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VENDENDO SAÚDE! v. 13, n. 4, p. 1007-18, out.-dez. 2006 1007 IMAGENS Vendendo saúde! Revisitando os antigos almanaques de farmácia Selling health! A new look at old-time pharmacy almanacs Mario Luiz Gomes Bacharel em história Rua Divinópolis, 146, Bosque 12233-200 São José dos Campos – SP – Brasil [email protected] GOMES, M. L. Vendendo saúde! Revisitando os antigos almanaques de farmácia. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, p. 1007-18, out.-dez. 2006. O artigo destaca a importância dos almanaques de farmácia como fonte de pesquisa em relação à história dos medicamentos, apresentando imagens desses impressos relacionadas às estratégias de promoção dos produtos farmacêuticos. A idéia de ciência veiculada pelos almanaques de farmácia também é analisada, indicando a relevância desse tipo de fonte para a história da ciência e da propaganda no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: almanaques de farmácia; ciência; medicamentos. GOMES, M. L. Selling health! A new look at old-time pharmacy almanacs. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, p. 1007-18., Oct.-Dec. 2006. Offering images of pharmaceutical products and marketing strategies, pharmacy almanacs are a valuable source when researching the history of medications. The article analyzes the idea of science that was presented in these almanacs and demonstrates how this research source is pertinent to the history both of science and of advertising in Brazil. KEYWORDS: pharmacy almanacs; science; medicines.

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I M A G E N S

Vendendo saúde!Revisitando os antigos almanaques de farmácia

Selling health! A new look at old-timepharmacy almanacs

Mario Luiz GomesBacharel em históriaRua Divinópolis, 146, Bosque12233-200 São José dos Campos –SP – [email protected]

GOMES, M. L. Vendendo saúde! Revisitando os antigosalmanaques de farmácia.História, Ciências, Saúde – Manguinhos,Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, p. 1007-18, out.-dez. 2006.O artigo destaca a importância dos almanaques de farmácia comofonte de pesquisa em relação à história dos medicamentos,apresentando imagens desses impressos relacionadas àsestratégias de promoção dos produtos farmacêuticos. A idéia deciência veiculada pelos almanaques de farmácia também éanalisada, indicando a relevância desse tipo de fonte para ahistória da ciência e da propaganda no Brasil.PALAVRAS-CHAVE: almanaques de farmácia; ciência;medicamentos.

GOMES, M. L. Selling health! A new look at old-time pharmacyalmanacs.História, Ciências, Saúde – Manguinhos,Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, p. 1007-18., Oct.-Dec. 2006.Offering images of pharmaceutical products and marketing strategies,pharmacy almanacs are a valuable source when researching thehistory of medications. The article analyzes the idea of science thatwas presented in these almanacs and demonstrates how this researchsource is pertinent to the history both of science and of advertising inBrazil.KEYWORDS: pharmacy almanacs; science; medicines.

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MARIO LUIZ GOMES

“O almanaque, por favor”

E ditados desde o século XIX, os ‘almanaques de farmácia’ forampublicações que durante décadas promoveram e populariza-

ram as drogas medicinais e os artigos cosméticos que competiamem nosso mercado de saúde. Elaborados inicialmente por algumasdas antigas ‘pharmacias’ de manipulação, passaram posteriormentea fazer parte do conjunto de estratégias publicitárias adotadas pelamaioria dos modernos laboratórios químico-farmacêuticos para apromoção e comercialização de seus produtos.

Milhões de exemplares dessas publicações foram editados e dis-tribuídos por todo o país. Formato ágil, equilibrando seu caráterintrinsecamente comercial com o espírito e o conteúdo dosalmanaques tradicionais, levou não só a populações urbanas, masa pequenas comunidades rurais, uma possibilidade de informaçãoe entretenimento. Para muitos, em determinadas circunstâncias efrente à carência material e cultural do meio, o almanaque repre-sentou o livro e a revistinha infantil; em outras ocasiões, assumindocaráter e função particularmente inusitados, fez a vez da própriacartilha, auxiliando adultos e crianças no aprendizado da leitura.

Adotados e adaptados dessa forma pela população, transcende-ram ao simples caráter panfletário, instalando-se como hábito deleitura. Circularam durante várias décadas popularizando marcasnacionais e estrangeiras. Foram desaparecendo à medida que sesofisticavam as técnicas de propaganda e marketing.

Dos milhões de exemplares lançados pelo Brasil afora, poucosrestam. Representam, atualmente, testemunhos insubstituíveis deépoca, e um patrimônio comum a toda nossa indústria farmacêutica.

