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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
ROSEMEIRE MOREIRA LEITE
A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos Léxico-Gramaticais no Espaço do Ensino-Aprendizagem da
Educação Formal
MESTRADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO 2014
ROSEMEIRE MOREIRA LEITE
A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos
Léxico-Gramaticais no Espaço do Ensino-Aprendizagem da
Educação Formal
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação da Profa. Doutora Jeni Silva Turazza.
SÃO PAULO
2014
ROSEMEIRE MOREIRA LEITE
A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: Recursos Léxico-Gramaticais no Espaço do Ensino-Aprendizagem da
Educação Formal
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Língua Portuguesa, sob a orientação da Profa. Doutora Jeni Silva Turazza.
Área de concentração: Data da defesa: __ de____________________ de _____ Resultado:_____________________________________ BANCA EXAMINADORA _________________________________________ _________________________________________ _________________________________________
Autorizo, para fins exclusivamente acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta Dissertação por processos fotocopiadores ou eletrônicos. Ass. _______________________________ ___ de_______________de 2015.
A todos que anseiam pela formação de leitores proficientes e, especialmente, aos que trabalham para que a leitura significativa não seja somente um sonho.
AGRADECIMENTOS
Sou muito grata pela minha vida tal qual ela tem sido desde que nasci até a
concretização desse momento tão especial. Agradeço a Deus pela família que me deu, a
iniciar pela MÃE maravilhosa que não viveu para me ver realizar este sonho, mas que
daria a própria vida para que eu o realizasse.
Sou grata ao meu esposo, companheiro e cúmplice, que sempre acreditou em mim e me
apoiou mesmo quando eu não mereci o seu apoio, e à minha filha Luiza, pequena leitora
que me inspira na busca da formação de leitores proficientes. Obrigada, filha, por ser tão
pequena e já compreender minhas ausências e por retribuir o meu amor incondicional por
você.
Às amigas Elaine e Meire, por fazerem parte de toda minha trajetória de busca pela
formação do leitor proficiente, desde quando eu era apenas uma menina que sonhava, e
às amigas, Adriana, Laura e Silvia, que conheci no mestrado e que tornaram meus dias
mais felizes.
Agradeço à professora Jeni, a melhor orientadora que eu poderia ter! Sou extremamente
grata por todas as tardes em que fui inebriada pelo seu conhecimento, cultura,
acolhimento e bondade! Obrigada por ter sido minha orientadora e, muitas vezes, amiga,
conselheira e até um pouco mãe, nos momentos em que eu precisei de colo.
Sou grata também às professoras examinadoras por todas as contribuições. À professora
Regina, minha querida Reca, primeiramente, pelo curso maravilhoso de discurso
científico, depois pela correção e revisão apurada de meu capítulo teórico e pela leitura
generosa e todas as intervenções no exame de qualificação. À professora Magali, pela
objetividade e precisão de seus apontamentos, todos cruciais para que meu objeto de
pesquisa fosse contemplado.
A todos os professores do curso pelas contribuições para o meu projeto e para minha
formação geral, aos colegas pesquisadores do DIPLE, com os quais eu aprendo muito
todas as semanas e, em especial, ao professor Cassiano, por quem eu tenho grande
respeito e admiração.
LEITE, Rosemeire Moreira. A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: recursos léxico-gramaticais no espaço do ensino-aprendizagem da educação formal. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2014.
RESUMO
Esta Dissertação situa-se na linha de pesquisa Leitura, Escrita e Ensino da Língua
Portuguesa, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Língua Portuguesa da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e tematiza os processos de construção de
sentidos, desenvolvidos por meio da leitura significativa do texto escrito.
Fundamentada pelos princípios e pressupostos da Educação Linguística, bem como da
Linguística Textual de vertente sócio interacionista, a presente pesquisa tem por objetivo
principal a reflexão sobre teorias e práticas para a formação leitores proficientes, capazes
de atribuir sentidos aos textos escritos, por meio do diálogo e da interação com os
mesmos.
Embora a leitura seja tematizada em muitas pesquisas acadêmicas de significativo
prestígio, ainda há muito a ser conquistado nas práticas de ensino-aprendizagem desse
tema na escola formal. Sendo assim, a motivação desse trabalho associa-se aos
péssimos resultados revelados por avaliações nacionais e internacionais voltadas à
caracterização dos leitores formados pela escola regular contemporânea.
Para tal, os estudos serão organizados, inicialmente, por uma pesquisa bibliográfica de
caráter historiográfico, com intuito de situar historicamente a educação formal no que se
refere ao ensino da leitura do texto escrito desde sua origem e, posteriormente, pela
apresentação de métodos e concepções de leitura e de sua aprendizagem significativa,
culminando em uma proposta de sequência didática orientada pelos princípios da
Educação Linguística que norteiam essa dissertação.
PALAVRAS-CHAVE: Leitura; cognição; Educação Linguística; ensino-aprendizagem.
LEITE, Rosemeire Moreira. A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: recursos léxico-gramaticais no espaço do ensino-aprendizagem da educação formal. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2014.
ABSTRACT
This dissertation was written by following reading, writing and teaching research of
Portuguese language, belonging to the postgraduate Studies program in Portuguese
Language from the Pontifical Catholic University of São Paulo and discusses the
processes of construction of senses, developed through the reading of written text.
Based on the principles and assumptions of Linguistic Education, as well as the Textual
Linguistics of interacting strand partner, this research has as main objective the reflection
on theories and practices for training proficient readers, capable of assigning senses to
written texts, by means of dialogue and interaction with them.
Although the reading is themed in many academic research of significant prestige, there is
still much to be achieved in the teaching-learning practices of this theme in formal school.
Thus, the motivation of this work associates to lousy results revealed by national and
international assessments focused on characterization of regular school formed by
contemporary readers.
To this end, studies will be organized, initially by a literature search of historiographical
character, in order to situate historically formal education with regard to the teaching of
reading text written in their origins and, subsequently, by the presentation of methods and
conceptions of reading and its meaningful learning, culminating in a proposal of didactic
sequence guided by principles of Linguistic Education that guide this dissertation.
KEYWORDS: Reading; cognition; Linguistic Education; teaching and learning.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.................................................................................................................
CAPÍTULO I – A HISTÓRIA DA LEITURA PELA HISTÓRIA DO TEXTO ESCRITO....
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAS...................................................................................
1.2 A ESCRITA DO SISTEMA NUMÉRICO E DO SISTEMA ALFABÉTICO................
1.3 A APRENDIZAGEM ESCOLAR DA LEITURA E DA ESCRITA: O PAPEL SOCIAL
DO ESCRIBA....................................................................................................
1.4 A FORMAÇÃO DO LEITOR E O SEU PAPEL SOCIAL: RESGATE DO PASSADO
PELO PRESENTE........................................................................................
1.4.1 A LEITURA E O LEITOR ENTRE O VOLUMEM E O CODEX........................
1.4.2 O LEITOR DO VOLUMEM NO TEMPO DOS MANUSCRITOS......................
1.4.3 O LEITOR ENTRE O CODEX E A IMPRESSÃO............................................
1.5 A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO: UM NOVO JEITO DE LER..............................
1.6 A HISTÓRIA DO ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA......................................
1.6.1. A HISTÓRIA DAS CARTILHAS......................................................................
1.7. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................
CAPÍTULO II - FUNDAMENTOS TEÓRICOS: FACILIDADES E DIFICULDADES
PARA A APRENDIZAGEM DE PRÁTICAS DE LEITURA...........................................
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS..................................................................................
2.2 MODOS DE DIZER E DE OUVIR AS VOZES LEITORAS DO PASSADO.............
2.2.1 AS LEITURAS EM VOZ ALTA E A SILENCIOSA NA EUROPA OCIDENTAL .......
2.3 AS PERMANÊNCIAS NAS DIVERSIDADES: MODELOS DE PRÁTICAS DE
LEITURA.......................................................................................................................
2.4 O TEXTO PRODUTO E O TEXTO PROCESSO PELO ATO DA LEITURA ..........
2.4.1 O PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES PELO PRODUTOR-LEITOR
2.4.2. A CORRELAÇÃO ENTRE LINGUAGEM-LÍNGUA E FALA:
PENSAMENTO E COGNIÇÃO ............................................................................
2.4.3 COGNIÇÃO E MEMÓRIA: MODELOS DE PROCESSAMENTO DE
INFORMAÇÕES ....................................................................................................
2.4.4 A MEMÓRIA SEMÂNTICA DO LONGO PRAZO E SEUS ARMAZÉNS.......
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2.5 A APRENDIZAGEM DA LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO...........
2.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................
CAPÍTULO III – Procedimentos Didáticos: O Ensino-Aprendizagem de Práticas
Significativas de Leitura - Uma Proposta.................................................................
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...............................................................................
3.2 TEXTO: “GEOGRAFIA”, MILLÔR FERNANDES ..................................................
3.3 OS GÊNEROS DISCURSIVOS NA CONCEPÇÃO SÓCIO-RETÓRICA................
3.4 QUADRO DE INTERPRETAÇÃO.............................................................................
3.5 O PLANEJAMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA...................................................
3.6 O DESENVOLVIMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA – ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
3.6.1 A APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO
3.6.2 A PRODUÇÃO INICIAL: A FASE DA PRÉ-LEITURA – PESQUISA
3.6.3 PRIMEIRO MÓDULO – RECONHECENDO O GÊNERO
3.6.4 SEGUNDO MÓDULO – DIALOGANDO COM O TEXTO
3.6.5 TERCEIRO MÓDULO – AMPLIANDO O REPERTÓRIO SOBRE O TEMA
3.6.6 PRODUÇÃO FINAL
3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................
CONCLUSÃO.................................................................................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................................
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A LEITURA SIGNIFICATIVA DO TEXTO ESCRITO: RECURSOS LÉXICO-GRAMATICAIS NO ESPAÇO DO ENSINO-APRENDIZAGEM DA EDUCAÇÃO
FORMAL.1
INTRODUÇÃO
Esta Dissertação compreende um estudo sobre os processos de produção de
sentidos dos quais resultam textos que, registrados em língua oral ou escrita,
são concebidos como produtos das interações sociais humanas por meio das
quais sempre foi assegurada a comunicação de conhecimentos de mundos
entre os homens. Nessa acepção, os autores das obras consultadas sobre
essas questões textuais-discursivas passam a afirmar que os humanos sempre
falaram e falam por textos coesos e coerentes, e não por palavras isoladas
inseridas na moldura das frases ou mesmo de frases combinadas ou
articuladas entre si. Trata-se de um tema bastante complexo, pois a concepção
de texto escrito sempre esteve presente entre os estudiosos da linguagem,
embora o seu ensino-aprendizagem fosse orientado, até então, por uma
perspectiva gramatical, qual seja: ele era/é formado por um conjunto de letras
que, articuladas ou combinadas entre si, responde pela produção de sílabas.
Essas, por sua vez, também são combinadas entre si para formarem as
1 Apresenta-se, junto ao título desta dissertação, a subsequente tirinha da Mafalda, a qual, por meio de
um paradoxo entre as ideias de atraso e progresso, possibilita uma reflexão sobre o número significativo de pessoas analfabetas no mundo. A personagem Mafalda foi criada pelo cartunista Quino, no contexto dos anos 60, tem apenas seis anos de idade, odeia sopa, adora os Beatles, tem uma visão humanista e vive questionando o mundo a sua volta. Por esta última característica, Mafalda foi eleita para abrir cada um dos capítulos deste trabalho, convidando nosso leitor a refletir e, tal qual a personagem, a questionar, pois, com certeza, a reflexão pautada nos conhecimentos prévios de cada sujeito é inerente ao processo de aquisição da leitura significativa aqui em pauta.
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palavras cuja combinatória implica a produção de orações que, combinadas
entre si resultam na produção de períodos que, por sua vez, combinados em
parágrafos formam os textos.
Essa concepção de texto fundada ou orientada por uma perspectiva gramatical,
herdada dos estudos greco-romanos, responderá pela sistematização de um
modelo de ensino-aprendizagem, cujo eixo situará a gramática das línguas
humanas como matriz produtora de textos, concebendo-os como estruturas
formais de uma dada língua e delas excluindo questões referentes à produção
de significados e/ou de sentidos. Para Lomas, Osoro e Tusón (1993) essa
concepção reducionista de texto resulta de um ponto de vista, orientado por
estudos que deixaram de observar ou de pontuar que, mesmo para os gregos,
a língua não se explicava como um objeto compreendido em si e por mesmo,
visto ser ela uma das dimensões por meio da qual a linguagem humana se
desenvolve e se explica pelo exercício das atividades de fala. A língua, nesse
sentido, já se fazia compreender como criação e criatura dos fatos de
linguagem, visto que, ao aprender uma língua, os homens desenvolvem a
linguagem e, ao fazer usos diferentes e variados dessa mesma língua, colocam
a linguagem em ação pelo exercício das atividades de fala e, assim
procedendo, desenvolvem a linguagem. Nessa acepção a língua,
compreendida como um conjunto de elementos léxico-gramaticais por meio dos
quais os homens denominam e designam seus conhecimentos de mundos,
organizados e ordenados como fatos de linguagem, respondem pela
materialidade ou objetividade desses conhecimentos produzidos pelo
pensamento e expressos por atividades de fala, quando são comunicados a
outros para se tornarem “comuns”. Assim sendo, a língua se qualifica como
meio de comunicação que assegura os processos de nomeação e os modos de
dizer, de expressar os conhecimentos produzidos e por ela designados.
Trata-se, portanto, de um tema bastante amplo e complexo e, segundo V.Dijk
(2004), esses processos respondem pela produção de sentidos que
asseguram, por um lado, a leitura de textos escritos e, por outro, a produção
desses mesmos ou de novos textos de que se ocupam os escritores que
sempre estão em busca de leitores para que tais textos possam ter suas
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existências asseguradas pelas práticas de suas respectivas leituras. Por
conseguinte, é a leitura que confere aos textos escritos existência e valor.
No contexto dessas considerações, o tema dessa pesquisa foi delimitado à
produção de sentidos circunscrevendo-o às práticas de leitura, muito embora
os processos de composição de textos escritos, designados no espaço das
práticas escolares como “redação”, sejam explicados por movimentos
contrários àqueles desencadeados pelas ações que orientam as práticas de
leitura. Pontua-se que a compreensão desse processo unívoco - explicitado
pela dupla lateralidade ou duas faces constitutivas da unidade que qualifica a
produção de sentidos - é uma das grandes dificuldades com que se deparam
os professores de Língua Portuguesa, no exercício de suas práticas de
docência.
Segundo os autores consultados para o desenvolvimento da pesquisa, a
origem dessas práticas inadequadas tem por marco a história da própria
invenção da escrita, indissociável da própria invenção da escola e,
consequentemente, da criação do papel social de professor: marco fundador da
denominada “civilização da escrita”, precedida da chamada “civilização do
oral”. Entre a longevidade desses dois tempos, diferenciados pelos
historiadores como aquele da “pré-história”, ou seja, quando a escrita não
existia, e o da “história da humanidade”, é preciso situar modelos de
sociedades que ignoravam, dentre as várias instituições do Estado moderno
contemporâneo, a instituição escolar.
Essas formações sócio-cultural-históricas, entretanto, ocupavam-se com
modelos educacionais voltados para a formação de suas crianças e jovens;
contudo, o ensino-aprendizagem dos bens culturais materiais ou não materiais,
capazes de assegurarem as normas de convivência e de sobrevivência eram
ensinados pelos adultos. A aprendizagem compreensiva desses bens ocorria
no fluxo das próprias práticas sociais do cotidiano da vida comunitária de
sociedades tribais, de modo a serem aperfeiçoados, reinventados, ou mesmo
aprimorados. Esse modelo de prática de docência pelo qual todos os adultos
eram responsáveis, segundo Aranha (2006) denomina-se “educação difusa”,
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em contraposição à “educação formal” que as sociedades letradas, modernas e
históricas, constroem, ao longo do tempo de suas existências, com a instituição
escolar como responsável pelo ensino da língua escrita, onde é criado e
institucionalizado o papel social de professor.
Nesse contexto, as dificuldades para se aprender a ler textos escritos, ou
escrever os produtos dessas leituras são indissociáveis de conhecimentos
teóricos herdados de nossos antepassados para quem essas práticas foram
ensinadas-aprendidas, durante milênios, mas dissociadas entre si e, ainda
hoje, não se pode afirmar que tal dissociação tenha sido superada.
Para Lerner (2002) não se pode negligenciar que, embora as práticas de
produção textual-discursiva existam há muito tempo e sejam ensinadas e
aprendidas de modo independente, é preciso pontuar que elas ainda hoje se
encontram bastante distanciadas dos estudos científicos da linguística
contemporânea. Segundo a autora, embora as ciências da linguagem não
possam oferecer ao professor de forma direta e precisa o objeto de referência a
ser por ele ensinado, de sorte a precisar o objeto do seu ensino, tornando-se
significativas elas possibilitam “explicitar alguns dos conteúdos que devem
estar em jogo na sala de aula” (p.62) e que orientam as práticas de docência
que se fazem ou devem se fazer significativas para o ensino-aprendizagem
proficiente da leitura e/ou dos processos de composição do texto escrito.
Essa concepção referente às práticas sociais de produção de sentidos
referentes no que tange à linguagem possibilita que se compreenda ser a
leitura de textos escritos e a escrita de leituras, dois percursos que se
entrecruzam tanto no campo da pesquisa, quanto no campo do ensino-
aprendizagem, principalmente quando o propósito é tematizar uso e as funções
sócio-cultural-históricas de uma dada língua, nesse caso, a materna.
Assim, ao situar a pesquisa no campo do ensino, de modo a privilegiar a
aprendizagem da leitura, faz-se necessário assegurar a indissociabilidade
acima registrada não só quanto aos fundamentos ou pressupostos teóricos
sobre os quais ela deve estar ancorada, mas também privilegiar essa mesma
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relação indissociável no campo do ensino-aprendizagem. Logo, ao se
pressupor práticas de docência implicadas no ensino-aprendizagem da leitura é
preciso pressupor, ao mesmo tempo, práticas de docência implicadas no
ensino-aprendizagem dos processos de composição da escrita, ou produção
de texto, de modo a concebê-los como as duas faces de uma mesma moeda.
Ressalta-se que, segundo Santana (2007), em se tratando da aprendizagem da
escrita, devem-se privilegiar estudos sobre a revisão cooperada do texto, o que
ainda é bem pouco praticado devido ao reduzido número de publicações sobre
pesquisas que tematizam a produção de textos escritos nos espaços da
academia, quando comparado ao crescente número de pesquisas que
tematizam a leitura.
A leitura - compreendida como prática social humana de que resulta a
produção de significados ou de sentidos pelos homens, ao longo do tempo
suas existências – tem sido compreendida por meio da história da invenção da
própria linguagem humana, cuja origem se encontra perdida no espaço da
memória semântica do longo tempo e lembranças e tem a própria história da
existência do homem sobre a Terra, como ponto de partida. Segundo Kristeva
(2007), esse marco inicial tem como seu primeiro ponto de referência o ensino-
aprendizagem de uma dada língua, dentre inúmeras outras, faladas por
variadas comunidades humanas que se organizam em sociedade, visto que a
linguagem, por ser uma faculdade humana de que as línguas são produtos,
conta a sua história pela história de suas respectivas línguas. Justifica-se que a
história do ensino-aprendizagem de uma língua tem o seu marco inicial inscrito
em cada nascimento de um novo homem que a aprende da boca de seus
próprios pais e passa, então, a ensiná-la, posteriormente, a seus próprios
filhos: esta é a gênese das práticas sociais da linguagem humana que, hoje,
têm a leitura como foco de inúmeras indagações a serem respondidas por
aquele que se ocupa de seu ensino formal. Nessa acepção, aprendemos a ler
quando nos inserimos ou somos inseridos no mundo da vida e abandonamos
nossas práticas de leitura quando deixamos de estar inseridos nesse mesmo
mundo e lemos com baixo grau de proficiência quando dele somos socialmente
excluídos: (cf. Magda Soares, 1995):
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“Os valores da leitura sempre apontados são aqueles que lhe
atribuem as classes dominantes, radicalmente diferentes dos que
lhe atribuem as classes dominadas. Pesquisas já demonstraram
que, as classes dominantes veem a leitura como fruição, lazer,
ampliação de horizontes, de conhecimentos, de experiências. As
classes dominadas a veem pragmaticamente como instrumento
necessário à sobrevivência, ao acesso ao mundo do trabalho, à
luta contra suas condições de vida. (p. 21)
Nesse sentido, as práticas de ensino-aprendizagem da leitura, na sua
indissociabilidade com a aprendizagem de uma dada língua – inerente ao
próprio desenvolvimento da linguagem – têm os bancos da escola da vida
como lugar onde inicialmente se aprende a ler. Os professores dessa
modalidade de ensino são os adultos – pois é com eles aprendemos a
significar o universo da vida e seus diferentes mundos: o objeto do ensino-
aprendizagem da leitura, concebida como “leitura de mundos”: aquelas que,
segundo Lajolo (1999), é ensinada-aprendida nos bancos da escola da vida.
Por essa modalidade de leitura e, com esses mesmos adultos, aprendemos a
desenvolver a nossa faculdade da linguagem, a nomear conhecimentos de
mundo e, ao mesmo tempo, organizá-los e ordená-lo para dizê-los por meio da
língua àqueles com quem interagimos e convivemos, nos diferentes e variados
lugares do espaço sociocultural da comunidade à qual pertencemos, desde o
nosso nascimento.
Essa aprendizagem “natural” - orientada pela didática da imitação, permeada
por ensaios e erros e pelo respeito ao ritmo de cada novo homem, denominada
“educação difusa”– é associada desde a invenção da língua escrita e equivale
à aprendizagem adquirida na “escola da vida”. Já o modelo de aprendizagem
denominado “educação formal”, refere-se, segundo Libâneo (2004), àquele que
acontece na escola, por meio do qual a leitura tem a representação de
conhecimentos de mundos materializados pelos sinais gráficos do alfabeto e
não mais pelos sinais sonoros da tecnologia natural da voz humana.
Entretanto, esses sinais linguísticos não se opõem entre si e tampouco se
igualam – o segundo não é o desenho do primeiro que o antecede no tempo –
17
e ambos passam a ser usados pelos humanos, seja para nomear, seja para
dizer os conhecimentos de mundos que produzem, e buscam compartilhar
entre si, por meio de suas práticas cotidianas de linguagem.
São duas modalidades de codificação de sinais, por meio dos quais uma língua
funciona como meio para signifazer tais conhecimentos, de modo a torná-los
compreensíveis quando comunicados a outros tendo por fundamento e
fundação as atividades da fala. Assim sendo, desde a invenção e
aprendizagem dos sinais escritos, tem-se a aprendizagem da fala oral e da fala
escrita: duas modalidades de usos das línguas humanas, exceção feita àquelas
faladas por comunidades ágrafas como é o caso de algumas tribos indígenas
brasileiras.
