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139 A TROCA DE INFORMAÇÕES EM MATÉRIA TRIBUTÁRIA: PRÁTICAS E PERSPECTIVAS BRASILEIRAS SOBRE O ASSUNTO Exchange of Information on Tax Matters: Brazilian Practices and Perspectives on the Subject Phelippe Toledo Pires de Oliveira Procurador da Fazenda Nacional em São Paulo Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) Mestrando em Direito Tributário pela Universidade de Paris l Sorbonne. SUMÁRIO: Introdução; 1 A Troca de Informações em Matéria Tributáriaç 1.1 O artigo 26 do Modelo de Convenção da OCDE, ONU e EUA; 1.1.1 O artigo 26 do Modelo de Convenção da OCDE; 1.2 Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária (TIEAs); 2 Práticas e Perspectivas Brasileiras em Relação à Troca de Informações; 2.1 Política Brasileira nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação; 2.2 A Troca de Informações nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação; 2.3 A Troca de Informações nos Acordos para Troca de Informações (TIEA); 2.4 Perspectivas em relação à Troca de Informações; 3 Conclusões; Referências Bibliográficas. RESUMO - O presente trabalho trata da troca de informações em matéria tributária entre países, tanto em relação ao disposto no artigo 26 do Modelo de Convenção da OCDE, quanto aos Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária. Inicialmente faremos uma análise da evolução dos dispositivos sobre a troca de informações como forma de combate à evasão fiscal internacional, especialmente após o Relatório da OCDE de 1998 sobre a Competição Fiscal Prejudicial e a formação do Fórum Global sobre transparência e troca de informações. Após, faremos um relato da experiência brasileira sobre o assunto, destacando que, contrariamente a outros países, o Brasil não revisou suas Convenções para Evitar a Dupla Tributação de forma a adequá-las às alterações introduzidas no artigo 26 do Modelo de Convenção da OCDE, além de ter celebrado um número

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A TrocA de InformAções em mATérIA TrIbuTárIA: PráTIcAs e PersPecTIvAs

brAsIleIrAs sobre o AssunTo

Exchange of Information on Tax Matters:Brazilian Practices and Perspectives on the Subject

Phelippe Toledo Pires de oliveiraProcurador da Fazenda Nacional em São Paulo

Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São PauloMembro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT)

Mestrando em Direito Tributário pela Universidade de Paris l Sorbonne.

SUMárIo: Introdução; 1 A Troca de Informações em Matéria Tributáriaç 1.1 o artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE, oNU e EUA; 1.1.1 o artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE; 1.2 Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária (TIEAs); 2 Práticas e Perspectivas Brasileiras em relação à Troca de Informações; 2.1 Política Brasileira nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação; 2.2 A Troca de Informações nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação; 2.3 A Troca de Informações nos Acordos para Troca de Informações (TIEA); 2.4 Perspectivas em relação à Troca de Informações; 3 Conclusões; Referências Bibliográficas.

Resumo - o presente trabalho trata da troca de informações em matéria tributária entre países, tanto em relação ao disposto no artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE, quanto aos Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária. Inicialmente faremos uma análise da evolução dos dispositivos sobre a troca de informações como forma de combate à evasão fiscal internacional, especialmente após o Relatório da OCDE de 1998 sobre a Competição Fiscal Prejudicial e a formação do Fórum Global sobre transparência e troca de informações. Após, faremos um relato da experiência brasileira sobre o assunto, destacando que, contrariamente a outros países, o Brasil não revisou suas Convenções para Evitar a Dupla Tributação de forma a adequá-las às alterações introduzidas no artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE, além de ter celebrado um número

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ínfimo de Acordos para a Troca de Informações. Ao final, demonstraremos a necessidade de o Brasil alterar alguns dos dispositivos constantes de suas Convenções para Evitar a Dupla Tributação para adequar-se ao padrão internacional, destacando que decisão recente do STF pode colocar em risco a troca de informações pelo Brasil.

PalavRas-Chaves: Evasão Fiscal Internacional. Troca de Informa-ções Tributárias. Tratados Internacionais. Brasil.

abstRaCt - The present paper deals with the exchange of tax information among tax authorities of different countries, provided not only in article 26 of the oECD Model Convention, but also in the Tax Information Exchange Agreements (TIEA). Firstly, we will analyze the development of the exchange of information provisions in order to counter international tax evasion, especially after the 1998 oECD report on Harmful Tax Competition and the set up of the Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes. After, we will report the Brazilian experience regarding the exchange of information and highlight that contrary to other countries, Brazil has not yet updated its Double Tax Conventions in order to adjust them to the changes made to article 26 of oECD Model Convention, nor has Brazil entered into many TIEAs so far. Last but not least, we will demonstrate that Brazil needs to update its Double Tax Conventions in order to adjust them to the international standard on effective exchange of information, as well as that a recent decision of the Brazilian Supreme Court may jeopardize the effective exchange of information.

KeywoRds - International Tax Evasion. Exchange of Tax Information. International Treaties. Brazil

IntRodução

Tradicionalmente, compete aos governantes definir a política fiscal de um país, levando em consideração o contexto econômico e social interno. De maneira geral, os países têm certa liberdade para escolher entre uma tributação elevada com gastos públicos acentuados ou uma tributação reduzida com gasto público limitado. Na maioria das vezes, porém, quanto mais serviços e prestações são fornecidos pelo governo, maior será a tributação imposta aos contribuintes para o seu financiamento1.

1 De acordo com a oCDE, o percentual de tributação em relação ao PIB varia bastante entre os diversos países. Segundo dados preliminares do relatório Tax Reforms Trends in OECD Coutries, 2011, esse percentual para o ano de 2009 era de aproximadamente 48% para a Dinamarca; 46% para a Suécia; 42% para a França; 37% para a Alemanha; e 24% para os Estados Unidos. Segundo o mesmo relatório, esse percentual no Brasil é de aproximadamente 32,5% do PIB.

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o processo de globalização e a maior facilidade de movimentação do capital alteraram a política fiscal adotada pelos países e a relação entre os diferentes sistemas tributários domésticos. Empresas, ávidas por maximizar seus lucros, passaram a transferir parte de seus negócios para jurisdições com baixa tributação (low tax jurisdictions) ou países com regime fiscal privilegiado (preferential tax regimes) – em sua maior parte, pequenos países ou ilhas localizadas no Caribe ou no Pacífico Sul2. Em especial, os anos 80 foram marcados por um aumento significativo do investimento nessas jurisdições, também chamadas de “paraísos fiscais”.