As poucas pesquisas desenvolvidas até o momento sobre o temasão unânimes acerca das dificuldades em se estudar esse tipo defonte, em virtude da inexistência de acervos em bibliotecas ou ins-tituições de pesquisa. Por essa razão, as coleções particulares ga-nham uma dimensão essencial para o desenvolvimento de projetosque envolvem esses impressos, como é o caso do conjunto dealmanaques objeto deste artigo.1

Nosso objetivo, aqui, consiste em destacar aspectos comuns adiferentes almanaques de farmácia, utilizando algumas imagens depropagandas e seções desses impressos.

A propaganda

A linguagem nos anúncios dos almanaques percorria do maugosto intimidativo e cru à mais refinada e sutil prosa aliciante. Lite-ratos de renome estiveram a serviço dos laboratórios farmacêuticosde maior porte. Mais que elaborar mensagens diretas e convencio-nais, muitos deles superavam os limites do simples texto comercial,

1 Trata-se de umacervo que até omomento reúne cercade 350 exemplaresdos almanaques defarmácia. Estão nelesrepresentados osgrandes laboratórios,nacionais eestrangeiros, aspequenas indústrias ealgumas farmácias edrogarias, umas maismodestas, outras derenome – como aGranado, do Rio deJaneiro, e a Beirão, deBelém, no estado doPará. Constitui-se emsua maioria depublicações relativasàs décadas de 1930 e1940, quandoatingiram o auge desua qualidade e de seunúmero emcirculação.

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explorando com criatividade a crônica e o conto, construindo en-redos e personagens, sem fugir ao rigor dos objetivos e resultadospráticos. Abordando temas polêmicos para a época, como divórcioe homossexualismo, ou recorrendo ao simplismo do ‘antes e de-pois’, os publicitários procuravam recriar situações que se identi-ficassem com os problemas mais rotineiros de higiene, saúde e beleza(Figuras 1 e 2).

Figura 1 – Almanach Americano de Ross, 1931, p. 30.

Figura 2 – Revista Almanach de Ross, 1932, p. 23.

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O discurso da propaganda, em seu aspecto mais geral, vai seempenhar em demonstrar as vantagens utilitárias da boa aparên-cia e de um corpo saudável (Figura 3). O que seria um atributonatural passa, pela ótica publicitária, a ser considerado um pré-requisito essencial para o êxito econômico e social. As promessasde cura em soluções rápidas e baratas vinham acompanhadas desedutoras possibilidades de realização pessoal. Convencidos pelaargumentação dos textos, leitores e leitoras experimentavam o xaro-pe, a pílula ou o elixir, na esperança da gratificação física, materiale sentimental.

Figura 3 – Almanaque do Biotonico, 1934, p. 8.

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‘Saúde é beleza’ era o slogan preferido dos propagandistas. Insis-tentemente veiculado, instigava a vaidade e a fantasia feminina aoacenar com os (supostos) efeitos embelezadores obtidos mediante ouso de determinados medicamentos. Grande parte dos anúncios –principalmente sobre laxantes e reguladores – reafirmava esses pres-supostos, colocando em plano privilegiado aquilo que supostamentereverteria em bons resultados exteriores. Explorado na maioria daspublicações, tornou-se um clássico e uma das idéias centrais dapublicidade nos almanaques.

A tarefa de implantar novos hábitos de higiene, saúde e belezacoube em boa parte aos profissionais publicistas. Seus textos e ima-gens (especialmente a partir da década de 1930) vão introduzir nãosó as novas drogas científicas, mas novos padrões de comporta-mento, usos e costumes. Em busca de mercado para seus produtosindustriais, a propaganda dos laboratórios arremete contra o modode vida passado, sobrepondo-se às práticas artesanais de medicinacaseira e desqualificando-as. Redatores e ilustradores passam a re-produzir o clima dinâmico de uma sociedade que se transformarapidamente. Velocidade, agilidade, a vertigem e a força de aero-planos e automóveis são temas e símbolos que sintetizam o climadesse momento, e que sugestivamente se apresentarão cada vez maisem seus trabalhos.

A tradicional técnica dos testemunhos representou uma das for-mas promocionais mais utilizadas nos almanaques. Consistia naparticipação direta dos consumidores através de cartas enviadasaos laboratórios. Os depoimentos de cunho pessoal narravam –geralmente em linguagem exageradamente dramática – os percal-ços em busca do remédio ideal, terminando por enaltecer os efeitosalcançados com o uso (enfim) daquele determinado produto. Re-passado página a página, o forte conteúdo emocional dos discur-sos incentivava os leitores identificados com a situação a tentaremtambém a mesma experiência. O volume recebido (e sempre citado)desses atestados funcionava como mais um elemento de estímuloagregado à sua propaganda (Figura 4).

