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Fundamentos Epistemológicos da Medicina 5.4. Comprobabilidade Científica Luiz Salvador de Miranda-Sá Jr. A comprobabilidade ou verificabilidade é a segunda exigência levantada aqui, depois da especificidade, para caracterizar a atividade científica. A comprobabilidade se refere aos aspectos metodológicos da ciência. A exigência de comprobabilidade da ciência se concretiza na avaliação de uma atividade ou produção científica qualquer do ponto de vista de sua metodologia e de seus outros recursos de investigação. Ao lado da especificidade, que é a primeira exigência para caracterizar a ciência, a segunda exigência para caracterizar uma prática ou informação científicas. coloca-se a necessidade chamada de comprobabilidade , que inclui os seguintes elementos básicos: a comprobabilidade teórica (demonstração), a comprobabilidade empírica (procedimentos teóricos e práticos de verificação, comprovação) e a refutabilidade (que inclui a necessidade de manter permanentemente em atividade mecanismos, processos e procedimentos que garantam a crítica permanente de seus resultados e processos, garantindo sua a autocorreção. Neste sentido amplo, a comprobabilidade científica se confunde com a metodologia, a metódica, as técnicas e os procedimentos técnicos empregados na ciência para investigar. No entanto, a comproba-bilidade científica tem alcance muito maior que a disciplina lógica dos métocos de investigação, tambem respeita aos métodos lógicos e procedimentos de autoavaliação e autocorreção de seus resultados. De maneira supersimplificada, pode-se pretender que, depois que a objetividade científica define o o quê se estuda cientificamente e o para quê se procede à investigação científica, impõe-se saber o como isto é realizado de forma confiável. A comprobabilidade científica consiste na estruturação e na execução de procedimentos teóricos e práticos que permitam saber como se obtém (ou se obteve) o conhecimento científico e como se pode garantir a 1

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epistemologia médica e gnosiologia da medicina

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Fundamentos Epistemológicos da Medicina

5.4. Comprobabilidade Científica

Luiz Salvador de Miranda-Sá Jr.

A comprobabilidade ou verificabilidade é a segunda exigência levantada aqui, depois da especificidade, para caracterizar a atividade científica. A comprobabilidade se refere aos aspectos metodológicos da ciência.

A exigência de comprobabilidade da ciência se concretiza na avaliação de uma atividade ou produção científica qualquer do ponto de vista de sua metodologia e de seus outros recursos de investigação.

Ao lado da especificidade, que é a primeira exigência para caracterizar a ciência, a segunda exigência para caracterizar uma prática ou informação científicas. coloca-se a necessidade chamada de c o m pr o b a b ilid a d e , que inclui os seguintes elementos básicos:

a comprobabilidade teórica (demonstração),

a comprobabilidade empírica (procedimentos teóricos e práticos de verificação, comprovação) e

a refutabilidade (que inclui a necessidade de manter permanentemente em atividade mecanismos, processos e procedimentos que garantam a crítica permanente de seus resultados e processos, garantindo sua a autocorreção.

Neste sentido amplo, a comprobabilidade científica se confunde com a metodologia, a metódica, as técnicas e os procedimentos técnicos empregados na ciência para investigar. No entanto, a comproba- bilidade científica tem alcance muito maior que a disciplina lógica dos métocos de investigação, tambem respeita aos métodos lógicos e procedimentos de autoavaliação e autocorreção de seus resultados.

De maneira supersimplificada, pode- se pretender que, depois que a objetividade científica define o o qu ê se estuda cientificamente e o para qu ê se procede à investigação científica, impõe- se saber o co m o isto é realizado de forma confiável. A comprobabilidade científica consiste na estruturação e na execução de procedimentos teóricos e práticos que permitam saber co m o se obtém (ou se obteve) o conhecimento científico e como se pode garantir a

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confiabilidade e a validade dos procedimentos lógicos e práticos envolvidos nessa atividade. Esta grande exigência para caracterizar a atividade científica aqui se denomina princípio da comprobabilidade científica.

Por princípio da comprobabilidade empírica deve- se entender que toda atividade científica deve dispor (ou se fundamentar) obrigatoriamente de um conjunto estruturado de procedimentos lógicos, metodológicos e técnicos (quando for o caso), adequados a seu objeto, capazes de atender às exigências da filosofia do conhecimento para o rigor da investigação e que, por isto, permitam a aferição de suas hipóteses na teoria e na prática. Não há, nem pode haver ciência sem sua metodologia científica específica (porque adequada a seu objeto) e subordinada a uma determinada metodologia filosófica aceita naquele momento.

Este princípio, na verdade, se confunde com o princípi o da c o m pr o b a b ilid a d e e m p íric a , princípio da v erifica bilida d e ou princípio da da falsica bilida d e (propostos por Popper) ainda que aqui, pretenda- se alcance um tanto maior.

A comprobabilidade, enquanto usada como traço caracterizador e distintivo da ciência, deve estar em absoluta interação com as outras duas características da ciência (a especificidade e o grau de sistematicidade), sendo enriquecida por elas e as enriquecendo.

É preciso examinar a extensão do significado do termo m e t o d o l o g i a .

O termo m e t o d o l o g i a pode ser empregado na teoria da ciência com dois significados distintos. Primeiro, a metodologia, como disci plina filos ófic a , é o capítulo da Filosofia que estuda o método empregado no conhecimento do mundo; e, em segundo lugar, emprega- se o termo metodologia para desiggnar um componente das ciências, é a dimensão da atividade científica que corporifica o princípio da comprobabilidade empírica e estabelece os caminhos e meios para a demonstração e a verificação das hipóteses.

Neste segundo sentido, parece melhor, denominar metódica, reservando- se o metodologia para o ramo da filosofia. Quando, então, tem- se a metodologia científica como um ramo da metodologia filosófica. Na prática da investigação científica, quando se aplicar os métodos científicos, talvez convenha diferenciar m e t o d o l o g i a (disciplina filosófica) de m e t ó d i c a (conjunto de recursos metodológicos e técncicos usados em uma pesquisa) porque esta diferenciação possibilita melhor entendimento do tema.

Neste texto, procura- se denominar como m é t o d o à arquitetura intelectual e lógica, teórica e abstrata do processo de investigação;

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complementando- a, existe a m e t ó d i c a , como se denomina ao conjunto de recursos (processos, técnicas, instrumentos e procedimentos) práticos. A metódica reúne os procedimentos concretos, as técnicas de investigação, além do emprego de instrumentos. Metodologia e metódica são recursos científicos complementares em permanente interação. Em sentido amplo, denomina- se m é t o d o ao caminho usado para chegar a um lugar ou atingir determinados fins. Em ciência, concebe- se o método como elemento de importância crucial para a obtenção do conhecimento científico. Tão importante que se confunde com a própria atividade científica.

CIÊNCIA É EXPERIÊNCIA. NENHUMA CIÊNCIA É MELHOR QUE OS MÉTODOS QUE EMPREGA. SÃO OS DOIS BROCARDOS QUE ASSINALAM ESTA OPINIÃO.

A metodologia científica consiste na estruturação lógica dos processos teóricos e práticos de verificação e comprovação das proposições possíveis de uma atividade científica, sendo um dos elementos mais essenciais de qualquer tipo de atividade cognitiva que pretenda merecer estatuto de cientificidade, isto é, de desfrutar estatuto de ciência.

Entre outros autores da epistemologia e da metodologia, KOPNIN <pág. 232.> afirma que a metodologia e a metódica de uma disciplina ou pesquisa científica devem reunir “ norm a s d e açã o pa dr o n i z a d a s e hom o g ê n e a s ” especialmente estruturadas em função de seu objeto e subordinadas aos objetivos da atividade científica, em geral, e aos propósitos particulares daquele estudo específico.

A comprobabilidade pode ser teórica ou prática (a comprobabilidade prática também é chamada verificabilidade ou comprobabilidade empírica de uma ciência factual) e decorre das possibilidades metodológicas e técnicas de um ramo qualquer do conhecimento para investigar cientificamente seu objeto e concluir e generalizar sobre ele de modo confiável.

O método é o instrumento de organização lógica do pensamento que se aplica a toda investigação inteligente, da filosofia ao propósito prático mais limitado e imediato.

Uma técnica de investigação científica constitui um conjunto de regras práticas ou procedimentos padronizados para atingir os objeticos na verificação de uma hipótese científica.

Um procedimento técnico a conduta mais elementar de uma técnica, o modo padronizado ou reconhecido como correto para implementar uma técnica.

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Como se viu, a primeira exigência para que o conhecimento acerca de um certo campo da natureza ou um tipo específico de atividade cognoscitiva possam ser considerados como científicos torna- se necessária a satisfação do requisito de especificidade, com suas duas dimensões: a ontológica e a gnosiológica. O conhecimento científico deve ser comprovável (nas ciência fática) ou demostrável (nas ciência formais), isto é possível de ser verificado.

Verificou- se no capítulo anterior que a ciência (entenda- se como o conhecimento científico acumulado ou como uma atividade de investigação científica) tem como pré- requisitos necessários a definição de seu objeto e a constatação da possibilidade de estudo objetivo. Como decorrência desta exigência, antes de serem abordadas as questões metodológicas, impõe- se a necessidade de se conhecer a clara proposição de sua finalidade, porque o conhecimento do objetivo da investigação ou da informação é tão importante para a estruturação metodológica quanto o conhecimento do objeto.

Os métodos científicos podem ser agrupados em duas grandes categorias: o método indutivo e o método dedutivo.

O método indutivo é aquele em que se emprega o recurso lógico-psicológico da indução (o raciocínio indutivo) que consiste em concluir acerca do caso geral a partir de casos específicos. A indução se baseia na generalização de casos singulares observados. A custa de observar corvos pretos, induziu- se que todos os corvos são pretos.

O método dedutivo se fundamenta no recursos lógico- psicológico da dedução (o raciocínio dedutivo que consiste em concluir sobre casos particulares a partir do conhecimento do caso geral. Sabendo que todos os corvos são pretos, se alguém pergunta qual a cor do corvo de Poe, infere- se que é preto.

MÉTODOLOGIA E FILOSOFIAComo acontece com a teoria do conhecimento e com a lógica, que são outros capítulos da filosofia, a metodologia (principalmente a metodologia científica) está tão profundamente entranhada no conhecimento científico que chega a se confundir com ele. Para muita gente, ciência é metodologia e toda metodologia correta é científica. De fato, isto não é inteiramente verdadeiro, mas pode-se muito bem afirmar que ciência é, ao menos em grande parte, experiência; e experiência científica depende essencialmente de seu método. Não pode haver ciência sem verificação (ou comprovação pela observação ou experiência) e a verificação ou comprovação científica consiste, fundamentalmente, no emprego adequado da metodologia de investigação científica. Não há nem

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pode haver ciência ou atividade científica sem metodologia científica. No entanto, não é possível reduzir a ciência e a atividade científica à sua metodologia. A ciência é muito mais que a metodologia científica (como se pretende mostrar aqui).

O termo m é t o d o com qualquer dos seus significados e sentidos deriva da noção de caminho correto para chegar a um lugar determinado, o caminho a ser percorrido para ir de um lugar a outro. Este significado de caminho impregna este conceito. Enquanto procedimento intelectual comum, o termo método se refere à maneira como se organiza o pensamento para atingir um objetivo cognitivo, a organização racional dos dados do pensamento para cocluir. Enquanto procedimento científico, o método é reconhecido como o primeiro momento da investigação científica adequada, a diretiz usada para obter um co-nhecimento novo.

Todo conhecimento científica é estruturado, inicialmente, a partir de sua metodologia. Enquanto a metodologia de que se originou um certo conhecimento constitui sua melhor credencial de cientificidade.

Pode-se definir m é t o d o como instrumento lógico do conhecimento que facilita a compreensão da natureza e a intervenção humana nela.

Por m e t o d o l o g i a se denomina quase sempre o c on junt o d e m é t o d o s ; ou o capítulo da Filosofia dedicado ao e stu d o d o m é t o d o .

Uma vez que os métodos de uma ciência devem guardar relação absoluta de dependência com seu objeto, o seu alcance enquanto instrumento do conhecimento é definido, de um lado, pelos limites do objeto estudado e, de outro, pelas suas próprias limitações teóricas ou práticas para conhecer aquele objeto.

Quando se fala em m é t o d o filos ófic o , sempre se quer referir um instrumental lógico de grande amplitude de abrangência que possibilite estudar e o conhecer toda a natureza (e tudo o que existe nela) da maneira mais confiável que for possível com os recursos disponíveis naquela momento do conhecimento. Como o objeto da filosofia é todo o mundo e tudo que acontece nele, sua metodologia tem que abranger tudo o que existe.

Mais que qualquer outra atividade, é a contribuição que dá ao método filosófico que caracteriza um filósofo moderno. Atualmente, são chamados filós of o s os grandes pensadores, aquelse que produziram sistemas doutrinários capazes e modificar, de forma mais ou menos importante, a visão do mundo que vigorava até então.

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Neste texto, como já se afirmou anteriormente em mais de uma oportunidade, a palavra filos ofi a (e as que derivam dela) será sempre empregada com significado preciso, como uma c on c e p ç ã o glob al da natur e z a , da s o c i e d a d e , d o p e n s a m e n t o , d o univ ers o . Uma visã o d o mun d o . Uma c on c e p ç ã o d o mun d o , da qual d e c o rr e uma d et er m i n a d a forma d e c on d u t a . Especialmente, uma certa conduta cietífica.

E, como já se disse anteriormente e como ficou implícito na sua definição, a filosofia tem como objeto o universo, a natureza, a vida, o pensamento, o homem, o próprio conhecimento; enfim, tudo o que existe, suas causas e o seu desenvolvimento. Mas estuda este objeto como uma totalidade e uma unidade.

Por causa da dimensão totalizadora dada pela grande abrangência da filosofia, o objeto da filosofia ultrapassa e contém o campo de todas as ciências; abarca toda as ciências sem, contudo, pretender substituí- las no estudo particular de sus objetos específicos; assim pois, a filosofia pode ser considerada, a partir deste ponto de vista, a mais global e a mais abrangente de todas as modalidades de conhecimento, incluído aí, o senso comum e o conhecimento obtido em todas as ciências simultaneamente.

Como o objeto da filosofia tem esta vasta extensão, análogamente, o m é t o d o filos ófic o será um instrumento de conhecimento do mundo considerado como totalidade, como premissa e resultado da concepção do mundo que o emprega.

Tanto quanto acontece às ciências, o grau de desenvolvimento da filosofia será tão maior, quanto mais eficiente, correta e adequada for a metodologia que empregada nela. Analogamente, a metodologia de qualquer ciência, será tão mais aperfeiçoada, eficiente e adequada, quanto maior for o conhecimento acerca do objeto e quanto mais desenvolvido for o sistema teórico no qual aquela metodologia for engendrada.

Princípios Gnosiológicos da Ciência Gnosiologia é o capítulo da filosofia que tem como objeto o conhecimento, sobretudo sua estrutura e os procedimentos objetivos e subjetivos empregados em sua obtenção. A gnosiologia do conhecimento científico denomina- se e p i st e m o l o g i a ou cientologia, duas denominações para a disciplina filosófica que tem o conhecimento científico por objeto. A prática científica, como procedimento gnosiológico (instrumento do conhecimento verdadeiro) está subordinado a uma série de princípios que vale a pena conhecer. Tais princípios da gnosiologia científica são: 1

1 Bunge, M., Ciência e Desenvolvimento, Itatiaia/EDUSP, 1980. 6

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1. O conhecimento científico é factual e é elaborado combinando a experiência sensível e a razão.

2. Todo processo de conhecer consiste em lidar com problemas (identificá- los, apresentá- los e resolvê- los).

3. Toda solução proposta para resolver um problema só pode ser tida como cientificamente aceitável se puder ser comprovada objetivamente.

4. O conhecimento científico pode ser comprovado pela observação ou pela experimentação, desde que tais procedimentos sejam formulados, realizados e comprovados de modo aceitável naquele momento da evolução científica.

5. Os processos mentais empregados durante a execução das operações empíricas de verificação não devem influir sobre estas operações ou os fatos que as compõem (principalmente sobre os instrumentos de observação), nem sobre os resultados obtidos.

6. O conhecimento científico de ser considerado como parcial, provisório, relativo<$FMesmo nos casos em que não for relativo, isto não é possível de ser identificado. > e aperfeiçoável (porque, mesmo se não o for, pois, pode não ser, não se pode saber qual será este caso).

7. O conhecimento científico pode ser aperfeiçoado de modo gradual pela acumulação gradativa de informações ou em saltos (ou revoluçòes científicas) quando se alteram paradigmas.

8. O conhecimento científico quase sempre é indireto e simbólico.

9. O objetivo da ciência é descobrir as leis que regem as diferentes manifestações da realidade para explicá- las, predizê- las e agir modificando- as.

10. As melhores teorias científicas são as que combinam amplitude e profundidade, assim como verdade (aproximada) e compatibilidade com outras teorias em um mesmo campo de pesquisa ou em campos afins. E os melhores dados são os que permitem enriquecer ou por à prova as melhores teorias existentes, ou estimulem pesquisas que possam produzir melhores teorias.

Métodos Filosóficos

Os métodos filosóficos , como já foi mencionado atrás, são instrumentos lógicos do pensamento destinados a promover o conhecimento do mundo em seu nível mais elevado de generalização. São, portanto, maneiras organizar o pensamento em busca do conhecimento que seja o mais amplo possível, porque já

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se sabe que, enquanto o objeto de uma ciência se compõe de um círculo mais ou menos restrito de objetos, a Filosofia abrange tudo o que existe.

Os métodos filosóficos abarcam e ultrapassam os métodos de investigação de todas as ciências sem que devam ser confundidos com cada um deles em particular ou com uma simple soma deles todos. Ao contrário dos métodos das ciências, que se restrigem a seus objetos específicos (e, muitas vezes, a estratos particulares deste objeto), os métodos filosóficos têm enorme escala de abrangência, podendo ser empregados como norteadores da metodologia do estudo científico de qualquer dimensão da natureza; desde o campo específico de uma ciência em particular, até o estudo de tudo o que existe, como na Filosofia.

No entanto, esta transposição das categorias gerais para os casos particulares ou para entidades específicas deve ser feita com extrema cautela para evitar a super- simplificação mecânica, muitas vezes motivada pelos interesses ideológicos do operador; da mesma maneira que não se deve transportar os achados científicos de um nível para outro da natureza ou de uma ciência para outra. Ainfluência do pensamento ou das crenças do operador de um método nos resultados obtidos é um fator muito conhecido de tendenciosidade .

A tendenciosidade em ciência é um fator de erro causado por alguma coisa (objetiva ou subjetiva, individual ou cultural) que dirige ou influi nos resultados de uma investigação.

Muito esquemáticamente (e de maneira não isenta de muita crítica, principalmente por super- simplificação), é bastante possível sub-dividir os métodos filosóficos em dois grandes grupos: o m é t o d o dial éti c o e o s m é t o d o s nã o dial éti c o s , (que muitos filósofos denominam m e t afísi c o s , com este sentido de nã o dial éti c o s ).

Os métodos não dialéticos (que costuma ser chamados metafísicos, porque foram empregados pela metafísica clássica) e o método dialético representam etapas di- ferentes e progressivamente mais aperfeiçoadas da evolução das possibilidade de organização do pensamento filosófico e científico. Os raciocínios não dialéticos são considerados pelos adeptos da dialética marxiana como maneiras mais primitivas (pré- dialéticas) do homem utilizar seu pensamento para resolver problemas lógicos mais gerais e desvendar os segredos da natureza, da sociedade e de si mesmo.

O método filosófico dialético é aquele que, consoante o estado atual do conhe- cimento filosofico realista e ao realismo científico, parece corresponder melhor à necessidade cognitiva de corresponder à maneira como os fatos acontecem na realidade,

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constitui uma etapa superior de raciocinar para conhecer e pode ser tido como um aperfeiçoamento metodológico.

Tanto os métodos não-dialéticos quanto o método dialético pode ser identificados e reconhecidos por algumas características essenciais que os tipificam e que são expostas logo a seguir.

O realis m o ou mat eri alis m o é uma perpectiva do conhecimento dirigido para as coisas da realidade, para o conhecimendo do mundo material, da realidade objetiva. que existe fora do homem que o observa e independente dele.

É possível considerar uma diferença sutil entre o realismo (menos os realistas escolásticos medievais, que não o foram) e o materialismo. Entretanto, isto será ignorado neste texto.

Os realistas e os materialistas valorizam mais a realidade, as coisas do mundo objetivo que a produção mental (mitos, crenças, idéias. palavras). Já os não realistas (idealistas, posivistas, neopositivistas, fenomenologistas e outros) valorizam mais o produto da subjetividade.

Características dos Métodos Não-Dialéticos)Os métodos filosóficos (aqueles que detêm maior abrangência) que podem ser genericamente denominados de m e t a físic o s (além da física, além da matéria) podem ser caracterizados, grosso modo, por algumas características essenciais que permitem seu reconhecimento.

Aqui se emprega o termo metafísico com o sentido que foi empregado por Aristóteles, o que está além da física, entendo como reprsentação de uamtranscedência. Atualmente, o termo teve seu significado bem muda e é emprgado com o sentido do que aqui se denomina ontologia.

As características essenciais dos métodos filosóficos não dialéticos são:

tendência à concepção estática de coisas imutáveis,

ordenação estática e uma classificação perene,

tendência a considerar as coisas e situações como imutáveis.

Os idealistas e a maior parte dos autores posivistas tendem a empregar os recursos metodológicos aqui denominados não dialéticos. E esta é uma das características mais importantes de sua práxis cognitiva.

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Abaixo se explica um pouco mais as características essenciais inerentes aos métodos filosóficos aqui chamados não dialéticos (que muitos autores preferem denominar metafísicos).

= 1. Considerar a natureza e todas as coisas que nela existem como algo estático, imutável; tendendo a buscar uma subst â n c i a e s s e n c i al nas coisas e nos fenômenos - “ a natur e z a da c oi s a e m si ” que seria permanente e incapaz de ser essencialmente transformada; ou considerar as coisas como exteriorizações aparentes de um espírito sobrenatural, de uma divindade, de uma idéia que as representem ou das palavras que as simbolizam.

= 2. Procurar uma classificação estática e definitiva dos objetos e fenômenos, visando a uma sistematização perpétua e estável da natureza, e considerando cada objeto ou fenômeno como diferenciado e isolado dos demais, ao invés de considerar o significado de suas relações.

= 3. Atribuir uma natureza e um significado absolutamente singular a cada objeto ou fenômeno e, por isto não valoriza as relações entre eles. Considera- se os objetos, sejam fenômenos, conceitos ou categorias e seus opostos como inconfundivelmente separados. Pressupõe que os objetos e fenômenos estão divididos em grupos diferentes, senão opostos e incomunicáveis. Um objeto é bom ou mau, feio ou bonito; não sendo admitida a possibilidade de ser, ao mesmo tempo, bom e mau, feio e bonito (ma ni q u e í s m o ).

Há quem considere estes atributos do pensamento metafísico, centrado nas coisas, como característico do pensamento conceitual ou categorial. Isto não é verdade. Pensando- se dialeticamente ou não, pode- se obter conceitos e categorias.

Nem se deve pensar dogmaticamente supondo que o raciocínio dialético obrigue a pesar, sempre e unicamente, nas relações e nunca nas coisas. Pensar dialeticamente reside extamente em pensar nas coisas e em suas relações como um processo dinâmico e permanente; em não separar as coisas de suas relações.

O modelo não dialético de raciocínio metodológico (chamado m e t afísi c o por muitos autores) se fixa nos conceitos prioritariamente e, no máximo, só secundariamente considera as relações reais entre as coisas representadas por aqueles conceitos. Enquanto que o estudo dialético considera as relações os conceitos como representações mentais de coisas reais (concretas ou abstratas) e as relações conceituais como representações das relações entre as coisas. O objetivo primário do pensamento realista deve ser o conhecimento das coisas; por isto, encara o conceito e as relações conceituais como reflexos mentais e simbólicos da realidade.

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Os conceitos enquanto sínteses e reflexos das coisas e seus atributos conhecidos e as relações conceituais como sínteses das relacões entre as coisas.

Também o método classificatório não é istrumento metafísico por excelêncoa. Ao contrário, desde sua origem, é um procedimento dialético, embora seja muito empregado pelos positivistas (mas, estes, centram sua atenção nas coisas classificadas; enquanto os dialéticos se preocupam com as relacões das coisas classificadas entre si e com as demais coisas do mundo.

O pensamento dialético tem sido, necessariamente realista (ou materialista). Pressupõe o predomínio das coisas no mundo, ignora ou nega os espíritos e subordina as idéias e as palavras às coisas (que as idéias representam e que as palavras simbolizam). Enquanto que a metodologia não dialética (ou metafísica) cosntuma ser dirigida pelo pensamento idealista tem as coisas como sempre secundárias (aos espíritos, às idéias ous às palavras). E esta diferença se revela essencial no se entedimento e no entendimento dos seus resultados cognitivos (inclusive científicos).

Características do Método DialéticoO chamado método filosófico chamado dialético é um processo de organização do pensamento filosófico destinado desde sua elaboração para ser empregado como instrumento lógico do conhecimento em sua maior escala de abrangência e generalização (isto é, alcançando todas as manifestações do conhecimento sobre as coisas).

O método filosófico dialético está dirigido para as coisas como realidades (ou partes da realidade, coisas reais, portanto) e para as relações das coisas, estando alicerçado na pressuposição de cinco princípios que constituem suas características cardinais e tidas como mais essenciais:

a concatenação universal,

a transformação de tudo o que existe,

a mudança de quantidade em qualidade,

a luta entre os contráriso e

a negação da negação.

A dialética se origina do processo grego (muito usado por Sócrates) de conseguir a verdade através de perguntas e respostas. Depois, incluiu a habilidade de classificar as coisas e dividí- las em classes gêneros e espécies. No século passado Hegel retoma o estudo da

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dialética, a partir de um ponto de vista metafísico, e lhe dá sua conformação moderna. Mas, foi Marx que formulou sua estrutura atual como método materialista para descobrir as leis gerais do mundo (incluindo a natureza, a sociedade e o homem. Por isto denominou sua doutrina de materialismo dialético.

= O raciocínio dialético pressupõe o interrelacionamento de todos os fenômenos em permanente transformação, quantitativa ou qualitativa; esta transformação resulta do conflito de forças opostas na intimidade das coisas e que cada momento deste processo é a negação do anterior. O que resulta em um processo de mudanças que se dá como uma espiral .

As características essenciais presentes no método dialético e que permitem seu reconhecimento são:

= 1. Tudo se relaciona .

= Ou princípio da interrelação e interdependência de tudo o que existe na natureza; implica na noção de natureza como grande um sistema, o macro- sistema natural. Supõe uma interação permanente entre tudo que existe, que pode ser mais próxima ou mais remota, mais ou menos evidente; porém existe sempre, em tudo. Nada pode existir isoladamente. Os fenômenos ou objetos, quaisquer que sejam, em qualquer condição, devem sempre ser encarados como parte de uma totalidade. A lógica dialétrica valoriza mais o estudo das relações que o conheciemnto da coisa.

= A inter- relação organizada entre todos os objetos e processos da natureza é o primeiro elemento tido como essencial do raciocínio dialético. A natureza inteira (incluindo seus elementos componentes) é suposta como uma organização, um sistema natural.

Daí, a importância que se atribui ao estudo da teoria geral dos sistemas e sua aplicação em cada nível de organização do mundo.

= 2. Tudo se transforma.

Este conhecido postulado de LAVOISIER e um dos princípios gnoseológicos de BUNGE (mencionados antes neste capítulo) resume a segunda característica do raciocínio dialético em sua maior abrangência possível. Tudo o que existe, é considerado em permanente movimento, em constante transformação e perene desenvolvimento. Esta transformação, que pode ser extremamente lenta ou muito acelerada, está sempre presente em todos os objetos e fenômenos da natureza. A lógica dialética se fundamenta no princípio de que tudo o que existe está em transformação, em movimento. Nada deve ser considerado como imutável; todas as

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coisas devem ser estudadas como um processo ou um desenvolvimento em transformação.

A imagem do movimento dialético como uma espiral (que gira continuamente, mas não permanece no mesmo lugar) dá uma idéia daqueilo que se denomina movimento dialético, dinâmica dialética. Porque a dinamicidade é um atributo essencial do entendimento dialético do mundo.

Do que se depreende que as coisas da natureza em constante transformação não resultam em um amontoado caótico, mas que exista uma certa ordem (ao menos nos estratos naturais que estamos estudando); e o que chamamos ca o s deve ser a organização sistêmica cuja estrutura e explicação se desconhece, devendo existir uma ordenação lógica, necessária, ligando cada etapa do processo de transformação, do desenvolvimento e do movimento.

3. A transformação da quantidade em qualidade .

Princípio da transformação da quantidade em qualidade deriva do anterior e é o terceiro postulado fundamental do método lógico dialético. O movimento enunciado anteriormente pode ocorrer de duas maneiras diferentes: a) transformações ou mudanças apenas na forma, na aparência, sem atingir a essência do fenômeno ou objeto - as mudanças quantitativas; ou b) alterações na própria natureza essencial do objeto ou fenômenos, gerada, em determinadas condições, inclusive pelo acúmulo de mudanças quantitativas o que pode ser denominado salto ou transformação qualitativa.

O pensamento dialético tende a não separar o quatitativo do qualitativo (o que é característico do pensmaneto metafísico clássico). Os que aplicam o método dialético não consideram haver uma contradição antagônica (inconciliável, insintetizável) entre a qualidade e a quantidade, ao contrário, supões estes dois conceitos como categorias dialéticas mais típicas. Sabe-se que em determinadas circunstâncias, é bastante comum que o acúmulo de mudanças quantitativas em um processo provoque uma mudança qualitativa (chamada salto qualitativo ou revolução).

O pensamento dialético trabalha com os conceitos de quantidade e qualidade. Não se aprisiona em um único deles, nem considera havar uma diferença estanque e insuperável que os separe. A qualidade se diferencia pela presença ou ausência de um atributo. Não significa valor. Por isto, nas elaborações psicopatológicas não confere às alterações chamadas qualitativas significado maior ou menor que às quantitativas.

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Denominam- se cat e g o r i a s dial éti c a s justamente às unidades totalizadoras resultantes de conceitos- chave, aparentemente opostos mas que não podem existir, sequer como idéia, se um estiver isolado do outro, como bem e mal, feio e bonito, falso e verdadeiro, sadio e doente, doença e doente.

= 4. O princípio da unidade e luta entre os contrários .

Este é mais um princípio esencial que caracteriza a organização lógica do pensamento dialético (que fundamente o chamado método filosófico dialético), e pressupõe que a transformação, a mudança, o movimento constante que ocorre em tudo na natureza, resulta de uma tensão interna que é gerada pela oposição ou contradição de forças opostas, existentes no interior do objeto, fenômeno ou sistema considerado. Esta característica do método dialético para conhecer afirma a unidade real existente entre todas as coisas e tudo o que sucede a estas coisas em um mesmo processo, apesar de sua aparente diversidade.

Para os dialéticos todas as funções das coisas, como as contradições, por exemplo, seriam decorrentes de suas relações. Ao contrário, os funcionalistas privilegiam as funções e subordinam suas as relações a elas. O que é a essência do se denomina funci o n alis m o .

O funcionalismo (organicismo e estruturalismo) é uma metodologia filosófica de de origem positivista e, portanto, de natureza materialista mecanista, muito empregada nas ciências sociais como uma alternativa ao materialismo marxista, que encara os sistemas sociais como organismos perfeitos cujos elementos estão harmonicamernte vinculados entre si por suas funções. Considera que os conflitos, as crises e as contradições sociais seriam alterações mais ou menos patológicas que exigem solução, até que se reestabeleça a harmonia, o equilíbrio. O funcionalismo é uma manifestação do idealismo no qual a funçã o faz as vezes de espírito, idéia ou palavra. A superestimação da função sobre a coisa funcionante é sua característica principal.

O funcionalismo é um instrumento teórico do positivismo, do neo-positivismo e de outrasescolas materialistas surgidas desde o século passado. Sua inclusão, por autores marxóides e marxistas, junto com tudo que não é dialético, como m e t afísi c o , parece inexplicável, a não ser como um ato hostil. Que, aliás, pode ser explicado pela atitude religiosa que frequentemente assola a ciência e transforma os divergentes em hereges.

= 5. A negação da negação .

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É o quinto pressuposto fundamental da lógica dialética e uma decorrência natural dos anteriores. Se tudo se transforma, se tudo no universo está em perene movimento, em constante mudança (seja quantitativa, seja qualitativa) cada um dos momentos deste processo, cada uma das etapas desta cadeia de transformações é a negação do momento ou etapa anterior. Este momento que foi a negação do anterior, será negado pelo momento seguinte; a cada momento, novas formas são criadas pela superação (negação) das formas envelhecidas; o que hoje é novo, cedo ou tarde envelhece e é substituído pelo mais novo. Sempre.

Cada etapa do processo, se origina da etapa anterior; cada momento do processo de transformação é uma negação de si mesmo, na medida em que traz dentro de si a premissa do momento seguinte que há de superá- lo.

O paradigma científico- natural do mundo e da existência, em princípio, concebe o mundo e a natureza submetidos a uma lógica que pode ser desvendada, controlada pora leis (as leis naturais) que regem sua ordenação sua descoberta permite explicar e prever seu desenvolvimento. Tem como verdade que a atividade científica deve ser o instrumento empregado para descobrir e reco-nhecer estas leis e este ordenamento.

A tarefa fundamental da ciência é a descoberta dessas leis; e isto, no campo específico de cada ciência, no estudo de seu objeto, depende da utilização da metodologia mais eficaz. Por isto, a aplicação dos princípios e leis da metodologia filosófica não podem ser transpostos direta e imediatamente para as metodologias específicas de cada atividade científica, da mesma maneira que não se podem transpor conclusões acerca de uma certa ciência ou aspecto do mundo para outra ciência ou outra dimensão da realidade.