Preocupados com essa situação, a comunidade internacional elaborou diversos estudos nas décadas de 70 e 80, com propostas para a intensificação das relações entre os Estados, inclusive com a troca de informações em matéria tributária, de forma a evitar a evasão fiscal internacional. No entanto, é somente a partir dos anos 90, que a oCDE começa a desenvolver um relatório detalhado identificando as práticas e possíveis contra-medidas para prevenir os efeitos danosos da concorrência fiscal prejudicial dos “paraísos fiscais”. Esse estudo resultou na publicação do relatório da oCDE: Harmful Tax Competition - an Emerging Global Issue, em abril de 1998 (relatório da oCDE de 1998)

o relatório da oCDE de 1998 considerou que, não obstante a existência de uma “soberania fiscal” dos países, a prática de: (1) oferecer nenhuma ou baixa tributação; conjuntamente com (2) a ausência de transparência; e (3) a restrição à obtenção de informações em nome do contribuinte, poderiam ser vistas como práticas de concorrência fiscal prejudicial3. Isso porque essas práticas atraem indevidamente investimentos de pessoas físicas e jurídicas estrangeiras (normalmente rendimentos passivos4 e lucros contábeis ‘de papel’), causando uma indevida ‘erosão’ da base tributável nos seus respectivos países de residência, a despeito dos serviços e prestações estatais de que nele dispõem.

Considerando que a ausência de efetiva troca de informações é um dos fatores importantes para se identificar um paraíso fiscal ou um regime fiscal preferencial, uma das principais recomendações do relatório da OCDE de 1998 foi para que se intensificasse a cooperação internacional entre os países. Ademais, foi nessa época que se propôs a criação do Fórum Global, com o objetivo de que nele fossem ampliadas as discussões sobre as

2 Cf. Alberto Xavier, op. cit., p. 240, essas jurisdições são também denominados no Brasil como “países de tributação favorecida”.

3 De acordo com o relatório da OCDE de 1998, outros fatores importantes para se identificar um paraíso fiscal (tax haven) ou um regime fiscal preferencial danoso (harmful preferential tax regimes) seriam: (1) para o paraíso fiscal: a desnecessidade do exercício de uma atividade substancial; (2) para o regime fiscal preferencial danoso: o denominado ‘ring fencing’ do regime, como por exemplo, a outorga de vantagens e benefícios unicamente para não-residentes.

4 São considerados como rendimentos passivos, os juros, os royalties e os dividendos, em contraposição aos rendimentos ativos que decorrem da efetiva exploração do trabalho.

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práticas fiscais danosas e as formas de seu combate, com a implementação de uma troca de informações efetiva.

As restrições às informações do contribuinte e a ausência de poder por parte das autoridades fiscais para exigir das instituições financeiras o fornecimento dessas informações têm facilitado a evasão fiscal nas últimas décadas, transformando-se em uma preocupação global. Uma das formas de combater a evasão e uso abusivo dos denominados “paraísos fiscais”, é justamente a efetiva troca de informações entre as administrações fiscais, conforme recomendação da própria oCDE.

1 a tRoCa de InfoRmações em matéRIa tRIbutáRIa

A troca de informações em matéria tributária já estava presente no Modelo de Convenção da oCDE de 1963. Todavia, somente após o relatório da oCDE de 1998 é que essa prática ganhou maior notoriedade e espaço nas discussões tributárias. Ademais, em virtude da crescente pressão da oCDE e do G-20 para aumentar e/ou evitar a perda de arrecadação tributária dos países desenvolvidos, essa matéria foi objeto de acordos específicos firmados entre os países, também denominados de Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária5.

Pode-se dizer que, de maneira geral, há dois tipos de dispositivos prevendo a efetiva troca de informações em matéria tributária entre os países: (1) o artigo 26 dos Modelos de Convenção da oCDE, oNU e dos EUA para Evitar a Dupla Tributação; e (2) os Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária. A seguir, serão analisadas esses dois dispositivos, sua evolução ao longo dos anos, suas similitudes e diferenças, para então adentrar nas práticas e perspectivas brasileiras sobre o assunto.

1.1 o aRtIgo 26 do modelo de Convenção da oCde, onu e eua

o principal objetivo de uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação é, como seu nome já indica, eliminar a dupla tributação, de maneira a facilitar o comércio internacional e o fluxo de investimentos entre os países. A despeito desse objetivo, há vários outros perseguidos por uma Convenção desse gênero, por exemplo: (i) a padronização de termos jurídicos contidos nas convenções como forma de assegurar uma maior estabilidade das relações; (ii) a eliminação da discriminação contra estrangeiros e não-residentes; (iii) a cooperação internacional para facilitar a troca de informações entre as administrações tributárias; e (iv) a eliminação da evasão e elisão fiscal.

5 Em razão de sua nomenclatura em inglês, são eles também conhecidos como TIEAs: Tax Information Exchange Agreements.

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A cooperação internacional para a troca de informações está prevista no Modelo de Convenção da oCDE desde sua versão original de 1963. Com exceção de algumas pequenas mudanças para clarificar a redação, o dispositivo não sofreu nenhuma alteração substancial no Modelo de Convenção de 1977, nem no Modelo de Convenção de 1992. Somente após a adoção do modelo de folhas soltas é que o artigo 26 sofreu importantes alterações (especialmente nos anos 2000 e 2005). De maneira geral, as alterações visaram expurgar dúvidas em relação à interpretação, refletir a prática dos países, bem como adequar o Modelo ao padrão de acesso às informações bancárias definidos pela OCDE6.

Em linhas gerais, o artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE trata do fornecimento de informações entre autoridades fiscais7. Essa cláusula foi introduzida no Modelo de Convenção da oCDE para permitir o acesso de informações do contribuinte no exterior, na medida em que o direito internacional não permite que autoridades fiscais de um país efetuem investigações sobre um contribuinte em território de outro país, sem o consentimento das autoridades deste (consequência da “soberania territorial”). É que, não raras vezes, a aplicação adequada de uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação depende de informações sobre o contribuinte ou uma de suas transações.

os Modelos de Convenção da oNU e dos EUA também possuem cláusula prevendo a troca de informações em matéria tributária (ambos nos artigos 26 dos seus respectivos Modelos de Convenção), que não diferem muito do disposto no artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE. Sobre a semelhança dos Modelos de Convenção da oCDE, oNU e EUA, Klaus Vogel já ressaltava, em 1997, que as principais características do Modelo de Convenção da oNU estavam em consonância com aquelas do Modelo de Convenção da oCDE, mas o texto daquele era mais abrangente. De acordo com o emérito professor alemão, por sua vez, o Modelo de Convenção dos EUA ia além, ampliando e explicitando as obrigações dos países no que tange à troca de informações em matéria tributária8.

Ainda hoje os dispositivos do Modelo de Convenção da oNU continuam em linha com aqueles do Modelo de Convenção da oCDE, especialmente após a revisão efetuada no Modelo de Convenção da oNU em 2008, quando foram incorporadas a maioria das alterações então efetuadas no Modelo de Convenção da oCDE, particularmente no que diz respeito aos parágrafos 4° e 5°9. No que tange ao Modelo de Convenção dos EUA, seus dispositivos também são bastante similares àqueles do Modelo 6 Cf. Comentário 4 ao artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE de 2010.

7 o artigo 26 não trata de assistência jurídica e administrativa em geral, nem de assistência para a arrecadação de tributos, que é objeto do artigo 27 do Modelo de Convenção da oCDE.

