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27/11/11 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 1/13 dgsi.pt/jstj.nsf/«/ab2f82e821af055780257361005417c0?OpenDocument Acyrdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Processo: 07A2206 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: FARIA ANTUNES Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL CAUSALIDADE ADEQUADA REDUÇO DA INDEMNIZAÇO Nº do Documento: SJ200709250022061 Data do Acordão: 25-09-2007 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA Sumário : 1- O artº 563º do CC consagra a teoria da causalidade adequada na variante negativa, que é a mais ampla e que tem um sentido ético da culpa menos restritivo, de acordo com a qual a previsibilidade do agente se reporta ao facto e não aos danos, o que significa que o agente será sempre responsável pelos danos que jamais previu, desde que provenham de um facto ± condição deles ± que ele praticou e que visualizou, sendo um facto causal de um dano quando é uma de entre várias condições sem as quais o dano não se teria produzido. 2- Tratando-se de responsabilidade contratual, desde que o devedor ou lesante praticou um facto ilícito e este actuou como condição de certo dano, justifica-se que o prejuízo recaia, em princípio, sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano, o que só deixa de ser razoável a partir do momento em que o facto ilícito, na ordem natural das coisas, se pode considerar de todo em todo indiferente para a produção do dano registado por terem concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excepcionais. 3- A redução da indemnização prevista no artº 494º do Código Civil apenas opera em matéria de responsabilidade extraobrigacional (aquiliana). Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça C... - CATERING DE PORTUGAL SA, demandou AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de 716.625$00, acrescida de juros à taxa supletiva desde a data da citação até ao efectivo pagamento, e ainda no montante dos prejuízos que se vierem a liquidar em execução de sentença, decorrentes da recusa pelo R. de entrega à A. do programa I.... Tendo sido proferida sentença transitada em julgado, na qual, por força do disposto no art. 784º do CPC, se aderiu aos fundamentos alegados pela A. na petição inicial e se decidiu condenar o R. no pedido, veio aquela A. instaurar acção executiva contra aquele R., na qual, além do mais, pediu se liquide os prejuízos sofridos e cuja liquidação foi relegada para execução de sentença, em 35.139.692$00, acrescidos de juros desde a citação. O executado deduziu embargos, pedindo que: a) Se considere procedente a nulidade decorrente da falta de citação do R., na acção declarativa, declarando-se nulo todo o processo e extinta a execução;

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27/11/11 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de JustiçaProcesso: 07A2206

Nº Convencional: JSTJ000

Relator: FARIA ANTUNES

Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL

CAUSALIDADE ADEQUADA

REDUÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO

Nº do Documento: SJ200709250022061

Data do Acordão: 25-09-2007Votação: UNANIMIDADE

Texto Integral: S

Privacidade: 1

Meio Processual: REVISTA

Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA

Sumário :

1- O artº 563º do CC consagra a teoria da causalidade adequada na variantenegativa, que é a mais ampla e que tem um sentido ético da culpa menos

restritivo, de acordo com a qual a previsibilidade do agente se reporta ao factoe não aos danos, o que significa que o agente será sempre responsável pelos

danos que jamais previu, desde que provenham de um facto – condição deles –

que ele praticou e que visualizou, sendo um facto causal de um dano quando éuma de entre várias condições sem as quais o dano não se teria produzido.

2- Tratando-se de responsabilidade contratual, desde que o devedor ou lesante

praticou um facto ilícito e este actuou como condição de certo dano, justifica-se

que o prejuízo recaia, em princípio, sobre quem, agindo ilicitamente, criou a

condição do dano, o que só deixa de ser razoável a partir do momento em que

o facto ilícito, na ordem natural das coisas, se pode considerar de todo em todoindiferente para a produção do dano registado por terem concorrido

decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excepcionais.3- A redução da indemnização prevista no artº 494º do Código Civil apenas

opera em matéria de responsabilidade extraobrigacional (aquiliana).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

C... - CATERING DE PORTUGAL SA, demandou AA, pedindo a

condenação deste a pagar-lhe a quantia de 716.625$00, acrescida de juros à

taxa supletiva desde a data da citação até ao efectivo pagamento, e ainda no

montante dos prejuízos que se vierem a liquidar em execução de sentença,

decorrentes da recusa pelo R. de entrega à A. do programa I....Tendo sido proferida sentença transitada em julgado, na qual, por força do

disposto no art. 784º do CPC, se aderiu aos fundamentos alegados pela A. na

petição inicial e se decidiu condenar o R. no pedido, veio aquela A. instaurar

acção executiva contra aquele R., na qual, além do mais, pediu se liquide os

prejuízos sofridos e cuja liquidação foi relegada para execução de sentença, em

35.139.692$00, acrescidos de juros desde a citação.

