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13
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE MEDICINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MÉDICAS
ASSOCIAÇÃO ENTRE A COMPOSIÇÃO CORPORAL ANALISADA POR
BIOIMPEDÂNCIA E O NÍVEL DA PRESSÃO ARTERIAL NOS
PACIENTES EM HEMODIÁLISE CRÔNICA
AMANDA BEDRAN TUTUNGI RIBEIRO HENRIQUES
2015
II
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE MEDICINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MÉDICAS
ASSOCIAÇÃO ENTRE A COMPOSIÇÃO CORPORAL ANALISADA POR
BIOIMPEDÂNCIA E O NÍVEL DA PRESSÃO ARTERIAL NOS
PACIENTES EM HEMODIÁLISE CRÔNICA
AMANDA BEDRAN TUTUNGI RIBEIRO HENRIQUES
Dissertação submetida ao
Programa de Pós-Graduação em
Ciências Médicas da Universidade
Federal Fluminense como parte dos
requisitos necessários à obtenção do
Grau de Mestre. Área de
Concentração: Ciências Médicas
Orientador: Prof. Jorge Paulo Strogoff de Matos
Co-orientador: Prof. Dr. Jocemir Ronaldo Lugon
2015
III
FICHA CATALOGRÁFICA
H519
Henriques, Amanda Bedran Tutungi Ribeiro
Associação entre a composição corporal analisada
por bioimpedância e o nível da pressão arterial nos
pacientes em hemodiálise crônica / Amanda Bedran
Tutungi Ribeiro Henriques. – Niterói: [s.n.], 2015.
45 f.
Orientador: Jorge Paulo Strogoff de Matos
Co-orientador: Jocemir Ronaldo Lugon
Dissertação (Mestrado em Ciências Médicas)-
Universidade Federal Fluminense, Faculdade de
Medicina, 2015.
1. Insuficiência renal crônica. 2. Diálise renal. 3.
Pressão arterial. 4. Índice de massa corporal. I.
Titulo.
1. CDD 616.61
IV
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
FACULDADE DE MEDICINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MÉDICAS
ASSOCIAÇÃO ENTRE A COMPOSIÇÃO CORPORAL ANALISADA POR
BIOIMPEDÂNCIA E O NÍVEL DA PRESSÃO ARTERIAL NOS
PACIENTES EM HEMODIÁLISE CRÔNICA
AMANDA BEDRAN TUTUNGI RIBEIRO HENRIQUES
Aprovado em: 17.04.2015
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Jorge Reis Almeida
______________________________________________________________________
Prof. Dra. Inah Maria Drummond Pecly
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Perez Gomes
2015
V
DEDICATÓRIA
Ao meu avô Sulaiman Bedran, pelo exemplo de médico, ser humano e aproveitador das
coisas boas da vida;
Aos meus pais, Nicola e Adélia, por terem me dado o dom da vida e pela dedicação
incondicional;
Ao grande amor da minha vida, Felipe.
Ao meu irmão Juninho, que trouxe para minha vida as preciosas Michelle, Giovanna e
Beatriz, a caminho.
VI
AGRADECIMENTO
A Deus, pois sem Ele não somos nada.
Ao querido Professor Jorge Strogoff, por toda dedicação e apoio, e sem o qual este
trabalho não teria se concretizado.
Ao querido Professor Jocemir, pelo apoio e enriquecimento com seus conhecimentos
científicos.
À Diretoria Médica da Fresenius Medical Care pela ajuda e disponibilidade dos acessos
aos bancos de dados.
A todos os pacientes, que tornam nossa profissão a mais bela de todas.
VII
RESUMO
Introdução. Pacientes em hemodiálise crônica (HD) têm grandes dificuldades em
controlar a pressão arterial (PA) quando a principal causa de elevação da mesma é a
hipervolemia. O principal objetivo deste estudo foi analisar a associação entre a
composição corporal, determinado por bioimpedância espectroscópica (BIE) e o nível
da PA nos pacientes em HD.
