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VIDA NOVA

RIMASDE

DANTE ALIGHIERI

TRADUÇÃO, APRESENTAÇÃO E NOTAS DE

JORGE VAZ DE CARVALHO

*ANTÓNIO MEGA

FERREIRA

NO ANO DE

MMXX

PARA A COLEÇÃO

Itálica

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I M P R E N S A N AC I O N A L é a marca editorial da

I M P R E N SA NAC I O NA L- C A SA DA MO E DA , S . A . Av. de António José de Almeida, 1000-042 Lisboa

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© 2020, IMPRENSA NACIONAL- CASA DA MOEDA

Coleção I TÁ L I C A

Direção literária A N TÓ N I O M E G A F E R R E I R ATítulo VIDA NOVA, RIMAS ·   Autor DA N T E A L I G H I E R I

Tradução A N TÓ N I O M E G A F E R R E I R A e J O RG E VA Z D E C A RVA L H O

Revisão IMPRENSA NACIONAL - CASA DA MOEDA Direção de arte RÚ B E N D I A S e FÁ B I O M A RT I N S

Design e paginação I T E M Z E RO Impressão e acabamentos I M P R E N S A N AC I O N A L - C A S A DA M O E DA

Primeira edição S ET E M B RO 2 0 2 0 Depósito legal 4 5 2 3 8 9/ 1 9 · isbn 9 7 8 - 9 7 2 -2 7-2 76 2 - 4

Número de edição 1 0 2 3 2 3 5

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Apresentação Vida Nova

ApresentaçãoRimas

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VIDA NOVADE

DANTE ALIGHIERI

tradução e notas de

JORGE VAZ DE CARVALHO

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vita nuova

i. In quella parte del libro de la mia memoria dinanzi a la quale poco si potrebbe leggere, si trova una rubrica la quale dice: Incipit vita nova. Sotto la qual rubrica io trovo scritte le parole le quali è mio intendimento d’assemprare in questo libello; e se non tutte, almeno la loro sentenzia.

ii. Nove fiate già appresso lo mio nascimento era tornato lo cielo de la luce quasi a uno medesimo punto quanto a la sua propria girazione, quando a li miei occhi apparve prima la gloriosa donna de la mia mente, la qual fu chiamata da molti Beatrice, li quali non sapeano che si chia-mare. Ell’era in questa vita già stata tanto, che ne lo suo tempo lo cielo stellato era mosso verso la parte d’oriente de le dodici parti l’una d’un grado; sí che quasi dal principio del suo anno nono apparve a me, ed io la vidi quasi da la fine del mio nono. Apparve vestita di nobilissimo co-lore, umile e onesto, sanguigno, cinta e ornata a la guisa che a la sua gio-vanissima età si convenia. In quel punto dico veracemente che lo spirito de la vita, lo qual dimora ne la sacretissima camera del cuore, cominciò a tremar sí fortemente, che apparia ne li menimi polsi orribilmente; e tre-mando disse queste parole: «Ecce deus fortior me, qui veniens dominabi-tur michi».

1. livro... memória: a memória concebida como um livro no qual se inscreve o conjunto das recordações é topos comum da cultura medieval; mais do que isso, o livro, fenómeno psíquico, vai ser transformado em livro material, através de um processo simultaneamente hermenêutico  (o sujeito recorda, lendo na própria mente as vivências, seleciona e interpreta os momentos significativos) e expressivo  (a escrita do libelo).

2. pouco se poderia ler: porque referida aos anos da infância, continha ainda escassos acontecimentos; ler e recordar coincidem na ação de autocompreensão do sujeito.

3. Incipit vita nova: Começa a vida nova; «nova» porque, como leremos, o amor produziu uma renovação na pessoa do amante, conduzindo a inteligência de si 

mesmo e a própria construção  do eu poético.

4. libelo: (latinismo) pequeno livro: as recordações são palavras interiores com as quais a mente escreveu a experiência no livro da memória, e que agora são transformadas nestas outras palavras exteriores da escrita.

5. sentença: sentido; significado: a ação poética de transcrever no libelo implica a seleção, interpretação e explicitação do conteúdo do livro da memória.

6. Nove vezes: tinham decorrido então nove anos, desde o nascimento do poeta. O número nove, recorrente na vida nova e no seu libelo, é símbolo do êxito de uma criação, plenitude, perfeição das perfeições (3x3); também do fim de um ciclo que abre para um renascimento ou renovação. Uma chave para a interpretação 

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numerológica surgirá no  capítulo xxix. O poeta insistirá  na numerologia, com a função retórica de envolver numa atmosfera mística experiências e situações que, de outro modo, seriam apenas banais e profanas.