O executado deduziu embargos, pedindo que:

a) Se considere procedente a nulidade decorrente da falta de citação do R., na

acção declarativa, declarando-se nulo todo o processo e extinta a execução;

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b) Subsidiariamente, se declare que a exequente não possui título que lhepermita executar a alegada obrigação de pagamento do custo de aquisição do

novo programa informático, por não se encontrar reconhecida na sentença

exequenda a obrigação de indemnizar tal dano, não existindo a necessária

condenação do R., considerando-se procedentes os embargos, com

fundamento na alínea a) do artº 813º CPC e declarando-se extinta nessa parte,

a execução;

c) Caso não proceda o pedido formulado em a) se considere improcedente o

pedido de liquidação deduzido pela exequente.

Contestou a exequente/embargada.

Realizou-se uma audiência preliminar, em que, entre outras coisas, se decidiu

julgar improcedente a nulidade invocada pelo embargante, por falta de citaçãonos autos de acção declarativa, e se julgou improcedente a alegada falta de

título executivo.

No regular processamento dos autos foi a final proferida sentença na qual se

decidiu liquidar a quantia exequenda em 30.313.442$00, acrescida de jurosmoratórios, desde a citação (6.3.2001), à taxa supletiva comercial dos créditosde empresas comerciais, julgar improcedente a liquidação na parte restante, e

julgar improcedentes os embargos». Apelou o embargante para a Relação de Lisboa que concedeu provimento ao

recurso, revogando a sentença na parte em que (alínea a)) se liquidou a quantiaexequenda em 30.313.442$00, acrescida de juros moratórios desde a citação

(6.3.2001) à taxa supletiva comercial dos créditos de empresas comerciais e emsua substituição, julgou nessa parte improcedente a liquidação.

Inconformada, recorre agora a embargada de revista, tirando as seguintesConclusões:

1ª- O objecto e âmbito do recurso está delimitado pelas alegações dorecorrente;2ª- Nas alegações para a Relação o apelante não invocou, nem sequer

indirectamente, a questão da não existência de título executivo válido quepermitisse executar o montante de 30.313.442$00 despendido pela apelada na

aquisição do programa informático "I...", alegação essa que o executado haviaapresentado em sede de 1ª instância, mas sem êxito;

3ª- Pelo contrário, nas suas alegações o apelante aceita a validade do títuloexecutivo constituído pela sentença da condenação, para executar aquela verba,

uma vez que, nessa parte, apenas se insurge quanto ao montante liquidado,considerando-o elevado e ferindo os princípios da equidade;

4ª- Não tendo o apelante invocado a não suficiência da sentença condenatóriacomo título executivo para liquidar o montante de 30.313.442$00, não podia oTribunal de recurso dar provimento à apelação com esse fundamento, e, em

consequência, julgar "nessa parte improcedente a liquidação";5ª- O ora recorrido, executado em 1ª instância, peticionou no articulado de

embargos à execução e de contestação da liquidação, que fosse declarado "quea Exequente não possui título que lhe permita executar a alegada obrigação de

pagamento do custo de aquisição do novo programa informático, por não seencontrar reconhecida na sentença ora executada a obrigação de indemnizar tais

danos";6ª- O Tribunal de 1ª instância, no despacho saneador, considerou improcedente

a alegada falta de título executivo, tendo-se pronunciado em concreto sobre a

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questão levantada, analisando os argumentos de executado e exequente;7ª- O executado não recorreu desta decisão, sendo a mesma recorrível;

8ª- Pelo que aquela transitou em julgado, tendo-se formado quanto a ela casojulgado;

9ª- Não podia, por isso, o Tribunal de 2a instância voltar a debruçar-se e adecidir sobre a mesma questão no mesmo processo, como fez, sob pena de

violação do caso julgado;10ª- É pelo título executivo que se determinam o fim e os limites da acção

executiva (artº 45º, nº 1 do CPC);11ª- Na fase de execução baseada em sentença condenatória, não pode o

Tribunal voltar a analisar as disposições legais que serviram de fundamento àsentença em execução, mas apenas analisar e interpretar a própria sentençaexequenda;

12ª- No caso em apreço, a sentença condenatória que serviu de base àliquidação, julgou confessados os factos articulados pela A. na petição inicial,

sem fazer qualquer restrição ou distinção entre eles, e aderiu aos fundamentosalegados nesse articulado;

13ª- No artº 31º dessa petição inicial, a A. já invocava a possibilidade de ter desubstituir o programa fornecido pelo R. e tornado inoperacional pelo facto de

aquele ter, ilicitamente, levado consigo a documentação do programa e não a terdevolvido à A.;

14ª- Aí se diz expressamente que só após a análise do programa, então ainda adecorrer, a A. poderia saber se lhe era possível continuar a utilizá-lo, sendocerto que a A. também alegava que um programa informático daquele tipo, que

funcionasse correctamente, era absolutamente indispensável para o exercício dasua actividade;

