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1 A LUDICIDADE NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA ÁLGEBRA Priscila Abadia Alves da Costa 1 Prof. Ma. Daniela Souza Lima 2 Resumo: Este artigo é parte de um projeto de pesquisa de especialização e tem como objetivo abordar o uso de atividades lúdicas no ensino da álgebra e analisar a relação de tal metodologia com a construção do conhecimento, na busca por uma aprendizagem significativa que gere mudanças no panorama da educação. De acordo com Almeida (2008) a educação lúdica é uma ação que perpassa toda a vida e sempre aparece de forma convencional em direção a algum conhecimento, dessa maneira procurou-se mostrar a importância do uso de tais recursos no ensino de equações algébricas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que buscou observar o desenvolvimento do pensamento algébrico, tendo por base experiências e saberes prévios dos alunos. Como resultado, foi possível perceber a importância de tais metodologias no ensino da álgebra, uma vez que gera motivação e interesse por parte dos alunos que se sentem responsáveis pela construção de seu conhecimento. Palavras-chave: Aprendizagem; matemática; professor; aluno; lúdico. 1. Algumas considerações iniciais sobre o cenário da educação no Brasil Por que o ensino da álgebra não consegue responder às expectativas? Os índices apontados pelo (Pisa) – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, cujo último resultado foi publicado em 2010, revelam que algo não anda bem com a educação do país, principalmente no que concerne ao ensino da matemática 3 . Porém não há um só culpado para esse fracasso, mas todo um conjunto de fatores que permeiam a educação e que contribuem, cada um de sua forma, para que os resultados não sejam satisfatórios, principalmente no ensino da Álgebra que tende a ser o grande vilão na segunda etapa do ensino fundamental. 1 Aluna do curso de Especialização em Educação Matemática da Faculdade Jesus Maria José – FAJESU. E-mail: [email protected] 2 Docente do curso de Especialização em Educação Matemática da Faculdade Jesus Maria José – FAJESU. E- mail: [email protected] 3 http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/educacao-brasileira-fica-entre-35-piores-em-ranking-global, acesso em 21/02/2014

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A LUDICIDADE NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA ÁLGEBRA

Priscila Abadia Alves da Costa1

Prof. Ma. Daniela Souza Lima 2

Resumo: Este artigo é parte de um projeto de pesquisa de especialização e tem como objetivo abordar o uso de atividades lúdicas no ensino da álgebra e analisar a relação de tal metodologia com a construção do conhecimento, na busca por uma aprendizagem significativa que gere mudanças no panorama da educação. De acordo com Almeida (2008) a educação lúdica é uma ação que perpassa toda a vida e sempre aparece de forma convencional em direção a algum conhecimento, dessa maneira procurou-se mostrar a importância do uso de tais recursos no ensino de equações algébricas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que buscou observar o desenvolvimento do pensamento algébrico, tendo por base experiências e saberes prévios dos alunos. Como resultado, foi possível perceber a importância de tais metodologias no ensino da álgebra, uma vez que gera motivação e interesse por parte dos alunos que se sentem responsáveis pela construção de seu conhecimento. Palavras-chave: Aprendizagem; matemática; professor; aluno; lúdico.

1. Algumas considerações iniciais sobre o cenário da educação no Brasil

Por que o ensino da álgebra não consegue responder às expectativas? Os índices

apontados pelo (Pisa) – Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, cujo último

resultado foi publicado em 2010, revelam que algo não anda bem com a educação do país,

principalmente no que concerne ao ensino da matemática3. Porém não há um só culpado para

esse fracasso, mas todo um conjunto de fatores que permeiam a educação e que contribuem,

cada um de sua forma, para que os resultados não sejam satisfatórios, principalmente no

ensino da Álgebra que tende a ser o grande vilão na segunda etapa do ensino fundamental.

1Aluna do curso de Especialização em Educação Matemática da Faculdade Jesus Maria José – FAJESU. E-mail: [email protected] 2Docente do curso de Especialização em Educação Matemática da Faculdade Jesus Maria José – FAJESU. E-mail: [email protected] 3http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/educacao-brasileira-fica-entre-35-piores-em-ranking-global, acesso em 21/02/2014

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Todavia é preciso levar em conta que a didática usada pelos professores influencia nesse

desgaste da educação matemática.

