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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL ÁREA DE TEOLOGIA EXEGÉTICA E SISTEMÁTICA CURSO DE TEOLOGIA A MISSÃO DO ESPÍRITO SANTO: UMA ANÁLISE EXEGÉTICO- SISTEMÁTICA DE JOÃO 16.7-11. Heitor Bragança Kester Canoas 2013

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UNIVERSIDADE LUTERANA DO BRASIL

ÁREA DE TEOLOGIA EXEGÉTICA E SISTEMÁTICA

CURSO DE TEOLOGIA

A MISSÃO DO ESPÍRITO SANTO: UMA ANÁLISE EXEGÉTICO-

SISTEMÁTICA DE JOÃO 16.7-11.

Heitor Bragança Kester

Canoas

2013

1

Heitor Bragança Kester

A MISSÃO DO ESPÍRITO SANTO: UMA ANÁLISE EXEGÉTICO-

SISTEMÁTICA DE JOÃO 16.7-11.

Trabalho de Conclusão de Curso Para a obtenção do grau em Bacharel em Teologia na Universidade Luterana do Brasil.

Orientador: Dr. Paulo Moisés Nerbas

Canoas

2013

2

A presente monografia A MISSÃO DO ESPÍRITO SANTO: UMA ANÁLISE

EXEGÉTICO-SISTEMÁTICA DE JOÃO 16.7-11, redigida pelo acadêmico HEITOR

BRAGANÇA KESTER, foi examinada, julgada e aprovada pela Banca Examinadora

em cumprimento ao Trabalho de Conclusão do Curso de Bacharelado em Teologia,

na Universidade Luterana do Brasil, Canoas, RS.

Professor Orientador: Dr. Paulo Moisés Nerbas

______________________________

Dr. Paulo Moisés Nerbas

Examinador: Ms. Gerhard Grasel

______________________________

Ms. Gerhard Grasel

Canoas, Junho de 2013

3

DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Arlindo Kester e Nailde Bragança Kester, e aos demais familiares, que em todos os momentos apoiaram e incentivaram meus estudos com carinho e amor intenso.

4

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela vida e salvação em Jesus Cristo.

Agradeço a meus pais pelo amparo e proteção em todos os momentos.

Agradeço ao meu irmão pelo apoio e preocupações compartilhadas.

Agradeço aos meus familiares que tanto apoiam e incentivam meus estudos.

Agradeço aos meus amigos, de longe e de perto, pela ajuda mútua.

Agradeço ao meu orientador, Dr. Paulo Moisés Nerbas, que como um amigo, me guiou com paciência e dedicação nesta pesquisa.

Agradeço aos meus professores pelo ensino.

Agradeço à ULBRA pela oportunidade e incentivo.

5

“Guardemos firme a confissão da

esperança, sem vacilar, pois quem fez a promessa é fiel.” (Hebreus 10.23)

6

RESUMO

Este trabalho de pesquisa bibliográfica trata sobre a Missão do Espírito

Santo, conforme as palavras de Jesus em seu discurso de despedida, registrado em

João 16.7-11. O trabalho busca ressaltar que a missão do Espírito Santo ou

Parácleto, como o Espírito é descrito no quarto Evangelho, está resumida em três

âmbitos: pecado, justiça e juízo, e que esta missão é exclusivamente obra do

Espírito e não possui participação humana. Somente o Espírito pode convencer o

ser humano do pecado, da justiça e do juízo e levá-lo a reconhecer Cristo como

único e suficiente Salvador.

Palavras chave:

Ser humano, Pecado, Convencer, Justiça, Juízo, Jesus Cristo, Espírito

Santo, Conversão.

7

ABSTRACT

This bibliographic research aims to study the Mission of the Holy Spirit,

according to the words of Jesus himself in his farewell discourse registered in John

16:7-11. The paper seeks to emphasize that the mission of the Holy Spirit or

Paraclete, as the Spirit is described in the fourth Gospel, is summarized in three

areas: sin, righteousness and judgment, and this mission is solely work of the Spirit

and has no human participation. Only the Spirit can convince the human being of sin,

righteousness and judgment and make him recognize Christ as the one and only

Savior.

Key-words:

Human being, Sin, Convince, Righteousness, Judgment, Jesus Christ, Holy

Spirit, Conversion.

8

Sumário

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

1. ASPECTOS DO QUARTO EVANGELHO ............................................................ 12

1.1 AUTOR ................................................................................................................ 12

1.2 DATA E PROVENIÊNCIA ................................................................................... 13

1.3 PROPÓSITO ....................................................................................................... 14

1.4 CARACTERÍSTICAS DO EVANGELHO DE JOÃO ............................................ 14

1.5 ESTILO E LINGUAGEM ...................................................................................... 16

1.6 ÊNFASES TEOLÓGICAS EM JOÃO .................................................................. 17

1.6.1 Cristologia ....................................................................................................... 17

1.6.2 Soteriologia ..................................................................................................... 18

1.6.3 Pneumatologia ................................................................................................ 19

1.7 ESTRUTURA DO QUARTO EVANGELHO ......................................................... 20

2. ESTUDO EXEGÉTICO.......................................................................................... 23

2. 1. CONTEXTO ...................................................................................................... 23

2. 2. EXAME DO TEXTO .......................................................................................... 25

2. 2.1. Versículo 7 .................................................................................................... 25

2. 2. 2. Versículos 8-11 ............................................................................................ 28

3 APLICAÇÃO SISTEMÁTICA DE JOÃO 16.7-11 ................................................... 36

3.1 DOUTRINAS ERRÔNEAS A RESPEITO DA CONVERSÃO .............................. 36

3.1.1 Pelagianismo .................................................................................................. 36

3.1.2 Semi-Pelagianismo......................................................................................... 37

9

3.1.3 Sinergismo ...................................................................................................... 37

3.1.4 Com respeito aos ensinos acima citados .................................................... 37

3.2. O QUE DIZ A DOUTRINA LUTERANA .............................................................. 38

3.3. MEIOS USADOS PELO ESPIRITO ................................................................... 41

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 44

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 46

10

INTRODUÇÃO

A cada dia cresce mais o número de ateus no mundo, mas também

cresce o número de denominações cristãs. A maioria destas denominações

estão alicerçadas sobre pensamentos e, mais especificamente, em teologias

perigosas, contrárias à doutrina bíblica, principalmente no que diz respeito à

conversão do ser humano.

Estas são teologias antropocêntricas, embora em certos assuntos

enfatizem de modo demasiado o Espírito Santo, porém distorcem

completamente o enfoque da sua missão. E, quando se trata da verdadeira

missão do Espírito, que é levar o ser humano à fé em Cristo, ele é

simplesmente deixado de lado, e atua como um mero “coadjuvante” dentro da

conversão, onde o ser humano faz o “papel principal”. É a vontade do ser

humano que faz com que ele se volte para Cristo.

Diante desta realidade, o presente trabalho pretende abordar a missão

de convencer levada a cabo pelo Espírito Santo a partir do quarto Evangelho,

mais precisamente o discurso de despedida de Cristo, pois no rico conteúdo

apresentado neste trecho do Evangelho está resumida toda a missão do

Parácleto1.

Em um primeiro momento, optou-se por fazer uma isagoge deste

Evangelho, destacando aspectos importantes para que se entenda a teologia

Joanina, suas principais ênfases e o importante lugar que a pneumatologia tem

dentro deste Evangelho.

No segundo capítulo se investiga, a partir de uma análise exegética, o

trecho de João 16. 7-11, que trata da missão convencedora do Espírito Santo.

1 Título dado ao Espírito Santo dentro do quarto Evangelho.

11

Essa missão está resumida em apenas três aspectos: convencer do pecado,

da justiça e do juízo.

O terceiro e último capítulo, em um primeiro momento, destaca alguns

erros teológicos, surgidos há muitos anos atrás, que dizem respeito à

conversão do pecador, mas que ainda hoje permanecem arraigados em

algumas teologias. Em um segundo momento, ele mostra o que a teologia

confessional luterana diz a respeito deste tema.

12

1. ASPECTOS DO QUARTO EVANGELHO

1.1 AUTOR

No que tange à autoria do quarto Evangelho, pode-se dizer que em nenhum

momento do texto o autor se identifica.2 “À semelhança dos sinóticos, é formalmente

anônimo.”3 Contudo, alguns fatores tanto externos, quanto internos, indicam que

realmente seja João o autor do Evangelho.

Entre evidências externas podem ser destacados os escritos de teólogos da

Igreja antiga.4 Essas evidências demonstram que o autor do quarto Evangelho não

era outro que João, o filho de Zebedeu. Irineu, por volta do segundo século, está

entre as testemunhas mais fortes destas evidências.5 Irineu não é o único que dá

testemunho em favor da autoria joanina, mas Clemente de Alexandria e Tertuliano

fornecem sólidas evidências no segundo século a favor do apóstolo João ser o autor

deste Evangelho.6

No que diz respeito a evidências internas, é necessário destacar alguns

pontos. Conforme relata Merrill C. Tenney, o autor era um judeu. Estava

familiarizado com a tradição judaica. Relata a perspectiva judaica da vinda do

Messias (1.19-28). Ele conhecia como era a relação entre judeus e samaritanos

(4.9) e conhecia muito bem as festas judaicas.7 Ele era também um profundo

conhecedor da topografia da Palestina (1.44; 2.1; 4.5,6,21; 9.7; 11.18; 18.1).8 “O

autor do quarto Evangelho afirma ter sido testemunha ocular do ministério de Jesus

2 SCHOLZ, Vilson. História e literatura do Novo Testamento. Canoas: Ed. da

ULBRA, 2011, p.56. 3 CARSON, Donald A.; MOO, Douglas J.; MORRIS, Leon. Introdução ao Novo

Testamento. Tradução de Márcio L. Redondo. São Paulo: Vida Nova, 1997, p.155 4 SCHOLZ, 2011, op. cit., p.56. 5 CARSON, D. A. O Comentário de João. Tradução de Daniel de Oliveira e Vivian

Nunes do Amaral. São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 69. 6 CARSON; MOO; MORRIS. op. cit., p.157. 7 TENNEY, Merrill C. O Novo Testamento: Sua Origem e Análise. São Paulo:

Vida Nova, 1972, p. 194. 8 Ibid.

