vendeta: a intifada

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Vendeta: a intifada Fábio Baroli

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Catalogo para exposição Vendeta a intifada. Fábio Baroli. Sala Nordeste/FUNARTE - Recife/PE

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Vendeta: a intifadaFábio Baroli

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Vendeta: a intifadaFábio Baroli

Curadoria de Renato Silva

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Sobre “o duelo, a vendeta e a guerra”, Georges Bataille, em Erotismo, discute o ímpeto de matar e indica que em todo homem existe um possível matador, que esse constructo se localiza na instância do proibido e que isso alimenta o desejo de transgredir a regra e o mandamento de “não matar”. Estabelece um paralelo entre o sexo, a morte, e o desejo latente apontando que o ato de matar é admissível no duelo, na vendeta e na guerra, violando assim sua condição originalmente proibitiva. E acerca da vendeta sentencia: “A vendeta, como o duelo, tem suas regras. É, em suma, uma guerra cujos campos não são determinados pelo habitat em um território, mas por se pertencer a um clã.

No entanto, na poética de Fábio Baroli, Vendeta rege uma coreografia, a do duelo que se estabelece entre territórios conflituosos, num jogo sequencial de ações que encena um confronto armado, uma batalha conduzida por crianças, numa avassaladora ironia que confronta pureza e crueldade, bélico e lúdico, ingênuo e perverso. Desse exercício visual que nos coloca diante de planos narrativos surge a instância ficcional.

apresentação

Bitu CassundéVendeta

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Ao discutir a ficção em “A partilha do sensível”, Jacques Rancière aponta que “o real precisa ser ficcionado para ser pensado”, porém afirma que nem tudo é ficção, que na era da estética alguns modelos tornam bastante indefinidos os limites “entre razão dos fatos e razão da ficção”. Fabricar história está ligado a um determinado modelo comum daqueles que “fazem história”, vivemos numa época na qual cooperamos com essa escrita, a construímos, interferimos. Nesse contexto, Rancière afirma: “A politica e a arte, tanto quanto os saberes, constroem ficções, isto é, rearranjos materiais dos signos e das imagens, das relações entre o que se diz, entre o que se faz e o que se pode fazer.”

Em Vendeta o embate entre a interpretação do real e o poético faz emergir a ficção, numa batalha regida pela infância, que carrega consigo um insinuante flerte com o cruel, o trágico, o perigoso, o proibido – atenuados, porém pelo doce, o lúdico, o singelo e o puro. Dessa paisagem de signos Baroli constrói uma narrativa no qual esses universos se incorporam, numa ordenação que configuram um lugar, uma ação, uma vendeta. Essa ficção é composta por vetores que se opõem (infância x violência), e em cuja interseção habita a potência da significação, produzindo assim novos discursos que se ativam e se reinventam através daquele que observa ou acessa essas imagens.

Vendeta também pode exercer um sentido mais cotidiano, menos literal, principalmente quando incorporado em um jogo comandado por crianças. Nesse duelo com regras e punições estabelecidas, uma batalha se instaura entre a caça e o caçador, entre a seta e o alvo, entre o inofensivo e a simbologia da morte. As imagens nos conduzem ao cruel exercício de associar a morte numa instância fundamental da vida, a infância, e nos colocam no vertiginoso papel do alvo, da caça, nesse território conflituoso entre imagens que se sobrepõem e signos que saltam

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e se ressignificam. A série de pinturas que compõem Vendeta subvertem simbologias de guerra; ali as armas são de brinquedo e são carregadas por crianças, reconfiguram ações expansionistas, territórios. Os soldados dessa batalha lúdica, que se estabelece no ambiente familiar, encenam uma agressividade, que saltam aos nossos olhos como comentários pontuais acerca do nosso tempo, práticas e posturas.

Na pintura de Baroli revela-se um preciso olhar investigativo, apropriador do mundo, do seu entorno, cotidiano, vida que flui em “imagens/frames”, que recortam uma ambiência, um tempo, um desejo. Dessa manipulação que se instaura entre a poética do comum - do diário, do que é absorvido pela cultura ou mídia - se condensa a um forte fluxo de subjetividade, que resulta em potentes imagens que orbitam no campo do fetiche, do perverso, da inocência.

Na série Vendeta, um fundo com pinceladas ligeiras e precisas serve de base para evidenciar os personagens que compõem o bailado do conflito infantil, imagens protagonistas que se insinuam e carregam a organicidade dos gestos, do desafio. Cores tranquilas que se opõem à gestualidade da imagem, que afronta, aquece e captura.

