniciativas de
solidariedade ?”
(D`Ambrosio, 2003, página 25)
Quase instantaneamente, fixa-se no imaginário social mais um motivo enganoso
para que a educação seja tomada como uma profissão prejudicada pelo entorno
social, uma profissão quixotesca, à beira do impossível...
A violência urbana é, de fato, um grave problema. Em algumas regiões do Brasil, a
incidência de atos violentos extremos é maior até do que no Oriente Médio ou na
África, onde há guerra civil aberta. Então, alardea-se que as instituições
educativas estão sendo invadidas pela brutalidade do contexto social. Isso é
verdadeiro apenas em parte. Primeiro, vale lembrar o óbvio: nas instituições
educativas há muito menos violência do que no âmbito geral da sociedade.
Depois, que o cotidiano escolar não só incorpora as ameaças de seu exterior
como produz ele mesmo conflitos, embates e exclusões.
Por isso, a instituição de ensino não pode ser pensada como refém de um entorno
hostil ou de outras instituições violentas. Se lá acontecem situações perigosas, é
porque elas são, em alguma medida, potencializadas pelas relações lá existentes .
Segundo Ubiratan D’Ambrosio (2003):
“O professor pode ser um difusor da cultura da paz,
mesmo vivendo em ambientes violentos, como a
periferia das grandes cidades. Antes de tudo, ele
precisa ter consciência de que também está inserido
na sociedade que está aí. Existirão momentos em
que ele vai perder a paciência, gritar com o aluno,
puní-lo. Mas isso não deve ser motivo de angústia.
Conscientizar-se de que esse comportamento não
ajuda a construir a paz já é um bom começo.”
Há violência quando alguém, por vontade própria, causa danos à dignidade de
outra(s) pessoa(s). Isso pode ser feito de maneira explícita, por exemplo, quando
atenta-se contra a integridade física do outro ou seus bens materiais. Ou de
maneira simbólica, como quando afronta-se sua integridade moral ou sua
participação social. Contra a primeira, tem-se o direito. Contra a segunda, apenas
a ética democrática...
No cotidiano escolar, é a feição simbólica da violência que surge com maior
freqüência. Exemplos há aos borbotões: quando impede-se a participação
eqüitativa de todas as crianças e jovens no dia – a - dia escolar, está-se sendo
violento; se desconfia-se de suas potencialidades, recusando-se a oferecer o que
lhes é de direito, está-se sendo violento; quando aligeira-se os conteúdos por não
crer que eles farão diferença na vida daquelas pessoas, está-se sendo violento; ao
colocar em risco sua auto - estima com um diagnóstico malicioso, está-se sendo
violento. Neste sentido, assinala Ubiratan D’Ambrosio (2003):
“É possível construir um ambiente de paz e respeito
na sala de aula. Uma idéia fácil de executar é abrir
espaços para os alunos se expressarem, como rodas
de discussão, em que todos tenham voz e não sejam
censurados nem julgados por suas posições. Outra
maneira é identificar os aspectos positivos de cada
aluno e oferecer situações nas quais ele se sinta à
vontade para participar e contribuir com o que tem de
melhor. Assim, se houver algum aspecto negativo,
ele será minimizado até desaparecer.”
(D`Ambrosio, 2003, página 28)
O que dizer então das justificativas corriqueiras para o fracasso de uma enorme
parcela dos estudantes? E da desincumbência profissional quando são
encaminhados para fora das salas de aula e, no limite, para outras escolas?
O debate sobre a violência escolar deve levar todos os profissionais da educação
a abdicar do hábito de se postarem como vítimas de uma "sociedade inadequada",
e a atentar para seu compromisso com a construção de uma escola
verdadeiramente inclusiva e de qualidade. Algo perfeitamente viável, se assim
desejar-se e for feito. Ubiratan D’Ambrosio (2003) argumenta que:
“A cultura da paz pode ser aprendida na escola. A
sala de aula é um local privilegiado para tratar desse
assunto. Os conflitos que ocorrem na sociedade ou
entre os alunos são fonte de aprendizado na
construção de um mundo mais justo. Não é preciso
ser contra os conflitos. Eles sempre existiram e são
importantes para que novos conhecimentos e
novas realidades nasçam. Mas não podem ser
resolvidos pelo confronto físico entre as partes.”
(D`Ambrosio, 2003, página 26)
Dessa forma, o espaço escolar talvez possa vir a ser o que já é em essência: uma
experiência fundamental na edificação de um mundo mais pensante, mais
pacífico, mais livre enfim.
É fácil perceber a relação de causa e efeito. Como uma criança reprovada (uma,
duas, três vezes...) se comporta em relação aos professores e ao prédio em que
estuda? Ao fracassar, ela não tem reforçada a idéia de que a escola é enfadonha
e nada lhe acrescenta? De que maneira ela se sente e age num ambiente
deteriorado e inseguro? E a comunidade, como encara uma instituição que não
acolhe nem se esforça para educar? Abriu-se caminho para a violência quando se
deixou de ensinar e respeitar quem vem das camadas populares.
A violência nem sempre vem de fora. Ela pode surgir até na dinâmica da sala de
aula. Todos estão cansados de saber que o papel de transmissor do
conhecimento deixou de existir. Hoje, cabe ao professor ensinar a pensar, a ter
autonomia. Esse mecanismo, não há como negar, gera efervescência. Para
manter o controle dentro desse novo modelo não pode-se usar apenas a
autoridade ou as regras. Quando imperam os mecanismos disciplinares que
impõem a homogeneização e a submissão, a reação tende a explodir.
A violência também pode acontecer por iniciativa da própria escola. Por exemplo,
no CIEP Nação Mangueirense, no Rio de Janeiro, a direção decidiu proibir o uso
de walkman. Os alunos reclamaram, achando que durante o recreio tinham o
direito de ouvir música, já que não estavam incomodando ninguém. A direção
repensou e voltou atrás, achando-se muito rigorosa. Assim, negociando direitos e
deveres, ela ensina seus alunos a serem cidadãos, o que significa, entre outras
coisas, saber ouvir o outro lado e cuidar da escola de todos.
O que vale na relação aluno – escola, vale também dentro da sala de aula.
“Precisamos ficar atentos a outro tipo de violência que acontece na escola, a de
ordem simbólica. Quando se ouve o lado de um aluno punido pelo professor ou
pela direção, muitas vezes percebe-se que ele foi injustiçado”, comenta Júlio
Aquino. Atitudes preconceituosas, ofensas à inteligência e tratamento desigual
ferem a auto – estima do aluno, que tende a reagir de forma violenta à exclusão,
seja contra o professor, seja contra o prédio.
Ameaças e agressões verbais e físicas, além do desinteresse, revelam um quadro
de confronto também na sala de aula. “Esse tipo de violência não é causa, mas
efeito do desgaste que vem sofrendo a relação professor – aluno”, analisa Aquino,
para quem o mais importante é estabelecer regras de convivência claras desde o
início do trabalho. Antônio Carlos (1999) destaca o papel do professor no
desenrolar deste nó:
"O bom professor sabe trocar com o aluno. São
coisas simples, como um gesto, um cumprimento,
um conselho; esse comércio de “pequenos nadas”,
que muitas vezes o aluno não tem na sua família,
muda a qualidade de vida em qualquer ambiente,
seja no trabalho, em um hospital ou na escola.”
(Antônio Carlos, 1999, página 10)
As sanções que fazem parte da cultura escolar devem ser justas, incidindo
somente sobre os que transgridem as regras e resguardando o respeito aos
valores. É uma atitude inadequada, por exemplo, castigar uma classe toda
simplesmente porque não se conhece o autor de algum delito.
As sanções também devem ser proporcionais às faltas. Ao aplicar penalidades
severas demais apenas para que sirvam de exemplo, além do caráter de injustiça,
incorre-se no risco alcançar o resultado oposto ao desejado. As sanções mais
justas são aquelas que promovem aprendizagem e desenvolvimento moral,
estabelecendo uma relação de coresponsabilidade. Assim, se um aluno picha a
parede da instituição de ensino, é mais conveniente obrigá-lo a limpar a sujeira do
que dar-lhe uma suspensão.
Os modelos a que o jovem está exposto podem ser um dos fatores que fazem
com que essa reação venha carregada de agressividade. Afinal, os meios de
comunicação estão repletos de violência, que é consumida em estado bruto pelos
adolescentes.
A reflexão, porém, não se deve restringir à mídia. O ideal é que envolva outros
temas. Isso significa incluir no currículo real a discussão e o entendimento de
questões como diferença, relações de gênero, preconceito e discriminação, entre
outras tantas. Fazer vista grossa às manifestações de racismo e segregação, por
exemplo, pode ser mais danoso do que um soco ou um chute. Finalizando, é
interessante observar o que nos ensina Ubiratan D’Ambrosio (2003):
“ O espírito pacificador pode ser incorporado à
escola. Muita coisa pode ser feita. Escutar a turma
já é um ato importante. Com isso ele ensina
consideração e disponibilidade para trocar
experiências com o outro, ainda que esse outro
tenha 7 ou 8 anos. O educador pode ainda deixar
claro para os alunos que ele os aceita do jeito
como são, com suas origens e culturas distintas,
caráter e personalidade próprios. Muitas vezes o
professor, mesmo inconscientemente, cobra
comportamentos da classe para satisfazer a si
próprio. É preciso conhecer cada aluno para saber
o que eles podem oferecer para criar um ambiente
de respeito às diferenças.”