15ª- Como se pode verificar pelos documentos juntos à liquidação e nãoimpugnados, a aquisição e pagamento do "I..." é muito posterior à entrada em

juízo da petição inicial para a acção de condenação e mesmo posterior àsentença proferida nessa acção;16ª- Na acção de condenação a A. peticionou que o R. fosse condenado a

pagar-lhe todos os prejuízos resultantes da sua actuação ilícita que se viessem a

liquidar em execução de sentença, nos quais se deverá, por isso, incluir a verbade 30.313.442$00, gasta pela A. na aquisição do programa destinado a

substituir o tornado inoperacional pela conduta ilícita do R., conforme previsão

já invocada pela A. na sua p.i., a que a sentença condenatória aderiu;

17ª- A própria sentença proferida na acção de liquidação dá como provado, oque não foi alterado pelo acórdão em recurso, que o executado foi condenado

ao efectivo pagamento do "montante dos prejuízos que se vierem a liquidar em

execução de sentença, decorrentes da recusa de entrega da documentação do

programa" (sublinhado nosso);18ª- A necessidade de compra do novo programa informático resultou

indubitavelmente do acto ilícito do executado de recusa em entregar à exequente

a documentação do programa informático "I...”;19ª- Por tudo, a sentença de condenação constitui título executivo suficiente e

válido para a execução da verba de 30.313.442$00, despendida pela

exequente na aquisição do programa "I...";

20ª- 0 acórdão em recurso alterou a resposta ao quesito 5º, fazendo uso doprevisto no artº 712º do CPC;

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21ª- Tal alteração é incorrecta e não corresponde ao efectivamente provado em

sede de julgamento;

22ª- Não obstante o teor dessa alteração, a única conclusão possível a retirarda análise atenta da matéria de facto assente, é a da existência de nexo de

causalidade entre o acto ilícito do executado e a necessidade da exequente

adquirir o programa informático "I...";23ª- Está dado como provado que à exequente se depararam obstáculos no

funcionamento do programa "I...', tais como dados incorrectos, aparecimento de

mensagens de erro e bloqueio do sistema, e que tal situação "teve origem na

falta da "documentação" do programa, levada pelo embargante quando deixou aembargada" (resposta ao quesito 5º, já alterada pelo acórdão em recurso;

sublinhado nosso);

24ª- Está também assente que, feita a análise à situação por técnicos

informáticos, se concluiu que a solução mais eficiente e rentável seria a deabandonar aquele programa e adquirir um novo "software";

25ª- Da mesma forma está assente que a exequente ainda continuou a usar o

programa antigo pensando que seria possível ultrapassar os problemasrecorrendo à consultoria externa. Contudo, verificou que tal não era viável,

económica e tecnicamente, pelo que se viu na necessidade de adquirir um novo

programa para substituir o deficiente;

26ª- Com a aquisição desse programa despendeu o montante de30.313.442$00;

27ª- É inquestionável existir um nexo de causalidade entre o acto ilícito do

executado ao levar consigo e não devolver a documentação do programa que

era propriedade da exequente, o que deu origem às deficiências nofuncionamento do "I...', e a necessidade de aquisição de um novo programa que

substituísse aquele;

28ª- Não fora o acto ilícito do executado, o programa primitivo continuaria afuncionar perfeitamente, ou possíveis deficiências poderiam ser facilmente

ultrapassadas, servindo as necessidades da exequente, não obrigando esta a

substitui-lo;

29ª- Ao proceder à substituição do programa, os gestores da exequente maisnão fizeram do que actuar com a diligência de um gestor criterioso, como lhes

impõe a lei (art° 64º do Cod. Soc. Comerciais);

30ª- Ao decidir como decidiu, o acórdão da Relação violou os artºs 684º, nº 3

e 690º, nº 1, 510º, nº3 e 672º, 45º, nº 1 e 712º, do CPC e 483º, nº 1 do CC,devendo ser revogado.

Contra-alegou o embargante/recorrido, em apoio do decidido e ampliando

subsidiariamente o âmbito do recurso de revista, nos termos do artº 684º-A doCPC, pela forma que apenas interessará referir no caso de a revista da A.

proceder.

Com os vistos, cabe decidir.

A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1- Por sentença de fol. 48/9 do processo principal, o embargante foi

condenado a pagar à embargada a quantia de 716.625$00, acrescida de

juros, à taxa legal supletiva, desde a citação e até efectivo pagamento, e

ainda o montante dos prejuízos que se vierem a liquidar em execução desentença, decorrentes da recusa de entrega da documentação do programa

(facto do conhecimento oficioso – artº 36º do petitório da petição inicial,

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constante do processo principal);2- A condenação líquida foi objecto da execução que constitui o apenso

«A», enquanto que a execução por quantia ilíquida é objecto do apenso

«B» e do presente apenso;