Os métodos científicos, grosso modo, se distribuem em três grandes grupos de caminhos do pensamento para buscar o conhecimento: os raci on alista s (baseados na racionalidade, do processamento lógico dos dados), os e m p irista s (fundamentados na capacidade dos homens perceberem o mundo através de seus sentidos) e os dial éti c o s que empregam a síntese dos dois tipos anteriores (porque os dialetas não reconhecem qualquer antagonismo entre eles, ao contrário, pensam- nos como intercomplementares e combinam a racionalidade com a sensibilidade, enquanto recusam suimultaneamente o racionalismo e o emprirsmo extremados).

É conveniente e importante destacar que estes procedimentos metodológicos, aqui reconhecidos como métodos filosóficos, não devem ser aplicados ou transpostos mais ou menos mecanicamente para o conhecimento científico de algum aspecto

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particular da pesquisa sobre o homem, a sociedade ou a natureza. Os métodos filosóficos não devem ser entendidos senão como diretriz metodológica para orientar a construção da metodologia e da metódica da ciência. Uma diretriz metodológica que pode permitir aferir sua confiabilidade e validade. Não pode ou deve substituí- la.

O mesmo se pode afirmar para todas as diretrizes gerais, qualquer que seja seu grau de abrangência, desde que formuladas como teorias. A preocupação de ser ortodoxo em sua aplicação tem produzido muita tolice e, até, servido para justificar muitas condutas estúpidas e desumanas.

A experiência de tentar forçar a aplicação da metodologia filosófico-religiosa à metodologia das ciências particulares e a procedimentos científicos específicos resultou em situações extremamente ridículas (se não fossem trágicas) e historicamente indefensáveis como a Inquisição católica na Espanha, em Portugal e na Alemanha, a Inquisição calvinista na Suissa e certos procedimentos estatais, como o lisenkismo da União Soviética.

Metodologia, Ciência e FilosofiaJá se viu que a metodologia é o capítulo da Filosofia que estuda a doutrina, a estrutura lógica e a qualidade prática dos processos e procedimento de obtenção do conhecimento, especialmente do conhecimento científico por meios racionais e pela verificação controlada.

Um m é t o d o ci e ntífic o consiste em um sistema ordenado de conhecimentos, técnicas, procedimentos e regras de investigação que sejam previamente estabelecidas para obter conhecimento através da descoberta das regularidades existentes no mundo.

Quando se estuda a metodologia científica a partir da contribuição filosófica, verifica- se que os métodos da ciência dependem de três princípios capazes de influir em seu desenvolvimento:

a) o princípio da subordinação do método ao seu objeto, às suas motivações e à sua finalidade,

b) o princípio da dependência do método a um sistema teórico de referência e

c) o princípio da dependência da metódica às possibilidades metodológicas e técnicas do momento histórico.

Estes três princípios da metodologia devem presidir a elaboração de quaisquer procedimentos científicos de investigação do mundo.

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Por isto, podem, ser denominados como pressupostos filosóficos da metodologia científica.

Em geral a consideração destes pressuposstos metodológicos genéricos possibilitam a elaboração de metodologias científicas mais eficazes e, sobretudo, menos tendenciosas dos que as que não os levam em conta.

Pressupostos Filosóficos Básicos da MetodologiaOs princípios mencionados acima, induzem quatro pressupostos filosóficos que norteiam a edificação e a execução de todas as metodologias dirigidas para a obtenção de conhecimento.

Tais pressupostos são:

a<S>1, o primeiro pressuposto assinala que nenhum construto (seja teoria, proposição ou conceito) pode ser considerado científico, enquanto não gerar hipóteses testáveis empiricamnte para verificação de seu conteúdo;

a<S>2) o9 segundo pressuposto da metodologia científica define a subordinação do método de investigação ao objeto investigado;

a<S>3) o terceiro pressuposto filosófico da metodologioa científica se refere à subordinação do método de investigação aos motivos reais da pesquisa;

a<S>4) o quarto pressuposto da filosofia do conhecimento aplicado á metodologia científica destaca a subordinação do método de investigação aos seus propósitos reais;

a<S>5) o quinto pressuposto filosófico que preside a metodologia científica assinala a existência necessária de uma referência teórica em qualquer procedimento metodológico científico.

Estes pressupostos metodológicos extraídos da filosofia do conhecimento científico encerram o que á de essencial naquela área do conhecimento.

As teorias, proposições e conceitos científicos geram hipóteses empricamente testáveis

Os construtos científicos, para serem considerados científicos, forem quais forem sua complexidade e sua natureza, devem gerar hipóteses que presumam sua falsidade.

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Todo método de investigação (ou de intervenção) está subordinado ao seu objeto

Inicialmente, destaque- se a interação existente entre os método e o objeto que é mais ou menos óbvia em todas as modalidades do conhecimento. Mesmo o senso comum a reconhece. Nenhum mecânico buscaria realizar um trabalho com uma ferramenta incompatível com o maquinismo que pretende consertar.

Este pressuposto traz a marca essencial do realismo científico (e filosófico). O objeto real determina o método (dimensão ideal). O pressuposto idealista consiste no oposto: o método determina o objeto. Mas esta proposta idealista é muito mais difícil de sustentar que outros pontos de vista análogos.

Neste ponto do conhecimento metodológico e epistemológico coloca iniciaalmente a interação existente entre a metodologia e a ontologia, que não podem nem devem ser considerados como conhecimentos estanques, incomunicáveis ou independentes.

A ontologia e a metodologia são ramos da filosofia completamente interdependentes. Aqui também se põe a relação da objetividade e da comprobabilidade como requisitos essenciais de cientificidade. O estudo da metodologia (científica o qualquer outra) obriga à delimitação de seu objeto, sem o que, ficará necessariamente incompleto e tendencioso.

O pressuposto filosófico da subordinação do método ao objeto também pões em evidência a integração da epistemologia com a metodologia, enquanto põe em relevo as dificuldades para construir uma metodologia da investigação médica sem um entendimento ontológico do homem, do homem enfermo e da enfermidade. a não ser que se pretenda reduzir o ser humano a suas variáveis biológicas, o que não faz sentido dentro de ume perspectiva humanista e dialética.

A natureza extremanente complexa do ser humano, sobretudo de seu psiquismo, implica necessariamente em ocasionar uma dificuldade particular para seu estudo científico. Principalmente por causa de sua característica de pertencer, ao mesmo tempo, a dois mundos: o mundo da natureza e o mundo da cultura.

Os métodos sofrem influência dos motivos que os originaram

Em segundo lugar, deve- se destacar que qualquer procedimento científico sofre a influência, mais ou menos evidente, dos motivos que determinam sua realização. Entretanto, quando se tratar de

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ponderar a influência da estrutura de motivação no desenvolvimento de qualquer atividade (individual, interpessoal ou social), deve- se buscar diferenciar os motivos reais dos motivos anunciados.

É bastante diferente quanso se investiga uma substância para descobrir seu possivel valor terapêutico em uma certa condição pataológica ou investigar uma substância para reforçar sua publicidade como produto farmacêutico no mercado. Esta diferenciação é importante porque é muito comum que os motivos anunciados existam unicamente para encobrir os motivos reais ocultados ou que lhes sejam completamente secundários.

Este pressuposto põe em cheque a crença na neutralidade da ciência e reforça a necessidade de existirem mecanismos e procedimentos para evitar esta tendenciosidade e para promover a avaliação permanente da fidedignidade e da validade do conhecimento científico.

A estrutura de motivação real de uma atividade qualquer pode coexistir e se confundir com seus falsos propósitos e isto acontece na ciência. Deve-se evitar a tendência reducionista de supersimplificar processos complexos como são as estruturas de motivação dos seres humanos.

Os métodos sofrem influência dos propósitos para os quais foram construídos

Este pressuposto filosófico sobre os métodos para conhecer ressalta a impossibilidade de haver método cognitivo, principalmente um método de investigação científica, sem consciência de finalidade ou dos propósitos daquela atividade. Todo procedimento científico configura um at o ou um sistema de atos voluntários e conscientes. A consciência dos propósitos e a intencionalidade da atividade assinalam todas as ações voluntárias (inclusive, ou principalmente, a investigação científica).

Aqui, deve- se repetir o aviso mencionado no estudo do pressuposto anterior. Nem sempre os propósitos reais são os objetivos publicados.

Este princípio metodológico geral, o pressuposto filosófico da voluntariedade consciente da atividade humana (inclusive da metodologia), se choca com os inconscientistas que nega ou subestima a consciência e com o preconceito condutista que nega a voluntariedade da conduta humana.

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Existe uma referência necessária em cada recursos metodológico que deva ser tido como científico

Todo recurso metodológico (método, metódica, técnica ou procedimento técnico), para ser considerado como científico deve estar apoiado em conhecimento científico estabelecido como uma teoria aceitável legitimamente. Isto significa que toda metodologia científica deve estar subordinada a um enunciado teórico de referência, ainda que isto não seja imediatamente aparente.

Este princípio fundamental da metodologia científica se substancializa na necessidade do método científico (qualquer método de investigação científica ou, mesmo, qualquer procedimento decorrente deste método) estar apoiado em uma teoria cientificamente reconhecida que lhe garanta estatuto de cientificidade. Nenhuma metodologia científica pode existir sem apoio em certos marcos teóricos que permitiram sua construção e possibilitam seu emprego.

Considera- se a existência de uma teoria de referência como fundamental para toda elaboração metodológica científica. Por isto, quando uma teoria não está explicitada em uma formulação metodológica, nem estiver claramente implícita em sua aplicação ou quando sua existência é negada, (deve- se desonfiar de que há um transtorno da comunicação, que se está lidando com um tolo ou um esperto).

E, quando se der este caso, deve- se tratar de buscá- la. Porque, quando ela for encontrada, provavelmente, há de explicar a razão da negação (sendo muito provável que esteja relacionada com a estrutura de motivação ou com os objetivos da atividade..

Todos os sistemas de procedimentos suficientemente dotados de cientificidade que, por isto, podem ser denominados m é t o d o s ci entífic o s ou aplica ç õ e s ci e ntífica s , estão sempre baseados em uma teoria científica (seu sistema teórico de referência ou suporte) que podem estar expostas ou ocultas. As teorias científicas constam de um conjunto sistêmico de conceitos, categorias, definições, juízos, hipóteses, constantes, variáveis e indicadores que são empregados para construir conhecimentos científicos.

Deve-se desconfiar de um método (recurso metódico, procedimento metodológico ou técnico) que pretenda ser ateórico . Isto não existe. Só pode ser uma proposição errada, fruto de desconhecimento ou tentativa de encobrir um engodo. É bastante provável que a declaração de ateoricidade, substitua a recusa do emprego de uma metodologia axiomática na investigação científica factual. Este procedimento de investigação factual vai definido logo adiante.

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Não existe proposição ou procedimento científico de investigação que não esteja fundamentado em uma estrutura téorica que lhe sirva de referência denominada sistema teórico de referência daquele procedimento ou enunciado. Toda metodologia científica presume uma referência teórica. Por isto, quando esta regra é violada, deve- se recusar a esta atividade ou formulação metodológica qualquer status de cientificidade. Ainda que seja muito comum que tal sistema teórico de referência seja ignorado pelo aplicador cego de uma técnica ou seja escamoteado intencionalmente por esperteza.

Princípios da Metodologia CientíficaAlém dos grandes pressupostos filosóficos gerais que influem na metodologia de investigação da ciência e que foram expostos acima, a metodologia e a metódica de qualquer ciência ou atividade científica devem estar subordinados a alguns outros mandamentos tão importantes quanto os primeiros que também devem ser considerados como norteadores da atividade científica ou princípios metodológicos das ciências factuais .

A qualidade da escolha e da aplicação da metodologia na atividade cognitiva científica pode ser determinada pelos seguintes princípios metodológicos

Os princípios fundamentais da metodologia de investigação científica são os seguintes:

a) princípio da necessidade do método para caracterizar qualquer atividade científica;

b) princípio da subordinação do métodos e da metódica aos co-nhecimentos existentes e aos recursos técnicos disponíveis (ou princípio da possibilidade);

c) princípio da consciência social de sua necessidade e do investimento social (ou princípio da necessidade);

d) princípio da eticidade;

e) o princípio da prédefinição do método;

f) o princípio da objetividade metodológica e

g) o princípio da reprodutibilidade dos procedimentos científicos.

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a) princípio da necessidade do método para caracterizar qualquer atividade científica

O primeiro princípio diretor da metodologia científica, bastante óbvio e evidente por si mesmo, resume- se no seguinte: quando se considera a questão da metodologia e a metódica da ciência, verifica- se que toda atividade cognitiva científica deve dispor de um conjunto de instrumentos teóricos e práticos específicos para a investigação de seu objeto; além de meios de conhecimento que lhe sejam peculiares e que possibilitem comprovar suas hipóteses tanto no plano da teoria, quanto da prática.

Tais instrumentos de investigação constituem o arsenal metodológico específico de uma ciência.

Este princípio que fundamenta a metodologia científica se refere à sua essencialidade e à tendência de se considerar o método como mera formalidade, exterior ao conhecimento, o que é uma falácia, dá margem a muito equívoco e a muitas infrações éticas e técnicas: a metodologia é elemento crucial da busca do conhecimento científico e deve ser adequado ao objeto e aos objetivos da investigação.

A metodologia de uma ciência ou de um procedimento científico não pode ser considerada uma mera formalidade, um elemento accesório na busca do conhecimento ou um recurso legitimador de uma atividade social.

Não se pode reduzir uma ciência à sua metodologia; mas os métodos e as técnicas não devem ser subestimados ou entendidos como mera formalidade e simples exterioridade em relaçäo à investigação científica. A seriedade na escolha e no manejo dos métodos de investigação reflete a confiabilidade que podem merecer os achados decorrentes de seu uso e denota a correção ética do pesquisador.

Este princípio fundamental da metodologia científica se opõe à tendência de se considerar o método como mera formalidade, exterior ao conhecimento, uma falácia que dá margem a muito equívoco e a muitas infrações éticas e técnicas. A metodologia deve ser considerada como elemento crucial da busca do co-nhecimento científico e deve ser adequada ao objeto e aos objetivos da investigação.

A metodologia de uma ciência ou de um procedimento científico não pode ser considerada uma mera formalidade, um elemento accesório na busca do conhecimento ou um recurso legitimador de uma atividade social.

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Não se pode reduzir uma ciência à sua metodologia; mas os métodos e as técnicas não devem ser subestimados ou entendidos como mera formalidade e simples exterioridade em relaçäo à investigação científica. A seriedade na escolha e no manejo dos métodos de investigação reflete a confiabilidade que podem merecer os achados decorrentes de seu uso e denota a correção ética do pesquisador.

b) princípio da possibilidade

O terceiro princípio metodológico que norteia a investigação científica ressalta sua historicidade, na medida em que implica na subordinação do métodos e da metódica de uma atividade científica aos conhecimentos existentes e aos recursos técnicos disponíveis Isto que dizer que os instrumentos práticos de investigação (a metódica e outros recursos técnicos) dependem da disponibilidade material (disponibilidade financeira, viabilidade técnica) e cultural (grau de desenvolvimento e atitude da cultura).

Cada momento da evolução do conhe- cimento fornece condições objetivas diferentes para explorar as possibilidades metodológicas.

c) princípio da necessidade

O princípio da necessidade (da consciência social da necessidade) motiva a atribuição dos recursos que a sociedade destina a um tipo de investigaçào; ressalta a dependência da metodologia científica à consciência social de sua necessidade, o que é essencial para a definição dos recursos que necessita.

d) princípio da eticidade

O princípio da eticidade assinala a obrigatoriedade da metodologia científica estar permanente subordinada a normas ética da conduta. ãs normas, prescrições e proscrições éticas gerais da humanidade, aos valores vigentes em cada cultura, especialmente da cultura científica e das normas instituídas em cada atividade científica particular (como a medicina, por exemplo).

e) o princípio da prédefinição do método científico

Quando se tratar da avaliação de um procedimento de investigação, a questão metodológica, em princípio, se inicia na avaliação do conjunto de métodos e procedimentos específicos empregados, destacando- se que estes devem ser sempre pré-definidos em cada pesquisa. Pois, sabe-se que basta que se defina ou se reestruture a metodologia, após terem sido obtidos os dados a analisar, para que se comprometa a confiabilidade do achado.Por exemplo, é possível chegar a resultados diametralmente opostos

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na avaliação dos efeitos terapêuticos de uma substância com possível ação farmacológica, apenas mudando a metodologia de análise estatística de um mesmo conjunto de dados.

Os métodos científicos devem ser definidos antes da coleta dos dados ou das informações que vão ser utilizadas. Romildo BUENO, em aula de psicofarmacologia, comprova como é possível mudar radicalmente os resultados de uma investigação em farmacologia clínica, apenas mudando a maneira de processar os dados existentes.

f) princípio da objetividade metodológica

Toda metodologia científica factual deve ser objetiva, isto é, não pode se reduzir unicamente à razão e à introspecção ou depender de características especialíssimas do investigador. Embora, os procedimentos racionais (inclusive a imaginação) possam e devam compor a atividade cognitiva científica.

Todo método científico deve ter objetividade. A metodologia de uma ciência factual deve ser objetiva. Isto é, os meios de que se vale a atividade científica, em seus procedimentos para a busca de conhecimento, devem ser objetivos em relação a quem, os utiliza. É claro que o sistema lógico que preside a observação, a experimentação, a medição e outros procedimentos de avaliar, aferir e pesquisar, além das elaborações teóricas dedutivas, indutivas ou analógicas, são processos subjetivos que envolvem variados graus de abstração e generalização, mas os conceitos que elaborarem e as conclusões que permitirem devem se referir, sempre, a fatos objetivos ou objetiváveis, vez que a ci ê n c i a é , funda m e n t al m e n t e , factual .

Nenhum achado teórico- dedutivo deve ser considerado como fato comprovado científicamente, sem que tenha sido confirmado pela prática concreta e objetiva, pois comprovar é submeter à prova, re-experimentar.

O princípio da objetividade impõe que qualquer tipo de conhecimento ou prática de investigação da realidade, na qual o resultado dependa de interpretação subjetiva do investigador, ou de algum outro atributo peculiar seu, ou algum tipo de iniciação ou revelação mágicas, viola esta exigência de cientificidade e descaracteriza aquela prática como atividade científica. Não produz conhecimento científico. Pode até permitir achados verdadeiros mais ou menos casulamente, mas não, fato s ci entífic o s com o sentido que esta expressão requer e como é utilizada em filosofia da ciência.

Iniciação é o ato ritual pelo qual alguém é incluido em uma religião, crença ou sociedade; revelação é o conhecimento

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sobrenatural de uma verdade oculta para os demais. Parece óbvio que este tipo de dado não possa ser cientoficamente utilisado.

h) princípio da reprodutibilidade dos procedimentos científicos

Todo método científico deve ser reprodutível. Quaisquer procedimentos de investigação científica devem poder ser reproduzidos por quem quer que disponha dos mesmos recursos técnico- metodológicos.

Uma decorrência necessária deste princípio, enquanto traço necessário característico e essencial das ciências e de toda atividade científica, é que qualquer investigador, trabalhando o mesmo objeto e utilizando os mesmos procedimentos, nas mesmas condições, deve chegar ao mesmo resultado que os outros que fizeram a mesma coisa em idênticas condições. O que se denomina princípio da reprodutibilidade e tem sido um dos mais reputados instrumentos de determinação de cientificidade.

Em resumo, a comprobabilidade da ciência e dos conhecimentos que podem ser tidos como científicos deve se manifestar na objetividade de seus métodos, meios e procedimentos de investigar, além da adequação de tais meios e métodos ao seu objeto específico.

O rigor metodológico e a confiabilidade e a validade dos instrumentos estabelecem o grau de comprobabilidade de uma investigação científica o que se aplica também às conclusões que ocasiona.

A especificidade, a confiabilidade, a validade, a sensibilidade e outros atributos dos conhecimento científicos capazes de influir resultados obtidos pelos instrumentos de investigação são determinadas pela exigência de comprobabilidade, enquanto característica essencial da atividade científica.

Os positivistas do século passado e seus seguidores atuais tendem a supervalorizar o método para caracterizar o que é científico da pseudociência. Para eles, a ciência teria que dispor de um conjunto metodológico universal, atéorico e ahistórico que a definisse acima de qualquer dúvida. Este dogmatismo suscitou a parecimento de uma atitude cepticista, vontada contra todos os métodos, no outro extremo improvável do espectro lógico.

Etapas do Método Científico

Existem muitas variantes daquilo que seria uma estrutura mais ou menos padronizada da Metodologia Científica. Cada autor mostra a sua e cada uma delas pode ser perfeitamente aceitável.

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Mario BUNGE aponta as seguintes etapas da metodologia científica:

1. descobrimento do problema novo, de um velho problema para o qual existem novas soluções possíveis, ou de uma lacuna em uma teoria ou qualquer outro corpo de conhecimentos;

2. exposição precisa do problema (se possível em termos quantitativos e, de preferência, que sejam termos matemáticos);

3. procura de procedimentos, informações ou instrumentos importantes para resolver o problema posto (tais como aparelhos, instrumentos, técnicas, modalidades de cálculo ou recursos descritivos de medição);

4. tentativa de resolver o problema com o auxílio dos recursos levantados na etapa anterior,

5. invenção de novas idéias (hipóteses, teorias ou técnicas que sejam promissores de ajudar na solução do problema);

6. obtenção de uma solução exata ou aproximada (com auxílio do instrumental ou técnicas escolhidos);

7. investigação das conseqüências causadas pela solução obtida (previsões ou aplicações práticas do resultado obtido);

8. comprovação da solução (confrontação da solução obtida com o restante doas dados disponíveis, comprovação do resultado obtido);

9. correção das hipóteses, teorias, procedimentos ou dados (quando se reinicia o processo.

Hipótese e Comprobabilidade EmpíricaEm uma ciência factual, a verificabilidade ou comprobabilidade empírica, que é uma de suas características fundamentais e um de seus elementos mais importantes, se materializa nos procedimentos de verificação que consistem em operações lógicas ou metodológicas que se concretizam em procedimentos técnicos programados para examinar algum juizo sobre alguma coisa, objetivando saber se o enunciado daquele juízo se trata de uma verdade ou de um erro.

Já foi visto que cada ciência deverá dispor de um conjunto de instrumentos e procedimentos teóricos e práticos para aferição das hipóteses acerca de seu objeto e que tais instrumentos e procedimentos constituem seu arsenal metodológico para investigar a fração do mundo que lhe compete estudar.

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Adiante, quando se tratar das diferenças entre as ciências formais e factuais, há de se saber a característica da verificação, como procedimento heurístico da comprobabilidade ou verificabilidade empírica, que se deva chegar à conclusão que o juizo testado se trata de um erro através da prova de sua falsidade ou da falsidade de algum de seus postulados básicos; porque a premissa errada induz a erro de conclusão. E, exatamente por isto, a comprobabilidade empírica também pode ser chamada de falsica bilida d e .

Distingue- se a c o m pr o b a b ilid a d e te óric a ou comprobabilidade lógica, praticada na d e m o n s tr a ç ã o (que é procedimento característico das ciências formais), consubstanciada na demonstração da coerência interna dos termos, da co m pr o b a b ilid a d e e m p íric a (prática ou experimental, típica das ciências factuais) representada pela co m pr o v a ç ã o ou v erifica ç ã o .

Verificação: Observação e ExperimentaçãoA observação e a experimentação são os dois métodos tradicionalmente empregados para promover a comprovação da hipóteses na atividade científica, mas cuja validade persiste até hoje. A observação e a experimentação são os métodos científicos por excelência.

Os procedimentos de comprovação podem ser produzidos pela ob s e r v a ç ã o (processo lógico indutivo) ou pela e x p e r i m e n t a ç ã o (processo hipotético- dedutivo), os dois métodos tradicionais da investigação científica. Em geral e na prática, a observação e a experimentação se sucedem no desenvolvimentos dos procedimentos de verificação científica.

Em última análise a experimentação consiste na verificação experimental de um juízo. Este juízo a ser verificado em sua possível veracidade ou falsidade, já se viu acima, deve ser denominado hipót e s e . Por isto, tem que ser viável e verificável. A viabilidade e a verificabililidade são as características mais importantes da hipóteses. As hipóteses são juízos prováveis que, embora ainda não comprovadas, devem ser comprováveis com o emprego dos recursos metodológicos e metódicos disponíveis.

A v era c i d a d e (grau de verdade contida em uma assertiva), a v er o s s i m ilitud e (probabilidade de ser igual ao verdadeiro) e as p o s s i bilida d e s heurístic a s e pr e d itiv a s da observação são reconhecidamente inferiores ao da experimentação. Provavelmente por causa disto, a observação seja considerada como aplicação metodológica secundária e desimportante na ciência por quem emprega a experimentação.

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Analogamente, por sua maior probabilidade de veracidade demonstrada com seu emprego nas ciências naturais, a experimentação vem sendo considerada por muitos como o instrumento natural da verificação, mas alguns radicalizaram demais esta tendência, e para estes, o método experimental é tido como o único instrumento da verificação, portanto, desqualificando-se e excluindo- se a observação do arsenal da metodologia científica destinada à comprobabilidade.

Pela influência desta realidade, da ideologia naturalista e por causa de interesses materiais concretos de muitos investigadores (como, por exemplo, o acesso às verbas de pesquisa de organismos oficiais ou privados), a experimentação foi promovida por muitos a metodologia exclusiva das ciências factuais, restando à observação, no máximo, o papel secundário de possibilitar o levantamento das hipóteses a serem verificadas experimentalmente. Pretender que aomente a experimentação deva ser considerada como metodologia res p e i t á v e l , financi á v el ou ac e i t á v el é uma tendência ideológica que deve ser combatida por sua parcialidade.

Esta tendência, que integra a chamada id e ol o g i a n e o - naturalista , pretende fazer crer que as ciências naturais são o modelo obrigatório para as demais e que a metodologia das ciências sociais seria insuficiente para produzir verdades científicas. Na Medicina esta ideologia se revela muito claramente no esforço, muitas vezes quase comovente de seus autores, de apresentar a epidemiologia, uma típica interciência de fronteira entre as ciências sociais e as biológicas, como se fora uma ciência natural. O mesmo acontece com o assim chamado m é t o d o clínic o .

A observação é a essência metodológica dos procedimentos clínicos de investigação clínica, impropriamente denominado m é t o d o clínico, porque não é um método, mas uma técnica, uma aplicação prática do método de observar.

O que se denomina m é t o d o clínic o é um procedimento de observação sistemática de um ou mais casos clínicos e que caracteriza a investigação médica desde tempos imemoriais e que foi fixado em sua essência desde o século dezoito. Os procedimentos experimentais podem lhe ser agregados (e é necessário reconhecer sua vantagem como instrumento científico por sua maior capacidade preditiva e heurística) sempre que isto for possível e não sacrifique os objetivos, a confiabilidade e a validade do estudo. Os processos experimentais não substituem o método clínico, completam- no.

A ob s e r v a ç ã o é o método científico no qual o investigador não interfere nos fenômenos estudados; divide- se em: observação subjetiva e observação objetiva.

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A ob s e r v a ç ã o subj e ti v a , aut o - ob s e r v a ç ã o ou intros p e c ç ã o , é a observação de si mesmo; o investigador é sujeito e objeto da investigação.

A ob s e r v a ç ã o ob j e t i v a se subdivide em direta e indir et a , quando o observador utiliza recursos auxiliares e não apenas seus sentidos (gravação sonora, filmagem).

Exp eri ê n c i a é a confirmação ou tentativa de confirmação, possibilidade de verificação empírica das hipóteses. De certa maneira, a experimentação é uma observação reprodutível em que se pode fazer variar as condições nas quais ela se verifica.

Todo procedimento experimental em ciência deve se subordinar a alguns princípios que servem como exigências de cientificidade em metodologia experimental.

CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DA EXPERIMENTAÇÃO CIENTÍFICA:

a) O experimentador provoca intencional e sistematicamente o fenômeno estudado.

b) Deve fazer variar, da maneira a mais controlada possível, as condições experimentais nas quais faz surgir o fenômeno estudado.

c) De modo que possa isolar uma das condições, mantendo constantes as demais, para determinar, com a precisão possível, sua influência real.

d) Ao estabelecer as conexões entre o fenômeno e as condições nas quais ele ocorre, as condições experimentais devem poder ser adicionadas, suprimidas ou variar de intensidade de modo controlado.

Procedimentos para Investigar o PsiquismoExistem muitos procedimentos que podem ser empregados para investigar o psiquismo. Genericamente, eles costumas ser ser agrupados nas seguintes classes:

a) introspecção (auto- inspecção, visão de si mesmo, procedimento pelo qual o indivíduo examina o que se passa em sua própria consciência);

b) estudo das manifestações externas do sistema nervoso central (motricidade, linguagem, conduta);

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c) estudo da atividade nervosa autonômica (sudorese, palidez, pressão arterial, temperatura corporal, atividade visceral);

d) estudo direto da atividade neural (eletrodos implantados, consumo de oxigênio pelo cérebro);

e) estudo dos produtos da atividade cultural (produção artística, resultado do trabalho).

Cada um destas modalidade de procedimentos se materializa em técnicas que permitem estudar a atividade nervosa e o psiquismo.

Objeções aos Procedimentos Experimentais em Psicologia e Psiquiatria

O emprego do método experimental, a par de possibilitar grandes avanços no conhecimento psicológico e psiquiátrico, também tem provocado algumas objeções bastante pertinentes, não apenas nas investigações no campo da psicologia e da psiquiatria, mas em todas as áreas que e em todas as pesquisas que envolvam investigaçòes experimentais em seres vivos, seja animais ou humanos

1) seu caráter artificial, distante da realidade natural (os seres humanos não se submetem ao controle necessário ‘a experimentação), objeção que aumenta bastante quando se transpõe para seres humanos os resultados da experimentação em animais;

2) sua natureza analítica e abstrata, pois estuda como se fossem isolados, fenômenos que ocorrem sempre integrados a outros na realidade e a influência de fatores ideológicos, psicológicose interesses materiais concretos do investigador e do investigado;

3) influência do experimentador (não só na escolha do objeto e dos recursos metodológicos), mas na conduta do investigado e, principalmente, em sua interpretação.

Além disto, a investigação em seres humanos coloca problemas éticos muioto sérios para quem a realiza e que devem ser consideradas. O Conselho Federal de Medicina e o Conselho Nacional de Saúde tem normas específicas para esta matéria que devem ser obedecidas por todos os pesquisadores nesta área.

A estas objeções muito conhecidas e às ponderações éticas, deve-se acrescentar ainda a tendência a se forçar o caráter experimental a certos procedimentos de investigação clínica nos quais é mais adequado empregar a observação, principalmente em psicofarmacologia, porque aí, o retorno financeiro do crédito obtido

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pela experiência é sempre muito maior. Principalmente quando se sabe que grande parte significativa das pesquisas psicofamacológicas que se publica em nosso meio são financiadas direta ou indiretamente, clara ou ocultamente, pelas empresas que produzem os medicamentos estudados.

Coisa semelhante acontece no âmbito da indústria fabricante ou que comercializa equipamento médico de diagnóstico e terapêutica e agentes farmacológicos.

Esta situação parece muito mais grave quando se dá na universidade, fornecendo péssimo exemplo de amoralidade para os alunos. Todos sabem que certos professores são conhecido como: Fulano do Lab tal Roche, Sicrano da qual, Beltrano de outro e assim por diante. Cada empresa tem seu plantel que se dedica à pesquisa ou a publicidade éti c a ! Seja lá o que se queira dizer com isto, mas pode-se imaginar a que não é.

Não se sabe até quando esta situação vai poder contaminar o crédito de professores e serviços universitários sem provocar alguma reação moralizadora que ninguém pode negar, está ficando cada vez mais urgente. Urge elaborar um código de conduta para os professores e investigadores científicos, ao menos na área médica.

Diferenças Práticas e Metodológicas entre o Conhecimento Formal e o Factual

Uma das coisas que torna impossível, ao menos no momento presente, uma metodologia universal para todas as ciências é a diferença existente entre o conhecimento científico formal e o factual. E, no interior de cada uma destas grandes áreas as características específicas de cada modalidade de ciência.

Na intimidade das ciências factuais, as diferenças essenciais que podem ser identificadas entre aos objetos e fenômenos da natureza e os processos da cultura, se refletem nas possibilidades e limitações das ciências que se dão a seu estudo, como se há de considerar adiante.

Além do que se deve distinguir as dife- renças entre o raciocínio comum e o raciocínio (indutivo, dedutivo ou analógico) implícito na atividade cognitiva que pretende ser reconhecida como científica.

O conhecimento formal, procedente das ciências formais, tem caráter abstrato e seu objeto é composto unicamente

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por idéias com significado precisamente convencionado. Por isto, pode se utilizar exclusivamente da lógica para construir rigorosamente suas conclusões e demonstrar seus teoremas, avaliando seu grau de veracidade em função da coerência interna de suas proposições que se manifesta na concordância lógica que existe entre elas.

Já, quando se trata dos conhecimentos produzidos pelas ciências factuais, porque lidam com conceitos e juízos que refletem os fatos da natureza ou da sociedade, necessitam de outros recursos além da lógica formal, para construir suas conclusões; precisam empregar símbolos interpretados que representem os objetos e os fenômenos, não lhes basta a racionalidade interna mas precisam comprovar a compatibilidade de suas hipóteses com a realidade.

Nestes dois tipos de conhecimento científicos, aqueles chamados formais e os factuais, a natureza de seus objetos (idéias na ciências formais e fatos, nas factuais), lhes impõe necessidades e possibilidades metodológicas características. de duas maneiras diversas, como se viu. Nesta área do conhecimento se critério de verdade se resume à verificação da consistência ou compatibilidade de seus elementos lógicos entre si.