(D`Ambrosio, 2003, página 28)
8.1. A . S. Neill e Summer Hill
A S. Neill publicou “Liberdade sem Medo” e “Liberdade sem Excesso”, ambos
baseados em registros de parte das observações feitas em Summerhill, sobre
crianças e pais problemas, ou melhor, família problema.
A S. Neill é um professor, mestre idealista e puro, que se dedica a ensinar
liberdade. Sua escola baseia-se na liberdade e no profundo respeito aos alunos,
que participam das deliberações, estabelecem normas de ação comum, estudam
porque acham agradável estudar e não porque existe um diploma a tirar ou um
rígido programa a cumprir. É uma utopia realizada.
Alguns acham que A S. Neill é uma subversiva ameaça à educação, produtor de
rebanhos devidamente condicionados, em lugar de formar massas esclarecidas
para pensar livremente e viver com dignidade que nasce da consciência e não só
simples acomodamento, da educação verdadeira e não do treinamento.
Neill acha que alguns dos meios de comunicação proporcionam espetáculos de
violência e mentira a todas as idades. Segundo Neill, a instituição educativa,
deformadora, limitante, não criativa, é uma fonte de anti - vida. A educação, como
tem sido passada de geração para geração, tornou-se, para ele, um processo de
impedir a liberdade do homem, espécie de máquina de moldar conformismos,
fazendo com que os novos aceitem passivamente uma determinada ordem
desenvolvida no interesse de alguns e mantida pela mão morta. Daí sua
condenação ou crítica aos testes de inteligência, cujo favoritismo residiria em
serem garantidos quanto à incapacidade de sondar adormecidas emoções,
podendo servir aos objetivos, da confortável mediocridade mas não à descoberta
dos futuros Chaplins, Einsteins, Picassos. Seriam os testes “produto autêntico de
uma era mecânica”. Coloca-se Neill por isso e por outras razões, ao lado do
movimento da criatividade que tanto terreno vem ganhando ultimamente, visando
a reformar o ensino em benefício do desenvolvimento do espírito indagador dos
alunos.
Os ingredientes de seu entendimento do mundo são indubitavelmente o amor, a
liberdade, a sinceridade, a vida. Porque reprova o amor e o transforma numa
“piada obscena”, a sociedade está doente (e como pode, indaga ele, uma
sociedade enferma implantar escolas sadias?). Na educação, rejeita toda mentira
e todo formalismo.
Politicamente, houve quem caracterizasse Neill como anarquista, por haver
instalado uma “utopia anarquista” em Summerhill. Responde ele que Summerhill é
uma democracia que, estribada no voto e no respeito mútuo, repele a autoridade
inatural. Afirma que nação democrática é feita de lares democráticos.
Na família acha-se o eixo de toda organização social equilibrada e sadia. Mas na
família desenvolvida pelo amor, onde as repressões irracionais não infundam
desde o início constrangimentos que mais tarde se tornam doença e anti - vida.
Manifesta-se Neill reiteradamente otimista quanto ao destino da humanidade,
porque vão se dissipando muitos temores e restrições que tolhem o aluno desde o
berço. Neill, ainda, argumenta (1967):
“A escola tem a tradição de manter o aluno
dominado, calado, respeitoso e... castrado.
Além disso faz excelente trabalho tratando
apenas da cabeça da criança. Restringe-lhe a
vida emocional, seu ímpeto criador. Treina-a
para ser obediente a todos os Hitlers e patrões
da vida.”
(Neill, 1967, página 68)
9. MOBILIZAÇÃO CONTRA A VIOLÊNCIA
Felizmente, a sociedade está se mobilizando e se articulando para combater a
violência. Deve-se animar e intensificar os atos de construção da paz; porque se
atuar-se na causa, pode-se mudar o efeito, as conseqüências da violência e evitar
o caos social que está por vir. Segundo Ubiratan D’Ambrosio (2003):
“A urgência da questão sobre a origem da
mobilização mundial em busca da paz levou à
arregimentação. Os confrontos ameaçam o
planeta e a vida como um todo, que depende de
uma boa relação entre os indivíduos e desses
com a natureza. De nada adianta ser contra
guerras e, ao mesmo tempo, agredir o meio
ambiente ou aceitar sua exploração apenas
visando o lucro. (...) Em 2000, a Unesco
promoveu um encontro para analisar a raiz dos
diversos tipos de violência. O tema foi adotado
numa campanha internacional e diversas
entidades da sociedade assumiram o
compromisso de lutar contra ela.”
(D`Ambrosio, 2003, página 27)
A violência urbana tem crescido assustadoramente por conta de uma série de
fatores decorrentes da hipertrofiação dos agentes do ego, apiada na falta de
perspectiva dos jovens, no desemprego dos pais etc. Os interesses econômicos
se sobrepõem à fome, à miséria etc., que saltam aos olhos em quase todas as
esquinas, ruas e avenidas, em hospitais, presídios etc., da maioria das cidades.
Segundo estimativa da UNICEF, cerca de dois milhões de crianças morreram em
conflitos armados nos últimos dez anos, como vítimas indeléveis da violência
generalizada. (Fonte:)
As crianças, adolescentes e os desempregados são vítimas de uma violência não
declarada, que é magistralmente ofuscada pela ideologia neo - liberal da camada
dominante. A imprensa tem divulgado com muita propriedade, o que acompanha-
se com muita tristeza: denúncias, relatos de maus tratos, assassinatos,
impunidades, corrupção etc., mostrando as vítimas e os autores da violência.
Porém, os verdadeiros autores e as verdadeiras causas, a imprensa não ousa
mostrar.
A camada dominante da sociedade, dos setores conservadores, esconde a
verdadeira violência, que é a concentração de renda e a injustiça da má
distribuição desta, o desemprego, a ausência de política habitacional, a má
assistência à saúde e à educação da massa social majoritária. Portanto todas as
pessoas de bem, que ainda não estão corrompidas pela violência exarcebada da
concentração descomensurada de renda, que têm consciência do beco – sem -
saída que a violência os colocou, devem lutar pela construção da paz das crianças
e dos adolescentes e promoverem atos, passeatas, etc. em defesa da vida.
A paz social deve constituir-se em objetivo mundial, a ser construído
coletivamente pelo conjunto das nações através de todos os povos. A paz não
advém casualmente do nada, a esmo, gratuitamente. Ela só pode ser construída
coletivamente, com a participação ativa de todos segmentos da sociedade,
através de ações concretas de cada um de nós cidadãos, com muito sacrifício.
Para isso, precisa-se aprender a aprender como construí-la. Dialeticamente sabe-
se que só se constrói a paz erradicando a violência e reconquistando os valores
éticos morais e espirituais perdidos pelos seres humanos.
A violência generalizada está crescendo em progressão geométrica. Se hoje 5
pessoas são vitimadas por ela, amanhã serão 25, depois de amanhã 625 etc., até
que se cumpram as previsões de que a terceira parte da humanidade seja extinta;
4,5 bilhões de pessoas dizimadas pelas diversas formas de violência ! Se nada for
feito para reverter estas causas da violência, enquanto ainda há um pouquinho de
tempo, as conseqüências serão catastróficas para o destino da humanidade. Vive-
se num universo de causa e efeito, onde todos são co-autores e vítimas da
violência. Se não combater-se as causas desta, as ocorrências dos efeitos se
constituirão num dado certo. (Fonte:)
Nos dias atuais faz-se necessário repensar a trajetória da humanidade, no
momento em que sua continuidade se vê ameaçada pelo crescimento da violência
generalizada: no campo, nas cidades, nos esportes, na família, nas escolas, nos
shows, nas aglomerações, na sociedade etc.
O corpo social da humanidade está em decomposição pela corrupção dos
dirigentes públicos, pela erotização dos meios de comunicação, pela deturpação
na Internet, pela banalização da vida. Os valores morais, éticos e espirituais foram
invertidos.
Se não combater-se a violência, em seu nascedouro, na causa, por todos os
meios disponíveis, como numa verdadeira batalha, a massa social vai ser
dizimada em progressão geométrica indelevelmente. Se fosse praticado o
exercício da auto-observação, continuamente, iria ser constatado o realismo da
existência da eterna batalha entre o bem e o mal; e que esta não está lá fora, mas
dentro de cada um mesmo aqui e agora.
A violência é apenas um efeito dos componentes do mal, que estão radicados
sobre os agentes do ego, na psique. É apenas efeito de um dos componentes dos
sete defeitos capitais, que tem por causa um elemento psíquico chamado ira.
Então, o mal chamado de violência, os erros, os defeitos e os sofrimentos, são
gerados em um interior psicológico através dos agentes psíquicos componentes
do ego.
Por outro lado, existe também, no interior, um componente psíquico determinante
do bem. Então, o verdadeiro combate à violência, se faz, de maneira eficaz, ao
atacá-la na causa, com uma verdadeira educação. Educação que ajude o
estudantado aprender a aprender erradicar de dentro de si mesmo os agentes
causadores da violência e liberar a essência fabricadora das virtudes, causas do
bem, agente da paz, antítese da violência. Aí está uma condição essencial para se
encontrar os parâmetros éticos perdidos e restabelecer os valores morais e
espirituais por entre os seres humanos.