8 Cf. Klaus Vogel, ob. cit. item 17 em relação ao artigo 26.

9 Esses parágrafos serão explicados oportunamente no decorrer do trabalho.

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de Convenção da oCDE. No entanto, seu escopo é maior, abrangendo a assistência em matéria de arrecadação de tributos (que é objeto do artigo 27 do Modelo de Convenção da oCDE)10.

Considerando que o Modelo de Convenção da oCDE possui uma maior aceitação pelos países, optou-se, nesse trabalho, por analisar os seus dispositivos em detrimento do texto dos Modelos da oNU e dos EUA. No entanto, os comentários efetuados nesse trabalho em relação ao Modelo de Convenção da oCDE poderão eventualmente servir para a análise do Modelo de Convenção da oNU e dos EUA, na medida em que seus termos sejam idênticos ou semelhantes.

1.1.1 o aRtIgo 26 do modelo de Convenção da oCde

A troca de informações entre administrações tributárias tem dois propósitos principais: a) a prestação de assistência para esclarecer fatos de forma a permitir a aplicação de uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação (aplicação da convenção); b) a prestação de assistência de forma a permitir a aplicação da legislação interna de determinado país e a sua respectiva tributação, desde que a tributação prevista na legislação interna não seja contrária ao previsto na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (aplicação da legislação tributária interna)11.

A partir de 2000, o alcance do artigo 26 foi ampliado. A troca de informações prevista no Modelo de Convenção da oCDE foi alterada, de forma a incluir “impostos de todos os tipos e descrição”, cobrados pelos Estados (ou subdivisões políticas e autoridades locais), no lugar de apenas “impostos abrangidos por essa Convenção”12. Ademais, a partir de 2005, permitiu-se a troca de informações em relação a “não-residentes”. Com efeito, diz-se atualmente que a troca de informações, nos termos em

10 A título exemplificativo, os cinco primeiros parágrafos do Modelo de Convenção dos EUA possuem redação similar ao do Modelo de Convenção da oCDE. o parágrafo 6° prevê expressamente as formas nas quais é possível a troca de informações, enquanto o parágrafo 8° dispõe sobre a possibilidade de fiscalização no exterior. O parágrafo 7°, todavia, cuida da assistência em matéria de arrecadação de tributos, que é tratada pela oCDE, tão somente, no artigo 27 do Modelo de Convenção da oCDE.

11 Cf. Comentário 1 ao artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE versão jul/2010.

12 A esse respeito, enquanto que, em conformidade com a redação anterior, informações relativas aos impostos sobre o consumo ou sobre o valor agregado (no Brasil: ICMS, IPI, ISS, etc.) não poderiam ser objeto de troca de informações, na medida em que esses tributos não eram objeto da Convenção para Evitar a Dupla Tributação, segundo a nova redação, as administrações tributárias podem trocar informações também em relação a esses impostos, permitindo aos Estados autuar e arrecadar esses tributos. Para outros exemplos aplicáveis à troca de informações para a aplicação das convenções e para a aplicação da legislação interna dos Estados, vide VoGEL, Klaus. A Commentary to the OECD, UN and US Model Conventions for the Avoidance of Double Taxation on Income and Capital With Particular Reference to German Treaty Practice. Third Edition, 1997.

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que prevista no artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE, pode ser efetuada “no sentido mais amplo possível”13.

Nos termos das disposições contidas no parágrafo 1° do artigo 26, as autoridades competentes dos Estados-contratantes poderão trocar informações que sejam consideradas como “previsivelmente relevantes” para a aplicação da convenção ou da legislação interna dos Estados. Se, por um lado, o artigo não permite que as autoridades fiscais se utilizem de “buscas aleatórias”14 ou venham a requerer informações que provavelmente serão irrelevantes para os propósitos a que se destinam, por outro lado, não mais se vislumbra a necessidade de que a informação seja “necessária” para se aplicar a convenção ou a legislação doméstica15.

Em relação às formas de troca de informações, deve-se ressaltar que o artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE prevê três diferentes modalidades: (1) a requerimento de um Estado, tendo em mente um caso específico; (2) automática, o que significa que sistematicamente são transmitidas de um Estado a outro determinadas informações; e (3) espontânea, quando supostamente do interesse do outro Estado. o Modelo de Convenção da oCDE destaca, ainda, que as modalidades acima referidas também podem ser combinadas uma à outra, bem como que os Estados podem livremente adotar qualquer outra forma de troca de informações que lhes pareça conveniente16.

A troca de informações entre os Estados contratantes, no entanto, não é ilimitada. Algumas condições e restrições devem ser observadas para que um Estado troque informações com as autoridades fiscais de outro Estado. Essas condições e restrições podem ser encontradas nos parágrafos 2º e 3º do artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE, conforme visto a seguir.

De acordo com o parágrafo 2º do artigo 26 da Convenção Modelo da OCDE, a cooperação administrativa entre as administrações fiscais é condicionada à confidencialidade das informações recebidas. Com efeito, a troca de informações somente pode ocorrer quando o Estado requerente se comprometer a tratar os dados recebidos como sigilosos,

13 Cf. Comentário 2 ao artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE versão jul/2010.

14 Os comentários da OCDE utilizam o termo “fishing expeditions”. Esse termo, no entanto, é bastante criticado por Mcintyre, que entende que a vedação ao “fishing expedition” nada mais é do que uma limitação à troca de informações efetiva, deixando a controvérsia interpretativa sobre o seu verdadeiro alcance para as partes contratantes. No original: “The dual nature of the OECD model is preserved to some degree by language in the OECD commentary prohibiting so-called fishing expeditions (...) How restrictive the‘‘fishing expedition’’ language is intended to be is unclear — a decent reason for avoiding such metaphors in a tax treaty”.

15 Até 2003, os Comentários do Modelo da OCDE utilizavam a palavra “necessária” para se referir às hipóteses em que a troca de informações era permitida. A partir de 2005, esse termo foi substituído por “previsivelmente relevante”, para tornar a troca de informações mais efetiva, evitando a recusa no fornecimento de informações mesmo quando não comprovada, de início, a sua efetiva necessidade.

16 Cf. Comentários 9 e 9.1 ao artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE versão jul/2010.

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da mesma forma que se tivessem sido obtidos em conformidade com as leis internas do Estado requerido. As informações podem, no entanto, ser reveladas a pessoas e autoridades (incluindo cortes e órgãos administrativos) envolvidas na autuação, arrecadação, aplicação ou investigação tributária17.

Além da condição acima mencionada, existem algumas restrições à obrigação de um Estado de dar seguimento a requisições de informações efetuadas por outros Estados18. Segundo o disposto no parágrafo 3º do artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE, um Estado (1) não precisa ir além do permitido pela sua legislação interna ou pela sua prática administrativa para obter e, consequentemente, fornecer informações a outro Estado; (2) pode recusar-se a fornecer informações quando vedada sua obtenção pelo Estado requerente, em razão de dispositivo legal ou da prática administrativa daquele Estado; e (3) pode não fornecer informações que impliquem na divulgação de segredos comerciais, negociais ou industriais, bem como de informações que sejam contrárias ao interesse público19.