A aprendizagem de usos da língua na sua modalidade escrita, segundo Lajolo
(1999) denomina-se por “leitura do mundo da escrita”, na qual as crianças e
jovens são inseridos quando passam a ocupar lugar nos bancos escolares,
oferecidos por essas instituições públicas ou privadas, onde devem ou
deveriam aprender, onde aprendem ou não a ler textos escritos e a escrever os
produtos de suas leituras. É esta a concepção de leitura a ser pesquisada
neste trabalho: a concepção de leitura como meta da educação formal em seus
sucessos, insucessos e necessidades a serem contempladas.
A leitura tem sido compreendida pelos estudiosos das questões linguísticas
como uma prática ou atividade intermitente da linguagem. É por meio dessas
práticas que os homens aprendem a construir significados e/ou a atribuir
sentidos as "coisas no/nos mundos" que, articulados entre si, respondem pela
construção do universo da vida. Esses sentidos, quando são socialmente
partilhados e institucionalizados pelo uso são denominados significados, cujos
registros se inscrevem nas páginas dos dicionários da língua por meio da qual
se aprende a ler e a escrever, ou seja, a produzir textos escritos: um trabalho
realizado no espaço ocupado pelas instituições escolares.
Nesse âmbito, o ensino tradicional, centrado apenas em conhecimentos
gramaticais, é capaz de garantir o desenvolvimento das potencialidades
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referentes ao uso do idioma nacional de forma adequada aos diferentes
contextos sociais?
Toda e qualquer língua explica-se como estrutura que se deixa descrever por
regras gramaticais; todavia as estruturas linguísticas são léxico-gramaticais e
estas não se equivalem, pois são duas faces complementares de uma mesma
moeda. A sintaxe compreende combinatórias de palavras; sem palavras não há
o que combinar; todavia, ao serem combinadas entre si (sintaxe) as palavras
mudam os seus significados, pois esses passam a apontar para lugares,
pontos de vista diferentes, cujo sentido resulta dessa combinatória.
Podemos considerar que os estudos sobre o ensino da leitura e da escrita
evoluíram significantemente ao longo da história. Temos hoje pressupostos de
ensino apoiados em bases teóricas sólidas, entretanto isso não tem garantido a
eficácia no processo de ensino-aprendizagem do idioma nacional. O que falta
para que advenham os bons resultados neste processo? O que falta hoje para
que nossos alunos e professores sejam leitores e escritores competentes?
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, quem ensina língua materna
tem uma tarefa que transcende o papel a ele reservado, durante muito tempo,
pois atualmente, o professor de língua portuguesa, além de ser aquele que
ensina os conteúdos, é alguém que pode ensinar o valor que a língua tem,
demonstrando o valor que tem para si. Se esse professor for um usuário da
escrita de fato, se tiver boa e prazerosa relação com a leitura, se gostar
verdadeiramente de escrever, funcionará como um excelente modelo para seus
alunos. Mas será que essa prática pode ser observada, de fato, nas escolas?
Para responder as questões aqui elencadas foram postulados os seguintes
objetivos específicos:
1. Ler, compreender e interpretar o percurso sócio-cultural-histórico da invenção
da escrita e dos processos de aprendizagem da leitura dissociados dos
processos de aprendizagem da escrita.
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2. Discutir o ensino da leitura e da escrita do idioma brasileiro, buscando
respostas para as dificuldades que permeiam nossa prática docente de
mediadores do ensino da leitura como prática indissociável do ensino da
escrita.
3. Propor uma sequência didática que possibilite reflexão sobre as possibilidades
de trabalho desenvolvidos para formar leitores proficientes, bem como sobre o
papel da escola na formação de seres humanos aptos a participar de uma
comunidade real de leitores e escritores do idioma brasileiro.
Esses objetivos orientarão a organização de cada um dos capítulos da
Dissertação, consoante a seguinte ordenação:
A história da leitura do texto escrito pela história da escrita.
Fundamentos Teóricos: Facilidades e Dificuldades para a
Aprendizagem de Práticas de Leitura.
Procedimentos Didáticos para o Ensino-Aprendizagem de Práticas de
Leitura Significativas: uma proposta.
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CAPÍTULO I
A HISTÓRIA DA LEITURA PELA HISTÓRIA DO TEXTO ESCRITO2
1.1 . CONSIDERAÇÕES INICIAS
Buscar compreender a história da leitura de textos escritos para entender, de
modo prático e/ou reflexivo, as facilidades e as dificuldades vivenciadas por
professores-educadores que se ocuparam em ensiná-la àqueles que se
sentaram e se sentam em um banco das instituições escolares, desde o tempo
da invenção da escrita e, assim procedendo, identificar as facilidades e as
dificuldades para se tornar um leitor proficiente, são os objetivos a que se
propõe alcançar o autor desta Dissertação, ao longo desse Capítulo.
Para tanto, o pressuposto que tem orientado as pesquisas historiográficas foi
tomado como ponto de referência para melhor compreender e representar
situações-problema, vivenciadas no nosso tempo presente. Essas pesquisas
2 Nesta tira, Mafalda fica espantada por seu amigo Filipe ter passado uma manhã INTEIRA na
escola e não ter aprendido a escrever. Mafalda também fica indignada quando seu amigo lhe
diz que “levam meses para ensinar uma pessoa a escrever”, e se revolta com os “malditos
burocratas” responsáveis pelo ensino. Entretanto, o que Mafalda considera burocrático no
ensino da língua escrita justifica-se historicamente, conforme será explicitado neste capítulo, no
que tange ao processo de alfabetização proficiente de um escriba, o qual ocorria ao longo de
12 anos (cf. p. 21 e 26).
21
pressupõem a necessidade de se identificar situações já vivenciadas no
passado remoto que, interpretadas pelo passado-presente, possibilitam projetar
soluções futuras. Nessa acepção, o tempo presente está concebido pela
conjunção entre o futuro do passado e o futuro propriamente dito, ou seja,
aquele amanhã que esse leitor pesquisador será capaz de projetar, ao
identificar as facilidades e as dificuldades acima mencionadas, por um ponto de
vista historiográfico3. Não se pretende, portanto, reconstruir a história da leitura
como totalidade para recontá-la por um olhar digressivo na linha sequenciada
da temporalidade, marcada por uma postura crítica. Nessa acepção, a revisão
bibliográfica se reduz ao simples fichamento das obras selecionadas e lidas,
pois o esforço dispendido está orientado por um posicionamento reflexivo.
Segundo a bibliografia selecionada, para fundamentar e orientar a busca de
caminhos ou nova-outras perspectivas referente ao ensino-aprendizagem da
leitura de textos escritos e escritas de leituras, inúmeros são os problemas
que, há algum tempo, têm causado um certo mal estar entre os responsáveis
pela escolaridade das crianças e jovens. Divulgados esses problemas - sob a
forma de notícias diárias, pela imprensa - eles denunciam continuamente a má
qualidade do ensino da língua materna, enquanto as famílias se ressentem de
a escola não ensinar a seus filhos, de modo eficaz, a Língua Portuguesa”,
ainda que os professores se esforcem e sempre tenham feito o melhor que
podem, consoante as condições escolares atuais. Assim, se no passado da
memória de curto tempo, as críticas incidiam e incidem sobre os professores da
“escola tradicional” - que, por sua vez, recaíam sobre aqueles que também
foram herdeiros de uma tradição mais longínqua que se perdeu na memória do
3 Tal ponto de vista justifica-se pelo fato de esta pesquisa ter sido estruturada na
perspectiva da historiografia linguística e em seus princípios, a saber:
1. Princípio da contextualização: este princípio foi utilizado para que haja compreensão de cada autor e de seu estudo, considerando o contexto histórico da invenção do texto escrito e da aprendizagem formal e informal de sua leitura.
2. Principio da imanência: foi essencial para que seja possível compreender cada etapa do processo evolutivo da leitura em seus diferentes suportes, sem a contaminação ou a influência do pensamento da atualidade.
3. Princípio da adequação: possibilitou que fizéssemos uma análise comparativa numa perspectiva atual do tema, associando a aprendizagem da leitura e da escrita pelos escribas – num processo com duração de 12 anos- aos processos de alfabetização e letramento dos tempos modernos.
22
longo tempo da história do ensino-aprendizagem da escrita - hoje, elas incidem
na incapacidade de essa mesma escola e seus professores modernos
“educarem para uma sociedade do futuro”. Entretanto, o futuro da sociedade
moderna já está entre nós, desde que sejamos capazes de compreender e
considerar, por um lado, que as crianças de hoje serão os cidadãos e os
habitantes do mundo adulto do amanhã e deles dependem a formação
daqueles que responderão pela construção ou reinterpretação da sociedade do
amanhã. Por outro lado, os avanços científicos e tecnológicos com que hoje
convivemos e respondem pela recontextualização dos usos da língua escrita
resultam de projeções, planificações ou invenções de cientistas e tecnólogos
que nos antecederam ou que ainda convivem entre nós.
Segundo Santos (1987), uma das grandes dificuldades da modernidade do
nosso tempo presente é ignorar que a sociedade moderna é/foi edificada nas
próprias entranhas da sociedade da Baixa Idade Média, de sorte que o
Renascimento do século XVI deve ser compreendido tão somente como um
marco histórico onde o teocentrismo já cedera espaço ao racionalismo. Assim,
a sociedade medieval, nos séculos XIV e XV, já não mais dispunha de
argumentos capazes de refutar ou combater o novo ponto de vista por meio do
qual os conhecimentos sobre “as coisas no mundo” deixavam de ser reduzidas
ou concebidas apenas por uma perspectiva sacrossantas. Desde então, a
racionalidade ascende cada vez mais entre os membros daquela antiga
sociedade eclesiástica e o desenvolvimento dessa outra-nova perspectiva,
orientada pelos princípios da racionalidade, serão organizados e ordenados ao
longo do final dos séculos XVII e XVIII. Esse, portanto, será um tempo de
mudanças dos modelos de formas de governos que terão a “república”, em
detrimento das “monarquias”, como fundamento da formação sócio-cultural-
histórica do mundo moderno. Esse mesmo modelo de sistematização
vivenciado ao longo dos séculos desse tempo de modernidade responderá pela
construção de conhecimentos e saberes que darão origem às tecnologias do
século XIX: marco da revolução industrial que, contextualizada e reinterpretada
ao longo do século XX, assegurará as invenções de bens materiais e não
materiais da sociedade termonuclear, dos microchips, do raio laser, das
23
máquinas auto pilotáveis, dos aviões supersônicos, das naves espaciais. É
nesse contexto que a comunicação a distância é reinterpretada.
Nesse contexto, Santos (op.cit.), afirma ser necessário recorrer à história da
teoria do conhecimento para se compreender e considerar que a comunicação
à distância tem a sua origem com a invenção da escrita, pois, é a partir de
então que os humanos se tornam capazes de interagir uns com os outros,
quando não situados no mesmo tempo e lugar. A incapacidade de assim
proceder para se comunicarem tem por fundamento e fundação a invenção do
sistema de codificação escrita e, por ela, a formação proficiente de escritores e
leitores; razão por que é difícil, senão impossível, dissociar a aprendizagem do
alfabeto e o seu uso como recurso necessário e insubstituível dos processos
de escolarização. Assim, a formação do escritor-leitor, ou vice-versa, está
entretecida a objetivos de caráter sócio-cultural-históricos pelos quais a escola
responde e, desde então, ela é a guardião dos conhecimentos produzidos pela
humanidade registrados por essa modalidade de codificação. Deixar de ensiná-
los, relegando a um segundo plano a formação desse leitor-escritor, é contribuir
para que os humanos deixem de ascender a esse outro modelo de civilização
e, assim procedendo, condena crianças e jovens a permanecerem situados no
espaço ocupado pela civilização do oral que, a cada dia, os distancia do
modelo de formação social do mundo moderno. Assim procedendo, a escola se
faz guardião dos bens não materiais e materiais que se inscrevem nos registros
da memória de alguns poucos homens, reservando aos demais o direito de
viver às margens da sociedade do mundo moderno. No lugar ocupado por essa
marginalidade, prevalece um modelo de comunicação do “diz-se que” ou
“fulano comentou, contou que”, onde os sujeitos que falam nada dizem que
seja de suas respectivas responsabilidades, de suas autorias: uma sociedade
que precisa atribuir a outro a responsabilidade por aquilo a maioria diz ou faz.
Homens incapazes de construírem suas histórias por suas próprias vozes, de
saberem quem são e, por isso, incapazes de se auto reconhecerem como
cidadãos; pois, para tanto, faz-se necessário que eles aprendam a ser não
apenas seres comunicantes, mas seres-pensantes-comunicantes, seja por
meio de recursos da língua escrita-oralizada, ou da oralização em língua
escrita.
24
Na complexidade desse contexto de restrições, situamos o objetivo desse
primeiro capítulo e, por ele, buscamos responder à seguinte questão
problemática4: qual é ou seria a razão primeira que sempre impossibilitou
continua impossibilitando o homem moderno de aprender a ler com proficiência
textos escritos? – embora a sociedade moderna tenha a sua origem nas
entranhas da civilização antiga, mais precisamente no campo da contabilidade
e do comércio. Para tanto, tivemos como ponto de partida as reais
necessidades vivenciadas pelos povos que, a várias mãos, são responsáveis
pela invenção de um sistema de registros capaz de assegurar a precisão
numérica de elementos trocados e/ou comercializados entre os povos da
antiguidade e um sistema alfabético capaz de nomear esses mesmos
elementos contábeis.
1.2. A Escrita do Sistema Numérico e do Sistema Alfabético
Estudiosos como Kristeva (2007) e Fischer (2009), dentre outros, consideram o
contexto plurilíngue que identifica a região da Mesopotâmia – aquela que se
situa entre rios, no caso o Tigre e o Eufrartes, por onde o comércio, depois de
fazer a travessia pelo Mar Mediterrâneo, era escoado e se fazia cada vez mais
intenso. Pontuam esses estudiosos que, no entorno dos fluxos dessas águas,
habitavam diferentes povos, usuários de diferentes línguas que se dedicavam a
atividades portuárias, onde se praticava “um falar de emergência”, denominado
“pidgin”. Segundo Elia (2000; p. 68), trata-se de uma modalidade de fala
oralizada que carrega consigo a necessidade de comunicação entre grupos de
usuários que têm diferentes línguas maternas. O pidgin também se caracteriza
pela acentuada redução dos processos morfológicos, bem como por
simplificada padronização sintática e de duração condicionada a interesses de
grupos político-econômicos dominantes, ou seja, daqueles que controlavam o
comércio desses portos5.
4 Ressalta-se que, à semelhança da Mafalfa (cf. p. 10), o homem dos nossos tempos modernos
também acredita ser possível acelerar os processos de aprendizagem da escrita significativa. 5 Observa esse autor que o pidgin”, na condição de língua de contato, foi denominado pela
expressão “língua franca”: aquela utilizada por marinheiros e comerciantes em portos do Mediterrâneo Oriental; contudo, esse termo foi expandido de modo a abarcar qualquer língua
25
Os historiadores, por sua vez, afirmam ser preciso pontuar que os excedentes
agrícolas de que se originariam o sistema de trocas entre os homens, tiveram
as enchentes dos grandes rios da Mesopotâmia como responsáveis pela
adubação das terras ribeirinhas e/ou vales que, cultivadas, duplicavam as
colheitas do que nelas fora plantado. Embora as enchentes dos rios Tigre e
Eufrates não fossem tão fecundas quanto as do rio Nilo, elas exigiam um
trabalho intenso e coletivo para a construção de diques cujo propósito era
aproveitamento dessa irrigação natural. Assim, os mesopotâmicos não só
faziam usos de ferramentas de bronze e ferro – razão de serem eles os
inventores da escrita cuneiforme – mas também de conhecimentos diversos
nos campos da astronomia, da medicina e já dispunham de um calendário
lunar e de bibliotecas (cf. Chartier, 2009).
Nesse contexto em que os historiadores situam a escrita cuneiforme como
primeiro tipo de registro em língua escrita a que humanidade teve acesso,
ressalta-se que o alfabeto sumério tinha como suporte gráfico um tablete de
argila que, depois de grafado, era exposto ao sol para secar e, em seguida,
endurecido pelo fogo. Uma das características mais marcantes da escrita
suméria é o seu aspecto em cunha, originário estiletes utilizados para fazer o
registro dos caracteres do primeiro alfabeto por eles inventado Ressalta-se que
esses estiletes, bem como o modo com que eram usados, evoluíram ao longo
do tempo, alterando o aspecto dos pictogramas bem mais definidos para
caracteres estilizados e padronizados.
Assim, até meados do 3o Milénio a.C., a escrita cuneiforme sofreu uma rápida
ascensão e dispersão - por via econômica e política -, tornando-se rapidamente
mais abstrata e complexa. A própria direção da escrita muda, pois os
caracteres deixam de ser esculpidos da direita para a esquerda, em colunas de
cima para baixo, e passam a ser inscritos da esquerda para a direita, em linhas
de cima para baixo, à semelhança dos tempos atuais.
mista auxiliar ou de contato, como é o caso das línguas crioulas, as línguas gerais ou koinés, por exemplo, quando se tornam estáveis.
26
Mesmo com a conquista e a consequente extinção da Suméria, inventora da
escrita cuneiforme, muitas das suas inovações técnicas e culturais se
perpetuaram por serem assimiladas pelos invasores. Assim, a escrita
cuneiforme se manteve pelas mãos dos povos semitas: os assírios e os
babilônicos, conquistadores da região habitada pelos sumérios que adaptaram
o sistema da escrita inventada pelos sumérios, ás necessidades para
expressar conhecimentos escritos em suas respectivas línguas. Por esse
processo de adaptação os caracteres de natureza ideográfica e pictográfica,
gradativamente, são substituídos por caracteres denominados “logogramas” e
“silabogramas”.
Nesse sentido, os ideogramas usados pelos sumérios, de modo a simplificar a
escrita, tornaram-se logogramas e, em vez de representar uma ideia, passam a
representar palavras. Observa-se que a forma gráfica sinalizada por “uma seta”
não só equivalia a “ti” cujo significado se refere àquele de “seta propriamente
dita”, ou seja, “sinal que indica direção, rumo, ou arma de arremesso”, mas
também passa a significar “vida”; portanto, um único sinal que já era usado
para fazer remissão a dois signos linguísticos. A polissemia do sistema
logográfico, não raramente trazia dificuldades de compreensão,
impossibilitando a identificação da palavra a que os sinais desse sistema
faziam referência. Os escribas, diante das dificuldades de polissemias,
propõem o uso de caracteres cuja função estaria circunscrita a determinar a
classe ou a natureza de sinais de que resultavam as palavras polissêmicas e,
denominaram a esses sinais “determinativos”. Entretanto, entendiam que os
determinativos não podiam ser usados em todas as situações ou todos os
casos de ocorrência do fenômeno polissêmico; razão porque passam a fazer
uso de complementos fonéticos de que resultam os silabogramas6.
6 Os complementos fonéticos no sumério:
eram colocados no final das palavras;
eram lidos;
eram associados para distinguir entre caracteres iguais com leituras diferentes;
podiam representar...
Vogais (V)
Consoantes + Vogais (CV)
Vogais + Consoantes (VC)
Consoantes + Vogais + Consoantes (CVC)
27
Desse modo, os logogramas – sinais representativos de palavras – passaram a
representar sílabas pelo acréscimo ao final das formas representativas da
palavra e, por meio deles, oferecer pistas para favorecer a leitura adequada e
compreensiva das palavras. Nesse contexto, um mesmo caractere era lido e
compreendido como “du” ou como "gin", sendo que o primeiro tinha como
referência “perna” e o segundo, “ir”; mas acrescentado ao seu final, o caractere
“na” (silabograma), orientava o leitor a identificar “gin”, cujo significado equivalia
ao verbo “ir”. Observa-se que tais procedimentos de leitura, orientados por
sinais determinativos e fonéticos de natureza silábica, passaram a orientar o
comportamento do leitor na identificação das palavras adequadas, ampliando o
grau de compreensão dos textos por ele lidos, visto que, na língua acádia, as
palavras eram ditas de modo diferente daquele da língua dos sumérios. Por
conseguinte, o uso dos silabogramas não se restringia apenas à função de
complementos fonéticos, já que o som assumiu prioridade no sistema da
escrita que vai sendo, gradativamente, complementada por outros sinais
gráficos. (cf. Fischer, 2009).
Em suma, a escrita cuneiforme foi adotada e adaptada por muitas outras
culturas7, além de ser também usada como registro, quer para comércio, quer
para política, desde muito cedo. No entanto, tal como o Império Sumério,
também o Babilônico e o Assírio acabaram por se render ao Império dos
Persas, mas estes, ao contrário de muitos outros, não se limitaram a adaptar a
escrita cuneiforme, mas eles, orientando-se por ela, reinventaram a escrita.
Essa reinvenção explicou o resumo das centenas de caracteres da escrita
cuneiforme da Suméria, da Babilônia e da Assíria, em 36 silabogramas (vogais
e consoantes + vogais), aos quais se juntavam cinco logogramas, dentre
números e determinativos, configurando a escrita persa, a qual, no entanto, foi,
mais tarde, suplantada pelo Aramaico.
7 Alguns povos que adotaram a escrita cuneiforme foram os:
Elamitas, no Irão;
Hititas, na Anatólia;
Hurrianos, na Síria;
Persas, na Mesopotâmia;
Urartianos, na Arménia.
28
Ressalta-se, por fim, que a escrita cuneiforme suméria não foi o único e
tampouco o mais importante sistema de escrita a surgir na civilização antiga;
embora ele tenha sido o primeiro, com ele coexistiram a escrita egípcia e os
hieróglifos hititas – estes menos conhecidos. Inicialmente, os hieróglifos hititas
eram extremamente pictográficos, mas, tal como aconteceu no Egito, foram se
tornando mais cursivos, pelo domínio do uso de pincéis e constituídos por
logogramas e silabogramas. Quanto à escrita egípcia, é quase tão antiga
quanto a escrita suméria (ou talvez ainda mais antiga que esta), pois remonta
ao final do 4o milénio a.C., de acordo com os registos descobertos, e sua
função variava de acordo com a grafia, a qual distinguia-se em quatro fases: a
fase hieroglífica, a hierática, a demótica e a fase alfabética – esta última
denominada por “alfabeto copta”, de influência grega.
Essas fases, comparadas entre si, permitiam a seus estudiosos pontuar que a
primeira entre elas – a hieróglifa – tendia a ser desenhada com riqueza de
pormenores e o seu uso estava voltado para a nomeação das “coisas do
mundo sagrado”, razão por que se trata de registros revestidos do poder das
“palavras mágicas”. Comparada à segunda fase, usada para registros do dia-a-
dia - a hierática – esse poder sagrado cedia lugar para uma versão simplificada
dos próprios caracteres pictográficos dos hieróglifos, que perdem a sua riqueza
de pormenores, na esfera do campo administrativo, que exige dos escribas
mais rapidez. Na terceira fase, por volta do século VII a.C., a escrita demótica
suplantaria a herática, por ser ainda mais simplificada. No entanto,
independentemente de qual a grafia usada, a estrutura da escrita era
semelhante, pois advinha de um processo natural de suas respectivas
evoluções, visto que
Os hieróglifos egípcios e a escrita cuneiforme da Mesopotâmia
saíram da mesma fonte – logografia ou escrita da palavra – de
acordo com as necessidades de seus idiomas subjacentes. Por
coincidência, as duas linguagens diferiram fundamentalmente,
e assim dois sistemas de escrita completamente diferentes
surgiram. (Fischer, 2009, p.34)
29
Neste contexto de semelhanças e diferenças, é importante destacar a mudança
do papel social do escriba na elaboração da escrita ao longo do Nilo, pois, se
na Mesopotâmia este era visto como um mero escrevente, no Egito ele
pertence a uma classe de grande prestígio e influência, que podia alcançar
riqueza e posição social.
