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35 Braz J Periodontol - September 2014 - volume 24 - issue 03 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 INTRODUÇÃO A toxina botulínica foi inicialmente empregada no tratamento do estrabismo, a partir de 1970. Entretanto, considerando sua aprovação no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em 2000, e pela Food and Drug Administration (FDA) em 2002, seu uso crescente vem auxiliando no tratamento de diversas patologias e condições (Côrte-Real de Carvalho et al., 2011). A toxina botulínica é uma protease que causa denervação química temporária das fibras músculo-esqueléticas por bloqueio da liberação mediada de acetilcolina das terminações nervosas dos neurônios motores alfa e gama (junção neuromuscular) pelos íons cálcio. O efeito produzido é o enfraquecimento temporário dose-dependente da atividade muscular, tornando-o não funcional, sem efeitos sistêmicos. Entretanto, com o decorrer do tempo, a função muscular retorna gradualmente pelo início da formação de novos receptores de acetilcolina e reestabelecimento da transmissão neuromuscular, com efeitos colaterais mínimos (Côrte-Real de Carvalho et al., 2011). É produzida pela Clostridium botulinum, bacilo anaeróbio, que pode causar infecção alimentar. Há sete sorotipos de toxina botulínica (A, B, C 1 , D, E, F e G), com diferentes tempos de ação, toxicidade específica e potenciais de ação. Contudo, a mais utilizada é o sorotipo A (Côrte-Real de Carvalho et al., 2011). Na Odontologia, é indicada para disfunções temporomandibulares, distonia orofacial, bruxismo, briquismo, hipertrofia de masséter, sialorreia, assimetrias faciais de origem muscular, sorriso gengival, assimetrias labiais que podem causar exposição acentuada da gengiva. Recentemente, vem sendo indicada a aplicação profilática de toxina botulínica em casos após reabilitações sobre implantes dentários, reduzindo forças mastigatórias e protegendo as próteses e implantes (Côrte-Real de Carvalho et al., 2011; Rocha et al., 2011). O propósito deste trabalho é relatar o caso de uma paciente que apresentou discrepância entre a relação dentária e gengival bem como sorriso gengival. Foram realizadas as cirurgias gengivais ressectivas UTILIZAÇÃO DA TOXINA BOTULÍNICA TIPO A ASSOCIADA À CIRURGIA GENGIVAL RESSECTIVA: RELATO DE CASO Utilization of botulinum toxin type A associated to the resective gingival surgery: case report Irineu Gregnanin Pedron 1 1 Professor do Curso de Capacitação em Toxina Botulínica na Odontologia - FACESC - Chapecó/SC. Recebimento: 16/05/14 - Correção: 18/07/14 - Aceite: 06/08/14 RESUMO A toxina botulínica tipo A vem sendo amplamente utilizada na Medicina com finalidade cosmética ou terapêutica, angariando indicações cada vez mais abrangentes. Na Odontologia, é indicada em disfunções temporomandibulares, distonia orofacial, bruxismo, briquismo, hipertrofia de masséter, sialorreia, assimetrias faciais de origem muscular, sorriso gengival e assimetrias labiais que podem causar exposição acentuada da gengiva. Recentemente, vem sendo indicada a aplicação profilática de toxina botulínica em casos após reabilitações sobre implantes dentários, reduzindo forças mastigatórias e protegendo as próteses e implantes da carga excessiva. O propósito deste trabalho é relatar o caso de uma paciente que apresentou discrepância entre a relação dentária e gengival bem como sorriso gengival. Foram realizadas as cirurgias gengivais ressectivas e a aplicação de toxina botulínica, alcançando resultado satisfatório à paciente. A toxina botulínica apresenta resultado transitório, sendo necessária a reaplicação após 6 meses com a recorrência do sorriso gengival. UNITERMOS: sorriso gengival; cirurgia gengival ressectiva; gengivectomia; toxina botulínica tipo A. R Periodontia 2014; 24:35-39.

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Braz J Periodontol - September 2014 - volume 24 - issue 03

An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393

INTRODUÇÃO

A toxina botulínica foi inicialmente empregada no tratamento do estrabismo, a partir de 1970. Entretanto, considerando sua aprovação no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) em 2000, e pela Food and Drug Administration (FDA) em 2002, seu uso crescente vem auxiliando no tratamento de diversas patologias e condições (Côrte-Real de Carvalho et al., 2011).