10. EDUCAÇÃO PARA A PAZ
É preciso que se conheça na escola, por parte de professores, direção e alunos,
esta rede intrincada de ações e reações, de ajustes e desajustes do ensino à
economia, por meio de uma discussão coletiva, para o estabelecimento de
relações mais críticas entre a sociedade, a escola e o indivíduo; partindo-se do
cotidiano, da observação, da análise de situações concretas vividas por todos. É
preciso que, ordenadamente, todo grupo de pessoas da comunidade escolar seja
levado a discutir seus problemas e buscar soluções em conjunto para estes.
Equivocadamente, sempre se associou a educação do homem ao modelo
econômico reinante. Porém, educação só se associa adequadamente à
transformação interior do homem. O que se associa a modelos econômicos são,
em verdade, os adestramentos, os treinamentos, as instruções mecânicas etc.
Educação não combina muito bem com competição, mas rima perfeitamente com
cooperação, solidariedade e colaboração entre os entes humanos.
Já se adestrou o homem para a economia de escala, executando rotineiramente
tarefas simples etc. Mas, agora, adestra-se o homem para modelos mais
complexos de operações no trabalho, adequando-o à tecnologia moderna, aos
meios de comunicações sofisticados, ao modelo neo - liberal, à economia global
etc. Ninguém fala em educar o homem para empatia, eduzindo de seu interior os
seus erros e ajudando-o nas transformações de seus defeitos em virtudes;
elevando-o na escala da seidade interna, da ética, da moral etc. E é uma pena,
porque se assim agísse na educação deste homem, o social, o econômico, o
ético, o desenvolvimento tecnológico etc., viriam como conseqüência direta desta
formação cêntrica.
É bom que todos os educadores saibam, que se são as exigências do sistema
produtivo que determinam, em cada etapa histórica, os conhecimentos, os valores
e os modos de comportamentos, que deverão ser inculcados nos nossos alunos,
através dos sistemas de ensino, então aí não poderá haver educação. Se não, tão
somente instrução, treinamento, adestração etc.
Se os educadores que compreendem isto, não contestarem incessantemente este
sistema produtivo injusto; e o modo como os alunos são inseridos nele para serem
treinados, domesticados e para serem adequados a esse tal sistema, estarão
cometendo uma grande falha; cumpre-se capacitar constantemente, por hora,
para torná-los competentes mesmo que neste sistema que aí está; para daí
adiante transformar a maneira de se enfocar as relações dentro da escola,
direcionando a adestração, que o sistema impõe aos alunos, para uma verdadeira
educação. Começando por levar todo o grupo a discutir seus problemas,
construtivamente, e buscar respostas em conjunto, solidariamente.
Professores, diretores, funcionários, alunos e a sociedade em geral, estão
bastante desencantados com esta pseudo - educação que se dá nas escolas
convencionais e com a vida de modo geral.
Os educadores em geral sabem que os processos administrativos, a burocracia
etc., são fantasmas que pairam sobre as escolas; onde os diretores, os
supervisores etc., se preocupam demasiadamente com a infra-estrutura da sua
escola; mas, se preocupam muito pouco com a transformação do estudantado; de
modo geral, são portadores de uma mentalidade conservadora e retrógrada.
É preciso incentivar em todas estas escolas, em que a direção anda com o freio –
de - mão puxado, o uso da quadra, da sala de projeção, do palco, da biblioteca e
de todas as dependências, para realização de festa, olimpíadas, gincanas,
campeonatos, teatros, shows etc.; com o objetivo de integração e de educação
dos alunos; e com o estabelecimento de novos valores, diferentes dos
tradicionalmente estabelecidos.
A escola burocrata deve ser transformada, gradativamente, em palco de discussão
e de crescimento para todos; onde os desejos dos alunos, suas necessidades,
suas falas, suas culturas e seus cotidianos, constituem os principais parâmetros
para se elaborar as diretrizes gerais de organização da escola e educação
formativa do estudantado.
10.1. A EDUCAÇÃO COMO BASE DA COOPERAÇÃO
Pitágoras já dizia, há 2.500 anos: “Eduquem as crianças de hoje e não será
preciso castigar os homens de amanhã.” Porém, a ação de educar não se vingou,
a partir de Pitágoras, até hoje. No mundo atual, pseudo - evoluído, as
preocupações econômicas e financeiras absorveram completamente os 3% de
inteligência da raça humana, tanto dos que governam o país quanto dos que são
governados. Na instituição educativa convencional de qualquer grau só se trata da
instrução e da adestração.
Uma verdadeira educação deve-se fazer presente na instituição de ensino, em
todos os momentos, principalmente no ensino fundamental, que é o alicerce
formativo; esta deve ser completamente desarticulada da questão econômica e
voltada para os valores éticos.
Quem forma o caráter de um indivíduo que, por sua vez, vai compor a sociedade,
é a educação que ele recebe quando ainda é criança ou jovem. O destino das
criaturas humanas que compõem a sociedade está em conexão com os princípios
educacionais que lhes foram inculcados na infância e na adolescência. Daí, pode-
se dizer que a horrorosa violência, que ronda os quatro cantos do mundo, possui
suas raízes no fracasso dos sistemas educacionais. A famigerada violência,
crescente em suas múltiplas formas, nos dias de hoje, está estritamente
relacionada à inegável falta da educação, no sentido real da palavra. Como disse
o presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, em entrevista ao Jornal O Dia,
em 22/05/2003 (Seção Opinião, página 6): “Aquilo que nós nos recusamos a
investir na Educação de hoje possivelmente amanhã estaremos investindo em
prisões.”
Como o povo, tanto o rico como o pobre, não auto – educou - se, ao longo da
existência humana, hoje a sociedade é um caos. Segurança, na atualidade, é
questão de vida ou de morte. Porque a violência atinge a todas as pessoas de
qualquer nível social. O desespero e o medo atingem a todos. Pois, ninguém tem
tranqüilidade nas ruas, em casa, nos campos de futebol, nas praças de esportes,
no aglomerado de pessoas, nos templos, nos carros, nos ônibus, nos aviões,
dentro ou fora da cidade ... Todo mundo vive desassossegado, de dia e de noite, a
qualquer hora. É uma situação caótica, deplorável, a que chegou o ser humano!
A violência representou o fracasso da sociedade em seu processo de
humanização. Esta violência criou um quadro imbatível, imprevisível e absurdo,
com os assaltos a bancos, à residências e a estabelecimentos comerciais; como
se verificam freqüentemente nos dias de hoje no meio social, o que por si só
comprovam a veracidade dos fatos. A população vive atemorizada com os
assaltos às pessoas, nas cidades e no campo, como mostra os noticiários de
violência de todo tipo, agressões e crimes, que já tomam a maior parte da
televisão, do rádio, dos jornais, das revistas etc.
A raça humana tornou-se vítima de si mesma e está num beco sem saída ! Ao sair
à noite pelas ruas, a pé, é agir imprudentemente; pois é grande a possibilidade de
ser assaltado por aí. Ficar em casa também corre o mesmo risco. As estatísticas
dos crimes contra a ecologia, contra as pessoas, o vandalismo, o bandidismo, a
corrupção, a sodomia, a depravação e a degeneração humana, crescem
assustadoramente todos os dias. Isto está nos noticiários, nas páginas dos jornais
e é do conhecimento de todos. É a realidade atual do cosmos que virou caos.
As medidas que os governos vem adotando não têm conseguido resolver os
problemas e nem remediá-los. Porque qualquer solução, do processo de violência
crescente, passa pela transformação da sociedade através da educação. Mas,
como não há educação para transformar a massa social, a questão da violência
fica insolúvel.
Joga-se a culpa nos políticos, nos governos, pela violência descomedida; mas
quem é o governo? Nada mais é do que o expoente que sai de uma base (a
sociedade). Se a base é suja, é corrupta, é violenta etc., produz,
conseqüentemente, expoentes sujos. Se não há transformação, através da
educação da base, o expoente sai sujo e deplorável, ainda que sua aparência
externa seja revestida de uma pseudo - beleza.
Como transformar base suja em expoentes limpos, se esqueceu-se
completamente do papel da educação? Expoente, não transformado pelo filtro da
educação, reproduz com fidelidade a base impura. Se não se coloca a escola
como filtro transformador de bases sujas em expoentes limpos, a superação da
violência múltipla, dessa verdadeira calamidade pública, que tanto infelicita os
países, não encontrará solução no nosso mundo.
Uma educação eficaz certamente seria uma grande força para transformação das
bases sujas em expoentes limpos e imaculados; o que resultaria na diminuição da
violência. É irrefutável que a prática da educação para a modificação do caráter do
cidadão, propicia-lhe insumos para uma vida equilibrada na sociedade. Uma
educação verdadeiramente formativa, transforma bases sujas em expoentes
limpos. Da mesma maneira que se formam os políticos, se formam os médicos, os
dentistas, os engenheiros etc.