É necessário buscar maneiras de reverter esse resultado. Procurar metodologias de

ensino que propiciem ao aluno fazer descobertas e trabalhar no desenvolvimento de sua

aprendizagem, pois o mundo de hoje requer que os alunos retirem mais da escola do que

apenas decorar fórmulas e regras que só são utilizadas no dia da prova. É preciso atingir mais

que uma simples formação acadêmica - função propedêutica da escola - é necessário formar

cidadãos em sua integralidade, que saibam lidar com problemas do dia a dia, que sejam

críticos e que tenham o conhecimento suficiente para tomar decisões coerentes, conforme

orienta os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2008). Para tanto, é essencial que o

educador tenha consciência do aluno que tem e do aluno que deseja formar: alguém submisso,

que seja capaz de realizar tudo que lhe é proposto, ou uma pessoa que tem a capacidade de

refletir e que sabe explorar suas potencialidades indo bem mais além do que lhe é solicitado.

No que tange o ensino da álgebra, nos anos finais do ensino fundamental e no ensino

médio, o mesmo tem sido um fator de preocupação para os professores, visto que, muitas

vezes, o quadro e giz não são suficientes para tratar de simbologias e abstrações não tão

comuns para os educandos. Para estes que se deparam com a álgebra logo no sétimo ano do

ensino fundamental durante aulas expositivas, ela passa a ser um infortúnio na matemática,

que era clara e agora cheia de letras e manipulações descompassadas e sem conexão com o

mundo real (Ponte, 2009, p. 8). Isso contribui para tamanha dificuldade em se atingir um

resultado satisfatório na aprendizagem, pois esse é um dos conteúdos que os professores

temem sabendo do custo que é o desenvolvimento do pensamento algébrico e simbólico dos

alunos que na maioria das vezes não têm maturidade para tal.

O paradigma do ensino tradicional da álgebra é um fator prejudicial que ainda

circunda a metodologia de ensino de vários professores de matemática, mas não há de se

culpar apenas o professor por essa falha no processo, pois a implantação de uma didática

diferenciada em sala de aula não é nada fácil e requer muito preparo, domínio das atividades e

dedicação por parte do educador. Além disso, é preciso fazer uma abordagem do contexto

social e cultural em que estão inseridos educador e educando, estabelecendo uma relação do

conteúdo estudado com a vivência do aluno sem abrir mão de suas experiências e

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conhecimentos adquiridos anteriormente, de maneira que o conhecimento seja construído e

não repassado, fato que levaria a uma mudança positiva nos resultados.

Como estratégia para solução desse problema, há alguns anos, educadores

matemáticos têm implantado, como uma de suas metodologias no ensino da álgebra, o uso de

atividades e materiais que instigam o interesse e a criatividade dos alunos durante as aulas, as

chamadas atividades lúdicas4.

O presente trabalho, se constitui de uma pesquisa qualitativa, objeto de estudo do

curso de Especialização em Educação Matemática, e tem como objetivo geral analisar os

resultados obtidos com a inserção de recursos lúdicos no processo de ensino e aprendizagem

da matemática, e como objetivos específicos apontar algumas metodologias didáticas que

podem ser usadas no ensino de equações algébricas - como a manipulação simbólica, com o

intuito de auxiliar no desenvolvimento do pensamento abstrato; e o manuseio de materiais

concretos de forma a contextualizar e relacionar o conhecimento adquirido com o cotidiano

do educando, contribuindo para a consolidação de uma aprendizagem significativa5- e

observar o resultado de tal aplicação tomando-se como base um grupo de seis alunos do

oitavo ano de uma escola pública localizada em Taguatinga - Distrito Federal.

2. Alguns pressupostos teóricos

A matemática está inserida no cotidiano de todas as pessoas de forma explícita ou até

mesmo de forma implícita. E apesar dessa ciência estar relacionada a tudo que temos contato

nas nossas ações do dia a dia, os professores ainda se deparam com barreiras pedagógicas

durante as aulas. Encontram dificuldades principalmente no momento da transposição do

conhecimento científico para o conhecimento escolar, por ter que levar em consideração um

aparato de aspectos relevantes para o processo de ensino e aprendizagem como saberes,

experiências, costumes, cultura, etc., que são trazidos para sala de aula, tanto pelos alunos,

como pelos próprios docentes.