13

(1.14; 19.35).” 9 “Em suma, a interpretação mais objetiva das evidências é ainda a

mais tradicional: é altamente provável que João, filho de Zebedeu, escreveu o quarto

Evangelho.”10

1.2 DATA E PROVENIÊNCIA

Como tantos livros do Novo Testamento, não é possível datar precisamente

o Evangelho de João. Várias sugestões têm sido propostas que vão desde a queda

de Jerusalém até o segundo século. Conforme relata Carson: “as datas do século II

foram excluídas pela descoberta do papiro Egerton 2.”11

A grande maioria dos comentaristas e eruditos defende que a data na qual

foi escrita o Evangelho é relativamente tardia. Há escritores que consideram o

Evangelho segundo João o mais recente de todos.12 Carson defende que 80-85 d.C.

parece uma data razoável para a publicação do Evangelho.13 Contudo, Vilson Scholz

relata que:

De um ponto de vista histórico, quanto mais antiga for uma fonte ou quanto mais próxima estiver dos fatos que se propõe a narrar, maior credibilidade terá. De um ponto de vista canônico, não faz muita diferença se o Evangelho de João foi escrito 25 anos antes ou 25 anos depois.14

Quanto à proveniência do quarto evangelho, pode-se dizer que também é

incerta. “Há uma antiga tradição de que este Evangelho foi publicado em Éfeso”15.

Segundo Carson, Alexandria, Antioquia e a Palestina também são comumente

9 GUNDRY, Robert Horton. Panorama do Novo Testamento. Tradução: João

Marques Bentes e outros. 3ª edição, atualizada e ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2008. p.323.

10 CARSON; MOO; MORRIS. op. cit., p. 178. 11 CARSON, 2007, op. cit., p.82. 12 MORRIS, Leon. The Gospel according to John. Grand Rapids: W. B.

Eerdmans, 1995. p.25. 13 CARSON, 2007, op. cit., p.87. 14 SCHOLZ, 2011, op. cit., p.57. 15 Ibid.

14

propostos como locais de origem do Evangelho. Mas, nenhum desses tem o apoio

dos pais da igreja, assim como Éfeso.16

1.3 PROPÓSITO

O Evangelho de João é um dos poucos livros do cânone bíblico que traz em

seu conteúdo o seu propósito. O final do capítulo 20 diz que: “fez Jesus diante dos

discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém,

foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que,

crendo, tenhais vida em seu nome” (ARA17: Jo 20. 30-31).

Mas, apesar de trazer em seu conteúdo a finalidade para qual foi escrito, ele

também é alvo de grandes debates, dos quais quatro são mais comuns. Rodolfo H.

Blank relata que o Evangelho de João foi escrito para: 1. Evangelizar judeus,

prosélitos que temiam a Deus e também gentios que havia nas cidades às quais foi

dirigido o quarto Evangelho. 2. Fortalecer a fé dos crentes judeus e gentios que

foram expostos ao proselitismo vindo da parte dos fariseus, que tentavam fazer com

que os cristãos renunciassem a Jesus para se tornarem membros na sinagoga. 3.

Ajudar os cristãos de gerações subsequentes a crerem em Jesus sem terem visto os

sinais que os discípulos viram. Ou seja, receber a vida eterna por crer em Jesus

como resultado da leitura do Evangelho. 4. Esclarecer aos membros das

comunidades cristãs, qual era a natureza da missão de Jesus e o propósito da

igreja.18

1.4 CARACTERÍSTICAS DO EVANGELHO DE JOÃO

16 CARSON; MOO; MORRIS. 1997, op. cit., p. 179. 17 ARA: BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Almeida. 2ª ed. Tradução de João

Ferreira de Almeida Revista e Atualizada. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999. As próximas citações referentes a esta obra será usada apenas a sigla: ARA.

18 BLANK, Rodolfo H. Juan: Un comentario teológico y pastoral al cuarto evangelio. Editorial Concordia, 1999, p. 582-583.

15

É muito fácil o leitor perceber que João tem muitas características que o faz

diferente dos Evangelhos sinóticos. Mas, mesmo assim, é importante mencionar

algumas das características dominantes deste Evangelho, que é para alguns

teólogos e milhares de cristãos espalhados pelo mundo o livro preferido dentre os

demais da Escritura Sagrada. Blank afirma que “em várias oportunidades o doutor

Martinho Lutero comentou que se estivesse preso e pudesse ter consigo na prisão

somente um dos 66 livros que compõem a Bíblia Sagrada, esse livro seria o

Evangelho segundo São João.”19 : Dentre as características do Evangelho de João,

Leon Morris diz o seguinte:

Existe um consenso geral de que o quarto evangelho é um dos livros mais importantes que já foram escritos. Sua influência dentro e fora da igreja é incalculável. Incontáveis livros foram escritos sobre ele, e os problemas que ele levanta estão longe de uma solução definitiva. Uma das coisas mais intrigantes nos estudos joaninos é que, enquanto os estudiosos joaninos investigam com afinco os problemas difíceis que ele apresenta, homens e mulheres comuns – e crianças também – leem o livro sem fazer perguntas e descobrem que podem entendê-lo e, além disso, alimentar a alma pela leitura.[...]20

Com toda certeza, este Evangelho realmente impressiona os seus leitores. E

aquele leitor atento não precisará de muito esforço para perceber as muitas

diferenças que há entre o quarto Evangelho e os demais.

O Evangelho de João não incorpora em seu conteúdo grande parte do

material característico dos Evangelhos sinóticos. Um exemplo claro disso são as

parábolas narrativas, que inexistem em João. Também não está presente no quarto

Evangelho o relato da transfiguração, as tentações de Cristo, a instituição da Ceia

do Senhor, e nenhuma palavra há a respeito de Jesus expulsando demônios.21

Temas que são centrais nos Evangelhos sinóticos, simplesmente desaparecem no

Evangelho de João. O evangelista parece preferir falar mais das pregações de Cristo

19 BLANK, 1999, op. cit., p.5. “Em varias oportunidades el doctor Martín Lutero

comento que si estuviera preso y pudiera tener consigo em la prisión sólo uno de los 66 libros que componen la Santa Biblia, esse libro sería el evangelio según San Juan.”

20 MORRIS, Leon. Teologia do Novo Testamento. Traduzido por Hans Udo Fuchs. São Paulo: Edições Vida Nova, 2003.p.269.

21 CARSON, 2007, op. cit., p.23.

16

do que das suas ações. Lutero diz: “João descreve poucas obras de Cristo, mas

muitas de suas pregações, ao passo que os outros três evangelistas, inversamente,

descrevem muitas de suas obras e poucas palavras suas.”22 O reformador afirma

que por isso o seu Evangelho se torna um Evangelho mais sensível e delicado que

os demais.23

João, como nenhum outro Evangelho, apresenta muitas oposições, ou

dualismos, como por exemplo, de cima e de baixo, vida e morte, luz e trevas,

verdade e mentira, visão e cegueira e outros mais.

O quarto Evangelho contém mais “teologia” que os outros três. Scholz

afirma:

João é, dentre os quatro Evangelhos canônicos, o mais teológico de todos. Em particular, porque nele aparecem os elementos de muito do que, mais tarde, veio a ter grande importância na formulação de doutrinas, em especial a doutrina da Trindade. João é, como bem disse Lutero, um texto ao mesmo tempo simples e profundo. Pode-se aplicar a este evangelho o que Karl Barth disse da carta aos Romanos: Nunca se vai terminar de estudar este texto!24

1.5 ESTILO E LINGUAGEM

Quanto ao estilo e a linguagem, João também possui características que lhe

são bem peculiares. “A gama do seu vocabulário é severamente limitada e ainda o

efeito que ele produz é digno e convincente.”25 Guthrie enfatiza que “João também

gosta de usar sinônimos, em geral aos pares, ou seja, duas palavras diferentes com

basicamente o mesmo sentido.”26

22 LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. v. 8. Tradução: Walter O. Schlupp.

Porto Alegre/São Leopoldo: Concórdia/Sinodal, 2003.p.127. 23 Ibid. 24 SCHOLZ, Vilson. Exegese do Novo Testamento. Canoas: Editora da ULBRA,

Caderno Universitário, 2003.p.5. 25 GUTHRIE, Donald. New Testament introduction. Illinois: Inter-Varsity, 1970. p.

316: “The range of his vocabulary is severely limited and yet the effect that he produces is dignified and compelling.”

26 SCHOLZ, 2011, op. cit., p.61.

17

Algo que chama a atenção dentro do Evangelho segundo João é o número

sintetizado de adjetivos que o autor usa.27 Nos evangelhos sinóticos, a tradução das

falas de Jesus é mais literal, em João a tradução é mais livre e ocorre mais

paráfrases, o que faz com que o sentido das palavras ditas pelo orador, seja melhor

entendido.28 “Outra característica joanina são as palavras ou expressões ambíguas.

Ao que tudo indica, trata-se de uma ambiguidade intencional.”29

Apesar de João ter tantos elementos característicos, talvez o traço que mais

distingue o seu estilo é o generalizado uso de kai., em vez das cláusulas de

subordinação. É esta característica mais do que qualquer outra, que cria uma

impressão de simplicidade no grego. Com isso, fica evidente que a intenção do autor

é mais voltada em transmitir a mensagem do que imprimir ao texto sutilezas

estilísticas.30

1.6 ÊNFASES TEOLÓGICAS EM JOÃO

A teologia joanina é tão maravilhosamente integrada que tentar

compartimentalizar seu pensamento, separando por itens seus componentes, acaba,

por desfigurá-lo. Contudo, é necessário fazer uma pequena exposição de algumas

ênfases teológicas presentes no quarto Evangelho.

1.6.1 Cristologia

A apresentação que o quarto evangelista faz de quem é Jesus baseia-se no

âmago de tudo que é característico neste Evangelho. Não é apenas uma questão de

títulos endereçados a Jesus que não são encontrados fora do Evangelho de João,

27 Ibid. 28 GUNDRY, Robert Horton. Panorama do Novo Testamento. Tradução: João

Marques Bentes e outros. 3ª edição, atualizada e ampliada. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 326.

