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A INCLUSÃO COMO UM DIREITO HUMANO: CONCEITOS QUE
AMPLIAM E LIMITAM.
ARTERO, Tiago Tristão
1
LIMA, Cláudia Araújo de2
RESUMO
Este trabalho procura entender de que maneira a restrição do conceito de inclusão somente às
pessoas com deficiência ignora a inclusão daqueles que possuem necessidades educacionais
especiais, mesmo que estas necessidades não estejam categorizadas como uma deficiência.
Especificidades que influenciam, de alguma forma, a aquisição do conhecimento estão
contidas no Código Internacional de Doenças (CID 10) e, por alterarem aquilo que se espera
de um aluno considerado “normal”, geram particularidades que, em um conceito amplo de
inclusão, devem ser consideradas. Saber as limitações e amplitudes dos conceitos de inclusão
e, a partir daí, entender como ocorre a efetiva prática da inclusão nas instituições educativas é
uma questão que pode remeter ao entendimento ou não da inclusão como um direito humano.
O fato de o Brasil ser signatário de declarações que versam acerca da importância em
considerar as necessidades educacionais especiais, ou seja, em vislumbrar um ensino para
todos, não garante que as instituições educativas apliquem este conceito, nem mesmo que
conheçam estas garantias.
Palavras-chave: inclusão, direitos humanos, aprendizagem..
1 ARTERO, Tiago Tristão. Graduado em Educação Física, Especialista em Neuropsicopedagogia e
Desenvolvimento Humano, As[ude Pública com ênfase em Saúde da Família, Gestão Educacional. Professor
EBTT do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul – Campus Corumbá.
2 LIMA, Cláudia Araújo de. Pedagoga. Doutora em Saúde Pública. Mestre em Saúde Pública. Mestre em
Reabilitação e Habilitação de Pessoas com Deficiência. Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em
Educação - Área de Concentração: Educação Social/UFMS/Campus do Pantanal, Coordenadora e pesquisadora
do Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares – NEPI/Pantanal – Observatório Eçaí: Educação, Saúde,
Desenvolvimento e outros direitos humanos de crianças e adolescentes na fronteira Brasil e Bolívia.
DECLARAÇÕES E CONCEITOS DE INCLUSÃO
As políticas sociais das últimas décadas indicam a necessidade de ampliar a
participação de todos no processo educativo, como prevê a Declaração Internacional dos
Direitos Humanos, a Declaração de Salamanca e órgãos como a ONU e a UNESCO. Desta
forma a “inclusão e participação são essenciais à dignidade humana e ao desfrutamento e
exercício dos direitos humanos”, de acordo com a Declaração de Salamanca (UNESCO,
1994, p.5). Observar o processo de inclusão como manifestação dos direitos humanos vem ao
encontro do objetivo de ampliar o conceito do que é realmente inclusão.
Pautar-se pela ideia de que a inclusão no “campo da educação, (...) se reflete no
desenvolvimento de estratégias que procuram promover a genuína equalização de
oportunidades”, como prega a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p.5), significa
entender que todos necessitam obter uma educação de acordo com as necessidades de
aprendizagem que manifestam, independentemente se o indivíduo possui algum transtorno do
desenvolvimento das habilidades escolares, distúrbio de aprendizagem, síndrome e
comorbidades que o diferencie de um conceito de padrão de aluno esperado.
Se o que se preconiza é que a educação deve ser estendida para todos, o conceito de
“todos” não pode ter o mesmo significado do que o conceito de “alguns”. Quando o conceito
de que alguns sujeitos podem representar todos os sujeitos, temos um conceito limitante de
educação para todos, temos, ainda, um conceito limitante de inclusão (e da educação como
um direito humano), restrita, por vezes, somente às deficiências físicas e intelectuais. Quando
isso ocorre, uma instituição corre o risco de trabalhar com um conceito limitado do que seria
uma necessidade educacional especial, desprezando os indivíduos que apresentam defasagem
na aprendizagem devido ao seu histórico escolar, devido aos distúrbios de aprendizagem,
como os citados no CID10 (em sua última versão) (OMS, 2007), às diferenças étnicas (em
especial, no caso dos alunos que moram na região de fronteira e possuem diferenças
marcantes na expressão da linguagem e em sua cultura) e tantos outros fatores que podem
promover, de alguma forma, dificuldades na aprendizagem.