A partir de 2005, foram incluídos os parágrafos 4º e 5º da Convenção Modelo da OCDE. O primeiro (§ 4º) teve como finalidade ressaltar que a obrigação de trocar informações é aplicável ainda que o Estado requerido não precise dos referidos dados para fins de sua própria tributação. Assim, de acordo com o parágrafo 4º, os Estados podem utilizar seus mecanismos internos de coleta de dados apenas para obter e fornecer informações para os demais Estados. o segundo (§ 5º) garante que as restrições contidas no parágrafo 3º não obstem a troca de informações detidas por instituições financeiras, bem como a troca de determinadas informações societárias. Em outras palavras, esse parágrafo permite a troca de informações relativas à participação acionária e informações bancárias.

17 A revisão do Modelo de Convenção da oCDE, ocorrida em 2005, ampliou as exceções à clausula de confidencialidade, permitindo o fornecimento de informações também para os órgãos de supervisão. No entanto, nada impede que, caso entendam que essa ampliação é inadequada, em virtude de suas legislações internas, os Estados venham a excluir os órgãos de supervisão do acesso às informações obtidas (Comentário 12 e 12.1 ao Modelo de Convenção da oCDE versão jul/2010).

18 Nas situações acima referidas, o Estado requerido é livre para recusar-se a prestar as informações requeridas. Não obstante, em querendo, o Estado requerido pode vir a prestar as referidas informações (Comentário 17 ao artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE versão jul/2010).

19 Essas restrições não devem ser interpretadas de forma a tornar a troca de informações inviável ou ineficiente. Informações financeiras, incluindo informações e livros contábeis não constituem segredo comercial, negocial ou qualquer outra forma de segredo. Além do mais, muito embora a confidencialidade entre cliente e advogado seja protegida, essa proteção não se aplica aos documentos entregues a um advogado com o propósito específico de evitar a sua apreensão e divulgação (Comentário 19.1 e 19.2 ao artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE versão jul/2010).

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1.2 aCoRdos de tRoCa de InfoRmações em matéRIa tRIbutáRIa (tIeas)

Como já mencionado, não obstante a troca de informações já estar abarcada pelas Convenções para Evitar a Dupla Tributação, tem-se observado, nos últimos anos, um aumento significativo de uma outra modalidade de Convenção, objetivando exclusivamente a troca de informações em matéria tributária: os Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária (TIEAs).

os Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária foram desenvolvidos a partir de estudos efetuados pelo Grupo de Trabalho do Fórum Global da oCDE sobre a efetiva troca de informações, com o propósito de combater as práticas tributárias prejudiciais efetuadas por paraísos fiscais. Trata-se de alternativa ao artigo 26 da Convenção Modelo da oCDE, já que muitos países não estariam dispostos a celebrar Acordos para Evitar Dupla Tributação com “paraísos fiscais”, mas gostariam de obter informações fiscais relativas a contribuintes neles estabelecidos ou com negócios20.

o Fórum Global é composto por membros da oCDE e delegados de diferentes jurisdições tradicionalmente consideradas como “paraísos fiscais”, como Aruba, Ilhas Bermudas, Bahrein, Ilhas Cayman, Chipre, Ilhas de Man, Malta, Ilhas Maurício, Antilhas Holandesas, Seychelles e San Marino. Em abril de 2002, o Fórum publicou um Modelo de Acordo de Troca de Informações em Matéria Tributária em duas partes: uma apresentada como instrumento multilateral21, outra como um acordo bilateral, ambos considerados como satisfazendo o padrão internacional de troca de informações efetivas entre as autoridades fiscais.

Em abril de 2009, a oCDE publicou um novo Progress report (relatório oCDE 2009), segundo o qual as jurisdições que tivessem assinado acordos de troca de informações com ao menos 12 (doze) outras jurisdições, sejam elas membros ou não da oCDE, seriam consideradas como tendo substancialmente implementado o padrão internacional. Com efeito, o Progress Report não se referiu a “paraísos fiscais” e “regimes fiscais preferenciais”, preferindo diferenciar três grupos de jurisdição:

20 Note-se que o relatório da oCDE de 1998 não somente desencorajava os países a celebrarem Convenções para Evitar a Dupla Tributação com paraísos fiscais, como também recomendava que os países denunciassem eventuais acordos do gênero até então celebrados (recomendação n. 12, oCDE Harmful Tax Competition – An Emerging Global Issue, Paris, 1998, p. 49-50).

21 O instrumento multilateral sugerido pela OCDE não é um acordo “multilateral” em seu sentido tradicional. Ao contrário, esse instrumento fornece a base para um conjunto de diversos acordos bilaterais. Uma parte contratante desse instrumento multilateral somente se compromete com relação ao seu conteúdo com aqueles Estados com quem ela assim acordar em seus respectivos instrumentos de ratificação (Introdução, item 5 do Modelo de Acordo de Trocas de Informação da OCDE).

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• jurisdições que implementaram substancialmente os padrões internacionais de troca de informações (lista branca);

• jurisdições que se comprometeram aos padrões internacionais de troca de informações, mas ainda não os implementaram (lista cinza); e

• jurisdições que não se comprometeram aos padrões internacio-nais de troca de informações (lista negra).

Para serem consideradas como jurisdição que substancialmente implementaram os padrões internacionais, um país deve ter assinado ao menos 12 Convenções prevendo a troca de informações efetiva. Esse patamar mínimo de acordos acabou criando um incentivo para que essas jurisdições (antes conhecidas como “paraísos fiscais”) celebrassem acordos do gênero e fugissem das conseqüências tributárias mais severas impostas pela legislação de alguns países em relação às “jurisdições não cooperativas”22. Como consequência, em apenas alguns anos, o Modelo de Acordo de Troca de Informações em Matéria Tributária tornou-se um sucesso. Até o final de 2009, haviam sido celebrados mais de 200 acordos do gênero, tendo esse número crescido ano a ano23.

o Modelo de Acordo para Troca de Informações em Matéria Tributária é destinado a promover a cooperação internacional por meio da troca de informações entre os países para uma melhor implementação e aplicação da legislação tributária interna. E, muito embora quando da elaboração do Modelo de Acordo para a Troca de Informações em Matéria Tributária, o Grupo de Trabalho do Fórum Global da oCDE tivesse em mente sua celebração com “paraísos fiscais”, nada impede que países desenvolvidos e em desenvolvimento venham a celebrá-lo com jurisdições “não paraísos fiscais”. Isso pode se dar quando eles não possuam entre si uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação ou quando a Convenção existente (art. 26) não estiver em consonância com o padrão internacional de troca de informações estabelecido pela oCDE24.