O sistema escolar convencional que aí está é um fracasso total, enquanto agente
transformador da massa social; porque este só ousa instruir, adestrar, segundo o
modelo econômico vigente, para as coisas materiais, o que é muito pouco no
caminho da transformação. Porque é preciso educar os jovens, inculcando-lhes
princípios morais e éticos, norteadores de suas vidas; dirigindo-os para o espírito
de cooperação mútua, ao invés da competição egocêntrica que lhes é imposta
pelo sistema escolar adestrativo.
Há diferenças gigantescas entre a instrução adestrativa, dada pelas instituições de
ensino convencionais até hoje e a verdadeira educação que poderá ser dada no
futuro, como uma última esperança da raça humana, aqui no planeta. Porque a
verdadeira educação ataca o problema da violência na causa e não no efeito,
como se fez até hoje, com um ensino da instituição educativa convencional, que é
genuinamente adestrativo, dirigido à subconsciência.
A violência, a indisciplina e a desordem caótica, são frutos da pseudo educação,
da permissividade dos pais, da despersonalização da culpabilidade etc. Os pais e
a escola, ausentes, têm produzido cidadãos delinqüentes; uma legião de seres
desajustados, esquizofrênicos, irresponsáveis etc. É preciso que os governos e a
sociedade em geral acreditem no que Pitágoras disse há mais de 2.500 anos a
respeito da educação; “Educar as crianças de hoje, para não ser preciso castigar
os homens de amanhã”. Porque os jovens não nascem delinqüentes. Os germes
da delinqüência, ao invés de serem germinados por falta de educação, como
geralmente ocorre, podem ser transformados pelo filtro da mesma. Porque todos
são educáveis, sem distinção de raça, sexo, cor, classe social e de faixa etária.
Basta, para que isso ocorra, que haja priorização da educação, como meio de
elevação dos parâmetros éticos do ente social. Tratem-se de fazer a educação na
escola, nos meios de comunicação, nos sindicatos, na família etc., que os
resultado serão altamente positivos.
Nunca se viu tanta violência: urbana, no campo, na ecologia, nos esportes e na
sociedade, no Brasil e em outros países, o que se tem constituído em verdadeiras
guerras civis disfarçadas. Isto é o resultado da ausência de educação para
formação moral, espiritual e ética do ente humano. Desta maneira este não logrou
avançar na escala de valores da seidade interna; o que se agravou com a falta da
noção de cidadania, espelhada na repetência e na evasão escolar, no fracasso
escolar, no desemprego maciço, nos salários irrisórios etc.; frutos da injustiça
social, propiciados pelo monstro do capitalismo. Para dar fim a este estado de
coisas, é preciso investimento no social, na criança, no homem, educando-os,
formando-os com valores morais, espirituais e éticos. A experiência demonstra
que investir no cidadão, na criança, é o melhor caminho para se controlar a
violência. Então, é preciso que a sociedade comunitária e o governo como um
todo, trabalhem conjuntamente, para combater as drogas, vetor da violência, para
reduzir a miséria, para retirar os marginalizados da rua e dá-los abrigo e
assistência condizentes com a dignidade do ente humano.
É necessário montar um sistema embasado nos valores educacionais; onde o
aluno deve ser levado a conhecer a verdade, acerca de todas as coisas e de si
mesmo. Também deve ser ensinado que, por outro lado, o modelo econômico
vigente, na forma de capitalismo voraz, na sua etapa apocalíptica, e que é o
grande responsável pelo desequilíbrio social, tem sua origem na hipertrofiação do
ego.
Portanto, se desintegrar-se este ente gerador de defeitos, por meio de uma
didática concreta, que ensine o caminho da revolução da consciência, a
transformação do homem será um evento certo; que por sua vez demandará a
transformação da sociedade e do modelo econômico desumano que aí está etc.
Então, a miséria, a injustiça social, a violência etc., serão erradicadas, como
conseqüência direta da transformação da humanidade. Esta forma, é uma maneira
de estar combatendo estes males, vetores da violência generalizada, onde eles
nascem, nas causas, ao erradicar do interior de cada estudante os eus da
ambição descomedida.
Esta mudança é radical e representa a última esperança para o homem telúrico.
Por este motivo, a educação genuína do ente humano não poderá estar atrelada
ao modelo econômico. Não se pode fazer um projeto de educação do ente
humano, atrelado ao modelo, como se fez até hoje. Tem-se que conectar a
educação do homem a valores virtuosos da essência: éticos, morais, espirituais
etc. Porque se o educando permear-se destes valores, a transformação da
sociedade estará garantida; pois que este é o meio mais eficaz de se combater a
violência generalizada, na causa. Mas, do combate da violência no efeito, sem a
transformação da sociedade pelo filtro escolar que transforme defeitos em
virtudes, nada resultará.
Porém, se o ente humano for transformado pelo filtro da educação, dialeticamente
à luz da ética, se tornará em uma poderosa força motriz agente de todas as outras
transformações que virão em decorrência.
Considera-se como educação para erradicação da violência, aquela que se
veicula ao estudante para o alongamento de sua inteligência, para ampliar a sua
compreensão e revolucionar a sua consciência; levando-o a conhecer-se a si
mesmo, por intermédio de técnica da auto-observação; prática que permite-lhe
visualizar os elementos psicológicos atuando na construção dos defeitos e da
violência generalizada, o que tanto infelicita os povos da sociedade. Os sistemas
de ensino, ao elaborarem os seus projetos educacionais, devem ter como objetivo
o sucesso do homem, da escola e da sociedade. E nenhum sucesso econômico,
tecnológico, material etc., compensa o fracasso da massa social, aqui no planeta
Terra. E, todos sabem que este fracasso vem na forma de globalização
econômica, destruição familiar, desemprego, trabalho infantil, fome, injusta
distribuição de renda, ausência de política concreta de reforma agrária,
imoralidade generalizada, perdas de parâmetros éticos da sociedade, mortalidade
infantil, epidemias, discriminação social e racial, torturas, guerras entre os povos,
agressividade, drogas nas instituições de ensino, pichação, depredação escolar,
criminalidade exarcebada e violência geral; coisa que exterminam a raça humana
e põem fim à espécie Homo sapiens, no planeta Terra.
É preciso levar em conta, ao planejar o ensino, a perda de parâmetros éticos do
ente social, em quase todos os setores da vida. A sociedade evolucionou
tecnologicamente, sem que houvesse expansão da sua consciência. Daí perdeu-
se os referenciais éticos, na família, nos aglomerados sociais, na política, na
televisão, no rádio, na dança, na música, na Internet, nos esportes, nas
instituições educativas, no comércio, nos serviços públicos etc.
O importante é a vida do estudantado no presente; porque, a instituição de ensino
convencional tem preparado o alunado para um futuro tão distante, que chega ser
irreal, ilusório, fantasioso. Pois a vida moderna num mundo globalizado é tão
dinâmica, as coisas mudam tão rapidamente, que se torna quase impossível
prever o futuro. Quando o futuro real chega, quase toda preparação que o aluno
recebera no passado, já se encontra desatualizada, desfigurada,
descontextualizada etc. O importante é fixar-se firmemente ao estreito presente,
que é síntese entre o passado antiético e o futuro, hipotético.
A educação escolar da forma como está, não serve para tirar o estudantado e a
humanidade do mar de violência, do caos que está-se submetido. Porque esta
psicologia convencional se degenerou ao longo dos tempos. Esta psicologia
degenerada da instituição de ensino convencional conseguiu o seu objetivo:
reproduzir ignorância, violência e o caos entre a massa humana. A psicologia da
instituição de ensino convencional, além de ser retrógrada, reacionária, perdeu o
seu sentido de ser.
Uma verdadeira educação leva-se a compreender a importância da formação do
homem ético, destituído de qualquer resido da violência, habilitado a promover a
paz. A educação forma o estudantado com base na revolução de sua consciência.
Ela está embasada na Psicologia, que ensina ao estudantado os princípios, leis e
fatos intimamente relacionados com a transformação definitiva e radical deste.
É preciso que os agentes do ensino, professores, dirigentes, estudantes e
comunidade escolar dêem conta do momento crítico que se atravessa, em meio à
pichação, à depredação, às drogas e à violência generalizada, e proporcionem
uma nova maneira de formar o alunado, baseada na Educação Revolucionária,
que possui a capacidade de erradicar tais males das gerações do futuro.
É preciso que a instituição educativa aprenda a conduzir a nova geração para
erradicar de dentro do estudante a semente do individualismo, que foi plantada
pela sociedade ancestral, a semente do egoísmo, das agressões acirradas, da
violência generalizada etc.; atacando estes males na causa, e promovendo o
espírito de coletivismo, a paz, a cidadania e a solidariedade.
É preciso, urgentemente, implantar a Educação do Terceiro Milênio, para atacar o
problema da violência na causa, no seu nascedouro. Não se pode continuar com
os sistemas de ensino como estão, sob pena de fracasso total da raça humana.
Não se pode também continuar tratando o problema das drogas, da depredação,
da agressão e da violência generalizada, no efeito apenas. É preciso atacar a
violência na causa, inteligentemente, com educação verdadeira, para salvação
integral de todas as nossas crianças.