A toxina botulínica é uma protease que causa denervação química temporária das fibras músculo-esqueléticas por bloqueio da liberação mediada de acetilcolina das terminações nervosas dos neurônios motores alfa e gama (junção neuromuscular) pelos íons cálcio. O efeito produzido é o enfraquecimento temporário dose-dependente da atividade muscular, tornando-o não funcional, sem efeitos sistêmicos. Entretanto, com o decorrer do tempo, a função muscular retorna gradualmente pelo início da formação de novos receptores de acetilcolina e reestabelecimento da transmissão neuromuscular, com efeitos colaterais mínimos

(Côrte-Real de Carvalho et al., 2011).É produzida pela Clostridium botulinum, bacilo

anaeróbio, que pode causar infecção alimentar. Há sete sorotipos de toxina botulínica (A, B, C1, D, E, F e G), com diferentes tempos de ação, toxicidade específica e potenciais de ação. Contudo, a mais utilizada é o sorotipo A (Côrte-Real de Carvalho et al., 2011).

Na Odontologia, é indicada para disfunções temporomandibulares, distonia orofacial, bruxismo, briquismo, hipertrofia de masséter, sialorreia, assimetrias faciais de origem muscular, sorriso gengival, assimetrias labiais que podem causar exposição acentuada da gengiva. Recentemente, vem sendo indicada a aplicação profilática de toxina botulínica em casos após reabilitações sobre implantes dentários, reduzindo forças mastigatórias e protegendo as próteses e implantes (Côrte-Real de Carvalho et al., 2011; Rocha et al., 2011). O propósito deste trabalho é relatar o caso de uma paciente que apresentou discrepância entre a relação dentária e gengival bem como sorriso gengival. Foram realizadas as cirurgias gengivais ressectivas

UTILIZAÇÃO DA TOXINA BOTULÍNIcA TIPO A ASSOcIADA À cIRURgIA gENgIVAL RESSEcTIVA: RELATO DE cASOUtilization of botulinum toxin type A associated to the resective gingival surgery: case report

Irineu Gregnanin Pedron1

1 Professor do Curso de Capacitação em Toxina Botulínica na Odontologia - FACESC - Chapecó/SC.

Recebimento: 16/05/14 - Correção: 18/07/14 - Aceite: 06/08/14

RESUMO

A toxina botulínica tipo A vem sendo amplamente utilizada na Medicina com finalidade cosmética ou terapêutica, angariando indicações cada vez mais abrangentes. Na Odontologia, é indicada em disfunções temporomandibulares, distonia orofacial, bruxismo, briquismo, hipertrofia de masséter, sialorreia, assimetrias faciais de origem muscular, sorriso gengival e assimetrias labiais que podem causar exposição acentuada da gengiva. Recentemente, vem sendo indicada a aplicação profilática de toxina botulínica em casos após reabilitações sobre implantes dentários, reduzindo forças mastigatórias e protegendo as próteses e implantes da carga excessiva. O propósito deste trabalho é relatar o caso de uma paciente que apresentou discrepância entre a relação dentária e gengival bem como sorriso gengival. Foram realizadas as cirurgias gengivais ressectivas e a aplicação de toxina botulínica, alcançando resultado satisfatório à paciente. A toxina botulínica apresenta resultado transitório, sendo necessária a reaplicação após 6 meses com a recorrência do sorriso gengival.

UNITERMOS: sorriso gengival; cirurgia gengival ressectiva; gengivectomia; toxina botulínica tipo A. R Periodontia 2014; 24:35-39.

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e a aplicação de toxina botulínica, alcançando resultado satisfatório à paciente.

REVISÃO DA LITERATURA

A toxina botulínica tem se tornado um excelente meio auxiliar no tratamento de diversas desordens odontológicas. Apesar de ser conhecida pela utilização cosmética na redução de linhas hipercinéticas faciais, também pode ser empregada com fins terapêuticos, em casos de bruxismo, disfunção temporomandibular, hipertrofia do masseter e exposição gengival acentuada (Polo, 2005; Niamtu III, 2008; Hwang et al., 2009; Mazzuco & Hexsel, 2010; Indra et al., 2011; Jaspers et al., 2011; Sucupira & Abramovitz, 2012; Mangano & Mangano, 2012).

O sorriso gengival é conceituado pela exposição de mais de 3 mm de tecido gengival durante o sorriso (Mazzuco & Hexsel, 2010; Mangano & Mangano, 2012). Entretanto, Sucupira & Abramovitz (2012), consideraram a exposição de tecido gengival maior que 2 mm como sorriso gengival, sendo frequentemente encontrado em mulheres. A maior predominância pelo gênero feminino pode ser explicada pelo fato de pacientes do gênero masculino apresentarem a linha do sorriso mais baixa (Hwang et al., 2009; Mazzuco & Hexsel, 2010).