3- Em 07.01.93, a embargada e o embargante celebraram o acordo escritojunto a fol. 7-8 do processo principal, denominado «contrato individual de

trabalho» através do qual a primeira admitiu o segundo ao seu serviço

(facto alegado no artº 2º da petição inicial do processo principal, admitido

por acordo e objecto de caso julgado);4- A cláusula 2ª deste acordo tem a seguinte redacção: «No âmbito do

presente contrato, o (embargante) compromete-se a instalar e desenvolver

na (embargada) um pacote de software por si criado sobre controle egestão de produção, ficando a empresa autorizada a proceder à respectiva

comercialização, mediante o pagamento de royalties, em percentagem a

definir por acordo das partes» (facto alegado no artº 3º da petição inicial

do processo principal, admitido por acordo e objecto de caso julgado);5- Em 27.01.94, a embargada e o embargante celebraram o acordo escrito

junto a fol. 9-15 do processo principal, denominado «contrato de

concessão de licença de utilização de software» cuja cláusula 2ª tem a

seguinte redacção: «O contrato tem por objecto a concessão pelo(embargante) à (embargada), que a aceita, de licença de utilização

perpétua não exclusiva do I... e, consequentemente, a entrega, por aquele a

esta, das Fontes e da Documentação, podendo a (embargada), livremente,depois de as registar sob designação própria, copiá-las, alterá-las,

desenvolvê-las, modificá-las, adaptá-las e comercializá-las» (facto alegado

nos artºs 4º a 7º da petição inicial do processo principal, admitidos por

acordo e objecto de caso julgado);6- Ao deixar o serviço, o embargante levou consigo das instalações da

empresa, não só um computador portátil, propriedade da embargada, mas

ainda as fontes e demais documentação relativas ao programa «I...MANAGER CATERING SYSTEM» com as alterações, desenvolvimentos,

modificações e adaptações entretanto efectuadas (D));

7- Em 29.12.1997, o embargante fez a entrega das fontes e procedeu à

instalação das mesmas (10º);8- A embargada viu-se obrigada a recorrer a vários consultores externos,

entre os quais a empresa «L...- Gestão, Sistemas e Armazenamento Ldª»

(A));

9- Os quais prestaram os seus serviços em ordem a tentar pôr emfuncionamento o processo informático criado e fornecido pelo embargante

- o programa I... - (B));

10- Os trabalhos da L... consistiram nomeadamente na intervenção pararemoção de dificuldades de funcionamento do programa I... e superação de

bloqueamento no funcionamento desse programa informático (1º);

11- Não obstante a intervenção da L..., depararam-se à embargada

obstáculos no programa «I...», tais como dados incorrectos, aparecimentode mensagens de erro e bloqueio do sistema (4º);

12- Esta situação não pode ser corrigida por falta da documentação do

programa (nomeadamente do script da sequência de compilação), que

não foi entregue pelo embargante à embargada (5º);

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13- Feita uma análise à situação, pela embargada, com a acessoria técnica

da L..., concluiu-se que a solução mais eficiente e rentável seria a de

abandonar totalmente o programa «I...», e adquirir novo software, quepudesse responder adequadamente às necessidades da empresa (6º);

14- Consultado o mercado, a embargada decidiu-se pela aquisição do

programa «I...», para substituir integralmente o programa «I...» (7º);

15- Ainda assim, a embargada foi obrigada a continuar a recorrer aosserviços da L..., para apoio na instalação e início de funcionamento do

novo programa (8º);

16- Com a aquisição e instalação do novo programa informático «I...», a

embargada gastou o montante de 30.313.442$00, incluindo viagens dos

técnicos que procederam à instalação do programa (9º);

17- A empresa que vendeu o programa «I...» declarou fazer um descontode 60.000,00 dólares americanos pela aquisição, por retoma, do programa

«I...» (31º);

18- A embargada continuou a usar os sistemas «I...» durante mais de 18

meses após a saída do embargante (H));

19- Isto aconteceu porque a embargada pensou que fosse possível

ultrapassar os problemas do sistema por recurso à consultoria externa

(32º);20- Quando se verificou que tal não era viável, económica e tecnicamente,

foi necessário fazer consultas ao mercado, elaborar cadernos de encargos

etc., sendo que o mercado de fornecedores, neste âmbito, é muito

específico (33º);

21- Não é possível fazer a transferência imediata e total de um sistema

informático para o outro quando se adquire um novo, numa actividade

como a da embargada, que labora continuamente (34º);22- É necessário formar pessoal, testar o programa e ir passando

gradualmente o serviço de um sistema para o outro, departamento a

departamento, fazendo ao mesmo testes de segurança (35º);

23- Mesmo após a aquisição do sistema «I...», a embargada continuou,

efectivamente, a utilizar em paralelo o sistema «I...» (I));

24- À data da interposição da acção declarativa, os trabalhos da L... ainda

não tinham terminado (C));

25- As fontes de um programa informático são as instruções escritas emlinguagem alfanumérica, cuja compilação articulada gera a criação dos

comandos em linguagem informática, estes denominados executáveis

(18º);

26- São os executáveis que permitem o funcionamento de qualquer

programa informático (19º);