Os PCN (BRASIL, 2008) direcionam o trabalho do professor de matemática para uma

formação integral do cidadão, uma formação para a vida, de meneira que o aluno possa

4 Lúdico, do latim “Ludus”, significa “jogo”. 5 Conceito central da teoria da aprendizagem de David Ausubel.

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resolver problemas do seu cotidiano com o conhecimento que é construído por ele mesmo em

sala de aula. Porém, o professor na tentativa de transpor o conhecimento científico (como

ocorria no movimento Matemática Moderna), em vez do conhecimento escolar, faz com que

os objetivos do ensino da matemática se percam no decorrer do processo de ensino e

aprendizagem.

A matemática escolar já não era diferente da matemática ciência. O ensino se pautava na transmissão de ferramentas, estruturas e proposições lógicas, postulados e teoremas e, portanto, não havia espaço para a construção, a criatividade e a intuição. Assim, o professor, como transmissor do conhecimento matemático, tinha o papel de informador e o aluno, receptor e fiel depositário do conhecimento. A distância entre o aluno e o professor, nesse período, cresce assustadoramente. (SILVA, 2004, p.7)

Em contrapartida, a busca por metodologias que visem à socialização do

conhecimento matemático pelos alunos vem sendo alvo de inúmeros estudos. Como vemos no

trecho seguinte trecho:

A Educação Matemática como área de estudos e pesquisas tem-se constituído por um corpo de atividades essencialmente pluri e interdisciplinares dos mais diferentes tipos, cujas finalidades principais são desenvolver, testar e divulgar métodos inovadores de ensino; elaborar e implementar mudanças curriculares, além de desenvolver e testar materiais de apoio para o ensino da matemática. (MENDES, 2008, p. 9)

O uso de atividades que propiciem o interesse e a interação entre alunos vem se

tornando bastante comum entre os professores de matemática que procuram reverter os

resultados, mas nem sempre tais atividades garantem que resultados positivos sejam

alcançados, isso se dá porque o uso de materiais lúdicos não se encerra por si só. Uma das

possíveis causas desse insucesso se deve à ausência de conhecimento e planejamento por

parte do professor, pois muitos educadores usam estes recursos apenas com o intuito de

propiciar momentos de descontração e recreação, o que foge dos objetivos pedagógicos pré-

existentes na atividade lúdica.

Dinello (2001) aponta as atividades lúdicas para aquelas que proporcionam prazer e

satisfação a quem as pratica de forma que se torna algo agradável sua realização. E usar esse

tipo de atividade pedagógica nas aulas vem sendo algo bem comum para aqueles professores

que buscam um diferencial no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que os alunos

tendem a se interessar pelo que não é comum, e por aquilo que foge da rotina escolar.

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Almeida (2003, p. 13), por exemplo, ressalta a natureza educativa das atividades lúdicas

quando diz:

A educação lúdica está distante da concepção ingênua de passatempo, brincadeira vulgar, diversão superficial. Ela é uma ação inerente na criança, no adolescente, no jovem e no adulto e aparece sempre como uma forma transacional em direção a algum conhecimento, que se redefine na elaboração constante do pensamento individual em permutações com o pensamento coletivo. (ALMEIDA, 2003, p. 13)

Para Almeida (2003) o uso de atividades lúdicas em sala de aula proporciona um leque

de conteúdos que podem ser trabalhados nas várias etapas da educação básica com o uso de

um único material, além disso, vale ressaltar que a aplicação dessas atividades no ambiente

escolar estimula a evolução dos raciocínios cognitivo, dedutivo, indutivo e lógico, além do

desenvolvimento intelectual, do pensamento lógico matemático, e ainda contribui para a

evolução do senso de colaboração e de equipe, além de propiciar a interação entre os sujeitos

do processo. Todavia, para que isso ocorra é preciso que a atividade explorada seja

interessante e desafiadora.

