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 Pharmacia Brasileira nº 78 - Setembro/Outubro 2010 15  A RTIGO Reflexões sobre o Uso Racional de Medicamentos Constituição Federal de 1988 direciona a atuação do Estado brasileiro para a consecução do bem-estar social e da plena cidadania, instituindo no ordenamen- to jurídico determinados direitos sociais, como o direito à saúde e à educação, direcionando a atuação do Estado para garanti-los. A Organização Mundial da S aúde (OMS) conceitua, assim, a saúde: “Um estado de completo bem- estar físico, mental e social e não apenas a simples ausência de doenças e outros danos”.  No Brasil a Consti tuição Federal e a Lei Federal nú- mero 8.080/90 denem o objeto do direito à saúde como universal, que deve ser garantido pelo Estado. O Sistema Único de Saúde (SUS), institucionalizado pela Lei núme- ro 8.080/1990, possui como princípios a universalidade de acesso aos serviços de saúde e a integralidade da assis- tência, cabendo a ele a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. Com base no marco legal que estabelece o direito à saúde, incorporan- do o conceito da assistência farmacêutica que tem seu fundamento na Constit uição Federal de 1988.  A Portaria nº 3.916/98, do Ministério da Saúde, que estabelece a Política Nacional de Medicamentos, tem como propósit o garantir a necessária segurança, ecácia e qualidade dos medicamentos, a promoção do uso racional e o acesso da população àqueles considerados essenciais. Com esse intuito, suas diretrizes são o estabelecimento da relação de medicamentos essenciais e as responsabilidades dos gestores do SUS na sua efetivação.  O direito à assistência farmacêutica, como parte inte- grante do direito social à saúde, também, é instituído no ordenamen to jurídico como um direito social. De acordo com os artigos 6º e 7º da Lei Orgânica da S aúde, a assistên- cia terapêutica e farmacêutica deve ser garantida integral- mente aos cidadãos brasileiros, de acordo com o princípio da integralidade de assistência.  Assim, a assistência farmacêutica consti tui parte fun- damental dos serviços de atenção à saúde do cidadão. Em muitos casos, a estrat égia terapêutica para recuperação do paciente ou para a redução dos riscos da doença e agravos, Walter da Silva Jorge João, Vice-Presiden te do Conselho Federal de Farmácia (CFF). E-mail walterjjoao@hot mail.com somente é possível, a partir da utilização de algum tipo de medicamento. Nessas situações, o medicamento é ele- mento essencial para a efetividade do processo de atenção à saúde.  A OMS estima que, no mundo, mais da metade de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos inapropriadamente, e que metade dos pacientes não os usa , corretament e. Portanto, é gasto muito dinhei- ro que, ao invés de benefícios, pode trazer sérios riscos à saúde.  Quando o medicamento é usado indiscriminada- mente ou sem nenhum critério técnico, dizemos que se trata de uso irracional  de medicamentos, que é um im- portante problema de saúde pública. Portanto, é preciso considerar o potencial de contribuição do farmacêutico e efetivamente incorporá-lo às equipes de saúde, a m de que se garanta a melhoria da utilização dos medica- mentos, com redução dos riscos de morbimortalidade e que seu trabalho proporcione meios para que os custos relacionados à farmacoterapia sejam os menores possíveis para a sociedade.  O uso racional de medicam entos é definido como um processo que compreende a prescrição apropria- da; a disponibilidade oportuna e a preços acessíveis; a dispensação em condições adequadas; e o conjunto de doses indicadas, nos intervalos definidos e no período de tempo indicado d e medicamentos eficazes, seguros e de qualidade.  A assistência farmacêutica tem, entre suas premissas, a utilização dos medicamentos, por meio da prescrição, dispensação e uso, como dene o Uso Racional de Medi- camentos (URM), entendido como um conjunto de práti- cas que inclui:  A escolha terapêutica medicamentosa adequada;  A indicação apropriada deste medicamento;  A inexistência de contra-indicação e  A mínima probabilidade de reações adversas;  A dispensação correta, incluindo informação apropriada sobre os m edicamentos prescritos; A Vice-Presidente do CFF, Walter da Silva Jorge João

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  • Pharmacia Brasileira n 78 - Setembro/Outubro 2010 15