Diversas etiologias foram sugeridas ao sorriso gengival como o excesso vertical da maxila (Polo, 2005; Hwang et al., 2009; Indra et al., 2011; Jaspers et al., 2011; Mangano & Mangano, 2012), erupção passiva tardia (Polo, 2005; Hwang et al., 2009; Jaspers et al., 2011; Mangano & Mangano, 2012), hiperfunção dos músculos envolvidos no sorriso (Polo, 2005; Jaspers et al., 2011; Mangano & Mangano, 2012) e comprimento reduzido da coroa clínica dos dentes (Pedron et al., 2010a; Pedron et al., 2010b; Mangano & Mangano, 2012) - como observado no presente relato - que podem ocorrer isoladamente ou em conjunto, e determinam o tipo de tratamento a ser empregado. No sorriso gengival causado pela hiperfunção muscular foi indicada a aplicação de toxina botulínica, sendo o tratamento de primeira escolha pela facilidade e segurança das aplicações, efeito rápido, além de ser um método mais conservador quando comparado aos procedimentos cirúrgicos, como a miectomia (Polo, 2005; Niamtu III, 2008; Hwang et al., 2009; Mazzuco & Hexsel, 2010; Indra et al., 2011; Jaspers et al., 2011; Sucupira & Abramovitz, 2012; Mangano & Mangano, 2012).

A atividade do sorriso é determinada por diversos músculos faciais, como o elevador do lábio superior, da asa do nariz, zigomático menor e maior, do ângulo da boca, orbicular da boca e risório (Polo, 2005; Hwang et al., 2009; Mazzuco

& Hexsel, 2010; Indra et al., 2011; Jaspers et al., 2011; Sucupira & Abramovitz, 2012). Dentre eles, os três primeiros desempenham maior função e determinam a quantidade de elevação labial, devendo ser, portanto, os músculos afetados pela injeção da toxina. As fibras destes músculos convergem para a mesma área, formando um triângulo, sugerindo-se que o ponto de eleição adequado compreenda os 3 músculos em uma única injeção. A toxina ao ser injetada, pode se espalhar em área de 10 a 30 mm, permitindo o alcance efetivo (Hwang et al., 2009; Mazzuco & Hexsel, 2010). O local de injeção proposto foi lateralmente a asa do nariz (Hwang et al., 2009; Indra et al., 2011; Jaspers et al., 2011; Sucupira & Abramovitz, 2012). Ao ser injetada em locais predeterminados, a toxina diminui a contração dos músculos responsáveis pela elevação do lábio superior, reduzindo a exposição gengival (Polo, 2005; Niamtu III, 2008; Hwang et al., 2009; Côrte-Real de Carvalho et al., 2011; Mazzuco & Hexsel, 2010; Indra et al., 2011; Jaspers et al., 2011; Sucupira & Abramovitz, 2012; Mangano & Mangano, 2012).

Cada músculo envolvido na elevação do lábio superior apresenta uma função durante a atividade do sorriso. Os locais para as injeções são determinados pela contração de grupos musculares específicos, que resultam em diferentes áreas de visualização gengival. Diversas classificações foram propostas ao sorriso gengival: anterior, posterior, misto e assimétrico, envolvendo grupos musculares diferentes (Mazzuco & Hexsel, 2010; Sucupira & Abramovitz, 2012).

O sorriso gengival anterior deve ser tratados com a técnica convencional, com aplicações lateralmente a asa do nariz. Nos pacientes com sorriso gengival posterior, a aplicação da toxina deve envolver os músculos zigomáticos maior e menor, com aplicação da toxina em dois pontos diferentes: no ponto de maior contração do sulco nasolabial durante a atividade do sorriso, e o segundo ponto, 2 cm lateralmente ao primeiro, ao nível da linha do tragus. Aos pacientes que apresentam sorriso gengival misto, a aplicação da toxina deve ser realizada em todos os pontos mencionados acima. Entretanto, a dose deve ser reduzida a 50% no ponto lateral a asa do nariz (Mazzuco & Hexsel, 2010). Em casos de assimetria labial, que ocorre por diferenças na atividade muscular (Hwang et al., 2009), os pacientes devem receber injeções com doses diferentes em cada lado da face (Mazzuco & Hexsel, 2010; Sucupira & Abramovitz, 2012).

RELATO DE cASO

Paciente leucoderma, do gênero feminino, 38 anos de idade, compareceu à clínica particular com queixa de sorriso gengival (Figura 1).

