a aventura de um bandido
DESCRIPTION
alalalaTRANSCRIPT
19
está ai. _ Segura o cordão na cabeceira da cama que faz a por-ta abrir, e puxa.
A porta cede, dócil. Gim vai pelo corredor, com asmãos nosbolsos, entra no quarto. Na grande cama de Armanda o corpodela, pelos altos relevos do lençol, parece cstar ocupando tudo.No travesseiro, o rosto sem pintura, embaixo da franjinha negra,se entrega em bolsas e rugas. Mais para lá, COlnoque numa pre-ga do cobertor num lado da cama, está deitado seu marido Lilin,que parece querer afundar no travesseiro a cara miúda e azuladapara agarrar de novOo sono interrompido.
Lilin tem de esperar que o último cliente vá embora parapoder se meter na cama e digerir o sono com que se abastece emseus preguiçosos dias. Não há nada no mundo que Lilin saiba ouqueira fazer; é só ter o que fumar e fica sossegado. Armanda nãopode dizer que Lilin lhe saia caro, a não ser pejos pacotes defumo que queima em um dia. Sai com seu pacote de manhã,senta no sapateiro, no ferro-velho, no consertador de chaminé.,enrola um papelzinho depois do outro e fuma, sentado naquelesbanquinhos de oficina, as mãos de ladrão, lisas e longas, noSjoelhos, O olhar mortiço, ouvindo tudo como um espião, quasenunca abrindo a boca durante as conversas, senão por frasesbreves e inesperados sorrisos tortos e amarelos. À noite, depoisque a última oficina fecha, vai até a cantina e esvazia um litro, equeima os cigarros que restam, até que arriem as portas de aço.Sai, a mulher ainda está rondando pela avenida com a roupa ca-prichada, os pés inchados noS sapatos apertados. Lilin despontanuma esquina, manda-lhe um assobio baixinho, algumas frasesininteligíveis, para lhe dizer que já é tarde, venha para a cama.Ela, sem olhar para ele, no meio-fio da calçada como numa ri-balta, o seio apertado na armadura de elástico e arame, o corpode velha naquela roupa de garota, com um nervoso mexer dabolsa entre as mãos, um desenhar de círculos com os saltos dossapatos no calçamento, um cantarolar improvisado, respondc--lhe que não, que ainda tem gente passando, que ele vá emborae espere. É a corte que eles se fazem, todas as noites.
_ E então, Gim? - fala Armanda arregalando os olhos.,o;:.
~;\'1"¥.
1.--------------
o IMPORTANTE ERA NÃO SER PRESO LOGO G'meu contra um - d . . . . 1IU se cspre-fr d vao e porta, os poliCIaISpareciam correr em~nte, ~abs e repente ouviu os passos retornarem darem a
vo ta pe o eco. Pulou fora rápido, em saltos leves. '- Para ou a gente atira Giml"Está bom, vamos ver ~tire~ I" I"fora di.' . , pensava e e, e Ja estava
d doa candce dos tifOS, a grandes passadas na beirinha
os egraus e pedra d dcidade velh A' d' espencan o pelas vielas tortas da_ . 3. CIma a fonte saltou a balaustrada da ram a
edentao fiCOUembaixo da arcada que amplificava o p,os passos. rumor
tado;~~~a °n~~c~t~ qu':. lheRvin,haà_mente era para ser descar-, I e nao, enee nao. Dentro de
eles estariam em toda a parte batendo na poucEotempo.t ,s portas. ra UInali?1 e sua~e, com nuvens tão claras que poderiam estar ali dedIa, por cima das arcadas altas sobre as vielasb Ao ~esembocar nas ruas largas da cidad~ nova, Mario Al-anesl~ Ito GIm Bolero, freou um pouco seu im ulso enfipor t~as das orelhas os fiapos de cabclos que lhe ~nham' 'dOUnas tempor N-" cal o, ' as, ao se ouvia um passo, Andando decidido
hdlscreto,chegou ao portão da casa da Armanda subi A eora ela co _ . ' u. essad G' b fi certeza 11aotinha mais ninguém e estava dormin-o. Im ateu com força.h - Quem está aí? - falou pouco depois uma irritada voz deornem, - A esta hora a gente está dormindo - E L'l'M ' ...~Im- re um Instante, Armanda sou' eu o G' .