Não é somente sobre os “transtornos do desenvolvimento psicológico” contidos no
CID 10 (OMS, 2007) que estamos falando, a saber:
Os transtornos classificados em F80-F89 têm em comum: a) início situado
obrigatoriamente na primeira ou segunda infância; b) comprometimento ou
retardo do desenvolvimento de funções estreitamente ligadas à maturação
biológica do sistema nervoso central; e c) evolução contínua sem remissões
nem recaídas. Na maioria dos casos, as funções atingidas compreendem a
linguagem, as habilidades espaço-visuais e a coordenação motora.
Habitualmente o retardo ou a deficiência já estava presente mesmo antes de
poder ser posta em evidência com certeza, diminuirá progressivamente com
a idade; déficits mais leves podem, contudo, persistir na idade adulta. (CID
10, OMS, 2007).
Ou ainda, sobre os transtornos específicos do desenvolvimento da fala e da
linguagem, ou sobre os transtornos específicos do desenvolvimento das habilidades escolares,
a saber:
Transtornos nos quais as modalidades habituais de aprendizado estão
alteradas desde as primeiras etapas do desenvolvimento. O
comprometimento não é somente a conseqüência da falta de oportunidade de
aprendizagem ou de um retardo mental, e ele não é devido a um traumatismo
ou doença cerebrais. (CID 10, OMS, 2007).
E tantos outros, como:
Transtorno específico de leitura
A característica essencial é um comprometimento específico e significativo
do desenvolvimento das habilidades da leitura, não atribuível
exclusivamente à idade mental, a transtornos de acuidade visual ou
escolarização inadequada. A capacidade de compreensão da leitura, o
reconhecimento das palavras, a leitura oral, e o desempenho de tarefas que
necessitam da leitura podem estar todas comprometidas. O transtorno
específico da leitura se acompanha freqüentemente de dificuldades de
soletração, persistindo comumente na adolescência, mesmo quando a criança
haja feito alguns progressos na leitura. As crianças que apresentam um
transtorno específico da leitura tem freqüentemente antecedentes de
transtornos da fala ou de linguagem. O transtorno se acompanha comumente
de transtorno emocional e de transtorno do comportamento durante a
escolarização.
Dislexia de desenvolvimento
Leitura especular
Retardo específico da leitura
(...)
Transtorno específico da soletração
A característica essencial é uma alteração específica e significativa do
desenvolvimento da habilidade para soletrar, na ausência de antecedentes de
um transtorno específico de leitura, e não atribuível à baixa idade mental,
transtornos de acuidade visual ou escolarização inadequada. A capacidade de
soletrar oralmente e a capacidade de escrever corretamente as palavras estão
ambas afetadas.
Retardo específico da soletração (sem transtorno da leitura)
(...)
Transtorno específico da habilidade em aritmética
Transtorno que implica uma alteração específica da habilidade em
aritmética, não atribuível exclusivamente a um retardo mental global ou à
escolarização inadequada. O déficit concerne ao domínio de habilidades
computacionais básicas de adição, subtração, multiplicação e divisão mais
do que as habilidades matemáticas abstratas envolvidas na álgebra,
trigonometria, geometria ou cálculo.
Acalculia de desenvolvimento
Discalculia
Síndrome de Gerstmann de desenvolvimento
Transtorno de desenvolvimento do tipo acalculia
(...)
Transtorno misto de habilidades escolares
Categoria residual mal definida de transtornos nos quais existe tanto uma
alteração significativa do cálculo quanto da leitura ou da ortografia, não
atribuíveis exclusivamente a retardo mental global ou à escolarização
inadequada. Deve ser utilizada para transtornos que satisfazem aos critérios
tanto de F81.2 quanto aos de F81.0 ou F81.1.