    Artigo

    Reflexes sobreo Uso Racional

    de Medicamentos

    Constituio Federal de 1988 direciona a atuao do Estado brasileiro para a consecuo do bem-estar social e da plena cidadania, instituindo no ordenamen-to jurdico determinados direitos sociais, como o direito sade e educao, direcionando a atuao do Estado para garanti-los. A Organizao Mundial da Sade (OMS) conceitua, assim, a sade: Um estado de completo bem-estar fsico, mental e social e no apenas a simples ausncia de doenas e outros danos. No Brasil a Constituio Federal e a Lei Federal n-mero 8.080/90 definem o objeto do direito sade como universal, que deve ser garantido pelo Estado. O Sistema nico de Sade (SUS), institucionalizado pela Lei nme-ro 8.080/1990, possui como princpios a universalidade de acesso aos servios de sade e a integralidade da assis-tncia, cabendo a ele a execuo de aes de assistncia teraputica integral, inclusive farmacutica. Com base no marco legal que estabelece o direito sade, incorporan-do o conceito da assistncia farmacutica que tem seu fundamento na Constituio Federal de 1988. A Portaria n 3.916/98, do Ministrio da Sade, que estabelece a Poltica Nacional de Medicamentos, tem como propsito garantir a necessria segurana, eficcia e qualidade dos medicamentos, a promoo do uso racional e o acesso da populao queles considerados essenciais. Com esse intuito, suas diretrizes so o estabelecimento da relao de medicamentos essenciais e as responsabilidades dos gestores do SUS na sua efetivao. O direito assistncia farmacutica, como parte inte-grante do direito social sade, tambm, institudo no ordenamento jurdico como um direito social. De acordo com os artigos 6 e 7 da Lei Orgnica da Sade, a assistn-cia teraputica e farmacutica deve ser garantida integral-mente aos cidados brasileiros, de acordo com o princpio da integralidade de assistncia. Assim, a assistncia farmacutica constitui parte fun-damental dos servios de ateno sade do cidado. Em muitos casos, a estratgia teraputica para recuperao do paciente ou para a reduo dos riscos da doena e agravos,

    Walter da Silva Jorge Joo,Vice-Presidente do Conselho Federal de Farmcia (CFF).

    E-mail [email protected]

    somente possvel, a partir da utilizao de algum tipo de medicamento. Nessas situaes, o medicamento ele-mento essencial para a efetividade do processo de ateno sade. A OMS estima que, no mundo, mais da metade de todos os medicamentos so prescritos, dispensados ou vendidos inapropriadamente, e que metade dos pacientes no os usa, corretamente. Portanto, gasto muito dinhei-ro que, ao invs de benefcios, pode trazer srios riscos sade. Quando o medicamento usado indiscriminada-mente ou sem nenhum critrio tcnico, dizemos que se trata de uso irracional de medicamentos, que um im-portante problema de sade pblica. Portanto, preciso considerar o potencial de contribuio do farmacutico e efetivamente incorpor-lo s equipes de sade, a fim de que se garanta a melhoria da utilizao dos medica-mentos, com reduo dos riscos de morbimortalidade e que seu trabalho proporcione meios para que os custos relacionados farmacoterapia sejam os menores possveis para a sociedade. O uso racional de medicamentos definido como um processo que compreende a prescrio apropria-da; a disponibilidade oportuna e a preos acessveis; a dispensao em condies adequadas; e o conjunto de doses indicadas, nos intervalos definidos e no perodo de tempo indicado de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade. A assistncia farmacutica tem, entre suas premissas, a utilizao dos medicamentos, por meio da prescrio, dispensao e uso, como define o Uso Racional de Medi-camentos (URM), entendido como um conjunto de prti-cas que inclui: Aescolhateraputicamedicamentosaadequada; Aindicaoapropriadadestemedicamento; Ainexistnciadecontra-indicaoe Amnimaprobabilidadedereaesadversas; A dispensao correta, incluindo informao

    apropriada sobre os medicamentos prescritos;