“Na pintura de Baroli revela-se um preciso olhar investigativo, apropriador do mundo, do seu entorno, cotidiano, vida que flui em “imagens/frames”, que recortam uma ambiência, um tempo, um desejo. ”

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As fronteiras movediças em Vendeta: a intifada

Renato Silva - Curador

Uma das possibilidades mais gratificantes no mundo contemporâneo talvez seja aquilo que o compreende em processo de diluição constante e quebra dos valores absolutos. A liberdade, que nos permite coabitar numa sociedade em que reverberam as disparidades de conceitos e opiniões, torna-se preponderante e deve sobrepor aos devaneios cínicos do sagrado, o sacralizado que, por serem princípios morais, em muitas das vezes vêm atrelados a fórmulas e preceitos, “pré-conceitos” e regras que se baseiam inexoravelmente no que fora entendido como exato. Felizmente os paradigmas que acompanharam nossos antepassados já não se põem de forma tão referente quando analisamos ou buscamos compreender determinados fatores da criação.

Fábio Baroli nos faz mergulhar nesses questionamentos, permitindo-nos refletir sobre a ironia no âmbito narrativo de Vendeta: a intifada, dando cores a uma batalha entre crianças e adolescentes nas ruas da cidade de Uberaba, no interior de Minas Gerais, onde viveu sua infância. A série apresentada estabelece um diálogo intermitente com o expectador que, entorpecido com os constantes e tristes fatos tão desenhados no noticiário atual, perde-se em meio às questões imediatas ligadas ao cotidiano de um povo distante – já que o termo intifada nos empurra para essa margem.

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Uma imensa pintura composta por três telas traz uma cena onde crianças se apresentam armadas, numa das encruzilhadas de seu bairro. As figuras locadas no centro da imagem se mostram em posição de confronto e destoam das outras que estão ao redor, como que alheias ao que ali está para acontecer. Há uma secessão que denota um desequilíbrio de ordem social e também de anseios, e essa fragmentação – mostrada de forma mais contornada quando passamos às pinturas menores – nos força a mergulhar com maior afinco nos olhares. Estes são incisivos, desafiadores e debulham uma ferocidade que não se espera encontrar em rostos tão infantis. E o que seriam essas armas senão os artefatos para a brincadeira que se segue? Ao voltarmos à pintura maior, percebemos que os periféricos – na imagem montada são postos alheios à luta

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– estão, quase todos, desarmados; quando a sociedade, em sua maioria, sequer os enxerga e nunca tal forma. Há uma questão que não se resolve e, seja no brincar ou na guerra em si, há uma linha nada tênue que os separa. Fábio Baroli os posta, lado a lado e junto a si, para nos confrontar. A rigidez formal dos closes acentua o que, de fato, traz o artista com sua tensão narrativa. São os olhares que nos posicionam quanto à sua intenta em nos confundir. Desta feita, nesse momento em que o jogo se expõe de forma presumidamente clara é que nos alocamos numa raia ambígua, afinal de contas, a paisagem interiorana se coloca muito além da aridez do oriente conflagrado. A pintura onde o garoto solta o seu brado é instigante, já que o ardil da encenação nos exige maior esforço. Como se daria esse combate, quem seria de paz e quem se poria no front?

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Essas e outras tantas questões fatalmente habitarão o horizonte de Vendeta: a intifada, portanto, cuidemos para que não sejam a baía de repouso do nosso olhar, e sim somente a ignição para a decomposição de nossas certezas – dando início às outras tantas. Inevitavelmente não encontraremos as armas de Baroli deitando rasamente o nosso olhar sobre a tenaz narrativa dessa intifada. É intenso viver junto ao artista e acompanhar o que, já sendo arte em estado amplamente inventivo, ascende a um patamar mais elevado. Já não são mais somente os nus que deflagram a armadilha da associação malfadada com um espelho inexistente. Não são apenas as provocações de esfera sensual e, por vezes, deliberadamente narcisista de suas narrativas privadas e que, ditosamente permearam esse caminho. Devemos transcender,

“O acúmulo imaginário que Baroli nos apresenta

aqui é ordem variada e nele condensam-se

experiências, articulam-se desafetos, dores e valentia,

desafogando-se em pinturas que extrapolam o

sentido real do corpo...”

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contudo a quaisquer possibilidades de um olhar crítico atabalhoado, livrando-nos da opinião apoplética dos especialistas. O movimento urgente dessa arte encontra-se, antes de tudo, no curso inalterável de uma história em todas as suas variações. A presumida violência com a qual nos deparamos em Vendeta: a intifada apenas nos faz lembrar nossa frágil incompreensão das poéticas e sinaliza o quanto estamos atrasados com relação à proposta desse jogo brejeiro.

O acúmulo imaginário que Baroli nos apresenta aqui é ordem variada e nele condensam-se experiências, articulam-se desafetos, dores e valentia, desafogando-se em pinturas que extrapolam o sentido real do corpo e dos movimentos, ampliando-nos as

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possibilidades diversas da interpretação das situações postas aos meninos e às meninas no espaço resoluto da tela. Dessa vivência sobressai o aporte da fotografia que melhor permite ao artista fragmentar os planos cotidianos e os recortes abruptos – significados e memórias que se espalham, detectam além da técnica virtuosa, o estudo e, sobretudo, a história da pintura pós-moderna.