29 SCHOLZ, 2011. op. cit., p.61. 30 GUTHRIE, 1970. op. cit., p.317.

18

tais como “Cordeiro de Deus”, “Verbo”, “Eu Sou”. Em vez disso, fundamental a tudo

que se diz dele, Jesus é o próprio “Filho de Deus”, ou apenas o “Filho”. Leon Morris

diz que quando é usado o título Filho de Deus, este é “uma confissão que

corresponde muito bem ao objetivo de João declarado por escrito em seu livro

(20:31)”.31 E ele executa esse objetivo do começo ao fim do Evangelho.32

João usa muitas vezes a expressão “Filho de Deus”, mas ele prefere usar

mais somente “Filho”, que é tão significativa quanto à outra. A expressão mais curta

nos aponta para a proximidade do laço que liga Cristo ao Pai.33

É necessário falar sobre o “Verbo”. Em seu prólogo, João refere-se a Jesus

14 vezes como “Verbo”, designação que ele não usa mais nenhuma vez em todo o

Evangelho. Carson relata que é bastante significativo que o título condensador dado

a Jesus pelo evangelista seja “Verbo”. “No princípio era o Verbo”; no começo Deus

expressou a si mesmo. E aquela expressão de si mesmo, a própria Palavra de

Deus, identificada com Deus e distinguível dele mesmo, agora se tornou carne, a

culminação da esperança profética. Para “Filho de Deus” ou “Filho”, “Filho do

homem”, “Rabi” ou “Mestre”, “Messias” ou Cristo”, “Cordeiro de Deus”, “Rei de

Israel” ou “dos judeus”.34

1.6.2 Soteriologia

A doutrina da salvação tem grande relevância dentro do quarto Evangelho.

Deus enviou o seu Filho ao mundo para que o mundo fosse salvo por ele (3.17);

Jesus é revelado como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (1.29).

Conforme Carson:

[...] A obra de João é um evangelho: todo o andamento da trama é em direção da cruz e da ressurreição. A cruz não é um simples

31 MORRIS, Leon. Jesus is the Christ: studies in the theology of John. Grand

Rapids: Eerdmans Publishing Company, 1989. p.98: “a confession that matches pretty well John's declared aim in writing his book (20:31).”

32 MORRIS, 2003. op. cit., p.272. 33 MORRIS, 1989. op. cit., p.98. 34 CARSON, 2007, op. cit.,p.96-97.

19

momento revelador: é a morte do pastor por suas ovelhas (Jo 10), o sacrifício de uma pessoa por sua nação (Jo 11), a vida que é dada em favor do mundo (Jo 6), a vitória do Cordeiro de Deus (Jo 1), o triunfo do Filho obediente que, como consequência, lega sua vida, sua paz, sua alegria, seu Espírito (Jo 14 – 16).35

1.6.3 Pneumatologia

Embora os ensinamentos de João a respeito do Espírito Santo apresentem

similaridades com as ênfases dos sinóticos, o conteúdo do quarto Evangelho traz

muitos elementos que lhe são próprios ou característicos. Guthrie, relata:

Há mais ensino de nosso Senhor sobre o Espírito neste Evangelho do que em qualquer outro. [...] É evidente que, na véspera de sua morte, pensamentos de Jesus estavam muito concentrados na obra do Espírito, mas só o evangelho de João foca a atenção sobre isso.36

Segundo Frederick R. Harm tem sido apontado de forma bastante fascinante

que todo o Evangelho de João é uma revelação da convicção do mundo a respeito

dos assuntos do Espírito manifestado aqui: pecado, justiça e juízo. Com referência

ao pecado, veja: 3.19-21; 5.37-47; 08.21, 34-47; 09.41; 14.27, 15.18-24. Quanto à

justiça: 05.30; 07.18, 24; 8.28, 46, 50, 54; 12.32; 14.31; 18.37. Quanto ao juízo:

12.31; 14.30; 17.15,18.37

Conforme Guthrie, pode-se fazer duas divisões para tratar das declarações a

respeito do Espírito Santo no Evangelho: declarações antes da narrativa da Paixão e

declarações dentro desta narrativa.38 No início do Evangelho, ocorre a primeira

perícope que apresenta o tema do Espírito Santo (1. 29-34), (fora da narrativa da

Paixão) onde trata sobre o batismo de Jesus. Todos os sinóticos registram o

episódio do batismo de Cristo, mas somente o quarto Evangelho relata o que João

35 CARSON; MOO; MORRIS. 1997, op. cit., p.199,200. 36 GUTHRIE, 1970. op. cit.,p.238: “There is more of our Lord's teaching about the

Spirit in this gospel than in any other. […]It is evident that on the eve of his death Jesus' thoughts were much concentrated on the Spirit's work, but John's gospel alone focuses attention upon this.”

37 HARM Frederick R. Distinctive Titles of the Holy Spirit in the Writings of John. In: Concordia Journal/Abril 1987, p.128-129.

38 GUTHRIE, Donald. New Testament theology. Illinois: Inter-Varsity, 1981.p. 529.

20

Batista disse naquele momento e também que o Espírito Santo permaneceu sobre

Jesus.39 Logo em seguida, o Evangelho apresenta também “O nascer da água e do

Espírito” (3.1-21); “O dom do Espírito sem medida” (3. 31-36); “A promessa do

Espírito” (7. 37-39); depois o Evangelho trata sobre o Espírito dentro da narrativa da

Paixão. “É no discurso de despedida (14 - 16), que a maior exposição da obra do

Espírito Santo é encontrada.”40 Carson diz:

No discurso de despedida (14 – 16), o Espírito, o consolador, claramente é outorgado como consequência da morte e exaltação de Jesus. Os elementos daquilo que veio a ser chamado de doutrina da Trindade são dentro do Novo Testamento, expressos mais claramente no evangelho de João.41

Dentro da narrativa da Paixão podem ser encontrados os seguintes textos

que se referem ao Espírito Santo: “Jesus promete outro Consolador” (14. 16-18); “O

Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esses vos ensinará todas as

coisas” (14. 26); “O Espírito da verdade dará testemunho de Cristo” (15. 26-27); “O

Espírito convencerá o mundo do pecado, da justiça e do juízo” (16.7-11); “O Espírito

da verdade glorificará a Cristo” (16.12-15); “Jesus entregou o Espírito” (19.30-34);

“Recebei o Espírito Santo” (20.19-23).

1.7 ESTRUTURA DO QUARTO EVANGELHO

Como os demais elementos do evangelho de João, a sua estrutura básica

parece ser relativamente simples até o momento em que se começa a refletir sobre

ela e estudá-la. Sem nenhuma dúvida, a complexidade, misturada com a

simplicidade, é a razão pela qual se tem publicado tantos estudos sobre a estrutura

39 MORRIS, Leon. op. cit., p.2003. p.307. 40 GUTHRIE, 1970. op. cit., p.249. “It is in the farewell discourses (14 - 16) that the

fullest exposition of the Spirit's work is found.” 41 CARSON; MOO; MORRIS. 1997. op. cit.,p.200.

21

do Evangelho nos últimos anos.42 Sobre isso, Scholz relata que “diferentes

estruturações ou esboços de João já foram propostos. Na verdade, a repetição de

temas, que resulta num “efeito de espiral”, parece favorecer essa pluralidade de

esquematizações.” 43

O Evangelho possui um Prólogo (1. 1-18), que constitui unidade distinta do

restante da obra e expõe de modo sintético o conteúdo do livro como um todo.44

Essa parte do livro é a chave que o abre, para uma maior compreensão do

mesmo.45 Ele apresenta também um apêndice (21.1-25), entre esses dois trechos há

duas seções, 1.19 – 12.50, a qual é chamada de o “Livro dos Sinais” e 13.1 – 20.31,

designada como o “Livro da Glória”.46

Dentro do “Livro dos Sinais” aparece o ministério público de Jesus. Com

sinais e palavras, ele se apresenta ao seu povo como o Filho rejeitado de Deus.47

Mas, isso não quer dizer que os sinais ficam restritos a essa seção do Evangelho,

pois, 20.30-31 deixa claro que o Evangelho como um todo é um livro de sinais.48

Logo após, segue-se o assim chamado “Livro da Glória” (13.1 – 20.29), onde está

expressa a narrativa da Paixão, que “retrata o Salvador em sua obra característica,

sendo ativa e passivamente obediente, o caminho pelo sofrimento à glória, seus

últimos discursos, sua oração sumo sacerdotal, a história da paixão, e a história da

ressurreição e glorificação.”49 Por fim, o Evangelho termina com o apêndice (21.1-

25).

Bruce esboça o Evangelho segundo João da seguinte forma50:

PRÓLOGO (1.1-18)

A. O INÍCIO DO MINISTÉRIO DE JESUS (1.19-34)

42 CARSON, 2007. op. cit.,p.103. 43 SCHOLZ, 2011. op. cit.,p.64. 44 MATEOS, J.; BARRETO, J. O Evangelho se São João: análise linguística e

comentário exegético. Tradução de Alberto Costa. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 23. 45 SCHOLZ, 2011. op. cit.,p.64. 46 CARSON, 2007. op. cit.,p.103. 47 SCHOLZ, 2011, op. cit.,p.65. 48 CARSON, 2007. op. cit.,p.103. 49KRETZMANN, Paul. E. Popular Commentary of the Bible: New Testament Vol.

I. St. Louis: Concordia Publishing House, 1921-1922. p. 405: “pictures the Savior in His characteristic work of active and passive obedience, the way through suffering to glory, His last discourses, His high-priestly prayer, the story of the Passion, the story of the resurrection and glorification”.

50 BRUCE, F. F. João: Introdução e Comentário. Traduzido por Hans Udo Fuchs. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova e Associação Religiosa Editora Mundo Cristão, 1987, pp. 29-32.