Os estudantes aspirantes à escriba, ao longo desses tempos de mudanças das
formas escritas, eram incentivados por seus pais a se dedicarem a tal ofício,
para o qual deveriam aprender setecentos sinais ao longo de vários anos de
esforço. Os estudantes escreviam em tábuas cobertas por gesso, pois a
superfície podia ser apagada com facilidade; mas, em geral, o material mais
usado para a escrita egípcia era o papiro8, o qual apresentava uma grande
vantagem sobre as tabuletas de argila pesadas e desajeitadas da
Mesopotâmia, pois era fino, leve, flexível e fácil de guardar (cf. Davies, 1987,
apud Fischer, 2009).
Por fim, a quarta e última fase da escrita egípcia foi a da escrita alfabética dos
invasores gregos, a qual passou a ser utilizada para escrever a língua egípcia e
a partir dela foram criados proto-alfabetos, dos quais se originou o alfabeto
latino que usamos hoje, pois assim como a escrita cuneiforme foi adotada e
adaptada por outras culturas, também a escrita egípcia teve o seu impacto: os
seus caracteres serviram de exemplo e base para formar um alfabeto
consonântico, que organizados por 22 caracteres, representava uma palavra
(logograma) e também o primeiro som consonântico dessa palavra (letra).
Ao longo de cinco ou quatro séculos, esse proto-alfabeto foi evoluindo de uma
escrita de carácter pictográfico para uma escrita linear – o fenício, cujos
registos mais antigos são do século XI a.C. Os Fenícios eram navegadores
mercantilistas e, por isso, espalharam-se pelo Mediterrâneo, formaram colônias
por toda a costa e por ela espalharam a sua escrita, dando origem a outros
alfabetos. E foi à escrita fenícia que os Gregos recorreram, para formar
o primeiro alfabeto (de que há registo histórico) com consoantes e vogais.
8 O papiro era uma folha para escrever e/ou pintar, feita de tiras cortadas das hastes de uma
planta chamada Cyperus papyrus, umedecidas e batidas, e geralmente polida após a secagem.
30
Nesse contexto, os historiadores são unânimes em afirmar que, ao longo da
história, diversos foram os sistemas de escrita que percorreram a região do
Egeu, entretanto, quando os Fenícios entraram finalmente em cena,
espalhando-se por todo o Mediterrâneo, foram os Gregos que melhor
souberam reinterpretar o alfabeto consonântico fenício, modificando a escrita
e/ou o nível dos valores fonéticos que representavam.
Esse processo de reinterpretação incidiu sobre o desenho dos caracteres e
resultou não só em uma distinção entre caracteres gregos e fenícios, como
também na criação de variações locais do próprio alfabeto grego. No que se
refere aos valores fonéticos, pode-se mencionar dois pontos importantes: o
"nome" das letras e os sons a que estas correspondem. Os caracteres fenícios
representavam uma palavra e um som e o alfabeto grego seguirá um princípio
semelhante, mas os seus caracteres não vão representar palavras - são
apenas "nomes" que identificam as letras (alfa, beta, gama etc.). Além disso,
quanto à representação fonética dos caracteres, nota-se que o valor fonético
fenício manteve-se nos caracteres gregos - mas nem todos os sons
consonânticos existentes na língua fenícia faziam sentido na grega, além de
caracteres para representar os sons vocálicos. Aqueles caracteres foram, por
isso, direcionados para a representação dos sons vocálicos (cf. Kristeva, 2007,
p. 111). Este alfabeto tornou-se o primeiro alfabeto consonantal-vocálico da
história do qual, posteriormente, se originaria o alfabeto latino: aquele por nós
ainda hoje utilizado.
31
Apresentamos, a seguir, a título de ilustração, quadro comparativo entre alguns
alfabetos antigos que, sob a forma de síntese, explicita a pesquisa acima
registrada, a saber:
http://linguaportuguesa.uol.com.br/linguaportuguesa/gramatica-ortografia - acessado em 30/11/14
1.3. A Aprendizagem Escolar da Leitura e da Escrita: O papel social do
escriba
No campo educacional as informações que nos foram e são legadas por povos
percussores da escrita alfabética, principalmente quanto a procedimentos
didáticos para o seu ensino, são bastante tênues. Esse legado, no que se
refere aos povos da Mesopotâmia, faz referência apenas ao modelo de
educação doméstica por meio do qual saberes e crenças da sociedade daquela
época eram ensinados pelos adultos a suas crianças e jovens. Entretanto, uma
informação relevante é aquela que faz referência ao fato segundo o qual o
processo de alfabetização proficiente ocorria ao longo de 12 anos.
32
Informações mais sistematizadas sobre a criação de escolas de caráter oficial
datam do tempo em que os assírios – povo que habitava a terra montanhosa
ao Norte da Mesopotâmia, cujo solo era pouco fértil - invadem e ocupam a
região da Babilônia, situada às margens do rio Eufrates. Nela constroem, no
ano de 1240 a.C., as primeiras escolas públicas e, ao ensinar a língua escrita,
pelo uso da nova tecnologia por eles inventada, os sinais materiais do alfabeto,
os alunos aprendem a registrar não só a cultura mas também os valores
atribuídos a esse outro novo bem material, por meio do qual passavam a ter
acesso àqueles não materiais, herdados de seus antepassados. Esses bens
traduziam-se em informações que tinham por referência saberes que eram
controlados pela classe sacerdotal, cujos membros se fazem professores
dessas escolas - razão pela qual o papel social de professor por muitos séculos
foi interpretado como uma profissão qualificada pelo sacerdócio, inclusive ao
longo da nossa Idade Moderna. Observa-se, ainda, que o controle desses
saberes não deixa de ser, de certa forma, assegurado pelo fato de que muitos
escribas não desenvolviam habilidades de leitura e muitos leitores não
exerciam a escrita proficiente; contudo, os sacerdotes eram leitores-escritores
proficientes, ao contrário de muitos reis.
Logo, nessa acepção, aqueles que aprendiam a escrever e a ler com
significativo grau de proficiência e ascendiam aos mundos desses saberes,
tornavam-se cada vez mais distantes daqueles que, embora fossem capazes
de escrever, ou de ler, não alcançavam o grau de proficiência que lhes
facultaria exercer a profissão de escriba ou de leitor propriamente dito; razão
por que se tornam secretários ou responsáveis pela contabilidade dos templos,
dos palácios ou das escolas. Além desses homens cujo grau de letramento não
os impedia de exercer profissões de caráter administrativo – escrivão e/ou
escriturário - é preciso considerar aqueles que sequer tinham acesso a essas
escolas, visto não terem qualquer interesse para o exercício dessas “profissões
letradas”, embora fossem filhos de escribas. Logo, a profissão de escriba ou de
leitor era hereditária, no antigo Egito. (cf. Kristeva, 2007)
33
Segundo Ferreiro9 (2005: p.11 e 12), não se pode ignorar que as sociedades
inventoras da escrita não só dissociavam o ensino da aprendizagem entre si,
mas também dessas duas práticas voltadas para os processos de composição
e produção textual, além de segmenta-las em duas profissões. A escola, por
sua vez, selecionava seus alunos pelo critério da hereditariedade, de modo que
o exercício do papel social de escriba e de leitor
(...) estavam de fato tão separadas que os que controlavam o
discurso que podia ser escrito não eram os mesmo que o
escrevia, e muitas vezes os que praticavam a leitura. Os que
escreviam não eram leitores autorizados e os leitores
autorizados não eram escribas.
Nessa acepção, e em se tratando da formação do escriba, a função social
dessas escolas construídas na Babilônia, à semelhança das escolas egípcias,
respondiam pela formação do profissional que deveria dominar conhecimentos
sobre as técnicas da transcrição da palavra oral, que a ele eram ditadas pelos
sacerdotes, em palavra escrita. A esses conhecimentos referentes ao registro
de textos ditados estavam inclusos aqueles implicados nos registros das leis,
nas suas respectivas reproduções por meio de cópias, no controle dos arquivos
desses documentos, que se faziam extensivos àqueles de dados numéricos
referentes ao controle das mercadorias negociadas nos portos do Mediterrâneo
e transportados por terra e pelos rios. Também era necessário controlar os
impostos, razão pela qual o objetivo das nossas primeiras escolas estava
voltado para: o ensinar a ler, a escrever e a contar. E, como poucas pessoas
dominavam a arte da escrita, os escribas tinham posição e papel social
relevante na sociedade da época, visto serem geralmente funcionários reais,
comandados pelo governante para registrar tudo o que seu superior ordenasse,
9 Ressalta-se que, embora este trabalho esteja pautado na concepção sócio interacionista de ensino, a
qual vai ao encontro das ideias de Vygotsky. Utilizamos os estudos de Ferreiro para lapidar alguns aspectos históricos referentes à história da leitura do texto escrito, visto que a teoria que Vygotsky formulou sobre a pré-história da linguagem escrita, ficou apenas esboçada, já que este autor faleceu muito cedo. No entanto, são muito grandes os pontos de convergência entre seus achados e os de Emília Ferreiro.
34
principalmente aquele cujos conhecimentos se limitavam ao domínio da “escrita
cartorial e/ou contábil”.
Ressalta-se que, no Egito Antigo, os escribas eram mais valorizados do que
seus predecessores ou aqueles de outras regiões da Mesopotâmia, por terem
o domínio sobre a escrita demótica e dos hieróglifos e, por isso, ocupavam
lugar de destaque na sociedade egípcia. Eram eles que escreviam sobre a vida
dos faraós, registravam a cobrança de impostos e copiavam textos sagrados,
utilizando o papiro ou as paredes internas das pirâmides para escrever esses
diferentes e variados textos. Assim era o escriba - quando dotado de alto grau
de profissionalização - uma importante figura pelas variadas posições
ocupadas nas esferas das atividades administrativas civis, militar e religiosa do
antigo Egito. E, como a maioria dos egípcios não sabia ler e tampouco
escrever, quando uma pessoa iletrada precisava redigir ou ler um documento,
via-se obrigada a pagar o serviço de um escriba.
A máquina administrativa egípcia, por conseguinte, era formada basicamente
por escribas, que também se encarregavam de organizar e distribuir a
produção; de controlar a ordem pública; de supervisionar todo e qualquer tipo
de atividade, sempre obedientes à autoridade dos faraós ou à dos sacerdotes
dos templos (cf. Aranha, 2006). A habilidade para escrever lhes garantia uma
posição superior na sociedade e a possibilidade de progresso na carreira; mas
para ele ascender a posições hierárquicas de prestígio, na sociedade da
época, não era fácil; pois, embora a sua profissão permitisse ao escriba tais
ascensões, ele ocuparia esses lugares apenas se as suas realizações fossem
marcantes. O esforço para merecer a ascensão pelo exercício do papel de
escriba está registrado em um texto que se refere a procedimentos sobre sua
instrução profissional, usado durante o Império Novo, no qual se afirma ter ele
a garantia de que, em sendo um cidadão, poderia salvar-se da labuta e
proteger-se de todo tipo de trabalho pesado ou braçal. Assim, essa ascensão o
poupava do trabalho com a enxada ou com a picareta, de carregar cestas ou
fardos nas costas, de manipular o remo e, ainda, não mais precisaria se ocupar
dos processos manuais voltados para a produção do papiro ou do pergaminho:
35
um suporte material, usado apenas pelos estudantes da época para exercitar a
escrita.
Reitera-se, conforme dados acima, que eram necessários 12 anos para que
alguém estivesse em condições de ler e escrever os cerca de 700 hieróglifos,
comumente usados no decorrer do Império Novo (c. 1550 a 1070 a.C.), cuja
aprendizagem podia ser iniciada aos quatro anos de idade. Muitos dos
exercícios escolares dessa época continuaram sendo aplicados ao longo da
história, com correções dos professores e, geralmente, eles são cópias de
textos clássicos egípcios. O fato de o papiro ser um material de custos muito
altos levava os aprendizes a exercitarem a prática de seus registros escritos
em pedaços de pedra calcária ou cerâmica, de superfície plana, madeira
emplastrada, ou mesmo pergaminhos de que eles se ocupavam em
confeccionar10. Os professores não eram modelos de paciência e, não
raramente, recorriam à dor física para obter atenção de seus alunos. Mas o que
alguns escribas aprenderam a compreender era o fato de a escrita ser a chave
para toda a erudição daqueles tempos e, por ela eles se tornavam fiéis
depositários da cultura leiga e religiosa, dessa forma acabaram dominando
todas as atividades profissionais, ocupando cargos de agrônomos,
engenheiros, contadores, sacerdotes e até mesmo de oficiais do exército,
durante o Novo Império egípcio. Dentre os escritas que se fizeram sábios pelo
exercício ou prática da produção de textos escritos, identificamos a voz de um
deles, de nome Amenmosé (cf. Kristeva, 2007) para quem aqueles que se
propõem aprender a arte da escrita11, deveriam adotar os seguintes
procedimentos:
Escreve com tua mão, discute com os que são mais sábios do
que tu (...). Só podemos ser fortes se nos exercitarmos todos
os dias (...). Se tu te descuidares, nem que seja um só dia,
serás castigado. Os jovens têm os ouvidos nas costas. Só
prestam atenção a quem lhes bate. Deixa o teu coração
escutar as minhas palavras. Tirarás proveito disso. Podem
10
Observa-se que, no atual mundo moderno, os suportes – papel, lápis, caneta, tablet,
notebook - são fabricados e vendidos aos escritores. 11
Observa-se que, mesmos antes da invenção dos estudos linguísticos científicos, aprendia-se a escrever e a ler com proficiência.
36
ensinar-se os macacos a dançar. Domesticam cavalos.
Consegue-se prender o milhafre no ninho. Pode-se fazer o
falcão voar. Não te esqueças que se progride pela discussão.
Não te esqueças do que está escrito. Esforça-te por ouvir as
minhas palavras e achá-la-ás úteis. (Kristeva, 2007)
Excluído o castigo, Amenmosé se refere à mudança de comportamento
daquele que visa a se tornar escriba e, para tanto, deixou-nos como legado os
seguintes procedimentos, passos ou modos de proceder para alguém se tornar
escritor ou compositor de textos escritos:
a) compreender que a escrita é produto de um trabalho bastante árduo a ser
assumido por ele que busca aprender a escrever, pois só “se aprende a
escrever, escrevendo” – razão pela qual orienta os futuros escribas a
escreverem com suas próprias mãos, trata-se, portanto, e à semelhança da
leitura, de um trabalho solitário, jamais realizado em grupo;
b) discutir o assunto ou tema do texto a ser escrito com aqueles que já se
fizeram sábios na arte da escrita – ou seja, não escrever sobre temas que não
foram discutidos por/com, pois para escrever é preciso saber sobre “o que se
fala” e esse conhecimento ou domínio se refere ao conteúdo da escrita que
precisa ser avaliado e socialmente compartilhado, como afirmam os cientistas
contemporâneos. Para tanto,
b.1) desenvolver o hábito de prestar atenção ao que dizem os sábios, ou seja,
“não ter os ouvidos nas costas”, mas aprender a ouvir para aprender a valorizar
a palavra do outro que nos é dirigida, durante uma discussão, um diálogo;
b.2) aquele que presta atenção às palavras do outro (de um homem sábio) e
as aprende, poderá transformar o mundo pelo conhecimento aprendido, pois
tornar-se capaz de ensinar “macacos a dançar, domesticar cavalos, prender
um milhafre no ninho e fazer um falcão voar” . – Para progredir na
aprendizagem da escrita é preciso progredir na aprendizagem, no
reconhecimento e uso do poder da palavra social, mas dela saber fazer uso
para expressar saberes, conhecimentos próprios;
37
c) praticar a escrita diariamente, ou seja, escrever todos os dias e não de vez
em quando – portanto a aprendizagem da escrita deve estar associada às
práticas diárias do cotidiano do aluno;
d) observa para seus leitores a necessidade de prestar atenção naquilo que lê,
não apenas “escutar” suas palavras, mas “ouvir” o que ele diz; logo, não basta
ser escriba é preciso também ser leitor proficiente dos textos de um escriba:
saber o que ele nos diz.
1.4. A FORMAÇÃO DO LEITOR E O SEU PAPEL SOCIAL: RESGATE DO
PASSADO PELO PRESENTE
A história da leitura, conforme a história da escrita, não está dissociada da
história do alfabeto e tampouco do esforço despendido pelo trabalho do
aprendiz que se propõe a aprender a ler textos de outros autores-escribas, de
forma significativa. A sua aprendizagem ao longo da história da antiguidade e
mesmo da modernidade sempre esteve associada àquela referente à
soletração do alfabeto que, segundo Araújo (1996), desde a Idade Antiga,
perpassando o tempo da Idade Média e ainda se fazendo extensiva à Idade
Moderna, fez-se presente em nossas escolas. Aprender a usar a tecnologia
natural da voz, para aprender a conhecer e fazer uso dos sinais gráficos das
letras do alfabeto – a velha-nova tecnologia inventada pelo homem - foi o
procedimento didático do longo tempo da história da alfabetização escolar.
Nesta acepção a história da leitura do texto escrito não se dissocia de seus
suportes tecnológicos por meio dos quais esses textos são propagados e,
alguns deles impuseram ao leitor procedimentos complexos. Segundo Barbier
(2008), os suportes que circularam na Idade Antiga e Medieval não favoreciam
o mesmo grau de legibilidade que o livro moderno oferece aos seus leitores,
pois os registros escritos dos textos dessas épocas impuseram práticas
complexas a seus leitores. Dentre essas complexidades, é preciso situar
aquelas que sempre buscaram e, ainda hoje, buscam controlar e controlam as
informações veiculadas por esses e outros suportes do texto escrito.
38
Nesse sentido, compreender a história desses suportes, sejam eles
qualificados como manuscritos ou impressos e pontuar a complexidade que
essas formas impõem às práticas de aprendizagem da leitura de textos
escritos, deverão contribuir para uma abordagem também significativa do livro
didático e das cartilhas de alfabetização. Estender essa complexidade para o
campo do controle das informações, veiculadas por esses suportes, ao longo
do tempo de suas produções diferenciadas, é outro aspecto que não pode ser
ignorado para ampliar a compreensão sobre as funções dos livros didáticos
modernos, visto que eles são qualificados, principalmente pelos professores,
como um facilitador da aprendizagem da língua materna, na sua modalidade
escrita. Mas, dentre aqueles que se fazem críticos desses tipos de livros, eles
funcionariam de modo a dificultar a aprendizagem da língua escrita pelos
escolares que dele fazem uso cotidiano. Essa dificuldade se faz extensiva a
professores que dele jamais se afastam, mesmo que fosse para complementar
seus conteúdos programáticos e, assim procedendo, ampliar as orientações de
suas práticas de ensino. Para Rangel (2003), se não é possível atribuir ao livro
didático grau suficiente ou satisfatório de qualidades que ele precisaria ter,
também não é possível atribuir a ele todas as responsabilidades pelos
insucessos da escola moderna referentes às suas funções essenciais.
Assim, conhecer os antecedentes de que se originaram esses suportes – os
livros didáticos dos tempos modernos – de modo a identificar suas funções ao
longo do tempo em que a humanidade passou a conviver com eles, deverá
facultar compreender por um lado, as funções desse objeto pedagógico. Dentre
elas, como sabemos situam-se aquelas exigidas pela sociedade moderna em
que se situam suas instituições escolares e sobre elas permanece a
responsabilidade pelo ensino-aprendizagem significativo da cultura da
civilização da escrita: um objetivo que permanece ao longo do tempo da sua
invenção. Para autores como Lajolo e Zilberman (2007), desde a invenção da
escola, inscrita nos primórdios da própria invenção da escrita, os materiais
didáticos sempre estiveram presentes nas salas de aulas para ensinar a
aprender a arte da composição escrita, bem como a leitura dessas
composições.
39
Segundo Santos (1997) não se pode ignorar o fato de que as mídias impressas
da modernidade tornaram os conhecimentos textuais cada vez mais visíveis,
possibilitando compreender o processo histórico de transformação de conceitos
abstratos em imagens reais. Por conseguinte, os atuais suportes materiais
dessas novas tecnologias não só facilitaram a visualização e o arquivamento
da língua, mas também proporcionou uma representação temática mais
concisa, coerente e compreensível dos conhecimentos inscritos e registrados
em língua. Segundo esse autor, no tempo transcorrido entre os pictogramas, os
ideogramas, os logogramas ou hieróglifos e o alfabeto propriamente dito, bem
como o desenvolvimento da arte visual por meio da qual o homem buscou dar
forma aos sinais expressos, deslocando-se dos manuscritos para o impresso, o
texto abandonou a sua posição de subproduto de ações linguístico-
comunicativo.
O texto, desde então passou a se situar como lugar onde os conhecimentos
humanos são compreendidos e continuamente reinterpretados. Além disso, o
produto desses movimentos de compreensão e reinterpretações dos
conhecimentos sócio cognitivos humanos, representados por meio de textos
coesos e coerentes, são indissociáveis das formas modernas de distribuição
por meio das quais se assegura que eles sejam recebidos de modo cada vez
mais legível, mais fácil, mais barato, mais confortável, mais rápido e mais
direcionado às pessoas, às organizações ou instituições. Assim, uma
abordagem do texto, no espaço por ele ocupado no mundo moderno, não pode
ignorar a multiplicidade de formas sócio-cultural-econômicas e mediáticas,
implicadas nos processos de distribuição e recepção desses textos. Entretanto,
os estudiosos dos livros em geral afirmam que esses conhecimentos são sobre
a multiplicidade de formas sócio-cultural-econômicas e mediáticas insuficientes,
tanto quanto os processos de distribuição dos textos escritos. Essa
insuficiência se justifica em relação ao fato que, mesmo hoje tanto quanto nos
tempos de vivências passadas, eles são mundialmente controlados por
sistemas globais de comunicação, coordenados pelas agências das
tecnologias atuais.
40
1.4.1 A LEITURA, O LEITOR E O LIVRO
O livro manuscrito carrega a primeira revolução da história da escrita e a ela se
segue a revolução da escrita impressa que responderá pela agilização dos
processos de divulgação e distribuição de textos e, com eles, ampliam-se a
propagação da cultura letrada, da fé e do poder entre aqueles que se fizeram e
se fazem leitores. Para Antos, os textos impressos revestem-se de alto grau de
legibilidade e, por isso, propagam, com facilidade, o conhecimento humano
armazenado ao longo do tempo, tão difícil de ser compreendido e interpretado,
na era do Volumem e do Códex – aqueles que antecedem a gramática da
paginação (cf. p. 35).