De maneira geral, um Acordo para a Troca de Informações dispõe sobre a troca de informações a requerimento (art. 5°), destacando que nessa hipótese as autoridades competentes do Estado requerido devem

22 A esse respeito, a França publicou a Lei n˚ 2009-1674, em 30 de dezembro de 2009, prevendo diferentes medidas em relação às jurisdições consideradas em desconformidade com o padrão internacional em relação à troca de informações e transparência: os denominados ETNC – États ou Territoires non Coopératifs. Para maiores informações sobre as medidas aplicáveis aos ETNCs em conformidade com a legislação francesa, vide CASTAGNÈDE, Bernard. Précis de fiscalité Internationale. PUF, Paris, 3. ed. 2010, p. 167-175.

23 oECD, Tax Co-operation 2010 – Towards a Level Playing Field: assessment by the global forum on transparency and exchange of information for tax purposes. Paris, 2010, p. 16.

24 A esse respeito, vale destacar que, embora o Brasil não tenha celebrado uma Convenção para Evitar a Dupla Tributação com os EUA, recentemente celebrou um Acordo para a Troca de Informações em Matéria Tributária com aquele pais, o qual será analisado no item III. 2 desse artigo.

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obter e fornecer informações detidas instituições financeiras, bem como informações relacionadas à composição acionária, inclusive de todo o grupo societário. E, vai além, destacando que, ao efetuar o pedido de informações, o Estado requerente deve fornecer uma lista das informações de que necessita, a fim de demonstrar a “relevância previsível” das informações solicitadas25.

Além disso, os Acordos para a Troca de Informações normalmente prevêem a fiscalização no exterior (art. 6°). Com efeito, um Estado pode permitir que representantes do outro Estado entrem em seu território para interrogar pessoas e examinar livros e documentos fiscais de contribuintes sob investigação.

Note-se que, nessa modalidade de acordo, também existem restrições à troca de informações em matéria tributária (art. 7°). Desta forma, um Estado pode recusar-se a prestar informações quando: (1) o Estado requerente não puder obter determinada informação de acordo com sua legislação interna; (2) o fornecimento da informação solicitada implicar em divulgação de segredo comercial, negocial ou profissional; e (3) a informação solicitada puder acarretar violação de sigilo entre cliente e advogado. Uma requisição de informação, todavia, não pode ser recusada sob a alegação de que o crédito tributário que a fundamenta é incerto.

Em linhas gerais, considerando a revisão do artigo 26 do Modelo de Convenção da OCDE ocorrida em 2005, de forma a refletir as práticas até então adotadas pelos vários países e as recentes propostas no plano internacional, inclusive aquelas previstas no Modelo de Acordo para a Troca de Informações desenvolvido pelo Grupo de Trabalho do Fórum Global da oCDE sobre transparência e troca de informações efetiva, o Modelo de Acordo sobre Troca de Informações e o artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE possuem conteúdo bastante semelhantes.

Certamente, a adoção, pela oCDE, do critério segundo o qual uma jurisdição é considerada ou não como “jurisdição não cooperativa” a depender da implementação ou compromisso de celebrar ao menos 12 (doze) acordos prevendo a efetiva troca de informações, nos moldes do padrão internacional estabelecido pela oCDE, incentivou a celebração de vários Acordos para a Troca de Informações em Matéria Tributária. Além disso, a adoção desse critério pela oCDE acarretou a reforma da legislação interna de vários países, em especial, em relação à divulgação de informações fiscais e bancárias, para permitir o fornecimento de

25 Entre as informações que deverão ser fornecidas pelo Estado requerente estão: a identidade da pessoa sobre a qual estão sendo requeridas as informações; uma declaração contendo a natureza e a forma em que o Estado requerente deseja receber as informações solicitadas; a motivação de ordem tributária pela qual a informação foi solicitada; e uma declaração de que o Estado requerente tomou todas as medidas que estavam ao seu alcance para obter as informações solicitadas.

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informações obtidas pelas autoridades fiscais de um país às respectivas partes contrárias dos acordos26.

A esse respeito, é importante destacar que, até o momento, o Brasil ainda não se aproveitou dessa tendência mundial em relação à transparência e a troca de informações para celebrar Acordos para a Troca de Informações em Matéria Tributária27, nem para revisar o conteúdo do dispositivo que trata da troca de informações em suas Convenções para Evitar a Dupla Tributação (normalmente contido no artigo 26), conforme será visto a seguir.

2 PRátICas e PeRsPeCtIvas bRasIleIRas em Relação à tRoCa de InfoRmações

2.1 PolítICa bRasIleIRa nas Convenções PaRa evItaR a duPla tRIbutação

Embora o Brasil não seja membro da oCDE, o governo brasileiro frequentemente faz reservas e observações aos Comentários do Modelo de Convenção da oCDE. Além disso, assim como a maioria dos países, o Brasil segue a estrutura e o conteúdo do Modelo de Convenção da oCDE, efetuando, evidentemente, algumas alterações aos seus dispositivos, conforme sua conveniência. De maneira geral, como o Brasil sempre foi um país que recebeu investimento estrangeiro – portanto, importador de capital - , as Convenções para Evitar a Dupla Tributação por ele celebradas normalmente prevêem dispositivos ampliando a competência tributária do país de fonte28.

o Brasil celebrou a maioria de suas Convenções para Evitar a Dupla Tributação nas décadas de 70 e 80, sendo que atualmente o país conta com 29 Convenções para Evitar a Dupla Tributação em vigor29. 26 LITVAK (2010), Erika G. Selected Update on Tax Information Exchange Agreements in Latin

America. 16 Law & Bus. rev. Am. 335, p. 336-337.

27 Contrariamente ao Brasil, outros países que constituem o denominado “BRIC” celebraram diversos Acordos para a Troca de Informações em Matéria Tributária. Por exemplo, até 25.05.2011, a China celebrou acordos com as Ilhas Bahamas e as Ilhas Virgens Britânica, enquanto a Índia celebrou acordos com as Ilhas Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas de Man, Ilhas Bahamas e Ilhas Cayman. Não há informações a esse respeito em relação à rússia. Para uma lista completa dos Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária (TIEAs). Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/43/59/43775845.pdf>.

28 A título exemplificativo, o Brasil normalmente não adota as limitações à tributação pelo país de fonte previstas no Modelo de Convenção da oCDE (artigos 10, 11 e 12).

29 oECD, Tax Co-operation 2010 – Towards a Level Playing Field: assessment by the global forum on transparency and exchange of information for tax purposes. Paris, 2010. p. 44. De acordo com o site da receita Federal do Brasil. <http://www.receita.fazenda.gov.br>, o Brasil possui, até o momento, 29 Acordos para Evitar a Dupla Tributação, em vigor. Conforme o portal sobre troca de informações <http://www.eoi-tax.org>, de fato haveriam 33 Acordos para Evitar a Dupla Tributação, dos quais 4 ainda não estariam em vigor: Venezuela, rússia, Trindade e Tobago e Turquia. Segundo notícia veiculada em 16.02.2012 no

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Esse número é considerado relativamente baixo comparado com outros países, em especial, países que fazem parte do BrIC (sigla que se refere ao Brasil, rússia, Índia e China), considerados nos dias de hoje como países em estágio semelhante de avançado desenvolvimento econômico, reflexo de uma mudança paulatina no poder econômico mundial nos últimos anos30.