Mesmo no interior das ciências factuais, existem impecilhos a uma única estrutura metodológica reunindo todas elas. Na intimidade das ciências factuais, em obediência ao princípio epistemológico de que o método deve estar absolutamente subordinado ao objeto, acontece um fenômeno análogo.

As ciências naturais (porque seus objetos são mais adequados à experimentação e à quantificação) permitem organização metodológica e estruturação teórica relativamente mais exigente, sobretudo pelo emprego da metodologia experimental e do raciocío dedutivo, como já se mencionou.

Diferentemente do que acontece nas ciências da natureza, na busca do conhecimento cietífico nas ciências da sociedade, em função da peculiaridade de seu objeto, encontram- se em um patamar menos desenvolvido de possibilidades metodológicas e técnicas porque não desfrutam da possibilidade de empregar o

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método experimental, devendo- se contentar com a observação como método de investigação, inclusive para comprovar suas hipóteses, e a raciocinar indutivamente.

Características Essenciais dos Fenômenos e Processos Sociais

Os fenômenos sociais são extremamente complexos e os conjuntos sociais estruturados, em geral, apresentam as seguintes características:

são compostos por outros subconjuntos (famílias, grupos, associações, corporações, classes e muitos outras entidades coletivas sistêmicas, além dos constituintes individuais);

cada um destes subconjuntos está integrado por indíviduos que se mostram sempre bastante singulares em função de suas peculiaridades e que apresentam grande polimorfismo em suas relações;

as diferenças que marcam os indivíduos humanos, enquanto componentes singulares dos sistemas sociais, são muito numerosas e mostram grande amplitude de variação de indivíduo a indivíduo;

neles, nem sempre as diferenças que apresentam entre si dependem de alguma característica essencial de seu conteúdo, sendo, muitas vezes, variações de características acessórias suas ou de seus agregados coletivos;

é sempre muito mais difícil reconhecer o que seria a essência e o conteúdo dos fenômenos sociais que nos acontecimentos naturais.

É possível que a limitação metodológica para pesquisar experimentando seja um estágio metodológica ou tecnicamente “ imatur o ” das ciências sociais. Porque seu objeto, os fenômenos sociais, é menos susceptível ou insusceptível de estudo experimental.

Deve-se reconhecer que nelas, nas ciências sociais e humanas, a observação deve ser considerada como o método natural de estudo, por causa da natureza de seu objeto e, nunca é demais insistir na repetição, a metodologia deve estar sempre subordinada à natureza do objeto ao qual é aplicada.

Daí porque, pode- se afirmar que é bem mais que possível, é bastante provável, que a extrema complexidade dos sistemas sociais e a grande diversidade e singularidade de seus subsistemas e dos seus elementos individuais, ocasionem seus principais obstáculos metodológicos; pois, sabe-se que a metodologia de

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qualquer ciência deve ser absolutamente subordinada ao seu objeto e, por isto, de certa maneira, deve refletir suas características e peculiaridades.

A complexidade relativa dos fenômenos sociais (em relação aos naturais) impõem- lhes a necessidade de construir uma metodologia adequada a esta complexidade e contendo grande capacidade explicativa e preditiva, para que possam ser estudados adequadamente. E tal metodologia não existe ainda ao alcance dos investigadores. Possivelmente por esta razão, existe um grande esforço para adotar ou imitar a metodologia das ciências naturais (sobretudo as ciências biológicas).

Mas, muito mais que esta diferença de complexidade, sabe-se que a natureza qualitativa de muitos dos fenômenos que são estudados nas ciências da sociedade (da mesma maneira que acontece na psicologia e na Psicopatologia) dificulta ou, mesmo, impossibilita a sua quantificação e a programação de procedimentos experimentais de investigação; por isto, limita sua pesquisa aos procedimentos descritivos da observação.

A Medicina se situa em curiosa situação no meio destas contradições por causa de sua natureza de ciência de dois mundos: o mundo da natureza e o mundo psicossocial. Enquanto que suas atividades científicas relacionadas com a patologia e a fisiologia pertencem ao mundo das ciências naturais e empregam o método experimental hipotético-dedutivo; as atividades voltadas para a clínica devem se servir da observação e dos raciocínios analítico-indutivos.

Contradição que oferece oportunidade para muitas aventuras naturalistas onde só deve caber o método clínico (não importa se causadas por ingenuidade ou por esperteza).

As ciências físicas e biológicas, pela própria natureza de seus objetos, estudam fenômenos quantificáveis e que, por isto, favorecem as técnicas experimentais de investigação (na dependência quase exclusiva das possibilidades da tecnologia, ainda que empregando definições operacionais em sua dimensionalização); isto, naturalmente, porque tais técnicas experimentais exigentes de quantificação foram construídas exatamente para elas; e, por isto, enquanto nas ciências naturais fica favorecido o emprego do método hipotético- dedutivo como instrumento teórico, nas ciências da sociedade, pela natureza de seu objeto, pode- se afirmar que estão como que condenadas a investigar pela observação e a raciocinar indutivamente. Os

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diferentes procedimentos provenientes da observação são os recursos naturais das ciências sociais, ao menos no momento atual de seu desenvolvimento.

Entre as implicações resultantes desta diversidade objetal e metodológica que se dá entre as ciências naturais e as ciências da sociedade, que são conseqüentes às peculiaridades de seus objetos, às diferenças de maturidade metodológica e das possibilidades técnicas de cada uma delas, destaca- se a diversidade de suas possibilidades preditivas e de estabelecimento da verossimilhança de seus achados. Tudo isto explica o motivo pelo qual as ciências naturais têm maior poder de prever e de explicar que as ciências humanas.

No entanto, de modo algum estas diferenças devem ser postas em termos de uma hierarquia de valor entre estes dois tipos de ciências (e muito mais ainda em termos de “ legitimi d a d e ” ou de “ res p e i t a b ilida d e ”), como se faz muito comumente. Porque as ciências são processos cognitivos que se situam em diferentes graus de desenvolvimento (ou maturidade metodológica) e isto é o que determina seu potencial preditivo e explicativo.

Encontram- se diferenças de possibilidades metodológicas e conseqüentes diferenças heurísticas e prognósticas quando se comparam as ciências formais com as factuais e as ciências naturais e as sociais; mas, igualmente, cada ramo de cada ciência em particular e, até, cada tipo de pesquisa ou projeto específico de investigação com os demais em uma mesma atividade científica.

Pode-se afirmar que a discussão sobre a hierarquia de valor das ciências (sobretudo supervalorização das ciências naturais sobre as ciências sociais, o ne o n a t ur alis m o ), não é apenas uma polêmica científica, mas essencialmente ideológica, porque em sua raiz e ao longo de toda sua trajetória histórica, situam- se numerosas divergências filosóficas e doutrinárias; mas também se encontram muitas contradições de interesses econômicos, sociais e políticos, entre outros motivos de discórdia. A todos estes motivos, soma- se a diversidade essencial dos objetos das ciências naturais (os seres vivos) e sociais (os entes sociais, estas últimas muito mais complexas que as primeiras) e se considere a imaturidade metodológica e técnica (expressa pela limitação teórica da metodologia analítico- descritiva e da falta de tecnologia de experimentação) e pode- se explicar estas diferenças de níveis de cientificidade.

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Procedimentos Metodológicos Indutivos e Dedutivos

Os dois tipos mais importantes de raciocinar em ciência são a indução e a dedução. Na elaboração do conhecimento comum, utiliza-se muito o procedimento analógico, quando a explicação já comprovada de um caso particular é aplicada a outro caso particular parecido ou idêntico.

Os procedimentos metodológicos mais genéricos mais comumente empregados na investigação das ciências são: os pro c e d i m e n t o s lógic o s indutiv o s e os pro c e d i m e n t o s lógic o s d e d u ti v o s .

INDUÇÃO.

Os métodos genericamente chamados indutivos empregam, como parece óbvio, o raciocínio indutivo como base de sua elaboração lógica que lhe possibilita chegar a conclusões e elaborar generalizações.

A induç ã o é um tipo de raciocínio e instrumento lógico de investigação científica que possibilita passar do conhecimento que se tem sobre os fatos singulares às proposições gerais sobre aquela categoria de objetos ou fenômenos. Na indução científica, a conclusão é resulta da atribuição a toda uma classe de objetos ou fenômenos atributos identificados em alguns elementos desta classe. Concluem- se sobre o geral a partir do que se conhece dos casos particulares.

DEDUÇÃO .

A dedução é um tipo de procedimento racional e um processoo lógico deformular conclusões na investigação científica que consiste em concluir a respeito de casos particulares a partir de informações sobre a totalidade que os contenha. As conclusões dedutivas dependem das chamadas regras de inferência que permitem derivar uma conclusão dedutiva.

Regras de inferência são regras semelhantes aos axiomas e às definições operacionais que permitem tirar conclusões a partir de certas premissas tidas como aceitáveis.

Metodologia e Psicologia

Como a maioria das aplicações científicas que oferecem a possibilidade de emprego tecnológico imediato de seus conhecimentos, a psicologia resulta em duas entidades sociais distintas:

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a psicologia- profissão e

a psicologia- ciência.

Cada uma delas bem distinta da outra, embora, muitas vezes se superponham na prática, não devem ser confundidas. Aqui, se trata da psicologia enquanto ramo da ciência, com todas as características e responsabilidades de qualquer atividade científica.

Como elemento integrante da ciência, a psicologia científica deve ser, antes de tudo, investigação. E a investigação científica é, essencialmente, método e metódica, isto é, exige que lhe sejam disponíveis meios e procedimentos que se constituam em instrumentos para o conhecimento cada vez mais amplo e mais profundo acerca do seu objeto.

A metodologia de uma ciência deve ser um sistema coerente e harmônico de métodos de investigação vinculados ao seu objeto de estudo e dependentes das motivações e finalidades que motivaram sua escolha. Tais métodos de investigação devem se materializar em uma metódica (repertório de técnicas, processos e procedimentos) que se harmonizam com esta exigência.

A metodologia da Psicologia, como a de qualquer ciência, não pode ser reduzida a um conjunto de procedimentos casuais e formais, independentes de seu objeto e desvinculados de seus objetivos, resumindo- se a instrumentos facilitadores da investigação. A metodologia psicológica se destina a estruturar os meios destinados a descobrir as leis que regem os fenômenos psíquicos, a conduta e o desenvolvimento do psiquismo. E como o objeto da psicologia é um ente de dois mundos (o mundo da natureza e o mundo da cultura), sua metodologia deve estar sintonizada com esta característica ontológica que é sua. É impertinente tentar identificar a metodologia da psicologia com uma única destas dimensões.

A metodologia da investigação medica, por sua vez, destina- se a fundamentar a investigação das leis dos fenômenos patológicos que acometem os seres humanos para auxiliá- los.

Princípios Metodológicos da Psicologia CientíficaComo todo processo cognitivo sistematizado, a metodologia da psicologia também deve estabelecer uma interação entre o método e o seu objeto. Isto significa obedecer a uma série de princípios metodológicos que norteiem sua aplicação.

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RUBINSTEIN (em trabalho um tanto antigo, mas ainda perfeitamente válido no que respeita a esta matéria) propõe os seguintes princípios metodológicos que deveriam ser empregados para fundamentar e orientar a estruturação dos meios para a investigação psicológica com pretensão de cientificidade e que, por isto, devem ser repetidos, ainda que não sejam uma novidade, porque respondem ainda hoje às necessidades dos investigadores desta área. Tais princípios são:

1. O psiquismo deve ser estudado como manifestação da unidade dos fenômenos internos e externos, subjetivos e objetivos. A primeira tarefa de qualquer método objetivo de investigação, consiste na compreensão do funcionamento global e na identificação das contradições principais envolvidas no processo, tanto no plano objetivo, quanto no da subjetividade. Mas a atividade global do indivíduo investigado deve ser mais valorizada do que seus atos isolados. Daí porque, deva- se atentar para a extrema relatividade dos resultados de testes, questionários, observação da conduta em situação controlada e outros meios limitados de investigação. No entanto, por mais objetiva que seja a metodologia psicológica, ela não pode ignorar a subjetividade, sob pena de se igualar à fisiologia e à metodologia fisiológica.

2. Embora a metodologia fisiológica tenha dado importante contribuição à psicologia, a investigação psicológica não deve ignorá- la, nem pode se resumir a ela, porque seu objeto não é um ente exclusivamente biológico, tem um componente social e detém uma identidade ontológica própria. Da mesma maneira, a investigação psicológica não pode ser resumida à descrição dos fenômenos, fatos e processos psíquico, como se o funcionamento orgânico nada tivesse a ver com as manifestações psicológicas; a observação fenomenológica é importante, mas não exclusiva. A metodologia fisiológica é indispensável à Psicologia, mas dever ser considerada secundária em relação aos seus meios peculiares de investigação.

3. O mesmo raciocínio aplica-se ao enfoque sociológico na psicologia. A metodologia das ciências sociais tem sido importante para a psicologia, sobretudo a psicossociologia, mas deve ser considerada secundária em relação à metodologia psicológica, devendo- se evitar as conclusões psicológicas derivadas exclusivamente de premissas sociológicas, por mais assentadas que pareçam.

4. A finalidade da psicologia- ciência, como acontece a toda as atividade científica, é a descoberta das leis psicológicas específicas e de explicaçöes confiáveis de seu objeto que permitam predizer coisas acerca dele; o comportamento é o objeto e o limite das possibilidades de generalizar das ciências psicológicas. O processo

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cognitivo de investigação psicológica deve considerar o indivíduo concreto, dinamicamente integrado na realidade; sem perder de vista o social, a investigação da psicologia deverá valorizar o princípio da individualização.

5. Considerando que qualquer processo é melhor conhecido e estudado no curso de seu desenvolvimento, nos procedimento de investigação psicológica há que se obedecer ao princípio do desenvolvimento. A psicologia e a psicopatologia do desenvolvimento são importantes campos de investigação do comportamento e são muito úteis para permitir explicá- los. Contudo, quando se trata de estudar o desenvolvimento psicológico, não basta estabelecer os graus de transição em cada etapa do desenvolvimento individual. Além disto, é importante estabelecer as condições em que ocorre cada uma destas etapas e quais suas relações com o restante do processo.

6. O conhecimento mais profundo acerca dos seres humanos é obtido no curso de sua transformação que excede aos limites de seu desenvolvimento. Todo conhecimento sobre qualquer sistema operativo será mais eficaz se realizado durante sua operação. O princípio metodológico piagetiano de que a criança deve ser estudada enquanto se lhe ensina, deve ser aplicado sem pedagogizar a psicologia.

7. A metodologia psicológica se fundamenta também no fato de que é possível conhecer o psiquismo da pessoa através do estudo dos produtos de sua atividade. Mas a investigação psicológica não pode ser reduzida ao mero registro mecânico desta atividade, bem como deve ter presente que é impossível generalizar, de modo absoluto, padrões standard para o estado psicológico. Deve-se levar em conta que um mesmo resultado, na dependência de uma situação concreta, pode significar diferentes conteúdos psicológicos. Fatores individuais e situacionais podem influir decisivamente sobre a conduta e não devem ser subestimados.

Estratégias da CiênciaAs questões metodológicas em ciência têm um caráter essencialmente tático ao longo do desenvolvimento científico. Por isto, BERNAL 2 propõe que se lhe acrescente o aspecto estratégico (decorrente de seus objetivos mais gerais e de suas metas mais abrangentes). Como não se pode ignorar os interesses materiais, políticos e ideológicos envolvidos na investigação ou decorrentes de seus achados.

Tática , palavra de origem grega que significa dispor as tropas em uma certa posição para a batalha de forma a tirar a maior 2 Bernal, J.D., Historia Social de la Ciencia, E. Peninsula, Barcelona, 1973

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vantagem possível de suas possibilidades, do terreno e das possibilidades do adversário. Em sentido figurado, inclusive político e científico, emprega- se para significar a organização dos meios para consecução dos objetivos desejados. Os procedimentos táticos devem ser entendidos como elementos componentes de um processo estratégico. Não existe tática sem estratégia definida.

Estratégia , o termo provém do grego e significa a condução do exército; se refere a arte de comandar um exército em função de objetivos a serem atingidos a prazo mais ou menos longo; objetivos importantes de uma campanha militar, política ou outra. Em sentido figurado, a estratégia significa a identificação dos objetivos decisivos e dos caminhos para alcançá- los; a organização geral das operações militares, políticas ou outras.

A característica mais importante do que pode ser chamada e strat é g i a da ci ên c i a reside na determinação da seqüência dos problemas a serem resolvidos e dos objetivos maiores a serem alcançados. Segue-se consciência da necessidade, daquilo que é necessário para atingir cada objetivo definido. Após, vem a organização dos meios disponíveis em função das necessidades e das possibilidades.

Convém que, em cada procedimento científico, seja qual for seu alcance, sejam pré-definidos os objetivos estratégicos e táticos daquela atividade, ao menos do ponto de vista de seu executor. Sem isto, será impossível avaliar sua eficiência ou eficácia.

A metodologia de uma atividade científica é definida por seu objeto e pelas possibilidades técnicas, mas sofre influência decisiva de seus objetivos.

Comprobabilidade em Medicina e PsiquiatriaEm geral, as questões metodológicas da psiquiatria decorrem mais dos problemas ontológicos e gnosiológicos que lhes são anteriores, no entanto, na maioria das vezes em que se discute o tema, elas são apresentadas como questões primárias. não sendo raro que se tente limitar a avaliação epistemológica às questões metodológicas.

As dificuldades relacionadas com a mencionada indefinição do objeto se refletem muito imperiosamente na metodologia da Medicina e, muito mais, na da psiquiatria. O procedimento metodológico tradicional da Medicina é o método clínico, uma variante específica do método de observação.

Muitas das ciências médicas, entre as quais a bioquímica, a farmacologia, a parasitologia, a imunologia, tanto a microbiologia

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quanto a não microbiana têm seus alicerces solidamente assentados nas ciências naturais e empregam procedimentos experimentais consagrados na comunidade científica e, nesta área, quase não ocorrem disputas metodológicas (até porque, quase todas são ramos da biologia que se tornaram independentes por causa de seu crescimento ou de seu significado social). Tais disputas, no entanto, parecem muito comuns no que respeita às ciências do comportamento e as ciências da sociedade, exatamente pelas características de seus objetos.

Com relação às disputas metodológicas no âmbito das ciências médicas, nota- se a tendência a aparecer alguns ramos das ciências naturais, sobretudo no campo das ciências biomédicas, que combinam a metodologia hipotético- experimental- dedutiva com o método clínico, cuja essência é a observação analítico- indutiva (como a bioquímica clínica, a farmacologia clínica, a imunologia clínica, a microbiologia clínica, entre outras). Esta composição metodológica combinada ou mista, responde às necessidades próprias impostas pela natureza dos objetos destas atividades científicas e, noutro plano, por aquilo que a sociedade espera delas. Noutro plano, há um problema metodológico muito presente nas investigações médicas atuais e, especialmente influente nas pesquisas psiquiátricas.

Neste último caso específicamente, verifica- se a já citada tendência a biologizar a metodologia social (como conseqüência da biologização do seu objeto e do desprestígio de sua metodologia), provavelmente, como resultado de deformações ideológicas como o positivismo e do desnível metodológico que existe entre as ciências naturais e as sociais, inclusive (ou, quem sabe, sobretudo) pelas diferenças de financiamento dos programas de investigação e dos interesses políticos e econômicos das agências financiadoras.

O desnível metodológico e teórico (inclusive os defeitos de sistematicidade) constatáveis quando se comparam as possibilidades de comprobabilidade das ciências naturais (conhecidas em inglês como hard sci e n c e , por causa deste processo ideológicos de supervalorização) com as ciências chamadas psicossociais (tidas como s oft sci e n c e , conseqüência da ideologia de desqualificação), designações que põem a nu o desnível de prestígio social que desfavorece as ciências da sociedade (inclusive as ciências psicológicas, por sua natureza de transição) deve ser reconhecida para que possa ser identificada e ponderada no estudo da metodologia da Medicina e da Psiquiatria, de modo a minimizar os efeitos danosos dessa ideologia.

O naturalismo (como sinnimo de funcionalismo) reside exatamente nesta tendência positivista a empregar as ciências naturais e seus métodos como instrumentos das ciências que não são naturais.

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Para os positivistas, o único modelo sistema é o natural e animal, porque se prendem às características objetiváveis.

Não há qualquer razão para se retroagir ao objetivismo positivista nas investigações da psiquiátricas, nem ter que optar pela mente ou pela conduta, quando se pretender fazer boa ciência. A subjetividade pode contribuir para o conhecimento científico, desde que não se configure como condição única ou principal da investigação.

Esta situação, da mesma maneira, deve motivar algum esforço deliberado e construtivo de aperfeiçoamento dos procedimentos de observação, como o chamado método clínico (na verdade, uma técnica derivada diretamente do método de observação), ao invés de se construir simulacros de experimentação ou desperdiçar esforços para quantificar o inquantificável, numa tentativa vã de usar a metodologia das ciências naturais como modelo paradigmático para as ciências da sociedade.

Muitas investigações em psicopatologia e, sobretudo, aquela pesquisas clínicas de aplicação mais ou menos imediata, tais como as que se realizam para avaliar a possível a ação de farmacológica de medicamentos como os psicofármacos, padecem deste defeito essencial. E, como tantos outros simulacros, mal conseguem ser uma caricatura da coisa imitada, por mais que levem a sério a imitação.

Talvez aí, no maior crédito de verossimilhança que merecem os achados dos métodos experimentais, característicos das ciências da natureza, se origine a crença ideologizada da superioridade ou maior legitimidade científica das ciências naturais sobre as ciências humanas.

Tais qualificativos valorativos não fazem sentido numa análise epistemológica e devem ser evitados a todo o custo, em nome da seriedade científica, ainda que não se tratasse de um julgamento fortemente ideológico e condicionado por vaidade pessoal e disputa de financiamento de projetos, entre outros fatores.

Acrescente- se a diversidade essencial entre os objetos das ciências naturais (os seres vivos) e os das ciências sociais (os entes sociais), muito mais complexos que os objetos e fenômenos das ciências naturais; e quando se considera aquilo que antes foi denominado neste trabalho como imaturidade metodológica e técnica (expressa pela limitação teórica da metodologia analítico- descritiva e a falta de tecnologia de experimentação), pode-se explicar as diferenças de cientificidade e, portanto, de previsibilidade e explicabilidade entre os dois grupos de ciências.

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Esta questão se reflete na Psicologia e na Psicopatologia, ciências que, pela própria natureza de seu objeto, já se viu, se situam na fronteira entre as ciências biológicas e as ciências humanas, pertencendo a ambos os mundos; necessitando empregar ambas as metodologias e procedimentos destas duas procedências para construir seus procedimentos de comprovação.

Porque a dimensão subjetiva dos comportamentos sadios ou enfermos, os processos psíquicos patológicos ou não-patológicos que, em última análise, constituem o objeto da Psicologia e da Psicopatologia, são qualitativamente diferentes, tanto dos fenômenos fisiológicos, quanto dos acontecimentos sociais, ainda que possam ser, como muitas vezes são, confundidos com eles, porque guardam entre si muita semelhança de forma e analogia de conteúdo. No entanto, é preciso estar atento para não confundir o psicológico, o fisiológico e o patológico.

Coisa semelhante, já se mencionou, sucede nas dificuldades para definir o objeto da epidemiologia que é também uma interciência cujo objeto se situa no espaço situado no entrecruzamento de três tipos de fenômenos: a) entre os fenômenos naturais e os sociais, b) os processos patológicos e os não patológicos e c) os eventos de natureza individual e os coletivos.

Por causa de tudo isto, pode- se dizer que é bastante possível que a maior dificuldade teórica para definir o objeto da epidemiologia se deva a que seu enunciado genérico mais comum integra- a entre as ciências naturais e sociais mas, por causa do maior prestígio das ciências da natureza, mais perto das naturais; quando, provavelmente, o objeto da epidemiologia esteja mais próximo dos fenômenos sociais do que dos naturais.

É mais razoável pensar a epidemiologia como o estudo das populações afetadas pelas doenças (enfoque no social), do que defini- la como o estudo do comportamento das doenças nas populações (que é o enfoque naturalista). Não seria exagerado supor que este esforço de muitos epidemiólogos para tornar a epidemiologia uma ciência natural e não uma ciência das populações afetadas por enfermidade talvez seja decorrente destes preconceitos ideologizados.

Conhecimento, Verdade e Falsidade

A convicção do grau de veracidade contida em uma proposição ou em sistema de proposições é, por definição, uma característica do conhecimento que o diferencia de uma crença ingênua, um exercício de fé não verificada. Ao menos do ponto de vista do conhecimento científico, importa que esta veracidade esteja

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devidamente confirmada por meio de alguma forma de verificação confiável.

A verdade e a falsidade são as possibilidades existentes ao final de qualquer procedimento de verificação (por demonstracão teórica ou comprovação prártica) das proposições ou enunciados. Pode-se afirmar genericamente que a verdade reflete a concordância entre dois extremos conceituais: dois fatos (ou dados reais, dois entes existentes), dois dados intelectuais (duas idéias) ou uma idéia e um fato da realidade. A verdade se expressa por conceitos ou proposições verdadeiras que se referem a estes tipos de relações.

Todo ente deve ser considerado verdadeiro como tal, mesmo que se trate de uma fantasia, um ente fantástico; sua existência como oisa real ou como entidade abstrata ou fatásica comprova sua veracidade. O mito de Papai Noel, torna o Papai Noel, verdadeiro como personagem mítico, mas não como um ser humano ou uotra entidade material real. O personagem (de literatura, cinema teatro) é verdadeiro como personagem, ainda que não o seja como pessoa (ainda que esteja sendo representado por uma ator que é uma pessoa verdadeira e represente alguém que exista de realmente).

A verdade material, verdade factual ou verdade ontológica consiste na comprovação da existência objetiva de uma coisa.

A verdade lógica consiste na conformidade, adequação ou consistência de duas idéias ou de uma idéia e a realidade.

A falsidade é o conceito oposto ao de verdade, coerência ou correspondência com a realidade.

Existe uma falsidade ideal (quando falta correspondênc i a ou adequaç ão entre duas idéias que é a falsidade dos raciocínios ou das arquiteturas lógicas) e uma falsidade materia l ou factua l (quando inexiste correspondênc i a entre um fato e uma idéia , como acontece nas ciência s factua is , como se de ver adiante) .

As noções verdade e falsidade e, mais comumente, verdadeiro e falso são atribuídos a conceitos, a juízos e a raciocínios. As proposições construídas com estas figuras lógicas podem ser tidas como verdadeiras acreditadas como falsas.

Falsicabi l id ade é o princípio proposto por Popper para o conhecimento factua l , pelo qual pode- se ter como verdadeir a uma proposição enquanto ela não for comprovad a como falsa (ou enquanto resistir aos esforços metodologica m ente corretos para comprovar sua falsidade) .

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Conhecimento: Impressão e Certeza da Verdade

Não há conhecimento sem convicção de veracidade, pois isso é o que o diferencia da fantasia. Mas nem toda convicção de veracidade corresponde à existência de veracidade, qualquer que fou o critério de verdade empregado. Alguém pode ter certeza (uma impressão muito forte, uma convicção bastante arraigada) de que uma coisa é verdadeira e ela ser falsa; não ser uma verdade, mas uma falsidade.

A definição mais sintética de verdade, designa- a como conhecimento da realidade; da realidade lógica ou da realidade factual. Anteriormente, neste trabalho, já se definiu o conhecimento como a apropriação mental pelo sujeito de propriedades do objeto do conhecimento (objetos, fenômenos e relações deles entre si e com o mundo); tal apropriação se faz através da apreensão de características descritivas ou explicativas do que está sendo conhecido; e implica, sempre, em um certo grau de certeza de que aquele conhecimento é verdadeiro. A impressão de veracidade é uma característica fundamental do conhecimento. A convicção de veracidade está sempre presente em todo conhecimento, se bem que em diferentes graus. A impressão (ou a convicção de verdade de uma coisa quase nunca é evidenciada por ela mesma, mas por suas relações.

Como se vê, por definição, expressões como convicção, certeza, fé, crença assinaam qualquer conhecimento.

No conhecimento vulgar, a convicção de verdade existente em uma informação qualquer sobre alguma coisa, resulta apenas da impressão subjetiva de sua veracidade na consciência do agente do processo de conhecer. O que é muito influenciado pelos interesses objetivos e subjetivos; neste caso, quando se busca alguma comprovação para reforçar a convicção, esta não deve passar de uma comparação de aparências.

Já no conhecimento científico, a crença convicção de veracidade é dada um procedimento aceitável de veificação ou, mesmo, por um programa sistemático de investigação que forneça a necessária consonância de seus conceitos, suas proposições e suas teorias entre si e com a realidade factual. Nas ciêcias fáticas ou actuais o critério de verdade resulta da comprovacão da consonância de um enunciado simples ou complexo com a realidade. No âmbito do conhecimento filosófico, como no das ciências formais (lógica, matemática) o critério de verdade é dado pela consistência de seus conceitos e de seus juízos em função dos recursos lógicos mepregados em sua obtenção.

Aqui se emprega a palavra convicção e seus sinônimos como formas do convencimento de verdade presente em todo

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conhecimento. Não obstante, para assinalar o conhecimento científico, tais palavras devem ser adjetivadas de modo a assinalar o fato de terem sido verificadas.

Este grau de convicção da veracidade do conhecimento se caracteriza por se saber que se sabe e saber o que se sabe , permite reconhecer e ocasiona a possibi lidade de comunicar que são característica s essenc ia i s de todo conhecimento , porque não se conhece verdadeira mente , qualquer que for o tipo ou o grau deste conhecimento , se não se for capaz de reconhecer a coisa conhecida como tal ou de comunicar sobre ela . Já se viu que, com o sentido de conhecimento- resultado, também signi f ic a o acervo de informações proporcionada s por estes processos .

De qualquer forma, ainda que a convicção seja parte importante do saber, conhecer é essencialmente diferente de acreditar, ter como verdadeiro, ter fé religiosa ou uma crença não verificada. Pois, embora todo conhecimento implique em uma certa convicção de veracidade, a convicção pode provir ou não do conhecimento científico ou cientificamente verificado. Em ambos os casos, a convicção tem estruturas completamente diferentes de convencimento: crença nas diversas modalidades de conhecimento vulgar e convencimento no conhecimento superior (científico e filosófico), que resultam de um processo de verificação.

O conceito de verdade é sempre atribuído a um juízo (um enunciado ou uma proposição, como se diz em linguagem da ciência); quando se trata de um juízo científico, tem- se uma verdade científica. As verdades científicas são do tipo factual, por isto, devem ser objetivas. A objetividade é um pressuposto tido como essencial para caracterizar uma verdade científica, o que não deve ser confundido com objetivismo (que implica na recusa sistemática de tudo que não for objetivo). Por isto, a objetividade se situa como uma característica fundamental da ciência.

A objetividade , entendid a como independênc i a em relação ao observador, é um elemento importante para o reconhecimento da verdade .

Tipos de verdade. Na dependência das diferentes opiniões filosóficas, podem ser mencionadas diferentes modalidades de verdade, dentre as quais podem ser destacadas as seguintes:

@BULL1 = a verdade lógica (ou formal),

@BULL1 = a verdade factual (objetiva, experimental ou material),

@BULL1 = a verdade axiomática (ou convencional).

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Cada um destes tipos de verdade se materializa na correspondência entre uma proposição e aquilo que ela menciona. O conteúdo de verdade de uma proposição resulta do critério de verdade com o qual ela é aferida.

A certeza da verdade pode se dar por dois mecanismos chamados critérios de verdade. O primeiro, o critério da consistência, afirma a verdade pela demonstração da coerência interna das proposições que formam uma tese; a verdade lógica. Por exemplo, dois objetos iguais a um terceiro são iguais entre si. O segundo critério de verdade, é o critério de consonância com a realidade que caracteriza as ciências factuais. Este critério estabelece um conceito (ou uma proposição) como verdade na medida em que seja comprovado como adequado à realidade.

Além destes dois critérios de verdade, existe um terceiro que é a comparação com o modelo convencionado ou aceito como padrão (que é usado para estabelecer as verdades convencionais), como nas escalas de avaliação, pesos, medidas e nas convenções e normas sociais.

Quando o conhecimento da realidade começou a demolir as chamadas verdades religiosas, os dogmas das religiões, um filósofo católico, AVERRÓIS (1126- 1198) inventou a doutrina da dupla verdade que consistia no seguinte: duas afirmativas contraditórias, uma científica e outra religiosa, podiam ser ambas verdadeiras (cada uma em seu mundo).

Adiante, se há de estudar um pouco mais sobre a verdade científica e as noções de veracidade e verossimilitude como importantes elementos lógicos do conhecimento científico. Por enquanto, deve-se continuar a cuidar da comparação da convicção nas crenças no processo e no resultado do conhecimento e a relação do conhecimento com a verdade.

Porque não é a convicção de realidade ou impressão mais ou menos arraigada de verdade, como experiência subjetiva, que caracteriza o conhecimento, notadamente o conhecimento cientifico.

A convicção de realidade é característica comum do conhecimento e das crenças.

Conhecimento, Crença e Fé

De uma maneira bastante particular, mas relativamente comum, é freqüente que se definam a crença e a fé da seguinte maneira:

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- o conhecimento , ja se afirmou, consiste na apropiação pelo sujeito de propriedades de um objeto, o que se acompanha por alguma convicção de que aquilo se trata da uma verdade;

- a crença (fé, convicção) existente no conhecimento vulgar pode ser caracterizada como o fenômeno subjetivo pelo qual se considera uma proposição qualquer como verdadeira ou falsa qualquer que for seu conteúdo e qu mobilize convicção, independente dos motivos pelos quais isto se faça;

- e que se estabeleça a fé como uma crença que contrarie a experiência ou a razão, especialmente as de conteúdo místico ou religioso.