Na antiguidade clássica, a criação desse conjunto de folhas reunidas sobre as
quais há um conjunto de formas vocabulares escritas, já era denominado pela
palavra latina “liber” – “livre”, no francês, “libro”, no italiano e no espanhol e
“livro”, no português – para se referir à palavra com que era nomeada a
película de uma árvore de que se originou seu primeiro suporte material.
Todavia, a forma vocabular usada pelos gregos da qual somos herdeiros é
”biblion”, derivada de “biblos” com que aquele povo designava esse mesmo
objeto que recebia o nome de “papiro”, no Egito e de onde deriva a palavra
“bíblia” entre os hebreus e também “biblioteca”, enquanto da língua alemã
temos “bokis”. Da raiz indo européia “skrib” - equivalente a “graphein”, no
grego, a scribere”, em latim e a “scribus, gratter”, em português, mantemos o
uso de “gafar, grafismo, gavar” para nos referirmos a conceitos referentes à
escrita: modos ou maneiras de traçar sinais escritos sobre um dado suporte.
Observa-se que desse contexto de diferentes recortes lexicais hoje convivemos
com a instabilidade de uma concepção de “livro” e, por ela, hoje denominamos
por “livro” apenas o objeto impresso; pois, ao “livro digital chamamos de “e-
book”“. Contudo, essas diferenças nem sempre são exatas visto que além do
livro impresso - aqui designado como o livro propriamente dito – existem os
jornais impressos e os periódicos, sendo esses últimos geralmente usados
para designar revistas e suplementos publicados regularmente. Assim, usamos
41
o termo “periódico” para denominar uma coletânea de textos reunidos e
encadernados, o termo “anuário” para nos referirmos a um periódico que é
publicado anualmente etc. Diante do grau da imprecisão para de definir o que é
um livro, a UNESCO passou a considerar ser ele uma publicação impressa,
não periódica, cujo número de páginas não deve ser inferior a cinquenta; essa
mesma concepção é hoje adotada e propagada, entre nós, pela ABNT.
Contudo, quando nos referimos a “livros manuscritos” ou simplesmente a
“manuscritos” fazemos referência a documentos escritos à mão ou livros sob a
forma de “rolos”, denominados “volumem” que se fizeram presentes na
civilização antiga.
1.4.2 O LEITOR DO VOLUMEM NO TEMPO DOS MANUSCRITOS
Os textos em volumem, cuja forma material se faz distante dos livros em
cadernos, foram conservados em bibliotecas pelos homens letrados da
antiguidade – os escribas, sacerdotes e leitores – cujo acervo não se confunde
com os arquivos que são depositários de documentos, também manuscritos e
possuem grande número de impressos de vários tipos. Dentre esses se situam
circulares, documentos administrativos, por exemplo, e também diferentes
livros, além de coleções das bibliotecas que, hoje, incluem o disco, o CD, fitas
de vídeos e o DVD e, muitas delas propõem espaço de conexões com a
internet conhecidas como “mediateca”.
Numa perspectiva mais abrangente, retoma-se o volumem para retomar não só
a natureza do texto por ele propagado, mas também a função de mediação
com o público-leitor daquela época. Sabe-se que o volumem foi fabricado por
meio de tiras de papiro que foram usadas pelos egípcios, pelos gregos e pelos
romanos até o século III a.C. Nesse tempo, quando os autores não escreviam
os seus próprios textos que eram ditados a um “secretário escriba”, esse
usava como rascunho uma tabuleta de cera ou mesmo um folheto de papiro,
bem como de pergaminho, antes de passar o “texto a limpo”. Segundo os
historiadores, Cícero e Virgílio ditaram os textos de que foram autores e
mesmo São Jerônimo e Santo Agostinho, na Idade Média, não redigiram
quaisquer textos de suas obras de próprio punho, pois só na Idade Moderna os
42
autores passam a escrever e revisar seus próprios textos. Observa o autor para
os seus leitores que o tema do ditado, ainda
(...) está presente num afresco do século XV da Igreja de
Sainte-Paraskévi, em Chifre: o apóstolo Paulo está em pé,
inclinado sobre o ombro de seu secretário, olhando o que este
último escreve a partir de seu ditado. (...) A cópia tem
igualmente por efeito, alterar, às vezes, o texto original, quando
o secretário pode apenas tomar notas rápidas sobre as quais,
com a cabeça repousada estabelece o texto definitivo. (Barbier
2008:35)
Esta prática da cópia e do “passar o texto a limpo” perpassa toda a Antiguidade
Clássica, perdura durante a Idade Média e alcança os tempos modernos -
quando é usada na escola pelo professor – pois, terminada a redação, tem
início o trabalho da cópia propriamente dita. O texto é agora registrado sobre
um só lado do volumem, sob a forma de colunas perpendiculares e sucessivas,
variáveis segundo o comprimento desses suportes.
http://traduzca.com/voce-inventou-livro/ - acessado em 30/11/2014
43
Normalmente, o papiro, com o qual é feito o volumem, tem a forma de uma
estreita tira de cinco centímetros e meio de comprimento por oito centímetros
de largura; contudo, há volumem cujo tamanho chegava a ultrapassar dez
metros de comprimento, dificultando a manipulação dos mesmos,
(...) a ponto de a sua própria leitura se mostrar perigosa: à
idade de oitenta e três anos, Virginius Rufus (...) leu em pé um
volumem tão pesado que acabou por lhe cair das mãos.
Querendo apanhá-lo, perdeu o equilíbrio, caiu, quebrou a perna
e morreu. (in:Barbier, 2008:36).
Observa-se o fato de o volumem ser guardado em jarras de cerâmica, em
cestos, em caixas, cofres ou em prateleiras e, em se tratando de bibliotecas,
em escaninhos e/ou armários; razão por que o termo “biblioteca” denominava o
móvel onde esse material é abrigado e, posteriormente, o lugar que a ele serve
de abrigo e proteção.
Cumpre pontuar, por fim, que o volumem impõe a seus leitores uma complexa
prática de leitura, visto que ele precisa desenrolar com a mão esquerda e, ao
mesmo tempo, desenrolar enrolar com a direita, o texto que tinha sob os seus
olhos. Torna-se inviável, por um lado, trabalhar com a leitura de vários rolos ao
mesmo tempo e, por outro lado, o leitor é compelido a fazer uma leitura
seguida o que o impedia de tomar notas, elaborar comentários, consultar
outros textos. Desse modo a leitura na sua cursividade fica reduzida a cada
coluna que sempre corresponde a “metades” da superfície do texto; não há uso
do verso da página do pergaminho que sempre fica inutilizado para qualquer
uso.
1.4.3 O LEITOR ENTRE O CODEX E A IMPRESSÃO
O papiro, conforme registrado no item que antecede a esse, durante muitos
séculos, permaneceu entre os povos da antiguidade e, por ele, foi propagada a
cultura dos egípcios entre os gregos e os romanos que dele também fizeram
uso para divulgarem as suas. Contudo, os gregos também fazem uso, desde
44
o século II a.C. do pergaminho, que surgira em Pérgamo, na Turquia, e era
feito da pele de animais – cabra, carneiro, cordeiro, ovelha ou bezerros recém-
nascidos. A pele desses animais era mergulhada em água de cal e todos pelos
eram retirados, antes de retornarem para nova água de cal, a seguir eram
colocados sobre uma armação para secar. Durante a secagem a pele era
desbastada com uma fina lâmina e, depois de secas elas eram lixadas com pós
de pedra-pomes e, a seguir, eram cortadas em folhas retangulares que, à
semelhança das folhas de papiro, eram unidas umas às outras e enroladas,
conforme figura a seguir:
Gradativamente, elas foram sendo reunidas em várias lâminas, mantidas juntas
por um laço de couro e, sobre essas lâminas são registradas “contas” e outras
informações de valor durável. Embora o Codex não tenha sido imposto na
Roma antiga, onde o volumem de papiro permaneceu, ele era usado para
trabalhos rápidos e breves, notas e rascunhos e, nos séculos III e IV d.c., o
seu uso se torna generalizado e supera o uso do papiro. Assim, o texto era
copiado em frente e verso, e, em seguida, a pele era dobrada para se fazer ou
assumir efetivamente a forma de “cadernos” que, juntados uns aos outros,
eram costurados, tornando-se o protótipo do livro da Idade Moderna; razão
pela qual com o codex desenvolve-se a encadernação.
Nesse sentido, segundo Barbier (2010), o Codex é o suporte da cultura letrada:
o principal ponto de referência para trabalhos intelectuais sobre documentos
45
escritos, pois a ele se torna possível superpor a consulta e, com ela, outros
sistemas de referências textuais: pode-se, desde então, consultar outros Codex
e tomar notas. Nesse sentido, ele vai possibilitando o abandono da leitura
pública oralizada, para privilegiar a leitura individualizada e silenciosa, sem
deixar de atribuir relevo ao fato de a letra minúscula, até então desconhecida,
haver sido incorporada pelos copistas medievais. Essas qualidades do Codex
serão exploradas no século XVI, com a multiplicação dos livros.
Mysterious Book: Codex Gigas In Socyberty ─ publicado em 06/07/2009 - acessado em 30/11/14.
1.5. A GRAMÁTICA DA PAGINAÇÃO: UM NOVO JEITO DE LER
As renovações e/ou criações tecnológicas no campo da escrita, entre a
sociedade antiga e a medieval resultariam no desaparecimento de muitos
textos que deixaram de ser copiados do Volumem para o Códex,
principalmente aqueles muito antigos ou os que foram julgados pouco
significativos para o modelo de estado político medieval. Outro dado relevante
a ser considerado ao longo desse processo é o fato de a leitura pública - de
caráter oral - proferida nas praças públicas, dirigidas às multidões, ou mesmo
aquela proferida pelo sacerdote que, do púlpito, dirigia-se aos fiéis, durante as
cerimônias religiosas - ceder lugar no espaço da escrita para a leitura
46
silenciosa. A essas revoluções do período medieval que antecedem à invenção
da imprensa e são indissociáveis das mudanças de suportes da escrita, situa-
se a invenção da gramática da paginação que facultaria ampliar o grau de
legibilidade atribuído aos textos pelos seus leitores. Nesse sentido, a gramática
da paginação refere-se à incorporação de regras e normas à escrita, as quais
tornam a leitura individual do texto mito mais fácil e significativa.
A página da antiguidade clássica e dos primeiros séculos da Idade Média difere
radicalmente daquela que será transformada, no entorno dos séculos XI, XII e
XIII, quando as letras minúsculas são introduzidas na redação dos processos
de composição textual e os elementos parasitas das letras maiúsculas são
banidos dos manuscritos, conforme figura abaixo:
http://efa-espombal.blogspot.com.br/2007/07/comunicao-da-antiguidade-clssica-ao.html - acessado em 30/11/14.
Agora as palavras gráficas passam a ser separadas entre si por um espaço em
branco, os traços usados para ligar letras entre si, decorações e abreviações
excessivas desaparecem dessa outra nova escrita, o que facilitaria o
aparecimento da leitura silenciosa. O alfabeto é ampliado pela criação de sinais
diacríticos: ponto final, de exclamação, de interrogação, dois pontos,
reticências, vírgula e travessão que facultariam diferenciar – o que
contribuiria significativamente para as práticas de leitura, bem como com os
processos de interpretações a elas atribuídas pelo leitor. Embora os diacríticos
sejam hoje empregados por quaisquer escritores modernos, eles foram
aperfeiçoados durante os primeiros séculos da Idade moderna e, mesmo
incompletos, eles já asseguram maior legibilidade ao texto e contribuíam
47
sobremaneira para que a leitura silenciosa passasse a ocupar lugar na Baixa
Idade Média, pois:
a página sem distinção de palavras e sem pontuação: ambas
as coisas ficavam a cargo do leitor. (...) era algo semelhante à
preparação exigida do leitor de música na nossa época, O texto
clássico era feito para soar, como uma partitura musical.(...)
como na música, as letras eram o de menos (muitas delas
tinham de ser restituídas, pela abundância das abreviaturas). O
que realmente importava era a interpretação. (Ferreiro,
2009:44)
Essas mudanças, introduzidas por copistas irlandeses, nas fronteiras
geográficas da cristandade, afirma Ferreiro (2009: 41-47), asseguraria
compreensão quase imediata do leitor, sem ter de passar pela intermediação
da voz e responderia pela cópia rápida, de modo a suprir necessidades de
textos nas universidades. Tem-se, desde então uma página que possibilita a
extração de fragmentos de textos para citações; os textos passam a ter título e
autor; as páginas são numeradas, com índice, com divisão de capítulos,
secções e parágrafos, com letras ampliadas para indicar titulações e leitor
passa a identificar, por meio da pontuação, os limites externos e internos do
discurso. Sendo assim, a designação de “gramática da paginação” refere-se a
toda essa organização das páginas dos livros a serem lidos, estabelecida num
processo gradual de evolução da língua escrita.
Para Barbier (2010), é preciso considerar que a retomada e desenvolvimento
dos estudos sobre a sintaxe frasal muito contribuíram para que se
propusessem esses sinais de pontuação e essa a divisão dos textos em
parágrafos, além de facilitar a identificação das partes do discurso. É essa
página que também será o marco que diferenciará a citação do comentário, por
um lado e, por outro, também assegurará a liberdade do escritor: agora dono,
senhor da sua própria voz, outrora apagada pela técnica do ditado a um
escriba ou secretário, ou seja, autor e leitor tornam-se cúmplices dos sentidos
atribuídos aos mundos. Enfim, é essa gramática da paginação que fará a
página medieval explodir e assegurará o sucesso da impressão do livro da
48
Idade Moderna, quando a página dos livros inverte a posição da escrita vertical
para a posição horizontal. Esta gramática possibilitou o processo de interação
entre o escritor-leitor ou leitor-escritor, papéis sociais, hoje, indissociáveis e
trouxe novas implicações para a forma de se aprender a ler e a escrever.
1.6. A HISTÓRIA DO ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA
Segundo Lerner (2002) ensinar a ler e a escrever é um desafio que vai muito
além do ato de alfabetizar em sentido estrito, pois incorporar os “aprendentes”
à cultura letrada, tornando-os parte da comunidade de leitores e escritores.
Nesse sentido, a alfabetização é apenas uma pequena, mas muito importante,
etapa desse processo. Sendo assim, a história da alfabetização, considerado o
contexto de necessidades acima pontuado, segundo Batista e Galvão (1999),
abarca três períodos:
O primeiro, referente à Antiguidade e A Idade média, quando
predominou um ensino orientado pelo método e/ou princípio da
soletração, que privilegiava a leitura do texto escrito circunscrita aos
processos de decodificação: associar sinais gráficos aos sinais gráficos,
aos signos do discurso.
O segundo, que privilegiava a leitura do texto escrito por duas
perspectivas ou momentos de aprendizagem: aquele que tinha como
ponto de partida o texto para a aprendizagem da palavra ou o que partia
da palavra para o texto, predominou, no Brasil, até a década de 1960 e
se qualificou pelo uso de métodos sintéticos e analíticos.
O terceiro, situado por volta de 1986, orientado pela teoria da língua
escrita e por ela a leitura é considerada como uma atividade que faculta
ao aprendente atribuir sentidos ao texto que lê, decodificando-os,
compreendendo-os e interpretando-os de forma significativa. Trata-se de
um trabalho capaz de superar os limites da leitura como instrumento de
49
ação para situá-la como fundamento e fundação dos processos que
respondem pela ampliação dos conhecimentos prévios do leitor.
Nessa acepção, o primeiro método de ensino - a soletração - está associado à
criação do alfabeto e por essa razão também foi denominado método alfabético
ou do ABC. Por ele, afirma Araújo (1996) que a alfabetização se caracterizava
por um processo lento e complexo que era iniciado pela aprendizagem das
vinte e quatro letras do alfabeto grego, decoradas pelas crianças na mesma
ordem em que essas letras eram organizadas. À aprendizagem dessas letras
na ordem direta seguia-se aquela na ordem ou no sentido inverso, na qual as
crianças eram avaliadas por exercícios denominados decorar e saltar e, só
após esse processo, a forma gráfica das letras eram apresentadas e
aprendidas. A essas duas operações seguia-se a tarefa de associar o valor
sonoro (até então apenas memorizado) à respectiva representação gráfica de
cada um desses sinais, agora, escritos.
Observa-se, neste âmbito, que as primeiras grafias eram aquelas das letras
maiúsculas organizadas em colunas e só depois aprendia-se as letras
minúsculas, pois era necessário associar as letras a suas respectivas formas.
O mesmo processo era usado para o ensino das famílias silábicas, também
decoradas em ordem direta até serem esgotadas todas as possibilidades
combinatórias de cada letra na formação das sílabas, observada a seguinte
ordem: monossílabos, dissílabos, trissílabos e polissílabos, ou seja, esses
últimos se seguiam ao estudo da sílaba isolada. Esse mesmo procedimento
será reiterado pelas cartilhas12que, segundo Boto (1997), tem sua origem após
a invenção do silabário e, em se tratando daquelas produzidas para o uso de
textos grafados em língua portuguesa, tem o século XVI como seu marco
inicial.
12
O termo cartilha, segundo Boto (1997), constitui um desdobramento da palavra “cartinha”
que, por sua vez era usada em língua portuguesa desde o princípio da Idade Moderna, para identificar aqueles textos impressos cujo propósito explícito seria o de ensinar a ler, a escrever e a contar. Apresentavam usualmente o abecedário, a construção de palavras e suas subdivisões, alguns excertos simples com conteúdos moralizadores, quase sempre precedidos de excertos de orações ou de salmos, posto que a religiosidade era a marca daquele ensino primário que, pouco a pouco, se constituía.
50
Nesse sentido, os primeiros textos apresentados às crianças eram
segmentados em sílabas e, posteriormente, por palavras sem qualquer
segmentação e, antes da invenção da gramática da paginação, sem qualquer
espaço entre essas palavras e sem qualquer sinal de pontuação (cf. p. 35)
Observa- se que embora Platão considerasse o período de quatro anos
suficiente para se aprender a ler e a escrever, esse processo de alfabetização
ocorria durante doze anos. (Cf. p. 21 e 26)
Esse mesmo processo de ensino-aprendizagem orientado por procedimentos
sistemáticos de progressão - letra, sílaba, palavra, texto- foi utilizado não só
durante a Idade Antiga, mas também se fez extensivo à Idade Média. Estudos
arqueológicos têm possibilitado afirmar que os procedimentos referentes à
alfabetização medieval ocorrem em dois tempos subsequentes: a
aprendizagem do alfabeto e aquela da leitura dos primeiros textos que eram
escritos em língua latina e tinham cunho religioso. Afirma Araújo que, segundo
a cartilha Civile Honesteté des enfants (Paris, 1560), o professor deveria
apresentar à criança quatro letras por dia, sendo as primeiras as letras A, B, C,
D- fato que daria origem à palavra abecedário; contudo, no século XVII a
orientação exigia que se ensinasse as letras de três em três - ABC, DEF, GHI –
mas na primeira aula seria ensinada apenas a letra A, razão por que o termo
"abecê" não se explica apenas como redução do termo abecedário.
Observa também o autor o uso de vários artifícios ou estratégias empregadas
na Idade Média para facilitar a aquisição da leitura pelas crianças, pois nos
museus arqueológicos europeus estão expostos suportes utilizados na época,
onde se vê o registro de alfabetos em couro, tecidos ou mesmo em ouro,
tabletes de madeira ou gesso. Tais objetos eram colocados em contato com as
crianças desde a mais tenra idade para que elas pudessem olhá-los, observá-
los, examiná-los e com eles interagir. Assim, as imagens da época revelam
crianças sendo amamentadas com essas tabularas penduradas em seus
braços. Também é possível identificar alimentos como bolos, doces e bolachas
que tinham o formato dessas letras, para que as crianças, depois de
51
conhecerem as formas das letras, aprendessem seus respectivos nomes,
enquanto esses alimentos eram consumidos.13
Esse modo de ensinar por meio da soletração começou a ser questionado no
século XVI por alguns pensadores que o consideravam muito difícil. Alguns
desses pesquisadores apresentaram novos métodos como o ensino das letras
de palavras conhecidas pelos alunos e a própria reinvenção do método da
soletração, ensinando o som das letras em vez de ensinar os seus respectivos
nomes. Nestas buscas por um novo modo de ensinar, surge, em 1719, o
método fônico, cuja ênfase era dada ao som individual das letras que
compunham as palavras, provocando certo exagero considerado
desproporcional. O método fônico foi rejeitado no mesmo século em que foi
criado, no entanto, ainda hoje ele tem defensores, que alegam ser ele a
solução para o fracasso escolar no Brasil, contrariando os estudos linguísticos,
cujos postulados mostram que a menor unidade que o falante percebe ao falar
é a sílaba e não o fonema, visto que este último é uma unidade destituída de
sentido perceptível na fala.
Posteriormente, visando superar as dificuldades do método fônico, foi criado,
na França, o método silábico, pelo qual se ensina o nome das vogais, depois o
nome de uma consoante e, então, as famílias silábicas que formarão palavras.
Esse método foi criticado pela falta de contextualização e, desta crítica, surgiu
o método global, que ensinava a palavra partindo da própria palavra, pois as
palavras remetem algo conhecido pela criança e, portanto, com mais sentido
de ser aprendido,14já que falamos por palavras inteiras e não por pedaços
delas.
Após a criação desse método, focado na unidade da palavra, foram criados
métodos da sentenciação e outros que tinham como ponto de partida os contos
de fadas e outros aspectos inerentes à experiência das crianças. Neste
13
Observa-se ainda hoje o uso desta estratégia com a famosa “sopa de letrinhas”, cujo macarrão representa as letras do alfabeto e com elas as crianças podem brincar de escrever enquanto comem. 14
Em defesa ao método global, o gramático Nicolas Adams, afirma, em 1787, que para ensinar a uma criança o que é um vestido, mostra-se um vestido e não as partes que o compõem e assim também deve ser com as palavras.
52
sentido, os métodos da soletração, o fônico e o silábico, são de origem
sintética, pois partem da unidade menor para a maior; já os métodos da
palavração, sentenciação e os textuais são de origem analítica, pois partem de
uma unidade que possui significado para as unidades menores.
1.6.1. A HISTÓRIA DAS CARTILHAS
A cartilha surge no século XVI, a partir da invenção do silabário, que vem a ser
a sua primeira versão, e é utilizada como material para ensinar a ler e a
escrever. No Brasil, a partir da última década do século XIX, com a
organização republicana da instrução pública, observa-se o início de um
movimento de escolarização das práticas de leitura e escrita e de identificação
entre o processo de ensino inicial dessas práticas e a questão dos métodos. A
partir de então, a cartilha vai se consolidando como um imprescindível
instrumento de concretização dos métodos propostos e, em decorrência, de
configuração de determinado conteúdo de ensino, assim como de certas
silenciosas, mas operantes, concepções de alfabetização, leitura, escrita e
texto, cuja finalidade e utilidade se encerram nos limites da própria escola e
cuja permanência se pode observar até os dias atuais.