7. céu da luz: o quarto Céu, o do Sol, segundo o sistema astronómico ptolomaico.

8. quando… primeiro apareceu: a visão originária que desencadeia  o desejo, princípio da formação  do eu poético.

9. a gloriosa dona da minha mente: traduzirei habitualmente donna por «dama», mas, na presente frase, afigura-se exato usar o sentido etimológico de dona («senhora» ou «dominadora»); de facto, a imagem da mulher amada instala-se na mente do poeta de modo obsessivo desde esta aparição, exercendo domínio absoluto sobre os seus 

pensamentos, sentimentos  e emoções.

10. a qual foi chamada... que lhe chamar: a frase remete para a íntima relação do nome dela com o seu significado metafísico: chamavam-lhe Beatriz, pelo seu aspeto e efeito beatificante, mesmo os que desconheciam ser esse o seu nome; ou, segundo outra interpretação, mesmo os que não sabiam o verdadeiro significado do nome — etimologicamente, «a que faz alguém beato». A personagem feminina é identificada tradicionalmente como Beatrice di Folco Portinari, com base em testemunhos contemporâneos recolhidos por Boccaccio e nas declarações de Pietro, filho de Dante.

11. Ela já... um grau: segundo a conceção da época, o Céu das estrelas fixas move-se, de ocidente para oriente, um grau por cada século; se, do nascimento de 

Beatriz até ao momento em que o poeta a viu pela primeira vez, aquele Céu se moveu um duodécimo de grau, ela teria cerca de oito anos e quatro meses de idade.

12. espírito da vida: a potência vital, produzida pelo coração. O poeta distingue na atividade espiritual três potências: vital, animal e natural. O desejo surge como alteração ao seu funcionamento normal.

13. nas mínimas pulsações: até às mais ínfimas artérias; acometendo, pois, todo o ser.

14. Ecce... michi: Eis um deus mais forte do que eu, que me vem dominar.

vida nova

i. Naquela parte do livro da minha memória¹ antes da qual pouco se poderia ler², encontra-se uma rubrica que diz: Incipit vita nova³. Sob a qual rubrica encontro escritas as palavras que é minha intenção transcrever neste libelo⁴; e se não todas, ao menos a sua sentença⁵.

ii. Nove vezes⁶ já, depois do meu nascimento, tinha voltado o céu da luz⁷ quase a um mesmo ponto, quanto à sua própria revolução, quan-do aos meus olhos primeiro apareceu⁸ a gloriosa dona da minha men-te⁹, a qual foi chamada por muitos Beatriz, os quais não sabiam que lhe chamar¹0. Ela já tinha estado nesta vida tanto, que no seu tempo o céu estrelado se movera para a parte do oriente uma das doze par-tes de um grau¹¹, de modo que quase no princípio do seu ano nono me apareceu, e eu vi-a quase no fim do meu nono. Apareceu vestida de no-bilíssima cor, humilde e honesta, sanguínea, cingida e ornada da ma-neira que à sua juveníssima idade mais convinha. Naquele ponto, digo verdadeiramente que o espírito da vida¹², que reside na secretíssima câmara do coração, começou a tremer tão fortemente, que aparecia nas mínimas pulsações¹³ horrivelmente; e tremendo disse estas pala-vras: «Ecce deus fortior me, qui veniens dominabitur michi»¹⁴.

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In quel punto lo spirito animale, lo qual dimora nell’alta camera ne la quale tutti li spiriti sensitivi portan le loro percezioni, si cominciò a maravigliar molto, e parlando spezialmente a li spiriti del viso, sí disse queste parole: «Apparuit iam beatitudo vestra». In quel punto lo spiri-to naturale, lo qual dimora in quella parte ove si ministra ’l nudrimen-to nostro, cominciò a piangere, e piangendo disse queste parole: «Heu miser, quia frequenter impeditus ero deinceps!». D’allora innanzi dico che Amore segnoreggiò la mia anima, la quale fu sí tosto a lui dispon-sata; e cominciò a prendere sopra me tanta sicurtade e tanta signo-ria per la vertú che li dava la mia imaginazione, che mi convenia fa-re tutti li suoi piaceri compiutamente. Elli mi comandava molte volte ch’io cercasse per vedere questa angiola giovanissima; ond’io ne la mia puerizia molte volte l’andai cercando, e vedeala di sí nobili e laudabili portamenti, che certo di lei si potea dire quella parola del poeta Omero: «Ella non parea figliuola d’uom mortale, ma di dio». E avvegna che la sua imagine, la quale continuatamente meco stava, fosse baldanza d’Amore a segnoreggiare me, tuttavia era di sí nobilissima vertú, che nulla volta sofferse ch’Amore mi reggesse sanza ’l fedel consiglio de la ragione in quelle cose là ove cotal consiglio fosse utile a udire. E però che soprastare a le passioni e atti di tanta gioventudine para alcun parlare fabuloso, mi partirò da esse; e trapassando molte cose le quali si potre-bero trarre de l’essemplo onde nascono queste, verrò a quelle parole le quali sono scritte ne la mia memoria sotto maggiori paragrafi.