De certa maneira, o conhecimento vem a ser uma constatação confiável que se inicia em uma impressão, uma percepção ou em uma elaboração inteligente (uma evidência ainda que mais ou menos casual), que se continua na certeza da existência de seu objeto e, assim, evolui para conhecê- lo, a partir da sua forma para seu conteúdo, da sua aparência para sua essência e que finda na convicção de verdade daquelo que foi costatado.

Embora o conhecimento cintífico possa se iniciar de maneira mais ou menos casual ou espontânea, sem participação óbvia e ativa da inteligência ou de qualquer outro proesso de verificação, estes deverão estar presentes no processo metodológico que promovem a fixação inteligente, ao menos nas conexões lógicas que se estabelecem entre o material adquirido e o conhecimento já havido pela pessoa.

Enquanto o conhecimento empírico- espontâneo não resulta de uma conclusão lógico-cognitiva, nem resulta do processamento lógico de informações sensíveis ou lógicas sobre o objeto, é uma convicção assimilada a partir de uma necessidade afetiva; nela, quando existe algum procedimento racional, este se dá a posteriori, apenas para justificá- la e não para elaborá- la.

O conhecimento é uma constatação (como componente cognitivo mais ou menos complexo) iniciada em ou restrita a uma impressão elementar, uma percepção singela ou um indício lógico que possibilite elaboração inteligente (evidência, ainda que mais ou menos tênue ou casual) que leva a uma conclusão inteligente por meio de um processo cognitivo eficaz; que inicia- se no reconhecimento da existência de seu objeto, evolui para conhecê-lo, a partir da sua forma para seu contéudo, da aparência para a essência, da forma para o conteúdo e finda na convicção.

Os elementos motivacionais e os critérios de verdade permitem diferenciar a crença do conhecimento. Aqui se pretende estabelecer os elementos distintivos entre conhecimento e crença (fé) e se

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distingue convicção (certeza como processo cognitivo independente da afetividade) de crença (expressão de credulidade, fenômeno de base afetiva) como tipos diferentes de impressão subjetiva da realidade e veracidade de um conhecimento qualquer.

A convicção ou certeza científica é um processo predominantemente cognitivo (ainda que se relacione muito com as instâncias afetivas da personalidade; resulta da constatação de consistência e compatibilidade com a realidade que pode ser presumida como relativamente independente dos interesses ou desejos de quem a experimenta.

Todo conhecimento contém uma crença em sua veracidade . Por isto, parece importante que o iniciante aprenda a estabe lecer alguns elementos distintivos entre a crença , convicção ou fé existentes nas diferentes modal idades de conhecimento, que o possibi lite exercitar a convicção cientif icam ente lastread a (certeza determin ad a por processo lógico, metódico e sistêmico) na convicção basead a na afetiv idade (expressão de credulidade , fenômeno de base predominantem ente afetiv a ) , das ideologia s e dos diferentes tipos de impressão subjetiv a veracidade presente no conhecimento vulg ar .

O oposto da convicção não é a convicção oposta, mas a dúvida.

As diferentes expressões da certeza e da dúvida fazem- se presentes em todas as manifestaões do conhecimento, da crença e da fé, sejam patológicas ou não.

O dogmatismo e o fanatismo são condições patológicas do pensamento inteligente que se manifestam como expressões de convicção sem qualquer dúvida e que recusam qualquer dúvida, mesmo diante da comprovação ou demonstraçnao de sua falsidade.

O apego à verdade e sua valorização pelos indivíduos e culturas mostra- se como um valor fundamental para do conhecimento e da personalidade e para defesa contra as crenças ou os relacionamentos baseados nelas. Não é possível existir interação humana inter- [essoasl ou social saudável que não se baseie crença na verdade nas relações, nem organização social ou estrutura ética que possa prescindir dela.

Dúvida e convicção são categorias dialéticas, como tantas outras aparentemente opostas e inter- dependentes. A convicção se completa na dúvi d a (atitude de falta de convicção, de perplexidade, de vacilação, de irresolução) que é sua antítese lógica e psicológica. A dúvida pode ser uma atitude (tendência ou fenômeno

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psicológico) ou um método de cogitação filosófica (a dúvida sistemática cartesiana que caracteriza a ciência moderna desde Descartes). A dúvida do ceticismo metodológico é um recurso do pensamento científico que aconselha a duvidar de tudo que não possa ser verificado na teoria (demonstração) ou na prática (comprovação). A certeza e a dúvida estão sempre presentes em variadas proporções em todos os conhecimentos. A convicção se completa na dúvida (atitude de falta de convicção, de perplexidade, de vacilação, de irresolução) que é sua antítese lógica e psicológica.

As certezas delirantes e as dúvida s obsess iv a s colocam- se como extremos de um espectro ainda muito mal investi g ado .

A dúvida pode ser uma atitude (tendência ou fenômeno psicológico) ou um método de cogitação filosófica (a dúvida sistemática cartesiana que caracteriza a ciência moderna).

A crença (inclusive a fé e outras expressões de religiosidade) é um fenômeno subjetivo que se fundamenta em uma base afetiva, estruturando- se a partir processos afetivo- psicológicos ou ideológicos, há muito tempo, reconhecida como processo subjetivo arracional e incomprovável. Mas, nas quais o sujeito dá muita importância e que pode exercer notável influência sobre sua conduta e seu julgamento; comportando- se como uma paixão. A crença pode ser definida como a atitude do espírito que adere a um enunciado ou a um fato sem poder administrar- lhe prova completa, sem que a convicção provenha da experiência ou da razão. Por isto, a crença pode corresponder a todos os grau de probabilidade. 3 Mas a convicção que provoca independe de sua correspondência com a realidade ou de qualquer outro critério de verdade.

O denominador comum que pode ser identificado em todas essas convicções é O alcance das crenças também costuma ser extremamente variado, tanto em qualidade, quanto em intensidade da convicção presente nas crenças. Pode variar de uma opinião mais ou menos comum acerca de uma coisa pouco importante, até sistemas muito complexos de crenças e valores que alcançam praticamente todos os aspectos da vida individual e do convívio coletivo. O alcance das crenças também costuma ser extremamente variado, tanto em qualidade, quanto em intensidade da convicção presente nas crenças. Pode variar de uma opinião mais ou menos comum acerca de uma coisa pouco importante, até sistemas muito complexos de crenças e valores que alcançam praticamente todos os aspectos da vida individual e do convívio coletivo.

3 Ronner, M., Comunicação Pessoal, 1993. 50

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As crenças podem resultar de necessidades conscientes ou inconscientes, individuais ou sócio-culturais, que tomam forma de convicção injustificável, experimental, lógica ou racionalmente em pessoas sugestionáveis ou anacásticas. Uma crença pode surgir como revelação. A revelação é uma forma particular de crença que se manifesta como uma convicção ou um conjunto de convicções originadas em experiências subjetivas místicas (ou, de qualquer maneira, ideológicas) tidas como provenientes da comunicação com uma entidade sobrenatural.

Em geral, as revelações resultam da soma da crença, ignorância e sugestionabilidade (patológica ou não) combinadas em diversas proporções.

A credulidade, entendida como tendência natural das pessoas para crer em alguma coisa por força de suas motivações afetivas ou ideológicas, é encontrável em todos os grupos humanos e muitos a denominam de religiosidade, quando se refere a temas sobrenaturais mais ou menos sistematizados e codificados. Mas esta designação é imprópria. A religião é uma instituição social, uma organização de crentes, uma comunidade (eclesia) de fiéis. O fenômeno individual é a credulidade.

No entanto, deve- se ter presente que as crenças religiosas não são sempre sobrenatura is . Existem crenças de natureza religiosa , mas cujo conteúdo se situa no campo de política , da prática esportiva e em outras situações semelhantes .

As crenças são, em última anál ise , a concretizaç ão da credulidade (predisposição para ter fé) com componentes mais afetivos que cognitivos .

Adiante , neste texto, há se colocar a oportunidade de diferenciar as crenças como atributos psicológicos (patológicos ou não patológicos) e ideológicos a serviço de pessoas , das religiões , instituições socia is que se mani fest a m , em organiz ações mais ou menos complexas , a serviço do Estado ou das classes socia is hegemônic a s .

Além da influência de fatores psicológicos e psicopatológicos, a existência, a intensidade e o alcance das crenças depende de fatores econômicos, culturais, políticos e ideológicos ou ideologicamente determinados. Quando se promove o exame mental dos crentes, pode- se verificar que nas suas crenças podem ser identificadas dimensões psicológicas (individuais, como as religiosas) e sociais, como as lastreadas na cultura e culturalmente compartilhadas) e ideológicas (antropológicas e sociológicas).

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Pode- se dizer que a crença é a ideologia (com o sentido de falsa consciênci a determinada por influênci a s objetivas de natureza social) , o desejo, o temor (sendo que estes dois fenômenos, muitas vezes , são expressões aparentemente opostas de uma mesm a coisa) ou qualquer outra expressão de necess idade cultural ou afetiva , transformado em convicção. Convicção esta que pode assumir qualquer grau de certeza , independente de ser ideológica , afetiva ou interessad a . Não sendo raro que se mostre muito arraig ad a e capaz de exercer influênci a diretora sobre uma área muito grande do comportamento.

As crenças impõem uma atitude positiva em relação à validez (ou validade, no sentido de correspondência com a realidade) daquilo em que se crê, por isto, todos têm convicção em suas crenças, ainda que elas não correspondam à realidade e, mesmo, possam parecer completamente incríveis (ou, mesmo, bastante ridículas) para todos os outros. Embora as fé ou as crenças religiosas ou sobrenaturais sejam sempre suas expressões, nem todas as crenças têm este matiz religioso ou sobrenatural.

Como fenômeno psicológico, a crença é uma modalidade de concretização da credulidade (ou predisposição humana para ter fé). A credulidade humana sofre a influência de fatores internos e externos; organísmicos ou ambientais; psicopatológicos ou psicossociais. Muitos os fatores, dentre os quais se detaca o medo (a ansiedade patológica e a fobia), que confluem para aumentar e insegurança ou diminuir a esperança ou a autoestima dos seres humanos costumam incrementar a sua credulidade, conduzindo- os a condutas impressionatemente insensatas. A crença, inclusive a fé, é um fenômeno fundamentalmente psicológico e de base afetiva. Depende das características da personalidade de quem a experimenta (inclusive de seus traços anancásticos), de suas circunstâncias e de suas possibilidades culturais e mentais. Sofre mais influência das necessidades afetivas do que da cognição.

A religião se caracteriza por ser mais que expressão instituída de uma crença. A religião é uma instituição social com grande poder de mobilização de seus adeptos, é uma organização de crentes, uma comunidade (eclesia) de fiéis que se reunem para cultuar ou celebrar sua fé e cumprir os rituais de sua crença, mas que se organizam social e politicamente em torno deste centro.

Existem crenças que não são religiosas, que são provenientes da confiança em quem seja considerado uma autoridade ou outras,

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como as políticas e, até, as científicas. Porque é possível e comum que alguém experimente opiniões científicas como uma fé, como se fossem crenças. Para se reconhecer isto, leva- se em conta a dúvida, pois se sabe que a dúvida é incompatível com a crença enquanto é essencial ao conhecimento científico. O conhecimento, sobretudo o conhecimento científico, ao menos em princípio, não tem implicações afetivas ou, em qualquer caso, não as deve ter dominantes. Por que isto configura uma paixão.

O caráter institucional e ideológico das religiões lhes confere significado particular no estudo da Psicologia Social. A comunidade de uma crença ou de um sistema de crenças constitui unicamente o substrato de interação dos aderentes a uma religião. O fenômeno individual é a credulidade. A confiança que a pessoa deposita em coisas que podem ser inteiramente inverossímeis, mas nas quais ele deposita confiança incondicional.

Ressalte- se que a crença não é uma conclusão lógico- cognitiva, nem resulta do processamento lógico de informações sensíveis ou lógicas sobre o objeto. A crença é um processo basicamente afetivo que se expressa como convicção gerada, desenvolvida e assimilada a partir de uma necessidade afetiva. Nela, quando existe algum procedimento racional, este se dá a posteriori, apenas para justificá- la ou para reforçá- la, e não para elaborá- la ou comprová- la.

As pessoas tendem a confiar mais ou menos poderosamente em suas crenças, pois elas geram uma atitude positiva em relação ao seu crédito: portanto, tendem a aceitar a validez (ou validade, no sentido de correspondência com a realidade) daquilo em que acredita, pois, todos têm convicção em suas crenças, ainda que não correspondam à realidade e, mesmo, possam parecer completamente incríveis (ou, mesmo, bastante ridículas) para todos os outros.

Maneira eficaz de se distinguir os conhecimentos das crenças, se dá quando de sua contestação ou, mesmo, a prova de sua invalidade. Sempre que um conhecimento se prova falso, ele é substituído sem qualquer emoção, frustração ou sofrimento; ninguém lastima a substituição de um conhecimento, ainda que possa sofrer com sua repercussão prejudicial. Ao contrário do que acontece com as crenças, quando se mobilizam reações emocionais proporcionais às necessidades afetivas investidas nelas. A comprovação da falsidade de crenças muito arraigadas pode ocasionar reações desesperadas de grande violência, com manifestações superlativas de ansiedade e luto, podendo determinar comportamentos auto ou hetero-agressivos.

A impressão de verdade é um valor fundamental para o conhecimento, para a personalidade e paea a sociedade. Não é possível existir interação humana saudável que não se baseie na

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verdade, nem organização social ou estrutura ética que possa prescindir dela.

Deve-se insistir que não obstante a fé e as crenças religiosas ou sobrenaturais sejam sempre suas expressões, nem todas as crenças têm este matiz religioso ou sobrenatural. Analogamente, as pessoas tendem a ficar muito mobilizados afetivamente por suas crenças. E, por isso, elas exercem sempre alguma influência sobre sua conduta. Em geral, a necessidade em jogo naquela situação costuma ser proporcional à sua sugestionabilidade e influenciabilidade, sua imaturidade.

Existem crenças de motivação baseada em necessidades objetivas e subjetivas.

É fácil entender que uma pessoa acredite com mais facilidade em algo que atenda a um interesse seu, do que o contrário.

Dentre as crenças de motivação subjetiva, destacam- se as ideologias (conceitos, juízos ou sistemas racionais que se apropriam da consciência e que correspondem aos interesses da pessoa) e as originadas em pulsões inconscientes.

As crenças são fenômenos individuais ou psicossociais de gênese predominantemente afetiva, apenas dirigidas ou moduladas pela cognição; enquanto o conhecimento é uma manifestação predominantemente cognitiva, apenas modulada ou dirigida pela afetividade (quer se trate de emoções, sentimentos, estados de ãnimo, afetos ou paixões).

Paixão é uma emoção ou sentimento vivenciada pelas pessoas com tal arraigamento na personalidade que exerce uma ação diretora sobre o pensamento, o julgamento, o comportamento, influindo mais ou menos decisivamente na percepção, no juízo, nos raciocínio e na ação.

As paixões, mesmo as paixões da ciência ou na ciência, costumam ser importantes fatores de distorção do conhecimento na atividade científica.

Deve- se atentar para as paixões como propulsoras das conduta s pró- sociais e anti- socia is , mesmo no âmbito da ciência . Mas não se pode esquecer a influênci a dos interesses objetivos e subjetiv a s . As pessoas podem se apaixonar por um time de futebol ou um partido político; mas é mais fácil encontrá- las apa ixonad a s por dinheiro, por poder, por autoridade , fama , prestíg io. A dificuldade de identif ic ar as paixões da ciência é tão maior quando

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acontece de tudo isto estar misturado, tal como se pode assistir recentemente na polêmica sobre a prioridade na descoberta e identi ficaç ão do virus da imunodef ic iênci a human a adquirida , quando interesses finance iros vultosos se somav a m à uma grande carga de vaidade individu a l e nacional de franceses e norte- americanos , além dos interesses dos indivíduos envolv idos diretamente na querela .

Apesar de haver poucos inocentes no mundo da ciência , pode- se diferenciar os apaixonados empreg a n do- se o mesmo critério usado para diferenciar a simulaç ão da histeria ; pode- se empreg ar a natureza da vanta g e m persegu id a como critério diferencia l para diferenciar a paixão da má- intenção. Quando a vanta g e m for materia l , considera- se que a paixão é secundár i a . No caso do ganho obtido redundar em vanta g e m psicológica ou ideológica , pode- se considerar a paixão como primária .

Um outro elemento psicológico que pode distorcer a veracidade do conhecimento são as atitudes e os hábitos intelectuais.

Dentre os fenômenos psicopatológicos capazes de comprometer a qualidade do conhecimento, podem ser reconhecidos os seguintes: as timopatias (depressiva ou eufórica, pelo comprometimento do juízo crítico), os delírios (pela distorção característica do reconhecimento ou da interpretação da realidade), as fobias (pela influência que exercem no julgamento) e a obsessividade (pela influência dos pensamentos intrusivos no comportamento da pessoa afetada).

Além da influência de fatores psicológicos e psicopatológicos, a existência, a intensidade e o alcance das crenças pode sofrer a influência de fenômenos e processos ideológicos ou ideologicamente determinados.

Pode-se dizer que a crença é a ideologia,<$FIdeologia com o sentido de falsa consciência determinada por influências objetivas de natureza social.> o desejo, o temor (sendo que estes dois fenômenos, muitas vezes, são expressões aparentemente opostas de uma mesma coisa) ou qualquer outra expressão de necessidade cultural ou afetiva, transformado em convicção; convicção esta que pode assumir qualquer grau de certeza. Não sendo raro que se mostre muito arraigada e capaz de exercer influência diretora sobre uma área muito grande do comportamento. O denominador comum de todas estas convicções é não terem sido verificadas ou comprovadas por seus crentes.

O alcance das crenças também costuma ser extremamente variado. Pode variar de uma opinião mais ou menos comum acerca

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de uma coisa pouco importante, até sistemas muito complexos de crenças e valores que alcançam praticamente todos os aspectos da vida individual e do convívio coletivo.

As crenças resultam de necessidades conscientes ou inconscientes, individuais ou sócio-culturais, que tomam forma de convicção injustificável lógica e racionalmente. Uma crença pode surgir como revelação. As crenças têm dimensões psicológicas (individual e social) e ideológicas (antropológicas e sociológicas) e seu estudo deve se dar em todos estes domínios.

Crença e Revelação

A revelação é uma forma particular de crença que se manifesta como uma convicção ou um conjunto de convicções originadas em experiências subjetivas místicas (ou, de qualquer maneira, ideológicas) tidas como provenientes da comunicação com uma entidade sobrenatural. Em geral, as revelações são resultado de uma crença, ignorância e sugestionabilidade (patológica ou não) combinadas nas mais diversas proporções.

Mas não se pode esquecer a mistif ic aç ão (a mentira deliberada ) ainda que praticad a com as melhores intenções .

Em geral , o conceito de revelaç ão é empreg a do pelos religiosos como verdade revelad a (que foge às exigênc i a s de comprovaç ão , dependendo apena s da fé. Não se trata de conhecimento , mas de crença .

Revelação é uma experiência consciente da recepção de uma mensagem, tida subjetivamente por verdadeira porque teria sido transmitida por uma divindade ou entidade sobrenatural superior, diretamente à pessoa, utilizando algum meio sobrenatural para lhe comunicar alguma coisa.

A revelação pode ser percebida apenas como uma convicção subjetiva supra- sensorial ou pode ser originada em pseudo-percepções tácteis, auditivas, visuais ou outras. Pode ser um fenômeno de credulidade patológica (obsessividade, delírio) ou não patológica. Neste segundo caso, pode ser expressão de sugestionabilidade induzida por meio de uma crença ou de uma ideologia.

Os conteúdos revelados não podem ser considerados científicos, sendo componentes muito comuns das crenças (e dos delírios), embora, eventualmente, possam corresponder à realidade mas sejam impossíveis de comprovação. Mas, em qualquer condição, um conhecimento assim revelado é incompatível com o conhecimento adquirido por meios científicos.

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Cunha, J.A.<$FCunha, J.A., Filosofia, Ed. Atual, S.Paulo, 1992, p. 84.> é um dos autores que empregam a ênfase na revelação como divisor de águas das religiões e dividem as crenças religiosas em reveladas e encantadas. Nas primeiras, sua codificação é sempre atribuída a um ou mais profetas que assumem o status de seus fundadores. As segundas, as crenças religiosas encantadas são atribuídas a um trabalho de desvendamento, uma espécie de descoberta intuitiva do mundo e, embora possam ter iniciadores, findam por ser uma construção coletiva.

5.5. Sistematicidade da Ciência

José Ferrater Mora, Diccionario de Filosofía , Alianza Editorial , Madrid 1979 tomo cuarto, págin a s 3062- 3068.

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Sistema

Una definición muy general de ‘sistema ’ es: «conjunto de elementos relacionados entre sí funcionalmente , de modo que cada elemento del sistema es función de algún otro elemento, no habiendo ningún elemento aislado». El término ‘elemento’ está tomado en un sentido neutral ; puede entenderse por él una entidad, una cosa, un proceso, &c. –en cuyo caso cabe habl ar de «sistema real»–, o puede entenderse por él algún

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concepto, término, enunci ado, &c. –en cuyo caso cabe hablar de «sistema conceptua l» , «sistema lingüístico», etcétera–. En algunos casos, el elemento de que se habla tiene un aspecto «real» y un aspecto «conceptua l» ; ello sucede cuando, como ocurre a menudo, el sistema de que se habla está compuesto de reglas o normas .

Aparte estas consideraciones muy genera les es difícil alcanzar una definición de ‘sistema ’ capaz de satisf acer los numerosos empleos del concepto de sistema , ya sea en acepciones corrientes –como cuando se habla de «sistema político», de «sistema económico», de «sistema educativo», &c.–, ya sea en acepciones más «técnica s» o especi a l izad a s –como cuando se habl a de «sistema ecológico», «sistema biorretroactivo», &c.–. Por otro lado, parece que hay características muy generales de todos los sistema s cuya investi g ac ión compete a los llamados «anál i s is de sistema s» y «teoría genera l de sistemas» de que hablaremos al final del presente artículo.

Trataremos aquí , primero, ciertas ideas genera les sobre la noción de sistema adoptada s por varios filósofos desde la introducción del término ‘sistema ’ –o alguno de sus análogos– en el vocabul ario filosófico; segundo, de varias concepciones filosóficas de la noción de sistema , y en particular de la cuestión del llamado «sistema filosófico» y de las titulada s «orientaciones sistemát ic a s» de la filosofía ; tercero, de alguna s de las ideas de Condillac sobre la noción de sistema , y, finalmente , de la concepción de «sistema» en la lógica y metalógica contemporánea , por un lado, y en la «teoría genera l de sistemas» , por el otro. En este último caso se trata de nociones que se ha convenido en calificar de «sistémica s» (véase Sistémico), a diferenci a de nociones «sistemát ica s» .

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En la signi f icación que los estoicos daban al vocablo griego su2sthm a , éste design ab a primariamente un «orden» (véase) , especi a lmente un «orden del mundo» u «orden cósmico». Se consideró a menudo que no sólo todo lo real está sometido a ley, sino que también el pensa miento debe seguir el orden «sistemát ico». En muchos casos el sistema conceptua l ha sido visto, implícita o explícitamente , como una traducción del sistema real –en la formulación de Spinoza , el «orden de las ideas» ha sido juzgado como equiva lente al «orden de las cosas» .

Tres formas de relación entre sistema real y sistema conceptua l se han puesto de relieve : 1. El sistema conceptua l deriva del real, de modo que el primero es un reflejo del segundo. 2. El sistema real es «producto» de un orden impuesto por el sistema conceptua l . 3. Sistema real y sistema conceptua l son paralelos –siendo isomórficos si a cada determinado «punto» de uno corresponde un determinado «punto» del otro–. La forma de relación (1) es admitida generalmente por autores de orientación realista en epistemologí a . La forma de relación (2) es admitida por autores de tendenci a kantiana . La forma de relación (3) puede ser ontológicamente neutral , pero puede ser asimismo interpretada como derivada del supuesto de que si el conocimiento es posible, lo es sólo en virtud de la correspondenci a necesaria entre sistema real y sistema conceptua l .

El concepto mismo de sistema fue tratado con frecuenci a desde Kant y especi a lmente en el curso del idealismo alemán –por Fichte, Schelling y Hegel , que presentab an sus pensa mientos , inclusive las diversas fases de los mismos, como «sistema s»–. En la «Dialéctica trascendent a l» de la Crítica de la razón pura, Kant retomaba su antigua idea de sistema como un todo del conocimiento ordenado según principios, y definía la arquitectónica (véase) como el arte de construir

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sistema s . Pero como justamente la razón human a es arquitectónica , resulta que puede convertir en sistema lo que era un mero agreg ado de conocimientos. De ahí la definición precisa : «Por sistema entiendo la unidad de las formas diversas del conocimiento bajo una sola idea» (K.r.V., A 852 / B 860), donde la idea es el concepto dado por la razón. Por eso, según Kant, el concepto determina a priori no sólo el alcance del contenido, sino las posiciones recíprocas de las partes , de suerte que podemos consegu ir una unidad organizad a (articulatio) y no un mero agreg ado (coacervado), un orden que crece desde dentro (per intus susceptionem) y no mediante sucesiva s agreg a c iones (per appositionem) . Sin embargo, el sistema de la razón era sólo, en último término, [3063] resultado de una tarea infinita . Con mayor radica l ismo, en cambio, sostiene Hegel la idea –real y conceptua l– del sistema . Puesto que solamente lo total es verdadero, y puesto que lo parcial es no- verdadero o, mejor dicho, momento «falso» de la verdad, esta última será esenci a lmente sistemát ic a , y la realidad y verdad de cada parte solamente tendrán sentido en virtud de su referencia e inserción en el todo. De ahí que, como dice en el prefacio a la Fenomenolog í a del Espíritu, «la verdadera figura dentro de la cual existe la verdad no puede ser sino el sistema científico de esta verdad» . La verdad sería, pues, según esto, solamente la articulación de cada cosa con el todo, y el todo mismo que expresa el sistema de esta articulación. Ya en la llamad a filosofía de la realidad , de Jena (Cfr. Jenenser Realphilosophie, 1803- 1804, ed. J. Hoffmeister, 1932, pág . 264), Hegel insistía en que la organizac ión (de la filosofía) como sistema no es sino la expresión de la idea según la cual la filosofía se contiene enteramente a sí misma y crece desde dentro, como un punto que se convierte en círculo. Desde Hegel puede hablarse , pues, con pleno sentido, de «sistema de filosofía» , no porque estos sistemas no hubiesen existido ya

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antes , sino porque solamente desde Hegel , y como por efectos retroactivos, resalta y adquiere madurez aquel l a «sistemat icidad» de los sistemas . Una buena parte de la producción filosófica puede aparecer entonces como plenamente sistemát ica , y los nombres de Plotino, de Escoto Erigena , de Santo Tomás, de Spinoza , de Wolff, de Suárez, confirman una tendenci a a la cual parece contraponerse la actitud que Nicolai Hartmann llamó aporética , la que caracteriza el modo de pensar de Aristóteles , de San Agustín, de Occam, de Hume, de Nietzsche. Y ello hasta tal punto, que hasta hace poco se consideraba a un pensa miento tanto más filosófico cuanto más sistemát ico era, y se pudo ver la historia de la filosofía como una sucesión de sistema s . Sin embargo, frente a un tipo de pensa miento como, por ejemplo, el de Eduard von Hartmann , se destacó ya un pensa miento como el de Nietzsche (y antes el de Kierkega ard) , en los cuales no solamente se quebró el sistema , sino, lo que más importa para el caso, que se llegó a la plena concienci a de un nuevo modo no sistemát ico, esenci a lmente fragment ario, inclusive aforístico, adoptado por la filosofía . Este modo ha sido considerado por muchos autores como propiamente no filosófico; otros han visto, en cambio, en él el anuncio de un nuevo modo posible de hacer filosofía , la cual dejaría de ser sistemát ica en la medida precisamente en que dejaría de atenerse a los supuestos racionalist a s que, a través de múltiples y dispares formulaciones , han persistido a lo largo de la historia de la filosofía en Occidente. Esta idea ha conducido a una discusión a fondo del problema mismo del sistema . Esta discusión ha seguido dos vías . Por un lado, el anális i s del sistema como sistema formal a que nos referiremos luego con más detalle . Por otro lado, el examen de la cuestión de la relación entre pensa miento filosófico y sistema . Varias posiciones han sido adoptada s en este último problema . Una de ella , la de J. Stikers (véase bibliogra f í a ) ,

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consiste en proclamar la posibilidad de un renacimiento de la filosofía sistemática a base de una depuración y simpli ficación de la terminologí a , cuya variedad histórica sería justamente , según dicho autor, la causante de que el aspecto sistemát ico no hubiese podido triunfar decisiv am ente . Otra de ellas , la de Nicolai Hartmann , que examina la historia de la filosofía en virtud de dos direcciones principa les : la problemátic a y la sistemát ica . La primera abarca los esfuerzos encamin ados a la dilucidac ión, aclaración y profundizac ión de los problemas ; la segunda , la edificación de grandes construcciones unitarias , que son al mismo tiempo profundizac ión de problemas , pero que pretenden principalmente una solución global , casi siempre a partir de principios considerados «verdadera me nte últimos» –que es lo mismo que decir «verdadera me nte primeros»–. Entre las posiciones de Stikers y de N. Hartmann hay la de N. Petruzzellis . Según este autor, un sistema no debe reproducir fotográ f ica mente la realidad entera (con su indefinida extensión y multiplicidad) ; un sistema es solamente «un organismo de conceptos y leyes universa les» . El sistema es «la fórmula filosófica de lo real» (Sistema e problema [1954], pág . 26 [subrayado por nosotros; hay 3ª ed. rev., 2 vols., 1975- 76]). El sistema es un «símbolo indicativo útil para las posibles operaciones menta les posteriores». Por eso no hay oposición de principio entre problema y sistema . El sistema es la estática del pensar ; el problema , la dinámica del pensar.

Es conveniente distinguir entre la actitud y la intención en el desarrollo de la filosofía . Así, mientras la actitud adoptada puede ser problemátic a , la intención puede [3064] ser sistemát ic a , y viceversa . Según N. Hartmann , es frecuente que en autores con intención sistemát ic a aparezcan actitudes problemát ica s . Además , es corriente que dentro de estructuras sistemát ic a s aparezcan numerosas indag a c iones

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«problemát ic a s» , esto es, interesada s por el examen y análi si s de los problemas filosóficos con independenc i a de su articulación en un sistema . Hasta puede subrayarse este último aspecto en la obra de los pensadores del pasado y obtenerse de este modo una imagen de la historia de la filosofía muy distinta de la usual . Por ejemplo, Geulinex puede ser estudiado no tanto como un partidario del ocasional i smo (el cual sería sólo la «cáscara» sistemát ic a de su pensa miento, la solución «forzada» de sus verdaderos problema s) , sino como un autor que ha aportado en su axioma inconcuss ae veritatis –destinado a mostrar la imposibilidad de salvar el hiato abierto por Descartes entre extensión y pensa miento– una aclaración de interés permanente sobre un determinado problema . También Francesco Orestano ha propugnado una visión similar de la historia de la filosofía .

Algunos autores indican que la propensión sistemát ic a no es en sí misma nociva : lo peligroso es, a su entender, adherirse a un sistema cerrado (como el de Hegel) en vez de propugnar un «sistema abierto» que, sin perder ninguna de las ventaj a s de la ordenación sistemát ic a , sea capaz de acoger nuevos problemas y de modificarse continuam ente . A ello se llama a veces «sistema abierto» en oposición al «sistema cerrado».

Durante mucho tiempo la noción de sistema en filosofía –en tanto que «sistema filosófico»– fue mirada con suspicac i a . En los últimos tiempos, y contra todo «antisistem at i smo», se han propuesto de nuevo «sistema s filosóficos». Así ocurre con autores como Hermann Schmitz, el cual ha comenzado a desarrollar un «sistema completo de filosofía» en varios volúmenes (I: Die Gegenwart, 1964; II, 1: Der Leib, 1965; II, 2: Der Leib im Spiegel der Kunst, 1965; III, 1: Der leibliche Raum, 1969; III, 2: Der Gefühlsraum, 1967 –al vol. III han de seguir 3 partes : 3: Der Rechtsraum ; 4: Das

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Göttliche; 5: Die Wahrnehmun g–; el volumen IV ha de versar sobre Die Person, y el V sobre Die Aufhebun g der Gegenwart). Pero este tipo de sistema no parece prosperar. Distinto es el caso de una reacción contra la filosofía «de minucia s» , que ha sido típica de buena parte del giro anal ítico, en favor –inclusive dentro del mismo giro– de una concepción más sintética y ampli a de la filosofía . Si se quiere, puede hablarse entonces de una tendenci a al sistema , pero el tono de éste respecto a los sistemas «clásicos» –especia lmente de los sistema s del idealismo alemán– es muy otro. También difiere de la idea clásica –a despecho de la insistenci a en la síntesis y en la interdiscipl inariedad– el desarrollo de la noción de sistema en la teoría genera l de sistemas de que hablamos al final del presente artículo.

Condillac (Traité des systèmes , 1749 [Introducción]) definió el sistema como «la disposición de las diferentes partes de un arte o una ciencia en un orden en que todas las partes se sostienen mutuam ente y en que las últimas se explican por las primeras» . Las partes que dan razón de otras son los principios, los cuales deben reducirse a un mínimo. Condillac indica que hay en las obras de los filósofos tres clases de principios y que cada una de estas clases da origen a una clase de sistema .