2.2 a tRoCa de InfoRmações nas Convenções PaRa evItaR a duPla tRIbutação

Das 29 Convenções para Evitar a Dupla Tributação atualmente em vigor, todas possuem cláusula prevendo “a troca de informações”31. No entanto, segundo o relatório do Fórum Global da oCDE sobre Transparência e Troca de Informações em Matéria Tributária (“relatório OCDE 2010”), apenas uma parte das Convenções para Evitar a Dupla Tributação prevêem a troca de informações em conformidade com os padrões internacionais (artigo 26 da Convenção Modelo da oCDE)32.

Considerando que as Convenções para Evitar a Dupla Tributação concluídas pelo Brasil foram celebradas ao longo de mais de 40 anos (a primeira Convenção do gênero foi concluída com o Japão em 1967), a redação de seus dispositivos não é exatamente a mesma. Com efeito, tendo em vista a evolução/alteração por que passou o artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE33, nota-se que grande parte das Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas pelo Brasil tiveram por base versões anteriores do Modelo de Convenção da oCDE. Portanto, precisam estes dispositivos serem atualizados para se conformar ao padrão internacional de troca de informações.

Como pode ser observado, nenhuma das Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas pelo Brasil até o momento prevê a troca

site do IBFD <http://www.ibfd.org>, o Brasil estaria, também, em negociações de um Acordo para Evitar a Dupla Tributação com o Uruguai.

30 Sobre o assunto, é importante mencionar o número de Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebrados, até o momento, pela China: 96; pela rússia: 78; e pela Índia: 74 (fonte: http://www.worldwide-tax.com).

31 Não necessariamente no artigo 26 da Convenção para Evitar a Dupla Tributação (algumas vezes a previsão de troca de informações encontra-se no artigo 25: Convenção celebrada com o Japão; outras vezes encontra-se no artigo 27: Convenção celebrada com Israel).

32 OECD, Tax Co-operation 2010 – Towards a Level Playing Field: Assessment by the Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes, Paris, 2010, p. 44. O relatório enfatiza que 5 dos Acordos para Evitar a Dupla Tributação celebrados pelo Brasil não satisfazem os padrões internacionais de troca de informações efetiva, em especial, em razão de dispositivos que asseguram o sigilo bancário na legislação da outra jurisdição. Essa informação contradiz aquelas constantes do portal sobre troca de informações (http://www.eoi-tax.org), segundo o qual atualmente 4 dos Acordos para Evitar a Dupla Tributação não estão em conformidade com o padrão internacional, 10 estão nos referidos moldes, permanecendo o restante, até o momento, sem análise.

33 Sobre a evolução do artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE, vide item II.1 deste trabalho.

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de informações em matéria tributária em relação aos impostos de todos os tipos, incluindo impostos de competência das subdivisões políticas e das autoridades locais. Consequentemente, ainda que uma determinada Convenção para Evitar a Dupla Tributação preveja a troca de informações para a aplicação da legislação tributária interna34, o Brasil não pode solicitar essa informação para aplicar a legislação tributária de suas subdivisões políticas e autoridades locais. Assim, atualmente, Estados e Municípios não podem se valer dessas informações para adequadamente fiscalizar seus respectivos contribuintes.

Além disso, salvo em relação à Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada com o Chile35 e com o Perú36, as Convenções do gênero celebradas pelo Brasil não contêm o disposto no parágrafo 4° do Modelo de Convenção da oCDE, que permite a troca de informações entre autoridades fiscais mesmo quando o Estado requerido não precise da informação para a aplicação de sua própria tributação. Na verdade, em 1997 o Brasil havia efetuado uma observação aos Comentários da Convenção Modelo da oCDE, segundo o qual ele considerava que o artigo 26 “não impunha qualquer obrigação de desempenhar investigações em nome do outro Estado contratante quando nenhum crédito tributário próprio estiver em jogo, na medida em que uma investigação no gênero seria contrária a suas leis e práticas administrativas”37. Essa observação, todavia, foi revogada em 2005.

Da mesma forma, em 1997, o Brasil efetuou uma outra observação, esta em relação à condição de confidencialidade das informações transmitidas a um outro Estado, em conformidade com o disposto no parágrafo 2° do Modelo de Convenção da oCDE. De acordo com a observação então formulada, “seria difícil ao Brasil, em vista de sua legislação interna e práticas administrativas estritas em relação à divulgação das informações obtidas internamente, fornecer informações, salvo quando o Estado requerente tivesse uma legislação interna e prática administrativa comparável”38. No entanto, essa observação também foi revogada quando da revisão de 2005.

34 Nesse sentido, podemos citar as Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas com Argentina, áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Dinamarca, Equador, Finlândia, França, Índia, Israel, etc.

35 Aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n° 331/2003, em 22.07.2003 e promulgada pelo Presidente da república por meio do Decreto n° 4.852/2003, em 02.10.2003.

36 Aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo n° 500/2009, em 11.08.2009 e promulgada pelo Presidente da república por meio do Decreto n° 7.020/2009, em 30.11.2009.

37 No original: “Brazil takes the view that article 26 imposes no obligation on it to carry out enquiries on behalf of a Contracting State in cases where no liability to its own tax is at issue, since to carry out such enquiries would be contrary to its laws and administrative practice”.

38 No original: “Brazil wishes to indicate that with respect to paragraph 11 of the Commentary, it would be difficult for it, in view of its strict domestic laws and administrative practice as to the procedure to make public the information obtained under the domestic laws, to provide information requested unless a requesting State has comparable domestic laws and administrative practice as to this procedure”.

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No mesmo ano, o Brasil efetuou uma reserva em relação à inclusão do parágrafo 5° do Modelo de Convenção da oCDE (que permite a troca de informações detidas por bancos e outras instituições financeiras, bem como relacionadas à composição acionária), possivelmente em razão de incertezas quanto à interpretação, pelo Judiciário, de sua legislação interna39. No entanto, apesar da reserva efetuada pelo Brasil permanecer no Modelo de Convenção da oCDE de 2008, a Convenção celebrada com o Perú dispõe que os Estados contratantes devem obter e trocar informações detidas por instituições financeiras (informações bancárias), bem como informações em relação à participação acionária das empresas, inclusive quando se tratar de ações ao portador40.

Por fim, importa salientar que a Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada com o Perú pode ser considerada como um “divisor de águas” em relação à política de troca de informações da administração tributária brasileira. É que, além de inovadora em vários aspectos, conforme mencionado anteriormente, foi a primeira Convenção para Evitar a Dupla Tributação, celebrada pelo Brasil, em que se especificou as formas em que os Estados deveriam fornecer as informações (declarações de testemunhas e cópias autenticadas de documentos originais, incluindo livros fiscais, informes, declarações, registros contábeis e anotações), bem como que previu a possibilidade da fiscalização simultânea conjunta41.