Na primeira metade do século XIX, formar leitores no Brasil implicava conviver
com um conjunto reduzido de material impresso para o ensino da leitura.
Uma parte desse era de natureza religiosa (Bíblia, Evangelho) ou legal
(Constituição Política do Império, Código Criminal) tal como previa o art.6º da
Lei Imperial de 15 de outubro de 1827. Foi a partir da segunda metade do
século XIX que começaram, com mais frequência, a surgir, no país, livros
nacionais de leitura destinados especificamente às séries iniciais da
escolarização. As cartilhas escolares passam a ser utilizadas nas escolas
primárias.
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http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_cartilhas.htm - acessado em 30/12/14.
A palavra cartilha, que vem de cartinha, remonta, por seu turno, às
situações mais corriqueiras e frequentes: até o século XIX, boa parte (muitas
vezes a maioria) dos textos escritos que as crianças traziam de casa para
utilizá-los na escola como materiais de ensino de leitura eram manuscritos:
dentre esses, as cartas, certidões, relatos de viagens. Muitos dos meninos e
meninas que, em Portugal, aprenderam a ler, inicialmente o fizeram mediante a
leitura de cartinhas. Ao analisar a Cartilha Nacional utilizada nas escolas
primárias, escrita por HILARIO RIBEIRO, foi empregado esse método no
IMPERIAL LYCEU DE ARTES E OFFICIOS. A sua 1ª edição foi em 1885 e,
segundo o Prefácio do Autor , ela foi resultado de suas experiências com o
ensino simultâneo da leitura com a escrita, pelo método fônico. O método da
Cartilha Nacional constituía em: depois que o aluno tiver uma ideia clara e
consciente de que as vozes são representadas na escrita pelas vogais, e
analisados os respectivos valores de cada uma, passará o professor a
discriminar os elementos fônicos das consoantes, começando pelo v que tem
valor certo e proferível. O método proposto é sintético (que partem de
segmentos menores da língua que sintetizados formarão o todo). Do ponto de
vista histórico podemos observar através do seu trabalho o realce ao valor
moral e cívico.
54
http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_cartilhas.htm - acessado em 30/12/14.
No final do século XIX, a leitura era um instrumento importante para a
educação cívica e moral, que poderia ser adquirida através dos livros de
leitura que, segundo ele, eram a “mola real do ensino”. A ideologia que informa
os aspectos ligados à cidadania nos textos das cartilhas geralmente se refere à
família, à escola e à pátria. A família é apresentada nas cartilhas como um
mundo à parte em si e para si, desvinculada da realidade social e econômica.
Os textos moldam uma personalidade de indivíduo subordinado às autoridades
públicas e desprovido de visão participativa no mundo. Entretanto, são
esparsas as informações sobre as cartilhas entre os séculos XIX e XX.
Embora a maioria das cartilhas esteja associada a métodos sintéticos de
ensino, há também aquelas que aderem ao método analítico, como a Cartilha
Maternal, do poeta João de Deus, editada ainda hoje em Portugal. Em geral,
independente do método de ensino, a alfabetização até o final do século XIX
acontecia inicialmente em letra cursiva (manuscrita) e só depois em letra
bastão, ou de forma.
55
A publicação de cartilhas cresceu muito a partir de 1930 e se tornou um grande
negócio, em decorrência do qual, passou a ser editado junto às cartilhas o
Manual do Professor, cuja função é orientar o professor quanto ao uso
adequado desse material, que apesar das críticas por apresentarem o texto
apenas como um pretexto para uma leitura pouco proficiente, durante décadas
se alfabetizou apenas por meio de cartilhas e há quem defenda o uso desse
material, com o argumento de que ele foi eficiente num passado próximo e,
portanto, pode ser eficiente no presente, mas deixaremos esta discussão para
adentrarmos os conceitos de alfabetização e letramento no próximo capítulo.
1.7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resgate da história da leitura pela história da invenção escrita possibilitou que
se compreendesse o fato de os alfabetos terem sido inventados por diferentes
povos e por um processo bastante demorado e, nele implicadas, inovações,
renovações ou reconstruções, inclusive de seus suportes materiais. A
renovação desses diferentes e variados suportes – tabuinhas de argila,
superfícies lisas de pedras usadas na construção de palácios ou muralhas,
papiros e pergaminhos, por exemplo – coexistiu, por um lado, em um dado
tempo de duração de um dado modelo de formação ou modelo de sociedade,
como a egípcia, a grega e a romana. Por outro lado, alguns deles deixam de
ser usados pelos aprendentes de escritores ou escritores propriamente ditos de
uma sociedade – as tabuinhas de argila, as pedras, por exemplo – de modo
que, no final da Idade Média, persistem os papiros e os pergaminhos, mas
estes últimos sob a forma de códex: o protótipo do livro moderno. Esses
suportes, com a invenção da imprensa dos tempos modernos, da folha de
papel e do livro, passam a ser documentos alocados em grandes bibliotecas ou
museus públicos, por um lado e, por outro, nos dias atuais, as tabuinhas de
argila retornam nas telas do computador ou nas dos “tabletes” propriamente
ditos, quando os dedos das mãos substituem as cunhas e os estiletes de ferro.
Hoje, também o livro impresso já divide o espaço social com o e-book.
56
Esse contexto de mudanças ou transformações das formas desses suportes
impuseram mudanças de comportamentos dos leitores para exercerem suas
práticas de leitura: se antes era necessário desenrolar e enrolar, ao mesmo
tempo o papiro ou o pergaminho, o que impedia trabalhar com vários textos ou
consultar o conteúdo de um pelo do outro, hoje isso se tornou uma prática
comum e corriqueira para leitores proficientes. Assim, tomar notas enquanto se
lê, com o advento do livro tornou-se uma prática usual para esse tipo de leitor,
mas a leitura praticada na tela do computador não deixa de ter significativo
grau de similaridade com a passagem do texto registrado no volumen que se
desenrolava sob os olhos do leitor. Todavia, para suprir essa falta referente ao
ler registrando, estão criados alguns aplicativos para computadores e tabletes,
que deverão facilitar a possibilidade de o leitor fazer apontamentos desses
textos lidos nessas telas. Nesse contexto e a princípio, o registro do texto
escrito se fez sob a forma de longas linhas horizontais, no sentido da largura do
papiro ou do pergaminho; mas, gradativamente, a sua disposição em colunas
verticais, em substituição às linhas horizontais, vai se tornando cada vez mais
frequente, favorecendo o advento do códex, no final do período medieval.
Observou-se que tais mudanças contribuíam com o ensino da leitura, à
proporção que elas facultavam aos aprendentes das práticas de leitura atribuir
aos textos que liam, maior grau de legibilidade. Entretanto, com a invenção da
gramática da paginação, esse grau de legibilidade é estendido à totalidade
material de um texto nas páginas dos livros modernos, continuamente
aprimorada, por meio do espaço em branco instituído entre as formas
vocabulares das palavras, não mais grafadas de forma abreviada, a pontuação
e a convenção ortográfica instituída ao longo dos séculos dos tempos
modernos. Por conseguinte, a escola moderna, ao negligenciar o ensino
desses aspectos formais do texto, contribui para registros de textos ilegíveis,
razão por que muitos professores, senão a maioria deles, exigem “os textos
digitados na tela do computador e impressos na folha do papel”. Entretanto, ao
ensinarem a produção de texto escrito, em sala de aula, e avaliarem esse tipo
de produção dos alunos, seus professores têm dificuldades, quando não se
veem impossibilitados, de avaliarem essas produções em razão do baixo grau
de legibilidade e, consequentemente, de leitura.
57
Foram identificadas ao longo desse estudo duas modalidades de leitura: a
leitura intensiva, que no fluxo do longo tempo da invenção da escrita e do seu
ensino escolar passou a conviver, gradativamente, com a leitura extensiva.
Pode-se observar que, a princípio, e, em razão da impossibilidade de
reprodução dos textos antigos por meio de cópias, ou do difícil acesso aos
textos originais, eles eram lidos de maneira intensa, profunda e reiterada.
Todavia, com a invenção da imprensa e a reprodução inumerável de uma
mesma obra – sem ignorar o fato da facilidade de editoração de um número
incontável de livros de diferentes áreas do saber e a facilidade do processo de
distribuição dessas obras – a leitura intensiva passa a conviver com a
extensiva, assim, essas duas modalidades de leitura hoje convivem nas
sociedades modernas, visto que hoje, leem-se alguns textos de forma intensa,
profunda e reiterada – leitura intensiva – e uma enorme quantidade de textos
de uma maneira mais rápida e superficial – leitura extensiva.
58
CAPÍTULO II
FUNDAMENTOS TEÓRICOS: FACILIDADES E DIFICULDADES PARA A
APRENDIZAGEM DE PRÁTICAS DE LEITURA.15
2.1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS O domínio da escrita indissociável das suas práticas de leitura é símbolo de de
outro modelo de formação social das comunidades humanas permeadas e
transpassadas pela reflexão por meio das quais os humanos se fazem autores-
intérpretes de suas próprias histórias, ou sábios por deixarem de viver a
história construída por alguns outros poucos. A bibliografia selecionada e
trabalhada desvela o quanto essas práticas complementares são difíceis por
requererem uma aprendizagem formal por meio da qual o aprendiz ascende
aos processos de codificação de conhecimentos de mundos que,
materializados por sinais gráficos, qualificam-se por alto grau de
permansividade no tempo. Assim, quando se busca tematizar a aprendizagem
da leitura da língua escrita, necessariamente se faz referência não só ao
domínio desse sistema de sinais, mas principalmente, aos conhecimentos
adquiridos por intermédio desse domínio, quando se é capaz de usar os
15
A escolha desta tira para abrir o Capítulo Teórico desta dissertação deve-se à retomada de uma possível reflexão sobre os métodos de ensino da leitura do texto escrito, visto que Mafalda questiona os textos “cartilhescos”, que são apenas pretextos para a apresentação artificial de letras, sílabas e fonemas, desprovidos de qualquer contextualização e possibilidade de análise, quiçá de formação política para o exercício da cidadania.
59
primeiros como recursos para fazer remissão aos segundos. (cf. Capítulo I,
item 1.3, p. 16 e 17 e item 1.7, p.40).
Neste capítulo, à semelhança de Assurbanipal (cf. Cap. I p. 40 – caminharemos
em busca dos conhecimentos científicos que se ocultam entre os sinais das
formas mortas da língua escrita, próprios desse tipo de textos, em busca das
palavras dos discursos que eles engendraram - e engendram - para tematizar a
leitura. O relevo atribuído aos sentidos, produzidos pelos pesquisadores a
esses discursos, incidem sobre investigações que tratam, por um lado, de
pressupostos teóricos sobre as práticas da leitura significativa da vertente
sócio-cognitivo-interacional e, por outro lado, sobre a aprendizagem proficiente
dessas mesmas práticas. Tem-se por ponto de partida a própria concepção de
prática discursa que, segundo estudos mais recentes diferem quanto às
abordagens tradicionais que pressupunham ser o conhecimento explicitado
pela interiorização de processos sociais e, ao mesmo tempo, a exteriorização
psicodinâmica dos mesmos. Os estudos mais recentes, mais especificamente
aqueles desenvolvidos por Bakhtin (2003), pressupõem que o conhecimento
não se explica como algo que se possui, mas como produto daquilo que se
constrói em sociedade, cuja mola propulsora sempre foram - e ainda são - as
ações dialógicas.
Assim, o estudo de tais construções, mantidas ou asseguradas no fluxo das
interações entre os humanos, não se tipificam pela pretensão de se poder
querer esgotá-las, mas em abdicar do ponto de vista por meio do qual a mente
humana espelha a natureza; razão por que a conversação contínua e
intermitente deve ser mantida em fluxo contínuo. Nesse e por esse fluxo, os
fatos sociais são versões de mundos implicadas nas práticas dialógicas das
relações humanas inerentes às leituras dessas mesmas versões de mundos.
Elas sempre carregaram e carregam consigo as “permanências” e, ao mesmo
tempo, “as rupturas” de velhos significados socioculturais e históricos, por meio
das quais esses velhos significados convivem com novos-outros sentidos.
(Turazza, 2006).
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Orientados por essa concepção de práticas sociais inerentes à construção de
novas versões do mundo da leitura, neste Capítulo – cujo objetivo é identificar
procedimentos que qualificam o leitor proficiente do não proficiente - tomou-se
como ponto de referência os significados atribuídos aos modos de ler, inscritos
nos registros da história da leitura, por um lado. Esses modos de ler – em voz
alta, ou no espaço da esfera pública (leitura pública); em silêncio ou no espaço
da esfera privada (leitura individual); leitura intensiva e extensiva – possibilitou
a identificação de algumas variações ao longo das práticas constantes que
qualificam, historicamente, os atos de leituras de textos escritos, conforme
dados registrados no Capítulo I. A necessidade de verticalizar essas
modalidades de leituras justifica-se pelo fato de os conhecimentos científicos
sobre o objeto investigado terem sido ressemantizados ao longo da segunda
metade do século XX estendendo-se pelas atuais décadas do século XXI.
Implicado nesse processo de extensividade situa-se a busca pela
ressemantização dos procedimentos que orientam as práticas de docência e
incidem sobre a aprendizagem significativa de práticas de leitura proficientes,
no campo do seu ensino escolar.
2.2. Modos de Dizer e de Ouvir as Vozes Leitoras do Passado
Cavallo e Chartier (2002) observam para seus leitores que suas tarefas
consistem em reconstruir por meio da singularidade da história das diferentes
vozes leitoras do passado as diferentes maneiras de ler os textos produzidos
no passado remoto. E, para tanto, eles não podem ignorar as palavras de Paul
Ricoeuer (1978) para quem a atenção deve se voltar para o modo como se dá
o encontro entre o mundo do texto e o mundo do leitor, visto que as
significações não só emergem das formas e das circunstâncias desses
encontros, mas também dos meios pelos quais os textos são recebidos e
apropriados por seus leitores. Esses nunca foram e não são leitores ideais
confrontados com textos abstratos, ideais, desligados de qualquer
materialidade, mas objetos que manipulados possibilitam a audição de palavras
que governavam e governam as práticas da escuta e, assim procedendo – ao
aprender não só a ouvir, mas a escutar as palavras durante as atividades de
leitura – torna-se possível comandam a compreensão dos referidos textos.
61
Entretanto, é preciso ponderar que a semântica da palavra e, necessariamente
dos textos, não se limitam apenas às teorias da recepção, pois as formas das
palavras e dos textos que delas fazem usos também se revestem de sentidos,
razão por que a mudança de suporte material implica outras modalidades ou
modos de ler. E, nessa acepção, a história dos modos de ler abarca a história
não só dos objetos escritos, mas também das palavras leitoras, visto ser ela
uma prática encarnada por gestos, espaços, hábitos e tradições que orientam
os modos de ler.
Nesse contexto de pressuposições, os autores chamam a atenção de seus
leitores sobre os diferentes modos de ler - inclusive sobre a leitura de mundos,
feitas pelos analfabetos e alfabetizados – pois essas diferenças não esgotam
aquelas entre os modos de ler os suportes escritos, a leitura pública. Observa-
se, neste caso, que antes do advento da imprensa, o trabalho de divulgação de
textos oficiais eram lidos publicamente, diante de vários súditos e servos, na
grande maioria analfabetos. Esse trabalho do leitor - que desenrolava
gradativamente o rolo de papiro à vista medida em que fazia a leitura do que
nele fora ditado pelo rei e registrado pelo escriba – implicava a atenção desses
ouvintes que recaia sobre as palavras que o rei a eles mandava dizer. Hoje, os
jornais locais, nacionais e internacionais – embora ocultem os textos escritos,
propagados por meio das telas da televisão, mas lidos pelos apresentadores
dos telejornais – também são palavras redigidas em língua escrita por editores
desses telejornais, sob a forma de notícias. Contudo e geralmente, os seus
ouvintes estão sentados em um sofá e têm diante de si apenas a imagem do
apresentador do jornal, cuja função é a de oralizar o texto do editor que, na
condição de empregado do dono da empresa jornalística – uma concessão do
governo – diz aquilo que ele deve e pode saber sobre os acontecimentos
diários, à semelhança de seus antecedentes; sejam eles alfabetizados ou
analfabetos. (cf. Cavallo e Chartier, 2002) O público-ouvinte foi fragmentado
em pequenos grupos de familiares e dessa fragmentação tem-se a variação de
formas de escritos e de identidade pública desses grupos para melhor
compreender a significação móvel e plural dos textos divulgados. Segundo
ainda esses atores (op.cit. 2002; p. 7.):
(...) os contrastes que marcam os contrastes no longo prazo das diferentes maneiras de ler, caracterizam em seus desvios,
62
as práticas das diversas comunidades de leitores, dentro de uma mesma sociedade, observando atentamente as transformações das formas e dos códigos que modificam, ao mesmo tempo, o estatuto e o público dos diferentes gêneros textuais.
É preciso, ainda, não ignorar modos de ler que desapareceram ou que foram
marginalizadas no mundo dos tempos modernos ao qual nos integramos, como
é o caso da leitura em voz alta em sua dupla função: a de comunicar o escrito
àqueles que não sabem decifrá-lo e também a de encaixar formas de
sociabilidade que são outras tantas figuras do espaço privado (op.cit.p.8). O
esquecimento dessas práticas marginalizadas são os gestos esquecidos,
hábitos que desapareceram e despertam estranhezas para pesquisadores por
se fazerem incomuns àqueles que leem em silêncio, movimentando apenas os
olhos. Assim, quando nos referimos a textos antigos, temos por referência
aqueles que foram compostos para leituras de nossos antepassados: aqueles
que, ainda na Idade Média e mesmo nos séculos XVII e XVIII tinham ouvintes
de uma voz leitora e não leitores propriamente ditos como hoje os qualificamos
e compreendemos. Eles eram dirigidos aos olhos e aos ouvidos e por isso
ainda jogavam com formas e fórmulas aptas a submeterem a língua escrita às
exigências próprias do desempenho da língua oral.
No caso dos textos literários convém pontuar o fato de esses tipos de textos
não existirem em si e por si mesmos, separados de qualquer materialidade
discursiva, pois mesmo esse tipo de texto, nunca teve ou terá dele excluído o
suporte que assegura a objetividade da sua materialidade linguística. Nenhum
autor do passado ou do presente escreveu ou escreve livros que não tenham
se tornado objetos escritos – sejam eles manuscritos, impressos ou gravados –
e manejados de diferentes formas por leitores reais, os de carne e osso.
2.2.1 As Leituras em Voz Alta e a Silenciosa na Europa Ocidental
A palavra escrita oralizada se faz presente no modelo de formação
sociocultural da antiga civilização grega desde o século VIII a.C, quando a
escrita alfabética, herdada dos fenícios, se faz totalmente reinterpretada por
aquele povo por meio do acréscimo das vogais aos sons consonantais,
63
conforme registrado no Capítulo I. Marcada por alto grau de valorização dos
usos da língua oral, já inscritos na esfera do poder político, era a palavra oral
que reinava como marco cultural de forma incontestável, entre seus grupos
sociais; razão por que os textos eram por eles escritos para serem ditos em
público. É nesse sentido que, embora aprendidos nas suas escolas, eram
corrigidos pelos redatores, mediante leituras dos mesmos, mas sempre feitas
pelos próprios alunos- redatores-leitores, de modo a aprenderem os modos de
dizê-los na esfera do espaço público. Na antiga Grécia, pontuam Cavallo e
Chartier (0p.cit.2002: p. 40 e 41), que “(...) nos primeiros tempos a palavra oral
reina de forma incontestável (...)”, de sorte que sob a forma de “fama
imperecível”, ou pela “gloria pós-morte”, o sentido fundamental do som das
palavras era o meio usado para representar os heróis de suas epopeias dos
tempos homéricos. A eficácia da sonoridade das palavras é, portanto, a razão
da existência do próprio herói que sempre aceitaram a morte gloriosa, em
combate. Nessa acepção, entendiam que uma escrita muda, formada apenas
pela escrita consonantal, não era capaz de representar o sentido fundamental
da sonoridade, da acústica do tanger das espadas de um combatente de alma
nobre ou cidadã, ou seja: “(...) para que serviria „uma escrita muda‟, em uma
cultura na qual a tradição oral se acredita capaz de assegurar sua própria
permanência sem outro suporte além da memória e da voz dos homens?”.
A resposta a essa questão, segundo os autores, seria aquela que asseguraria
a produção de uma maior intensidade a ser atribuída aos sentidos da forma
vocabular “bleos” – ao poder da “fama e da glória” para os ouvidos, ou seja,
(...) a produção de mais bléos, (...), graças às inscrições funerárias que garantiam uma nova forma de posteridade dos mortos. Assim, a escrita teria sido utilizada pela cultura oral em uma perspectiva que não seria a de proteger a tradição épica (embora ela acabe por fazê-lo}, mas sim a de contribuir para a produção de som, de palavras eficazes, de glória retumbante.
Heller (1970) chama a atenção de seus leitores sobre o compromisso da leitura
com o passado e, mesmo em se tratando da leitura da civilização do oral, a
denominada leitura de mundo(s) teve e tem a função social e comunitária de
socializar informações por meio de rituais ou espécie de cerimonial coletivo. É
64
nessa acepção que por ela respondia os anciãos: aqueles cujas memórias
eram valorizadas e preservadas pelos seus papéis de mestres, conselheiros,
chefes a quem todos ouviam e respeitavam.
Afirma essa autora que esquecer o compromisso da escrita com o passado é
promover rupturas na história da própria humanidade e ignorar que a
aprendizagem entre os humanos, por um lado, tem por ancoragem primeira a
imitação e, por outro, a sabedoria. Tal ignorância não deixa de ter por
referência o fato de se acreditar que os homens dotados vastos conhecimentos
são na verdade sábios, pois, em verdade, a sabedoria não equivale à
quantidade, mas ao uso qualitativo, inteligente, adequado e proficiente de
conhecimentos que os homens detêm. Logo, confundir essas duas dimensões
pode implicar em avaliações impróprias ou inadequadas sobre procedimentos
ou comportamentos humanos, pois um analfabeto pode agir com muito mais
sabedoria do que aquele que é altamente letrado. Observa também que a
escrita alfabética não só se adaptou às tecnologias dos mais variados e
diferentes tempos históricos e a elas continua se adaptando para divulgar
informações que, processadas adequadamente, transmudam-se em
conhecimentos: alicerces da sabedoria. Embora a escrita tenha respondido e
talvez continue a responder pela escolha de alguns poucos que podem
ascender ao espaço ocupado por seus saberes divinos que garantiram e
garantem aos homens descobrirem os segredos da vida comercial pelo
contrato dos lucros, há ainda uma grande maioria que não têm acesso a essa
divisão lucrativa, mas desproporcional. Assim, ignora-se o fato de ela também
ser capaz de desvendar segredos de outros bens sobre os quais o próprio
mundo do mercado não tem total acesso e tampouco controle: aqueles sobre o
domínio de novas ideias, novos hábitos, novos costumes e novos
conhecimentos que podem ameaçar o futuro. Nesse sentido e desde a sua
origem, a escrita tenha sido interpretada como uma técnica dada aos homens
pelos deuses da sabedoria: a chave de qualquer poder. (cf. Cap. I).