(...)
Outros transtornos do desenvolvimento das habilidades escolares
Transtorno de desenvolvimento da expressão escrita
(...)
Transtorno não especificado do desenvolvimento das habilidades escolares
Incapacidade (de):
· aprendizagem SOE
· aquisição de conhecimentos SOE
Transtorno de aprendizagem SOE (CID 10, OMS, 2007).
Transtornos que, há algum tempo, seriam injustificáveis tais dificuldades, já que o
indivíduo não necessariamente apresentaria alguma característica física que remetesse a
alguém com limitações. Estas características físicas que, de antemão, sugerem (mesmo que,
em alguns casos, erroneamente) que há aspectos relativos à inclusão a serem considerados,
não definem as necessidades educativas especiais. Popularmente, as questões relacionadas ao
desenvolvimento motor ou que alteram significativamente o fenótipo, eram consideradas (e
ainda são) os únicos casos a serem pensados a partir de situações de inclusão, como pode ser
visto abaixo (para exemplificar):
Transtorno específico do desenvolvimento motor
A característica essencial é um comprometimento grave do desenvolvimento
da coordenação motora, não atribuível exclusivamente a um retardo mental
global ou a uma afecção neurológica específica, congênita ou adquirida. Na
maioria dos casos, um exame clínico detalhado permite sempre evidenciar
sinais que evidenciam imaturidade acentuada do desenvolvimento
neurológico, por exemplo movimentos coreiformes dos membros,
sincinesias e outros sinais motores associados; assim como perturbações da
coordenação motora fina e grosseira.
Debilidade motora da criança
Síndrome da “criança desajeitada”
Transtorno (da) (do):
· aquisição da coordenação
· desenvolvimento do tipo dispraxia
(...)
Transtornos específicos misto do desenvolvimento
Categoria residual de transtornos nos quais existem ao mesmo tempo sinais
de um transtorno específico do desenvolvimento da fala e da linguagem, das
habilidades escolares, e das funções motoras, mas sem que nenhum destes
elementos predomine suficientemente para constituir o diagnóstico principal.
Esta categoria mista deve estar reservada aos casos onde existe uma
superposição importante dos transtornos específicos do desenvolvimento
citados anteriormente. Os transtornos mistos se acompanham habitualmente,
mas sem sempre, de um certo grau de alteração das funções cognitivas.
(...)
Transtornos globais do desenvolvimento
Grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas das
interações sociais recíprocas e modalidades de comunicação e por um
repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Estas
anomalias qualitativas constituem uma característica global do
funcionamento do sujeito, em todas as ocasiões.
(...)
Autismo infantil
Transtorno global do desenvolvimento caracterizado por a) um
desenvolvimento anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três
anos, e b) apresentando uma perturbação característica do funcionamento em
cada um dos três domínios seguintes: interações sociais, comunicação,
comportamento focalizado e repetitivo. Além disso, o transtorno se
acompanha comumente de numerosas outras manifestações inespecíficas,
por exemplo fobias, perturbações de sono ou da alimentação, crises de birra
ou agressividade (auto-agressividade).
Autismo î infantil
Psicose ì
Síndrome de Kanner
Transtorno autístico
(...)
Autismo atípico
Transtorno global do desenvolvimento, ocorrendo após a idade de três anos
ou que não responde a todos os três grupos de critérios diagnósticos do
autismo infantil.
(...)
Síndrome de Rett
Transtorno descrito até o momento unicamente em meninas, caracterizado
por um desenvolvimento inicial aparentemente normal, seguido de uma
perda parcial ou completa de linguagem, da marcha e do uso das mãos,
associado a um retardo do desenvolvimento craniano e ocorrendo
habitualmente entre 7 e 24 meses. A perda dos movimentos propositais das
mãos, a torsão estereotipada das mãos e a hiperventilação são características
deste transtorno. O desenvolvimento social e o desenvolvimento lúdico estão
detidos enquanto o interesse social continua em geral conservado. A partir
da idade de quatro anos manifesta-se uma ataxia do tronco e uma apraxia,
seguidas freqüentemente por movimentos coreoatetósicos. O transtorno leva
quase sempre a um retardo mental grave.