1. Principios en tanto que máxima s generales o abstractas , supuest a m e nte evidentes (tales como «Es imposible que la misma cosa sea y no sea», «La nada no es causa de nada» , &c.);

2. Principios en tanto que suposiciones o hipótesis , ulteriormente comprobables por medio de la experienci a ;

3. Principios extraídos de la consulta a la experienci a y del examen de hechos bien comprobados .

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Según Condillac, solamente los sistema s basados en [3] son fecundos para las ciencia s y para las artes . Los partidarios de la construcción de sistema s basados en [2] olvidan que las suposiciones o hipótesis pueden aument arse y cambi arse a placer, y los que se adhieren a una idea de los principios en el sentido de [1] no tienen en cuenta que las nociones abstractas pueden ser una base para poner en orden los pensa mientos , pero que no sirven para llevar a cabo descubrimientos.

A partir de dicha noción de sistema y de la clasif icación correspondiente de los sistema s , Condillac procede a criticar los sistema s abstractos e hipotéticos del pasado, especi a lmente los construidos por los filósofos racional ista s del siglo XVII (Malebranche , Spinoza y Leibniz sobre todo), aleg ando que o son vacíos o son vagos . Tales sistema s son, pues, vanos, porque no consiguen –si no es de un modo artificia l– ligar unas partes con otras. Sólo la posesión de un número suficiente de observaciones nos permite, según [3065] Condillac, comprender el encaden a m iento de los fenómenos (op. cit., Parte II, Capítulo XIV). Así, aunque todos los sistema s se construyan del mismo modo (op. cit., Parte II, Cap. XVIII) y todos ellos se compong a n de una serie de principios y de una serie de consecuenci a s , los buenos sistema s se distinguen de los malos por construir bien el lengua je de que están hechos, es decir, por ser fieles a la conocida definición de Condillac : «Una ciencia bien tratada es un lengua j e que está bien hecho.» Para entender la noción de «buen sistema» es, pues, neces ario comprender la noción de «lengu a j e bien hecho». Referenci a s a estas nociones se hallarán en los artículos sobre Condillac y lengua j e (Véanse) .

Se admite hoy que un sistema formal es una serie de proposiciones dispuest a s en tal forma, que de algun a s de estas proposiciones , llamad a s

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«axiomas» (o «postulados»), se derivan otras proposiciones con ayuda de ciertas reglas de inferenci a . La especif icac ión de estas reglas es indispens ab le si se quiere que el sistema sea verdaderam ente formal , pues la antigua concepción de que un sistema consiste en una serie de postulados y sus consecuenc i a s lógicas está basada en una idea meramente «intuitiva» de la derivación, idea poco recomendab le , ya que la «intuición» no nos permite eliminar las paradojas . La investi g a c ión de la noción de sistema formal es indispens ab le para la comprens ión de la estructura formal de cualquier cálculo lógico y matem át ico y, en genera l , de toda ciencia formalizada .

Lo que no es un sistema formal es asunto en que están de acuerdo hoy la mayor parte de los lógicos. Lo que es un sistema formal resulta , en cambio, objeto de variada s controversias . Algunos autores (así , S. C. Kleene en su Introduction to Metamathe m a t i cs , 1952, Cap. IV) habl an simplemente de un sistema formal en el sentido de un cálculo. Lo que hemos dicho a propósito de la erección de un cálculo (véase) puede, pues, ser aplicado al sistema formal. Éste constituye entonces un lengua j e- objeto. Otros autores (así , Carnap en su Introduction to Semant ics , 1948, § 4, § 37) consideran el sistema formal como el lengua je- objeto más el metalen gu a j e en que se habla de él. Según Carnap, la teoría de los sistema s es el estudio de sistema s semánticos y sintácticos. Este estudio abarca la pura semántica y la pura sintaxis y, adem á s , el estudio de las relaciones entre sistema s sintácticos y semánt icos (que no pertenece a ninguna de las dos citada s disciplina s ) . Otros términos empleados para el estudio en cuestión son: sistemát ic a ; sistémica (K. R. Symon); gramát ic a [lógica] (Wittgenstein) . Otros autores (así, H. B. Curry en su A Theory of Formal Deducibility, 1950 [Notre Dame Mathem at ica l Series , 6]; otras indicaciones al

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respecto en el libro del mismo autor titulado Outlines of a Formalist System of Metamathe m a t i cs , publicado en 1951, pero escrito en 1939 y con sólo algunos agreg ados de 1942 y 1947) tratan de presentar un cuadro más complejo. Según Curry, un sistema formal es definido mediante una serie de convenciones llamada s su marco primitivo, el cual especif ica :

I. Una serie de objetos de que trata el sistema : los términos;

II. Un conjunto de proposiciones llamad a s proposiciones elementa le s relativas a estos términos;

III. Las proposiciones elementa le s que son considerada s como teoremas .

Dentro de [I] figuran términos primitivos (véase Signos Primitivos) y reglas de formación de los términos; dentro de [II], reglas para formar estos términos primitivos mediante predicados específ icos ; dentro de [III], axiomas o conjuntos de proposiciones declarad a s verdadera s y reglas de derivación que especi f ican el modo como los teoremas elementa le s se derivan de los axiomas .

[I] y [II] constituyen la morfología del sistema ; [III], la teoría. Otras clasif icaciones de los elementos especif icados por el marco primitivo son posibles . Así, la que incluye dentro de dicho marco las ideas primitivas y los postulados .

El estudio de un sistema formal por medios distintos de los del sistema puede ser llamado «metateoría». No puede ser llamado simplemente «meta lóg ica» , porque sólo una parte de ésta (en la sintaxis) se ocupa de los sistema s formales . No puede ser llamado tampoco «metam ate m á t i c a» , porque ésta se refiere sólo al estudio de los sistema s formales matem át icos.

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Siguiendo a Carnap y Church, N. L. Wilson y R. M. Martín distinguen entre un sistema logístico formalizado (cálculo) y un sistema de lengua j e formalizado (o lengua j e interpretado). El primero está determinado por reglas que se refieren sólo a símbolos y a expresiones ; el segundo es un sistema logístico que posee una interpretación determinad a de denotata dados a sus expresiones . El sistema logístico se determina sólo por reglas sintácticas , por cuyo motivo se llama a veces «sistema sintáctico» (calificándose de «meta len gu a j e sintáctico» el lengua je en el cual es formulado). El sistema de lengua j e es llamado a veces «sistema semánt ico» por [3066] estar determinado tanto por reglas sintáctica s como por reglas semántica s (cali ficándose de «meta len gu a j e semántico» el metalen gu a j e en el cual es formulado). Todos los sistema s formalizados , ya sean sintácticos o semánticos, ya sean lengua j e s- objeto o meta- lengua j e s , se componen de una serie de elementos : (1) la especif icac ión de un vocabul ario primitivo; (2) la definición explícita de lo que es una fórmula (y posiblemente un término) del sistema ; (3) una lista finita de fórmulas que sirven de axiomas o sentenci a s primitiva s ; (4) las reglas de inferenci a ; (5) una lista de fórmulas llamada s teoremas ; (6) una lista de enunci ados que permiten introducir abrevi aturas , y (7) una lista de enunci ados que indican explícitamente las propiedades de la denotación. Aunque la anterior lista de elementos no constituye una definición exacta de sistema formalizado, permite entender las características principa les del mismo (Cfr. Wilson y Martin, «What is a Rule of Langua g e ? , Proceeding s of the American Philosophica l Association [1952] , 105-125).

En la actual idad , la idea de sistema ha entrado en el vocabul ario de mucha s disciplina s por medio de la llamada «teoría genera l de sistemas» . Se encuentran elementos de esta teoría en el

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estructuralismo lingüístico del tipo iniciado por Ferdinand de Saussure, en la teoría psicológica de la forma (Gestalt- psychologie) o de la estructura (véase) , en las investi g ac iones biológicas de Paul A. Weiss y otros. La teoría se desarrolló sobre todo a partir de la llamada «biología organísmica» cultivada por Ludwig von Bertalan f f y (véase) , discípulo de Paul A. Weiss, como estudio de sistema s biológicos. Tanto la teoría general de sistema s como las concepciones organísmica s se han opuesto a todo «atomismo» y a todo «reduccionismo» y han prestado atención a la noción de «todo» (véase) y a las ideas de totalidad , estructura de funciones y final idad , especi a lmente bajo la forma de la auto- regulación.

Ludwig von Bertalan f f y fundó la «Sociedad para la Investi g a c ión de Sistema s Generales» , que publica desde el año 1956 un anuario (General Systems : Yearbook of the Society for General Systems , ed. L. von Bertalan f f y y Anatol Rapoport). La metodologí a de la teoría genera l de sistemas ha sido adoptada por varios autores, como I. V. Blauberg , E. G. Judin y Ervin Laszlo (véase) . Este último ha elaborado y propugnado la llamada «filosofía fundada en la teoría general de sistema s» (General Systems Philosophy) , bajo la inspiración de Ludwig von Bertalan f f y .

Se consideró pronto que la cibernética de Norbert Wiener y, en general , la «teoría de la información» proporcionaban un instrumento valioso para el desarrollo de la teoría general de sistema s . Los sistema s son de mucha s clases . Por lo pronto, puede distinguirse , como ha hecho Bertalan f f y entre «sistemas naturales» –‘sistema ’ en sentido «real» u ontológico– y «sistema s cognoscitivos» –"sistema " en sentido metodológico y conceptua l–. Luego cabe distinguir entre múltiples tipos de sistema s , ya que, de hecho, se piensa que todo en la realidad –natural o social– se presenta en forma de sistema : sistema s físicos, sistema s orgánicos,

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ecosistem a s , sistema s sociales , &c. El concepto de sistema constituye de este modo un nuevo «paradi g m a » , destinado a sustituir a otros conceptos, y especi a lmente al concepto de estructuras organizad a s en forma tal que la suma o el compuesto sea anal izable en cierto número de elementos simples , ellos mismos no analizables . Por eso la teoría general de sistema s o, como se la ha llamado también , el «sistemismo» o «perspectiva sistémica» (véase sistémico) se presenta , en la mente de muchos autores, y en particular de Bertalan f f y y Laszlo, como una tendenci a al «globa l ismo» y como una oposición a toda filosofía de tipo «ana l ítico», a todo «mecan icismo» y a todo «reduccionismo».

En la medida en que la teoría de sistema s genera les sigue inspiraciones organísmica s de carácter ontológico, las citadas tendenci a s son fuertes en ella . Sin embargo, hay razones para pensar que en muchos casos se trata de interpretaciones particulares de la teoría de referenci a . Aunque es evidente que en ésta operan con frecuenci a los motivos indicados , no es legítimo reducirla a los mismos. Según hemos visto en el artículo sistémico, la teoría general de sistema s se ocupa de muy diversos tipos de sistema s y lo hace siguiendo modelos que consisten en conexiones de índole funcional , no sólo dentro de cada modelo, sino también entre modelos diversos, o tipos de modelos aplicables a varias formas de sistema s y a varias disciplinas . No es imposible, en vista de ello, abstenerse de adherirse a un punto de vista «globa li sta» , 1° mismo que a un punto de vista «atomista» o «discontinuist a» , para seguir operando dentro del marco conceptua l de la teoría de sistemas . No es imposible tampoco adoptar un punto de vista anal ítico –y en rigor, ello parece ser el caso del llamado «aná l is i s de sistema s»–. Lo importante en la [3067] concepción de «sistema s» propugnad a por la teoría general de sistemas es el reconocer

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que en vez de reducir un número de elementos dado, en principio indefinido, a un número finito de elementos simples , cada elemento del sistema puede estar relacionado diversamente con cada uno de los demás elementos, inclusive en forma recurrente (y recursiva ) . Así, se destaca la noción de interdependenci a (funciona l) de elementos . Dentro de una teoría genera l de sistemas se puede establecer una jerarquía de sistemas , o se pueden considerar todos los sistema s posibles como en principio relacionables entre sí funcionalmente , o inclusive puede tratarse de descubrir un modelo de sistema aplicable a todos los sistemas . En todo caso, las características de una teoría general de sistema s deben ser características de cualquier teoría particular de sistema s particulares .

Se ha discutido el status epistemológ ico de las teorías de sistemas genera les . Algunos las consideran como teorías matem át ica s . Otros estiman que se trata de teorías científica s muy genera les que pueden (o hasta deben) tener forma matem át ic a , pero que no son contrastables . Otros juzgan que no son teorías científica s , sino esquem a s ontológicos no contrastables . Mario Bunge («The GST Challenge to the Classica l Philosophies of Science», Internationa l Journal of General Systems . 4 [1977]. 29- 37 ha propuesto la tesis de que las teorías de sistemas genera les son a la vez científica s y ontológicas , formando un eslabón en el continuo que va de las ciencia s a la ontología . Dichas teorías son científica s en una definición suficientemente ampli a de ‘teoría científica ’ , es decir, una en la que se admita la compat ibi l idad con el grueso del conocimiento científico y su contrastabi l idad indirecta o por medio de hipótesis subsidi arias de varias clases . Desde este punto de vista las teorías de sistemas genera les ocupan un lugar entre teorías científica s hiperespecí f ica s y teorías científica s superhipergenera les . Las teorías científica s

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hipergenera les y las superhipergenera le s son a la vez científica s y filosóficas .

La aplicabi l idad de las nociones derivada s de la teoría genera l de sistemas , y en particular de las técnicas matem át ic a s usadas en dicha teoría, a todas las disciplina s es aceptada , o supuest a , por los autores antes mencionados (Von Bertalan f f y , Laszlo, Rapoport). El éxito alcanzado por modelos sistémicos no sólo en muchos desarrollos tecnológicos, sino también en explicaciones de comportamientos biológicos y económicos, ha confirmado las expectativ a s aludida s . Por otro lado, David Berlinski (On Systems Analysis : An Essay Concerning the Limitations of Some Mathem at ica l Methods in the Social , Political , and Biologica l Sciences , 1976) ha argüido que la teoría de sistemas carece de contenido y que los modelos matem át icos usados en ella no son aplicables a ciertas disciplina s . Cabe observar al respecto dos cosas : (1) Si la «ausenci a de contenido» de la teoría genera l de sistemas indica únicamente que son posibles en ella varias interpretaciones –por ejemplo, «atomista» o «globa li sta» (véase sistémico)–, entonces , tal «ausenci a de contenido» es simplemente la condición de toda estructura formal ; (2) Si los modelos matem át icos sistémicos elaborados hasta la fecha para ciertas porciones de la biología o de las ciencia s sociales son insuficientes , cabe todaví a refinar dichos modelos o proponer otros. Las limitaciones apuntada s por Berlinski pueden ser limitaciones de modelos especí f icos, no de todo modelo sistémico.

Además de las obras citadas en el texto, véase : O. Ritschl, System und systemat i sche Methode, 1906. –Hermann von Keyserling , «Zur Psychologie der Systeme» . Logos, 1 (1910- 1911), 405- 11. –Nicolai Hartmann , «System at i sche Methode», Logos, 3 (1912), 121- 65, reimp. en Kleinere Schriften, III, 1958, págs . 22- 60. –Íd., Íd., «Systembi ldung und

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Idealismus» (en Philosophische Abhandiun gen H. Cohens zum 70sten. Gebursta g , 1912), reimp. en Kleinere Schriften, III, 1958, pág ina s 60- 78. – Íd., id., Der philosophische Gedanke und seine Geschichte , 1936 (traducción esp. : El pensa miento filosófico y su historia, 1944). – Emil Kraus, Der System g e d a nk e bei Kant und Fichte, 1916 [Kant-studien. Ergänzun g she f te , 37]. –J. Stikers, Die Wiedergeburt der systemat i schen Philosophie aus der Vereindeutl ichung der Terminologie und des Abstraktionsproblems . Prolegomenon zu jedem Realismus und Rational ismus , 1927. –Paul Weiss. «The Nature of Systems» , The Monist, 39 (1929), 281- 319, 440- 72. –F. Kröner, Die Anarchie der philosophischen Systeme, 1929. –Hugo Dingler, Das System. Das philosophische- rationale Grundproblem und die exakte Methode der Philosophie , 1930. – Étienne Souriau , L’Instauration philosophique , 1939. – J. Pucelle. «Note sur l’idée de système» , Les Études Philosophiques . N. S., 3 (1948), 254- 67. –Nelson Goodman , «Some Reflections on the Teory of Systems» , Philosophy and Phenomenologica l Research, 9 (1948- 1949), 620- 25. –N. Petruzzellis , op. cit. supra . – Skolem, [3068] Hassenj ae g er , Kresel, Robinson, Hao Wang, Henkin, Loss, Mathem at ica l Interpretation of Formal Systems : A Symposium, 1955. – Martial Guéroult, «Logique , architectonique et structures constitutives des systèmes philosophiques» , en Encyclopédie franca i se , XIX. Philosophie- Relig ion, 1957, págs . 19.24- 15 a 19.26- 4. –H. Blumenbergerg , H. Jonas et al. , «System» , cuaderno 2, Año 10 (1957) de Studium genera le . –Everett W. Hall, Philosophica l Systems : A Categorial Analysis , 1960. – Francesco Barone, Interpretazione e interpretabi l it à dei sistemi formali , 1962. – Nathan Rotenstreich, Experience and Its System at izat ion: Studies in Kant, 1965.

Para teoría genera l de sistema s , véase bibliogra f í a de Bertalan f f y , Ludwig von; Laszlo, Ervin. También :

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John Sutherland , A General Systems Philosophy for the Social and Behavioral Science, 1973. – Manuel García- Pelayo, «La teoría genera l de sistema s» , Revista de Occidente, Tercera época , 2 (1976), 52-59.

Hay una «Internationa l Library of Systems Theory and Philosophy» dirigida por Ervin Laszlo, con obras por E. Laszlo, L. von Bertalan f f y , Howard H. Pattee et al. Hay asimismo un Internationa l Journal of General Systems , ed. George J. Klir.

Sistema s (Teoría general de). Véase Bertalan f f y , Ludwig von; Laszlo, Ervin; Sistema ; Sistémico.

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Proyecto filosofía en español

Depois da especificidade e da comprobabilidade, a sistematicidade é a terceira exigência para caracterizar a cientoficidade. A exigência de sistematicidade que existe para determinar o grau de cientificidade, se concretiza na avaliação da atividade ou do conhecimento a ser investigado do ponto de vista da lógica e de sua ordenação como um sistema de idéias ou de procedimentos. Todo conjunto de idéias científicas, seja um conceito, uma proposição ou uma teoria deve ser configurado como um sistema.

Um sistema, já se viu em momento anterior deste trabalho, não é qualquer conjunto mais ou menos organizado de coisas, um sistema é a organização de um conjunto mais ou menos complexo de elementos que mantêm conexões interativas entre si e se integram em uma unidade hierarquizada. (Ver a página XX). Para ser um sistema não basta ser uma pluralidade mais ou menos organizada.

Com qualquer objeto e qualquer que for sua metodologia, uma ciência deve sempre ser entendida como um sistema

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de informações pertinentes ao seu objeto e decorrentes de sua metodologia. Encarada como um conjunto de procedimentos para conhecer (a ciência-processo cognitivo), ela é um sistema metodológico e técnico; encarado como um conjunto de conhecimentos (a ciência-resultado), ela é um sistema teórico composto de conceitos, categorias e leis referentes a seu objeto, suficientemente consistente, coerente, lógico e teoricamente harmônico. Neste segundo aspecto reside o que há de essencial na exigência conceitual de sistematicidade para caracterizar o conhecimento científico ou uma atividade cognitiva científica.

A sistematicidade é uma qualidade inerente à ciência e deve ser avaliada tanto nos instrumentos teóricos e práticos para obtenção do conhecimento científico, como nas estruturas de conhecimento resultantes da aplicação destes procedimentos.

Não existe ciência cujos conhecimentos não estejam estruturados como um sistema teórico ou um sistema cognitivo que se inicie da precisão e exatidão de seus termos, prossiga na verossimilhança de suas proposições e se complete na harmonia de suas teorias.

Por tudo isto, o estudo da sistematicidade científica deve se dar obrigatoriamente nos três planos em que se distribui a estrutura cientíca:

o plano dos conceitos,

o plano das proposições e

o plano das teorias.

Estrutura do Conhecimento

Para que se reconheça uma ciência, não bastam objeto definido e procedimentos metodológicos teórico-práticos aceitáveis, é indispensável que a atividade ou corpo teórico já reúna um mínimo consistente de informações estruturadas, articuladas logicamente entre sí e com os

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conhecimentos que já se tenha adquirido sobre seu objeto e sobre a realidade limítrofe. Já se viu que o produto da atividade científica se estrutura como um conjunto de conceitos, categorias, leis e princípios que se referem ao objeto daquela ciência e o explicam. Pois estes conceitos, categorias, leis e princípios científicos não se acumulam aleatoriamente, como se dá com um amontoado mais ou menos casual de dados; em função da exigência de sistematicidade científica, cada ciência necessita se constituir como um corpo teórico (uma organização estruturada de conceitos, categorias, juízos, leis e princípios) organizado como um sistema lógico.

O primeiro plano e mais elementar da estrutura do conhecimento é o plano dos conceitos.

Não é possível ter uma idéia razoável do que é a ciência, para poder pensar razoavelmente sobre ela, a não ser que se tenha noção de sua estrutura, o que inclui conhecer seus diversos níveis de complexidade e os processos de que são feitos. Pensar diferente, equivale a querer que um engenheiro projete um edifício, sem ter qualquer idéia do materia que será usado.

Este é um dos elementos que diferenciam os cientistas dos aplicadores de ciência, digamos assim: tecnólogos da ciênciaaplicadores mais ou menos cegos e acríticos dos projetos alheios.

O conceito , já se viu, é a idéia, expressa verbalmente ou outra estrutura simbólica, que traduz as relações entre um objeto ou fenômeno e seus atributos, destacando que atributos que lhe são mais essenciais e mais gerais. Os conceitos podem ser descritivos e explicativos e os primeiro detêm um nível menos aperfeiçoado de conhecimento.

Os conceitos, repita- se, são os elementos mais simples na estrutura do conhecimento, inclusive do conhecimento científico; e os conceitos mais importantes para cada área de investigação científica, os conceitos-mestre de uma ciência se chamam categorias. As categorias não se

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diferenciam dos conceitos comuns pela sua estrutura ou complexidade, mas pela importância teórica de seu conteúdo.

As categorias são conceitos que expressam as propriedades e as leis mais amplas e mais essenciais do nível de organização da natureza, da sociedade e do pensamento a que se refiram.

O segundo plano de complexidade da estrutura do conhecimento e preenchido pelos juízos que articulam dois conceitos e seu conteúdo é o resultado desta relação interconceitual.

Juízo é a conexão asseverativa que se faz entre dois conceitos, na qual se atribui ou se nega um dos deles ao outro.

Os juízos científicos são denominados proposições e é com elas que se afirma ou nega qualquer coisa aos objetos das ciências e aos fenômenos que acontecem a eles.

Proposição é o conteúdo lógico de um juízo formulado em termos exatos (istoé, uma proposição científica é um juízo científico).

As proposições científicas exteriorizam a maneira pela qual se expressam os juízos construídos obedecendo às exigências do conheciment9o científico. Ã semelhança do que acontece com os conceitos e as categorias (vulgares e científicos), as proposições que oferecem generalizações regulares e necessarias sobre todo o objeto de estudo são chamadas leis e os de maior amplitudem, princípios.

Lei científica é a proposição que revela uma conexão interna essencial, regular e estável dos fenômenos de um segmento da natureza, da sociedade. ou do pensamento que é o objeto daquela atividade científica.

Quando uma lei científica é de tal modo abrangente que interessa a todos os fenômenos de uma ciência ou de um conjunto de ciências, é denominada princípio científico.

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Princípio científico é uma lei científica tão geral que alcança e influi em todas as manifestações e relações do objeto de uma disciplina científica ou de um grupo de ciências.

Na hierarquia de complexidade das estruturas científicas, seguem- se as arquiteturas construídas com o raciocínio, os sistemas lógicos.

Sistema lógico (sistema doutrinário, teoria ou sistema teórico) é uma estrutura unitária de conceitos, categorias , leis e princípios que formam uma unidade sistêmica coerente, do ponto de vista interno e externo; referem- se ao objeto de uma ciência ou a uma parte definida dele.

Os sistemas lógicos incompletos, nos quais nem todos os componentes estejam comprovados, mas possam ser razoavelmente inferidos podem ser denominados teorias ou sistemas teóricos.

A exigência de sistematicidade científica impõe que os conceitos da ciência estejam suficientemente estruturados aptos a construir proposições; que disponha de um corpo de leis que lhe permita construções teóricas.

A existência de um corpo de conhecimentos sobre seu objeto suficientemente amplo e coerente para que possa ser denominado um sistema lógico ou um sistema teórico é essencial à exigência de sistematicidade para tipificar a atividade científica no plano das teorias.O que vai se delinear na estrutura da linguagem daquela ciência: sua terminologia, sua sintaxe e a consistência de seus enunciados particulares e sistemas teóricos. De certa forma, uma ciência é a sua linguagem, especialmente a estrutura do seu vocabulário.

Nomenclatura Científica

O conhecimento científico é um estrutura de informaçòes inteiramente conceitual e isto torna sua linguagem tão importante que a ciência se confunde coma sua linguagem. Como já foi mencionado quando se trataou da

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estrutura do conhecimento, a nomenclatura científica é o primeiro momento da edificação da ciência. É bastante sabido que os conceitos científicos se diferenciam dos não científicos, exatamente por serem expressos por palavras dotadas de significado único, exato, bem definido e universalmente entendido. Por definição e por necessidade da própria ciência, os termos de uma ciência devem ser isentos de qualquer ambigüidade, isto é, terem um único e exato significado para todos os que os utilizam.

Nunca deve ser demais repetir que, em ciência, cada coisa só deve ter um nome e cada nome deve se referir a apenas uma coisa.

Sem que se conheça sua terminologia específica, ninguém pode pretender conhecer uma ciência. Porque, de alguma maneira, uma ciência factual é um sistema de conhecimentos sempre expressos por conceitos, categorias, leis e princípios que dizem respeito ao seu objeto.

De outro ângulo, uma ciência factual é uma atividade de investigação que também é equacionada como uma estrutura verbalizada. E, em ambos, seguindo antigo ensinamento, cada coisa deve ter apenas um nome e cada nome deve designar apenas uma única coisa.

Enquanto as palavras da linguagem comum são construídas ao mais ou menos espontaneamente ao sabor das necessidades sociais, o vocabulário de uma ciência pode constituir- se de neologismos (palavras criadas especialmente para designar idéias e noções novas) ou de vocábulos tomados à lingua comum com sentidos determinados, <$FBecker, I., A Nomenclatura Biomédica no Idioma Português do Brasil, Ed. Livraria Nobel/EDUSP, S.Paulo, 1968.> mas de modo controlado e intencional.

A palavra que expressa um conceito científico chama- se termo e deve ter significação exata e se referir a um fenômeno ou objeto definido ou, pelo menos, bem caracterizado.

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A necessidade de diferença, sobretudo em termos de exatidão entre os conceitos vulgares e os conceitos científicos são um dos elementos mais importantes para diferenciar estes dois tipos de conhecimento.

O idioma de cada ciência em particular se apresenta como um vocabulário constante de seus conceitos e categorias que se denomina nomenclatura ou terminologia.

Linguagem e Estilo da Ciência

Como acontece em toda cultura, inclusive na cultura científica, porque cada ciência pode ser considerada um sub-cultura específica da cultura mais ampla na qual está inserida, a linguagem de uma ciência é um de mais valiosos bens de seu patrimônio porque sem sua linguagem, ela simplesmente não existiria. Uma ciência é sua linguagem, afirmava Condilac, e até hoje isto pode ser considerado como verdadeiro.

Como todo conhecimento científico é uma estrutura conceitual, ele se confunde com sua linguagem, com a linguagem que foi usada para expressá- lo.

Por outro lado, os conceitos que se referem a coisas subjetivas ou abstrtadas não devem ser considerados como se refrindo a objetos irreais. A realidade se compõe de coiisas concretas e abstratas. E as coisas abstratatas podem ser reais (verdade, mentira) ou irreiais (como Saci, Papai Noel)

As culturas que preservam seu patrimônio cultural estão, na verdade, exercendo seu direito à auto-defesa de sua existência. E sua linguagem é, por certo, o valor mais caro deste patrimônio. O que, deve ficar claro, não significa xenofobia que é a aversão a tudo que é estrangeiro, ou outras manifestações supercompensadas de sentimento de inferioridade cultural. Não, simplesmente se trata de cultivar auto- estima, de dar valor à sua cultura; de uma coletividade se afirmar como ente cultural e de falar uma língua, senão culta, inteligível. De não assumir uma atitude embasbacada ante o colonizador. Só.

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Algumas ciências, como a matemática, a lógica e a física, têm sua própria linguagem, com seus próprios símbolos específicos para representar seus conceitos mais importantes e, inclusive, dispõem de uma sintaxe particular.

Outras ciências, como é o caso das ciências factuais, empregam os mesmos símbolos e mesma sintaxe do senso comum; mas, não são senso-comum, são ciências e empregam a linguagem vulgar segundo as regras da ciência (ainda que não esqueçam o dicionário e a gramática da linguagem vulgar); usam as palavras da linguagem comum empregando- as como termos (com seu sentido especial, preciso e isento de ambigüidade). Quando se produz uma comunicação científica, deve-se prestar muita atenção e saber que os termos científicos, ainda que usem as mesmas palavras da linguagem comum, não são as palavras vulgares.

E quando isto não é entendido, acontece cada desastre... o que só não é pior porque o autor, em geral, não se dá conta do erro em que está incorrendo.

No entanto, este fenômeno não é apenas uma conseqüência do despreparo individual, tem suas raízes em processos sociais, pricipalmente sócio-econômicos e sócio-culturais. Por conta da dependência econômica, política e cultural e, principalmente, neste momento de decadência cultural em que vivemos em nossa pátria, cultiva- se o hábito de transpor a forma de uma linguagem estrangeira para dizer coisas em português. Inclusive por causa do anti- intectualismo de nossa cultura, afogada por considerações pragmáticas e imediatistas, asfixiada pelo sub-desenvolvimento econômico, social e educacional. Porque as universidades brasileiras estão repletas de docentes que não são capazes de ensinar o espírito científico, porque isto só se dá pelo exemplo e eles não têm como fazê- lo.

Por causa disto, infelizmente, os erros mais ou menos clamorosos de avaliação científica e a exibição mais ou menos empafiada de alienação cultural não são cometidas

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apenas por pessoas de baixa escolaridade (que possam justificar sua ignorância pela falta de oportunidades educacionais), são lugares-comum nos ambientes acadêmicos, quanto mais no restante da fração mais culta da sociedade, mas que não tem obrigação de saber de ciência e de cientificidade.

A falta de cultura consolidada e arraigada na população é o fator antropológico mais importante nesta situação de deterioração intectual e alienação cultural, porque os povos produzem seus cientistas (como seus médicos e políticos) na medida de suas expectativas e de suas possibilidades.

Uma das maneiras de se proceder à auto- defesa cultural, é o apego crítico às suas tradições, a seus costumes e a seus valores culturais. O que inclui, necessariamente, o cultivo do vernáculo e o brio nacional que deve ser estendido ao idioma da pátria.

Como uma artefato cultural que é, a linguagem da ciência padece as mesmas influências deterioradoras que se dão nas linguagens dos povos dominados ante a linguagem do povo hegemônico, transformado em modelo cultural pela cultura periférica. Nesta situação, são muito comuns os barbarismos e outras expressões indicativas de alienação e dominação cultural. Barbarismos não são aquelas expressões que não têm correspondência no idioma nacional, mas aqueles que dispõem de palavras com suficiente capacidade expressiva para abrigar o significado que se pretende, mas por subserviência cultural ou tecnicismo, sucumbe- se ante a forma da palavra estrangeira. Triste situação esta que vivemos, de uma cultura inteira se ver apodrecer antes de ter amadurecido, antes de ter atingido algum fastígio.

Realmente, como se disse acima, os barbarismos e solecismos são bastante típicos, ainda que não exclusivos, da comunicação de estrangeiros que falam uma língua que conhecem mal; mas acometem, também, aqueles que estudam ou falam em uma língua estrangeira, sem que tenham desfrutado da oportunidade de conhecer bem a

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própria, findando por produzir uma salada na qual se mesclam as dificuldades provindas das duas ignorâncias da linguagem (os analfabetos ou semi-alfabetizados bilingües) e do pequeno conhecimento do tema que traduzem.

Fruto deste tipo de tradução selvagem, muita literatura médica emprega palavras portuguesas (ou quase) enquadradas na sintaxe inglesa (ou quase) ou que sejam as mais assemelhadas na forrma das palavras que às idéias traduzidas. É comum assistir professores, publicamente e com muito orgulho, revelarem duplamente seu duplo despreparo na fala e na escrita; tanto no seu idioma nacional, quanto no idioma da casa-matriz onde aperfeiçoaram sua despreparação, se desnacionalizaram e onde se consagraram à alienação cultural.

Há quem pretenda ser preparado na cultura estrangeira com a qual tomou contacto depois de adulto e formado, apesar de seu despreparo na cultura autóctone; mas, não parece ser possível que uma pessoa seja culta em língua estrangeira e inculta no vernáculo; que perca o senso crítico quando muda de idioma. Uma pessoa preparada e culta o é em todos os meios pelos quais se possa comunicar, mas sobretudo, em sua língua natal. Mas, o que se pode dizer de quem não sabe bem o significado de mais que duzentas palavras e não conhece nem a gramática comum de seu idioma vernáculo e fica fascinado por um idioma estrangeiro?