Percebidas como força considerável de persuasão, as palavrasde médicos, artistas populares e representantes da Igreja católicacompartilhavam estrategicamente os espaços publicitários nosalmanaques. Reforçando as manifestações espontâneas do usuáriocomum, o prestígio e a credibilidade dessas fontes exerceriam influên-cia decisiva no ato da escolha.

Quanto mais bem produzido o almanaque, maiores as suas possi-bilidades de aceitação e de retorno público. Investir na colaboraçãode escritores, poetas, humoristas e ilustradores de destaque resultouem momentos de alto nível de comunicação escrita e ilustrada.

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Figura 4 – Almanaque Capivarol, 1933, p.10.

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Os colaboradores

Monteiro Lobato foi o intelectual mais importante para a histó-ria da propaganda nos almanaques de farmácia. Amigo pessoal dofarmacêutico e industrial Cândido Fontoura, foi o responsável pelaidealização – e confecção – do exemplar inaugural (1920) do Almanachdo Biotonico. Sua efetiva contribuição, porém, viria com a adaptaçãopara a publicidade de seu controvertido personagem ‘JecaTatuzinho’. Capitalizado para alavancar a campanha contra averminose (promovendo a Ankilostomina e o próprio BiotônicoFontoura), foi lançado em livreto (no princípio dos anos 20), trans-formando-se em sucesso imediato. Nessa breve e divertida fábulasobre o progresso, a saga do homem do campo brasileiro vencendoos males da opilação, chamou a atenção e conquistou a simpatia demilhões de leitores. Em sua trigésima quinta edição (1973) alcan-çou um total de 84 milhões de exemplares, transformando o ‘Jeca’na obra de maior divulgação em todo o Brasil.

Outras participações de Lobato (sempre nos almanaques doBiotônico) encontram-se espalhadas pelos números anuais da pu-blicação (Figura 5). Modestas, pouco havia a acrescentar depois dofenômeno Jeca Tatu.

Menotti Del Picchia escreveu especialmente para o AlmanachRhodia de 1936, e o poeta e humorista Bastos Tigre (D. Xiquote) erapresença constante em vários deles. Embora seja difícil localizá-los,outros autores de porte certamente estiveram envolvidos com osalmanaques. Parte da produção escrita inserida nessas publicações

Figura 5 – Almanaque do Biotonico, 1935, p. 4 (ilustração de J. U. Campos).

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permaneceu preservada sob a discrição do anonimato. Preferiram aconvivência sigilosa e a não exposição pública, num veículoprioritariamente comercial.

A ilustração nos almanaques guarda registros de alguns dosmais reconhecidos artistas do gênero. Nomes como Belmonte,Kohout (Figura 6), Raul, J. U. Campos e J. Carlos, ao lado do traçonão menos famoso de Kalixto, Max Yantock, Seth e Luiz Sá, foramos responsáveis pela graça e beleza que tornavam prazerosa e di-vertida sua leitura.

Apresentaram casais de namorados preocupados com a sífilis(Figura 7), quadrinhos de humor, melindrosas e mulheres sensuais aobanho; traduziram em imagens a angústia da doença, a felicidade dacura, a ansiedade da competição na nova era industrial. Recriaram

Figura 6 – contracapa do Almanach d’A Saude daMulher, 1932 (ilustração de Franz Kohout).

Figura 7 – capa do Almanach para 1934 do Elixir de Inhame.

“Meu amor, olhe o futuro:Casar, tendo o sangue impuro,Será um mal para nós dois,Meu bemzinho, não se zangue,Primeiro, trate do sangue E casaremos... depois”.

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do cotidiano a dor e a prostração feminina ‘naqueles dias’, o horrorinfantil diante do óleo de rícino, o carinho do gesto materno na aten-ção ao bebê. Revelaram para muitos o interior do corpo humano, eacompanhando a moda trouxeram para suas capas o glamourdas louras estilizadas, influência direta dos estúdios de Hollywood(Figura 8).

Venderam sabonetes, remédios e idéias, intervindo diretamente noshábitos de seus leitores.

Figura 8 – Capa do Almanaque do Biotonico, 1941.

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Almanaque e ciência

Guia doméstico de saúde, o almanaque de farmácia mais queinformar sobre remédios e doenças, introduziu em termos popula-res uma possibilidade de iniciação científica. Seu discurso,intermediado pela linguagem da publicidade, disponibilizou paramuitos, em texto e imagem, o que antes constituía um conheci-mento restrito a poucos.