A instituição de ensino do Terceiro Milênio poderá direcionar a instrução que dá ao
ente humano atrelada à economia, com base na competição egóica, para uma
educação holística, para uma formação centrípeta. Então, esta escola possuirá um
ensino totalmente objetivo, prático e real. Daí, o estudantado aprenderá a
aprender a ler o mundo, tendo a vida como centro. Aí, transmitirá ao alunado,
métodos para despertar as suas potencialidades internas e, através da leitura da
vida e do mundo, conquistar seu próprio conhecimento, adquirir sabedoria e
expandir a consciência. Na opinião de Ubiratan D’Ambrosio (2003):
“Não são só as guerras que evocam discussões
sobre a paz. De fato, quando falamos em paz
pensamos em ausência de embates militares, que é
a paz mais urgente. Mas é preciso também
perseguir a paz com o meio ambiente, sem a qual
será inviável nossa sobrevivência. A paz com os
outros é imprescindível para o bom relacionamento
social. E existe a paz interior, fundamental para a
tomada de consciência do papel de cada um na
sociedade. Pode parecer divagação, mas pense
bem: conflitos interiores mal resolvidos
transformam-se em violência contra si mesmo,
levam a pessoa a agredir os outros, a usar drogas
ou outros recursos extremistas. Daí a provocar ou a
aceitar guerras é um passo. Tudo está interligado.”
(D`Ambrosio, 2003, página 26)
11. PROPOSTAS CONCRETAS PARA CONSTRUÇÃO DA
PAZ
A única maneira eficaz de erradicar a violência das instituições de ensino e da
sociedade em geral, seria combatê-la na causa, dissolvendo seus agentes
causadores. Porque, neste cosmo relativo, existe a lei de causa - efeito. E,
naturalmente, cessando a causa, cessa o efeito. Se eliminar-se a causa dos
defeitos, cessa a violência, que é seu efeito, conforme já foi dito. A violência
possui muitas causas e uma só conseqüência: infelicita a todos .
Enquanto a sociedade não se decida, e provavelmente nunca se decidirá,
combater a violência no seu nascedouro, na causa, eliminando os agregados
psíquicos de dentro de si mesma, é preciso estabelecer programas alternativos de
combate desta; mesmo que seja no efeito, para amenizar seus resultados
catastróficos, antes que seja tarde demais e a massa social vá aos caos total.
Para combater-se a violência no efeito, de modo preventivo, como se fez até hoje,
pode-se agir, como se segue:
1- fazer uma profunda reflexão em todo o mundo acerca da violência múltipla, na
família, na instituição de ensino, no trânsito, nos esportes, na ecologia etc.
2- incluir nos currículos escolares e programas de ensino, proposta de
conscientização acerca da origem e conseqüência da violência entre os seres
humanos, estabelecendo atividades educativas, profiláticas etc., para
enfrentamento e erradicação desta.
3- desenvolver ações integradas, no mundo inteiro, envolvendo a família, a
instituição educativa, todos os segmentos sociais, as instituições sociais etc., no
sentido de encaminhar soluções de combate a todo tipo de violência.
4- conscientizar a todos, através das instituições de ensino e dos veículos de
comunicação, acerca de que a violência é algo que diz respeito a todos nós;
porquanto é fruto e desmembramento das condições sociais, econômicas e da
perversa política econômica do injusto regime capitalista, vigentes no país e no
mundo.
5- conscientizar o estudantado a identificar, através da observação, a presença
da violência no cotidiano, na família, no trabalho, no trânsito, nos esportes, nas
instituições de ensino, em todas as camadas sociais, na ecologia, em pessoas
escolarizadas da mais alta formação intelectual etc.; identificando,
preliminarmente, através da observação da violência existente em si mesmos.
6- levar o estudantado a se conscientizar de que a violência é altamente
dissiminada pelos meios de comunicação de massa, que é institucionalizada pelo
sistema político, pelo sistema econômico dominante etc.; que, em conseqüencia
disto, a vida se torna mais difícil e complicada para todos ; e de que a vida,
enquanto valor divino, supremo, se torna cada vez mais desrespeitada e
banalizada.
7- ajudar o estudantado a se conscientizar de que os laços de amizades
genuínas, de cooperação, de solidariedade, o espírito comunitário e o exercício de
cidadania plena, estão desaparecendo do nicho ecológico do ente humano, por
causa da violência generalizada e da banalização da vida.
8- conscientizar o estudantado acerca da perda dos parâmetros éticos, morais e
espirituais entre os entes sociais componentes da massa humana; e ajudar o
alunado a desenvolver atitudes positivas no sentido de reconquistar tais valores,
que foram perdidos.
Estas estratégias têm o objetivo de levar o aluno aprender a aprender:
1- praticar auto-observação de si mesmo, para descobrir e erradicar estados
psicológicos equivocados geradores de violência: anciosidade, agressividade,
tensão etc.
2- despertar o interesse por si mesmo, para eliminar de dentro de si os fatores
que causam violência.
3- praticar técnicas de relaxamento, de concentração, para perceber e eliminar os
agentes do desequilíbrio emocional.
4- perceber e conscientizar-se do beco – sem - saída em que a sociedade foi
colocada pela violência generalizada e elaborar planos para sair daí.
5- viver a vida sem violência, lutando sempre pela construção da paz.
6- lutar pela reconquista dos valores éticos, morais e espirituais perdidos,
eliminando os defeitos geradores de violência, criando as virtudes geradoras da
paz.
7- refletir para compreender a responsabilidade que todos têm na luta contra a
violência, para construir a paz.
8- desenvolver faculdades de percepção, de atenção, de observação, de
discriminação, de análise, de síntese, de dedução e de criatividade acerca do
processo de criação da paz.
9- adquirir hábitos de pesquisar assuntos acerca da violência em jornais, revistas,
livros etc., para auto - sensibilização.
10- Etc...
Estas ações, ainda, compreendem os seguintes conteúdos:
1- O que é a paz ?
2- A violência nas instituições de ensino.
3- A violência na família.
4- A violência onde há aglomeração de pessoas: shows, jogos, comícios etc.
5- Violência social.
6- Violência nas instituições públicas.
7- Violência nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
8- Disciplina e ordem.
9- Fatores de causas da violência: anciosidade, tensão, agressividade,
desassossego etc.
10- Autoridade, autoritarismo, limites e permissividade.
11- Perdas de parâmetros éticos.
12- Erotização na mídia, na televisão, no cinema, na música, na Internet etc.
13- As causas da depredação, da pichação e do uso de drogas nas instituições de
ensino.
14- Pseudo - educação.
15- Punição: forma de castigo ou de discriminação ?
16- Educação x competição.
17- Psicologia da violência.
18- Técnicas para dissolução da violência.
19- Educação e violência múltipla.
20- Ação nas causas da violência.
21- Propostas concretas de combate à violência.
22- Educação revolucionária.
23- Etc...
Estes conteúdos podem ser trabalhados através das seguintes estratégias:
1- Aulas expositivas e dialogadas.
2- Leitura e interpretação de textos de violência em jornais, revistas, livros etc.
3- Discussão das atividades desenvolvidas pelos alunos acerca da violência.
4- Trabalhos individuais ou grupos sobre violência, utilizando as diversas técnicas
de dinâmica de grupo.
5- Entrevistas feitas pelos alunos a especialistas em assuntos de violência.
6- Realização de visitas dos alunos a pessoas atingidas pelas diversas formas de
violência.
7- Projeção de filmes sobre violência.
8- Realização de pesquisas bibliográficas.
9- Leitura em jornais de assuntos inerentes à violência cotidiana.
10- Painéis sobre violência.
11- Seminário sobre violência.
12- Debates acerca da violência.
13- Escrever cartas e mandar e-mails ao maior número possível de pessoas
acerca da violência generalizada.
14- Colocar placares sobre violência nas instituições de ensino em locais de
grandes concentrações de pessoas.
15- Feitura de composições, pelos alunos, sobre violência, com auxílio de
professores de Língua Portuguesa, utilizando textos de jornais, revistas, livros etc.
16- Montagem do histórico da violência generalizada nos quatro cantos do mundo,
com orientação de professores de História.
17- Mapeamento pelos alunos da violência no mundo, com auxílio dos professores
de Geografia.
18- Retratação da violência pelos alunos, com o auxílio dos professores de
Educação Artística.
19- Elaboração pelos alunos da estatística da violência mundial, com o auxílio dos
professores de Matemática.
20- Elaboração pelos alunos de propostas de paz.
21- Etc...
11.1. Escolas que venceram a violência
Experiências bem - sucedidas nas instituições de ensino vêm acontecendo em
todo o país, embora não surjam nas reportagens que anunciam “explosões de
violência” nas instituições educativas. As iniciativas aqui contempladas, e
centenas de outras ainda anônimas, apontam para a mesma saída: trazer a
criança para passar a maior parte de seu tempo dentro da instituição escolar,
reforçando em todas as oportunidades e espaços a idéia de cidadania – o aluno
pertence a uma comunidade escolar, que se mistura à comunidade de seu bairro e
ao espaço familiar. Apoiado neste tripé ele aprenderá, em lições práticas, o que
significa cidadania. Se a violência do dia – a – dia invadiu a instituição de ensino,
não há dúvida de que a paz na sociedade só virá por meio da educação de seus
cidadãos. E, nesta guerra, um bom professor ensinando como se convive em paz
com a diferença vale mais que um batalhão de policiais bem armados. Segundo
Ubiratan D’Ambrosio (2003):
“Os educadores envolvidos com a cultura da paz
lutam pela transdisciplinaridade, uma forma de
estudar o mundo e seus fenômenos sem dividí-lo
em matérias. Em Brasília existe a Universidade da
Paz. Não é reconhecida como tal – e é bom que
não o seja, para não precisar se enquadrar nos
padrões oficiais. Ela oferece cursos parecidos com
os de pós-graduação, em que profissionais de
diferentes áreas buscam em conjunto novos
conhecimentos. Existiram outras tentativas, como
a Summer Hill, nos Estados Unidos, e algumas
que usam a pedagogia de Célestin Freinet. Mas
nenhuma foi aceita pelos sistemas educacionais.”