Não obstante, o uso dessas atividades pedagógicas diferenciadas no ambiente escolar -

não só na matemática, mas em todas as disciplinas - diminui a distância entre o professor (que

passa de detentor do conhecimento para mero instrutor, incentivador e observador) e seus

alunos (que se tornam agentes ativos no processo, construtores de seu próprio conhecimento)

contribuindo assim para quebrar o paradigma de que a matemática é uma disciplina que tem

por objetivo “selecionar” como afirma Silva “…é na escola platônica que pela primeira vez a

matemática serve de instrumento de seleção ‘dos melhores’, até hoje empregado em

concursos, vestibulares e até na escola básica.” (SILVA, 2004, p.1 apud MIORIN, 1988, p.

19).

Para Mendes (2008, p. 9) o uso de materiais concretos no ensino da matemática tem-se

constituído como importante ferramenta de intervenção do professor em sala de aula. Todos

esses materiais têm inúmeras estruturas a serem descobertas pelo próprio aluno na construção

de seu conhecimento. Porém, nem sempre o professor usa tal recurso de forma correta,

prejudicando assim a aprendizagem.

No que tange o ensino da álgebra, os professores enfrentam maior óbice para transpor

o conhecimento de sua dimensão científica para a escolar, do que enfrentam em outros

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conteúdos, principalmente por conta de seu simbolismo e abstração. Tal fato se dá porque os

alunos ainda não desenvolveram seu pensamento algébrico de forma plena (em certos casos,

este desenvolvimento não se dá nem mesmo da forma mais elementar). Outros fatores

determinantes são: a dificuldade do professor para mudar sua postura, abrindo mão de suas

metodologias expositivas tradicionais, e o impasse que os alunos enfrentam por não

conseguirem fazer relações entre conceitos tão abstratos com o seu cotidiano. Ponte (2009, p.

8) ressalta o motivo dessas dificuldades quando afirma:

No entanto, esta grande potencialidade do simbolismo é também a sua grande fraqueza. Esta vida própria tem tendência a desligar-se dos referentes concretos iniciais e corre o sério risco de se tornar incompreensível para o aluno. É o que acontece quando se utiliza simbologia de modo abstracto, sem referentes significativos, transformando a Matemática num jogo de manipulação, pautado pela prática repetitiva de exercícios envolvendo expressões algébricas, ou quando se evidenciam apenas as propriedades das estruturas algébricas, nos mais diversos domínios, como sucedeu no movimento da Matemática moderna. (PONTE, 2009, p. 8)

Já Keith Devlin (2002 apud PONTE, 2009, p. 8) reconhece a importância dos

símbolos quando afirma que “sem os símbolos algébricos, uma grande parte da Matemática

simplesmente não existiria”, e Ponte destaca que o grande objetivo do estudo da Álgebra é

desenvolver o pensamento algébrico nos alunos. Sendo assim não há como desvincular o

ensino de equações e sistemas, por exemplo, de seu simbolismo e abstração.

Desta forma para trabalhar o conteúdo definido, e sabendo que a construção do

conhecimento matemático se relaciona com a forma com que é apresentado aos alunos, é

preciso usar recursos metodológicos que os envolvam na edificação de sua aprendizagem para

que assim esta se dê de maneira significativa. Brousseau (1986 apud FREITAS, 2002, p. 67)

destaca essa ação como uma situação didática: Uma situação didática é um conjunto de relações estabelecidas explicitamente ou implicitamente entre um aluno ou um grupo de alunos, num certo meio, compreendendo eventualmente instrumentos e objetos, e um sistema educativo (o professor) com a finalidade de possibilitar a estes alunos um saber constituído ou em vias de constituição (...) o trabalho do aluno deveria, pelo menos em parte, reproduzir características do trabalho científico propriamente dito, como garantia de uma construção efetiva de conhecimentos pertinentes. (apud FREITAS, 2002, p. 67)

Embora uma situação didática seja construída pelas relações pedagógicas

estabelecidas entre três elementos muito importantes: professor, aluno e conhecimento; estes

elementos não são suficientes para garantir uma aprendizagem efetiva. É neste ponto que o

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uso de recursos didáticos diferenciados no ensino de equações pode contribuir para que ocorra

uma aprendizagem significativa de forma que os alunos possam manipular, transformar, e

abstrair dessas ações os conceitos inerentes a este conteúdo.