A este propósito, vale a pena reproduzir um texto de IDEL BECCKER. Não se trata de voltar à alinguagem de Fernão Lopes ou de João de Barros, de “trebelhar de sobremão”, em lugar de ‘brincar com todo o interesse’. Nem de rejeitar, sistematicamente, todo vocábulo forâneo. O idioma representa cultura; assim, pois, os empréstimos de outras línguas são, muitas vezes, oportunos, necessários e, mesmo, indispensáveis. Disse meu mestre Giusti, de Buenos Aires: ‘Este enriquecimento é legítimo e não cessa nunca, mas não autoriza incorporar sem discernimento todo vocábulo estrangeiro usado por maus tradutores e escritores negligentes, desnaturando nosso idioma e

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empobrecendo- o quando pensam que o enriquecem.’ Por tais motivos, e sem que isto implique em uma volta a Camões, é tolo, e sem mérito algum, dizer mal ou estrangeiradamente que se pode expressar em forma correta e tradicional. Ou deturpar o sentido exato de vocábulos castiços, no altar de uma distraída servidão a palavras estranhas. Ou, o que é pior ainda, valer- se de barbarismos e incorrer em solecismos, pois que afetam a essência do idioma.

O casticismo não é pedanteria, nem mesmo purismo afetado. Não é uma fanatismo retrógrado, xenófobo, arcaizante. O casticismo é pureza, limpeza, luminosidade, bom- senso. É, sobretudo, dignidade, decoro, coerência. E senso prático utilitário ... uma procura honesta e sensata da verdade ... da verdade idiomática .

Que se confunde com a verdade científica, poder- se-ia acrescentar. Porque há cientistas tão servís a um idioma estrangeiro que apenas parecem falar português, embora não consigam falar bem a língua da matriz. Como, por exemplo, empregar adição, adicção em lugar de fármaco-dependência, psiquiatria e lei, por psiquiatria legal ou forense e muitos outros barbarismos ou solecismos dos quais se abusa por ignorância e, diga-se de passagem, com muito orgulho e grande empáfia.

Pedantismo verbal é o emprego de palavras altissonantes ou difíceis para substituir termos comuns. Posicionar por tomar posição, discurso em lugar de linguagem, leitura por entendimento, como um todo por todo, monitoração por acompanhamento, vigilância são exemplos muito comuns, A nível de é um exemplo tão comum que já virou piada.

Barbarismo é o vício de linguagem, que consiste em cometer erros na pronúncia, na grafia, na forma ou na significação das palavras de um idioma; como acontece a quem sofre a influência da forma e da aparência de formas verbais estrangeiras. Falar as palavras de uma língua com acento estrangeiro e empregar palavras com o significado que têm em uma língua estrangeira, talvez sejam os

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exemplos mais comuns de barbarismo quepopde se dar de modo voluntário ou involuntário.

Solecismos são êrros sintáticos de concordância, de regência, de articulação da estrutura verbal ou de colocação das frases, geralmente reproduzindo a estrutura verbal de um idioma estrangeiro em lugar da língua que está sendo falada.

Dificuldades Terminológicas nas Ciências Médicas

É possível afirmar que três tipos de dificuldades terminológicas e conceituais podem ser consideradas como mais importantes nas ciências sociais sociais e psicológicas. Estas são:

a influência do senso-comum,

a influência das ciências naturais e

a influência da propaganda mercantil natural na prática profissional.

Influência do Senso-ComumA influência negativa do senso-comum é característica de todas as ciências que não dispõem de um conjunto de símbolos específicos e adequados para suas necessidades cognitivas e, por isto, infesta também a Medicina toda. Este fenômeno se manifesta como: resistências do senso comum à linguagem científica e confusões que o autor faz com os símbolos e as regras da linguagem vulgar. Resistências do senso-comum. As ciências sociais e psicológicas tratam de fenômenos humanos muito conhecidos e experimentados por todas as pessoas no âmbito do conhecimento vulgar que diz respeito a todas ou quase todas as pessoas. Ao contrário do que acontece nos outros ramos da atividade científica, numerosos os termos das ciências sociais e psicológicas têm correspondência com palavras da linguagem do quotidiano e expressam conceitos empregados sem qualquer rigor na vida comum. Daí porque, existe muita facilidade de se confundirem estes dois recursos lingüísticos (o do senso comum e o do conhecimento científico) e uma certa tendência a considerar como pedante e inadequado o necessário rigor verbal, próprio das ciências.É espantoso como é cada vez mais dificil mostrar este fenômono, cada vez mais freqüente mesmo no ambiente universitário. É como

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se certas pessoas se dispusessem a uma cruzada contra a terminologia científica, por ser elitista ou elitizante. OIsto, além da ignorância pura e simples.

@DEF = A imprecisão e a plasticidade dos conceitos, característica da linguagem comum, é incompatível com a linguagem das ciências, mas é muito comum nas ciências sociais, o que constitui sério agravo de sua cientificidade (talvez maior que a imaturidade metodológica e técnica), como se há de ver adiante, quando se tratar das exigências das exigências para caracterização da cientificidade.

A confusão com o senso comum é uma das maneiras pelas quais o senso comum exerce infuência negativa no conhecimento científico. Tendência a se deixar de valorizar o rigor que deve estar implícito nos conceitos científicos e considerá- los como se fossem elementos da linguagem vulgar e seus dinamismos próprios (sobretudo de evolução sintática e, o que é bem pior, semântica).Exemplos muito interessantes do entendimento vulgar de conceitos cientificos pode ser encontrado nas expressões luta de classe, negação da negação e muitas outras que são decodificadas ao pé da letra, com o sentido que têm na linguagem vulgar, com sério prejuízo para seu entendimento. Na psicologia e na psiquiatria, as expressões freudianas referentes à sexualidade infantil e ao desenvolvimento libidinal, quando decodificadas à luz das significaçòes da linguagem comum, se tornam incompreensíveis ou têm seu sentido perturbado.É relativamente comum assistir, em conferências de professores renomados de escolas famosas de Medicina, empregarem o sentido das palavras e sua dinâmica no senso comum como se tratasse de procedimento científico (principalmente invocando as regras da semântica vulgar para justificar certos eqüívocos), desconhecendo que, com isto, incorre em duplo erro. Mas há quem invoque para isto, o direito de igualdade política dos cidadãos e as liberdades democráticas.@MINOR HEADING = Hegemonia das Ciências NaturaisA segunda dificuldades terminológica que assola a a Medicina (e, nela, principalmente, a psicologia médica, a psicopatologia e a psiquiatria) diz respeito com a tendência a promover a identificação destes campos do conhecimento científico com as ciências naturais e, por isto, com isto, incorporar a todo custo os procedimentos metodológicos hipotéticos dedutivos que são próprios das ciências da natureza, memso quando a natureza clínica do problema cognitivo indica a metodologia de observação. A influência das ciências naturais e a negação das ciências sociais na Medicina e, principalmente, na psiquiatria já foram mencionadas anteriormente e deverão voltar a ser, ainda neste trabalho, por causa de sua importância prática no desenvolvimento das ciências psicológicas.

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Neste caso, isto se manifesta na adesão dos médicos ao modelo de investigação das ciências naturais tidos por eles como os melhores, senão os únicos procedimentos científicos confiáveis. As ciências naturais, pela própria natureza de seu objeto, superaram as limitações do método descritivo- indutivo e oferecem possibilidades experimentais e dedutivas que, por sua maior verossimilhança, tornaram- nas modelos da atividade científica e ocasionaram a ideologia de que seriam ciências modernas, por oposição aos estudos clínicos descritivos que seriam antiquados e, até, suspeitos ou afirmados como anti- científicos. Por isto, por vezes alguns pesquisadores chegam a forçar a inclusão de recursos e procedimentos de quantificação em seus protocolos de trabalho para emprestarem aos seus projetos esta impressão de atividade científica natural e biológica, mesmo quando se trata de procedimentos clínicos de quantificação impossível.A preferência pelo modelo biológico também pode decorrer (e acontece muito) da necessidade de ampliar as possibilidades financeiras de financiamento, principalmente por parte da indústria produtora de medicamentos e dos produtores e comerciantes de outros insumos tecnológicos como aparelhos e instrumentos. Todas estas organizações costumam financiar cientistas que se dispõem a ajudá- las. Mas isto, já se situa no terreno do terceiro grupo de influências, o das possbilidades mercantís, que será visto logo adiante.

Influência das Possibilidades Mercantís da MedicinaPor mais distante que isto possa parecer da realidade ao observador desavisado, a terceira fonte de perturbação conceitual da terminologia médica, é a natureza mercantil inerente à prática médica, que pode ser considerada em dois planos: a influência mercantil direta e a influência meercantil indireta.A primeira, é a natureza mercantil direta da ocupação médica, na qual se aplicam os conceitos científicos, principalmente os diagnósticos. A excessiva preocupação com a confiabilidade do diagnóstico (principalmente sua estabilidade ou coincidência de diagnósticos feitos por observadores diferentes), com óbvio sacrifício da validade nas listas nosográficas, mal esconde a necessidade de evitar problemas com as agências financiadoras de tratamento nos lugares em que o seguro saúde é fonte importante (a mais importante) de financiamento da atividade médica. Aqui, deve- se destacar a necessidade que sentem os médicos de propagandearem sua própria mercadoria, ou seja, os serviços que eles vendem, através da propaganda escondida na mensagem que é a comunicação científica. Afinal, se alguém dispõe de meios para convencer a clientela de que dispõe da melhor e mais científica mercadoria, muito provavelmente há de ter mais lucro vendendo- a. Adjetivos como profundo(a), dinâmico(a), psicogênico(a), endógeno(a), muito freqüentemente são recursos propagandísticos

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de uma teoria, uma mercadoria ou ambos. Por isto, devem se evitados na linguagem científica.No outro extremo, se situa a natureza mercantil indireta da ocupação médica e a importância dos médicos no mercado produtos relacionados a sua atividade. Uma quantidade astronômica de mercadorias (medicamentos e equipamento) é comerciada anualmente na dependência da opinião que os médicos tenham sobre aqueles produtos. Só a grandez do valor em jogo, já justifica investimento proporcional para fazer ou influir sobre suas opiniões e fazê- los crer que tal produto é melhor em tal ocorrência mórbida.A sexta fonte de confusão terminológica, é a ideologia impressa em todas as ciências psicossociais ou com influência psicossocial. Muita dificuldade de sistematização e muito comprometimento de cientificidade tem origem ideológica. Como acontece na campanha anti- científica ou no naturalismo das ciências psisossociais.A última, (nesta argumentação, mas muito mais importante na realidade) é a ignorância pura e simples sobre a ciência e suas exigências, coisa que se dá até nos meios acadêmicos mais respeitáveis.

@MINOR HEADING = SISTEMATICIDADE CONCEITUAL@INICIALGR = Como os conceitos comuns, os conceitos científicos resultam em um amálgama da coisa, da palavra e da idéia.Não pode existir conceito que não seja uma síntese integrada destas três instâncias suas, (a idéia, a coisa e a palavra) ou suas dimensões conceituais, porque sem elas não existem conceitos nem as categorias. Em alguns casos, como nos conceitos referentes a abstrações,as dimensões conceituais são podem se confundir, pois, ento objeto e a idéia podem se superpor a ponto de se confundirem.

@DEF = Já se viu, quando do estudo dos conceitos na elaboração do conhecimento que nos conceitos científicos, não se admite polissemia (troca ou atualização do significado de uma palavra), semântica (incorporação de novos significados pela palavra, na medida em que se amplia o conhecimento sobre aquilo que ela simboliza); semântica sincrônica(incorporaço de novos sentidos às palavras); nem deve haver, havendo o necessário rigor, qualquer mudança no significado de um termo científico (a semântica diacrônica), embora esta última norma não seja sempre seguida face à dinâmica do conhecimento científico. <R>Na terminologia científica, neste caso, deve- se eleger ou construir um novo termo para a nova significação. Em nomenclatura científica, deve- se

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construir um termo novo para cada novo significado que se imponha pela necessidade, sempre que a mera lapidação e polimento da significação comum (o sentido) for insuficiente para as exigências da ciência.

Nenhum grau de abstração seria possível sem palavras. É impossível abstrair sem palavras; e, sem palavras ou outros recursos simbólicos, mesmo a generalização sobre o concreto, resultaria demasiado pobre e insuficiente para fundamentar até mesmo o conhecimento comum, quanto mais o conhecimento científico. Pensamento e linguagem são instâncias necessária para o conhecimento e só existem em interação, sendo impossível separá- las na unidade conceitual. Todo conhecimento, especialmente o conhecimento científico, quer se refira ao concreto ou ao abstrato é, sempre, uma construção verbal, uma estrutura lógica verbalizada.O caráter essencialmente verbal é típico de todas as modalidades do conhecimento, inclusive para o conhecimento científico, porque a ciência, como todos os conhecimentos, se formula em uma linguagem e uma linguagem que necessita ser muito exigente por causa de sua própria natureza.De certa forma, falando- se de forma figurada, uma ciência é a sua linguagem, especialmente seu vocabulário e, às vezes, sua sintaxe. No entanto, esta afirmativa não pode ser confundida com a crença do nominalismo (adotado pelos neo-positivistas modernos) que reduz as coisas à linguagem e a linguagem ou, mais especificamente as palavras, a seu significado convencional, quando elas devem ser entendidas como símbolos de coisas reais, sejam fatos objetivos ou subjetivos.CONDILAC (1715- 1780), (um dos primeiros filósofos da Medicina moderna) dizia que a ciência não é mais que uma linguagem bem feita. E isto podia muito bem parecer verdadeiro àquela época; e, ainda hoje pode ser considerado como um ângulo da verdade. Embora não se possa afirmar que a ciência seja apenas um sistema verbal ou uma linguagem, porque, atualmente, exige- se que tenha objeto bem definido e objetivamente cognoscível, além de um acervo metodológico suficiente para suas necessidades.Da mesma maneira, é perfeitamente possível afirmar que toda ciência existe como um sistema estruturado de conhecimentos referentes ao seu objeto, se expressa por uma linguagem específica que reúne os seus termos e, freqüentemente, necessita de uma sintaxe que lhe seja própria para que possa cumprir a tarefa de obter conhecimento válido e confiável sobre seu objeto.@DEF = Em resumo, pode- se afirmar que nenhum campo do conhecimento ou atividade cognitiva pode pretender a condição de ciência sem dispor, preliminarmente, de um corpo de conceitos, categorias e leis que formem uma massa crítica de conhecimentos, organizada como um corpo de teorias científicas acerca de seu objeto, para fundamentar esta pretensão e permitir seu

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desdobramento pela incorporação de novos dados. Assim como não pode haver ciência sem metodologia específica, também não pode existir ciência sem um mínimo de teoria que a fundamente.@DEF = Além do objeto específico e de um conjunto de métodos e técnicas adequados àquele objeto, um campo qualquer do conhecimento científico requer um acervo de fatos estabelecidos e um sistema estruturado de conceitos. Tais conceitos, sempre expressos por símbolos verbais, se constituem no vocabulário específico daquela ciência.@DEF = Além disto, importa que os conceitos, categorias, juízos e princípios que constituem os conhecimentos fundamentais de uma atividade científica estejam hierarquizados em um sistema teórico. Em qualquer ciência, é necessário que haja uma relação lógica de interdependência entre seus conceitos fundamentais. É imprescindível também que sua estruturação conceitual seja harmônica, quer se refira a seus sistemas particulares, quer se refira aos mais gerais (em KOPNIN, pg. 93). Desde este enfoque de sistematicidade, depreende- se, naturalmente, que em uma ciência não pode haver contradições entre seus conceitos de qualquer nível; nem seus sistemas conceituais mais particulares podem desmentir os mais gerais.@DEF = Também se teve ocasião de saber que a conceituação é um momento decisivo na construção do conhecimento acerca de qualquer coisa; porque é a etapa cognitiva da nominação, quando se atribui nome àquele objeto que está sendo conhecido.A nominação permite que os dados obtidos desde a individuação e sejam objeto de comunicação, pois, sabe-se que mesmo quando se lida com coisas relativamente simples, a comunicação sobre elas torna- se difícil ou impossível sem que o objeto ou do fenômeno referido na comunicação tenha sido nominado.@MINOR HEADING = Dificuldades Terminológicas <R>nas Ciências Médicas@INICIALGR = Além de incorporar as dificuladades que foram mencionada acima para as ciências do campo psi, as ciências médicas apresentam algumas dificuldades terminológicas que lhes são específicas, frutos de sua própria condição e que estão relacionadas com sua identidade múltipla e com a multiplicidade de seus elementos ontológicos e com dificuldades específicas.

@DEF = Um problema sério de cientificidade, por defeito de sistematicidade conceitual em Medicina e, especialmente na psiquiatria, é a existência de casos muito numerosos de semântica sincrônica (coxistência de diferentes sentidos para o mesmo termo) e isto é um fator que compromete seu status científico e sua respeitabilidade acadêmica porque é impossível separar o conteúdo de uma ciência da linguagem que ela emprega.E cada ciência necessita de uma linguagem com a qual possa mencionar todos os objetos existentes em seu campo de estudo e possa descrever ou, o que é melhor, explicar os fenômenos qua acontecem com eles.

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@DEF = Como já se viu, além dos fatores sociológicos, psicológicos e antropológicos que se manifestam em toda a cultura, entre os médicos e na produção cientítica na área da Medicina nos países subdesenvolvidos, existem aguns fatores específicos que determinam o aparecimento e o cultivo de erros terminológisos: a fragilidade do controle ético, o modelo das ciências naturais, a contaminação do senso-comum, a natureza mercantil direta e indireta da prática médica, como se pode ver logo a seguir.

A primeira das difuldades da terminologia médica, está relacionada com a falta de profissonalidade que se expressa na carências de consciência social e no não cultivo dos valores éticos humanos e profissionais e a falta de auto- estima pessoal, cultural e profissional. A isto se acrescenta a contaminação do senso comum (a confusão que muitos fazem entre o que é conhecimento científico e conhecimento comum, ainda que produzido por um cientista).É muito curioso como, principalmente nos últimos tempos, o sentido de profissional, vem se reduzindo ao de um técnico que negocia seus serviços ou, ou que é muito pior, abrigando qualquer um que desempenhe qualquer ocupação remunerada. Adiante, neste texto, haverá oportunidade para esclarecer mais isto.@MINOR HEADING = Sistematicidade Conceitual em Medicina e Psiquiatria@INICIALGR = O critério de sistematicidade para caracterizar a atividade ou o conhecimento científico significa que além do objeto específico e de um conjunto de métodos e técnicas adequados àquele objeto, um campo qualquer do conhecimento científico requer a existência de um acervo de fatos estabelecidos organizado como um sistema teórico estruturado composto por conceitos, categorias, leis e princípios acerca de seu objeto. Os conhecimentos científicos devem ser estruturados como sistemas de informações.O primeiro momento da sistematicidade se dá pela estruturação lógica dos seus conceitos e categorias mais elementares e mais importantes como entes lógicos definidos, o que resulta na estruturação de sua terminologia científica específica como a linguagem daquela ciência ou atividade científica. Um valioso meio de avaliar a cientificidade é verificar a consistência da terminologia empregada nela.@DEF = Característica decorrente da exigência de sistematicidade na ciência é que os conceitos científicos devem ser diferenciados dos conceitos do conhecimento vulgar, exatamente, pelo seu rigor, universalidade e necessidade de exatidão.Tais conceitos (os termos), sempre expressos por símbolos (verbais ou matemáticos), vêm a ser exatamente o vocabulário específico daquela ciência. Esta exigência se estende a qualquer ramo de qualquer atividade científica<$FWeatherall, M., Métodod Científico, EDUSP/Ed. Polígono, S.Paulo, 1970, cap. 2.>, inclusive a nosologia

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psiquiátrica e a psicopatologia. Uma exigência essencial de cientificidade é que se tenha claro o nível de complexidade de cada fenômeno que descreva (sintoma, síndrome, entidade clínica, por exemplo). Além deste corpo teórico estruturado e mais ou menos amadurecido de conceitos, para que uma atividade cognitiva qualquer possa ser chamada ciência, importa que estes seus conhecimentos e métodos estejam estruturados em um sistema de idéias. Não basta que as idéias que representam os fenômenos mais elementares de uma ciência sejam simbolizadas por palavras com significado preciso e estrito.Em psiquiatria, os sintomas, naturalmente empregados como elementos dos critérios diagnósticos, serão tão mais úteis, quanto mais precisamente forem fiéis ao acontecimento natural e refletirem as características clínicas daquele fenômeno natural patológico a que elas se referem.Ao mesmo tempo, é importante em psicopatologia que os fenômenos psicopatológicos sejam expressos de forma tal que se defina, ao menos em cada termo diagnóstico, o nível de complexidade daquele achado: se sintoma, síndrome ou entidade clínica, além de se definir a natureza da relação que se estabelece entre eles. Da mesma forma, deve haver referência à natureza do conceito, se se trata de um conecito descritivo ou explicativo (no caso dos conceitos diagnósticos, se diz respeito à origem ou etiologia da enfermidade.A imprecisão vocabular é uma das principais causas de dificuldade para o reconhecimento da psicologia e da psicopatologia como ciências. O que se reflete no crédito das investigações e das teorias da psiquiatria. Enquanto não se erigir um corpo de conceitos simbolizados por palavras com significados precisos e emprego generalizado, não se conseguirá vencer este obstáculo. Sequer se conseguirá comunicação inteligível, quanto mais produção científica confiável. As maiores dificuldades para a unificação do vocabulário da psicologia e da psicopatologia talvez sejam: limitação do conhecimento, herança especulativa da psicologia clássica, o convencionalismo neopositivista, o nominalismo medieval ressucitado, os reducionismos, os chauvinismos nacionais, a vaidade de autores; ressaltando a contaminação ideológica.Algumas palavras, como consciência, por exemplo, são empregadas com mais de uma dezena de significados. Neurose, que na origem do conceito, no século passado, significou apenas patologia neurológica como paralisia, parestesia, ataxia, movimento coreico, hemibalismo, na literatura atual, é empregado com um espectro muito mais amplo de significações: ora, quer referir tudo que não é psicótico, demência ou deficiência; ora, pretende exprimir um grau de psicopatologia “menor” que psicose; ora, quer significar tudo que é psicogênico. No entanto, o estado atual do conhecimento parece indicar que seria melhor utilizar este conceito para traduzir

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apenas aqueles distúrbios chamados sócio-psicógenos crônicos originados em conflitos reprimidos.Psicose, caráter, personalidade, psicoterapia, psicogênese, são alguns entre muitos outros conceitos cuja fidelidade, constância e estabilidade estão bem abaixo de numerosas palavras do vocabulário da linguagem comum e que exprimem noções sem qualquer possibilidade de cientificidade. Exatamente por isto, estão deixando de ser empregados na linguagem científica.Os exemplos de imperfeição conceitual e vocabular da psicologia e da psicopatologia são demasiado numerosos para que se pretenda listá- los nos limites deste texto. Mas é fato indiscutível que tal indefinição estimula e encobre a má- prática profissional, a ignorância, a vaidade vazia e a desonestidade científica. Mas, ao menos em grande parte, tem sido fruto da prática de se apresentar hipoteses e suposições como fatos comprovados.Por isto, neste momento, deve- se apoiar o emprego geral das Classificaçöes Internacionais de Doenças da OMS como tabelas nosográficas universais, ainda que isto implique em sacrifícios teóricos mais ou menos importantes ou em concessões doutrinárias significativas. Porque, se este procedimento se generalizar e for obtida uma razoável uniformização e universalização de uma única terminologia, aí então, poderão ser viáveis e profícuos os esforços para aperfeiçoamento daquela nomenclatura.Entretanto, não basta construir uma linguagem com termos bem definidos (até operacionalmente), pare se ter uma ciência. Como não basta que estes termos formem uma linguagem suficientemente consistente por sua coerência interna (coerência mantidads entre os termos). Importa muito que se verifique suficiente coerência externa naquela linguagem; isto é, que os termos daquela atividade estejam consentâneos com a realidade que pretenda descrever e explicar, que seja válidos.@MINOR HEADING = SISTEMATICIDADE DAS PROPOSIÇÕES@INICIALGR = A exigência de sistematicidade científica se inicia pela declaração cabal da complexidade do fenômeno científico com que se lida e o seu alcance de generalização. A exigência de sistematicidade científica não se reduz à sistematicidade conceitual, obriga, também, a quem elabora o conhecimento científico a estabelecer o mais claramente possível o grau de complexidade dos fenômenos estudados e das informações produzidas sobre eles, sejam conceitos, categorias, leis, princípios ou sistemas lógicos ou teóricos (ou sistemas doutrinários, teorias científicas). Afinal, as definições, alvo de todo conhecimento, se compõem de duas proposições que circunscrevem a coisa ou o termo definido: uma genérica e outra específica. Nas proposições sobre matéria científica, um importante dado informativo é sobre sua posição relativa na hierarquia de possibilidades de generalização nesta seqüência de fenômenos de crescente possibilidade de generalização.

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A cientificidade exige sistematicidade das informações e estas, dependem da cientificidade da linguagem em que estão expressas. A linguagem usada na comunicação científica deve atender, no mínimo a quatro exigências: objetividade, clareza, exatidão, ter forma direta e afirmativa.@DEF = Qualquer proposição científica deve se iniciar pela enunciação da complexidade do fenômeno científico e de seu alcance de generalização. Deve, também, estabelecer o grau de complexidade dos fenômenos estudados e das informações produzidas sobre eles, sejam conceitos, categorias, leis, princípios ou sistemas lógicos ou teóricos (ou sistemas doutrinários, teorias científicas).Ao contrário dos dogmas e das crenças, um princípio da ciência, uma proposição científica tem um único valor que é sua repercussão como verdade. Por isto, seu grau de veracidade deve ser bem aparente, por esta razão, uma proposição científica devem ser formulados em termos bem definidos com significação exata que seja exatamente a mesma em toda parte e expressem objetos, fenômenos e relações que guardem completa correspondência com aquilo que mencionam, ainda que algumas de suas proposições se situem no terrenos das hipóteses a serem comprovadas, não passem de suposições ou se reduzam a meras especulações a serem investigadas quando isto se fizer possível.@DEF = Toda atividade científica deve ter como motivo e como objetivo, a busca da verdade na natureza, na sociedade e nos seres humanos.A exigência de sistematicidade das proposições deve resultar da confiança que mereçam (não em sua obtenção, tarefa da comprobabilidade) em função de sua verossimilhança; por isto, outra condição necessária e importante para que uma ciência satisfaça a exigência de sistematicidade, deve ser a clara definição do grau de confiabilidade que devem merecer suas informações (com o sentido de se ter bem claro qual a confiança que deve merecer cada uma de suas proposições). Porque esta é mais uma das diferenças essenciais que separam a ciência do senso-comum (que pode se dar ao luxo de não ter qualquer responsabilidade com veracidade de suas informações).A ciência é o instrumento social de busca da verdade no conhecimento do mundo; daí porque a importância maior que a ciência possa desfrutar decorre da confiança que devem merecer suas proposições, exatamente por isto que as informações de uma ciência, conforme seja seu grau de confiabilidade, devem ser classificadas, como se pode ver no capítulo seguinte, em: fato demonstrado ou comprovado, hipótese, suposição ou especulação. Porque estas diferentes categorias que expressam o grau de verossimilitude de um conhecimento ou de um sistema de idéias se confundem com sua confiabilidade e credibilidade.

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@DEF = GRAUS DE CONFIABILIDADE DE UMA PROPOSIÇÃO CIENTÍFICA@DEF = Um fato demonstrado ou comprovado consiste uma assertiva demonstrável formalmente (nas ciências formais) ou comprovável pela observação ou experimentalmente (nas ciências factuais) que resulte do emprego de procedimento científico no qual se empregue, inclusive, uma metodologia confiável e reprodutível, fiel às exigências metodológicas científicas; que, por causa de sua origem, apresenta elevado grau de credibilidade e contém razoável probabilidade de veracidade (verossimilhança ou verossimilitude). Um fato comprovado deve ser considerado verdadeiro até que se comprove que é falso.@DEF = Uma hipótese, por sua vez é uma proposição que pode ser tida como viável e verificável à qual se possa atribuir um destes três sentidos: a) ser um juízo ou um achado dedutivo que ainda não foi comprovado na prática; b) ser um fato considerado possível de ser verdadeiro por se assemelhar a um outro já comprovado; e c) ser uma explicação análoga a uma outra, que pode ser tida como confirmada.@DEF = Uma suposição consiste em uma idéia qua pode ser tida como comprovável, a despeito de lhe faltar qualquer fundamento no conhecimento já estabelecido cientificamente.@DEF = Já a especulação se trata de qualquer idéia, ainda que possível, mas improvável teoricamente ou sem evidência de comprobabilidade no que o conhecimento científico já tenha estabelecido.

Como é natural, encontra- se significativa diferença no grau de verossimilitude quando se compara o resultado da conceituação vulgar com a os produtos da conceituação científica e dos juízos obtidos com eles. Porque o conceito científico, difere e necessita diferir do conceito do senso comum exatamente por isua exatidão porque, sem conceitos científicos, não se podem construir proposições científicas. A veracidade de um juízo é uma decorrência da exatidão de seus termos.

Como já se teve ocasião de destacar em outro momento deste trabalho, a comunicação verbal sobre as propriedades das coisas podem ser estruturadas como criações ou como descobertas. Quando as palavras se referem a objetos ou acontecimentos já existentes mas que eram desconhecidos até então para quem os menciona, não são uma criação, mas uma descoberta, como já se teve ocasião de referir, mesmo que se trate de um fenômeno subjetivo e um fenômeno subjetivo patológico. E seus significados serão tão mais verdadeiros na medida em que refletirem com fidelidade o objeto ou o fenômeno que querem expressar. A segunda afirmativa é um equívoco .

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Em ciência, em quase todas as ciências, muita fantasia, às vezes, até sob a forma de criação artística de boa qualidade, tem sido publicada como descoberta e, por causa disto, existe a importância crescente dos médicos aprenderem a diferenciar eficazmente as comunicações que tragam e divulguem como ciência, frutos da intuição e fantasias da imaginação, dos produtos da observação objetiva e da experiência que mereçam ser qualificados como produção científica. e este fenômeno pode se dar tanto a nível dos conceitos, como das leis e princípios e das teorias científicas.Porque a intuição pode levar a descobertas ou a fantasias e quem a experimenta não pode distinguir estes dois fenômenos. Destarte, os produtos da intuição podem e devem servir apenas para elaborar hipóteses ou para preencher vazios em uma teoria cujos pontos basilares já estiverem suficientemente sustentados objetivamente. Atualmente, este reparo ultrapassa os limites da preocupação cognitiva e, sobretudo, deve servir como um marco ético de referências essenciais e necessárias para toda produção e comunicação científica.Em Medicina, como acontece em qualquer atividade científica, mas sobretudo em psiquiatria a exigência de sistematicidade proposicional importa também na declaração do nível de complexidade do fenômeno patológico que está sendo diagnosticado ou motivando tratamento (se sintoma, síndrome ou entidade nosológica) e da classe de patologia (déficit, doença, sofrimento patológico).Quando se construir uma definição de patologia, estes dois elementos informativos devem compor a declaração genérica acerca da coisa definida. Uma definição de uma patologia deve ser assim: tal coisa é (um sintoma, síndrome, ou entidade e, neste último caso, deve- se declarar se se trata de uma patologia de que classe) que apresenta a(s) seguinte(s) característica(s) específica(s).Não se deve perder a oportunidade de apontar, ainda que reiterativamente, que a literatura da psicologia e da psicopatologia está sobrecarregada de “colocações, sejam conceitos ou juízos, e de “” teorias" que misturam fatos comprovados, hipóteses, suposições e especulações, sem a devida e necessária caracterização, em desatenção pela necessidade de mínima coerência na produção científica. Ao contrário, conceitos heterogêneos, de diferentes confiabilidades são afirmados e reafirmados como fatos comprovados, induzindo grande confusão, principalmente naqueles que estão se iniciando no estudo destas disciplinas.

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@BRK PA = @CT02 = 5.6. Conhecimento, Ciência e Verdade@INICIALGR = Não há nenhum outro aspecto do conhecimento, além da ciência, no qual se imponha o compromisso com a verdade como objetivo essencial e indispensável; mesmo levando em conta que todo conhecimento inclusive o senso comumé, em última análise, uma atividade de busca da verdade, deve- se reconhecer que a atividade cognitiva científica tam maior compromisso com a veracidade de seus resultados. E, caso se reconheça que a responsabilidade da ciência com a verdade parece maior, caso se aceite que os seus conhecimento devam ser necessariamente mais verossímeis que os demais, isto resulta precisamente do fato reconhecido que a ciência é o ramo do conhecimento que tem, por definição original, responsabilidade particular com a verdade e a verdade comprovável ou verificável. O desenvolvimento científico e o desenvolvimento de seus instrumentos cognitivos se dirigem para esta finalidade essencial.

@DEF = Já se disse, com razão, que o objetivo do conhecimento científico, da ciência factual, é a busca da verdade nos conhecimentos sobre a natureza, o homem e a sociedade.

@DEF = O grau de veracidade científica, entendido como probabilidade de verdade contida nos juízos científicos, é um dos elementos mais importantes na caracterização da ciência e para justificar sua existência.