22

I. O testemunho de João (1.19-34)

II. Os primeiros discípulos (1.35-2.12)

B. JESUS REVELA O PAI AO MUNDO (2.13 -12.50)

I. O ministério na Judeia (2.13–3.36)

II. Jesus e os samaritanos (4.1-42)

III. A cura do filho do nobre (4.43-54)

IV. O ministério em Jerusalém (5.1-47)

V. O ministério na Galileia (6.1-71)

VI. O ministério em Jerusalém (7.1-10.39)

VII. A fase final do ministério de Jesus no mundo (10.40-12.50)

C. JESUS REVELA O PAI AOS SEUS DISCÍPULOS (13.1 – 17.26)

I. A última Ceia (13.1-30)

II. Os discursos no cenáculo (13.31-16.33)

III. A oração de consagração (17.1-26)

D. PAIXÃO E TRIUNFO

I. A narrativa da paixão (18.1-19.42)

II. A narrativa da ressurreição (20.1-29)

III. O propósito do relato (20.30,31)

EPÍLOGO (21.1-25)

23

2. ESTUDO EXEGÉTICO

2. 1. CONTEXTO

O discurso de despedida ou discurso do cenáculo como assim o

denominam, tem seu início em 13.31 e seu término em 16.33.51 “Os discursos

contidos nestes capítulos são todos apresentados como sendo dirigidos aos

discípulos em particular”.52 A primeira parte do discurso (13.31-14.31) é em forma de

diálogo.53 Já a segunda parte é um monólogo.54 O foco primário deste trecho do

evangelho de João (discurso de despedida), está na natureza da missão de Cristo. E

sobre isso Carson diz:

Embora seja verdade que estes capítulos reportam as palavras de Jesus para diante dos discípulos de Jesus, seu foco primário não é a natureza do discipulado, mas a natureza da missão de Jesus e o que acontece após sua iminente partida. A ênfase é sobre o entendimento do significado da morte/exaltação de Jesus, sua glorificação, a consequente vinda do Paracleto [...]55

É interessante ressaltar ainda que dentro do discurso de despedida está

registrada uma série de declarações de Jesus a respeito do Parácleto. Estas são

encontradas nos seguintes trechos: 14.15-17; 14.25,26; 15.26,27; 16.7-11. Todas

essas declarações contém o vocábulo grego para,klhtoj (parácletos). Há, porém,

outra passagem na qual não foi empregado o vocábulo para,klhtoj (parácletos), mas,

esta é uma declaração a respeito do Espírito Santo que anda em paralelo com as

demais declarações (16.12-15).56

51 BRUCE, 1987. op. cit.,p. 251. 52 DODD, Charles Harold. A Interpretação do Quarto Evangelho. Traduzido por

José Raimundo Vidigal. São Paulo: Ed. Paulinas, 1977. p. 515. 53 Ibid., p. 532. 54 Ibid., p. 541. 55 CARSON, 2007. op. cit.,p. 481. 56 CHAMPLIN, Russel Norman. O Novo Testamento Interpretado: versículo por

versículo. São Paulo: Millennium, 1982, Vol. II.p.556

24

O discurso começa após a cena do lava pés, no qual Jesus Cristo, o eterno

Filho do Homem, que desceu do céu para de novo subir, ao qual todo poder é dado

(cf. 3.13,35; 6.62) desce ao posto mais humilde de serviço. Em seguida, Judas se

retira dentre os discípulos (13.31). Nos versículos 31 e 32, Jesus declara que Deus

glorificará o Filho em breve e, logo, após prediz que Pedro o negaria (13.31-38).

Jesus, com certeza, estava vivendo momentos de profunda agonia. Jesus

estava se dirigindo para a cruz, estava profundamente perturbado no coração

(12.27) e no espírito (13.21). Aquele era o momento certo para os seus seguidores

lhe darem apoio, tanto emocional quanto físico. Mas, acontece exatamente o

contrário. Jesus é quem os conforta e os instrui, pois os discípulos também estão

muito perturbados com o que está acontecendo. Afinal, estão confusos, incertos

quanto ao que Jesus queria dizer, se sentem em perigo por terem que ficar sozinhos

sem a companhia de Jesus. Não entendem sua repentina partida.57

Então, Jesus diz a eles palavras muito consoladoras (14.1): “Não se turbe o

vosso coração; credes em Deus, crede também em mim.” E lhes promete o

Parácleto, ou melhor, outro Parácleto (14.16). No capítulo 15, Jesus continua seu

discurso de despedida, e agora está usando uma metáfora tirada da vinificação.

Jesus diz que ele é a videira e eles são ramos. “O objetivo da metáfora é descrever

a sua relação com os seus discípulos. O principal ensinamento deste capítulo tem a

ver com a necessidade de os discípulos permanecerem em Jesus”58, a videira.

Novamente em 16.6b, Jesus destaca que a tristeza toma conta dos corações

dos discípulos. Apesar do desânimo e da dor que dominam os seus corações de

forma plena, Jesus persiste com seus esforços para fazê-los sentir algo da bem-

aventurança que a sua partida garante para eles.59

A partir de então, inicia-se o texto tratado neste trabalho. É necessário fazer

algumas observações antes de começar a analisar o texto. Carson diz que “João

57 CARSON, 2007, op. cit.,p. 487 58 BLANK, 1999, op. cit.,p. 445. “El proposito de la metafora es describir su relation

con sus discipulos. La ensenanza principal de este capitulo tiene que ver con la necesidad de que los discipulos permanezcan en Jesus.”

59 LENSKI, R. C. H. The Interpretation of St. John’s Gospel. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1961.p.1079.

25

16.7-11 constitui uma das passagens mais intrigantes do quarto Evangelho.”60

Agostinho também relata que esta passagem é muito obscura.61

2. 2. EXAME DO TEXTO

2. 2.1. Versículo 7

avllV evgw. th.n avlh,qeian le,gw umi/n62 – Mas eu a verdade digo a vós.

A partícula adversativa avllV mostra que há um contraste entre o que foi dito

anteriormente por Jesus, com o que será dito em seguida.63 Ou seja, avllV refere-se a

lu,ph dito no 16.6b.64 Em seguida aparece evgw. (eu) este é enfático no texto no grego,

é como se Jesus estivesse falando „eu que nunca enganei vocês digo a verdade‟,65

evgw está em oposição a umw/n (5,6).66 “Mas eu a verdade digo a vós” essas palavras

não são necessárias para o sentido do texto, mas para adicionar peso e destaque ao

que vem adiante.67

sumfe,rei u`mi/n i[na evgw. avpe,lqw – é vantajoso a vós que eu parta.

sumfe,rei – é vantajoso68

60CARSON, D. A. The function of the Paraclete in John 16:7-11. In: Journal of

Biblical Literature, Vol. 98:4. Sheffield, England, 1979, p.547. “John 16:7-11 constitutes one of the most baffling passages in the fourth gospel.”

61 AUGUSTIN. Homilies on the gospel of John, homilies on the first epistle of john. In: A select library of the Christian Church Nicene and Post-Nicene Fathers vol.7. Edited: Philip Schaff. Massachusetts : Hendrickson, 1999. p.367.

62 Todos os textos gregos foram retirados de: O Novo Testamento Grego: Com introdução em português e dicionário grego-português. Sociedade Bíblica do Brasil. Barueri, 2009.

63 ARNDT William F. e F. Wilbur Gingrich. A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature. (Tradução e adaptação do texto de Walter Bauer) 2ª Edição, revisada por F. Wilbur Gingrich e Frederick W. Danker. Chicago: The University of Chicago Press, 1979. p.49. As próximas citações referentes a esta obra será usada a sigla: BAGD.

64 LANGE, John Peter. Commentary on the holy Scriptures: critical, doctrinal and homiletical. Vol IV. Traduzido e editado por Philip Schaff. Grand Rapids: Sodervan, s. d, p. 472.

65 HARM, 1987, op. cit., p.126. 66 LANGE, op. cit.,p. 472. 67 MORRIS, 1995, op. cit.,p.618. 68 Pres. Ind. At. de sumfe,rw

26

O verbo sumfe,rw significa “ajudar, beneficiar, ser útil, vantajoso.”69 Cristo dá

aos discípulos uma notícia confortadora, “que sua partida lhes é conveniente, que

ela lhes resultará em vantagem, que eles tão só colherão benefício.”70 “É

extraordinariamente bom que ele parta.”71 Este verbo aparece três vezes em João:

11.50; 18.14 e no presente texto. Um contraste de propósito interessante pode ser

visto se comparadas estas passagens. Em 11.50 e 18.14 a morte de Jesus é

“vantajosa” para os líderes judeus. No entanto, no presente versículo, Cristo vê sua

morte como sendo vantajosa para os discípulos, para a igreja, uma vez que resultará

na vinda do Parácleto.72

eva.n ga.r mh. avpe,lqw( o` para,klhtoj ouvk evleu,setai pro.j u`ma/j\ - Se pois não for, o

Ajudador não virá para vós

Com ga.r (conjunção usada para expressar causa, inferência, continuação,

ou explicação)73 Jesus, ao mesmo tempo, explica, e para maior efeito ele emprega

pela primeira vez um negativo e um positivo.74 Se Jesus não se ausentasse, mas

continuasse com os discípulos como eles desejavam, o Parácleto não viria a eles.

Ou seja, Jesus iria se ausentar (negativo), mas a sua ausência seria uma coisa boa

para os discípulos, pois só assim o Ajudador viria para eles (positivo).75

eva.n de. poreuqw/ - “Mas se for,” Ele irá mandá-lo. A partida de Jesus é uma

condição necessária para a vinda do Espírito aos homens.76 “O envio do Espírito

dependia da entrada de Cristo na glória de seu Pai segundo sua natureza humana.

Ele, como o exaltado Filho do Homem, teria e empregaria seu poder para lhes enviar

o Consolador.”77

69 GINGRICH, F. Wilbur; DANKER, Frederich W. Léxico do Novo Testamento:

Grego/ Português. Traduzido por Júlio P. T. Zabatiero. São Paulo: Vida Nova, 2007. p.196. 70 KRETZMANN, 1921-1922, op. cit., p. 498: “that His going away is expedient for

them, that it will accrue to their advantage, that they will reap only benefit.” 71 LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. v. 11. Tradução: Hugo S. Westphal e

Geraldo Kornörfer. Porto Alegre/São Leopoldo: Concórdia/Sinodal, 2010, p.355. 72 HARM, 1987. op. cit., p.126. 73 BAGD p.188. 74 LENSKI, 1961, op. cit., p.1080. 75 Ibid. 76 HARM, 1987, op. cit., p.126. 77 KRETZMANN, 1921-1922, op. cit., p.498: “The sending of the Spirit depended

upon the fact that Christ should enter into the glory of His Father according to His human nature. As the exalted Son of Man He would have and make use of the power to send them the Comforter.”