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Clinicamente a paciente apresentou leve discrepância anatômica entre o comprimento dos dentes 11, 12 e 21 (Figura 2), além de exposição gengival maior que 3mm, caracterizando o sorriso gengival.

dentes 11, 12 e 21. A união destes pontos foi realizada com o bisturi elétrico (BE 3000®, KVN, São Paulo, Brasil) (Pedron et al., 2010a; Pedron et al., 2010b). O comprimento dos dentes foi aumentado, caracterizando-se o zênite dentário. Posteriormente, foi realizado, o scraping, assemelhando-se a técnica de bisel externo, com o propósito de incrementar a reparação tecidual (Figura 3). Não houve necessidade da utilização do cimento cirúrgico, haja vista que o processo da ferida ocorre por segunda intenção. Na mesma consulta, foi aplicada a toxina botulínica tipo A. A paciente foi orientada quanto a provável recorrência do sorriso gengival após 6 meses da aplicação. Previamente a aplicação, a superfície da pele foi desinfectada com etanol, evitando-se a infecção local e removendo-se a oleosidade da pele. Posteriormente foi aplicado anestésico local (lidocaína 5%, tetracaína 7%, veículo qsp.) com o propósito de promover conforto durante o procedimento. A toxina botulínica tipo A (Dysport®, Ipsen Biopharm Ltd., Wrexham, Reino Unido) foi diluída em 1,7 ml de solução salina, de acordo com as normas do fabricante, e injetada 2U no sítio preconizado, lateralmente a cada narina. Após a aplicação, a paciente foi orientada a não abaixar a cabeça e não realizar atividades físicas durante as primeiras 4 horas após o procedimento. A paciente foi orientada e administrado fármaco analgésico no pós-operatório.

Figura 2: Aspecto clínico inicial apresentando leve discrepância anatômica entre o comprimento dos dentes 11, 12 e 21.

Foi proposta a cirurgia gengival ressectiva (gengivoplastia) e aplicação da toxina botulínica para minimizar o sorriso gengival.

Figura 3: Pós-cirúrgico imediato.

Sob anestesia local infiltrativa foram determinados os pontos sangrantes com auxílio de sonda milimetrada nos

Figura 4: Pós-cirúrgico (21 dias): observada reparação tecidual satisfatória

Figura 5: Resultado estético após 21 dias da aplicação da toxina botulínica tipo A.

Figura 1: Paciente apresentando sorriso gengival.

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Decorridos 21 dias, foram observadas a reparação gengival satisfatória e a deiscência uniforme do lábio superior (Figura 4 e 5, respectivamente). Não foram reportados efeitos colaterais ou queixas. A recorrência do sorriso gengival ocorreu após 6 meses da aplicação de toxina botulínica, sendo necessária a repetição da aplicação da toxina botulínica, haja vista tratar-se de uma modalidade terapêutica com efeito transitório.

DIScUSSÃO

A área de aplicação da toxina botulínica para o sorriso gengival converge para a sobreposição de três músculos (elevador do lábio superior, elevador do lábio superior e da asa do nariz e zigomático menor), independente do gênero, idade ou etnia (Polo, 2005; Hwang et al., 2009). Foi recomendada a eletromiografia (Polo, 2005), embora, pelo fácil acesso clínico aos músculos, pode ser realizada aplicação extrabucal, como foi realizado no presente estudo.

No presente relato, o resultado alcançado foi satisfatório à harmonia do sorriso da paciente pela associação dos tratamentos - cirurgia gengival ressectiva e aplicação da toxina botulínica tipo A. A instituição de tratamentos isolados poderia não culminar na excelência do resultado angariado. A priori, a criação do novo zênite dentário durante a realização da cirurgia gengival ressectiva, promoveu a nova arquitetura dentária, favorecendo a harmonia dento-gengivo-facial da paciente. Subsequentemente, a aplicação da toxina botulínica tipo A amenizou o sorriso gengival, pela própria deiscência uniforme do lábio superior, promovendo ainda suavidade às linhas faciais do sorriso, como pode ser observado no sulco nasogeniano, adjacente às narinas, comparando-se as Figuras 1 e 5.

A toxina botulínica do tipo A é um pó hidrofílico, armazenado a vácuo, estéril e estável (Polo, 2005; Indra et al., 2011). A reconstituição ocorre a partir da injeção suave do diluente (cloreto de sódio 0,9%) no interior do frasco, devendo ser armazenada de 2 a 8ºC, e utilizada em 4 a 8 horas, com o propósito de garantir sua eficácia (Jaspers et al., 2011).