Por isto, deve- se situar o que se considera como verdade, do ponto-de-vista da Filosofia da ciência. A verdade é uma forma particular de adequação lógica entre um sistema de proposições entre si (nas ciências formais) ou de estabelecer a adequação entre uma proposição e a realidade (nas ciências factuais). Não obstante, existem diferentes tipos de verdade. Enquanto o conhecimento comum é uma forma particular de relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto do conhecimento, nas ciências formais a verdade consiste na harmonia e coerência interna do sistema de idéias, nas ciências factuais a verdade é tida como uma uma forma particular de relação entre o conhecimento e os fatos, geralmente expressa pela probabilidade de veracidade que se verifica existir entre o conhecimento (materializado em uma proposição) e aquele aspecto da do objeto real a que esta proposição pretende se referir.@DEF = A verossimilitude nas ciências normativas é dada pela congruência lógica de suas proposições. O que quer dizer que, em um enunciado da ciência ou em uma teoria científica, um juízo acerca de uma idéia qualquer não deve ser desmentido por outro; e que os juízos referentes às questões mais gerais não podem ser

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desmentidos por outros que digam respeito a aspectos mais particulares daquela ciência em questão.É muito importante ter sempre presente que nem todo conhecimento produzido pelos cientistas, empregado a metodologia científica, é verdadeiro só por isto. E, também que a verdade não é uma propriedade exclusiva do conhecimento científico. A verdade pode existir no conhecimento vulgar ou no conhecimento científico, pode ser fruto de uma casualidade ou de uma investigação sistemática. É possível obter a verdade através da intuição ou, até, de um sonho e muita gente descobriu verdades sonhando (afinal, foi sonhando que KAKULÉ descobriu a representação gráfica do hexágono benzênico que tanto facilitou o estudo da química orgânica). Mas o sonho não pode ser comprovador da realidade, apenas fornecer uma possibilidade a ser investigada. No entanto, tem- se como certo que o conhecimento científico se diferencia do comum, principalmente, por ser mais apto a encontrar a verdade e pela sua possibilidade de conhecer o grau de verossimilitude de suas conclusões.Viu-se que, nas ciências formais, o critério de verdade é a consistência ou coerência interna dos argumentos. Nas ciências factuais, o grau de veracidade dos juízos é determinado pela sua consonância com a realidade. No que diz respeito aos critérios de verdade científica, face ao caráter sistêmico da ciência em geral e no âmbito específico de cada ciência em particular, a verdade se manifesta em dois planos: no plano da racionalidade e no plano da objetividade.

@DEF = A racionalidade da ciência está encarnada pela coerência, consistência ou verdade sintática que é a coerência ou conexão interna que existe nos enunciados de uma ciência entre si; isto quer dizer que não há contradição entre os diversos elementos lógicos que formam sua estrutura interna.

@DEF = A objetividade científica deve estar representada pela correspondência que deve existir entre os enunciados científicos e ao aspecto da realidade a que eles se referem, o que se denomina verdade semântica.

@MINOR HEADING = Características da Verdade@INICIALGR = Como já se afirmou aqui neste mais de uma vez, mas vale a pena repetir, a questão da verdade, como elemento da teoria do conhecimento e no âmbito das ciências factuais, desde o início da atividade científica pelos sábios da Época Clássica, é posta como expressão da adequação de uma proposição (científica ou não) à realidade. A consonância co a realidade é o critério de verdade das ciências factuais, assim como a prática é o único instrumento válido para sua obtenção e comprovação.

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@DEF = A verdade científica pode ser reconhecida através de quatro características:

@DEF = a) Objetividade. A verdade é objetiva, não se limitando a uma experiência interior de alguém (como uma revelação ou uma intuição, por exemplo) e deve se apresentar da mesma maneira para todos. De fato, não teria qualquer sentido uma verdade que se resumisse a um dado subjetivo de alguém, que somente pudesse ser reconhecida por alguém que possuisse algum dom especial.

@DEF = b) Comunicabilidade. A verdade é transmissível por meio de palavras ou outros símbolos que possam expressar, não podendo ser considerado como verdadeiro qualquer conhecimento que não for comunicável.

@DEF = c) Compatibilidade com os princípios lógicos. 1. Princípio da identidade (a verdade é igual a si mesma, se uma proposição é verdadeira, é verdadeira); 2. princípio da não contradição (nenhuma proposição pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo); 3. princípio do terceiro excluído (uma proposição é verdadeira ou falsa, não havendo possibilidade de ser outra coisa qualquer).

@DEF = d) Uma proposição científica verdadeira pode ser objeto de demonstração, de verificação pela observação, ou de comprovação pela experimentação e, em geral, é dotada de simplicidade.

Devendo- se repetir neste momento que a verdade não é privilégio das ciências ou dos conhecimento obtidos pela investigação científica reconhecida, podendo provir de muitas outras fontes. Contudo, deve- se reconhecer que uma proposição obtida pelos procedimentos científicos tem mais possibilidade de ser verdadeira porque esta é uma exigência implícita na atividade da ciência.Também deve ser repetido que a verdade nas ciências factuais, em geral, deve ser considerada como transitória, incompleta e relativa, sobretudo em relação à época, ao estado do conhecimento e ao indivíduo que a enuncia. Embora se deva ter presente que categorias dialéticas como absoluto e relativo,ou permanente e transitório não devam ser consideradas como alternativas que se excluem, mas como entidades lógicas que se complementam.Uma curiosidade sobre a verdade científica é a teoria da dupla verdade, um sub-produto da Inquisição. A doutrina da dupla verdade é uma crença cultivada pelos católicos depois que as afirmativas de Giordano Bruno e Galileu Galilei foram comprovadas verdadeiras a despeito de terem sido declaradas contrárias à doutrina católica (mas que foi adotada por religiosos de outras crenças), que consiste em afirmar que as verdades científicas e as teológicas seriam de tal forma diferentes que não produziriam senão uma aparência de contradição ainda quando produzissem

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proposições opostas e inconciliáveis. Esta doutrina surgiu para evitar o confronto das descobertas científicas com os dogmas religiosos, depois que as inquisições despareceram.

@MINOR HEADING = Veracidade Científica: Lógica e Factual@INICIALGR = Desde LEIBNITZ, diferenciam- se as verdades científicas em dois grupos: as verdades da razão ou verdades formais (aquelas provenientes da lógica, do raciocínio) e as verdades de fato, verdades factuais ou verdades materiais (aquelas decorrentes do estudo das coisas). LEIBNITZ considerava as primeiras, como verdades absolutas e universais e, as segundas, como verdades possíveis em um certo conjunto de circunstâncias, em um certo mundo no qual coexistissem aquelas condições necessárias àquela verdade. A lógica moderna conserva esta diferença, escoimando, porém, a idéia de absoluto que não sustenta mais.Existe uma posição gnosiológica em filosofia da ciência, denominada dogmatismo científico, que sustenta exatamente que todo conhecimento obtido cientificamente é verdadeiro, que esta verdade é completa e definitiva. Já se viu que no plano oposto existem os que consideram a verdade como inexistente, os que a consideram inalcançável, ou parcial ou sempre relativa, o ceticismo radical. De qualquer modo, isto não há de ser considerado aqui, agora.

@DEF = A crença na verdade absoluta e perene como objetivo da ciência é uma sobrevivência do pensamento mágico dogmático-teológico medieval que foi, de alguma maneira, ainda que incidentalmente, alimentada pelo entusiasmo do cientificismo positivista no século dezenove e pelo chamado otimismo filosófico de inspiração marxista ao longo do século vinte.

Quando se avalia do ponto de vista social, social, pode- se constatar que, como paradigmas do pensamento e da cultura, estas posições sofrem larga influência da ideologia vigente. Ou, de um ponto de vista rigorosamente individual e psicológico, verifica- se que ambos (o dogmatismo cientificista e o ceticismo anticientífico) podem ser frutos de mecanismos psicopatológicos de tonalidade neurótica ou psicótica, como acontece com certa freqüência quando se avaliam as motivações pessoais.

@DEF = Os raciocínios matemáticos e lógicos, característicos das ciências formais, desde que corretos, se conservam intocáveis no tempo e produzem conclusões que, se não forem definitivas, ao menos conservam- se estáveis por longo tempo; podendo ser enriquecidos por outros juízos ou raciocínios que se somam a eles.Sobre a verdade nas ciências factuais BUNGE diz o seguinte: “... empregam ... símbolos interpretados; não incluem expressões como x é F, que não são verdadeiras nem falsas. Em segundo lugar,

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a racionalidade - isto é a coerência com um sistema de idéias previamente aceito - é necessária mas não suficiente para os enunciados fácticos; em particular, a submissão a algum sistema de lógica é necessária porém não garante que se obtenha a verdade. Além da racionalidade, exige- se dos enunciados das ciências factuais que sejam verificáveis na experiência, seja indiretamente (no caso das hipóteses gerais), seja diretamente (no caso das conseqüências singulares das hipóteses.Estas diferenças características na forma e no conteúdo das conclusões a que as ciências formais e factuais podem chegar, motivam uma diferença essencial que sec identifica entre elas. As conclusões tiradas dos procedimentos lógicos teóricos das ciências formais, como raciocínios puros que são, uma vez libertados de toda contaminação e de todos os artefatos (inclusive ideológicos) capazes de afetá- los, podem ser levadas praticamente à perfeição, conservando- se estáveis no tempo indefinidamente.@DEF = Os sistemas teóricos resultantes do tratamento científico dos fatos são essencialmente defeituosos; cumprem, pois, a condição necessária para serem aperfeiçoáveis, que é serem imperfeitos. Como conseqüência, o estudo das ciências formais pode reforçar o hábito do rigor, enquanto o estudo das ciências factuais pode induzir- nos a considerar o (conhecimento do) mundo como inesgotável, e ao homem, como um empreendimento inconcluso e interminável, diz BUNGE.

@MINOR HEADING = Graus de Verossimilhança das Informações Científicas@INICIALGR = A verossimilhança de uma informação científica é um dado estatístico que expressa a probabilidade daquela informação ser verdadeira. Parece muito valioso que se possa estabelecer o grau de confiança (ou de verossimilhança) que possa merecer uma informação proveniente da atividade científica. De fato, um dos traços mais importantes do conhecimento científico é que ele deve incluir em seus procedimentos, sempre que isto for possível, mecanismos de auto avaliação destinados a possibilitar a determinação do grau de verdade contida nele.

@DEF = Ainda que se considere a relatividade, a provisoriedade e a imperfeição das verdades científicas como muito possíveis em todas as proposições e conceitos científicos, o conhecimento científico se impõe por duas razões: 1. porque reconhece a possibilidade de sua imperfeição, relatividadec e provisoriedade; 2. porque está sempre desenvolvendo instrumentos capazes de indicar sua verossimilitude.

@DEF = As informações científicas podem conter diferentes probabilidades de verdade (veracidade) e serem expressas com diferentes graus de possibilidade de serem verdadeiras, os grau de veracidade, expressa em termos de verossimilitude (probabilidade

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de verdade, verossimilhança) e, por isto, devem merecer graus diferentes de confiança e motivar graus proporcionalmente diferentes de convicção. Tudo isto porque, sabe-se que nem todos os conceitos ou, principalmente, os juízos de uma ciência têm o mesmo conteúdo em termos de potencial de veracidade.

Anteriormente, já se viu que uma das qualidades da ciência, era a necessidade de estabelecer o grau de veracidade ou a verossimilitude (probabilidade de ser verdadeira) de cada uma des suas informações.Já houve ocasião de afirmar que, conforme seu grau de probabilidade de verdade, as informações contidas nos enunciados científicos podem ser classificadas em: fato demonstrado ou comprovado (assertiva demonstrável formalmente ou comprovável pela observação ou experimentalmente que resulte do emprego de uma metodologia confiável e reprodutível, fiel às exigências científicas) e, por isto, apresenta elevado grau de credibilidade e probabilidade de veracidade (verossimilhança ou verossimilitude); hipótese (proposição viável e verificável que tenha um destes três sentidos: a) juízo ou achado dedutivo ainda não comprovado na prática, b) um fato possível de ser verdadeiro por ser semelhante a outro que já tenha sido comprovado, c) uma explicação análoga a outra, tida como confirmada); suposição (idéia possivelmente viável, mas sem qualquer fundamento no conhecimento já estabelecido) e especulação (qualquer idéia, ainda que possível, mas improvável ou sem evidência de viabilidade).A especulação é um modo de conceber a verdade, seja científica ou não, fundamentando as conclusões em construções lógicas abstratas e sem qualquer compromisso com quais quer fatos cientificamente estabelecidos através da experimentação ou da observação. Por esta razão, não deve ter qualquer grau de confiabilidade ou validade. Contudo, o grande risco, não são as especulações que são reconhecidas como tal, mas aquelas que são difundidas e acreditadas como fatos estabelecidos.

@DEF = É bastante importante para a credibilidade da informação científica, da credibilidade da ciência e dos cientistas que, sempre que possível e necessário, como acontece no processo de diagnosticar uma patologia, recomendar uma terapêutica ou em qualquer enunciado científico de maior responsabilidade, se estabeleça a probabilidade de veracidade das informações, empregando- se os termos definidos acima.

Não é raro que, em função de influência ideológica, da necessidade de notoriedade, do afã de lucrar ou do desejo de obter vantagens políticas, cientistas e organizações científicas divulguem informações nas quais sua probabilidade de verdade não esteja bem evidente, ainda que seja conhecida.

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Na Medicina, em particular, esta deformação ideológica é relativamente comum e aparece, sobretudo, naquilo que respeita às investigações sobre indicações, riscos e outras informações sobre medicamentos e sobre equipamento auxiliar de diagnóstico ou terapêutica. Contudo, nem sempre se trata de deformação ideológica (no sentido de uma falsa convicção imposta pelo interesse social) ou de um erro metodológico resultante de um engano do persquisador. Por causa dos grandes interesses em jogo e por causa da defasagem entre a ética médica e a ética comercial, é desgraçadamente comum que haja suborno puro e simples; desonestidade sem qualquer desculpa.

@MINOR HEADING = Hipótese e Verificabilidade@INICIALGR = Desde que a ciência se caracterizou pela metodologia experimental a hipótese sempre foi considerada como instrumento indispensável para a verificação científica das proposições não comprovadas.<$FEm 1902 Poincaré, que sustentava que quem não toma a hipótese por guia, tem o acaso por mestre, escreveu um texto magistral do qual há tradução brasileira e que, ao que parece, está sendo pouco lido (Poincaré, H., A Ciência e a Hipótese, Ed. Universidade de Brasília, Brasília, 1984.>

@DEF = Muitos autores acreditam que a hipótese é indispensável ao conhecimento científico (embora todos lhe reconheçam caráter essencial na ciência) e isto parece ser verdadeiro.

A importância da hipótese para a construção do conhecimento científico está apoiada, em primeiro lugar, porque sem a hipótese, os cientistas se sujeitariam a ter seu trabalho dependendo exclusivamente do acaso, o que seria, por si mesmo absurdo.Noutro plano, também se sabe que a verificação das hipóteses é a única forma cientificamente acreditada de funcionar como critério de verdade nas ciências factuais, sobretudo porque contém a possibilidade de aplicar os procedimentos metodológicos dedutivos, mais acreditados que os analítico- indutivos, porque são bem mais eficazes.

@DEF = Verificação ou comprovação é a soma do exame da hipótese levantada e mais seu resultado.

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Para muitos epistemólogos, verificaçar se confunde com comprovar e confirmar; porque a verificação seria a comprovação ou a confirmação de que o enunciado (que expressa a hipótese a ser verificada sobre um certo objeto ou fenômeno, nunca um conceito) seria falso ou verdadeiro. No entanto, na prática, o processo epistemológico da verificação é diferente do procedimento usual de simplesmente verificar se é verdade ou falsidade o que encerra o enunciado de uma hipótese ou outra proposição.É comum que o procedimento metodológico de verificação seja denominado co m pr o v a ç ã o e também há quem chame a verificação de d e m o n s tr a ç ã o indiret a , mas é evitar isto, para fugir à ambigüidade, reservando- se o termo demonstração exclusivamente para a aferição lógica das ciências formais.

A verificação pela comprobabilidade ou pela falsicabilidade (procedimento prático, descritivo ou experimental) não deve ser confundida com a demonstração (procedimento cognitivo de natureza lógica).

@DEF = Do ponto de vista da sua possibilidade de verificação (verificabilidade ou comprobabilidade), é característico de todas as ciências factuais que uma hipótese deva ser considerada verdadeira enquanto não for comprovada ou enquanto resistir aos esforços que visem mostrá- la falsa; desde que estes esforços satisfaçam as exigências metodológicas consideradas suficientes naquele momento do desenvolvimento científico.

@DEF = O método hipotético- dedutivo que caracteriza a atividade experimental consiste exatamente em tentar comprovar a falsidade de uma proposição. Por isto, todo cientista deve se esforçar para demonstrar que empregou o melhor esforço possível para comprovar a falsidade de sua hipótese. Portanto, não deve estar comprometido previamente com ela.

@DEF = Disto se pode inferir que a aplicação do princípio da verificabilidade (e, sobretudo, o princípio da falsificabilidade) explica porque as conclusões das ciências factuais são necessariamente provisórias e parciais, pois somente subsistem não por serem comprovadamente verdadeiras, mas por não ter sido ainda possível comprovar sua falsidade.

Tal provisoriedade de suas conclusões é um elemento essencial da natureza do método científico nas ciências factuais; e é esta provisoriedade que impede a corroboração definitiva das suas hipóteses porque, em cada verificação, unicamente se apura que aquela prova (no sentido de procedimento experimental) não evidenciou que a hipótese é falsa, o que não permite, de modo algum, a possibilidade de afirmar que ela seja verdadeira ou,

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sequer, que resistirá à próxima tentativa de evidenciar sua falsidade.Quando se considera o princípo da falsificabilidade, conclui- se que é exatamente por causa desta característica das ciências factuais que os cientistas não podem e não devem se limitar a acumular elementos de prova da não- falsidade de suas hipóteses multiplicando o número de casos observados ou das experiências nas quais a prova da falsidade daquela hipótese não se verifica; mas devem se esforçar para obter dados desfavoráveis a suas hipóteses, fazendo mudar as variáveis em jogo, baseando- se no princípio lógico de que uma única conclusão comprovando a falsidade de uma proposição, anula todas as confirmações verificadas anteriormente.@DEF = A verificabilidade ou comprobabilidade consiste em comprovar uam hipóetes ou as proposições de uma teoria.

@DEF = Metodologiacamente ao contrário, mas com resultado idêntico, a falsicabilidade (conceito devido a <MS>POPPER) consiste em considerar uma hipótese ou outra proposição como verdadeira enquanto resistir aos esforços de comprovar sua falsidade.

@DEF = A aplicação do princípio científico da verificabilidade, fundamento metodológico das ciências factuais, resulta em um elemento dos mais importantes da ética da pesquisa e da ciência: um cientista ético, ao contrário de um advogado de defesa, deve se esforçar para demonstrar a falsidade de suas hipóteses e proposições. Por outro lado, este mesmo princípio permite deixar clara a fatuidade de pretender pro v ar ou d e m o n s tr ar verdades definitivas nas ciências factuais como, por exemplo, naquelas que apoiam a Medicina, como a Fisiologia, a Bioquímica, a Biofísica, a Farmacologia, a Psicologia, a Patologia e muitas outras.

Como já se viu anteriormente, segundo a teoria da falsicabilidade, nas ciências factuais não se pode provar que uma assertiva é verdadeira, apenas se comprova que, por enquanto, não foi comprovada sua falsidade, por mais que se fizessem esforços neste sentido. Nessas ciências, a aferição, verificação ou confirmação das hipóteses (mesmo empregando o método dedutivo) só deve permitir conhecer verdades definitivas quando atingir uma tal possibilidade de generalização que possa elaborar aqueles enunciados em linguagem matemática, aproximando- se das ciências formais (ou, talvez, transformando- se numa delas).

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@MINOR HEADING = Procedimentos para Avaliação da Veracidade @INICIALGR = Existem alguns procedimentos metodológicos mais ou menos padronizados que costumam ser utilizados nos processos de investigaçãi científica para evitar a tendenciosidade e verificar o grau da probabilidade de verdade (verossimilitude ) contida em um juízo ou que pode ser obtida quando se emprega um determinado procedimento de investigação científica, seja um método (a dimensão teórica do projeto de investigação) ou uma técnica (uma prática aplicada, uma aplicação teórica), um instrumento (recurso padronizado que permite a aplicação da técnica) ou um procedimento (maneira padronizada de emprego do instrumento ou da técnica).

@DEF = Tais medidas da verificação são genericamente distribuidos em dois grupos, os que avaliam a confiabilidade e os que determinam a validade .

É possível e conveniente diferenciar verdade e veracidade porque a primeira seria a realidade mesma da coisa ou a exata correspondência da coisa e da idéia que a reflete, ou a consistência do enunciado; já a veracidade é o conceito que reflete a correspondência daquilo que se diz com que o diz. Por isto, enquanto o oposto da verdade é o erro, o oposto da veracidade é a mentira ou o engano. Para muitos, a veracidade é a verdade moral. Neste texto, no entanto, emprega- se o conceito de grau de veracidade como probabilidade de verdade gnosiológica.

@MINOR HEADING = Confiabilidade ou Fidedignidade@INICIALGR = A confiabilidade, apesar de ser uma denominação controvertida, é um conceito dos mais importantes na atividade científico porque se confunde com o crédito que um conceito ou proposição científica pode merecer.

@DEF = O conceito de confiabilidade (ou fidedignidadeque pode ser substituido pela expressão v erifica ç ã o da ob s e r v a ç ã o ) integra o esforço para especificar o grau de probabilidade de veracidade contida em uma informação (conceito ou juízo), em uma atividade ou em um procedimento cognitivo ou de investigação para que possa ser tido como científico.Termo (em inglês <F "Ti m e s New Roma n " > r e l i a b ility <F255>) ambíguo que guarda analogia com diferentes combinações de: fiabilidade, fidelidade, constância, estabilidade e sensibilidade. Tais elementos lógicos, contidos nos conceitos de c onfia bilida d e ou fidedignidade, quando corretamente avaliados e quando se lhes acrescenta a ponderação das diferentes formas da validade (que

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serão tratadas logo adiante), permitem estimar o grau de confiança que merecem os conceitos de uma ciência ou as informações obtidas com uma técnica de pesquisa, um procedimento científico qualquer ou com um instrumento de investigação no campo das ciências factuais.Cada um dos termos para expressar este fenômeno, indica a discordância que merece sua designação em português, porque, em inglês, reability não provoca controvérsia alguma. Mas, porque provoca em português, aqui se optou em expor todas e não tomar partido na querela.@DEF2 = Também se pode entender o que se quer dizer com confiabilidade, fidedignidade ou verificação da observação por grau de confiança a possibilidade ou, o que é bem melhor, a probabilidade mais ou menos definida de veracidade contida em um enunciado ou uma conclusão que tenha sido resultante de um processo qualquer de investigação científica, seja através da observação sistemática, seja por meio de um procedimento experimental qualquer.No entanto, deve- se considerar sempre como muito desejável que a confiabilidade de um procedimento científico (qualquer que seja sua estrutura lógica e qualquer que for a técnica de que resulte) possa ser expressa em uma quantidade que anuncie sua probabilidade de veracidade, ou seja, o exato percentual de probabilidade que apresente aquele conhecimento ou procedimento de ser verdadeiro e não apenas o quanto ele se parece como o modelo que fez dele.

@DEF = O conceito de confiabilidade ou fidedignidade é muito heterogêneo e reúne todos os seguintes elementos e, sua estrutura: fiabilidade, fidelidade, constância, estabilidade e fidelidade.@DEF = Fiabilidade ou fidedignidade. Qualidade de uma técnica, procedimento experimental ou instrumento diagnóstico que fornece medidas válidas, fiéis e reprodutíveis do objeto ou fenômeno estudado, excluídos os artefatos. A fiabilidade traduz o quanto um conceito se assemelha com aquilo que se pretende representar com ele.Um artefato experimental é um efeito parasita indesejado que é induzido em uma experiência sem que o experimentador perceba e produz uma variação no resultado obtido que, produzida por uma causa secundária não controlada, é atribuída a uma causa primária.@DEF = Fidelidade (ou precisão). Qualidade de um instrumento de investigação científica, de uma técnica de investigação ou de um instrumento diagnóstico que mostra o grau de precisão com que eles executam a tarefa para a qual é empregado.O coeficiente de correlação entre duas aplicações do mesmmo item ou teste é um instrumento lógico que se emprega para avaliar a fidelidade. A correlação mede a interdependência entre duas ou mais variáveis.

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@DEF = Constância. Correlação entre duas séries de medidas de idênticas naturezas efetuadas pelo mesmo sujeito, em momentos diferentes, qualquer que seja o intervalo de tempo entre elas, mas considerando as mudanças esperáveis (como as decorrentes da mudança de idade em um organismo em desenvolvimento, por exemplo).

@DEF = Estabilidade. Propriedade de um instrumento qualquer de investigação (ou, inclusive, de diagnóstico) que mantém resultados idênticos, quando aplicados aos mesmos sujeitos, em momentos diferentes, a despeito de variações havidas nas condições ambientais.

@DEF = Sensibilidade. Qualidade que deve ter um instrumento de investigação científica (ou de diagnóstico) que lhe permite identificar as variações de intensidade do fenômeno- alvo. A sensibilidade será tão maior, quanto menores forem as variações de intensidade que puderem ser captadas no fenômeno estudado.

A grande heterogeneidade do conceito de confiabilidade ou fidedinidade e o conseqüente desafio que encerra em seu sentido, induz a indagar porque não se empregam, em seu lugar, os conceitos contidos nele porque são mais específicos e pacíficos (fiabilidade, fidelidade, constância a estabilidade)?Muitos autores referem a validade como parte da idéia de confiabilidade e isto parece ser correto, na medida em que é um indicador precioso da verossimilitude do instrumento de investigação ou de um conceito científico. Validade é a qualidade de um conceito científico, instrumento de investigação científica ou de diagnóstico que permite saber que ele mede aquilo que pretende medir ou identifica aquilo que se pretende identificar.

@MINOR HEADING = Validade@INICIALGR = A validade é o segunde elemento que pode ser empregado para determinar a credibilidade que merece algum tipo de produção científica, seja um conceito, uma proposição, um instrumento ou uma teoria. Trata- se de, como já foi afirmado aqui, da qualidade de um conceito científico, instrumento de investigação científica ou de diagnóstico que permite saber que ele mede aquilo que pretende medir ou identifica aquilo que se pretende identificar.@DEF = Validade ou validez (verificação das hipóteses e suposições) é um conceito filosófico, que designa a existência justificada de alguma coisa, acontecimento, conceito, juízo, raciocínio ou processo; inclusive dos procedimentos de investigação científica.

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<MS>ZUBIN, um autor muito citado e conhecido no Brasil nas investigações psiquiátricas, limita o conceito de c onfia bilida d e (ou fiabilidade, como é preferido por muitos) e considera apenas dois de seus aspectos como suficientes para indicar a similitude de algo consigo mesmo, a concordância entre dois observadores e a concordância entre o diagnóstico inicial e outro, subseqüente (isto é, a confiabilidade se resumindo à constância e à estabilidade dos resultados obtidos em um procedimento de investigação). Dois aspectos podem ser destacados: a estabilidade e a coerência interna, expressa na homogeneidade de seus componentes e na ausência de contradição entre suas partes (validade de conteúdo). A desvantagem de empregar como elemento verificador da veracidade de um procedimento científico, um conceito tão impreciso, é evidente por si mesma. Por isto, talvez fosse melhor, a despeito da difusão de seu uso, evitar o emprego do termo confia bilida d e , em favor de constância, estabilidade, sensibilidade e validade, quando for o caso.É relativamente comum em psiquiatria que, no afã de estabelecer a confiabilidade, se sacrifique a validade de um conceito ou diagnóstico.@DEF = Do ponto de vista da Filosofia da ciência, o termo valida d e e os procedimentos que estão contidos nele podem responder a quatro sentidos:@DEF = 1. univ er s alid a d e subj e t i v a (ser reconhecido por todos, em toda parte, como tal); @DEF = 2. e st ar d e ac ord o c o m as re gra s e pro c e d i m e n t o s e st a b e l e c i d o s , (razão pela qual se pode ter certeza que a coisa em foco é realmente aquilo que parece ser e, como tal, deve ser reconhecida); @DEF = 3. utilidad e ou efic á c i a de um recurso de investigação ou de um instrumento qualquer (sentido que obriga ao uso da expressão válid o para , acrescentando- se a finalidade ou a função a respeito da qual se considera o instrumento eficiente); @DEF = 4. em lógica, denomina- se válid o o esquema lógico que prossiga sendo verdadeiro, seja qual for a interpretação que se dê aos símbolos com os quais é enunciado (sinônimo de verdade lógica ou analicidade).@DEF = A validade de um símbolo, conceito ou juízo científico identifica sua correspondência com a realidade que menciona .@DEF2 = Nas ciências formais, como a matemática e a lógica, a validade de um raciocínio é dada pela comprovação de que a conclusão seguiu as regras e procedimentos lógicos estabelecidos e reconhecidos como suficientes, i.é, pelo reconhecimento da consistência do processo lógico. Por isto, nas ciências formais, adotam- se regras que permitem diferenciar os silogismos válidos dos inválidos.@DEF2 = Um exemplo de tais regras são as seguintes:Regras para quantidade :

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a) o termo médio deve estar distribuído ao menos uma vez; b) nenhum termo pode estar distribuído nas conclusões se não estiver presente nas premissas.Regras para a qualidade : a) se ambas as premissas são negativas não pode haver conclusão; b) se uma premissa é negativa, a conclusão deve ser igualmente negativa;c) se nehuma premissa é negativa, a conclusão deve ser afirmativa.O silogismo é uma formulação lógica dedutiva constante de um termo médio (presente em ambas as premissas), um termo maior (o predicado da conclusão) e um termo menor (o sujeito da conclusão).O sistema lógico empregado nas ciências formais é denominado lógica proposicional e se destina a aferir a consistência das proposições empregando as regras de validade, como as mencionadas.Estas regras das ciências formais se preocupam em estabelecer a coerência de seus termos entre si, sua consistência interna como sistema teórico, isto é um sistema lógico de idéias ou entes ideais.Nas ciências factuais, o processo é diferente.@DEF = Nas ciências factuais, a validade de uma hipótese ou de um instrumento de investigação é dada pela eficácia de um procedimento qualquer de investigação para estabelecer seu grau de consonância com a realidade. A validade é, pois, o recurso de demonstração de veracidade.Sendo curioso notar a relação existente entre as hipóteses e os instrumentos de investigação; pois, todos todos eles conservam as características essenciais das hipóteses, estão sendo sempre verificados.@DEF = Validação é o estabelecimento da validade dos instrumentos e hipóteses nas ciências factuais. O termo é empregado para designar os procedimentos pelos quais se determina o grau de validade, com o sentido de consonância com a realidade, de uma hipótese, modelo, simulação ou instrumento (com os quais se pretende representar, imitar o identificar uma coisa qualquer.Em última análise, o grau de validade de um conceito factual põe em evidência o quanto uma proposição se assemelha àquilo que pretende representar. A validade é uma propriedade que deve ser exigida de qualquer instrumento de observação sistemática, sobtretudo se for de medição, incluindo os de diagnóstico ou de outro procedimento experimental, de tal modo que se possa assegurar que ele meça ou identifique exatamente aquilo a que se propõe; mas deve ser aplicada, também, aos conceitos, juízos científicos ou quaiquer outros de seus enunciados, razão pela qual a validade é um elemento essencial para a comprovação das hipóteses e para a determinação de sua verossimilhança.A validade permite avaliar o quanto os efeitos verificados em uma observação ou experiência foram claramente devidos à variável

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visada nela e, por isto, permitem que se generalizem os dados obtidos, desde que sejam mantidas as condições nas quais foi realizado o procedimento experimental avaliado.Nas ciências factuais, emprega- se na elaboração inteligente de seus enunciados um sistema lógico denominado lógica de predicados que não dispõe de procedimentos efetivos para aferição da validade de suas proposições, como acontece na lógica proposicional, característica das ciências formais.@DEF = Originalmente, variável era todo fenômeno observável e quantificável em um procedimento científico ou um símbolo qualquer ao qual possam ser atribuídos diferentes valores. E, por extensão, o termo variá v el finda por poder ser aplicado a todo critério de classificação, independentemente de poder ser quantificado ou não.A qualidade de um fenômeno ou objeto se determina pela presenção ou ausência de uma característica. Nos procedimento qualitativos, é isto que que constitui a variável estudada.Em psicometria, nas investigações psicopatológicas e em outras modalidades de pesquisa psiquiátrica e clínica, costuma- se distinguir dois tipos diferentes de validade: a validade interna e a validade externa .@DEF = Denomina- se <S> VALIDADE INTERNA de um instrumento ao grau em que ele desempenha realmente o papel que dele se espera; se ele faz aquilo para o qual foi construído ou é empregado.Aqui se coloca a importância do propósito da investigação em seu resultado. Um instrumento dotado de validade interna (que é a que realmente interessa nas ciências factuais) será válido quando faz o que se espera ou se deseja que faça. Por exemplo, há de ser muito diferentes se o objetivo da investigação e o doente ou a doença (mesmo considerando estes dois conceitos como completamente intercomplementares, correspondem a duas realidades diferentes.@DEF = A validade de construção de uma prova ou de um projeto experimental é determinada pela sua relação lógica com a definição operacional da variável que pretende medir e do grau de coerência interna que mantém com os demais instrumentos empregados na investigação.Embora sejam procedimentos cognitivos diversos e emprgedos com propósitos diferentes na teoria do conhecimento científico, a validade de construção pode ser confundidada com a validade aparente ou validade de face.@DEF = A validade de conteúdo de um instrumento representa o grau de correspondência que ele mantém com o objeto ou fenômeno investigado.O grande problema que os critérios atuais de diagnóstico mantêm é sua baixa validade de conteúdo. Empregando- se critérios estritos, podem ser diagnosticados todos os casos típicos porque atendem às exigências. Mas, não se podem reconhecer todos os casos

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existentes mesmo na população que consulta os médicos. Este o paradoxo do diagnóstico psiquiátrico, a busca da estabilidade (e da fidedignidade) conduz a prejuíxo da correspondência com a realidade (a perda da validade de conteúdo que é, em última análise, a dimensão mais importante da validade no plano da teoria do conhecimento e do reconhecimento: o que seria a teoria do diagnóstico.@DEF = A <S> VALIDADE EXTERNA, de um instrumento de investigação é um atributo de ordem empírica determinado pela comparação do resultado obtido com a aplicação daquele instrumento com o resultado encontrado empregando- se o instrumento ou diretriz que serve de modelo ou critério. Este método de aferição da validade é denominado procedimento axiomático porque parte da existência de um modelo convencionado que é tido como parâmetro de validade externa.Que é o procedimento mais difundido para ensinar e aprender a diagnosticar em psiquiatria. É como se o professor dissesse ao aluno. Diagnosticar é coisa muito complexa, está acima de sua possibilidades, portanto, vá usando este macete. Assim, ao menos ninguém vai poder discordar de seus diagnósticos. Você só vai fazer diagnósticos certos destas síndromes, ainda que nem todos seus doentes sejam bem diagnosticados.@DEF = Denomina- se validade preditiva à possibilidade de acerto da predição que se fizer do resultado da aplicação de um instrumento, que se baseia na aplicação anterior; o prognóstico pode ser entendido como resultado da validade preditiva de um diagnóstico. No procedimento experimental, a validade externa permite a generalização dos resultados obtidos experimentalmente.Do que se afirmou acima, pode-se entender porque a probabilidade de verdade contida nos enunciados das ciências factuais (sejam conceitos, categorias, juízos ou princípios) e no resultado da aplicação de seus instrumentos de investigação (inclusive os instrumentos de diagnóstico médico), deva ser sempre entendida em termos de v er o s s i m ilitud e ou v er o s s i m ilhan ç a ( semelhante à verdade, parecido com a verdade) e seu grau de veracidade contenha sempre o sentido de probabilidade de verdade, probabilidade de ser verdadeiro, de estar consonante com a realidade natural ou social e não seu conteúdo de verdade como um fator absoluto; e, por isto, também se pode inferir porque tal veracidade deva ser sempre expressa por uma cifra menor que cem por cento, com se há de mencionar logo adiante.Quando a preocupação com a confiabilidade leva ao sacrifício da validade, pode-se obter um conceito ou um juízo com alto grau de concordância entre seus usuários (a validade de construção) sem validade de conteúdo suficiente.@DEF = Em psicopatologia, emprega- se o conceito de validade descritiva para referir a correspondência havida entre um fenômeno psicopatológico e sua descrição, ainda que convencionada (como nas descrições ou definições mais ou menos

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apropriadamente denominadas de o p e r a c i o n a i s ), com sentido semelhante ao de validade de aparente, quando o instrumento permite diagnosticar unicamente aquele fenômeno patológico visado (ainda que não reconheça todos os casos).