27

para,klhtoj – “Ajudador, intercessor, advogado, Parácleto.”78 É relevante ser

mencionado que este termo somente se acha nos escritos de João, e que, fora de 1

João 2.1, ocorre somente no discurso de despedida de Jesus. O Parácleto é o

sucessor de Jesus. A NVI79 traduz por “Conselheiro” o que não está errado se for

entendido como conselheiro jurídico, e não como um conselheiro do tipo „conselheiro

matrimonial‟, mas mesmo assim „conselheiro‟ não reproduz o que o termo realmente

representa. A mesma coisa acontece com “Advogado.” A ARA e a ARC80 traduzem

por “Consolador” o que não seria muito ruim se fosse entendido no mesmo sentido

do verbo latino “confortare que significa reforçar, fortalecer”81. O problema é que hoje

“Consolador” pode provocar associações com a linguagem popular.

A NTLH82 e a BLH83 traduzem por “Auxiliador”, sobre esta tradução Carson

diz que “não é muito ruim, mas tem implicações de subordinação ou inferioridade,

implicações essas nitidamente ausentes em Jo 14 – 15”84.

A tradução do termo para,klhtoj para o português apresenta dificuldades

pelo fato de não haver uma palavra em Português que corresponda a tudo o que o

termo realmente significa na língua original.85 G. Braumann diz que “Ajudador”

“seria, uma palavra em Português que tem significado e que se encaixa em todas as

passagens em que para,klhtoj ocorre no NT”86. Outros eruditos também concordam

que a melhor tradução é “Ajudador”. 87 88

78 Advogado, Parácleto. BRAUMANN, G. In: O Novo Dicionário Internacional de

Teologia do Novo Testamento. Colin Brown, ed. São Paulo, Vida Nova, 2ed, 2000. V. I. p. 25.

79 NVI: BÍBLIA Português. Nova Versão Internacional. Sociedade Bíblica Internacional: São Paulo, 1993.

80 ARC: BÍBLIA Português. Almeida Corrigida e Revisada. Sociedade Bíblica Trinitariana do Brasil: São Paulo, 1994.

81 Dicionário de Latim-Português Português-Latim. Porto Editora. 2011.p.102 82 NTLH: BÍBLIA Sagrada: Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Barueri, SP:

Sociedade Bíblica do Brasil, 2000. 83 BLH: BÍBLIA Sagrada: Tradução na Linguagem de Hoje. São Paulo: Sociedade

Bíblica do Brasil, 1988. 84 CARSON, 2007. op. cit., p.500. 85 Advogado, Parácleto. BRAUMANN, 2000, op. cit., p.27. 86 Ibid. 87 SCHOLZ, Vilson. Novo Testamento interlinear grego-português. 2. ed.

Barueri: SBB, 2004. p.412 88 παράκλητος. BEHM, J. In: Compendio del Diccionario teológico del Nuevo

Testamento. Gerhard Kittel e Gerhard Friedrich, ed. Grand Rapids, Michigan, 2002. p. 601.

28

2. 2. 2. Versículos 8-11

A partir deste trecho do texto, o grego é de certa forma mais denso. Carson

diz que “o grego desses quatro versículos é de tal forma condensado que se torna

difícil decidir exatamente qual é o seu significado.”89 A primeira dificuldade

encontrada neste versículo é quanto ao significado de evle,gxei90. .

evle,gcw – No grego clássico esse verbo tem o sentido de “culpar”, “insultar”,

“examinar”, “convencer”, “refutar”, “acusar”, “condenar”.91 A partir disto é comum que

os comentadores venham a traduzir o verbo no presente texto por „expor‟,

„convencer‟ ou „condenar‟. Essas traduções não estão incorretas, mas é possível

que alguém as possa interpretar de forma errônea, devido às ambiguidades da

palavra em português. „Expor‟ por exemplo, pode ser usada em contextos que

provoque profunda vergonha. „Convencer‟ pode parecer um exercício unicamente

intelectual. „Condenar‟ pode ser interpretado em um sentido puramente judicial.92

Link diz que dentro do quarto Evangelho esta palavra significa “revelar pecado” e

“convencer do pecado”.93 F. Büchsel relata que este verbo é geralmente usado para

mostrar a alguém o seu pecado e chamar para o arrependimento.94 Blank também

segue a mesma linha, quanto ao sentido do verbo no texto.95

Os problemas de interpretação continuam. Carson apresenta-os. 96

O primeiro seria que alguns interpretam evle,gxei peri. com o tríplice uso da

conjunção o[ti, com um sentido explicativo (visto que), ou seja, cada uma das frases

deve iniciar com „visto que‟ e elas explicam a substância daquilo que está errado

com o mundo em cada um dos domínios. Conforme Carson:

89 CARSON, 2007, op. cit., p.535. 90 Fut. Ind. At. de evle,gcw. 91 Convencer. LINK, H. –G. In: O Novo Dicionário Internacional de Teologia do

Novo Testamento. Colin Brown, ed. São Paulo, Vida Nova, 2ed, 2000. V. I. p.492. 92 CARSON, 2007, op. cit., p.535. 93 Convencer. LINK, H. –G. 2000, op. cit., p.492. 94 evle,gcw. BÜCHSEL F. In: Compendio del Diccionario teológico del Nuevo

Testamento. Gerhard Kittel e Gerhard Friedrich, ed. Grand Rapids, Michigan, 2002. p.177. O verbo ocorre dezoito vezes no NT (cf. Mt 18.15; Lc 3.19; Jo 3.20; 8.46; 1Co 14.24; Ef 5.11,13; 1 Tm 5.20; 2 Tm 4.2; Tt 1.9,13; 2.15; Hb 12.5; Tg 2.9; Jd 15,22; Ap 3.19)

95 BLANK, 1999, op. cit., p. 468. 96 CARSON, 2007, op. cit., p.536-538.

29

Isso soa como algo demasiado racional: o mundo meramente sustenta opiniões erradas que devem ser corrigidas pela argumentação. A única outra passagem do quarto evangelho em que o verbo elenchô está relacionado a peri não pode ser utilizada para sustentar uma noção tão fraca: a pergunta de Jesus em 8.46 certamente não quer dizer: “Qual de vocês pode provar que eu tenho uma ideia errada sobre pecado?”97

A segunda interpretação trazida é uma modificação da primeira. Este ponto

de vista sustenta que evle,gxei peri. da mesma forma que a primeira interpretação,

“para provar (o mundo) errado sobre,” mas com duas distinções. Não significa

“condenar (o mundo) de ideias erradas sobre.” Em vez disso, a prova de que o

mundo está errado é prevista para os discípulos, ou seja, esta passagem não diz

nada sobre a obra do Parácleto para o mundo. Pelo contrário, a obra do Parácleto

está em manter e fortalecer os discípulos, um trabalho realizado por provar a eles

que o mundo está errado. As frases são entendidas como explicativas ou causais. 98

No entanto Carson diz que:

Esse não é o significado mais óbvio do verbo: o mais entusiasmado expoente dessa posição pode aduzir somente quatro ocorrências desse significado: uma em Platão, duas nos papiros pré-cristãos e uma em um Pai da igreja tardio, sem exemplos do Novo Testamento ou na LXX. As alegadas razões estruturais para apoiar essa tese mostram-se fracas.99

Portanto, o significado do verbo evle,gcw deve ser entendido como Blank e

Büchsel relatam.100 De igual modo, Carson afirma: “„declarar [o mundo] culpado‟ no

sentido pessoal [...] envergonhando o mundo e convencendo-o de sua própria culpa,

chamando-o assim para o arrependimento.”101 A partir disto, vê-se que “a ação total

97 Ibid., p.536. 98 CARSON, 1979, op. cit., p.553-554. 99 Ibid., p.553. 100 Foi relatado anteriormente neste trabalho. 101 CARSON, 2007, op. cit., p.537.

30

do Espírito é resumida em três pontos.”102 A preposição peri. introduz estes

pontos.103 Que são “as categorias de pecado, da justiça, e do juízo.”104 As frases

devem ser entendidas de uma forma causal,105 onde “cada frase oferece um motivo

para o Parácleto estar empenhado nessa obra de declarar a culpa.”106

peri. amarti,aj me,n( o[ti ouv pisteu,ousin eivj evme,\ - a respeito de pecado, porque

não creem em mim;

a`marti,aj – pecado; transgressão.107 No uso joanino é concebido como uma

condição ou qualidade característica.108

O Espírito Santo “declarará o mundo culpado de pecado porque eles não

creem em Jesus”109, a forma na qual o mundo vê o pecado é completamente

incorreta. O mundo vê o pecado em termos de atos ou delitos específicos, não

reconhecendo que a verdadeira fonte do pecado reside na sua falta de fé em Jesus

Cristo.110 “Essa descrença em relação a Cristo torna-se uma síntese de todos os

pecados [...].”111 Portanto, a tarefa do Espírito é convencer os homens de que a

fonte de seus atos pecaminosos é a sua incredulidade. Cristo não está falando, aqui,

da vida e da conduta exteriores do ser humano, as quais o mundo pode julgar e

condenar, mas se refere ao cerne em si, ou seja, ao coração humano. Esta é a

origem e a raiz de todos os outros pecados e é precisamente o lamentável dano

herdado de Adão no paraíso.112 Lutero diz que:

Essa descrença retém todos os pecados, de modo que não podem ser perdoados, exatamente como a fé remove todos os pecados. Assim, sem essa fé, tudo, inclusive as melhores obras e conduta de vida de que o ser humano é capaz, é e permanece pecaminoso e

102 HARM, 1987, op. cit., p.127: “the total action of the Spirit […] is summarized

under three heads.” 103 CARSON, 2007, op. cit., p.537. 104 HARM, 1987, op. cit., p.127: “the categories of sin, righteousness, and

judgment.” 105 Ibid. 106 CARSON, 2007, op. cit., p.538. 107 Pecado. GÜNTHER, W. In: O Novo Dicionário Internacional de Teologia do

Novo Testamento. Colin Brown, ed. São Paulo, Vida Nova, 2ed, 2000. V. II. p.1602. 108 BAGD. p.55. “In Johannine usage is conceived as a condition or characteristic

quality.” 109 CARSON, 2007, op. cit., p.538. 110 HARM, 1987, op. cit., p.128. 111 LUTERO, 2010, op. cit., p.365. 112 Ibid., p.362-363

31

condenável. Embora boas obras sejam louváveis em si e ordenadas por Deus, elas são viciadas pela descrença e por essa razão, não podem agradar a Deus, exatamente como todas as obras de conduta que se originam da fé de um cristão são agradáveis a Deus. Em resumo: sem Cristo, tudo está condenado e perdido; em Cristo, tudo é bom e está salvo.113

O propósito desta obra de convencimento do Parácleto é gracioso, ou seja, o

Parácleto exerce este ministério de convencimento para trazer o mundo a

reconhecer a sua necessidade, e, assim, voltar-se para Jesus, uma vez que a

incredulidade do mundo impede que ele (sem a obra do Espírito Santo), se volte

para Jesus.114

dikaiosu,nhj – justiça

Essa é a única ocorrência do termo dikaiosu,nh no Evangelho conforme João.