A mostra Vendeta: a intifada é a confirmação dessa transição criativa que salta do micro para o universal e os motivos são agora de outra ordem. Partem do lúdico, e atingem outras esferas. São crianças com armas na mão, porém, o que mata são os olhares.

Daqui para lá.

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Série Vendeta / Óleo sobre tela / 160 x 140 cm / 2012

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Intifada / Óleo sobre tela (tríptico) / 220 x 480 cm / 2012

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Série Intifada / Óleo sobre tela / 48 x 60 cm / 2012

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Fábio Baroli (Uberaba | MG, 1981)brasileiro, nasceu em Uberaba, Minas Gerais em 1981, onde vive e trabalha. Bacharel em Artes Plásticas pelo Instituto de Artes da Universidade de Brasília - UnB. Desenvolve pesquisa sobre os conceitos da apropriação e do erotismo em sua obra. Ao longo de sua carreira realizou as exposições individuais Vendeta, na Galeria Moura Marsiaj – SP (2012) com curadoria de Bitu Cassundé; Domingo, na Galeria Laura Marsiaj - RJ (2012), com curadoria de Marcelo Campos; Lar Doce Lar, no Centro Cultural Banco do Nordeste da Paraíba (2011); Narrativas Privadas, no Museu de Arte Contemporânea de Mato Grosso do Sul (2010) e Erotismo e Apropriação, no Centro Municipal Adamastor - SP (2010). Participou de coletivas, como Convite à Viagem - Rumos Artes Visuais 2011/2013, no Instituto Itaú Cultural – SP (2012) sob coordenação de Agnaldo Farias; Mostra Coletiva Olheiro da Arte, no Centro Cultural da Justiça Eleitoral - RJ (2010), com curadoria de Fernando Cocchiarale; Projeto Ocupação Contemporânea, Referência | Galeria de Arte (2010), com curadoria de Marcus Lontra; Arquivo Brasília: cidade imaginário, no Espaço Cultural Marcantonio Vilaça com curadoria de Renata Azambuja e Brasília Prazer de Pintura, na Galeria Fayga Ostrower da Funarte/MinC (2010), com curadoria de Bené Fonteles. Recebeu prêmios no 10º Prêmio de Arte Contemporânea do Iate Clube de Brasília (2011); 9º Salão de Artes Visuais de Guarulhos (2010) e 28° Salão Arte Pará (2009), dentre outros. Teve a obra publicada em catálogos e revistas, como a Poets and Artists (Poets and Artists - Self Portrait Issue, Estados Unidos, v. 2, n. 6, p. 70, set. 2009). Em 2012 foi indicado ao Prêmio Investidor Profissional de Arte – PIPA.

Vendeta: a intifada

18/12/2012 a 15/02/2013Galeria Nordeste de Artes VisuaisRecife - Pernambuco

Curadoria

Renato Silva

TexTos

Renato SilvaBitu Cassundé

FoTograFias

TchunayEyder Borges

revisão de TexTos

Fernanda FonsecaCamila Andrade

ProjeTo gráFiCo e diagramação

Caio Danieli

agradeCimenTos

A seu Basílio e dona Zizinha por tudo na vida; a Vó Dica; a Tchunay, consultor de assuntos aleatórios e grande parceiro; a tio Jasmo, matuto predileto; aos grupos Territórios, Tuttaméia e Corpos Informáticos; a Camila Soato, amiga pintora, fuleira antes da fuleiragem; a todos os Zés, Tom Zé e Zé Breguelo; a todos os Tá doido; aos Madá do Cássio Resende; a seu Batista e Zucrina, a Renato Silva, Bitu Cassundé e Caio Danieli. Um agradecimento especial a todas as crianças; a Ogum e aos Ibejis. Saravá!

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PresidenTa da rePúbliCa

Dilma Vana Rousseff minisTra de esTado da CulTura

Marta Suplicy fundação nacional de artes PresidenTe Antônio Grassi direTora exeCuTiva

Myriam Lewin direTor do CenTro de arTes visuais

Francisco de Assis Chaves Bastos (Xico Chaves) Coordenadora do CenTro de arTes visuais

Andréa Luiza Paes Coordenador do Prêmio FunarTe de arTe ConTemPorânea 2012/ne

Vera Rodrigues

Coordenadora de ComuniCação

Camilla Pereira

rePresenTanTe da FunarTe nordesTe

Naldinho Freire

agradeCimenTos

Fábio Henrique Lima de AlmeidaRepresentante Regional do MinC/NE

Lúcio RodriguesChefe Substituto RRNE/MinC

Distribuição Gratuita, proibida a venda.Este projeto foi contemplado pela Funarte no Prêmio Funarte de Arte Contemporânea 2012 – Galeria Nordeste de Artes Visuais.

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Realização