deu ele, não forte, mas decidido. ' . , Im - respon-Armanda se vira na cama:- Hum Gim 'd", , quen o, Javou abrir para você, hum, o Gim
A AVENTURA DE UM BANDIDO
18
.~. _T •
Ele já achou cigarros em cima da cômoda e acende.- Preciso passar a noite aqui, hoje.E já vai tirando o paletó, afrouxando a gravata.- Está bOln, Gim, vem para a cama. Você vai para o sofá,
Lilin, vamos, Lilin meu bem, sai fora, deixa o Gim deitar.LiJin fica urn pouco ali como UIna pedra, depois se levanta,
soltando um lamento sem palavras articuladas, sai da cama,pega seu travesseiro, um cobertor, o fumo da mesinha de cabe-ceira, os papéis de enrolar, os fósforos, o cinzeiro.
- Vai, Lilin meu bem, vai.Ele se encaminha pequeno e curvado debaixo daquela car-
ga pata o sofá do corredor.Gim tira a roupa fumando, pendura as calças bem dobta-
das, arruma o casaco nutua cadeira junto da cabeceira, leva oscigarros da cômoda para a mesa de cabeceira, os fósforos, umcinzeiro, entra na cama. Arnlanda apaga a luz do abajur e sus-pira. Gim fuma. Lilin dorme no corredor. Armanda se vira.Gim apaga o cigarro no cinzeiro. Batem na porta.
Com uma das mãos Gim já está tocando o revólver no bol-so do paletó, com a outra segura Af1uanda por um cotovelo,para que ela preste atenção. O braço de Armanda é gordo emacio; ficam parados assim um pouco.
- Pergunta quem é, Lilin - fala Armanda, baixo.Lilin bufa no corredor.- Quem está aí? - pergunta com maus modos.- Ei, Armanda, sou eu, Angelo.- Que Angelo? - ela fala.- Angelo, o sargento, Armanda, eu estava passando por
aqui, pensei em subir ... Pode abrir um minuto?Gim já saiu da cama e faz sinal para ficarem quietos. Abre
uma porta, olha o toalete, pega a cadeira com suas roupas ecarrega com ele.
- Ninguém me viu. Trata dele rápido - diz baixinho e setranca no -toalete.
- Vem, Lilin, meu bem, volta para a cama, vamos, Lilin.- Armanda, deitada, dirige os deslocamentos.
20
- Então, Armanda, quer me fazer esperar? - diz O outroda porra.
Com caltna Lilin recolhe cobertor, travesseiro, fumo, fós-foros, papéis de enrolar, cinzeiro, volta para a cama, enfia-senela e puxa o lençol para cima dos olhos. Armanda agarra ocordão e abre a porra.
Entra Soddu, com seu aspecto amarfanhado de velho agen-te à paisana, os bigodinhos grisalhos no rosto gordo.
- Você passeia até tarde, sargento - disse Armanda.- Oh, estava dando uma voltinha - disse Soddu -, e tive
a ideia de vir visitar você.- O que é que você queria? .Soddu estava à cabeceira da cama, enxugava o rosto suado
no lenço.- Nada, só uma visitinha. Novidades?- Novidades de quê?- Por acaso você não viu o Albanesi?- Gim? O que é que ele aprontou?- Nada. Esses rapazes ... A gente queria perguntar uma
coisa a ele. Você o viu?- Faz três dias.Não. Agora.- Faz duas horas que estou dormindo, sargento. Mas por
que você vem na minha casa? Vai no pessoal dele: a Rosy, aNilde, a Lola ...
- Não adianta, quando faz uma besteira vai para longe.- Aqui não esteve. Fica para outra vez, sargento.- Pois é, Armanda, estava só perguntando, quero dize.r que
gostei de ter visitado você.- Boa noite, sargento.- Boa noite.Soddu se voltou, mas nada de ir embora.- Eu estava pensando, já é madrugada e não vou mais an-
dar por aÍ. Voltar para aquela cama de campanha não tenhovontade. Já que estou aqui, até que podia ir ficando, hein, Ar-manda?
21
- Sarg~nto, você continua sendo gente fina, mas a essa~ora,para dIzer a verdade, não estou mais recebendo, esta é quee a verdade, sargento, cada um tem seu horário.
- Arnlanda, um amigo como eu. - Soddu já estava tiran-do o paletó, a camisa.
- Você é gente fina, sargento; e se ficasse para amanhã denoite?