Esse termo está registrado sete vezes em Mateus, uma vez em Lucas, e nenhuma

vez em Marcos.115 Sobre este termo G. Schrenk diz que João tem “uma

compreensão cristológica mais consistente, toda a justiça está relacionada com

Cristo.”116

É interessante observar que aceitando o[ti como causal, deve-se entender

que a razão pela qual o Parácléto convence o mundo de sua justiça é porque: pro.j

to.n pate,ra mou u`pa,gw( kai. ouvke,ti qewrei/te, me\ - para o Pai vou e não mais vedes a

mim.

Uma das funções de Jesus durante o seu ministério terreno era destacar o

fracasso da justiça do mundo, era trazer à vista de todos que a justiça deles era

igual à justiça do povo no tempo de Isaías (Is 64.5). Jesus fez isso por meio de

sinais, tais como a purificação do templo e o milagre de Caná, e com a pureza de

sua própria vida (João 8.46). Em João 15.24, Jesus disse: “Se eu não tivesse feito

entre eles tais obras, quais nenhum outro fez, pecado não teriam; mas, agora, não

somente têm eles visto, mas também odiado, tanto a mim como a meu Pai (ARA).” O

113 Ibid., p.366. 114 CARSON, 2007, op. cit., p. 538. 115 HARM, 1987, op. cit., p.128. 116 dikaiosu,nh. SCHRENK, G. In: Compendio del Diccionario teológico del Nuevo

Testamento. Gerhard Kittel e Gerhard Friedrich, ed. Grand Rapids, Michigan, 2002. p.140: “una comprensión cristológica más consistente; toda rectitud está ligada con Cristo.”

32

Parácleto continua essa função de convencimento do mundo com respeito a sua

justiça, porque (o[ti) Jesus não está mais presente para realizá-la.117

Toda a verdadeira justiça para o mundo pecador está conectada a Cristo,

com seu retorno ao Pai da sua missão redentora, com a realização de sua obra aqui

na terra e a sua partida dentre os seus discípulos.118 Lutero diz que: “aqui, ouço

Cristo dizer que minha justiça consiste em sua ida para o Pai e em sua ascensão

para o céu.”119 Essa ida de Cristo para o Pai envolve seu sofrimento e

ressurreição.120 Portanto “a função do Espírito Santo, então, é demonstrar aos

pecadores que a justiça está disponível para eles só naquele que passou da cruz

para a mão direita do Pai, por Ele, que veio do Pai e agora é removido da nossa

vista.”121

peri. de. kri,sewj( o[ti o a;rcwn tou/ ko,smou tou,tou ke,kritaiÅ – e a respeito de

juízo, porque o príncipe deste mundo está julgado

O Parácleto convence o mundo do juízo, porque o príncipe deste mundo já

está julgado. Novamente aqui é necessário tomar cuidado para não tornar o que foi

designado como o[ti causal por um o[ti explicativo.122 Quando amarti,a (pecado) e a

dikaiosu,nh (justiça) se cruzam, o julgamento é o resultado inevitável.123 O termo

kri,sij traduzido por juízo é empregado com o seguinte sentido “julgamento que vai

contra uma pessoa, condenação, punição.”124 “A palavra „juízo‟ refere-se a uma

decisão ética, tanto a aprovação do bem quanto a condenação daquilo que se revela

em mal.”125 Quanto à “aprovação do bem” e à “condenação do mal”, pode-se dizer o

seguinte: “A aprovação de Cristo como a justiça de Deus encarnado, mostrado na

Sua ressurreição e ascensão, foi ao mesmo tempo uma prova da rejeição de Deus

117 CARSON, 2007, op. cit., p.539. 118 LENSKI, 1961, op. cit., p.1085. 119 LUTERO, 2010, op. cit., p.369. 120 Ibid., p.368. 121HARM, 1987, op. cit., p.129. “The Spirit's function, then, is to demonstrate to

sinners that righteousness is available to them only in the One who moved from the cross to the Father's right hand, through Him who came from the Father and is now removed from our sight”.

122 CARSON, 1979, op. cit., p.562. 123 HARM, 1987, op. cit., p.129. 124 BAGD. p.548. “judgment that goes against a person, condemnation, punishment” 125 HARM, 1987, op. cit., p.129. “The word "judgement" refers to an ethical decision,

both the approval of the good and the condemnation of that which proves to be evil.”

33

do príncipe deste mundo como a personificação de tudo o que é mal.”126 Neste

contexto kri,sij é “interpretado como um juízo sobre o príncipe deste mundo.”127

Jesus fala do julgamento do Diabo como já tendo sido efetuado, porque a

sua própria morte e ressurreição pronunciaram a decisão final sobre o diabo, sua

derrota é tão certa como se já tivesse sido concluída.128 Segundo Carson, Jesus

“está falando prolepticamente da vitória sobre o príncipe deste mundo alcançada na

cruz.”129

A vitória de Cristo na cruz foi para o diabo uma derrota esmagadora, o diabo

está julgado.130 Guthrie relata que “é tarefa do Espírito mostrar como a força das

trevas foi efetivamente vencida. Essa passagem sugere que, sem a atividade do

Espírito, o mundo nunca reconheceria sua verdadeira condição.”131 O julgamento

que caiu sobre o príncipe deste mundo também caiu sobre o mundo, pois esse

resolveu acreditar na mentira de Satanás ao invés da verdade de Cristo.132 Sobre

isso Carson enfatiza que:

Em outras palavras, a morte de Jesus / exaltação é visto no quarto evangelho não apenas como o lugar onde o Cordeiro de Deus tira o pecado do mundo (01.29), e não apenas como a morte em nome do povo judeu e dos filhos de Deus dispersos (11.51-2), mas também como a declaração fundamental de julgamento contra o “mundo” e seu príncipe.133

126Ibid. “The approbation of Christ as the incarnate righteousness of God, shown in

His resurrection and ascension, was simultaneously proof of God's rejection of the prince of this world as the personification of all that is evil.”

127 BAGD. p.548. “interpreted as a judgment on the prince of this world.” 128 LENSKI, 1961, op. cit., p.1088 129 CARSON, 1979, op. cit., p. 562: “is speaking proleptically of the victory over the

prince of this world achieved at the cross.” 130 HARM,1987, op. cit., p.129. 131 GUTHRIE, 1981, op. cit., p.533: “It is the Spirit's task to show how the forces of

darkness have been effectively overthrown. This passage suggests that apart from the activity of the Spirit the world would never come to recognize its true condition.”

132 HARM, 1987, op. cit., p.129. 133 CARSON, 1979, op. cit., p.562: “In other words, Jesus’ death/exaltation is seen

in the fourth gospel not only as the place where the Lamb of God takes away the sin of the world ( 1.29), and not only as death in behalf of the Jewish people and the scattered children of God (11.51-2), but also as the pivotal declaration of judgment against the “world” and its prince.”

34

“O mundo já está condenado (3.16) e tem extrema necessidade de saber de

sua situação difícil.”134 É a função do Espírito pressionar a condenação sobre a

consciência do mundo e torná-lo consciente da realidade do julgamento.135 “O

trabalhador principal entre eles até agora tem sido Jesus, o trabalhador principal

entre eles, no futuro, será o Parácleto.”136 A obra de „convencimento‟ não está sobre

os discípulos, o Parácleto é o trabalhador principal. Mas os discípulos também

compartilham desta responsabilidade, visto que Jesus lhes deu autoridade e o

Parácleto os capacita.137

Convencer qualquer incrédulo do pecado, da justiça e do juízo está além da capacidade humana. Pode ser possível fixar sobre ele a culpa de algum pecado específico, se há provas suficientes para levá-lo perante um júri, mas fazê-lo reconhecer o fato mais profundo, de que ele é um pecador, o mal no coração, e merecedor de castigo porque não crê em Cristo, é outra questão. Trazer um homem para algum padrão de ética não é muito difícil, pois quase cada pessoa tem ideais que coincidem com a lei moral em algum ponto. Criar nele a consciência humilhante de que a sua autojustiça é como trapo da imundícia, em comparação com a roupa impecável da justiça de Deus não pode ser feita por meio da persuasão comum. Muitos acreditam em uma lei geral de retribuição, mas é quase impossível convencê-los de que eles já estão condenados. Somente o Espírito Santo pode trazer aquela profunda convicção que leva ao arrependimento. O Espírito antecipa e torna eficaz o ministério dos discípulos de levar a mensagem aos incrédulos.138

134 CARSON, 2007, op. cit., p. 539. 135 HARM, 1987, op. cit., p.129. 136 CARSON, 1979, op. cit., p. 564: “The prime worker among them so far has been

Jesus; the prime worker among them in the future will be the Paraclete” 137 Ibid. 138 Tenney, Merrill C. John: the Gospel of belief: an analytic study of the text.