@DEF = E em Medicina se denomina validade de face ou validade aparente ao grau de consenso clínico obtido em relação a um diagnóstico, o que se confunde com a estabilidade.A estabilidade (ou validade de face, validade aparente) de um diagnóstico, por exemplo se revela na convergência das opiniões diagnósticas de de diferntes clínicos sobre um mesmo paciente. Essa convergência, ou validade aparente é denominada assim porque representa apenas um lado da validade. Ela quer dizer que todos os casos diagnosticados são, muito provavelmente portadores daquela enfermidade, mas não significa que todos os casos daquela patologia foram reconhecidos.É preciso não esquecer que a chamada valida d e d e fac e é apenas uma validade aparente (que, aliás, seria sua melhor designação em português, para quem não quiser falar em estabilidade).

@BRK PA = @CT02 = 5.7. Funções das Ciências@INICIALGR = Mesmo sem qualquer compromisso com o funcionalismo, deve- se estudar a funcionalidade das ciências, tanto pelo seu significado social, mas porque os objetivos e as funções de uma coisa qualquer são elementos importantes de seu conhecimento e influem na sua atividade prática.O funcionalismo é uma tendência filosófica que reduz a ciência à descrição das funções das coisas, negando a possibilidades de se descobrir as leis que regem estas coisas. @DEF = A ciência detém duas funções essenciais, a explicação e a previsão, que a justificam socialmente, distinguem- na do conhecimento vulgar e têm sido destacadas como principais motivos de sua existência. A função de explicar os fenômenos (ou função heurística) e a função de antecipar os fatos (ou função preditiva).@DEF2 = a função heurística (de explicar, resolver problemas lógicos e descobrir as verdades científica que se situam muito além da identificação da causalidade) e@DEF2 = a função preditiva ou prognóstica (antecipar o futuro, prever, conhecer de antemão algum fenômeno ou situação que está para acontecer).Estas duas características utilitárias, as possibilidades de retrovisão e de previsão , apenas aparentemente contraditórias porque intercomplementares, marcam a ciência desde sua origem na magia. Porém, é preciso ter presente que, assim como se apontou a provisoriedade, a falibilidade, a imperfeição e a relatividade heurística da ciência, deve- se desmitificar sua

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preditividade que não pode ser entendida como completa, absoluta, infalível ou permanente.@MINOR HEADING = Ciência e Previsão Científica@INICIALGR = Previsão científica é a possibilidade de predizer, através de meios considerados científicos, fenômenos naturais, sociais ou psicológicos ainda ignorados; o que pode se originar em informações teóricas (como as leis e os princípios científicos) ou dados experimentais e considera as regularidades objetivas e específicas do processo particular cujo desenvolvimento está sendo estudado. Nem todas as formas da atividade científica têm o mesmo poder explicativo (valor heurístico) ou preditivo. Analogamente, não existe esta uniformidade heurística ou preditiva no interior de cada ciência específica; nem toda informação obtida em cada uma delas detém idêntico potencial de previsão (valor preditivo) ou de explicação.@DEF = O valor preditivo e heurístico de uma proposição científica depende, menos da ciência onde se originou, do que da correção da metodologia que o produziu.As previsões científicas, na dependência da natureza dos fenômenos previstos, podem ser classificadas em dois tipos particulares: a) previsões referentes a fenômenos desconhecidos , que não apareceram ainda na experiência, mas existentes; (como a previsão da existência de petróleo em um terreno submetido a exame geológico) e b) previsões que se referem a fenômenos que estão para acontecer (como a previsão do aparecimento futuro de uma enfermidade, caso se reunam as condições necessárias para seu surgimento, ou o prognóstico de uma patologia frente à adminstração deste ou daquele tratamento).Quando se determina ou avalia qualquer previsão científica deve- se levar em conta que uma previsão científica deve: a) ser expressa em probabilidade (se possível quantificada); e b) subordinar- se às condições ou circunstâncias nas quais se dá o fenômeno previsto.Por estas razões, toda construção de uma previsão científica está sujeita a uma série de causas de erro que podem ser mais ou menos numerosas, além de previsíveis ou casuais e influirem mais ou menos em seus resultados.@DEF2 = O valor preditivo é, em última análise, o grau d e p o s s i bilida d e d e ant e c i p a ç ã o da q uil o qu e vai ac o n t e c e r e m um pro c e s s o . Contudo, é preciso saber que as informações científicas de caráter preditivo não são instrumentos adivinhatórios, embora se destinem a predizer, o que está para acontecer, esta previsão não é absoluta, nem têm o mesmo valor em todas as situações e casos; o que se deve entender pelo alcance do val or pr e d iti v o da s ci ên c i a s é que elas podem fornecer informações que permitem predizer que, caso estejam presentes determinadas condições, provavelmente acontecerão certas coisas. Por exemplo, é possível, através de cálculos balísticos, prever, que um corpo submetido a

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um certo impulso percorrerá uma exata trajetória em um dado tempo e chegará a um dado ponto em um determinado instante.Do que se depreende que a capacidade preditiva da ciência é sempre relativa e está subordinada às circunstâncias potencialmente capazes de influirem no surgimento e no desenvolvimento do fenômeno previsto. Já se viu que a determinação da capacidade preditiva da ciência se concretiza no estabelecimento da maior ou menor probabilidade de se realizar um certo fato, de acontecer um determinado fenômeno, de uma proposição ser verdadeira ou ser falsa. Para os efeitos práticos, pode- se dizer que a determinação científica da probabilidade de ocorrer um determinado fato ou acontecimento pode ser qualquer número menor que cem por cento. Porque a defectibilidade das ciências factuais impede as previsões absolutas e permanentes.

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@MINOR HEADING = Metodologia e ComprobabilidadeA comprobabilidade científica se materializa na metodologia científica e pode ser empírica (prática) ou teórica. E a comprobabilidade empírica pode ser direta ou indireta (com auxílio de teorias).As teorias científicas são compostas por enunciados com diversos graus de complexidade, fidedignidade e validade. Do ponto de vista da complexidade dos enunciados científicos, destacam- se os conceitos ou enunciados conceituais, as categorias, as definições e juízos (ou proposições) que já foram anteriormente definidos e explicados e cada um destes instrumentos lógicos se diferencia em procedimento cognitivo do senso comum e procedimento científico.No plano da veracidade (sobretudo da verossimilitude, da fidedignidade e da validade) dos enunciados científicos indispensáveis às formulações metodológicas, destacam- se as suposições (conjecturas sem qualquer indício de validade), as hipóteses (conjecturas dotadas de alguma possibilidade de verossimilitude e que podem ser sujeitas a verificação por uma metodologia, porque não existe hipótese que não possa ser verificada) e fatos (proposições comprovadas nas ciências factuais ou demonstradas nas ciências formais).Quando se busca identificar os recursos metodológicos das ciências, pode se constatar que a indução, a dedução e a comparação (ou analogia) são os procedimentos metodológicos mais caractrerísticos da investigação científica contemporânea.O método indutivo permite generalizar a partir do conhecimento de premissas singulares. O método dedutivo , ao contrário, conclui a partir de um conjunto de premissas mediante o emprego de regras corretas de inferência.O método axiomático é uma modalidade particular da dedução pela qual se conclui a partir de axiomas (proposições

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independentes de comprovação) que servem como pontos de partida ou preenchem claros em um enunciado teórico. O método analógico consiste na comparação de conceitos ou coisas, buscando suas semelhanças e diferenças, de forma a estabelecer identidade ou diferença entre eles.Cada um destes temas será mais detalhadamente exposto adiante, neste texto, de modo a permitir melhor entendiemnto do assunto.

COMPROBABILIDADE E VERACIDADE

1.8. O Problema da Veracidade do Conhecimento

Pode-se dizer que a verdade (do latim, veritas), se refere ao conhecimento verdadeiro que se reconhece pela concordância, adequação, correspondência ou identidade com aquilo a que se refere. Esta questão central consiste em saber se é possível haver um conhecimento verdadeiro e, sendo possível, se haverá viabilidade em reconhecer esta verdade como tal (isto é, de demonstrar, comprovar ou verificar esta verdade). Pode-se definir verdade como reflexo fiel e autêntico da realidade no pensamento e como fidelidade de sua expressão naquilo que pretende afirmar.

A possibilidade de se conhecer a verdade (na natureza, na sociedade ou nos seres humanos) ou a possibilidade de se estabelecer um certo teor ou probabilidade de verdade em um conhecimento ou informação é talvez o mais candente dos problemas de ciência e da construção do conhecimento científico.

O teor de verdade reconhecido em uma proposição se denomina veracidade.

A veracidade de um conhecimento é expressa pelo se grau de verdade que ele contém (ou que existe na proposição que o expressa). Se bem que todo conhecimento, por definição, envolva algum grau de convicção de que aquele dado da consciência corresponde à verdade (o contrário de falsidade), não se pode confundir o conhecimento com a convicção de realidade. O que será mais detalhado logo adiante neste trabalho (quando se diferenciar veracidade de verossimilitude).

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Desde Leibnitz, em filosofia da ciência se diferencia a veracidade lógica ou verdade da razão (referente a idéias, proposições e formulações teóricas), da veracidade factual ou verdade casuais, verdades de fato (que se referem à correspondência dos fatos com o que se conhece sobre eles).

Do ponto de vista epistemológico, no conhecimento científico deve-se diferenciar dois pares categorias complementares da epistemologia: o que já se conhece e o que resta para conhecer sobre alguma coisa; e o conhecimento completo e exaustivo que se possa elaborar sobre algo em confrontação com conhecimentos parciais e segmentares que se possa construir.

Entretanto, por definição, o procedimento de conhecer implica sempre, para o sujeito do conhecimento, em alguma convicção de que aquilo que se conhece é verdadeiro, que corresponde à verdade. A convicção na veracidade é um componente indispensável da noção de conhecimento.

Esta questão parece crucial para a atividade científica. Afinal, a ciência sempre pretendeu produzir conhecimento verdadeiro. Se não completa e perenemente verdadeiro, ao menos, o mais verdadeiro possível em cada momento de sua evolução.

Do ponto de vista da verdade, os enunciados e as proposições (inclusive os enunciados e as proposições científicas podem ser classificados em verdadeiros e falsos.

1.9. Conhecimento e Convicção

A aquisição do conhecimento consiste no processo funcional de apreensão e elaboração ativas de informações sobre uma coisa qualquer, sob a forma de uma imagem perceptiva, apreensão, noção, conceito ou um componente qualquer da consciência que pode ser processado logicamente e assimilado pelo sujeito como uma imagem da memória (representação), possível de ser evocada e reconhecida como verdadeira. Por isto, todo conhecimento está associado a algum grau de convicção de verdade da coisa conhecida, porque quem conhece é capaz de reconhecer como verdadeiro o seu conhecimento. Do que foi afirmado, depreende- se que todo conhecimento, por definição, implica em alguma certeza de correspondência com a realidade. De fato, todo conhecimento implica em algum grau de convicção de que o conhecido é verdadeiro. Contudo, convém diferenciar conhecimento e crença, pois, desde sua origem, a noção de conhecimento se opõe à de crença, embora ambas apresentem algum grau de convicção. Pode

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haver convicção muito arraigada, uma crença muito firme, que não possa ser denominada de conhecimento.

Nem toda convicção, mesmo intensa e arraigada, provém da correspondência com a verdade, muita convicção se origina na credulidade, capacidade de acreditar independente de comprovação ou demonstração. A convicção da realidade de uma informação depende de sua correspondência com a realidade e da tendência do sujeito a acreditar nela.

Desde Aristóteles, se conhece o seguinte caminho da busca da verdade das coisas desconhecida: ignorância, dúvida, opinião ou impressão e a certeza.

O conhecimento é um estrutura de informações e de habilidades que coexistem com a noção de ser coerente internamente e consistente em sua relação com a realidade e é esta possibilidade de utilizar um critério de verdade que diferencia as simples crenças das convicções provindas do conhecimento.

O conhecimento se diferencia definitivamente das crenças e do pensamento mágico- mítico- religioso cujos resultados não podem ser chamados de dados do conhecimento, ainda que componham o patrimônio de certezas de muitas pessoas e sejam potencialmente capazes de exercer influência na propulsão, direção e modulação de seus comportamentos (inclusive as atitudes cognitivas, afetivas e referentes à conduta interpessoal). Pois, sabe-se que as crenças exercem papel motivador muito importante nos comportamentos e que correspondem a necessidades psicológicas ou ideológicas sempre mais ou menos valiosas para quem as experimenta e cultiva. As crenças (ou dogmas) são conteúdos de natureza afetiva e não cognitiva, embora se expressem como conceitos, juízos e raciocínios como o conhecimento. E porque são fenômenos afetivos, se consolidam, se ampliam e se enraízam em função destes motivos e não pelo convencimento provindo da razão.

Também se costuma discutir se o conhecimento se limita a uma atividade da consciência, uma representação mental de seu sujeito que incluiu uma imagem do objeto, ou se o processo de conhecer se dá pela incorporação e assimilação pelo sujeito das características do objeto. E, neste segundo caso, o fato de conhecer, determina uma transformação em quem conhece.

Adiante, se há de verificar que, quando se tratar de conhecimento científico, o grau de convicção (ou certeza) de uma proposição depende de sua verossimilhança (possibilidade de ser de verdadeiro). E, de acordo com sua verossimilhança, as proposições científicas se classificam em especulação, suposição, hipótese e fato.

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1.10. Verdade e Falsidade

A verdade e a falsidade são possibilidades existentes ao final dos procedimentos de verificação ou comprovação das proposições (ou enunciados). Pode-se afirmar genericamente que a verdade reflete a concordância entre dois extremos conceituais: dois fatos (ou dados reais, dois entes existentes), dois dados intelectuais (duas idéias) ou uma idéia e um fato da realidade. A verdade se expressa por conceitos ou proposições verdadeiras que se referem a estes tipos de relações.

Todo ente é verdadeiro como tal, mesmo que se trate de uma fantasia; sua existência é comprovante de sua veracidade. O mito de Papai Noel, torna o Papai Noel, verdadeiro como personagem mítico e não como um ser humano real. O personagem (de literatura, cinema teatro) é verdadeiro como personagem, ainda que não o seja como pessoa (ainda que esteja sendo representado por uma ator que é uma pessoa verdadeira e represente alguém que exista de realmente).

A verdade material, verdade factual ou verdade ontológica consiste na comprovação da existência objetiva de uma coisa.

A verdade lógica consiste na conformidade, adequação ou consistência de duas idéias ou de uma idéia e a realidade.

A falsidade é o conceito oposto ao de verdade, coerência ou correspondência com a realidade.

Existe uma falsidade ideal (quando falta correspondência ou adequação entre duas idéias que é a falsidade dos raciocínios ou das arquiteturas lógicas) e uma falsidade material ou factual (quando inexiste correspondência entre um fato e uma idéia, como acontece nas ciências factuais, como se de ver adiante).

As noções verdade e falsidade e, mais comumente, verdadeiro e falso são atribuídos a conceitos, a juízos e a raciocínios. As proposições construídas com estas figuras lógicas podem ser tidas como verdadeiras acreditadas como falsas.Falsicabilidade é o princípio proposto por Popper para o conhecimento factual, pelo qual pode-se ter como verdadeira uma proposição enquanto ela não for comprovada como falsa (ou enquanto resistir aos esforços metodologicamente corretos para comprovar sua falsidade).

1.11. Conhecimento: Impressão e Certeza da Verdade 120

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Não há conhecimento sem convicção de veracidade. Mas nem toda convicção de veracidade corresponde à existência de veracidade. Alguém pode ter certeza (uma impressão muito forte, uma convicção bastante arraigada) de que uma coisa é verdadeira e ela ser falsa; não ser uma verdade, mas uma falsidade.

@DEF = A definição mais sintética de verdade, designa- a como conhecimento da realidade; da realidade lógica ou da realidade factual. Anteriormente, neste trabalho, já se definiu o conhecimento como a apropriação mental pelo sujeito de propriedades do objeto do conhecimento (objetos, fenômenos e relações deles entre si e com o mundo); tal apropriação se faz através da apreensão de características descritivas ou explicativas do que está sendo conhecido; e implica, sempre, em um certo grau de <F"Times New Roman">certeza<M> de que aquele conhecimento é verdadeiro<F255>. A impressão de veracidade é uma característica fundamental do conhecimento. A convicção de veracidade está sempre presente em todo conhecimento, se bem que em diferentes graus. A impressão (ou a convicção de verdade de uma coisa quase nunca é evidenciada por ela mesma, mas por suas relações.

Este grau de convicção da veracidade do conhecimento se caracteriza por se saber que se sabe e saber o que se sabe, permite reconhecer e ocasiona a possibilidade de comunicar que são características essenciais de todo conhecimento, porque não se conhece verdadeiramente, qualquer que for o tipo ou o grau deste conhecimento, se não se for capaz de reconhecer a coisa conhecida como tal ou de comunicar sobre ela. Já se viu que, com o sentido de conhecimento- resultado, também significa o acervo de informações proporcionadas por estes processos.

No conhecimento vulgar, a convicção de verdade existente em um conhecimento qualquer sobre alguma coisa resulta apenas da impressão subjetiva de sua veracidade na consciência do agente do processo de conhecer; neste caso, quando se busca alguma comprovação para reforçar a convicção, esta não deve passar de uma comparação de aparências. Já no conhecimento científico, a noção de veracidade é dado por um programa sistemático de investigação que fornece a necessária consonância de seus conceitos e suas proposições entre si e com a realidade factual. No âmbito do conhecimento filosófico, como no das ciências formais (lógica, matemática) o critério de verdade é dado pela consistência de seus conceitos e de seus juízos. E a convicção é fruto do convencimento que é um processo cognitivo.

@DEF = De qualquer forma, ainda que a convicção seja parte importante do saber, conhecer é essencialmente diferente de

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acreditar, ter como verdadeiro, ter fé; pois, embora todo conhecimento implique em uma certa convicção, a convicção pode provir ou não do conhecimento. Em ambos os casos, a convicção tem estruturas completamente diferentes: crença nas diversas modalidades de conhecimento vulgar e convencimento no conhecimento superior (científico e filosófico)

O conceito de verdade é sempre atribuído a um juízo (um enunciado ou uma proposição, como se diz em linguagem da ciência); quando se trata de um juízo científico, tem- se uma verdade científica. As verdades científicas são do tipo factual, por isto, devem ser objetivas. A objetividade é um pressuposto tido como essencial para caracterizar uma verdade científica, o que não deve ser confundido com objetivismo (que implica na recusa sistemática de tudo que não for objetivo). Por isto, a objetividade se situa como uma característica fundamental da ciência.

A objetividade, entendida como independência em relação ao observador, é um elemento importante para o reconhecimento da verdade.

Tipos de verdade. Na dependência das diferentes opiniões filosóficas, podem ser mencionadas diferentes modalidades de verdade, dentre as quais podem ser destacadas as seguintes:

@BULL1 = a verdade lógica (ou formal),@BULL1 = a verdade factual (objetiva, experimental ou material),@BULL1 = a verdade axiomática (ou convencional).

Cada um destes tipos de verdade se materializa na correspondência entre uma proposição e aquilo que ela menciona. O conteúdo de verdade de uma proposição resulta do critério de verdade com o qual ela é aferida.

A certeza da verdade pode se dar por dois mecanismos chamados critérios de verdade. O primeiro, o critério da consistência, afirma a verdade pela demonstração da coerência interna das proposições que formam uma tese; a verdade lógica. Por exemplo, dois objetos iguais a um terceiro são iguais entre si. O segundo critério de verdade, é o critério de consonância com a realidade que caracteriza as ciências factuais. Este critério estabelece um conceito (ou uma proposição) como verdade na medida em que seja comprovado como adequado à realidade.

Além destes dois critérios de verdade, existe um terceiro que é a comparação com o modelo convencionado ou aceito como padrão (que é usado para estabelecer as verdades convencionais), como nas escalas de avaliação, pesos, medidas e nas convenções e normas sociais.

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Quando o conhecimento da realidade começou a demolir as chamadas verdades religiosas, os dogmas das religiões, um filósofo católico, <MS>AVERRÓIS (1126- 1198) inventou a doutrina da dupla verdade que consistia no seguinte: duas afirmativas contraditórias, uma científica e outra religiosa, podiam ser ambas verdadeiras (cada uma em seu mundo).

Adiante, se há de estudar um pouco mais sobre a verdade científica e as noções de veracidade e verossimilitude como importantes elementos lógicos do conhecimento científico. Por enquanto, deve-se continuar a cuidar da comparação da convicção nas crenças no processo e no resultado do conhecimento e a relação do conhecimento com a verdade.

Porque não é a convicção de realidade ou impressão mais ou menos arraigada de verdade, como experiência subjetiva, que caracteriza o conhecimento, notadamente o conhecimento cientifico.

A convicção de realidade é característica comum do conhecimento e das crenças.

1.12. Conhecimento e Crença

Os elementos motivacionais e os critérios de verdade permitem diferenciar a crença do conhecimento. Aqui se pretende estabelecer os elementos distintivos entre conhecimento e crença (fé) e se distingue convicção (certeza como processo cognitivo independente da afetividade) de crença (expressão de credulidade, fenômeno de base afetiva) como tipos diferentes de impressão subjetiva da realidade e veracidade de um conhecimento qualquer. A convicção ou certeza é um processo predominantemente cognitivo (ainda que se relacione muito com as instâncias afetivas da personalidade; resulta da constatação de consistência e compatibilidade com a realidade que pode ser presumida como relativamente independente dos interesses ou desejos de quem a experimenta.

A certeza e a dúvida estão sempre presentes em variadas proporções em todos os conhecimentos. A convicção se completa na dúvida (atitude de falta de convicção, de perplexidade, de vacilação, de irresolução) que é sua antítese lógica e psicológica.

As certezas delirantes e as dúvidas obsessivas colocam- se como extremos de um espectro ainda muito mal investigado.

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A dúvida pode ser uma atitude (tendência ou fenômeno psicológico) ou um método de cogitação filosófica (a dúvida sistemática cartesiana que caracteriza a ciência moderna).

@DEF = A crença é um fenômeno subjetivo que se fundamenta em uma base afetiva, estruturando- se a partir processos afetivo-psicológicos ou ideológicos, há muito tempo, reconhecida como processo subjetivo arracional e incomprovável. A crença pode ser definida como a atitude do espírito que adere a um enunciado ou a um fato sem poder administrar- lhe prova completa, sem que a convicção provenha da experiência ou da razão. Por isto, a crença pode corresponder a todos os grau de probabilidade.<$FRonner, M., Comunicação Pessoal, 1993.> Mas a convicção que provoca independe de sua correspondência com a realidade ou de qualquer outro critério de verdade.

@DEF = A credulidade, entendida como tendência natural das pessoas para crer em alguma coisa por força de suas motivações afetivas ou ideológicas, é encontrável em todos os grupos humanos e muitos a denominam de religiosidade. Mas esta designação é imprópria. A religião é uma instituição social, uma organização de crentes, uma comunidade (eclesia) de fiéis. O fenômeno individual é a credulidade.

As crenças são a concretização da credulidade (predisposição para ter fé).

Adiante, neste texto, há se colocar a oportunidade de diferenciar as crenças como atributos psicológicos (patológicos ou não patológicos) e ideológicos a serviço de pessoas, das religiões, instituições sociais que se manifestam, em organizações mais ou menos complexas, a serviço do Estado ou das classes sociais hegemônicas.

De certa maneira, o conhecimento é uma constatação iniciada em uma impressão, uma percepção ou em uma elaboração inteligente (uma evidência, ainda que mais ou menos casual) que leva a uma conclusão inteligente por meio de um processo cognitivo eficaz; tal processo cognitivo que inicia- se no reconhecimento da existência de seu objeto, evolui para conhecê- lo, a partir da sua forma para seu conteúdo, da aparência para a essência, da forma para o conteúdo e finda na convicção.

Embora o conhecimento possa se dar de maneira mais ou menos casual, sem participação óbvia e ativa da inteligência, esta sempre está presente no processo de fixação inteligente, ao menos nas conexões lógicas que se estabelecem entre o material adquirido e o conhecimento já havido pela pessoa. Enquanto a crença não é uma conclusão lógico-cognitiva, nem resulta do processamento lógico de

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informações sensíveis ou lógicas sobre o objeto, é uma convicção assimilada a partir de uma necessidade afetiva; nela, quando existe algum procedimento racional, este se dá a posteriori, apenas para justificá- la e não para elaborá- la.

As crenças impõem uma atitude positiva em relação à validez (ou validade, no sentido de correspondência com a realidade) daquilo em que se crê, por isto, todos têm convicção em suas crenças, ainda que elas não correspondam à realidade e, mesmo, possam parecer completamente incríveis (ou, mesmo, bastante ridículas) para todos os outros. Embora as fé ou as crenças religiosas ou sobrenaturais sejam sempre suas expressões, nem todas as crenças têm este matiz religioso ou sobrenatural.

Existem crenças que não são religiosas, que são provenientes da confiança em quem seja considerado uma autoridade ou outras, como as políticas e, até, as científicas. Porque é possível e comum que alguém experimente opiniões científicas como uma fé, como se fossem crenças. Para se reconhecer isto, leva- se em conta a dúvida, pois se sabe que a dúvida é incompatível com a crença enquanto é essencial ao conhecimento científico. O conhecimento, sobretudo o conhecimento científico, ao menos em princípio, não tem implicações afetivas ou, em qualquer caso, não as deve ter dominantes. Por que isto configura uma paixão.

@DEF = Maneira eficaz de se distinguir os conhecimentos das crenças, se dá quando de sua contestação ou, mesmo, a prova de sua invalidade. Sempre que um conhecimento se prova falso, ele é substituído sem qualquer emoção, frustração ou sofrimento; ninguém lastima a substituição de um conhecimento, ainda que possa sofrer com sua repercussão prejudicial. Ao contrário do que acontece com as crenças, quando se mobilizam reações emocionais proporcionais às necessidades afetivas investidas nelas.

A verdade é um valor fundamental para o conhecimento e para a personalidade. Não é possível existir interação humana saudável que não se baseie na verdade, nem organização social ou estrutura ética que possa prescindir dela.

@DEF2 = Paixão é uma emoção ou sentimento vivenciada pelas pessoas com tal arraigamento na personalidade que exerce uma ação diretora sobre o pensamento, o julgamento, o comportamento, influindo mais ou menos decisivamente na percepção, no juízo, nos raciocínio e na ação.

@DEF2 = As paixões, mesmo as paixões da ciência ou na ciência, costumam ser importantes fatores de distorção do conhecimento na atividade científica.

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Deve-se atentar para as paixões como propulsoras das condutas pró-sociais e anti- sociais, mesmo no âmbito da ciência. Mas não se pode esquecer a influência dos interesses objetivos e subjetivas. As pessoas podem se apaixonar por um time de futebol ou um partido político; mas é mais fácil encontrá- las apaixonadas por dinheiro, por poder, por autoridade, fama, prestígio. A dificuldade de identificar as paixões da ciência é tão maior quando acontece de tudo isto estar misturado, tal como se pode assistir recentemente na polêmica sobre a prioridade na descoberta e identificação do virus da imunodeficiência humana adquirida, quando interesses financeiros vultosos se somavam à uma grande carga de vaidade individual e nacional de franceses e norte- americanos, além dos interesses dos indivíduos envolvidos diretamente na querela.

Apesar de haver poucos inocentes no mundo da ciência, pode- se diferenciar os apaixonados empregando- se o mesmo critério usado para diferenciar a simulação da histeria; pode- se empregar a natureza da vantagem perseguida como critério diferencial para diferenciar a paixão da má- intenção. Quando a vantagem for material, considera- se que a paixão é secundária. No caso do ganho obtido redundar em vantagem psicológica ou ideológica, pode-se considerar a paixão como primária.

Um outro elemento psicológico que pode distorcer a veracidade do conhecimento são as atitudes e os hábitos intelectuais.

Dentre os fenômenos psicopatológicos capazes de comprometer a qualidade do conhecimento, podem ser reconhecidos os seguintes: as timopatias (depressiva ou eufórica, pelo comprometimento do juízo crítico), os delírios (pela distorção característica do reconhecimento ou da interpretação da realidade), as fobias (pela influência que exercem no julgamento) e a obsessividade (pela influência dos pensamentos intrusivos no comportamento da pessoa afetada).Além da influência de fatores psicológicos e psicopatológicos, a existência, a intensidade e o alcance das crenças pode sofrer a influência de fenômenos e processos ideológicos ou ideologicamente determinados.

Pode-se dizer que a crença é a ideologia,<$FIdeologia com o sentido de falsa consciência determinada por influências objetivas de natureza social.> o desejo, o temor (sendo que estes dois fenômenos, muitas vezes, são expressões aparentemente opostas de uma mesma coisa) ou qualquer outra expressão de necessidade cultural ou afetiva, transformado em convicção; convicção esta que pode assumir qualquer grau de certeza. Não sendo raro que se mostre muito arraigada e capaz de exercer influência diretora sobre uma área muito grande do comportamento. O denominador

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comum de todas estas convicções é não terem sido verificadas ou comprovadas por seus crentes.

O alcance das crenças também costuma ser extremamente variado. Pode variar de uma opinião mais ou menos comum acerca de uma coisa pouco importante, até sistemas muito complexos de crenças e valores que alcançam praticamente todos os aspectos da vida individual e do convívio coletivo.

As crenças resultam de necessidades conscientes ou inconscientes, individuais ou sócio-culturais, que tomam forma de convicção injustificável lógica e racionalmente. Uma crença pode surgir como revelação. As crenças têm dimensões psicológicas (individual e social) e ideológicas (antropológicas e sociológicas) e seu estudo deve se dar em todos estes domínios.

1.13. Crença e Revelação

A revelação é uma forma particular de crença que se manifesta como uma convicção ou um conjunto de convicções originadas em experiências subjetivas místicas (ou, de qualquer maneira, ideológicas) tidas como provenientes da comunicação com uma entidade sobrenatural. Em geral, as revelações são resultado de uma crença, ignorância e sugestionabilidade (patológica ou não) combinadas nas mais diversas proporções.

Mas não se pode esquecer a mistificação (a mentira deliberada) ainda que praticada com as melhores intenções.

Em geral, o conceito de revelação é empregado pelos religiosos como verdade revelada (que foge às exigências de comprovação, dependendo apenas da fé. Não se trata de conhecimento, mas de crença.

@DEF = Revelação é uma experiência consciente da recepção de uma mensagem, tida subjetivamente por verdadeira porque teria sido transmitida por uma divindade ou entidade sobrenatural superior, diretamente à pessoa, utilizando algum meio sobrenatural para lhe comunicar alguma coisa.

@DEF = A revelação pode ser percebida apenas como uma convicção subjetiva supra- sensorial ou pode ser originada em pseudo- percepções tácteis, auditivas, visuais ou outras. Pode ser um fenômeno de credulidade patológica (obsessividade, delírio) ou não patológica. Neste segundo caso, pode ser expressão de sugestionabilidade induzida por meio de uma crença ou de uma ideologia.

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Os conteúdos revelados não podem ser considerados científicos, sendo componentes muito comuns das crenças (e dos delírios), embora, eventualmente, possam corresponder à realidade mas sejam impossíveis de comprovação. Mas, em qualquer condição, um conhecimento assim revelado é incompatível com o conhecimento adquirido por meios científicos.

Cunha, J.A.<$FCunha, J.A., Filosofia, Ed. Atual, S.Paulo, 1992, p. 84.> é um dos autores que empregam a ênfase na revelação como divisor de águas das religiões e dividem as crenças religiosas em reveladas e encantadas. Nas primeiras, sua codificação é sempre atribuída a um ou mais profetas que assumem o status de seus fundadores. As segundas, as crenças religiosas encantadas são atribuídas a um trabalho de desvendamento, uma espécie de descoberta intuitiva do mundo e, embora possam ter iniciadores, findam por ser uma construção coletiva.

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