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Naquele ponto, o espírito animal, que reside na alta câmara¹⁵ à qual todos os espíritos sensitivos levam as suas perceções, começou a maravilhar-se muito¹⁶, e falando especialmente aos espíritos da vis-ta¹⁷, assim disse estas palavras: «Apparuit iam beatitudo vestra»¹⁸. Naquele ponto, o espírito natural, o qual reside naquela parte on-de se ministra o nosso nutrimento¹⁹, começou a chorar, e choran-do disse estas palavras: «Heu miser, quia frequenter impeditus ero deinceps!»²0 Daí em diante, digo que Amor se assenhoreou da mi-nha alma, a qual tão cedo lhe foi desposada²¹, e começou a tomar sobre mim tanta segurança e tanta senhoria pela virtude²² que lhe dava a minha imaginação, que me cumpria satisfazer todos os seus prazeres completamente. Ele ordenava-me muitas vezes que eu pro-curasse ver esta jovenzinha angelical²³; pelo que eu, na minha pue-rícia, muitas vezes a andei procurando, e via-a em atitudes tão no-bres e louváveis, que por certo dela se podia dizer aquelas palavras do poeta Homero: «Ela não parecia filha de homem mortal, mas de deus».²⁴ E ainda que a sua imagem, a qual continuamente comigo estava, desse audácia ao Amor para me senhorear, era todavia de tão nobilíssima virtude, que nenhuma vez tolerou que Amor me regesse sem o fiel conselho da razão naquelas coisas lá onde tal conselho fosse útil de ouvir. E posto que sobrestar nas paixões e atos de uma tal juventude parece algum falar fabuloso²⁵, vou disso apartar-me; e ultrapassando muitas coisas que se poderiam tirar do exemplo on-de nascem estas, virei àquelas palavras que estão escritas na minha memória sob maiores parágrafos²⁶.

15. alta câmara: o cérebro, lugar mental que controla a sensibilidade.

16. maravilhar-se muito: a estupefação admirativa perante o maravilhoso é efeito da essência milagrosa da amada na sua aparição.

17. espíritos da vista: potência que anima os órgãos da visão, sentido mais afetado pela epifania de Beatriz.

18. Apparuit... vestra: Apareceu já  a vossa beatitude.

19. naquela parte... nosso nutrimento: o órgão que preside  à nutrição é o fígado.

20. Heu... deinceps!: Ai de mim, que doravante serei frequentemente agravado!

21. desposada: Alusão às bodas místicas da alma com Deus.

22. virtude: força; vigor; poder.

23. jovenzinha angelical: Analogia entre a amada e os anjos celestes, característica do Dolce stil nuovo (cf. capítulo xxvi).

24. «Ela não parecia... mas de deus»: referência possível à descrição de Heitor (Ilíada, xxiv, 258) ou ao discurso de Ulisses a Nausícaa (Odisseia, VI, 149 e seg.), a partir de uma citação de Alberto Magno (De intellectu et intelligibili, III, 9). Alusão evidente à dupla natureza de Beatriz (como Cristo), humana e divina.

25. falar fabuloso: invenção sem fundamento.

26. sob maiores parágrafos: mais importantes.

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RIMASDE

DANTE ALIGHIERI

tradução e notas de

ANTÓNIO MEGA FERREIRA

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O soneto de Dante da Maiano, poeta que viveu na segunda metade do século xiii, foi enviado, sob a forma de «circular», a um conjunto de poetas do seu tempo, dos quais se conhecem as respostas de Chiaro Davanzati, Guido Orlandi, Salvino Doni, Ricco da Varlungo e Ser Cione Baglioni, além de Dante Alighieri, com quem iniciou a tenzone aqui reproduzida. O último 

verso, de significado obscuro, seria o enigma que o poeta pretende que os correspondentes dilucidem.