Grand Rapids: W. B. Eerdmans, 1963. p.237. “To convince any unbeliever of sin, righteousness and judgement is beyond human ability. It may be possible to fix on him the guilt of some specific sin if there is sufficient evidence to bring him before a jury; but to make him acknowledge the deeper fact, that he is a sinner, evil at heart, and deserving of punishment because he has not believed in Christ, is quite another matter. To bring a man to some standard of ethics is not too difficult; for almost every person has ideals that coincide with the moral law at some point. To create in him the humiliating consciousness that his self-righteousness is as filthy rags in comparison with the spotless linen of the righteousness of God cannot be effected by ordinary persuasion. Many believe in a general law of retribution; but it is almost impossible to convince them that they already stand condemned. Only the Holy Spirit can bring about that profound conviction which leads to repentance. The Spirit anticipates and makes effective the ministry of the disciples in carrying the message to unbelievers.”

35

A missão do Espírito Santo é convencer do pecado, da justiça e do juízo. Por

meio desta obra o Espírito proclama duas coisas139: “em primeiro lugar, confronta

todas as pessoas com o fato de que todas se encontram sob o pecado e a ira de

Deus, estando condenadas pela lei, e exige que reconheçamos tal fato.”140 Em

segundo lugar, mostra como os seres humanos podem ser salvos disso e obter a

graça junto a Deus, ou seja, através desse único meio, aceitando que apenas

através da justiça de Cristo é considerado justo diante de Deus, ou seja, aceitando

Cristo na fé.141

139 LUTERO, 2010, op. cit., p. 364. 140 Ibid. 141 Ibid., p. 365-366.

36

3 APLICAÇÃO SISTEMÁTICA DE JOÃO 16.7-11

É sabido que existem posicionamentos diferentes a respeito da conversão

do ser humano. O presente capítulo pretende expor, baseado em João 16.7-11,

algumas doutrinas errôneas e, por conseguinte, avaliar o que as Confissões

Luteranas dizem a respeito desta que é uma doutrina muito importante dentro da

teologia, visto que “está intimamente ligada com a doutrina de justificação142”

3.1 DOUTRINAS ERRÔNEAS A RESPEITO DA CONVERSÃO

3.1.1 Pelagianismo

O pelagianismo teve seu início com Pelágio no século V. Essa corrente

enfatiza o que a natureza humana é capaz de fazer. Negava a ideia de pecado

original.143 Os que seguem esta doutrina afirmam que “a própria pessoa é a causa

de sua conversão.”144 Os pelagianos acreditam que o homem, por conta própria,

toma as medidas iniciais e fundamentais para a sua própria salvação. Depois de ter

concluído o processo, Deus adiciona sua graça para trazer esses esforços à

perfeição.145 “Pelagianismo enfatiza as obras humanas em detrimento da graça de

Deus.”146

142 PIEPER, Francis. Christian dogmatics. V.II. Saint Louis: Concordia Publishing

House, 1970, p.452. “[…] is closely connected with the doctrine of justification.” 143 WALKER, Williston. História da igreja cristã. Edição especial - volumes 1 e 2/

2. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1980, p.188. 144 MUELLER, John Theodore. Dogmática cristã: um manual sistemático dos

ensinos bíblicos. Tradução de Martinho L. Hasse. 4. ed. Porto Alegre : Concórdia, 2004. p.330.

145 WALKER, 1980 op. cit., p188. 146 KOLB, Robert. The Christian faith: a Lutheran exposition. Saint Louis:

Concordia Publishing House, 1993. p.188 “Pelagianism emphasizes human works at the expense of God's grace.”

37

3.1.2 Semi-Pelagianismo

Já o semi-pelagianismo alega que “Deus e a pessoa cooperam na operação

da conversão dela. O pecador fazendo o princípio da obra, e Deus a

completando.”147 Em suma, os semi-pelagianos tentam equilibrar a graça de Deus e

o esforço humano. A graça é sempre necessária para completar o processo de

tornar o homem justo.148 É uma mistura de graça e obras, o ser humano tem o seu

papel na conversão e Deus também tem o seu.149

3.1.3 Sinergismo

Os sinergistas afirmam que há uma mistura entre graça e obra tal como os

semi-pelagianos, mas Deus é quem dá “início e o próprio pecador iluminado e

desperto a completando.”150 Os sinergistas confessam que o ser humano é salvo

pela graça. Mas, há uma interação entre Deus e o pecador na qual Deus oferece a

sua graça e o homem, por suas próprias forças, acrescenta algo completando assim

a obra de Deus.151 A primeira etapa da conversão é inteiramente o resultado da

graça de Deus, já, na segunda parte, a vontade do homem é quem “comanda”.152

3.1.4 Com respeito aos ensinos acima citados

A partir do texto de João 16.7-11, todos estes ensinos acima a respeito da

conversão do ser humano estão errados. O ser humano em nada pode contribuir

para a sua conversão, devido a sua condição de pecador. A obra de convencimento

147 MUELLER, 2004 op. cit., p.330. 148 WALKER, 1980 op. cit., p.19-20 149 KOLB, 1993, op. cit., p.188. 150 MUELLER, p.330. 151 KOLB, 1993, op. cit., p.189. 152 HÄGGLUND, Bengt. História da teologia. 7.ed. Porto Alegre: Concórdia, 2003.

p.234.

38

é um ministério do Espírito Santo. Cristo é quem atribui esta obra ao Parácleto e é

ele quem convence as pessoas do pecado, da justiça e do juízo. O texto mostra que

o Espírito Santo usa a Lei, em suas diversas formas, para convencer os pecadores

do estado em que se encontram. A lei quebra o espírito de autossuficiência e de

rebeldia, acusando e condenando os incrédulos. O crescente sentimento de

inadequação lentamente pode levar as pessoas a sentir uma necessidade

desesperada de mudança.153

Esta obra de convencimento do Espírito Santo é graciosa, pois tem a

intenção de fazer com que o homem reconheça a sua completa necessidade de

Cristo, e, também, que a única justiça válida perante Deus não está presente neles,

mas disponível somente na obra redentora de Cristo, que envolve sua morte,

ressurreição e ascensão. Como foi explanado anteriormente no estudo exegético,

Cristo era o trabalhador principal na obra de convencimento; agora, o trabalhador é

o Espírito.

3.2. O QUE DIZ A DOUTRINA LUTERANA

Os escritos confessionais luteranos não deixam margem para ambiguidades

em matéria de conversão no sentido estrito. As Sagradas Escrituras e,

consequentemente, os escritos confessionais, visto que estes são extraídos das

Escrituras, atribuem a conversão a fé em Cristo, a regeneração, a renovação, e tudo

o que pertence ao seu verdadeiro início e conclusão de nenhuma maneira aos

poderes humanos, mas completamente à operação divina do Espírito Santo, visto

que o ser humano encontra-se morto em seu pecado (como foi dito no capítulo

anterior o pecado ou amarti,a é uma condição) e por isso conforme afirma a Fórmula

de Concordia, Epítome II, 3 não “pode erguer-se a si mesmo para a vida

espiritual”154. No mesmo escrito, porém, na declaração Sólida lê-se:

153 KOLB, 1993, op. cit., p.193. 154 LIVRO DE CONCÓRDIA. Traduzido por Arnaldo Schüler. São Leopoldo:

Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 2006. p.506. (LC)

39

[...] em coisas espirituais e divinas, o intelecto, o coração e a vontade do homem irregenerado, com suas forças naturais, absolutamente nada podem entender, crer, aceitar, pensar, querer, começar, realizar, fazer, operar e em absolutamente nada podem cooperar, estando, ao contrário, inteiramente mortos para o bem e corrompidos, de modo tal que, na natureza do homem, depois da queda e antes do renascimento, não restou nem existe uma centelhazinha sequer das forças espirituais e com a qual pudesse, de si mesmo, preparar-se para a graça de Deus, ou aceitar a graça oferecida, nem é capaz para ela por si mesmo nem pode aplicar-se ou adaptar-se à graça, nem pode, de suas próprias forças, “por si mesmo, como se partisse dele”, ajudar, fazer, operar ou cooperar quando à sua conversão, nem inteiramente, nem pela metade, nem com qualquer parte, mínima ou diminuta.155

A fé não é, portanto, um esforço humano, com base em sua própria razão ou

força, desde seu primeiro florescimento e todo o caminho para sua última

confirmação, na hora da morte, não é um produto do esforço humano, em, com e

sob os seus esforços para realizar o que deseja e afirmar que está no controle. O

Espírito Santo que é responsável pela fé e está envolvido na fé.156 O primeiro passo

para a conversão do ser humano pecador começa com a obra de convencimento do

Espírito Santo. O Espírito convence do pecado da justiça e do juízo. Os Artigos de

Esmalcalde relatam que:

Este é, pois, o raio de Deus, com que destrói tanto os pecadores manifestos como os falsos santos, e não reconhece razão a ninguém, levando todos ao terror e desalento. Este é o martelo (como diz Jeremias): „Minha palavra é martelo que esmiúça as penhas‟. Isto não é activa contritio, pesar factício, porém, passiva contritio, a verdadeira dor de coração, o sofrer e sentir a morte. E isso, então, significa principiar o verdadeiro arrependimento.157

Portanto, a conversão será efetuada pelo evangelho a partir da ação da lei.