2.1 Apontamentos Metodológicos

Esta pesquisa faz parte de um projeto de pesquisa realizado em um curso de

Especialização em Educação Matemática, e tem como foco principal analisar o

desenvolvimento do pensamento algébrico e simbólico de estudantes que foram submetidos a

metodologias lúdicas, sejam elas: manipulação simbólica e manuseio de materiais concretos

durante o processo de ensino e aprendizagem. Todavia, para que a pesquisa seguisse apenas o

viés qualitativo, faram analisados os resultados de um grupo específico de seis alunos do

oitavo ano do ensino fundamental. Ao final dessa pesquisa, foi analisada a contribuição do

uso de tais recursos no ensino de equações do primeiro grau com uma incógnita.

A pesquisa foi realizada em duas etapas:

Etapa 1: Num primeiro momento foi feita uma avaliação diagnóstica, figura 1 (que tinha por

objetivo nortear o trabalho a ser desenvolvido, de forma que os saberes e experiências

anteriores fossem usados na construção do novo conhecimento) em que foram detectadas

afinidades e dificuldades encontradas pelos alunos diante do estudo de equações algébricas.

Essa etapa diagnóstica consistiu em verificar o conhecimento algébrico que os alunos já

possuíam e suas perspectivas em relação a tais conhecimentos, e às suas aplicações em

situações cotidianas. Após essa etapa os alunos realizaram uma atividade que consistia em

fazer manipulações de símbolos abstratos e que tinha como objetivos específicos: conhecer o

conceito de equilíbrio entre dois elementos e entender o significado de uma balança como

uma igualdade entre dois membros; fazer manipulações com elementos de uma balança de

forma que a igualdade permanecesse e reconhecer essas manipulações como operações de

somar, subtrair, multiplicar e dividir nos dois membros; compreender um valor desconhecido,

numa relação de equilíbrio, como uma incógnita que pode ser representada por letras ou

símbolos e saber encontrar esse valor; aplicar esses conhecimentos na resolução de situações

problemas.

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Figura  1

Figura  2  -­‐  Aluno  1

Etapa 2: Foram inseridos nas aulas materiais concretos – balanças, objetos com massas

definidas e objetos com massa a definir - com objetivo de sistematizar e contextualizar os

conhecimentos adquiridos, relacionando as aprendizagens construídas pelos alunos com suas

experiências e saberes anteriores, e com problemas do seu cotidiano, contribuindo assim para

que ocorresse de fato uma aprendizagem significativa. Após esse momento os alunos fizeram

uma avaliação final em que puderam analisar a construção e a evolução de seu conhecimento.

2.2 Resultados obtidos

Etapa 1: Nesta etapa diagnóstica os alunos apontaram os pontos que sentiam maior

dificuldade de entendimento no conteúdo que já havia começado a ser estudado no ano

anterior. Durante a analíse desse passo, percebemos que os dicentes encontravam obstáculos

principalmente no momento de fazer a interpretação das informações contidas nos problemas

e na montagem das equações. Conforme mostrado na figura 1, o problema consistia apenas

em interpretar e equacionar informações simples.

Problemas propostos em atividade com fins diagnósticos:

Dos seis alunos, apenas um conseguiu interpretar as informações do problema e

montar a equação.

Protocolos referentes à resolução de problemas:

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Os demais alunos encontraram muita dificuldade em montar corretamente as equações

e determinar os valores desconhecidos. Na imagem a seguir (figura 4), vemos que apesar do

aluno conseguir interpretar as informações do problema, fica evidente que o mesmo não

entende a noção de igualdade entre os dois membros da equação e simplismente realiza as

operações apresentadas sem realmente entender o que significa cada procedimento. Tal

incoerência na resolução está mais acentuada no problema 2, onde o aluno representa “a soma

de um número com seu trplo” por “𝑥 + 3”, e não leva em consideração o “triplo do número”

como 3𝑥. Outro ponto que nos chama atenção é o fato do aluno se preocupar em “passar o

número para o outro lado e mudar o sinal”, tal inconguência é decorrente da mecanização

proposta por muitos professores ao iniciar o estudo das equações agébricas. Essa atitude de

repetição, a que os alunos são submetidos, faz com que estes realizem procedimentos, na

resolução de equações, sem sentidos e desconexos com qualquer forma de reflexão. Os alunos

não pensam no motivo pelo qual realizam uma operação, o que deveria acontecer sempre,

apenas sentem a obrigação de operar e justificam tal ação com expressões do tipo: “passei pro

outro lado por que é assim que faz, e mudei o sinal de + para -, porque quando trocamos de

lado, trocamos o sinal”.