(D`Ambrosio, 2003, página 27)
As instituições de ensino estão, de fato mais violentas ? As estatísticas são
contraditórias. Renato Meirelles, da União Brasileira de Estudantes Secundaristas
(Ubes), coordenador da campanha “Sou da Paz”, alardeia que “ um estudante é
morto a cada dia letivo, dentro da própria escola”. Este dado soa amedrontador,
mas revela-se precário quando se descobre que foi feito a partir de notícias de
jornais. Não existe um cruzamento de informações que permitam tirar uma
radiografia do problema no país. Se concentrar-se apenas na cidade de São
Paulo, a cada 777 homicídios, um ocorreu dentro da escola este ano. Isto
representa 0,13 % do total. A cifra é pequena. Mas é inaceitável. (Fonte:)
O problema não são os números. O ponto pacífico, fora de discussão, é que a
instituição de ensino jamais deve ser um lugar onde um estudante corra risco de
vida. “Os índices de violência estrita nas escolas, mesmo sendo baixos, geram
uma repercussão tremenda. É como se existisse um lacre de inviolabilidade da
escola no imaginário popular”, analisa Julio Groppa Aquino, professor de
Psicologia da Educação da Faculdade de Educação da USP. Quando a crença de
que a instituição escolar seja um local absolutamente seguro é colocada em
dúvida e se soma ao sentimento de insegurança já instalado na população, cada
ocorrência tem um efeito multiplicador.
A insegurança tem bases concretas: dentre todos os países do mundo, o Brasil só
perde para Colômbia e Venezuela em mortes violentas, segundo a Unesco apurou
em 1999. Os estudantes têm consciência disso, muitos já sofreram violência e
querem entender melhor o que se passa. A Fundação Osvaldo Cruz entrevistou
1.220 estudantes cariocas e 92 % querem que o tema “violência” seja discutido
em sala de aula. Segundo Ricardo Prado, “Existem muitas formas para se
enfrentar o problema, mas todas levam o mesmo ingrediente: cidadania”. (Fonte:)
Com base em pesquisas feitas em algumas instituições de ensino de diversos
estados brasileiros, pôde-se verificar a presença repetitiva de algumas situações
de violência dentro destas e / ou envolvendo estas. O relato a seguir é
abrangente, ou seja, descreve fatos gerais, específicos a uma ou outra instituição
educativa em particular. A localidade destas instituições de ensino podem ser
encontradas em anexo ( vide anexo 22). Para uma melhor compreensão, os fatos
estão dispostos em um quadro, retirado da Revista Nova Escola, 1999:
. CIEP Mestre Cartola (Rio de Janeiro):
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA AÇÕES PACIFICADORAS
. Muros com sinais de tiros;
. professores com tempo para saírem da
instituição de ensino ilesos,
. violência noturna assustadora.
. Instituição educativa limpa;
. Nenhum aluno expulso;
. Professores trabalham os sentimentos
dos alunos;
. Missa ecumênica anual, em agosto,
para celebrar a memória dos mortos na
chacina de Vigário Geral (18/08/1993,
com saldo de 21 mortos com idades
entre 16 e 61 anos);
. Corredores tomados por cartazes
pedindo paz, com o tema “Violência e
Desarmamento”;
. Trabalho contínuo com alunos sobre a
idéia da convivência pacífica;
. Trabalhos teatrais (grupo de ex-alunos)
sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente);
. Oficinas de capoeira e artes;
. Excursões;
. Aproveitamento escolar de 95 %;
. Evasão mínima;
. Apresentação de seminários,
. Equipe escolar boa, sem mudança no
quadro de funcionários
. E. E. P. G. Professor Renato de Arruda (São Paulo):
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA AÇÕES PACIFICADORAS
. Aluna assassinada em pleno pátio
depois de uma discussão com um
colega por um par de tênis (1992);
. Salas trancadas a cadeado;
. Bairro cercado por três favelas;
. Vidros quebrados;
. Muros pichados;
. “Toque de recolher” no curso noturno,
. Ameaças de bombas
. Abertura de uma cantina (para evitar
que os alunos saíssem da instituição de
ensino para o bar em frente. Alguns
alunos voltavam bêbados para a sala de
aula, causando confusão);
. Adoção de salas - ambiente,
separadas por disciplina (os professores
são responsáveis pelas salas. Os
alunos trocam de sala ao tocar o sinal,
diminuindo o vandalismo);
. Salas decoradas, sem a organização
tradicional das carteiras, sendo
ordenadas em blocos (Incentivo ao
trabalho em grupo como forma de
treinar a sociabilidade dos alunos);
. Visita dos pais em dias inesperados
para conferir o comportamento dos
filhos (Em caso de brigas ou excesso de
faltas, a convite da instituição
educativa). Assim, com o pai como
aliado, a instituição de ensino consegue
enquadrar o aluno problemático, sem
recorre à expulsão;
. Não existem aulas vagas. Na falta do
professor, um dos orientadores escolhe
atividades adequadas para aquela
turma;
. Passeata pela paz;
. Convocação dos pais insatisfeitos para
exporem as falhas da instituição
educativa e o que pensam dela,
. Abertura da instituição de ensino para
a participação da comunidade: liberação
da quadra nos finais de semana etc.);
. Fazer um diagnóstico das carências e
necessidades,
. Repensar o uso de cada espaço.
. E. M. Maria Mazarello (Belo Horizonte):
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA AÇÕES PACIFICADORAS
. Briga de alunos com alunos de outra
instituição de ensino do bairro, na hora
da saída
. Criação de um vídeo caseiro “Briga
Nunca Mais” (Parceria com a
Universidade Federal de Minas Gerais,
inscrito no festival organizado pela 100ª
Conferência Mundial pela Paz, com
sede em Haia, na Holanda. Ganhou o
primeiro prêmio e quatro estudantes
foram para a Europa);
. Oficinas de vídeo;
. Criação de uma organização não -
governamental “Imagem Comunitária”,
. Discussão sobre o vídeo e o encontro
pela paz.
. E. M. Mauro Faccio Gonçalves (São Paulo):
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA AÇÕES PACIFICADORAS
. Três bombas foram detonadas ao
mesmo tempo, no banheiro masculino,
num hidrante e na estátua em
homenagem ao comediante Zacaria, na
entrada da instituição de ensino (abril de
1999).
. Circuito interno tocando música
clássica de 2ª a 5ª feiras, para criar um
ambiente de relaxamento. A trilha
sonora de 6ª feira é aberta a sugestões
dos alunos;
. Professores orientados para jamais
aumentarem o tom de voz;
. Alunos ajudam na limpeza de mesas,
carteiras e chão,
. Quadra de esportes aberta para a
comunidade.
. E. Classe Varjão (Brasília):
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA AÇÕES PACIFICADORAS
. Recreio agitado com discussões e
brigas ferozes entre os alunos.
. Projeto “Recreio Monitorado”, que
estimula a participação dos alunos em
atividades extracurriculares (cursos de
pintura, cerâmica, teatro, artesanato em
papel, horta coletiva, futebol, capoeira e
rap). Os organizadores das atividades
são arte - educadores e 60 jovens que
tinham tudo para cair na marginalidade
(não eram bons alunos, tinham
passagem pela polícia, eram
agressivos). Hoje, fazem trabalho
remunerado e continuam envolvidos
com os problemas da instituição de
ensino, mas buscando soluções;
. Formação de grêmios estudantis,
. Campanha pela paz envolvendo
alunos e professores, com a
colaboração de todos na criação e no
aprimoramento das oficinas e na
solução de conflitos.
. CIEP Nação Mangueirense (Rio de Janeiro):
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA AÇÕES PACIFICADORAS
. Quadras de esportes e piscina semi -
olímpica abertas à comunidade nos fins
de semana;
. Aulas de teatro, capoeira, natação,
atletismo, futebol, violão, percussão,
dança de salão, street dance, ginástica
olímpica, desenho, artesanato,
. Caderno da direção intitulado “Estou
Indo Embora”. Um nome que aparecer
pela terceira vez nele recebe
advertência. Mais um vacilo e o aluno
pode ser expulso.
. E. E. P. G. Padre Palmeira - Setor G (Salvador):
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA AÇÕES PACIFICADORAS
. Grande quantidade de cadeiras
destruídas amontoadas nos corredores
da instituição educativa
. Elaboração das Normas de
Convivência, em conjunto com os
alunos. Debatida em assembléia, todos
aprovam e assinam o contrato e podem
ser devidamente cobrados por eventuais
transgressões;
. Peça “Cuida Bem de Mim”, assistida
primeiramente por alunos (que
identificaram suas atitudes nas falas e
ações dos personagens) e depois pelos
pais (para compreenderem a “febre” que
havia tomado conta de seus filhos);
. Mutirão da limpeza (pais e alunos),
. Pais mais presentes e interessados na
rotina escolar.