65
2.3 As Permanências nas Diversidades: Modelos de Práticas de Leitura
Os tipos de leituras – principalmente aqueles qualificados ao longo do tempo
da invenção da própria escrita – quando correlacionados aos estudos
científicos propostos para o estudo das línguas humanas de caráter estrutural,
desenvolvidos ao longo do século XX, mais especificamente até as décadas de
1960 a 1970, não se distanciam daqueles que foram cultivados ao longo do
tempo de implantação da própria civilização da escrita. Segundo Bloomfield.
(op.cit. p. 264; in: Harris, T.L. e Hodges R.E, 1983), a leitura implica apenas a
“correlação de uma imagem sonora com a correspondente imagem visual”;
razão pela qual se mantém, ainda no século XX, a velha concepção de que o
saber ler é saber decifrar ou codificar-descoficar informações. Excluído o
homem desse campo de investigações e com ele a própria história da leitura,
essa perspectiva faz prevalecer o valor e o papel social da língua sistema,
dissociado da função social das atividades da fala e, consequentemente, das
funções exercidas pela leitura nas esferas sócio individuais do desenvolvimento
humano. Assim, no campo do ensino-aprendizagem, as práticas de docência
se mantinham dissociadas dos processos de compreensão e de interpretação
dos textos propostos para a leitura, cabendo ao aprendente se limitar a
pronunciar corretamente as palavras imprensas mesmo que não
compreendessem seus significados e, consequentemente, fossem incapazes
de atribuírem a elas sentidos postos ou pressupostos pelos referidos textos.
Trata-se de uma posição ou postura didática em que as aquisições de
significados a serem transmudados em sentidos, pelos produtores-leitores, não
eram perspectivizados como meios para a formação geral das pessoas ou
indivíduos.
A partir das décadas de 1960-1970, os modelos estruturalistas passam a ser
questionados face à insuficiência de eles serem incapazes de darem conta das
variadas e diferentes funções das atividades da fala, ordenadas e organizadas
pelas formas linguísticas de que resultam os textos: unidades de sentidos que
se explicam pela dupla lateralidade dos significados que, tecidos e entretecidos
entre si, respondem pela sua textura. Retoma-se a concepção de texto que,
66
numa perspectiva etimológica, deriva da palavra latina textum, cujo sentido
aponta para uma estrutura coesa e autônoma, construída pacientemente por
meio de elementos entrelaçados e encadeados de que resulta um produto final
que se pode apreciar e manipular. Neves e Oliveira (2001) ocupam-se em
analisar um conjunto de definições propostas, desde os primeiros anos da
década de 1960 por diferentes autores, e colocam em relevo o fato de elas
postularem ser a função comunicativa e social aquela revestida de maior
importância. Concebido como produto de atividades verbais em contexto, o
texto assume o seu caráter de unidade e totalidade semânticas coesas e
coerentes e, nessa acepção, não pode ser focalizado apenas como
justaposição de frases, ainda que inter-relacionadas entre si, mas como
discurso, ou ato de enunciação oral ou escrita e, nessa condição, afirmam ser o
texto a unidade fundadora das práticas discursivas.
Ao longo desse desenvolvimento de fundamentos teóricos sobre a concepção
de texto como produto de práticas discursivas, muitos autores como Viana e
Teixeira (2002) ponderam não se poder negligenciar que a descodificação é
uma condição fundamental que, quando não satisfeita, impedirá o
desenvolvimento da leitura; contudo, reduzir a leitura a técnicas de
descodificação sempre foi uma posição limitada que impede o acesso à
produção de conhecimentos e, necessariamente, não faculta o
desenvolvimento sócio-cognitivo-interativo humano. Compreendendo ser a
leitura a interação entre os conhecimentos prévios do leitor e novas
experiências por ele vivenciadas, extensivas a informações léxico-gramaticais,
associadas a signos gráficos implicadas nos processos de descodificação de
informações não linguísticas, autores como Smith (1978.), Charmeaux (1975) e
Goodman (1995) privilegiam a dimensão psicolinguística da leitura na sua
relação entre pensamento e linguagem.
No fluxo desse processo de revisões sobre o ato da leitura, por meio do qual
ela é focalizada não apenas como atividade que faculta ascender aos
processos de produção de sentidos do texto escrito, mas também assegurar o
acesso ao pensamento e julgamento pessoal do próprio leitor. Esse esforço
para entender a concepção de leitura, em busca uma abordagem capaz de
67
abarcar a relação entre linguagem e pensamento possibilitam que ela também
seja considerada como ato de socialização que se explica como um processo
multifacetado e multidimensional, implicado desde o reconhecimento da
palavra até a intervenção de processos mentais superiores. Ela envolve tanto
o reconhecimento dos signos impressos por meio dos quais se faz a evocação
dos significados das palavras construídos por experiências do passado e a
reconstrução de novos-outros significados pela manipulação de conceitos já
conhecidos pelo leitor. Esses são organizados por processos desencadeados
por outros-novos pensamentos que conduzem, orientam ou desencadeiam
novos comportamentos que se integram, favorecendo tanto o desenvolvimento
da pessoal e social do leitor.
Todos esses modelos partem do pressuposto que uma vez descodificada as
formas vocabulares e/ou as frases enunciadas pelo escritor-leitor de um texto,
por se atribuir a elas significados, convertendo-as em palavras, o processo de
compreensão das primeiras e os sentidos dos enunciados frasais serão
naturalmente compreendidos.
O quadro acima é complementado, reelaborado por estudos de Rumelhart
(1994) que busca reconciliar posições extremas e incapazes de representar
adequadamente conhecimentos que, produzidos pelo leitor em situações de
interações, tipificam-se por serem diferenciados e variáveis ou de diferentes
fontes ou dimensões. A leitura, para esse autor, abarca o processamento do
texto, o uso de experiências e de expectativas que, no fluxo dos processos
interativos, asseguram o processamento dessas variadas e diferentes
informações, asseguradas pela compreensão do leitor sempre gerada e
controlada pelos estímulos impressos. Há, portanto, tantas modalidades,
modos de processar as informações produzidas pelas práticas de leituras
quantas são as pessoas que leem os tipos de textos ou gêneros a serem lidos
– sejam esses modelos ascendentes ou descendentes – que exigem o domínio
de esquemas ou modelos complexos de leituras. A riqueza e/ou complexidade
do processamento de informações pelo produtor-leitor, bem como falhas na
apreensão de informações que, para seus estudiosos se torna impossível
postular um único modo de ler.
68
Os estudos de Rumelhart (op.cit.) permitem considerar não haver um modelo
único para o processamento de informações, por conseguinte aqueles usados
por um leitor maduro ou proficiente e por leitores iniciantes não são
equivalentes. Os primeiros fazem usos de estratégias flexíveis em função do
tipo de texto que leem, dos objetivos a que se propõem a alcanças por meio de
suas leituras, os arquivos de seus conhecimentos prévios ou grau de
desenvolvimento de seus modelos cognitivos ou estilos de leituras. Assim, o
leitor maduro ou fluente domina os processos que a ele facultam identificar
novas informações, faz uso flexível e estratégico dos mesmos para ascender
aos significados dos textos escritos que lê, identifica ou produz inferências
autorizadas em relação a seus objetivos e/ou intenções, além de articular um
conjunto de operações mentais e atitudes que são facilitadoras de outras
aprendizagens. Portanto, não basta descobrir quais são as estratégias que
guiam ou orientam os procedimentos de um leitor maduro, envolvidas no ato de
ler, sem que se tenha como referência as razões ou objetivos por meio dos
quais as pessoas leem, ou quais são os propósitos que desencadeiam ou
motivam a leitura de um texto “x” ou “y”, “z”, etc.
Uma síntese dos estudos, acima registrados, aponta que a leitura: a) tem papel
fundamental nas atividades que facultam o desenvolvimento psicossocial de
seus aprendentes, por isso ela não se reduz a mecanismos de justaposições;
b) qualifica-se como atividade criativa e formativa que favorece o
desenvolvimento integral da criança ou do jovem, e ainda ao: c) desenvolver os
processos mentais próprios da aprendizagem, os seus aprendentes ao: c.1)
ampliar o domínio e o uso flexível de usos de regras de caráter linguístico que
qualificam os modelos de codificação- descodificação de caráter lógico, ou
seja, esse domínio favorece experiências de manipulação de regras e de suas
relações, que: c.2) diferenciar e classificam os conhecimentos linguísticos pelos
não linguísticos, ou vice-versa; logo, a leitura amplia os modelos ou esquemas
classificatórios de conhecimentos de mundos; logo, c.3) favorecer a
diferenciação conceptual pela diferenciação de novas relações entre os
conceitos. Enfim, com ou por meio dela, também se aprende a pensar; razão
por que elas responde pela aprendizagem de novas palavras, de outras
69
modalidades de conceber novos-outros conhecimentos, desde que a leitura
mobilize o desenvolvimento de atitudes de pesquisas e descobertas de modos
de agir criativos, visto ser ela o elemento capaz de desencadear movimentos
que mobilizam a força produtora da linguagem ativada pelo pensamento crítico
e/ou reflexivo. Nessa acepção, ela responde pelos processos do
desenvolvimento da linguagem que ativa e é ativada pelo próprio pensamento
que se desenvolve e, ao mesmo tempo, é desenvolvido pela própria linguagem
e, nessa acepção, a leitura envolve operações mentais e atitudes referentes a
modos de ser e de agir no/sobre os mundos.
2.4 O Texto Produto e o Texto Processo pelo Ato da Leitura
Fundamentando-se nos modelos sócio-cognitivo-intertativos van Dijck se
desloca de seus estudos que incidiam sobre a Gramática do Texto, depois de
considerar ser impossível defender a hipótese segundo a qual os textos se
deixariam descrever por regras gramaticais. Voltando as suas investigações
para o campo da “Análise do Discurso” e, orientando- se por uma perspectiva
crítica de caráter interdisciplinar, de modo a privilegiar resultados obtidos de
pesquisas psicossociológicas e histórico-culturais, de modo a contemplar a
hipótese de que os humanos, em todos os lugares e tempos, sempre falaram e
falam por textos coesos e coerentes, van Dijck se ocupa em formalizar um
modelo sócio-cognitivo-interativo para o tratamento das questões linguístico-
discursivas. Trata-se de um modelo estratégico para o processamento do
discurso, desenvolvido entre as décadas de 1980 e 2000.
Esse modelo de processamento textual-discursivo, como advertem os seus
autores (Viana e Teixeira, 2002; p. 22), não se explica por níveis – proposta
teórica da linguística estruturalista – mas por complexidades, pois diferentes
diversos e variados tipos de informações podem ser usados pelos produtores
de sentidos para compreendê-las e integrá-las umas às outras:
Partimos da compreensão das palavras para a compreensão das orações nas quais as palavras têm várias funções e daí para sentenças complexas, sequências de sentenças e estruturas textuais gerais. Mesmo assim existe uma realimentação contínua entre unidades menos complexas. A
70
compreensão de uma palavra em uma oração dependerá de sua estrutura funcional enquanto um todo, tanto na dimensão sintático quanto semântica. Isto significa que, ao invés de operarmos com um modelo convencional de processamento, operamos com um modelo estratégico. (...) A noção (...) de estratégia de compreensão (...) desejamos usá-las para processamento de diferentes dimensões das informações discursivas, tanto para as textuais como contextuais (....).
As estratégias, portanto, estão concebidas como próprias ou inerentes aos
conhecimentos específicos e aos gerais, sendo elas dependentes não só de
informações textuais-discursivas, mas também das características dos usuários
da língua, ou seja, dos objetivos ou conhecimentos de mundo dos produtores,
visto que elas fazem parte do conhecimento geral que, por sua vez, fazem
parte ou representam o conhecimento procedural sobre a compreensão do
discurso. Nessa acepção, elas precisam ser aprendidas e reaprendidas, antes
de serem automatizadas, pois outros ou novos tipos de discursos e/ou formas
de comunicação podem exigir a aprendizagem de outras novas estratégias de
produção de sentidos.
2.4.1 O Processamento de Informações pelo Produtor-Leitor
Os modelos relacionados aos processos de compreensão, afirma v. Dijk (2004;
p.12, 30 e 31), está relacionado ou associado àquele do processamento do
discurso e àquele de produção ou transmudação de significados em sentidos,
pois as estruturas tanto podem ser especificadas por procedimentos de análise
ou de síntese. Assim as regras de processamento sempre foram e são
especificadas por procedimentos analíticos ou de sínteses usadas ou aplicadas
pelo leitor, por meio de mapeamentos mentais e por relações entre
representações semânticas e da ordenação das expressões das estruturas de
superfície de um texto. Todavia, não é possível inverter a direção desse
mapeamento, pois o leitor tem acesso a diferentes tipos de informações a cada
ponto ou movimento de compreensão e as estratégias por ele aplicadas serão
diferentes e variáveis. Isto significa que o leitor “terá de perceber o tópico do
discurso de diferentes maneiras (...)”. e, dentre as principais estratégias por ele
aplicadas de que resulta esse seu trabalho de produção, as “principal
estratégia é a produção da macroestrura textual” pelo processamento da sua
71
microestrutura, pois na dimensão semântica do discurso, a construção dos
sentidos a ele atribuído é “composto de elementos dos conhecimentos gerais e,
especialmente, pelo processamento de elementos do modelo situacional
(...)”situacional.
O autor, por meio desses fundamentos, afirma que a principal tarefa do leitor
está voltada para o trabalho de processamento da base do texto quando, de
maneira estratégica, ele escolhe entre informações implícitas e explícitas e, por
elas constrói a base semântica do texto de modo a construir a sua coerência
local, por meio de diversos dados semânticos, pragmáticos e contextuais.
Essa mesma perspectiva teoria sobre o processamento online das
informações identificadas no fluxo dos movimentos pela leitura é pontuada por
Kleiman (2002) , referente ao leitor proficiente para a produção de sentidos
atribuídos aos significados das informações processadas por esse tipo de
leitor. Assim, os procedimento por meio dos quais se atribui coerência local e
global a um texto e identificar sua referência temática se qualifica por um
contínuo movimento de vaievem e, por eles, são feitas remissões entre
passagens desligadas do texto. Tais movimentos implicam a ligação e a
sobreposição simultânea de elementos constitutivos de frases e de frases
entre si para a construção dos sentidos globais, ou seja, é por meio dessas
relações simultâneas, cujo limite é proporcional à capacidade de memorização
que o leitor carrega consigo e, por ela, ele conjuga a dimensão linear com a
alinear dos textos que lê.
Entende-se que, articulando essas duas dimensões, o leitor ultrapassa o
movimento da leitura linear e abre o horizontes infindável de releituras,
retomando suas próprias pegadas, movendo-se ou se deslocando aos saltos e,
assim procedendo, utilizando-se de estratégias que a ele facultam: a) cancelar
proposições referentes a informações não fundamentais para o processo de
interpretação; b) identificar e construir por processos de integração proposições
genéricas, agrupando conjuntos não genéricas entre si e, por meio desses
processo de identificação de proposições não fundamentais ou de suas
reconstruções por proposições fundamentais de caráter genérico, faz uso de
72
estratégias: c) reconstrução e de integração entre os significados dessas
proposições, comparando, cancelando e sintetizando.
A complexidade das práticas de leitura, segundo Cossuta (2001) faz com que o
texto, ao se inscreve nos processos desses processamentos, torna-se
dinâmico e alinear – transmuda-se em texto processo – torna-se dinâmico. Os
limites desse dinamismo não são mensuráveis, pois suas referências fazem
múltiplas, plurais e a sua complexidade, gradativamente, se faz presente
ampliando e reduzindo, simultaneamente os limites da capacidade do seu
leitor. Para o autor, a esse trabalho intermitente e de unidades de significações
flutuante, deve assegurar, gradativamente, a organização das informações por
esquemas de sequências textuais – macroestruturas ou categorias de
narrações, de descrições, de argumentações, etc. que, para Cossuta garantem
a organização hierárquica e variável da tipologia de textos e/ou gêneros do
discurso. A função desses esquemas está voltada para a integração de
conjuntos mais amplos construídos transversalmente, segundo o modelo de
composição do texto.
O texto, embora muitas vezes se esconda atrás de uma voz impessoal,
também carrega consigo um nome próprio que a ele confere uma unidade, por
meio da chamada função-autor ou autoral: aquela que fala. Essas são
referências enunciativas. São elas que facultam a compreensão dos modos
como as significações devem, foram ou são organizadas, quais são os modos
de organização e ordenação do pensamento, os de expor as ideias, os pontos
de vista. Assim, pela leitura também se é integrado no espaço de referências
enunciativas por meio das quais é possível identifica o lugar e o papel do leitor,
pois processamos informações sobre o tom da voz com quem passamos a
conversar, às vezes carregada de reflexões, de sarcasmo, de humor, etc.
Nesse caso, os textos dependem da presença de alguém que dele se retirou,
se afastou, mas pelo tom da sua voz que nele permanece, fica a sua imagem.
Logo, eles sempre deixam marcas explícitas ou implícitas de uma outra
presença que o leitor precisa aprender a significar, sendo ela, essa voz, a
origem das construções de sentidos. Ler, por essa perspectiva teórica, é dar
conta de um paciente trabalho de decifração ou descoficação significativa e, ao
73
mesmo tempo, da estruturação global da dinâmica textual de produção de
sentidos.
Reitera-se que, por esse modelo de processamento on-line, a concepção de
leitura deixa de ser compreendida pelo princípio da linearidade e, ao mesmo
tempo, é possível identificar os procedimentos por meio dos quais o leitor
constrói não só a coerência global pela coerência local dos textos que lê.
Assim, ler é ir além das aparências do texto produto, expressas em língua para
além das palavras, frases ou parágrafos. O leitor proficiente, portanto, se ocupa
com prudência desses processos de compreensão e, por eles, interpreta-
reinterpreta os diferentes textos que lê, ou reinterpreta aqueles já lidos, pois
cada leitura sempre implica a atribuição de novas significações e
reinterpretações.
2.4.2. A Correlação entre Linguagem-Língua e Fala: pensamento e
cognição
O quadro da linguística contemporânea situa a linguagem como uma
complexidade de processos inerentes à vida psíquica e sócio-cultural-
ideológica do homem que, em sendo um animal eminentemente relacional,
torna-se – dentre quaisquer outros e pelo próprio desenvolvimento da
linguagem – o único ser político-social e capaz de falar. Esses processos são
desencadeados, desenvolvidos, aprimorados, em todos os tempos e lugares e
mesmo quando circunscritos a momentos de introspecção eles arrastam
consigo a imagem de os outros com os quais se esteve ou estará em suas
companhias.
Cazacau, já na década de 1970, ponderava que pelo fato de o homem ser
dotado da faculdade de linguagem que ele se fez e se faz o criador e o
renovador ou reconstrutor das línguas e de outros sistemas de codificação, por
meio dos quais se assegura a objetividade, a materialidade dos exercícios da
fala. Para a autora, a língua é o fundamento da linguagem e da fala – ou seja, o
lugar em que se pode compreender e identificar os fatos de linguagem,
formalizados em língua e expressos pelos exercícios; razão pela qual nenhuma
74
língua poderá funcionar se destituída das práticas de linguagem. A linguagem,
por sua vez, só poderá se desenvolver e se manifestar objetivamente pela
aprendizagem de uma dada língua e, nessa acepção, essas são duas
dimensões diferentes, mas jamais opostas, de um único e mesmo fenômeno
sócio-cognitivo-interativo que se autocomplementam, tendo a fala como
testemunha de suas existências. Esse grau de complementação e de
complementaridade imbricados entre si, no ato concreto da comunicação
humana, impossibilita saber ou traças os limites entre linguagemlínguafala.
Nesse e por esse quadro de complexidades, a fala – concebida como uma das
instâncias em que a linguagem - é concebida em ação para tecer, retecer,
entretecer o que é produzido pelo pensamento, formalizado em língua e
expresso pelo exercício das atividades da fala. O fato de a fala ser a dimensão
expressiva dos fatos de linguagem possibilita focalizá-la por uma perspectiva
globalizante e, desse modo afirma Gusdorf (1970), ao falar, o individuo se
personaliza, faz-se efetivamente pessoa.
A relação indissociável entre língua e fala, para Cazacau, implica considerar
que a primeira não é apenas constituída por um sistema léxico-fonético-
gramatical, mas também por outros sinais como entonação, pausas, inflexões
de vozes, que se conjugam aos primeiros para assegurar maior grau de
expressividade aos seus usuários. Assim, linguagem, língua e fala são
dinâmicas e esse dinamismo só se explica pela intensidade de ações sócio-
cognitivo-interativas: aquelas que facultam transferir para outrem as
representações por homens que, por esse mesmo processo, tornam-se
pessoas. É nessa e por essa dinâmica que não se pode negar o fato de a
linguagem ser uma das instâncias do pensamento que nela e por ela se
formaliza, pois é impossível apreendê-lo em si e por mesmo. A linguagem,
portanto, em não sendo o pensamento, apenas possibilita torná-lo tangível e
essa sua tangibilidade é sempre organizada e formulada pela linguagem. É
nesse sentido que os teóricos do conhecimento afirmam que o pensamento
fabrica “coisas e/ou ideias sobre e nos mundos”, sendo que essa fabricação
retira a sua matéria prima por ser realimentada continuamente por novas
informações produzidas pelas relações interacionais entre os próprios homens.
75
A atividade do pensar é fundamental para a produção de sentidos; contudo ela
tem por ancoragem o processamento dessas novas informações pela
cognição.
A cognição, para Sebastian (1983: 10 e 11) - embora seja um processo
imbricado ao pensamento, dele se diferencia por não ser intermitente - pode
ser apreendida por um começo e por um fim; razão pela qual as atividades
cognitivas podem ser postas à prova, de sorte a verificar seus resultados.
Segundo a autora, os estudos desenvolvidos pela psicologia da cognição
investigam os processos mentais como a percepção, a atenção, as habilidades
de aprendizagem, a memória e, necessariamente, a linguagem. A psicologia
cognitiva tem sido concebida como (...) estudo dos processos mentais
mediante os quais se transforma, se reduz, se recupera e se reutiliza as
informações dos mundos que o sujeito obtém em sua interação com eles”
Essa concepção aponta ser a interação o meio natural e/ou sócio-cultural no
qual o homem está inserido o lócus primeiro da produção de conhecimentos,
pois o apreendido nesse meio pela percepção é codificado como informação
que está em contínua transformação. Tal transformação implica, por um lado, a
transformação da informação em conhecimento e, por outro lado, de um
conhecimento primário em novo conhecimento pela memória.