27- Após a criação dos executáveis, as fontes só são necessárias para

eventual reposição de executáveis (e apenas no caso de não haver«backups» - cópias _ dos mesmos) ou para se proceder à alteração dos

mesmos (v.g., por se pretender fazer alterações/melhoramentos ao modo

de funcionamento do programa aos executáveis) (20º);

28- Por seu turno, a «Documentação» são comentários ou notas que estão

fisicamente junto às fontes, que permitem ao programador/analista melhor

compreender e utilizar as fontes em caso de necessidade (v.g. um

comentário ou nota que esteja no final de uma fonte, chamando a atenção

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de que aquela fonte cria o executável que tem ou permite este ou aquela

função ou aplicação informática) (21º);

29- Periodicamente (com muita frequência) automaticamente, pelo próprio

sistema informático, eram feitas «backups» (cópias) do sistema na sua

íntegra, incluindo portanto cópias de todos os executáveis que o faziam

funcionar, para sistemas paralelos (22º);

30- Após a saída do embargante, a embargada procedeu à mudança dosservidores computadores que utilizava (G));

31- Esta mudança obrigou à cópia e à remoção dos sistemas instalados nos

servidores removidos, incluindo o «I...», e a instalação dos mesmos nos

novos servidores (26º);

32- Quando comunicou à embargada que cessava as suas funções na

empresa, o embargante sugeriu a realização de um contrato de

manutenção, como consultor externo (16º);

33- No mês de Abril de 1994, a embargada admitiu ao seu serviço C...F...,com as funções de analista programador (E));

34- À data da saída do embargante da embargada, C...F... ainda era

empregado da mesma, tendo trabalhado para si até meados de 1998 (F));

35- O sistema «I...» era utilizado de forma sistemática e intensiva por

pessoas dos vários departamentos da empresa, os quais, carregavam, de

forma sistemática e intensiva informação no sistema (24º).

Na acção declarativa a A. pediu a condenação do R. a pagar-lhe, além do mais,o montante dos prejuízos que se viessem a liquidar em execução de sentença,

tendo sido a final proferida sentença, transitada em julgado, na qual, por força

do disposto no art. 784º do CPC, se aderiu aos fundamentos alegados na

petição inicial e se decidiu condenar o R. no pedido.

Na sequência disso, instaurou a A. execução contra o R., com prévia

liquidação, na qual, além do mais, impetrou se liquidem os prejuízos sofridos e

cuja liquidação foi relegada para execução de sentença, em 35.139.692$00,acrescidos de juros desde a citação.

O executado deduziu embargos, pedindo, inter alia, que se declare que a

exequente não possui título que lhe permita executar a alegada obrigação de

pagamento do custo de aquisição do novo programa informático (I...), por não

se encontrar reconhecida na sentença exequenda a obrigação de indemnizar tal

dano, não existindo a necessária condenação do R. nesse ressarcimento,

devendo declarar-se a execução extinta nessa parte.

Ripostou a embargada dizendo que alegou na p.i. da acção declarativa que sóapós ser efectuada a análise do programa I..., que ainda decorria, podia saber

se lhe era possível continuar a utilizar tal programa para futuro, tendo por isso

aventado, logo na p.i. da acção de condenação, a possibilidade de ter de vir a

substituir o programa informático devido à circunstância de o R. ter levado a

respectiva documentação e a não ter devolvido.

No despacho saneador, louvando-se no alegado pela A. na p.i. da acção de

condenação e no decidido na sentença exequenda, julgou o Senhor Juizimprocedente a mencionada arguição de falta de título executivo.

Admitiu assim a possibilidade de o executado vir a ser obrigado a pagar à

exequente a quantia por esta despendida na aquisição do novo sistema

informático, na hipótese de se vir a provar, em sede de liquidação em acção

executiva, não ser possível continuar a utilizar o programa I... por motivo

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imputável ao executado.

Aceitou portanto a possibilidade de a A. vir a provar, em liquidação emexecução de sentença, um dano futuro imputável ao executado, decisão que –

bem ou mal tomada – transitou em julgado, à míngua de impugnação em via de

recurso.

Assiste assim razão à recorrente no que tange às 5ª a 9ª conclusões recursórias.

Na verdade, transitada em julgado a decisão do saneador que julgou

improcedente a arguida falta de título executivo válido permitindo executar a

quantia despendida pela exequente na aquisição de novo programa informático,

não podia a Relação julgar em sentido contrário, como julgou no acórdão emcrise.

E, não tendo o R./apelante, invocado na apelação a falta de título executivo, não

poderia também por isso a Relação dar provimento à apelação com esse

fundamento, e em consequência julgar nessa parte improcedente a liquidação,

pelo que sempre teria então razão a recorrente nas quatro primeiras conclusões

da revista.