Sod,du continuava a se despir:- E para fazer a manhã chegar, entende, Armanda? Então:
dá um lugar para mim.- Quer dizer que Lilin vai para o sofá; levanta, Lilin, va-
mos, Lilin meu bem, vai indo.. Lilin nlexeu as longas nlãos no ar, procurou o fumo na me-smha, ergueu-se gemendo, saiu da cama quase sem abrir os olhospegou o travesseiro, o cobertor, os papéis de enrolar os fósfo~ros. "Vai, Lilin meu bem", foi-se, arrastando o cob~rtor pelocorredor. E Soddu já se metia entre os lençóis.
A essa altura Gim olhava pela vidraça o céu ficando verde.Havia esquecido os cigarros em cima da mesinha de cabeceiraisso é que era chato. E agora aquele outro se metia na cama e el~tinha que ficar trancado até de manhã entre aquele hidê c aque-las caIxas de talco sem poder fumar. Vestira-se em silênciopenteara-se com capricho olhando-se no espelho da pia, do ou~tro lado da muralha de perfumes e colírios e peras de borrachae remé?ios e iD,seticidas .que guarneciam a prateleira. Leu algu-mas ~tlquet.as a luz. da Janela, roubou uma caixa de pastilhas,depOIs conanuou a Inspeção do toalete. Não havia muitas des-cobertas a fazer: roupas nUllla bacia, outras estendidas. Come-çou a experiInentar as torneiras do bidê; a água jorrou ruidosa-mente. E se Soddu ouvisse? Ao diabo Soddu e o xadrez. Gimestava .entedi.ado, perfumou o paletó com água-de-colônia, pas-sou brIlhantIna. Bem, se não o prendiam hoje, prendiam ama-nhã, mas não havia flagrante, se tudo desse certo era logo solto.Esperar ah a.lnda duas, três horas sem cigarros, naquela toca ...por ~~e precIsava fazer isso? Bem, seria liberado logo. Abriu umarmano, rangeu. Ao dIabo o armário e todo o resto. Dentro
22
estavam pendurados vestidos de Armanda. Gim pôs seu revólverno bolso de um casaco de pele. "Depois venho buscar", pensou,"isso daqui ela não vai usar até o inverno." Tirou para fora a mãobranca de naftalina. "Melhor: a traça não rói", riu. Foi novamen-te lavar as mãos, e como as toalhas de Armanda lhe davam nojo,se enxugou num casaco do armário.
Soddu, deitado, tinha ouvido barulho daquele lado. Pousouuma das mãos em Armanda.
- Quem está aí?Ela se voltou para ele, pôs-lhe um braço grande e mole em
tomo da cabeça:- Nada ... Quem havia de ser...Soddu não queria se soltar, embora ouvisse movimento e
perguntasse, como que brincando:- ...Quem está aí, hein? .. hein, quem está aí?Gim abriu a porra.- Vamos, sargento, não se faça de bobo, prenda-me.Soddu esticou a mão para o revólver no paletó pendurado,
mas sem se desencostar de Armanda.- Qnem está aí?- Gim Bolero.- Mãos ao alto.- Estou desarmado, sargento, não banque o durão. Estou
me entregando.Estava de pé à cabeceira da cama, com o paletó nos ombros
e as mãos meio erguidas.- Oh, Gim - murmurou Arnlanda.- Daqui a uns dias volto para ver você, Anda - falou Gim.Soddu se levantava reclalnando, enfiava as calças.- Maldito serviço ... Nunca se pode ficar sossegado ...Gim pegou os cigarros da mesinha de cabeceira, acendeu,
pôs o maço no bolso.- Quero fumar, Gim - disse Armanda, e se esticou levan-
tando o peito mole.
. 23
Gim lhe pôs um cigarro na boca, acendeu-o, ajudou Soddua vestir o paletó.
- Vamos enlbora, sargento.- Quer dizer que fica para outra vez, Armanda - falou
Soddu.- Até logo, Angelo - disse ela.- Até logo, hein, Armanda - disse de novo Soddu.- Tchau, Gim.Foram-se. No corredor Lílin dormia, agarrado na borda do
sofá acabado; nem se mexeu.Armanda fumava sentada na cama grande; apagou O abajur
porque uma luz cinzenta já estava entrando pelo quarto.- Lilin - chamou. - Vem, Lilín, vem para a cama, anda,
Lilin meu bem, vem.Lilin já apanhava o travesseiro, o cinzeiro.
24