2.4.3 Cognição e Memória: modelos de processamento de informações
A transformação de sinais em informações e de informações em
conhecimentos é um trabalho desenvolvido pela memória que implica a
extensão da rede conceptual, quando fundada ou fundamentada pela reflexão
crítica e esse fazer transformador se dá por meio de modelos de
conhecimentos, arquivados na memória de longo prazo, sob a forma de
esquemas. Os cognitivistas postulam que a armazenagem de informações não
ocorre de forma desorganizada, pois os conhecimentos são arquivados na
memória, não de forma desorganizada, mas estruturados por esquemas
mentais cuja função é a construção de modelos de representações. Assim, a
cada entrada de novas informações, os modelos referentes a conhecimentos
76
prévios, ou já armazenados esquematicamente, são reelaborados de modo a
incorporar tais informações processadas por esses esquemas de
compreensão. Tais incorporações podem implicar a extensão desses velhos
modelos cognitivos de organização e ordenação, mas também responder
pelas suas alterações e delas resultar a bifuração de um deles em outros. Mas
os modelos sempre funcionam como guias para esse processamento e sem a
integração de vários modelos ou as suas alterações não há produção de
novas outras significações ou sentidos.
O desenvolvimento de estudos no campo da cognição tem possibilitado
diferenciar três tipos de memória: a que responde pela descodificação, pelo
armazenamento e pela recuperação de informações semânticas. A memória
descodificadora responde pelo processo segundo o qual a informação é
identificada pelos sinais de uma língua e representada sob a forma de ondas
sonoras, ao ser descodificado. Assim, ela implica o reconhecimento dos sinais
linguísticos estruturados na linearidade pelos sinais das letras, articuladas de
modo a formar as sílabas e essas as palavra, as frases etc. São sinais
auditivos ou visuais que, ao se fazerem significativos, transmudam suas formas
físicas e se remetem a referências memorizadas sob a forma de esquemas de
representações. Contudo, afirma Sebastian (1983), as informações
memorizadas podem se perder no sistema da memória, resultando no
esquecimento e, nesse caso, a recuperação sempre implica habilidades para
acessar informações e, muitas vezes, não se trata de esquecimento mas de
dificuldades decorrente do baixo grau de conhecimento dos sinais linguísticos.
As razões pelas quais o homem apaga ou se esquece de fatos pode ser não só
por desconhecimento, mas por repressão, pois para Freud (1915), o que é
reprimido sempre é esquecido e a recuperação de informações perdidas pelo
esquecimento somente serão recuperadas por estratégias específicas: aquelas
de que os psicanalistas fazem uso. Segundo Solé (1998), essa recuperação,
no campo do Ensino Aprendizagem deverá ser feita por meio de pesquisas, de
estratégias de intertextualidade ou de indagações, perguntas encaminhadas
aos alunos pelo professor, não só para reavivar informações esquecidas, mas
também para reconstruí-las.
77
Nesse sentido, afirma Terzi (2001), que não só a perda de informações pela
memória responde pela redução de esquemas mnemônicos, pois o
desconhecimento do vocabulário de um texto inviabiliza a recuperação de
velhas informações, mas também a produção daquelas que são novas, visto
que o vocabulário é o recurso por meio do qual o leitor estabelece relações
com os seus conhecimentos de mundos. Assim, os textos identificados como
difíceis pelos seus leitores são aqueles que têm um alto índice de formas
vocabulares desconhecidas que deles exigirão um grande esforço para
descodificá-las de modo significativo.
Afirma Sebastian (1983) que os enfoques propostos pela psicologia
conducionista no século XX, embora enfatizem muito mais as causas do
esquecimento, poucas contribuições podem oferecer no que se refere às
habilidades que facultam recuperar informações que foram esquecidas. Eles
apenas pontuam que as informações sobre recordações dependem do grau de
aderência entre estímulos e repostas: quanto maior a intensidade entre esses
dois elementos maior será aquele de aderência e de extensionalidade da
informação memorizada. Observam que o esquecido resulta de inibições que
interferem no movimento associativo entre estímulos e as informações
produzidas; portanto, o conducionismo oferece resultados de pesquisas rígidas
e bastante simplistas, segundo essa autora. Desse modo, os estudos
desenvolvidos sobre a linguagem, orientados por princípios conducionistas
implicarão na valorização de pressupostos da lógica matemática e do
determinismo que não possibilitaram o tratamento dos processos de
produtividade. São por essas razões que, a partir da década de 1970, o
interesse se volta para investigações sobre estratégias de produção,
desenvolvidas pelo sujeito para organizar, recuperar informações sobre os
modos como essas informações, situadas nos arquivos da memória, são
organizadas e funcionam para garantir representações de conhecimentos
linguísticos e não linguísticos.
Nesse outro contexto de investigações, ainda segundo Sebastian (1983),
passa-se a postular que os significados atribuídos aos textos pelos seus
78
leitores dependem dos conhecimentos que eles têm armazenados em suas
respectivas memórias. Esses estudos, hoje e de forma consensual, apontam
que a memória humana opera em três dimensões: uma designada por
memória semântica de longo prazo; outra, memória operacional ou de médio
prazo e outra denominada por memória de trabalho, ou temporária.
2.4.4 A Memória Semântica do Longo Prazo e Seus Armazéns
Esses estudos sobre a armazenagem de informações levaria os estudos da
linguística sócio-cognitivo-interativa a reinterpretar os resultados dessas
investigações no campo da psicologia e operar com três dimensões temporais
no campo das investigações sobre as práticas textuais discursivas. Assim
procedendo, pontuam que:
A memória semântica de longo prazo se qualifica como lugar onde são
armazenados esquemas ou modelos de conhecimentos globais das “coisas
dos mundos”, organizados sob a forma de esquemas textuais e/ ou discursivos;
acontecimentos ou fatos generalizados bem como episódios; esquemas
referentes a modelos de contextos e situações vivenciadas; de atos de fala; de
recursos retóricos ou estilísticos; de esquemas léxico-gramaticais. Para
Bakhtin, trata-se da memória do longo tempo cujos conteúdos arrastam
consigo os fatos ou acontecimentos das civilizações humanas cujos
significados são históricos e, por isso, explicitam discursos de uma dada época,
bem como a compreensão dos processos de lexicalização referentes à de
formação das palavras de uma dada língua e também as ressignificações
sofridas por tais palavras, nesse longo tempo. Segundo o autor, essa
compreensão se faz extensivas às contingências que emergem dos contextos
do longo tempo, ou desses modelos globais que emergem do contexto
sociocultural-histórico de diferentes épocas; mas desde que os leitores tenham
domínio sobre tais conhecimentos de mundos. É por esse olhar digressivo,
orientado ou dirigido para o longo tempo, que possibilita que possibilita ouvir as
vozes do passado que outrora povoavam os enunciados desse tempo
longínquo;
79
A memória de curto prazo se qualifica como lugar onde são armazenadas
sequências de informações percebidas ou identificadas pelos sentidos, num
dado tempo presente, cuja capacidade de armazenagem é bastante limitada –
não ultrapassa o limite a extensão de uma sequência numérica de sete dígitos
ou palavras, segundo os estudiosos da psicologia que trata de questões da
inteligência artificial. Assim, ao ascenderem à memória de curto prazo – depois
de serem processadas pela memória de médio prazo, pela ação da memória
de trabalho - quando não ascendem à memória de longo prazo por meio de
repetições, ao serem processadas pela memória de trabalho, essas
informações ficam sujeitas a vagas e tênues lembranças, por um lado. Por
outro lado, se tais sequências forem agrupadas de modo a se poder construir
com elas unidades mais amplas, segmentadas por três dígitos -
356891958426 = 356 -891-958-426 , por exemplo - a sua capacidade de
retenção se estenderá por um tempo maior. Para Bakhtin, essa memória é
aquela do tempo vivido referente às interações dialógicas, delimitada à
compreensão que faculta a produção de sentidos atribuídos a um texto pelo
seu leitor e nele se inscreve a interação dialógica entre as vozes do texto e
aquela do próprio leitor. São interações reais em que os interlocutores “autor”
interagem trocam experiências e vivências entre tempos diferenciados: aquele
da escritura do texto e aquele da sua leitura que possibilita a identificação de
repertório cultural entre tempos distintos, mas que em se fazendo significativos,
asseguram a interpretação de um pelo outro;
A memória de médio prazo se qualifica como lugar onde ocorre a
descodificação significativa das informações retidas pela de curto prazo
referentes aos acontecimentos ou episódios. A função dessa memória é a de
operar com significados e não com formas da estrutura superficial ou termos da
estrutura linguística; razão por que o seu processamento implica ou resulta da
memória de trabalho que não só ativa esquemas de modelos da memória do
longo, mas também transformando-os por meio de ações que visam a torná-
los adequados ao processamento dessas outras novas informações. Esses
modelos são ampliados, estendidos, reduzidos, bipartidos ou remodelados de
sorte a garantir a transmudação dessa informações em novos outros
conhecimentos. Esses movimentos de extensão e de expansão de significados,
80
implicados nas atividades da memória de trabalho, durante o fluxo dessas
ações remodeladoras, respondem pelo reagrupamento e/ou reorganização de
significados referentes aos conteúdos das formas proposicionais - elaboradas
e reelaboradas pelo leitor, no fluxo de suas leituras - e resultam na produção
de sentidos. Segundo Bakhtin esta memória é aquela do curto tempo em que
o acontecimento não está tão distante do passado-presente da existência dos
homens, ou tão distante que o impeça de compreender, ressignificar ou
reinterpretar tal modelos de contextos situacionais locais pelos globais. Trata-
se de uma dimensão temporal do mundo vivido em que se mantém a
aprendizagem de uma ou mais línguas, da continuidade do desenvolvimento de
competências textuais-discursivas, participar da vida social-comunitária na
condição de pessoa adulta, de adquirir ou transformar novos esquemas
adquiridos ao longo da sua própria vida, desse passado próximo ou ampliar a
compreensão do longo tempo por algumas décadas ou período daqueles que o
antecederam.
2.5 A Aprendizagem da Leitura Significativa do Texto Escrito
A aprendizagem, concebida de forma genérica, compreende uma modalidade
ou tipo de ação que, no fluxo do seu desenvolvimento, implica mudança de
modos de agir, de proceder ou de estar no mundo consigo mesmo ou em
companhia de outro(s), pois esta é a função representada pelos verbos de
ação: mudar a condição, a posição ou o estado do homem no mundo. Trata-se,
portanto, de agir para alcançar um propósito: fazer algo que antes não era feito
e, muitas vezes, que antes não podíamos fazer, por não ser ainda possível ou
viável. Assim, um resultado insatisfatório é produto de uma ação não realizada
a contento ou de forma eficaz, inadequada e, geralmente, implica um estado de
insatisfação. Nesse caso, torna-se indispensável modificar a forma de agir,
proceder ou de atuar e, para tanto, o agente deve se propor a se esforçar a
rever o seu plano de ação, suas estratégias sobre os modos de proceder para
obter o sucesso almejado.
Nesse contexto de buscas sobre os modos de aprender outras formas, ou
modalidades para agir, segundo Echeverría (in Rafael. 2010; p.39 a 45),
81
recorremos a três tipos de procedimentos implicadas em ações de
aprendizagem: um primeiro tipo implica a revisão das próprias ações do plano
preestabelecido, ou do modelo de organização e ordenação das mesmas.
Nesse caso, pode-se inserir outras novas ações, substituir uma ou algumas
delas por outras, ou mudar a ordem usada para ordenar e organizá-las. Esse
trabalho de revisão do plano é orientado por questões como: O que deveria ter
sido feito, mas não foi; o que devo deixar de fazer; que outros repertórios deve
incorporar; acaso devo fazer o que fiz, mas de modo diferente porque faltou X
ou Y, para proceder de modo diferente ou mais adequado; estou em condições
de fazer o que foi previsto ou ainda preciso fazer ou alcançar X1; x2, etc..
As respostas a essas e outras questões podem incidir sobre: a) ações que
desvelam resultados que ainda não se pode fazer ou realizar devido à idade
biológica, ao grau de desenvolvimento mental, ou a questões de caráter ético
para não invadir ou violar as ações que competem a outros realizar(em); b)
ações que se remetem a observações sobre quem é o panificador das mesmas
e cujas respostas implicam na consciência de que as mudanças necessárias
dele exigem a construção ou a ampliação de conhecimentos prévios que ele
ainda não domina. Nesse caso, surge a necessidade de replanificação voltada
para ações dirigidas com vistas a ampliar esses conhecimentos prévios para
aprimorar ou trocar o foco do olhar do próprio aprendiz ou panificador, antes
de colocar em ação seu plano original. Esse movimento de retroações exige
que a aprendizagem seja, implicada na mudança de comportamento, nos
modos de agir ou de proceder, seja orientada, para romper os limites que o
impedem de alcançar os propósitos dos seus planos de ações.
Echeverría considera que, em se tratando de respostas que identificam as
segundas observações que exigem ampliação e mudanças de modelos
organizados e ordenados por conhecimentos prévios que exigem ampliação ou
mudanças desses modelos de organização e de ordenação do ponto de vista
traçado pelo olhar observador, os limites a serem superados ultrapassa o
simples uso de estratégias de complementação de informações. Trata-se,
nesse caso, de uma aprendizagem de segunda ordem ou dimensão que
implica a troca, a substituição do modelo de organização ou de ordenação de
82
conhecimentos sedimentados que operam sobre os indivíduos e restringem
seu campo de ação. Assim, as estratégias de intervenções se tornam
insuficientes para realizar esse trabalho de forma satisfatória, visto que a
aprendizagem deve implicar mudança significativa de posição do aprendiz, ou
seja, para mudar o foco do seu olhar, ele precisa se deslocar do lugar por/de
onde observa as ações inscritas no seu plano de ações. São intervenções
referentes ao a consciência de que, embora se façam as substituições
necessárias, ele não se julga capaz de que poderá realizá-las, visto implicam
ou exigem mudanças, substituições dos modos de agir para desencadear os
movimentos necessários de aprendizagem
“núcleo básico o el corazión Del observador . Nos referimos a aspectos de um determinado observador que han devenide recorrientes em el y que se manifiestam independentiemente del troca del cambio de circunstancias (...) Dado su carater recurrente, e Independiente de circunstancias específicas , tal modalidade de observación se nos presenta como própria de la manera de ser de esa persoana, como um rasgo, diríamos, de su alma”.
Nesse caso, não se pode ignorar a possibilidade de essa pessoa considerar o
fato de a nova-outra aprendizagem modificará o seu modo de ser e de agir no
mundo e optar que não estar predisposta a tal mudança. Entretanto, por se
tratar de mudanças que implicam experiências difíceis de serem vivenciadas,
não exclui o fato de ser possível que ela venha a optar por se modificar, ou seja
modificada; mas, geralmente, apresenta razões bastante convincentes para
justificar sua atitude de rejeição ao empenho despendido pelo orientador da
sua aprendizagem, principalmente quando ela reduz o campo de liberdade de
suas ações diárias. São experiências difíceis de aprendizagem, visto alterar
hábitos que o acompanham por muito tempo e, assim sendo, trata-se de uma
“aprendizagem transformadora”.
Segundo o autor, alguns educadores entendem ser essa modalidade de
aprendizagem exigem mudanças radicais de comportamentos e atitudes do
aprendente, ela é bastante complexa ou perigora. Todavia, o que está em jogo,
nesse caso, são os sentidos que se atribui aos significados da palavra “radical”:
se tais sentidos têm por referência significados por meio dos quais eles se
83
referem à totalidade dos comportamentos e atitudes do indivíduo, ou se tal
referência aponta para uma modalidade de aprendizagem totalmente diferente
daquela que estava em curso e visa a contribuir de forma mais adequada com
a formação da sua personalidade em fase de desenvolvimento. Ressalta, ainda
que, em toda experiência de aprendizagem, a pessoa mais conserva do que
modifica, transforma suas ações habituais; assim, nos outros novos modos de
agir ou de proceder, sempre é possível reconhecer, traços ou significados que
se referem àqueles do passado.
Nesse sentido, qualquer tipo ou modalidade de aprendizagem nunca foi ou
será “total” no sentido de “absoluta”, mas ela sempre faculta identificar rupturas
com certos padrões comportamentais, inadequados para agir em uma
sociedade que transformou as relações sociais entre os humanos. O objetivo,
nesse caso, é a adequação qualitativa a esses outros padrões que foram
reinterpretados e exigem mudanças de atitudes, de procedimentos para
realizar associações que visam a aprimorar os processos de socialização e
sociabilidade por outro novo ponto de vista. É fato, que a aprendizagem
transformadora responde por
“nuevas modalidades de acción (...) emergen (...) em el tipo de resultados que ese indivíduopuede alcançar (...ela) disuelve el muro de imposibilidade com o que el individuo antes chocava. Lo que previamente Le hacía sospechar que, quizás se había encontrado com uma barrera asociada a su particular forma de ser, ahora paraciera haberse esfumado. (...) La trasformación es el rasgo inherente de toda aprendizaje, tanto que aprendizaje e transformación muchas veces puedem der
usados como sinónimos.
Nesse contexto em que a aprendizagem implica e supera atividades
sistemáticas, concebida como um meio para alcançar atitudes e aptidões
específicas centradas numa modalidade de ensino específico ou raro,
circunscrita a alguns poucos, não se pode negar que a escola tradicional
cumpriu essa sua função social. Tal função estava voltada para uma sociedade
orientada pela divisão entre os campos educacional e o trabalhista; mas, hoje,
os conhecimentos do mundo do trabalho estão subsumidos por aqueles do
mundo da aprendizagem. Essa mudança de organização e ordenação do
84
modelo social exige que os aprendentes sejam iniciados e desenvolvam outras
novas competências que extrapolam os limites daquelas que serão aprendidas
nos bancos escolares, ou seja, os aprendentes também precisam “aprender a
aprender” mesmo quando não dispõem da presença de um professor –
orientador. Para tanto, devem identificar todas as oportunidades de ensino,
estarem voltados para aprender a inovar e se renovar por si próprio:
desenvolver sua meta competência ou meta-aprendizagem.
2.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A correlação entre os fundamentos teóricos da linguística sócio-cognitivo-
interativa entrelaçados àqueles pressupostos referentes à “pedagogia do
aprender a aprender” possibilitam a compreensão de modelos de ação
didáticas que orientam a aprendizagem significativa da leitura de textos
escritos. Assim, poderíamos considerar que o “aprender a aprender” tem por
ancoragem o desenvolvimento das próprias práticas de linguagem, voltado
para a aprendizagem da língua em situações de usos efetivos, onde situamos o
processamento de novas informações pelo uso estratégico das práticas de
leituras significativas.
Por meio dessa modalidade de leitura de textos escritos e de escritas de
leituras, cujo propósito é a mudança de posição implicada na mudança de
comportamento e de atitude do leitor-escritor, foi apontada uma outra
perspectiva por meio das qual os obstáculos para uma leitura compreensiva
poderão ser ultrapassados, ao longo da formação escolar de seus alunos.
Talvez esse desenvolvimento no campo dos exercícios dessas práticas de
linguagem seja o desvio de um caminho que, depois de tanto ser percorrido,
possa transformar tal desvio em uma nova estrada. E, se assim o for, a
linguagem por suas práticas significativas e conscientes seja o único caminho
capaz de contribuir com o desafio histórico que se propõe como meta a ser
alcançada pela escola moderna que deverá ser reinterpretada pelo modelo da
atual sociedade moderna. Nesse caso, as práticas de leitura significativa seria
85
o principal recurso de que ela, efetivamente, necessita para formar o aluno
desse nosso tempo.
Nesse sentido, os estudos realizados neste capítulo possibilitaram a percepção
de que a função da escola é comunicar saberes e comportamentos sociais às
novas gerações e, por isso, a leitura e a escrita, assim como os números,
devem ser ensinadas e aprendidas na escola. Entretanto, os propósitos que a
escola apresenta para ensinar a ler e a escrever são didáticos - não naturais -
e, em decorrência disto, distanciam-se da prática social da leitura e da escrita,
bem como dos resultados eficazes. Sendo assim, no próximo capítulo desta
dissertação, apresentaremos um corpus e uma proposta de leitura significativa,
que possa servir não como um modelo, mas como mais uma possibilidade para
uma nova reflexão.
86
CAPÍTULO III
PROCEDIMENTOS DIDÁTICOS: O Ensino-Aprendizagem de Práticas
Significativas de Leitura - Uma Proposta.16
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este capítulo tem por objetivo apresentar uma proposta de sequência didática para
alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, numa busca de propor um trabalho de
construçao da leitura significativa como um aprendizado indissociável do da escrita.
Para tal, utilizaremos os pressupostos da Educação Linguística, cujo objetivo maior é a
formação do poliglota em sua própria língua (cf. Marcuschi, 2010) e apresentaremos
uma sequência didática composta por: apresentação, produção inicial, módulos de
atividades e a produção final, sempre respeitando as fases da leitura, nosso objeto de
estudo.
A sequência didática terá como base a leitura e na análise do texto “Geografia”, de
Millôr Fernandes, extraído de seu livro Compozissões Imfãtis. Trata-se de um
processo de leitura crítica, com intuito de comprovar tudo que foi exposto e defendido
neste trabalho. E propor um trabalho de interpretação que vai além da simples
decifragem do texto que comumente é apresentada por meio de texto e questionário,
16
O presente capítulo, por tratar de procedimentos didáticos eficazes com vistas às práticas de
uma leitura proficiente, foi ilustrado uma tira da Mafalda que, por sua vez, retrata um quadro de resultados ineficientes do ensino-aprendizagem, o qual é extensivo às práticas de leitura vivenciada em muitas escolas públicas e particulares do Brasil dos tempos modernos.
87
sem nenhuma reflexão. Para tanto fizemos um amplo levantamento dos elementos
que compõem o texto e as questões sociais que o permeiam.
Sendo assim, o objetivo da leitura analítica do texto reitera o objetivo do presente
capítulo de fazer com que se compreenda, por meio da sequência didática
apresentada, como o trabalho com texto em sala de aula pode ser significativo para
os alunos e desafiador para o professor, pois um pequeno texto demanda uma
pesquisa muito grande de informações para sua real compreensão.
3.2 Texto: “Geografia”, Millôr Fernandes
Geografia
A geografia se compõe de nomes que a gente põe nos lugares do
mundo. Para saber melhor a distância desses lugares, a gente
divide o mundo em riscos, em pé e deitados, que se chama de
longitudes e atitudes. Esses riscos dividem a terra em tópicos,
sendo que uma risca bem no meio se chama Cuador. A geografia
se usa geralmente para não deixar a gente passar de ano.
(Millôr Fernandes: Compozissões Imfãtis. São Paulo: Nórdica editora, 1975).
3.3 INTERPRETAÇÃO
O texto “Geografia”, extraído do livro Compozissões Imfãtis, de Milôr Fernandes, será
utilizado como base da sequência didática que construiremos neste capítulo, pois
possibilita uma reflexão importante e abrangente para o mundo da leitura e para a
leitura do nosso mundo.
Millôr Fernandes (1976), em suas Compozissões Imfãtis, representa os sentimentos e
as impressões da criança em relação ao mundo. Ao escrever cada composição como
se fosse escrita por uma criança, Millôr revela também a dificuldade enfrentada pela
criança em expressar-se por meio da norma padrão da língua portuguesa. O texto
“Geografia” nos possibilita não só constatar estas percepções, mas também fazer
outras reflexões importantes.