(...)
Outro transtorno desintegrativo da infância
Transtorno global do desenvolvimento caracterizado pela presença de um
período de desenvolvimento completamente normal antes da ocorrência do
transtorno, sendo que este período é seguido de uma perda manifesta dos
habilidades anteriormente adquiridas em vários domínios do
desenvolvimento no período de alguns meses.
(...)
Síndrome de Asperger
Transtorno de validade nosológica incerta, caracterizado por uma alteração
qualitativa das interações sociais recíprocas, semelhante à observada no
autismo, com um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado
e repetitivo. Ele se diferencia do autismo essencialmente pelo fato de que
não se acompanha de um retardo ou de uma deficiência de linguagem ou do
desenvolvimento cognitivo. Os sujeitos que apresentam este transtorno são
em geral muito desajeitados. As anomalias persistem freqüentemente na
adolescência e idade adulta. O transtorno se acompanha por vezes de
episódios psicóticos no início da idade adulta.
Psicopatia autística
Transtorno esquizóide da infância. (CID 10, OMS, 2007)
Situações contidas no CID 10 que dão parâmetros não somente para avaliação, mas
para a intervenção multiprofissional e auxílio no âmbito educativo. Longe de um aspectos de
medicalização, o que pode ser inserido no contexto escolar são os conceitos, técnicas e
possibilidades relacionados à inclusão. Para tanto, é preciso que se saiba a diferença entre um
conceito amplo ou restrito de inclusão, abarcando neste olhar os direitos humanos. O primeiro
conceito terá como pauta somente aqueles que, a olhos vistos, demandam um esforço para sua
adaptação no sistema de ensino de uma instituição educativa. O segundo irá englobar aqueles
que, por vezes, permanecem em segundo plano por não apresentarem alguma deficiência
notória, mas que, conforme a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p.3), possuem
“necessidades educacionais especiais”. Estas necessidades podem decorrer de uma
dificuldade ou distúrbio de aprendizagem (bem como as comorbidades decorrentes deste
distúrbio) que podem gerar evasão escolar e estar sujeito a uma maior vulnerabilidade social
(o que fere o direito de aprender). Os que, porventura, têm seu direito de aprender ferido,
certamente, não estão sendo considerado em suas necessidades educacionais especiais.
Nesse sentido, a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p.03) traz que ”as
escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas,
intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras”. Ao declarar estas diversas condições,
eminentemente orgânicas, nas quais a criança está inserida e a necessidade de serem
consideradas em sua diversidade, a Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p.3) ainda
acrescenta que as escolas “deveriam incluir crianças deficientes e super-dotadas, crianças de
rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças
pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos
desavantajados ou marginalizados”, momento em que cita distintas condições sociais que não
podem ser negligenciadas no contexto de ensino e aprendizagem. É certo que, a partir da
Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p.3) é possível entender que estas “condições
geram uma variedade de diferentes desafios aos sistemas escolares”, o que não impede que a
educação seja estendida a todos, como deve ser a partir do que indica a Declaração Universal
dos Direitos Humanos (1994, p.5), quando diz, no artigo 26°, que “Toda a pessoa tem direito
à educação”. Vai além, quando indica que:
A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana
e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve
favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e
todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das
actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. (Declaração
Universal dos Direitos Humanos, 1994, p.5).