    A

    Vice-Presidente do CFF,Walter da Silva Jorge Joo

  • 16 Pharmacia Brasileira n 78 - Setembro/Outubro 2010

    Artigo

    Adesoaotratamentopelopaciente; Seguimentodosefeitosdesejadosedepossveis

    reaes adversas conseqentes do tratamento. Por meio de estratgias simples e de baixo custo, possvel, sim, promover o uso racional de medicamentos, sendo fundamental o papel do profissional farmacutico, seja na orientao, durante a dispensao; seja educando a comunidade sobre o uso de medicamentos. Uma das maneiras de o farmacutico promover o uso racional de medicamentos informando aos pacientes, na hora da dispensao dos medicamentos, sobre os benefcios do uso correto dos mesmos. Todos os profissionais da sade tem o dever de cum-prir o ordenamento jurdico, como o Cdigo de Defesa do Consumidor, que garante como direitos bsicos do consu-midor: Art. 6. I - a proteo da vida, sade e segurana contra os riscos provocados por prticas no fornecimento de pro-dutos e servios considerados perigosos ou nocivos; II - a educao e divulgao sobre o consumo ade-quado dos produtos e servios, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contrataes; III - a informao adequada e clara sobre os diferentes produtos e servios, com especificao correta de quanti-dade, caractersticas, composio, qualidade e preo, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteo contra a publicidade enganosa e abusiva, mtodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra prticas e clusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e servios. Assim, tambm, importante que os gestores com-preendam o seu papel e a sua responsabilidade para com a sociedade, promovendo o uso racional de medicamentos, fazendo, no mnimo: RevisoanualdaRenameeobrigarosEstadose

    Municpios a atualizarem, em suas listagens, os medicamentos j avaliados pela Anvisa/Minist-rio da Sade (Medicina Baseada em Evidncias).

    AtualizarosprotocolosteraputicosbaseadosnaMedicina em Evidncias.

    Proporcionar aos profissionais da sade, educa-o continuada em sade baseada em evidncias, e dos protocolos teraputicos.

    Realizar, em parceria com os Estados eMunic-pios, a introduo e implementao do Uso Ra-cional de Medicamentos.

    Ofereceraosusuriosdosistemaeducaoconti-nuada em preveno de doenas e Uso Racional de Medicamentos.

    O Conselho Federal de Farmcia j inseriu, h muito tempo, nos seus regulamentos, a prtica do Uso Racional de Medicamentos pelos farmacuticos. Entre as inmeras Resolues j editadas, podemos citar:

    Resoluo308, De 2 De Maio De 1997. Dispe sobre a assistncia farmacutica em farmcias e drogarias. Resoluon417,de29desetembroDE2004. Ementa: Aprova o Cdigo de tica da Profisso Far-macutica. Resoluon449,de24deoutubrode2006. Dispe sobre as atribuies do farmacutico na Co-misso de Farmcia e Teraputica. Resoluon477,de28demaiode2008. Dispe sobre as atribuies do farmacutico no m-bito das plantas medicinais e fitoterpicos e d outras pro-vidncias. Resoluon499de17dedezembrode2008. Dispe sobre a prestao de servios farmacuticos, em farmcias e drogarias, e d outras providncias. A Agencia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvi-sa), tambm, tem editado Resolues que preveem a prtica do uso racional de medicamentos, nos estabe-lecimentos de sade. Como exemplo, podemos citar a recenteResoluo -RDCn44,DE26deoutubrode2010, que dispe sobre o controle de medicamentos base de substncias classificadas como antimicrobia-nos, de uso sob prescrio mdica, isoladas ou em as-sociao e d outras providncias. AediodaRDC44/10,quejvinhasendodiscutidajunto a outros rgos da sade, diga-se de passagem, foi precipitada pelo assombro causado pela bactria Klebsiella pneumoniae carbapenemase (KPC), que matou e conta-minou pessoas, no Distrito Federal e em vrios Estados, expondo o problema sociedade e gritando por provi-dncias. A Resoluo determina que as farmcias condicio-nem a dispensao de antibiticos apresentao e reteno da primeira via da receita de controle espe-cial. Mais: a norma estabelece que o prazo de validade da receita de dez dias, e que as farmcias armazenem os dados do paciente e de quem recebeu a orientao quanto ao uso. Por todo o exposto e com o ordenamento jurdico favorvel a atividade farmacutica, importante que os farmacuticos ofeream todo seu potencial na execu-o de mais este servio importante para a sociedade brasileira. Finalmente, se o direito sade um preceito cons-titucional; se este direito, como garante a Lei Orgnica da Sade, integral, universal e com equidade, que garante inclusive o direito assistncia farmacutica; e se a assis-tncia farmacutica tem como premissa, tambm, o uso racional de medicamentos, ento, temos claramente que inferir que um direito da sociedade o privilgio uma medicina baseada em evidencias, assim como farmaco-terapia baseada em evidncias, pilares do Uso Racional de Medicamentos.