2.3 a tRoCa de InfoRmações nos aCoRdos PaRa tRoCa de InfoRmações (tIea)

Contrariamente ao que se passa em outros países, a legislação brasileira não adotou o critério - mínimo de 12 (doze) acordos prevendo a troca de informações efetiva- para considerar uma jurisdição como “jurisdição de baixa tributação”, “regime fiscal preferencial” ou “jurisdição não cooperativa”. De fato, o Brasil adota uma lista contendo expressamente todas as “jurisdições de baixa tributação” e os “regimes fiscais privilegiados”, que é divulgada e revisada regularmente pela receita Federal do Brasil42. Consequentemente, para fins de atribuição, pelo Brasil, de tratamento fiscal mais rigoroso às transações entre seus residentes e referidas jurisdições (e.g. alíquota de Ir fonte mais elevada, não dedutibilidade de pagamentos), 39 A Lei Complementar n° 105/2001, que permite a requisição de informações bancárias pela administração

tributária independentemente de ordem judicial vem sendo bastante questionada perante as Cortes brasileiras em todos os graus de jurisdição, inclusive perante o Supremo Tribunal Federal.

40 Para maiores informações, vide LITVAK (2010), Erika G. Selected Update on Tax Information Exchange Agreements in Latin America. 16 Law & Bus. rev. Am. 335, p. 339-340.

41 Cf. artigo 26, parágrafo 3°, da Convenção para Evitar a Dupla Tributação celebrada entre Brasil e Perú, promulgada pelo Presidente da república por meio do Decreto n° 7.020/2009 em 30.11.2009.

42 Atualmente essa lista é regulamentada pela IN/rFB n° 1.037/2010. Para maiores informações, acesse <http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Ins/2010/in10372010.htm>.

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é irrelevante que referida jurisdição tenha ou não celebrado um número mínimo de acordos prevendo a troca de informações efetivas.

Isso não justifica, porém, o reduzido número de Acordo para Troca de Informações em Matéria Tributária celebrados pelo governo brasileiro até o momento. É que, não obstante o Brasil adote o sistema de lista, muitos outros países, em particular, aqueles membros da oCDE, adotam o critério de um número mínimo de acordos (12 acordos) prevendo a troca de informações. Sendo assim, nada mais natural que o Brasil viesse a ser procurado para celebrar Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária por jurisdições pertencentes às listas negra e cinza, especialmente a partir da publicação do Progress report pela oCDE em 2009.

Fato é que o Brasil celebrou apenas 2 (dois) Acordos para a Troca de Informações em Matéria Tributária até o momento43: (1) com a Argentina, em 21 de abril de 2005; e (2) com os Estados Unidos da América, em 20 de março de 200644. Ambos os Acordos para a Troca de Informações em Matéria Tributária celebrados pelo Brasil estão em conformidade com o padrão internacional de transparência e troca de informações estabelecidos pela oCDE. o Acordo celebrado com a Argentina entrou em vigor em 22 de abril de 2005. Todavia, o Acordo celebrado com os EUA permanece pendente de ratificação pelo Congresso Nacional.

Quanto à questão do Acordo para a Troca de Informações celebrados pelo Brasil com os EUA ainda não estar em vigor, mesmo após mais 5 (cinco) anos de sua celebração, isso não significa que o Brasil não irá ratificá-lo internamente. É que a experiência em relação aos Acordos para Evitar a Dupla Tributação com Hungria, Índia, Israel e outros, mostra que entre a assinatura de um acordo internacional e sua ratificação pelo Congresso brasileiro, seguida de sua promulgação pelo Presidente da república podem se passar vários anos45.

Por fim, é importante ressaltar que, embora não hajam notícias de novas tratativas bilaterais para a celebração de Acordos de Troca de Informações em Matéria Tributária pelo Brasil, nosso país demonstrou interesse em aderir ao Acordo Multilateral sobre a Troca de Informações em Matéria Tributária46.

43 Cf. site da receita Federal do Brasil <http://www.receita.fazenda.gov.br> e portal sobre troca de informações da oCDE <http://www.eoi-tax.org>.

44 Houve rumores de que a celebração de um Acordo para a Troca de Informações entre o Brasil e os EUA seria um primeiro passo para a conclusão de um Acordo para Evitar a Dupla Tributação entre os países. Todavia, até o momento não há notícias do desenvolvimentos das negociações nesse sentido.

45 o mesmo se aplica aos Acordos para Evitar a Dupla Tributação celebrados entre o Brasil e a Venezuela (14.01.2005); Brasil e rússia (22.11.2004); Brasil e Trindade e Tobago (23.07.2008); e Brasil e Turquia (16.12.2010).

46 Cf. oECD. The Global Forum on transparency and exchange of information for tax purposes - 31 May – 01 June, 2011: Statement of Outcome – Global Forum Meeting, p. 4.

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2.4 PeRsPeCtIvas em Relação à tRoCa de InfoRmações

Como membro do Fórum Global, o Brasil comprometeu-se a implementar o padrão internacional de transparência e de troca de informações em matéria tributária. o referido padrão internacional consiste: i) no fornecimento de informações a pedido quando elas forem “previsivelmente relevantes” para as autoridades do país requerente; ii) na possibilidade de obtenção dessas informações pelas autoridades fiscais do país requerido; e iii) na existência de mecanismos/dispositivos em vigor que permitam a efetiva troca de informações entre os países.

De acordo com o relatório da oCDE Tax Transparency 2011: report on Progress, efetuado após o encontro do G-20 em Cannes, em novembro de 201147, o Brasil deveria efetuar uma revisão de sua legislação relativa à troca de informações no primeiro semestre de 2011 (Fase 1), bem como de suas práticas de troca de informações no primeiro semestre de 2012 (Fase 2). No entanto, a realidade é outra, já que a Fase 1 somente começou em Agosto/2011, não tendo, até o momento, sido concluída48.

Considerando que as Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas até o momento pelo governo brasileiro foram baseadas, em sua grande maioria, em Modelos de Convenção da oCDE anteriores a 2002, o Brasil poderia se beneficiar de uma revisão geral do artigo 26 de suas convenções. Essa revisão poderia vir a permitir a troca de informações em relação a não-residentes e aos impostos de todos os tipos, incluindo aqueles de competência de suas subdivisões políticas. Da mesma forma, poderia aproveitar a tendência global para discutir e celebrar novos Acordos para a Troca de Informações em Matéria Tributária.

Além do mais, considerando (1) que o Brasil recentemente celebrou Convenção para Evitar Dupla Tributação com o Perú, prevendo a troca de informações em relação às informações detidas por instituições financeiras; e (2) que, em 2010, o Brasil declarou não existirem restrições em sua legislação em relação ao acesso de informações bancárias quando requisitadas durante o procedimento tributário, podendo essas informações serem trocadas com seus parceiros49, parece-nos que o Brasil superou a reserva anteriormente efetuada ao parágrafo 5° dos Comentários ao Modelo de Convenção da oCDE (que permite a troca de informações relativas à composição acionária, bem como das informações detidas por instituições financeiras)50.

47 oECD, Tax Transparency 2011: Report on Progress, p. 56-57.