. Escola Classe 18 (Brasília):
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA AÇÕES PACIFICADORAS
. Problemas de agressões entre os
1.180 alunos.
. Boa manutenção do prédio;
. Projeto “Encontro Pela Paz”,
envolvendo a instituição de ensino em
atividades lúdicas e educativas, como
aposta de professores e diretores no
trabalho preventivo;
. Punição de um aluno pichador com a
tarefa de criar uma campanha
publicitária pela limpeza do muro;
. Troca de 1.600 armas de brinquedo
dos alunos por livros;
. Criação de uma peça interativa (do
estilo do programa “você Decide”
encenada pelos professores, onde os
alunos escolhem o final (com a história
de uma aluna que encarna diversos
problemas: racista, preconceituosa e
briguenta. A decisão (por voto secreto)
seria dada em uma semana após a
encenação, pois nesse meio tempo os
professores poderem trabalhar a idéia
da oportunidade que todos têm de se
reabilitarem;
. Criação dos Pelotões da Paz,
recrutados entre os alunos mais velhos,
com a função de enturmarem quem está
sozinho, evitar brigas e conscientizar os
sujões da necessidade de se manter a
escola limpa;
. O sinal da instituição de ensino é
música, ao invés de alarme,
. Os pais doas alunos recebem textos
para lerem com seus filhos para o
sucesso do Projeto “Encntro Pela Paz”.
. C. A I. C. Maria Felício Lopes (Fortaleza):
SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA AÇÕES PACIFICADORAS
. Os estudantes aprendem a tocar
instrumentos de corda em orquestras de
câmara;
. À noite, pais de alunos se reunem para
jogar bola (de 2ª a 2ª feiras);
. Nos finais de semana, mães formam
grupos de ginástica;
. Em julho, a instituição de ensino vira
colônia de férias,
. Alunas debutantes usam a quadra da
instituição de ensino para seu baile.
CONCLUSÃO
A violência "branca" existe onde a cidadania não é respeitada. Muitas vezes a
violência "vermelha" é decorrente dela. O que fazer, então? Começa-se por não
admitir, em instância alguma, o menosprezo por quem quer que seja. A vida de
cada um é única, e por isso não pode ser tratada de forma banal. Resgatar a
importância da vida é tarefa coletiva, possível apenas na democracia, na qual o
cidadão conquista espaços para atuar de maneira vigilante e efetiva. Daí a
importância de tomar consciência da situação, constatando distorções,
desvendando preconceitos, sensibilizando-se para realidades diante das quais,
até então, permanecia-se indiferente.
Só isso não basta. Se os governos são responsáveis pelo combate à violência,
toda vez que atribuir-se apenas a eles essa incumbência, aceitar-se-á a tutela e a
demissão das funções de cidadania. É fácil reclamar e esperar que outros
resolvam os problemas, mas o cidadão participante é aquele que não foge dos
compromissos que a vida em grupo sempre impõe, atento para os problemas da
família, da instituição de ensino, da sala de aula, do trabalho, da política, do lazer
(vide anexo 23).
Se considerar-se que a violência "branca" desencadeia outros tipos de violência, e
que esses males só serão saneados pela democracia, é importante que os
cidadãos se fortaleçam, interagindo efetivamente na sociedade, participando de
movimentos coletivos de reivindicação, sejam eles de simples associações de
bairros, sindicatos, ou até de lazer. Evidentemente não está-se se referindo aos
grupos formados pelas gangues que se impõem pela violência ou incitam a
intolerância racista dos neonazistas. Nas organizações com que sonha-se, o
diálogo é o avesso da violência. E mais. Atuar como cidadão não significa garantir
o fim da violência, já que ela faz parte do drama humano. Representa, sim, a luta
constante e atenta contra seus efeitos mais perversos, a fim de diminuir a cota de
sofrimento do mundo.
Não há uma receita milagrosa, uma "saída" única para construir um Brasil melhor.
A alternativa é cada um lutar, dentro de seu âmbito de interesses e possibilidades,
para promover a cidadania, a noção de que os direitos devem ser respeitados,
através de ações que envolvam várias pessoas em torno de algumas reflexões
sobre o bem comum. Tudo isso ajuda a criar uma nova mentalidade, que, pouco a
pouco, poderá sedimentar uma cultura democrática.
A estrutura da sociedade torna cada um e todos os homens potencialmente
violentos. A conversão da agressividade em agressão pode ser desencadeada por
fatos os mais banais e corriqueiros.
Sem a valorização das categorias socialmente frágeis, as soluções serão sempre
precárias. É preciso dar formação quanto a relações entre homens e mulheres aos
profissionais que lidam com pessoas em situação de violência intrafamiliar e / ou
doméstica. Não somente a polícia deve ter qualificação, mas também os
profissionais da saúde, da educação, enfim todos os que lidam diretamente com o
fenômeno analisado.
Na verdade, trata-se de um fenômeno que requer a mobilização de toda a
sociedade. Exatamente pelo fato de a violência intrafamiliar e a doméstica estarem
escondidas, de não estarem expostas, como a violência cometida no espaço
público, seu combate exige um sem - número de soldados. Cada cidadão é um
desses numerosos soldados, cuja tarefa fundamental consiste em zelar pela
harmonia das relações familiares e domiciliares e, mais amplamente, pela
harmonia de todas as relações humanas.
Os meios de comunicação priorizam temas de conteúdo violento, visando com
isso maior audiência. Assim, os meios de comunicação fazem crer numa
sociedade mais violenta do que é, ou, pelo menos, diferentemente violenta do que
é. Nesse sentido, sustenta-se que o próprio fenômeno da criminalidade é fruto de
uma reconstrução social pelos meios de comunicação.
A violência tem sido tão explorada pelos meios de comunicação, tão exibida sem
nenhum questionamento e tão banalizada que as pessoas, "anestesiadas",
passaram a conviver com ela como se fosse algo natural e, portanto, inevitável.
Procuram, então, enfrentar a violência buscando soluções meramente individuais
e segundo suas próprias possibilidades. Mudam-se para cidades menores, isolam-
se em condomínios fechados e shoppings centers, contratam seguranças ou, mais
freqüentemente, agarram-se à religião, como única garantia de salvação.
No entanto, não será dessa forma que se irá resolver situações que têm origens
histórico - culturais, e sim com estratégias racionais e eficientes que promovam
mudanças sociais. Mudanças que só se processarão através de lutas políticas
consistentes e de projetos de educação que reforcem a formação humanística
voltada para a cidadania e a solidariedade.
A participação mais efetiva, por meio de partidos, grêmios, sindicatos e
Organizações Não - Governamentais (ONGs), visando uma sociedade mais justa
e exigindo políticas públicas que atendam às necessidades de todos os cidadãos
e não apenas de minorias, é um caminho que ninguém pode desconsiderar,
mesmo quem for avesso à política. Afinal, foi por motivos políticos que chegou-se
ao ponto em que se está. Outro caminho é o da educação em todos os níveis:
familiar, escolar, religiosos e através dos meios de comunicação.
O autoritarismo na área educacional tem gerado, ao longo da nossa história,
indivíduos revoltados, incapazes de dialogar e intolerantes em relação às
diferenças individuais. Sua preocupação, centrada apenas no sucesso profissional
e econômico - para as altas esferas sociais -, e num ofício que garanta, no
mínimo, o emprego e a sobrevivência - para as classes mais baixas -, tem sido
responsável pela formação de pessoas mais competitivas e menos solidárias.
Disso tudo decorre a necessidade de o Estado, as comunidades religiosas, as
instituições de ensino, empresas, sindicatos, agremiações esportivas etc.
investirem mais em centros de convivência, oficinas de artes, lazer alternativo
(mais barato e saudável), esportes cooperativos, terapias de apoio e tudo o mais
que possa propiciar o desenvolvimento da auto - estima, respeito pelo outro,
reconhecimento dos direitos e deveres de cidadania, a predisposição a contatos e
relações prazerosas. Em outras palavras, deve-se investir na construção de uma
cultura da paz.
Não se pode erradicar a violência da sociedade, da forma como se tentou até
hoje, atacando-a no efeito. É preciso atacá-la no seu nascedouro, na origem, na
causa. E, para isso, precisa-se saber onde ela nasce; coisa que a instituição
educativa convencional não ensina às crianças. Não ensina, porque não sabe. E
não sabe porque não quer saber a verdade, a crua realidade dos fatos.
E por incrível que pareça, qualquer indivíduo pode erradicar de dentro de si
mesmo os germes da violência; para isto, basta saber como. E o saber como, até
hoje, a instituição de ensino não ousou ensinar, porque não aprendeu ainda. E,
para ensinar isto ao ente humano, a escola precisaria ter uma didática concreta,
que orientasse o estudantado a maneira correta de combater a violência na causa
por meio da dissolução dos seus eus inumanos, do seu ego.