Isto posto, vejamos.A Relação, mantendo os restantes factos dados como provados na 1ª instância,

alterou a resposta ao quesito 5º (ponto 12 da matéria de facto), dando como

«Provado apenas que a situação referida no artigo anterior, tem a sua

origem na falta de «documentação» do programa, levada pelo

embargante quando deixou a embargada».

Aduziu para tanto, no essencial, que a resposta que havia sido dada extravasava

o âmbito do quesito, pois que nele se não perguntava se a situação não pode sercorrigida, nem em qualquer lugar se especificava o que são scripts da sequência

de compilação, e nem isso foi referido na perícia feita.

Contra essa alteração da resposta ao quesito 5º se insurgiu a recorrente nas 20ª

e 21ª conclusões da revista, nas quais sustenta que tal alteração é incorrecta,

não correspondendo ao efectivamente provado em sede de julgamento.

Todavia, o STJ tem de acatar essa mexida na matéria de facto, pois o artº 712º,

nº 6 do CPC (introduzido pelo DL nº 375-A/99, de 20/9, aqui aplicável por

os embargos terem dado entrada em Juízo em 15.3.2001) reza que dasdecisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o

Supremo Tribunal de Justiça.

Indaguemos pois se, com os factos dados como provados pela Relação, a

revista deve ser concedida, com a repristinação da decisão da 1ª instância, de

liquidação da quantia exequenda em 30.313.442$00 (acrescida de juros

moratórios desde a citação [6.3.2001] à taxa supletiva comercial dos

créditos de empresas comerciais).A obrigação de o executado pagar o alegado dano consubstanciado na

aquisição do novo programa informático depende da prova do nexo de

causalidade adequada entre tal alegado dano e a saída do executado da

exequente levando consigo a documentação do programa I..., não restituida a

esta última.

A Relação entendeu que a recorrente não logrou efectuar a prova do necessário

nexo de causalidade entre o comportamento do executado (falta de devoluçãoda documentação do programa I...) e o alegado dano correspondente à

aquisição de novo sistema informático.

Só assim não seria, segundo a Relação, se – relativamente ao pressuposto da

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responsabilidade civil que é o nexo de causalidade – se perfilhasse a teoria

da equivalência de condições ou da conditio sine qua non, segundo a qual

todas as condições estão em pé de igualdade quanto à produção do efeito,

sendo que o artº 563º do CC consagra, não essa teoria, mas a doutrina do nexo

da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização sóexiste em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se

não fosse a lesão.

Discordamos porém do entendimento da Relação, pois aderimos ao conceito de

causa adequada que nos dá a formulação negativa, que se deve a Enneccerus-

Lehmann, segundo a qual, o facto que seja, no caso concreto, condição sine

qua non do dano, é em princípio causa adequada dele, só deixando de ser se,

em abstracto e dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para averificação do dano, tendo no caso concreto provocado o dano apenas por

virtude de circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas,

sendo por isso inadequado para o dano.

Também no acórdão do STJ, de 3.12.1998 (no BMJ 482, pág. 207 e segs.) se

entendeu que o artº 563º do CC consagra a teoria da causalidade adequada na

variante negativa, que é a mais ampla e que tem um sentido ético da culpa

menos restritivo, de acordo com a qual a previsibilidade do agente se reporta aofacto e não aos danos, o que significa que o agente será sempre responsável

pelos danos que jamais previu, desde que provenham de um facto – condição

deles – que ele praticou e que visualizou, sendo um facto causal de um dano

quando é uma de entre várias condições sem as quais o dano não se teria

produzido.

Na docência de Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª

Edição, pág. 894 e 900), tratando-se de responsabilidade contratual – como éo caso dos autos - desde que o devedor ou lesante praticou um facto ilícito e

este actuou como condição de certo dano, justifica-se que o prejuízo recaia, em

princípio, sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano, o que só

deixa de ser razoável a partir do momento em que o facto ilícito, na ordem

natural das coisas, se pode considerar de todo em todo indiferente para a

produção do dano registado por terem concorrido decisivamente circunstâncias

extraordinárias, fortuitas ou excepcionais.

A recorrente tentou, através de consultores externos, pôr em funcionamento oprocesso informático criado e fornecido pelo recorrido, mas não obstante isso,

depararam-se obstáculos no programa I..., tais como dados incorrectos,

aparecimento de mensagens de erro e bloqueio do sistema, situação que teve

origem na falta de «documentação» do programa, levada pelo recorrido quando

deixou a recorrente, para quem trabalhava, e por ele não devolvida.

Feita uma análise à situação, com assessoria técnica da L..., concluiu-se que a

solução mais eficiente e rentável seria a de abandonar totalmente a programa I...e adquirir novo software, que pudesse responder adequadamente às

necessidades da empresa.

Consultado o mercado, a recorrente decidiu-se pela aquisição do programa I...

para substituir integralmente o programa I..., com o que despendeu

30.313.442$00.