48 Cf. portal sobre troca de informações da oCDE (http://www.eoi-tax.org).

49 Cf. oECD, Tax Co-operation 2010 – Towards a Level Playing Field: Assessment by the Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes, Paris, 2010, p. 44.

50 De fato, a reserva feita pelo Brasil em relação à inclusão do parágrafo 5° não mais se encontra presente no Modelo de Convenção da oCDE de 2010.

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No entanto, uma decisão recente pode dar uma reviravolta nesse entendimento do governo brasileiro quanto à troca de informações. Em 15 de dezembro de 2010, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que as autoridades fiscais não podem ter acesso às informações bancárias dos contribuintes sem prévia autorização judicial. De acordo com a decisão proferida no rE 389.808/Pr, o disposto na LC n°105/01, que permite o acesso das autoridades fiscais aos dados bancários de contribuintes quando houver processo administrativo ou procedimento instaurado, deve ser interpretado em conformidade com a Constituição Federal (CF/88), tendo como conflitante com esta a que implique afastamento do sigilo bancário.

A esse respeito, o referido acórdão do STF entendeu que a quebra do sigilo bancário não poderia converter-se em instrumento de indiscriminada devassa da vida financeira das pessoas. Ademais, o STF entendeu que as informações bancárias são protegidas pela inviolabilidade do sigilo de dados, prevista no art. 5°, XII, da CF/88. Com efeito, as autoridades fiscais somente poderiam obter informações bancárias do contribuinte, quando houvesse uma decisão judicial nesse sentido51.

Vale ressaltar que, os argumentos em sentido contrário são bastante relevantes. É que, in casu, a lei permite ao fisco identificar o patrimônio, os rendimentos e as atividades do contribuinte como forma de se aferir a respectiva capacidade contributiva, em consonância com o disposto no art. 145, § 1º, da CF/88. Ademais, não se trataria de quebra de sigilo ou da privacidade, mas sim de transferência de dados sigilosos de um órgão (instituição financeira) para outro (RFB), na medida em que este deverá manter essa mesma obrigação de sigilo, sob pena de sua responsabilização.

A questão permanece em aberto, já que a decisão nos autos do rE 389.808/Pr foi objeto de embargos de declaração, que permanecem pendentes de julgamento. Caso mantida a posição do STF sobre a questão do sigilo bancário, esta poderá: i) a uma, colocar em risco a implementação das alterações necessárias ao artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE, pelo Brasil (inclusive aquelas relativas ao § 5° acima mencionadas); ii) a duas, inviabilizar a troca de informações, pelo Brasil, de acordo com o padrão internacional, já que essa pressupõe a possibilidade de obtenção de informações bancárias pelas autoridades fiscais do país.

Seja como for, espera-se que a comunidade internacional, principalmente o Fórum Global e a oCDE, continue pressionando os vários países à adotar a efetiva troca de informações em matéria tributária, nos moldes do padrão internacional. Esse instrumento, que foi aperfeiçoado paulatinamente ao longo dos últimos 40 a 50 anos, conforme visto no decorrer desse trabalho, tem se mostrado extremamente útil no combate

51 STF, rE 389.808/Pr: G.v.a. Indústria e Comércio S/A x União

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à evasão fiscal internacional e na luta contra a concorrência prejudicial praticada pelos denominados “paraísos fiscais”.

3 ConClusões

1) A globalização e a facilidade de movimentação do capital alteraram a política fiscal e a relação dos sistemas tributários dos países. No final do século 20, houve um aumento significativo de investimentos efetuados em “jurisdições de baixa tributação” e “regimes fiscais preferenciais”, também denominados de “paraísos fiscais”, com o propósito de reduzir a carga tributária de pessoas físicas e empresas em seus respectivos países de residência.

2) Para combater o uso abusivo das jurisdições de baixa tributação e dos regimes fiscais privilegiados, a OCDE elaborou um trabalho, identificando as práticas e as medidas necessárias para evitar os efeitos prejudiciais da concorrência fiscal danosa, que resultou na publicação do relatório da oCDE de 1998: Harmful Tax Competition - an Emerging Global Issue. Dentre outras medidas, o referido relatório recomendou que os países desenvolvessem a cooperação internacional por meio da troca de informações.

3) o artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE prevê as bases para a troca de informações em matéria tributária. Além de prever a obrigação, para os Estados, de troca de informações que sejam “previsivelmente relevantes” para a aplicação da convenção e da legislação tributária interna dos Estados-contratantes, esse dispositivo impõe também condições e restrições à obrigação de troca de informações. Ademais, a partir de 2005, foram incluídos os parágrafos 4° e 5°, para esclarecer que o pedido de troca de informações não pode ser recusado simplesmente porque o Estado requerido não tem interesse na informação ou porque a informação é detida por instituições bancárias ou financeiras.

4) os Acordos para Troca de Informações em Matéria Tributária (TIEAs) desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho do Fórum Global sobre a Troca de Informações Efetivas da oCDE também promovem a cooperação internacional em matéria tributária. Um Acordo de Troca de Informações geralmente contém dispositivos similares ao artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE. No entanto, o Acordo de Troca de Informações foca prioritariamente a troca de informações, especificando as condições que devem ser satisfeitas pelas partes contratantes quando da solicitação de informações, bem como prevendo expressamente a possibilidade de fiscalização simultânea no exterior.

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5) o Brasil possui cerca de 29 Convenções para Evitar a Dupla Tributação, ao passo que somente 1 Acordo para Evitar a Troca de Informações em vigor. A maior parte dos dispositivos contidos nas Convenções para Evitar a Dupla Tributação celebradas pelo Brasil é baseada em Modelos da oCDE desatualizados. Esses dispositivos precisam ser revisados para permitir: i) a troca de informações relativas a “não-residentes”; ii) a troca de informações para a aplicação da legislação tributária interna; e iii) a troca de informações em relação a tributos de todos os gêneros, incluindo aqueles de competência das suas subdivisões políticas (e.g. Estados e Municípios).

6) Apesar da reserva efetuada, em 2005, pelo Brasil em relação à inclusão do parágrafo 5° do artigo 26 do Modelo de Convenção da oCDE (que permite a troca de informações detidas instituições financeiras e de informações relacionadas à composição acionária), a Convenção celebrada com o Perú dispõe que os Estados contratantes devem obter e trocar informações detidas por instituições financeiras (informações bancárias), bem como informações em relação à participação acionária das empresas, evidenciando que a reserva efetuada encontra-se superada.

7) No entanto, recente decisão do STF sobre o sigilo das informações bancárias pode causar uma reviravolta na questão. É que, no final de 2010, o STF decidiu que o disposto na LC n°105/01 deve ser interpretado em conformidade com a Constituição, no sentido de que as autoridades fiscais não podem ter acesso às informações bancárias dos contribuintes sem prévia autorização judicial. Com efeito, se mantida a decisão, a troca de informações entre autoridades fiscais nacionais e estrangeiras, nos moldes do padrão internacional, corre risco, já que este pressupõe a possibilidade de obtenção de informações bancárias pelo fisco do país requerido.

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