Se a educação deve visar ao reforço dos direitos do Homem (entenda-se, ser
humano), a própria educação deveria se direcionar para que o direito de inclusão fosse
garantido, já que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1994, p.5) reforça que a
compreensão deve ser estendida aos diferentes grupos, conceito que cabe, justamente, para ser
aplicado nas ações de inclusão. Mais do que pautar-se em ações unilaterais e tentar direcionar
os esforços da educação para determinado grupo que possui características em comum, a
Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p.4) expande o conceito de inclusão, de maneira
que haja uma pedagogia “da qual todas as crianças possam se beneficiar”. Este conceito se
justifica porque a educação não pode limitar sua atuação à grupos específicos, mas à todos, já
que “as diferenças humanas são normais”, de acordo com a Declaração de Salamanca
(UNESCO, 1994, p.4). Logo, a aprendizagem deverá ser direcionada às características do
indivíduo, ao invés deste se adaptar “às assunções pré-concebidas a respeito do ritmo e da
natureza do processo de aprendizagem”, como pode ser visto na Declaração de Salamanca
(UNESCO, 1994, p.4). Esta declaração define que a consequência da pedagogia voltada às
necessidades da criança será benéfica a toda sociedade, já que reduz a evasão escolar, bem
como as taxas de repetência. A Declaração de Salamanca (UNESCO, 1994, p.4) traz a ideia
de que a ação pedagógica inclusiva “pode impedir o desperdício de recursos e o
enfraquecimento de esperanças, tão freqüentemente conseqüências de uma instrução de baixa
qualidade e de uma mentalidade educacional baseada na idéia de que ‘um tamanho serve a
todos’.”
De fato, o que se busca para um melhor conceito de inclusão é uma mudança de
perspectiva social, o que é amplamente apregoado na Declaração de Salamanca (UNESCO,
1994, p.4), quando indica alguns obstáculos como o fato de que “Por um tempo
demasiadamente longo os problemas das pessoas portadoras de deficiências têm sido
compostos por uma sociedade que inabilita, que tem prestado mais atenção aos impedimentos
do que aos potenciais de tais pessoas”. Essa mudança de perspectiva é crucial para que o
trabalho docente se paute por aquilo que o discente pode desenvolver, por uma mudança de
ótica que valoriza o aluno, por um olhar que busca ações docentes para todos – e não somente
para uma determinada classificação de maioria ou de minoria. Somente dessa forma estará
sendo cumprido o que determina o art. 205 da Constituição Federal de 1988, quando diz que a
“educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
A educação não é direito de alguns, mas sim de todos. Esta foi uma importante condição de
organização social que permite que o direito de ser educado seja amplo. Este amplo conceito
de direito à educação também não pode ficar contido somente no contexto escolar, já que a
Lei 9.394/1996, em seu art. 1° (LDB, 1996) diz que a educação envolve “os processos
formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e
nas manifestações culturais”. Logo, o conceito de inclusão deve ser estendido a toda a
sociedade, ao ensino formal e informal, nas mais diversas instituições e nas formas com que
os indivíduos culturalmente se organizam e manifestam. O Estado deverá ser o protetor desse
direito e o ensino regular deverá ter em seu currículo e em suas práticas a previsão de que
todos devem aprender, não somente determinado grupo com características cognitivas ditas
“normais”.
Há importantes constituições e tratados internacionais que abordam os direitos
humanos, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, realizada pela
Organização das Nações Unidas (ONU, 2006), assinada em 2007, que chegou ao Brasil via
Decreto n. 6.949, de 25 de agosto de 2009. Este decreto proíbe qualquer forma de exclusão
das pessoas com deficiência, indicando que a educação deve buscar a inclusão de uma
maneira ampla. Este é um avanço se compararmos com a Idade Média, em que as deficiências
eram vistas como algo divino ou maligno, ou ainda o modelo médico que predominava até
meados do século passado. Buscar uma abordagem de inclusão e valorizar o conceito de
educação para todos os indivíduos, ao invés de segregar para que não incomode nem o
governo (com os “gastos” decorrentes do processo de inclusão), nem a
família (PESSOTTI, 1994, p.52).