Figura  3  -­‐  aluno  1

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Figura  6  -­‐  manipulação  simbólica  realizada  em  grupo

Após esse momento, foi dado início a parte final na 1ª etapa. Os alunos realizaram

uma atividade, em grupo, onde deveriam manipular símbolos e figuras em situações de

balanças, e equacionar tais situações. Nessa fase os alunos, primeiramente, refletiam sobre o

problema que era proposto, e definiam em conjunto o que deveria ser feito para resolvê-lo.

Faziam comparações entre os objetos presentes nos dois lados da balança, retiravam figuras

com valores equivalentes dos dois lados, até que fosse possível determinar o valor do objeto

desconhecido. E depois, explicavam, com suas palavras, os procedimentos que haviam

realizado. Tal atividade reforçava o entendimento sobre o equilíbrio que deveria existir entre

os membros da balança=equação, pois reconheciam que tudo que fizessem em um dos lados,

deveriam fazer do outro, para que a balança não perdesse o equilíbrio.

Figura  4  -­‐  aluno  2

Figura  5  -­‐  aluno  2

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No momento em que foi proposto o trabalho em conjunto, os alunos mostraram maior

empenho e motivação em realizar o que era pedido. Os mesmos faziam questão de mostrar o

que sabiam e onde os colegas estavam errados quanto ao seu pensamento algébrico. Como

exemplo, um dos alunos afirmava que no item (c) da exercício 1 (figura 6) a massa do

triângulo era igual a massa do hexágono, e que ambos tinham massa igual a 7,5g, enquanto

que outro aluno o interrompeu dizendo que não necessariamente isso seria verdade, pois como

as figuras eram diferentes, também poderiam representar massas diferentes. Houve mútua

cooperação entre eles e coube ao professor apenas o papel de mediador da ação, este somente

definiu os objetivos da atividade, instruiu e apoiou os alunos nas suas ações de iniciativa,

criatividade, e construção do saber.

As respostas dadas nesta atividade evidenciaram que os próprios alunos construíram

algumas noções referentes a conceitos abstratos, como a noção de equilíbrio = equidade, e a

partir desses saberes, foram capazes de determinar, por si mesmos, valores numéricos dos

símbolos manipulados, produzindo, mesmo que em grupo, novos conhecimentos e mostrando

avanço no seu pensamento simbólico.

Um ponto de extrema pertinência que deve ser levado em consideração neste momento

é o fato de que os alunos conseguiam estabelecer relações com as aprendizagens novas e sua

vivência. Uma situação de balança, é algo muito comum na vida de todas as pessoas, e usar

Figura  7-­‐  produção  em  grupo

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essa contextualização, colaborou para que os alunos percebessem a utilidade da álgebra em

suas vidas, o que contribuiu para que os mesmos vissem sentido nos símbolos, nas operações

e nos valores encontrados, gerando motivação e curiosidade.

Etapa 2: Nesta fase, ainda com foco na utilização de recursos lúdicos no ensino da álgebra,

foram introduzidos alguns materiais concretos no processo, visando à contextualização e

sistematização dos conhecimentos produzidos pelos dicentes. Os alunos construíram suas

balanças e demonstravam para os outros quais deveriam ser os procedimentos para se

encontrar um valor desconhecido.

Essa atividade foi concretizada com uma avaliação de aprendizagem realizada no final

do processo e como vemos na figuara 8 os alunos conseguiam explicar, com suas próprias

palavras, o significado de igualdade e como encontrar o valor de uma incógnita.

Análise dos resultados:

Figura  8  -­‐  avaliação  final  -­‐  aluno  3

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A socialização, a interação e a participação dos alunos nas aulas é um fator muito

importante para que de fato ocorra um a aprendizagem significativa. Nesse ponto o uso de

metodologias que propiciem essas ações no ambiente escolar tem grande valia para que a

educação matemática atinja sua finalidade. Não obstante, o uso de recursos lúdicos criam

ambientes excelentes para o desenvolvimento de habilidades como o raciocínio e contribui

ainda para o desenvolvimento intelectual do educando.