Ao início do tratamento, foram realizadas as fotografias extrabucais incluindo o close-up do sorriso. Alguns autores mencionaram a importância da realização da fotografia do sorriso anterior e posteriormente a aplicação da toxina (Polo, 2005; Niamtu, 2008; Sucupira & Abramovitz, 2012). Segundo Niamtu III (2008), a foto do sorriso deve ser realizada estimulando os músculos individualmente com corrente elétrica, a fim de assegurar que a contração muscular seja controlada, precisa e também repetível, pois o sorriso espontâneo é extremamente dificultoso de ser replicado.

Os pacientes compreendem que o tratamento é realizado para produzir um sorriso diferente, e nesta perspectiva, inconscientemente, há a tendência a sorrir de modo diferente nas fotos após o tratamento.

Os efeitos clínicos apresentam-se em 2 a 10 dias após a injeção, e o efeito máximo visível ocorre após 14 dias da injeção (Polo, 2005; Hwang et al., 2009). Este primeiro efeito, programado para ser progressivo, é também reversível, com duração de aproximadamente 3 a 6 meses (Polo, 2005; Mazzuco & Hexsel, 2010; Jaspers et al., 2011). Entretanto, em casos avançados e severos, como o apresentado por Indra et al. (2011), é possível a recorrência mais precoce (3 meses). A aplicação da toxina botulínica tipo A demonstrou-se eficaz no presente caso de sorriso gengival após 21 dias, permanecendo o resultado clínico por 6 meses. Após a recorrência da exposição gengival (término do efeito da toxina botulínica aplicada), é necessária a reaplicação da toxina, para a deiscência do lábio superior. Nesta perspectiva, a toxina botulínica apresenta efeito transitório e temporário.

A injeção da toxina botulínica, apesar de ser um procedimento simples e seguro, pode estar associada a algumas complicações como dor, hematoma infecção e edema no local da injeção, disfonia, disfagia, ptose ou alongamento do lábio superior e assimetria do sorriso. O cirurgião dentista deve estar atento em relação a posologia, precisão da técnica e localização da puntura (Polo, 2005; Niamtu III, 2008; Mazzuco & Hexsel, 2010; Jaspers et al., 2011). No presente relato, não foram reportadas queixas ou alterações decorrentes da aplicação.

As contraindicações da utilização da toxina botulínica são gestação; lactação; doenças neuromusculares, tais como miastenia gravis e doença de Charcot; e administração simultânea de antibiótico aminoglicosídico, que potencializa a ação da toxina botulínica (Jaspers et al., 2011).

cONcLUSÕES

A aplicação da toxina botulínica, em comparação aos procedimentos cirúrgicos (miectomia ou osteotomia Le Fort I), é uma alternativa menos invasiva, rápida, segura, eficaz e que produz resultados harmônicos e agradáveis quando aplicada em músculos alvos (elevador do lábio superior e da asa do nariz e zigomáticos maior e menor), respeitando a dose apropriada e o tipo de sorriso. Entretanto, apresenta-se com efeito temporário na correção do sorriso gengival. A toxina botulínica, portanto, é um complemento útil na melhora estética do sorriso e fornece melhores resultados quando associada à cirurgia gengival ressectiva, podendo ser mais uma opção terapêutica ao alcance do periodontista, na

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finalização e complementação dos seus casos.

ABSTRAcT

Widely used in medicine, botulinum toxin type A, is in cosmetic or therapeutic use, is raising broader indications. In dentistry, it is indicated in temporomandibular disorders, orofacial dystonia, bruxism, dental clenching, hypertrophy of the masseter, drooling, facial asymmetry of muscular origin, gummy smile and lip asymmetries that can cause severe gum exposure. Recently, it has been shown the prophylactic application of botulinum toxin in patients after rehabilitation on dental implants, reducing masticatory forces and protecting the prostheses and implants. The purpose of this article is to

report the case of a patient who presented discrepancy of relation between tooth and gingival and gummy smile. The gingival resective surgery and botulinum toxin application were performed, reaching satisfactory outcome to patient. Botulinum toxin presents transient results, being necessary the reapplication after 6 months because recurrence of gummy smile.

UNITERMS: gummy smile; resective gingival surgery; gingivectomy; botulinum toxin type A.

Declaração de conflitos de interesse e fomentoO autor declara a inexistência de conflito de interesse e

apoio financeiro relacionados ao presente artigo.

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Endereço para correspondência:

Irineu Gregnanin Pedron

Rua Flores do Piauí, 508

CEP: 08210-200 – São Paulo – SP

Tel.: (11) 2944-4067

E-mail: [email protected]

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