Mais do que uma educação básica de qualidade, mais, ainda, do que dispor de uma
sala de recursos para o ensino especial, já está garantido em lei (além do ensino regular) o
atendimento complementar – que deverá ser especializado (Constituição Federal, art. 3°, IV;
art. 5°, caput; e art. 208, III).
Visitando a história da educação no Brasil, a partir da década de 1920 foram
disseminados, na educação, conceitos que buscavam diminuir as desigualdades sociais (e
incluir os deficientes no processo educativo), decorrentes de concepções pedagógicas
influenciadas por pensadores como Montessori, Decroly, dentre outros, além do
escolanovismo (momento em que foi pronunciado o Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova) (Jannuzzi, 1992, p.63). Essa concepção inclusiva se deu com o aumento na oferta do
ensino primário, à época.
AMPLIANDO O CONCEITO DE INCLUSÃO
O conceito de inclusão deve estar presente em todos os níveis de educação, como,
por exemplo, na Educação de Jovens e Adultos, na Educação Profissional e Tecnológica, na
Educação Escolar Indígena, dentre os mais diversos públicos que expressem a diversidade de
características e condições. Esta prerrogativa está prevista na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (1996), quando indica a necessidade de considerar a bagagem cultural na Educação
de Jovens e Adultos e valorizar as dimensões do trabalho e da tecnologia na Educação
Profissional e Tecnológica. É preciso ir além, e reconhecer que a educação se estende até
mesmo aos Jovens e Adultos em Situação de Privação de Liberdade nos Estabelecimentos
Penais, como está previsto no Plano Nacional de Educação – PNE e na Lei de Execução Penal
– LEP (Lei 7.210/84).
Não somente os públicos citados são diferentes entre si, como também, o mesmo
público possui indivíduos diferentes entre si, o que condiciona um olhar singular para cada
ação docente realizada – o que não é possível quando há a tentativa de homogeneizar o ensino
a partir de características gerais, padronizadas.
Se a compreensão do que há de produção científica e de avanço social a respeito da
temática da inclusão não servir para modificar as práticas dentro das instituições educacionais,
a inclusão não estará contida no planejamento e na organização das mesmas.
Mesmo que as ‘necessidades educativas especiais’ (termo contido na
LDBEN 9.394/96) tenham fundo orgânico ou não (CNE/CBE nº. 2/2001, p.44), a busca por
uma educação de qualidade deve ser estendida a todos (MEC/SEESP, 2004). Se por um lado a
educação ganha quando os conceitos relacionados à inclusão são colocados em prática, por
outro, perde quando este conceito de inclusão está limitado a poucos.
Quando dificuldades de aprendizagem que não possuem causa orgânica são notadas,
há um distanciamento dos conceitos antigamente relacionados à inclusão (que previam
deficiências facilmente notadas, de cunho físico ou de limitação intelectual aparente). Causas
de dificuldades não orgânicas podem estar relacionadas a aspectos ligados ao histórico
escolar, limitações dos agentes responsáveis pelo ensino, dentre tantos outros fatores. Fruto
destas limitações, as dificuldades geradas em decorrência da combinação de diversos fatores
devem ser consideradas para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra, de fato. Os
parâmetros que limitam o conceito de inclusão podem estar ligados à necessidade de
estabelecer padrões para o que é passível de ser tratado como inclusão e o que não é, como
indica Bossa (2005, p.19) ao dizer que na sociedade “a norma é referência, os desvios à norma
passam a ser objeto de maior controle”, fazendo com que haja “regras para impedir os
desvios, ajustar as diferenças e produzir as individualizações”. Pensamento que está arraigado
na sociedade como forma de controle social e pode fazer com que o conceito de inclusão
esteja vinculado a determinados padrões, perdendo a característica da inclusão para todos –
independentemente da causa que esteja dificultando a aprendizagem.