Segundo Vera Casa Nova (1999, p. 60),

A ciência do almanaque de farmácia, saída dos bancos de escola, émuito mais história da ciência do que ciência propriamente dita.Com ares de seriedade, a ciência (química, física, biologia e matemá-tica) é divulgada, popularizada, através de certas práticas ensinadaspara serem repetidas, freqüentemente, como lazer, em serões, emfamília. Diríamos, até, uma ciência caseira, uma ciência lúdica. Lazere utilidade parecem caracterizar o almanaque de farmácia enquantoleitura popular, que ensina, brincando, a adultos e crianças.

Traduziu em ilustrações o corpo humano e suas funções, incor-porou ao vocabulário cotidiano novas palavras, termos científicosque nomeavam agentes, produtos, técnicas e fórmulas. Estimuloucom jogos o raciocínio, a lógica, a memória, induzindo com simpli-cidade a formação de um pensar racional, e de uma nova maneira deexplicar o mundo. Interferiu no cotidiano, criando novos hábitosde higiene e saúde, contrapondo seus produtos industrializados, àspráticas seculares de medicina caseira.

A considerarmos que os almanaques de farmácia fazem parte denossas leituras desde o século XIX, e que foram muitas vezes osúnicos a atingirem determinadas populações do país, justifica-serepensar seu significado como documento.

A tônica dos almanaques de farmácia – como não poderia deixarde ser – é a questão técnico-científica (Figuras 9 e 10). Tentam repas-sar ao leitor a idéia de sua importância como componente funda-mental, diretamente envolvido na fatura dos produtos medicinais e,portanto, nos processos de cura ou na manutenção da saúde. Seudiscurso em termos gerais depõe contra a cultura tradicional de chás,infusões e procedimentos empíricos, na tentativa de desqualificar ‘onatural’ e substituí-lo pela produção técnica de massa.

O aval de organismos e eventos oficiais (como as feiras nacio-nais e internacionais) era de imediato incorporado como referendodefinitivo de qualidade e garantia dos produtos (Figuras 11 e 12).O alarde com que tais premiações eram divulgadas nos almanaquesindica o grau de sugestão e influência que o termo ‘scientífico’ teriasobre o leitor. Apesar – em muitos casos – do mau uso do conceito,das inevitáveis panacéias, dos clichês publicitários e de suas inten-ções acima de tudo comerciais, disseminaram, de acordo com suavisão e interesses, o ideário cientificista de época.

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Figura 9 – Jéca Tatuzinho – edicção especial do Instituto‘Medicamenta’ Fontoura Serpe & Cia., São Paulo,Fontoura & Serpe, 1925, p.15 (ilustração de Wiese).

Figura 10 – capa do livreto O Estomago de Crystal.Norwalk, Conn. EUA Laboratório Dr. RichardsDyspesia Tablet Association, (1928?).

Figura 12 – Contracapa do Almanach doGalegonal, 1937.

Figura 11 – Capa interna – Almanak Silveira para 1914.

Considerações finais

Protagonistas de um projeto que envolveu ciência, comércio epropaganda, os originais que aqui reaparecem possibilitam umarápida incursão pelo passado daqueles que com boa-fé ou malíciaaventuraram-se pelos segredos dos cadinhos e retortas em buscada melhor fórmula ou, simplesmente, do negócio mais lucrativo.

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MARIO LUIZ GOMES

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Almanaques

Almanach Americano Rio de Janeiro: The Sydney Ross Co.de Ross

1931, 1932

Almanack Beirão Belém (PA): Pharmacia e Drogaria Beirão.1933

Almanack do Biotonico São Paulo: Instituto Medicamenta – Fontoura, Serpe & Cia.1934, 1935,1941

Almanach do Rio de Janeiro: Laboratório Capivarol Ltda.Capivarol

1933

Almanach do Elixir Rio de Janeiro: J. Goulart Machado & Cia. Ltda.de Inhame

1934

Almanach Rhodia Rio de Janeiro: Rhodia Brasileira.1936

Almanach d’A Saúde Rio de Janeiro: Daudt, Oliveira & Cia. Ltda.da Mulher

1932

Almanak Silveira Pelotas (RS): Casa Viúva Silveira & Filho.1914

Galegonal Pelotas (RS): Laboratório do Galegonal.1937

O Estomago de Crystal Norwalk (Conn., EUA): Laboratório Dr. Richards,1928 (?) Dyspesia Tablet Association.

O Pharol da Medicina Rio de Janeiro: Granado & Cia.1926, 1934

Bibliografia

Lobato, Monteiro Jéca Tatuzinho – edicção especial do Instituto ‘Medicamenta’. São Paulo:1925 Fontoura & Serpe.

Nova, Vera Casa Lições de almanaque: um estudo semiótico.1996 Belo Horizonte: Ed. UFMG.

Recebido para publicação em junho de 2005.

Aprovado para publicação em agosto de 2005.