88
A frase inicial do texto explica que “a geografia se compõe de nomes...” Neste sentido,
podemos observar que o verbo COMPOR pode equivaler a FORMAR, CONSTRUIR
de diferentes ou várias coisas; FAZER PARTE DE; PRODUZIR, INVENTAR; DAR
FORMA A; ORGANIZAR; ESCREVER, dentre outros sentidos mais distantes daquele
expresso no texto.
A definição, tão característica nos textos descritivos, tem a como base de sua
construção “X é Y”. Isso nos coloca diante da expectativa de que o texto fosse
iniciado com a frase “A Geografia é o estudo da Terra”, mas logo percebemos que a
explicação dada à geografia do texto não se refere à definição de uma ciência, mas de
uma disciplina escolar. Então, se essa geografia estudada na escola é nome de lugar
da terra, o que é lugar? E se lugar é o espaço ocupado por seres, quais são os seres
que ocupam lugar na Terra? É possível estabelecer, nesse sentido, que o mundo é
composto de lugares e esses lugares são nomeados pelo homem?
Rememoramos que o texto em análise explica a geografia na concepção de uma
criança que é também uma estudante desta disciplina escolar. Na concepção infantil,
segundo o autor, é por meio da geografia que se nomeia os lugares do mundo, pois
ela “se compõe de nomes que a gente põe nos lugares do mundo”.
Na sequência dessa composição são apresentados outros conhecimentos em relação
à geografia, entretanto, o modo de nomear desvela o pouco conhecimento referente
aos conteúdos geográficos, conteúdos estes que deveriam ser adquiridos na escola e
são descritos com o humor provocado pela ignorância, pela falta de conhecimento e
pela vaga ideia conceitual que se foi capaz de construir.
Segundo o Dicionário Aurélio, geografia é a “ciência que tem por objeto a descrição da
superfície da Terra, o estudo dos seus acidentes físicos, climas, solos e vegetações, e
das relações entre o meio natural e os grupos” e existem cinco diferentes
especificidades da geografia: geografia econômica, geografia física, geografia
humana, geografia linguística e geografia política.
O texto de Millôr Fernandes nos remete à estrutura de uma sequência explicativa, cujo
caráter é o de conceituar e explicar por meio da descrição. A estrutura da sequência
explicativa também prevê uma avaliação que, neste caso, é marcada por uma forte
presença argumentativa.
Nesse sentido, geografia não é uma ciência com determinado objetivo, como descreve
o dicionário e a enciclopédia. Geografia é algo que as crianças acreditam que serve
para nomear, mas que não sabem utilizá-la adequadamente para fazer estas
89
nomeações e, por isso, acreditam que a utilidade da geografia é impedi-las de passar
de ano na escola.
Nesse sentido, o texto de Millôr possibilita refletir sobre importantes questões tais
como:
Como aprender aquilo que acreditamos ter por objetivo nos prejudicar?
A que distância de nossos alunos está a compreensão dos conceitos de
trópicos, latitude, longitude, meridianos e Equador, se não conseguem,
se quer, compreender e grafar estas palavras adequadamente?
Millôr escreve como uma criança que compõe e por isso temos, mesmo neste
pequeno texto, algumas marcas importantes de oralidade, como é o caso do uso de “a
gente” em vez de “nós”, “riscos” em vez de “linhas” e “em pé e deitados” em vez de
“verticais e horizontais”. A escolha deste vocabulário garante a caracterização do texto
como composto por criança, ademais, embora sejam vocábulos próprios da linguagem
oral, podemos notar que são grafados no texto de modo adequado, seguindo a norma
padrão da língua portuguesa e sem omissões ou trocas de letras. A confusão na grafia
das palavras ocorre no texto apenas quando os termos escritos sugerem conceitos da
geografia, problematizando, mais uma vez, o ensino formal de geografia.
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95
3.5 O PLANEJAMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA
Objetivo Geral: Contribuir para a formação de cidadãos que sejam
leitores proficientes.
Objetivo Específico: Propor procedimentos de leituras que possibilitem
ao aprendente desenvolver uma leitura crítico-reflexiva do mundo por meio de uma
estrutura descritiva do gênero humorístico e das relações estabelecidas com outras
sequências e gêneros textuais.
Publico alvo: Aprendentes do 6°ano do Ensino Fundamental.
Justificativa: Ninguém conquista a fromação integral sem tornar-se um
leitor proficiente, capaz de ler, refletir e agir no mundo diante de suas questões e de
tomar um posicionamento para agir sobre esse mundo e, principalmente, sobre suas
relações com a escola e com o ensino-aprendizagem.
Aulas previstas: Estima-se que sejam utilizadas dez aulas para a
realização completa da sequência didática, porém esse tempo poderá ser menor ou
maior, dependendo dos módulos a serem excluídos ou inseridos conforme a
necessidade dos aprendentes-ensinantes.
Materiais utilizados: Enciclopédias, vídeos, dicionários e textos e livros de
diferentes gêneros e esferas sociais, lidos em diferentes suportes.
Produto final: Depois de aprender a ler com significado o texto principal
dessa sequência didática, os alunos serão orientados à leitura do livro “Professor
Burrim e as Quatro Calamidades, de J.J. Veiga e, a partir da compreensão e
interpretação de ambos os textos, estabelecerão relações com a realidade em que
vivem, com dois produtos finais, que farão parte do mural da sala:
96
1. Cada aluno escolherá um de seus professores e fará uma caricatura
homenageando-o. Neste trabalho será retomado o papel do professor,
abordado e argumentado nos textos lidos e a exploração de um texto não
verbal, mas que também é referência em humor e expressa um ponto de
vista.
2. Os alunos discutirão possíveis causas para que o aluno do texto de Millôr
Fernandes tenha ficado com tantos problemas em sua aprendizagem. A
partir das causas, em grupos de trabalho, os alunos escreverão uma
pequena lista do que eles podem fazer para melhorar a qualidade das
aulas e do aprendizado na escola. As sugestões serão discutidas na sala
como uma prátca educativa
3.6 O DESENVOLVIMENTO DA SEQUÊNCIA DIDÁTICA – Algumas
considerações
Ao escrever um texto, seja ele de qualquer estilo, o autor deixa explícita uma trama;
no entanto, na maioria das vezes, somente um leitor experimentado consegue
estabelecer relações a partir dessa trama, obtendo sentido(s) no texto. Para que isso
aconteça adequadamente, de acordo com a concepção discursiva da leitura,
mencionada anteriormente nesse trabalho, esse leitor lança mão de seus
conhecimentos prévios, oriundos de outras variadas leituras.
Mas o que ocorre quando o leitor ainda não é experimentado? O que deve ser feito
quando os conhecimentos prévios do leitor não são suficientes para que encontre o
sentido no texto? E se a complexidade das informações deixadas no texto pelo autor
não constarem do arcabouço esquemático de informação armazenado na memória
desse leitor?
Cabe aqui esclarecer mais uma vez que, neste trabalho, entendemos por
conhecimentos prévios o conjunto de informações armazenadas na memória do
indivíduo, em forma de esquemas (RUMELHART, 1980), que abarcam seus
97
conhecimentos linguístico, discursivo e de mundo, oriundos de suas experiências
prévias, seus anseios, desejos e crenças, bem como do conhecimento comum.
Conforme abordado anteriormente, é de suma importância que o professor de leitura
prepare seu aluno para tornar-se um leitor experiente, propiciando-lhe ferramentas
que o façam desenvolver estratégias de leitura, sempre visando à autossuficiência.
Essas ferramentas são adquiridas a partir de atividades que exponham esse aluno a
atitudes e estratégias como as de um leitor mais experiente para que,
gradativamente, conforme os postulados vygotskyanos sobre a ZDP, vá imitando-as
até que consiga delas se apropriar.
De acordo com o que postula Kleiman (2004), para que o trabalho seja mais eficaz,
essas atividades devem ser apresentadas ao leitor inexperiente antes mesmo do
início da leitura propriamente dita.
O trabalho anterior à fase da entrada no texto, etapa da pré-leitura, fica evidente
como sendo primordial para o sucesso das fases subsequentes no processo de
leitura, uma vez que visa a preparar o aluno para que identifique, nas fases
seguintes, as características linguísticas, discursivas e culturais presentes no texto.
Essa é uma das principais tarefas do professor de leitura no intento de solucionar os
problemas levantados até então; e, quando realizada a contento, torna o processo
mais ágil, significativo e eficiente, sendo, consequentemente, mais prazeroso para o
aluno-leitor, o qual, munido de estratégias eficazes de leitura, consegue dar seus
próprios passos no postular dos múltiplos significados quando em contato com o
texto.
Dessa forma, durante a pré-leitura, os alunos recebem informação suficiente para
que, na fase de leitura, tenham condições de ativar os conhecimentos prévios
armazenados em sua memória a fim realizarem inferências, antecipações, e outros
processos que um leitor experimentado normalmente realiza ao ler um texto.
98
Na sequência didática proposta nesse capítulo, exploraremos a fase de pré-leitura
do texto “Geografia”, de Millôr Fernandes, objetivando a posterior leitura significativa
do texto, para então, fecharmos a sequência com a fase da pós-leitura, na qual o
aluno estabelecerá relações entre o universo do texto lido e o seu universo, trazendo
à tona a função social da leitura.
3.6.1 A APRESENTAÇÃO DA SITUAÇÃO
Para apresentar o tema e levantar o conhecimento prévio da turma a
respeito da “Geografia”, o professor deverá formar um círculo com os aprendentes
de forma que todos possam se olhar, falar e ouvir o que sabem sobre a geografia.
Também serão levantados os conhecimentos prévios sobre o ensino escolar, com o
objetivo de possibiliatar ao aprendente a reflexão sobre o ensino escolar, não
apenas em seu colégio, mas na sociedade como um todo, e posicionar-se
criticamente em relação a esse tema.
3.6.2 A PRODUÇÃO INICIAL: A FASE DA PRÉ-LEITURA – Pesquisa
Nesta etapa realizaremos a fase da pré-leitura, que consistirá na pesquisa sobre o tema
“geografia” e sobre alguns termos inerentes ao tema, mensurados no texto de Millôr.
Os alunos serão orientados a pesquisar em enciclopédias impressas e virtuais e a
responder às seguintes perguntas:
O que é geografia?
O que se estuda/aprende em geografia?
O que é espaço? E lugar?
O que é meridiano?
O que é latitude e longitude?
O que é Equador?
99
Esses estudos possibilitarão compreender e inferir sobre o texto “Geografia”, por
isso, essa fase da pré-leitura terá seu desfecho em sala de aula, com a oralização
das pesquisas realizadas pelos alunos para ampliação das impressões iniciais sobre
as leituras realizadas e apresentadas oralmente.
3.6.3 PRIMEIRO MÓDULO – RECONHECENDO O GÊNERO
Geografia
“A geografia se compõe de nomes que a gente põe nos lugares do mundo. Para saber
melhor a distância desses lugares, a gente divide o mundo em riscos, em pé e
deitados, que se chama de longitudes e atitudes. Esses riscos dividem a terra em
tópicos, sendo que uma risca bem no meio se chama Cuador. A geografia se usa
geralmente para não deixar a gente passar de ano.”
O objetivo da leitura deste texto é promover um diálogo entre os aprendentes e o texto,
utilizando-se das contribuições da discussão anterior para compreensão do gênero textual
em questão. Novamente o professor deverá mediar outra discussão oral seguindo as
seguintes diretrizes:
− O texto pertence a que gênero?
− Representa o discurso de que esfera social?
− Para quem ele foi produzido?
− Por que ele foi produzido, ou seja, qual é a sua função social?
− O texto atende à necessidade de interação estabelecida?
− A sua organização e a sua linguagem estão adequadas à necessidade de interação?
− Quem produziu o texto?
− O texto foi produzido para circular em que veículo?
− O assunto abordado no texto, em sua opinião, é interessante?
− Ao ler o texto, você consegue entender totalmente o assunto abordado? Se a sua
resposta for “sim”, explique por que, e se for “não”, aponte quais informações você
não domina e necessita de pesquisa.
100
− A linguagem empregada no texto está adequada ao gênero e à situação de
interação? Por quê?
3.6.4 SEGUNDO MÓDULO – DIALOGANDO COM O TEXTO
Como o texto de humor está atrelado à argumentação frente a questões cotidianas como o
sucesso e o fracasso do ensino escolar, é fundamental que o aprendente reconheça no
texto os argumentos utilizados pelo autor na defesa do seu ponto de vista, para garantir a
leitura proficiente do texto.
O texto “Geografia” traz, por meio do humor decorrente de uma escolha léxico-gramatical
inerente ao universo infantil, mas intimamente associável às palavras do campo semântico
dos conteúdos de geografia, uma crítica ao modo como se ensina (e se aprende ou não) a
disciplina escolar, geografia. A crítica evidencia um grave problema no ensino de geografia,
o qual pode estender-se às demais disciplinas escolares e, inclusive ao ensino da leitura,
que é o tema gerador da nossa análise.
Nesse sentido, para que os alunos percebam e dimensionem as premissas do texto, o
professor incitará novas questões para que eles discutam, pesquisem e respondam, desta
vez, por escrito. São elas:
Qual a questão tratada pelo autor do texto?
Qual a posição defendida pelo autor, nesse texto? Explique.
Qual a crítica que podemos notar no texto?
Que posição você assume diante desse assunto?
Com base nas pesquisas realizadas, em seus conhecimentos prévios e no
texto “Geografia”, qual a diferença entre CUADOR E EQUADOR?
3.6.5 Terceiro Módulo – Ampliando o repertório sobre o tema
Nessa etapa, os aprendentes serão estimulados a ler o livro O Professor Burrrim e as
Quatro Calamidades, de J.J. Veiga.
101
A leitura amplia as percepções do texto “Geografia”, pois
permite conhecer um novo ponto de vista sobre a figura
do professor e seu papel social.
O livro mostra algumas dificuldades enfrentadas por um
professor em seu cotidiano de trabalho. O Professor
Burini não sabe mais o que fazer para que os alunos
prestem atenção nas aulas de Português. Como lidar
com a indisciplina e a irreverência dos estudantes da
Escola Centenários, principalmente da turma das Quatro
Calamidades, que o apelidou de Professor Burrim?
Burini então decide: vai mudar de profissão. A gota d‟água foi uma fogueira em plena sala
de aula. Ele não pode mais viver daquela forma, aguentando a grosseria dos alunos e
ainda por cima ganhando mal. Mas o que o Professor Burini pode fazer? Mudar de
profissão não é como mudar de sapato ou roupa, que a gente troca quando quer. Ainda
mais na idade dele. A solução, imprevisível, estava num picolé. E foi uma surpresa muito
gostosa para todos. Ainda mais porque, mesmo na nova profissão, ele não deixou de ser
um bom professor.
Tratando de temas importantes como comportamento, disciplina, educação, respeito e a
profissão de professor, o livro possibilita refletir sobre importantes questões do processo
de ensino aprendizagem, como, por exemplo, será que o descritor do texto “Geografia”
pertencia a uma turma parecida com a turma do professor Burini? Se o professor Burini
fosse o professor de geografia do texto de Millôr, ele estaria certo em reprovar seus
alunos? Em sua opinião, o que os alunos do professor Burini faziam que enlouquecia
tanto o professor? Cite algumas atitudes.
Para orientar a leitura do livro, o professor poderá propor algumas perguntas:
Liste as características dos personagens da história.
Desenhe-os diferente do livro ou faça caricaturas.
Discuta a questão comportamento dos alunos da história e do professor.
102
Conte como se sentiu o professor depois do encontro com Queixada.
Elabore, em grupo, cinco questões sobre a história. Promova uma gincana
com os seus colegas.
Você achou o título bem escolhido pelo autor? Justifique sua resposta.
Após a leitura e, visando ampliar o repertório cultural do aluno, o professor poderá
solicitar algumas das seguintes atividades:
Pesquise para conhecer outros livros publicados por José J. Veiga. Monte um
painel com as capas dos livros.
Discuta com seus colegas sobre os seus professores preferidos. Trace um
perfil destes professores.
Quais as diferenças e semelhanças entre a figura do professor no texto de
Millôr e no de J.J.Veiga? Seria possível atribuir a eles os papéis de heróis e
vilões?
3.6.6 PRODUÇÃO FINAL
Esta etapa é de extrema importancia, pois nela observa-se a importância da leitura
significativa, num processo que privilegie a função social da leitura em sua
indissossiabilidade com a escrita.
Sendo assim, após as elucidações propiciadas no decorrer dos módulos, o
professor deverá orientar seus alunos em duas diferentes atividades de reflexão
articuladas à realidade escolar por eles vivenciada.
Nesse sentido, na primeira atividade, cada aluno escolherá um de seus professores
e fará uma caricatura homenageando-o. Neste trabalho será retomado o papel do
professor, abordado e argumentado nos textos lidos e a exploração de um texto não
verbal, mas que também é referência em humor e expressa um ponto de vista. Os
alunos serão orientados a agir com ética e respeito, a fim de que o trabalho sirva
103
apenas para melhorar as relações de aprendizagem significativa nas diferentes
disciplinas escolares, já que, como visto na leitura do livro de J. J. Veiga, a
aprendizagem significativa não depende apenas da vontade do professor.
Na outra atividade, subsequente à primeira, os alunos discutirão possíveis causas
para que o aluno do texto de Millôr Fernandes tenha ficado com tantos problemas
em sua aprendizagem. A partir das causas, em grupos de trabalho, eles escreverão
uma lista do que podem fazer para melhorar a qualidade das aulas e do aprendizado
na escola. As sugestões serão discutidas na sala como uma prátca educativa a
partir da qual os alunos poderão escrever também uma lista de combinados
atitudinais para favorecer a aprendizagem significativa em todas as disciplinas e,
especialmente, na hora da leitura, que transcende as aulas de Língua Portuguesa.
3.7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sequência didática apresentada neste capítulo configura-se, dentre as múltiplas
possibilidades de se construir atividades significativas e aplicá-las, em um recurso
metodológico para o ensino da língua materna, por meio do diálogo entre muitos
conhecimentos apreendidos e aprendidos até aqui e que se completam, ampliando a
concepção de que a leitura e a produção textual estão indissociavelmente
interligadas ao trabalho com gêneros textuais.
Observa-se que esse trabalho não tem nenhuma pretenção de resolver os
problemas de formação dos leitores brasileiros, cuja dimensão ultrapassa em muito
as possibilidades do capítulo que aqui se encerra. A sequência didática nele
apresentada traduz-se, antes de tudo, em uma forma de concretização dos
princípios da Educação Linguística, pautada nas fases da leitura e estruturada à luz
da concepção sócio-interacionista de ensino-aprendizagem.
Neste sentido, espera-se que o leitor-professor reflita e aja, buscando suas próprias
sequências didáticas e, assim, complementando e enriquecendo o material didático-
pedagógico com o qual tem articulado suas aulas.
104
CONCLUSÃO
A página do livro moderno possibilita que o leitor dê voz aos textos que lê e, é por
essa razão que, a leitura silenciosa, de caráter individual, passa a conviver com a
leitura em voz alta, de caráter público. Logo, a leitura silenciosa é uma consequência
do aprimoramento da escrita e de suas tecnologias; portanto os textos que
antecedem a gramática da paginação eram feitos apenas para soar “nas praças
públicas e nos púlpitos da Igreja”. Nessa acepção a leitura em voz alta assegura a
divulgação de conhecimentos entre os membros das comunidades da civilização do
oral mesmo no espaço ocupado na civilização da escrita.
Nesse sentido, as investigações registradas neste trabalho tematizam o ensino-
aprendizagem da leitura significativa, considerando que, se para se ler um escrito
nas paredes das cavernas o leitor precisava se deslocar até a caverna a fim de
realizar tal leitura; quando o homem passou a utilizar os tabletes de argila, esses
podiam ser carregados e lidos em outros lugares. E, assim, pode-se constatar essa
mudança na relação entre leitor e suporte ao longo de todo o desenvolvimento dos
suportes.
105
Do mesmo modo, pode-se constatar que um escriba demorava 12 anos para
aprender o sistema de escrita de sua época, mas que, já no tempo desses
profissionais, era possível aprender a ler e a escrever de modo significativo e
proficiente. Entretanto, assim como passou a acontecer na educação escolar das
crianças da Idade Moderna e da Contemporânea, nem todo escriba tornava-se um
leitor proficiente – o que revela que os problemas de alfabetização existiam antes
mesmo do processo de democratização da escola e do ensino.
Sendo assim, no que tange ao ensino, os alunos de outrora aprenderam a ler e
escrever com os recursos de que dispunham, muitos deles feitos pelos próprios
alunos. A escrita em diferentes suportes sempre esteve ligada ao ensino, seja
aquisição de conhecimento por meio da leitura, seja como modelo de gênero a ser
produzido. E a conclusão a que chegamos é que independentemente do tipo de
suporte os alunos aprenderam a ler e a escrever e alguns chegaram a ser grandes
escritores e intelectuais reconhecidos mundialmente até hoje. Então, a qualidade da
educação do ensino da leitura e da escrita nos dias atuais está amplamente
articulada a sua história e à concepção de alfabetização veiculada nas cartilhas que,
durante décadas, dominaram a forma de se ensinar a ler e a escrever.
Além disso, se no passado ler e escrever eram atividades profissionais, nos dias
atuais, escrever não é uma profissão e sim uma obrigação e ler é marca de
cidadania e não de sabedoria, e é este o ponto inicial dos problemas da
alfabetização, pois, com a multiplicação dos leitores e a diversificação dos textos
escritos, a definição dos verbos "ler" e "escrever" passaram a indicar construção
social, perdendo a característica de definição imutável.
Sendo assim, este trabalho elucidou que é e sempre foi possível ensinar e aprender
a ler modo significativo e proficiente e, para tal, não cabe censurar tempo, lugar,
suporte, ou método, embora sempre haja constatações de maior ou menor grau de
eficiência. Cabe, antes de tudo, um olhar apurado de cada professor de língua
materna sobre o princípio básico da Educação Linguística, que aponta para a
formação de cidadãos capazes de utilizar a língua com adequação às mais variadas
situações comunicativas, o que implica também o saber ler, compreender, inferir e
106
ressignificar textos de diferentes gêneros, em seus diferentes suportes e em suas
mais variadas esferas sociais.
Nessa acepção, e para encerrar o trabalho com a criticidade da personagem
Mafalda, vale elucidar as dificuldades que permeiam esse processo de aquisição da
leitura significativa num universo cujo objetivo não é a educação, mas sim o dinheiro,
e que os bancos, sem nenhuma dúvida, têm mais importância que as bibliotecas,
cada vez mais escassas e menos frequentadas. Trata-se de um processo árduo,
conduzido na contramão das ideologias vigentes, mas que se pode fazer acontecer.
Discutir esse processo com os alunos e professores, desde as séries iniciais é
trabalhar a leitura proficiente associada à formação do cidadão, na acepção de
Monteiro Lobato de que “um país se faz com homens e livros”.
107
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