Para acabar com a violência social é preciso que a instituição de ensino ensine
aos alunos, crianças, adolescentes e graduados, entre estes aqueles que ainda
não se tornaram demasiadamente violentos, a maneira como não se prostituírem
socialmente com a violência generalizada do mundo adulto; a não se tornar
violento, como mais uma vítima do sistema. E, é preciso ensinar, a quem já se
contaminou com os vírus da violência, com os eus da ira, da ambição, da inveja,
da preguiça, da gula, da luxúria, do orgulho etc., a técnica de erradicação destes
defeitos, por intermédio do sistema de revolução da consciência, que começa com
a prática da auto-observação de si mesmo. É preciso ter a coragem de ensinar
aos alunos que a violência de concentrar bens materiais, no modelo econômico
injusto, é responsável pela violência escolar, pela violência infanto - juvenil, pela
violência senil, pela violência social, pela violência familiar, racial etc.; e, mostrar
onde ela inicia, no interior de cada um .
Para estancar a violência vigente, seria necessário promover a transformação do
modelo econômico que aí está. Mas, para transformar este modelo vigente,
promotor da violência pluridimensional, é preciso transformar o homem que o
dirige. Uma verdadeira educação, para elevação do homem e da sociedade ao
grau de HUMANO, começa por ensinar o aluno a destruir dentro de si mesmo os
aspectos animalescos que possui.
É preciso uma didática concreta de dissolução destes “eus” geradores de defeitos,
para ensinar ao homem erradicar do interior de si mesmo o germe da ambição e
todos os outros eus engendradores de todo tipo de violência. É preciso educá-lo
com aquela educação que possui a inteligência vegetal; a árvore produz frutos
para alimentar não só a si mesma, mas a todos os demais seres da biomassa. E o
homem cria um sistema econômico violento, que lhe permite usar o trabalho de
outros homens em benefício próprio; assim, consegue ajuntar só para si, por
possuir em seu interior os agentes danosos da ambição, tudo aquilo que a árvore
produziu universalmente para todos os demais seres vivos. E depois diz-se que o
indivíduo de hoje, concentrador do grande capital, é moderno, evoluído, coisa e
tal.
ANEXO 1
Jornal O Globo Seção Opinião
26/02/2003 Página 7
ANEXO 2
Texto publicado no Jornal O Globo
26/05/2002
ANEXO 3
Jornal O Globo Seção Rio
3ª edição
13/10/2002 Página 7
ANEXO 4
Revista Marie Claire nº 61
Editora Globo Abril / 96
Dossiê “Pais Violentos”
Páginas 63 a 72
ANEXO 5
Revista Marie Claire nº 61
Editora Globo Abril / 96
Dossiê “Pais Violentos”
Páginas 63 a 72
ANEXO 6
Revista Marie Claire nº 61
Editora Globo Abril / 96
Dossiê “Pais Violentos”
Páginas 63 a 72
ANEXO 7
Revista Marie Claire nº 61
Editora Globo Abril / 96
Dossiê “Pais Violentos”
Páginas 63 a 72
ANEXO 8
Revista Marie Claire nº 61
Editora Globo Abril / 96
Dossiê “Pais Violentos”
Páginas 63 a 72
ANEXO 9
Revista Marie Claire nº 61
Editora Globo Abril / 96
Dossiê “Pais Violentos”
Páginas 63 a 72
ANEXO 10
Revista Marie Claire nº 61
Editora Globo Abril / 96
Dossiê “Pais Violentos”
Páginas 63 a 72
ANEXO 11
Revista Marie Claire nº 61
Editora Globo Abril / 96
Dossiê “Pais Violentos”
Páginas 63 a 72
ANEXO 12
Revista Época nº 51
Ano I 10/05/1999 Página 37
ANEXO 13
Revista IstoÉ nº 1.618
Editora Três
04/10/2000 Página 53
ANEXO 14
Jornal Extra 11/08/2002
Seção Geral Página 15
ANEXO 15
Revista Nova Escola nº 139
Editora Abril Ano XVI
ANEXO 16
Jornal O Globo Seção Rio
03/09/2002 Página 15
2ª edição
ANEXO 17
Jornal Extra Seção Geral
11/08/2002 Página 15
ANEXO 18
Jornal Extra Seção Geral
11/08/2002 Página 15
ANEXO 19
Jornal Extra Seção Geral
11/08/2002 Página 15
ANEXO 20
Revista Época nº 51
Ano I 10/05/1999
ANEXO 21
Jornal Extra Seção Geral
19/03/2003 Página 5
ANEXO 22
Relação de instituições de ensino
que venceram a violência
Revista Nova Escola nº 125
Editora Abril Setembro / 99
Ano XIV Páginas 10 a 19
. CIEP Mestre Cartola
Rua da Democracia, s/nº . Parada de Lucas. CEP: 21.010 – 610
Rio de Janeiro – RJ
. E. E. P. G. Professor Renato de Arruda
Rua Floriano da Costa Barroso, nº 10. Jardim Carumbé (Zona norte)
São Paulo – SP CEP: 02.855-220
. E. M. Maria Mazarello
Rua Benedito Neves, nº 45. Bairro de Nazaré
Belo Horizonte – MG CEP: 31.990-160
. E. M. Mauro Faccio Gonçalves (Zacaria)
Rua Artur José Inácio, nº 30. Jardim Ângela (Zona sul)
São Paulo – SP CEP: 05.830-200
. Escola Classe Varjão
Quadra 7, conjunto 2. CEP: 70.860-010
Brasília – DF
. CIEP Nação Mangueirense
Rua Santos Melo, nº 73 – fundos. CEP: 20.960-030
Rio de Janeiro – RJ
. E. E. P. G. Padre Palmeira – Setor G
Rua P, s/nº CEP: 41.510-180
Salvador – BA
. Escola Classe 18
QMD 12, Área Especial Taguatinga CEP: 72.120-120
Brasília – DF
. Centro de Apoio Integral à Criança (C.A I.C.) Maria Felício Lopes
Rua Vinte de Julho, nº 480 . Castelo Encantado
Fortaleza – CE. CEP: 60.180-560
ANEXO 23
Jornal O Dia Seção Geral
14/05/2003 Página 7
ANEXO 24
Jornal O Dia Seção Geral
06/05/2003 Página 1
ANEXO 25
Jornal O Dia Seção Polícia
06/05/2003 Página 10
ANEXO 26
Jornal O Dia Seção Geral
07/05/2003 Página 2
ANEXO 27
Jornal O Dia Seção Polícia
07/05/2003 Página 10
ANEXO 28
Jornal O Dia Seção Polícia
07/05/2003 Página 4
ANEXO 29
Jornal O Dia Seção Polícia
11/05/2003 Página 24
ANEXO 30
Jornal O Dia Seção Polícia
11/05/2003 Página 25
ANEXO 31
Jornal O Dia Seção Polícia
14/05/2003 Página 9
ANEXO 32
Jornal O Dia Seção Geral
14/05/2003 Página 7
ANEXO 33
Comprovantes de
Programações culturais
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
A cultura da paz começa na escola. In: Revista Nova Escola. Ano XVIII, nº 160.
Editora Abril, março / 2003, p. 16
BARRETO, Vicente. Educação e Violência: Reflexões preliminares. In: Violência e
Educação. Alba Zaluar (org.). SO: Cortez, 1992
BORDENAVE, Juan E. D. O que é participação. SP: Brasiliense, 1983.
COLOMBIER, Claire, Eleni et al. A violência na escola.SP: Summus, 1989, 149 p.
Constituição Federal, 1988.
Declaração Universal dos Direitos Humanos, ONU, 1948.
Estatuto da Criança e do Adolescente
FERREIRA, Rosa M. Fischer. O direito da população à segurança: cidadania e
violência urbana. Petrópolis: Vozes, CEDEC, 1985
HOINEFF, Nelson. Resistência à banalidade. In: Revista Nós da Escola, nº 11 /
2002. Rio Prefeitura – Educação – MULTIRIO, p. 6 – 11.
KUPTAS, Marcia, Eleni et al. Violência em debate. 2° ed. SP: Editora Moderna,
1997, 160 p.
MORAIS, Regis de. O que é violência urbana. 6ª ed. SP: Editora Brasiliense,
1985, 116 p.
NEILL, A. S. Liberdade no Lar – Problemas da Família. SP: Ed. Ibrasa, 1967, 295
p.
O desarme da violência. In: Revista Nova Escola. Ano XIV, nº 125, Editora Abril,
maio / 2002, p. 16 – 21.
Pacto Internacional das Nações Unidas
Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos
temas transversais/ Secretaria de Educação Fundamental – Brasília: MEC / SEF,
1998.
Portas abertas para a paz. In: Revista Nova Escola. Ano XVII, n° 152, Editora
Abril, maio 2002, p. 16 – 21.
S.O.S. Sala de aula. In: Revista Nova Escola. Ano XVIII, nº 160, Editora Abril,
março 2003, p. 16
.Violência na escola, Violências da escola. In: Revista Nova Escola. Ano XVII, n°
152, Editora Abril, maio 2002, p. 22
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES - UCAM
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
A VIOLÊNCIA URBANA INVADE A ESCOLA
Cristiane Corajo Pereira de Almeida
Orientador:
Prof.: Vilson Sérgio de Carvalho