1 — tenzone con dante da maiano

1 a — Dante da Maiano

Provedi, saggio, ad esta visïonee per mercé ne trai vera sentenza.Dico: una donna di bella fazzone,di cui el meo cor gradir molto s’agenza,

mi fé d’una ghirlanda donagione,verde, fronzuta, con bella accoglienza;appresso mi trovai per vestigionecamiscia di suo dosso, a mia parvenza.

Allor di tanto, amico, mi francai,che dolcemente presila abbracciare:non si contese, ma ridea la bella.

Così ridendo, molto la basciai:del più non dico, ché mi fé giurare.E morta, chè mia madre, era con ella.

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1 — tenção com dante da maiano

1 a — De Dante da Maiano para diversos poetas do seu tempo

Atenta, ó sábio, nesta visãoe por favor tira dela o bom sentido.Digo: uma senhora de bela compleição,da qual o meu cor¹ me traz rendido,

fez-me de uma grinalda doação,verde, frondosa, com jeito bem sentido;então me achei veste da sua condiçãocamisa do seu corpo, assim me vi vestido.

A tal ponto, amigo, me animeique amorosamente tratei de a abraçar:não se defendeu, só sorriu a bela.

Assim, como sorria, muito a beijei:do mais não digo, que mo fez jurar.E, morta, a minha mãe estava com ela.

1. Cor = coração. Forma comum na poesia medieval. Utilizá-la-emos correntemente ao longo desta tradução, em alternância com a moderna forma «coração».

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1 b — Risposta di Dante Alighieri

Savete giudicar vostra ragione,o om che pregio di saver portate;per che, vitando aver con voi quistione,com so rispondo a le parole ornate.

Disio verace, u’ rado fin si pone,che mosse di valore o di bieltate,emagina l’amica openïonesignificasse il don che pria narrate.

Lo vestimento, aggiate vera speneche fia, da lei cui disïate, amore;en ciò provide vostro spirto bene,

dico, pensando l’ovra sua d’allore.La figura che già morta sorveneè la fermezza ch’averà nel core.

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1 b — Resposta de Dante Alighieri

Por vós sabeis ajuizar de tal visão,ó homem que de sábio tendes fama;por isso, p’ra não criar com vós tenção, respondo como sei à bela trama.

O vero amor, que raro tem razão,e da virtude ou beleza se derrama,em minha modesta e amiga opiniãotem no vosso sonho a sazão que o chama.

Da veste, podeis em verdade esperarque, de quem quereis, seja sinal de amor;nisto pode o vosso esp’rito confiar,

digo eu, pensando no seu passado ardor.A figura que, já morta, ali vai daré a firmeza que guardará no cor.

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alighieri, Dante¹, Rime, edição e comentários de Claudio Giunta, Milão, Mondadori, 2011, 2014.___², Nuova edizione commentata delle opere di Dante (NECOD): Vita Nuova; Rime, organizada por Donato Pirovano e Marco Grimaldi, introdução de Enrico Malato, Vol. I, Roma, Salerno Editrice, 2015.___³, Rime, introdução, notas e comentários de Piero Cudini, Milão, Garzanti, 1979, 2008.___⁴, Rime giovanili e della Vita nuova, edição organizada por Teodolinda Barolini, Milão, Rizzoli, 2009, 2017.___⁵, Rimes, trad. Jacqueline Risset, Paris, Flammarion, 2014.

auerbach, Erich, Studi su Dante, Milão, Feltrinelli, 1963, 2017.

contini, Gianfranco, Un’idea di Dante, Turim, Einaudi, 1970, 2001.

malato, Enrico, Dante e Guido Cavalcanti, il dissidio per la Vita Nuova e il «disdegno» di Guido, Roma, Salerno Editrice, 1997, 2004.

manni, Paola, La lingua di Dante, Bolonha, Il Mulino, 2013.

nardi, Bruno, Nel mondo di Dante, Roma, Edizioni di Storia e Letteratura, 1944, 2016.

pasquini, Emilio, Dante et le figure del vero, La fabbrica della Commedia, Milão, Bruno Mondadori, 2001.

pernicone, Vincenzo, «Rime», Enciclopedia dantesca, 1970, consultado em www.treccani.it/enciclopedia/rime_(Enciclopedia-Dantesca)/

santagata, Marco, L’io e il mondo. Un’interpretazione di Dante, Bolonha, Il Mulino, 2011, 2018.

bibliografia principal

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