É certo que a recorrente continuou a usar durante vários meses o programa I...,

após a saída do recorrido, mas isso sucedeu porque pensou que fosse possívelultrapassar os problemas por recurso à consultadoria externa, e porque não era

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possível fazer a transferência imediata e total de um sistema informático para o

outro, numa actividade como a da recorrente, que labora continuamente, sendo

necessário formar pessoal, testar o programa e ir passando gradualmente o

serviço de um sistema para o outro, departamento a departamento, fazendo ao

mesmo testes de segurança.

É igualmente certo que o recorrido quando comunicou à recorrente que cessava

as suas funções na empresa, lhe sugeriu a realização de um contrato demanutenção, como consultor externo, mas isso é irrelevante, porquanto a

recorrente, mercê do princípio da autonomia privada, na vertente negativa de

contratação, não tinha obrigação de aceitar qualquer negociação desse tipo, até

porque a relação laboral de confiança com o recorrido poderia estar afectada, e

este tinha ido viver para o estrangeiro, como invoca na petição de embargos.

Resumindo, a aquisição de um novo programa informático pela recorrente

decorreu da circunstância de o recorrido se ter recusado a entregar àquela adocumentação do I..., como era obrigação contratual dele (cfr. facto nº 5 e artº

405º do CC).

Efectivamente, não obstante as tentativas para superar os problemas causados

pela falta da aludida documentação, acabou por se chegar à conclusão de que

não era viável, económica e tecnicamente, ultrapassar os problemas do I... sem

a devolução da sua documentação (referida no ponto 28 da matéria de facto

provada).Tornou-se imperioso adquirir outro sistema informático, mostrando-se

demonstrado ter essa necessidade sido originada pelo facto de o recorrido não

ter devolvido a documentação do programa I....

Provado o nexo de causalidade adequada, importa entrar na apreciação e

decisão da ampliação do objecto do recurso, subsidiariamente pedida pelo

recorrido, que para tanto concluiu, como globalmente já fizera nas conclusões

da sua apelação, da seguinte maneira:

a) Subsidiariamente, ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 684º-A do CPC,prevenindo a hipótese de procedência do recurso interposto pela recorrente,

requer-se a apreciação de questão suscitada nas alegações para a Relação pelo

então recorrente, como infra se conclui;

b) A recorrente peticiona a revogação do acórdão recorrido e a liquidação da

quantia exequenda em 30.313.442$00, correspondente ao preço de aquisição

do novo programa I..., sendo tal montante mais de dez vezes superior ao custo

do I..., adquirido ao recorrido por Esc.3.000.000$00. (como resulta da cláusula4ª do contrato de aquisição deste sistema junto com a p.i. da acção declarativa

a fls. 9-15 do processo principal e referido no ponto 5. da matéria de facto

assente);

c) Uma tal discrepância de valores obrigaria a que a recorrente tivesse feito

prova de que este novo sistema I... é equivalente ao sistema I... e que a sua

aquisição era indispensável para reparar o prejuízo causado, o que não

aconteceu;d) Não tendo a recorrente feito prova que fosse indispensável para se ressarcir

do alegado prejuízo a aquisição de um sistema informático com um custo dez

vezes superior ao do programa substituído, não poderá ser fixada indemnização

a favor da recorrente, em montante superior ao do valor da aquisição do

programa substituído I..., ou seja, não poderá ser superior a Esc. 3.000.000$00

(três milhões de escudos);

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e) No caso vertente, a reconstituição natural pela aquisição à custa do recorrido

de um novo programa informático, encontra-se expressamente afastada pelodisposto no nº 1, parte final, do artº 566º do CC;

f) É manifesto que a liquidação dos prejuízos imputando ao recorrido o custo de

aquisição do sistema I..., é excessivamente onerosa, uma vez que existe

"manifesta desproporção entre o interesse do lesado, que importa recompor, e

o custo que a reparação natural envolve para o responsável" (Pires de Lima e

Antunes Varela, no Código Civil Anotado, vol. I, 3.a Edição, pág. 551);

g) Proceder à liquidação da indemnização, como peticiona a recorrente,fazendo-a corresponder ao custo de aquisição do I..., configura manifesta

injustiça e abuso de direito por consubstanciar um injustificado e manifesto

enriquecimento da recorrente à custa do recorrido;

h) Tem sido entendimento da doutrina e jurisprudência que sempre que esteja

em causa a inutilização ou o perecimento de coisas já muito usadas em que a

aquisição de uma coisa nova tem um custo muito superior ao valor da coisa

usada ou ao valor pelo qual esta foi adquirida, tem que ser afastada areconstituição natural, aplicando-se subsidiariamente a indemnização em

dinheiro, tal como prevê o nº 1 do artº 566º° do CC;

i) Dispondo o artº 566º nº 2 do CC, que a indemnização em dinheiro tem como

medida a diferença entre a situação em que o lesado se encontra e a situação

em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, oque, no caso em apreço, significa que não poderá nunca liquidar-se o prejuízo

em quantia superior ao dano real, avaliando-se este e fixando o eventual valor apagar em montante que não poderá, no entanto, ser superior a Esc.