Com base no exposto e após uma análise dos resultados obtidos na pesquisa,

observou-se que os objetivos elencados na etapa 1 foram alcançados de forma satisfatória

pelos alunos, como mostrado na figura 8. Dentre esses objetivos: os alunos reconheceram

uma situação de balança equilibrada como uma equação; mostraram entender o conceito de

equidade entre os dois membros de uma equação; visualizaram as manipulações realizadas

como operações de somar, subtrair, multiplicar e dividir; compreendereram o valor

desconhecido como uma incógnita e souberam encontrar esse valor interpretando e

equacionando de forma correta as informações contidas na representação simbólica de

balança; e por fim, demonstraram entender todas as etapas necessárias para se determinar o

valor da incógnita na equação. Todos esses fatores apontados evidenciam que a aprendizagem

de fato ocorreu deixando de lado a mera memorização e mecanização de algoritmos.

Além disso, foi possível perceber a grande importância do uso dos materiais concretos

(etapa 2) no que diz respeito a contextualização do conteúdo estudado, pois essa atividade

proporcionou um ambiente de criatividade e descobertas em que os alunos percebiam uma

matemática que poderia ser usada em atividades simples do dia a dia, o que gerou mais

interesse no conhecimento que era construído. Ainda na etapa 2, os alunos mostraram uma

evolução do pensamento algébrico, o que foi percebido na avaliação final (imagem 8) e nas

respostas dadas quando eram questionados quanto a sua aprendizagem.

Tal resultado mostra que a metodologia é muito eficiente no ensino de equações, pois

possibilita ao aluno fazer parte do processo da construção de sua própria aprendizagem de

forma corresponsável, fazendo descobertas, interagindo com o grupo, o que contribui para o

desenvolvimento do pensamento simbólico, que na grande maioria das vezes não é alcançado

com o ensino tradicional da álgebra.

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Outro ponto de grande relevância foi a mudança de visão dos alunos em relação ao

ensino da matemática. No momento em que foi proporcionado a eles participarem ativamente

do processo, os mesmos se mostraram mais atentos e interessados em entender a aplicação da

álgebra em atividades cotidianas, o que facilitou para a criação de um ambiente propício para

a participação, a interação e a cooperação entre os alunos.

3. Considerações Finais

O ensino da álgebra demanda metodologias capazes de superar o cenário atual, de forma

que a construção do conhecimento de fato ocorra. Todavia é necessário que os educadores

matemáticos busquem metodologias que sejam capazes de gerar interesse nos alunos para que

estes passem a ser agentes ativos no processo da aprendizagem. Sabemos que atitudes como

essas requerem um esforço maior, o que tira o professor de sua zona de conforto, e essa

conformidade acaba por prejudicar o avanço na busca por melhores resultados no ensino da

matemática. Entretanto existem inúmeros recursos disponíveis para serem utilizados em sala

que podem auxiliar no processo e como um de seus vários vieses podemos citar os recursos

lúdicos que, sendo empregados de forma correta, produzem efeitos positivos na

aprendizagem.

É evidente que não existe uma receita para a aprendizagem significativa, todavia, se bem

utilizados, os materiais lúdicos constituem eficazes metodologias no ensino, principalmente

na resolução de situações-problema, onde o aluno além de desenvolver seu raciocínio ainda

precisa buscar uma linha de resolução baseadas em elucidações próprias.

A intenção deste trabalho foi discutir possibilidades de metodologias auxiliadoras no

trabalho docente de forma que os alunos mudem sua perspectiva em relação ao ensino da

matemática. Almejamos trazer com este estudo uma contribuição para os professores que

buscam métodos de ensino diferenciados, na tentativa da consolidação de uma aprendizagem

significativa por seus alunos, e que desejam fazer um transformação na forma como ensinar.

Esperamos ainda, que subsidie pesquisas ulteriores que versem sobre este assunto, visto que a

educação lúdica possui uma gama muito diversificada de atividades que podem ser usadas de

forma auxiliar no ensino da matemática e seria inviável tratar de toda essa dimensão nessa

pesquisa pois fugiria dos objetivos propostos.

Page 15: A LUDICIDADE NO PROCESSO DE ENSINO E … · 1 A LUDICIDADE NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA ÁLGEBRA Priscila Abadia Alves da Costa1 Prof. Ma. Daniela Souza Lima 2 Resumo:

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