Bossa (2005), ao fazer uma análise histórico-filosófica da instituição escolar cita o
poder disciplinar contido nestas, de maneira que sua capacidade de normatizar “hierarquiza,
regulamenta, padroniza, distribui lugares, normaliza”. Utilizando esta análise para
entendermos a inclusão é possível visualizar que o conceito de normal não pode prevalecer
nas instituições educativas, já que todos somos diferentes e todos necessitamos ser incluídos
(como tratam as declarações que versam sobre o tema relacionado à inclusão). Bossa (2005,
p.19), vai além quando diz que para que a escola não fracassasse foi instituída a “idéia de uma
infância ‘desviante’ que, por sua vez, precisa ser disciplinada, assistida, controlada, tratada”,
como se houvesse uma linha comum a ser alcançada por todos (linha que delimita o quanto
próximo ou distante um indivíduo está de alcançar um padrão de normalidade). Este tipo de
padronização insere uma ótica que faz com que as diferenças não sejam normais,
necessitando, por sua vez, serem combatidas. Fato que vai de encontro com a visão de uma
educação inclusiva, ou seja, vai contra os avanços já obtidos nas declarações e políticas
voltadas à educação para todos.
O ideal de que todos os alunos estejam integrados no processo de ensino-
aprendizagem faz com que sirva de reflexão afirmação que diz que “continuamos a
discriminar os alunos que não damos conta de ensinar.” (MANTOAN, 2003, p.28). Nesse
sentido, é mais fácil rotular, medir e criar parâmetros para que a aprendizagem do aluno seja
considerada “normal” ou passível de inclusão, poupando-se do esforço de cumprir as
diretrizes mundiais acerca do acesso aos alunos com e sem deficiência (ou seja, todos) no
ensino regular – como recomenda o documento
‘O Acesso de Alunos com Deficiência as Escolas e Classes Comuns da Rede
Regular’, baseado no Decreto nº. 3.956/2001, publicado em 2004 pelo Ministério
Público Federal.
Para que se busque uma escola que integre todos e garanta o ensino como um direito
humano, Mantoan (2003) indica a importância do aluno ser considerado no âmbito escolar
independentemente das características que apresenta, inseridos em:
(...) escolas que não são indiferentes às diferenças (...)
ambientes educacionais que se caracterizam por um ensino de
qualidade, que não exclui, não categoriza os alunos em grupos
arbitrariamente definidos por perfis de aproveitamento escolar e por
avaliações padronizadas e que não admitem a dicotomia entre
educação regular e especial. As escolas para todos são escolas
inclusivas, em que todos os alunos estudam juntos, em salas de aula de
ensino regular. Esses ambientes educativos desafiam as possibilidades
de aprendizagem de todos os alunos e as estratégias de trabalho pedagógico
são adequadas às habilidades e necessidades de todos. (MANTOAN, 2003,
p. 7-8)
Estes ambientes que não se pautam por atender somente determinado público, que
não se pautam somente pelo rendimento, mas que primam pelo desenvolvimento do indivíduo
e pela sua emancipação a partir do conhecimento e da prática deste conhecimento, são
ambientes que desafiam os alunos, que prezam pelo trabalho pedagógico adequado às
habilidades dos educandos, conforme orienta Mantoan (2003, p.8). São ambientes que
valorizam o direito de aprender acima do que geralmente se vê por meio de avaliações
padronizadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que se busca a respeito da compreensão de uma inclusão como um direito humano
é a reafirmação do conceito de que “Toda a pessoa tem direito à educação” (Declaração
Universal dos Direitos Humanos, 1994 artigo 26°). Mesmo que existam garantias de que o
ensino deve ser para todos e, mesmo que existam muitos documentos que versem sobre o
assunto, a efetivação deste direito ainda necessita ser conquistada. Conhecer aspectos
cognitivos urge, não para confundir a área da saúde com a área da educação, mas para que o
avanço de uma área contribua com a outra, fazendo com que, em última instância, o ser
humano se desenvolva socialmente, a partir de seus direitos e necessidades. A compreensão
do que é inclusão pode ser realizada a partir de diversos documentos como um conceito
amplo, não um conceito que limita, pois a educação não pode ser restrita, é um direito de
todos.
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