Esta causa movimentos internos do coração. Leva aos terrores de consciência, que

surgem a partir do conhecimento do pecado engendrado pela lei (obra de

155 LC. op. cit., p.559. 156 PETERS, Albrecht. Commentary on Luther’s catechisms. Tradução: Thomas

H. Trapp. Concordia Publishing House, St. Louis, MO, 2011, p.232 157 LC. op. cit., p.325.

40

convencimento do Espírito v.7-11),158 fazendo, assim, com que o pecador sinta-se

completamente vazio não tendo mais onde se segurar, pois é convencido de que é

um terrível pecador (pois não crê em Cristo), então, tenta justificar-se e sua justiça

nada vale diante de Deus e, por fim, é convencido de que está julgado, pois o

julgamento que caiu sobre o príncipe deste mundo, também caiu sobre todo o

mundo, devido ao fato de terem acreditado na mentira de Satanás e não na verdade

de Cristo. O Espírito faz com que o pecador sinta-se profundamente contrito. Nas

palavras de Carl Ferdinand Wilhelm Walther:

Contrição não é nem mesmo uma boa obra. A contrição que precede a fé não é outra coisa senão um sofrimento da pessoa. Consiste numa angústia, uma dor, um tormento um sentimento de que se está sendo esmagado, resultantes da ação de Deus na pessoa através do martelo da Lei. Não é uma angústia que a pessoa produziu em si mesma, pois ela bem que gostaria de se ver livre dela. Contudo, ela está impossibilitada para tanto, porque Deus lhe sobreveio com a Lei, e ela não vê como escapar do juízo.159

Mas, não basta somente a pregação da lei ou palavra que convence do

pecado, visto que as consciências estão aterrorizadas.160 “É necessário, por isso,

adicionar o evangelho de que, por causa de Cristo, os pecados são redimidos e que,

pela fé em Cristo, alcançamos remissão de pecados.”161Ao mesmo tempo que o

Espírito convence o pecador de que a sua justiça é trapo de imundície diante de

Deus, ele também lança um foco de luz sobre Cristo e o glorifica, mostrando ao

homem que somente Jesus é a fonte de toda justiça. Sem a ação de convencimento

do Espírito Santo jamais nenhum homem poderia chegar ao conhecimento de Cristo.

Robert Kolb expõe de forma bastante clara a obra do Espírito:

Quando o Espirito Santo opera o seu processo recriador na vida de criaturas pecadoras, a primeira coisa que faz é convencê-las de seu pecado, do impacto do mal em sua vida (Jo 16.8). Quando o pecador

158 PIEPER, op. cit., p. 459-460 159 WALTHER, Carl Ferdinand Wilhelm. A correta distinção entre Lei e

Evangelho. Tradução de: Marie Luize Heimann. Porto Alegre: Concórdia, 2005, p.221. 160 LC. op. cit., p.149. 161 Ibid.

41

quebrantado reconhece que não há solução para a condição humana em pecado, o Espírito segue em frente e coloca Jesus em evidência [...] 16.14. Esse ritmo de Lei e Evangelho é o contexto em que se dá o processo de conversão.162

3.3. MEIOS USADOS PELO ESPÍRITO

Diante de tudo que já foi apresentado, é sabido que os pecadores são

convertidos unicamente por graça pelo do poder do Espírito Santo.163 Porém, o

Espírito usa meios para converter, para efetuar sua obra de convencimento. A

Fórmula de Concórdia Epítome II, 19 relata:

De sorte que antes da conversão do homem existem apenas duas causas eficiente, a saber, o Espírito Santo e a palavra de Deus, o instrumento do Espírito Santo, e pelo qual ele opera a conversão. O homem deve ouvir esta palavra, se bem que não lhe pode dar crédito nem aceitá-la por suas próprias forças, mas exclusivamente por intermédio da graça e operação de Deus Espírito Santo.164

O Espírito Santo vem para restaurar seres humanos caídos à sua relação

original com Deus, para que eles possam voltar a viver em retidão e justiça como

herdeiros da vida eterna (Tito 3.3-7). Ele realiza esta recriação por meio do Batismo

(Tito 3.5) e por meio da audição do Evangelho (Gálatas 3.2, 5). Instrumento de Deus

para a sua criação no início do mundo era a sua Palavra. Seu instrumento de

recriação, no início do relacionamento renovado com o indivíduo, é mais uma vez a

sua Palavra. Esta Palavra assume várias formas como os “meios de graça”. Por

meio dos meios da graça, o Espírito Santo faz o ser humano reconhecer Jesus

162 KOLB, Robert. Comunicando o Evangelho Hoje. Traduzido por Dieter Joel

Jagnow. Porto Alegre: Concórdia, 2009. p. 193. 163 KOCH, John B. Giving One's Life to Jesus: Conversion Theology and

Decision Psychology. In: Lutheran Theological Journal. Edmonton: Canada, p. 155. 164 LC. op. cit., p.508.

42

Cristo como Senhor, como a principal fonte de identidade, segurança e

significado.165

A terceira pessoa da Trindade tem a Palavra de Deus que perdoa e recria,

mas ele não tem forma humana. Ele deve pedir emprestado os lábios, mãos e vozes

do homem para realizar sua obra. Crentes se tornam as ferramentas de seu trabalho

neste mundo. Lutero afirma no Catecismo Maior que sem a missão do Espírito

Santo:

[...] nem tu nem eu jamais poderíamos saber algo a respeito de Cristo ou crer nele e conseguir que seja nosso Senhor, se o Espírito não no-lo oferecesse e presenteasse ao coração pela pregação do Evangelho. A obra foi feita e está completada, pois Cristo nos obteve e conquistou o tesouro por sua paixão, morte, ressurreição, etc. Se, porém, a obra ficasse oculta, de forma que ninguém soubesse dela, seria vã e perdida. Ora, para que esse tesouro não ficasse sepulto, mas fosse aplicado e fruído, Deus enviou e fez proclamar a palavra e, nela, nos deu o Espírito Santo, a fim de fazer-nos ver tal tesouro e redenção e torná-lo propriedade nossa.166

Ele escolheu as criaturas humanas para portar a Palavra e compartilhá-la

com os outros. Dentro do âmbito do ministério público da Palavra, ele escolheu

alguns para serem portadores especiais de sua Palavra. Ele chamou todos os

membros renascidos de sua família, a igreja, para testemunhar as maravilhas do seu

amor. O homem leva a Palavra a outros, por isso é agente do poder de Deus, que

trabalha a fé salvadora através dessa Palavra.167 Kolb diz que:

(Deus) [...] escolheu a linguagem humana como sua ferramenta para

vir a estar presente entre nós, como o Deus que fala, Deus em comunicação conosco, Deus chamando e reunindo-nos através da sua Palavra como sua família. Deus também escolheu certos elementos para unir à sua Palavra para transmitir seu poder para salvar-nos de forma mais extravagante. Ele gosta de nos bombardear com o seu amor de todas as direções, através de mais do que simplesmente o nosso sentido da visão ou audição. Ele vem para nos tocar com a água, para nos alimentar com o pão que leva o corpo de Cristo e o vinho

165 KOLB, 1993, op. cit., p.180. 166 LC. op. cit., p.452. 167 KOLB, 1993, op. cit., p.183.

43

que leva o seu sangue. Nestas formas ele recria, restaura e capacita os seus filhos através da Palavra, que acompanha a água e o pão o corpo e o vinho o sangue. Através deles, ele renova os crentes em sua própria imagem como filhos perdoados de Deus. 168

Lutero, explicando o Terceiro Artigo do Credo, no Catecismo Maior, diz

palavras que expressam muito bem a importância da missão do Espírito, e não há

como não dizer junto com ele, “este é, pois, o artigo que sempre deve estar e

permanecer em vigor. Porque a criação já é coisa feita. Também a redenção já está

realizada. Mas o Espírito Santo leva avante sua obra sem cessar, até o último

dia.”169

168 KOLB,1993, op. cit., p. 182-183. “chose human language as his tool for coming

to be present among us, as the speaking God, God in communication with us, God calling and gathering us through his Word as his family. God also chose certain elements to link with his Word to convey his power to save us in more extravagant fashion. He loves to bombard us with his love from all sorts of directions, through more than simply our sense of sight or hearing. He comes to touch us with water, to feed us with the bread that bears Christ's body and the wine that bears his blood. In these forms he re-creates and restores and empowers his children through the Word, which accompanies the water and the bread-body and wine-blood. Through them he renews believers in his own image as forgiven children of God.”

169 LC. op. cit., p.456.

44

CONCLUSÃO

Observou-se no presente trabalho, a partir do estudo feito no Evangelho de

João e também a partir da doutrina confessional luterana, que somente o Espírito

Santo com sua obra de convencimento é capaz de levar o ser humano pecador à fé

em Cristo Jesus. A missão do Espírito está resumida em três âmbitos: pecado,

justiça e juízo.

Do pecado, porque o mundo não crê em Jesus. A verdadeira fonte do

pecado reside na falta de fé em Jesus Cristo. A descrença em relação a Cristo

torna-se uma síntese de todos os pecados. O Espírito convence os homens de que

a fonte de seus atos pecaminosos é a sua incredulidade. Esta é a origem e a raiz de

todos os outros pecados e é precisamente o lamentável dano herdado de Adão no

paraíso.

O Espírito convence da justiça, a justiça do ser humano nada vale, o

Parácleto o convence disto e o faz olhar para Jesus. Pois ele é a fonte de toda a

justiça. A justiça do ser humano só está naquele que passou pela cruz.

E do juízo, o Espírito convence o homem que o diabo já está julgado e que o

julgamento que caiu sobre o diabo também está sobre o mundo, porém para o ser

humano que foi convencido pelo Espírito que toda a justiça está em Cristo, não há

mais condenação. Em última análise o pecador só crê em Jesus porque o Espírito

Santo o leva a crer.

A conversão do ser humano é fruto da obra do Espírito Santo e não dos

esforços humanos tal como muitas teologias afirmam. O homem, em seu estado

natural, em nada pode cooperar para sua conversão, visto que está morto em seus

delitos. A natureza humana por si só não quer crer. A teologia luterana confessional,

diferente de muitas outras, deixa isso claro em seus escritos. Somente pela ação do

45

Espírito o homem vem a crer. E para levar o homem à fé em Cristo, o Espírito usa

um meio: a palavra de Deus é o instrumento do Espírito nesta obra misericordiosa.

Diante de tudo que foi estudado, tanto a análise exegética de João quanto

os escritos confessionais luteranos e demais teólogos confessionais, não há como

dizer que o homem tem alguma participação na sua conversão. Como também não

há como não afirmar que é o Espírito Santo o grande responsável pela obra de

convencimento, ou seja, não há como não afirmar que é o Espírito o autor da

conversão.

Deus, em sua misericórdia criou o mundo e tudo que nele há, redimiu o ser

humano caído e perdido por meio da obra de Cristo e ainda convence o ser humano

pecador de que a obra de Cristo e a sua vitória pertence a ele. Essa obra de

convencimento Deus realiza através da Terceira Pessoa da Trindade, o Parácleto, o

Ajudador.

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