3.000.000$00, quantia pela qual o I... foi adquirido;j) Alternativamente, deverá o STJ julgar equitativamente, dentro dos limites que

tiver por provados, conforme o nº 3 do artº 566º do CC, atendendo a que nãoé possível averiguar o valor exacto dos danos decorrentes da recorrente não tera documentação do programa, não podendo para esse efeito deixar de ter

presente o custo de aquisição do programa I...,Devendo:

-- Manter-se o acórdão recorrido, na parte em que considera que da matéria defacto não resulta o nexo de causalidade entre a conduta do recorrido (não

entrega da documentação) e a despesa de aquisição do novo software e em quejulga improcedente o pedido de liquidação, no valor de Esc. 30.313.442$00;-- Subsidiariamente, nos termos do nº 1 do artº 684º-A do CPC, liquidar-se a

indemnização a pagar pelo recorrido, em valor nunca superior ao custo doprograma I..., Esc.3.000.000$00, ou alternativamente julgar-se equitativamente,

dentro dos limites que se tiverem por provados, nos termos do artº 566º nº 3 doCC, liquidando-se indemnização igualmente em valor nunca superior ao do

custo do programa I....Resulta do artº 566º, nº 1 do CC que sempre que a reconstituição natural…seja excessivamente onerosa para o devedor, a indemnização é fixada em

dinheiro.Determina pois a via da indemnização em dinheiro, sem reduções, quando a

indemnização em espécie é excessivamente onerosa. Não determina portanto,ao invés do sustentado nas anteriores conclusões, uma redução da indemnização

em dinheiro quando esta é excessivamente onerosa para o devedor.A redução da indemnização só está prevista no artº 494º do CC, dispositivo

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legal não aplicável à responsabilidade contratual, que é aquela de que aqui

curamos. Como expendem Antunes Varela e Galvão Telles (respectivamente inDas Obrigações em Geral, Vol. II, Reimpressão da 7ª Edição, pág. 99 e in

Direito das Obrigações, 6ª Edição Revista e actualizada, pág. 352), o artº 494ºdo CC opera em matéria de responsabilidade extraobrigacional (aquiliana), em

função dos elementos nele referidos. Sendo tudo isto certo, dispõe todavia o artº 566º, nº 2 do CC que aindemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação

patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal,e a que teria nessa data se não existissem danos (teoria da diferença).

Ora, a recorrente pagou ao recorrido Esc. 3.000.000$00 pelo programaI..., e adquiriu o programa I... por Esc. 30.313.442$00, preço que ultrapassou

dez vezes aquele custo, ignorando-se concretamente se para o montanteindemnizatório ser equivalente ao dano efectivo era necessário adquirir aquele

sistema I..., dez vezes mais caro que o preço que custara à recorrente o I...,ficando sem se saber se a restitutio in integrum do património da recorrente,por equivalente em dinheiro, se não satisfaria com a aquisição de um qualquer

outro sistema informático equivalente ao I... atento o interesse da recorrente (idquod interest), mas mais barato do que o I....

Pergunta-se: a diferença, na altura do encerramento da discussão na 1ª instância(artº 663º, nº 1 do CPC), entre o valor real do património da recorrente e o

valor hipotético do mesmo se não tivesse havido o comportamento danoso dorecorrido não estaria coberta se a recorrente tivesse comprado outro sistemainformático porventura existente, equivalente ao I... e mais económico,

porventura até muito mais económico do que o I... ?A recorrente não provou que o sistema I... seja equivalente ao sistema I... e que

fosse indispensável adquirir um programa tão dispendioso para que seassegurasse a integral reconstituição da sua situação patrimonial.

Conceder indemnização à recorrente de acordo com o preço do novo sistemainformático por ela adquirido a seu bel-prazer, poderia proporcionar-lheporventura um enriquecimento injustificado, em violação da teoria da diferença.

Nesta conformidade, não se mostrando comprovado o dano efectivamentesofrido pela recorrente, a conversão da obrigação de ressarcimento em

obrigação pecuniária terá de ser feita num julgamento ex aequo et bono (artº566º, nº 3 do CC), aceitando-se, em termos de normalidade na evolução

tecnológica e dos preços, que o custo de um novo sistema informáticosemelhante ao I... em funcionalidade para a recorrente já pudesse custar maiscaro à data da propositura da acção, mas não mais do que vinte mil euros na

moeda actual.Termos em que acordam em conceder parcialmente a revista, liquidando a

quantia exequenda em € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescida de jurosmoratórios, desde a citação (6.3.2001) até integral pagamento, às taxas

supletivas comerciais dos créditos de empresas comerciais, com custas porambas as partes, na revista e nas instâncias, na proporção dos respectivosdecaimentos.

Lisboa, 25 de Setembro de 2007

Faria Antunes (relator)

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Moreira AlvesAlves Velho