Métodos. Estudo transversal com análise de dados coletados dos pacientes em
programa regular de HD, no momento em que foram submetidos à BIE pela primeira
vez, entre janeiro de 2011 a setembro de 2012. Os parâmetros de hidratação
considerados foram: TAFO (time-averaged fluid overload) e a diferença entre o peso
em normoidratação e o peso pós-diálise médio nas quatro semanas que antecederam a
aferição, sendo este o estado de hidratação pós-HD. Estes valores foram comparados
aos níveis de PA nas quatro semanas que antecederam à avaliação por BIE.
Resultados. Um total de 3.358 pacientes foram incluídos neste estudo. Quando
analisados os valores de PAS pré-HD com TAFO e com estado de hidratação pós-HD,
observou-se uma fraca correlação entre os mesmos (r=0,14 e p<0,0001; r=0,09 e
p<0,0001; respectivamente). Porém, quando comparados os valores de PAS pós-HD
com TAFO e o estado de hidratação pós-HD, observou-se uma melhor correlação com
r=0,23 e p<0,0001; r=0,21 e p<0,0001; respectivamente. TAFO (mediana [intervalo
interquartil]) foi maior em homens do que mulheres (0,7 [-0,5 a 2,2] e 0,0 [-1,1 a 1,1],
respectivamente; p<0,001). Houve uma correlação inversa entre TAFO e IMC (r=-0,23,
p<0,0001) e entre o estado de hidratação pós-HD e IMC (r= -0,29, p<0,0001). O estado
de hidratação pós- HD (litros) variou significativamente de acordo com as faixas de
IMC: 0,1 [-1,0 a 1,1], -0,3 [-1,3 a 1,0], -1,0 [-1,9 a 0,5], -1,3 [-2,8 a -0,5] e -2,1 [-3,0 a -
0,9], em pacientes com IMC <18,5, 18,5-24,9, 25,0-29,9, 30,0-34,9 e ≥35,0 kg/m2,
respectivamente.
Conclusão. Houve uma fraca correlação entre os parâmetros de hidratação, definidos
por BIE, e os níveis de pressão arterial nos pacientes em HD crônica avaliados. A
correlação inversa entre IMC e TAFO e IMC com estado de hidratação pós-HD pode
ser atribuída a um viés na estimativa do peso em normoidratação pelo aparelho de BIE.
Palavras chaves: hemodiálise, doença renal crônica, pressão arterial, volemia, peso
seco, bioimpedância, índice de massa corporal.
VIII
ABSTRACT
Background. Patients on maintenance hemodialysis (HD) have high blood pressure,
with fluid overload playing an important role in its pathogenesis. Appropriate
management of imbalanced fluid status is usually able to control blood pressure. The
aim of this study was to analyze the association between body composition, determined
by bioimpedance spectroscopy (BIS) and blood pressure (BP) in HD patients.
Methods. Cross-sectional study of patients on HD in 31 facilities, at the time they
underwent BIS for the first time, between January 2011 and September 2012. The
hydration parameters considered were: TAFO (time-averaged fluid overload) and the
post-dialysis hydration status, defined as the difference between the estimated
normohydration weight by BIS and post-dialysis weight. The correlations between
hydration parameters and BP levels in the 4-week period preceding the BIS analysis
were assessed.
Results. A total of 3.761 patients underwent BIS with 3.358 patients included in this
study. Pre-dialysis systolic BP (SBP) correlated poorly with both TAFO (r=0.14,
p<0.0001) and post-dialysis hydration status (r=0.09 and p<0.0001). There was a better
correlation between those hydration parameters and post-dialysis SBP (r=0.23,
p<0.0001; and r=0.21, p<0.0001; respectively). Normohydration weight was slightly
higher than post-dialysis weight (65.3±15.2 kg vs. 64.7±15.0 kg, p<0.001). TAFO
(median [interquartile range]) was higher in males than females (0.7 [-0.5 to 2.2] and
0.0 [-1.1 to 1.1], respectively; p<0.001). There was an inverse correlation between
TAFO and BMI (r= -0.23, p<0.0001), and post-dialysis hydration status and BMI (r= -
0.29, p<0.0001). Post-dialysis hydration status (liter) varied significantly according to
BMI ranges: 0.1 [-1.0 to 1.1], -0.3 [-1.3 to 1.0], -1.0 [-1.9 to 0.5], -1.3 [-2.8 to -0.5] and
-2.1 [-3.0 to -0.9] in patients with BMI <18.5, 18.5 -24.9, 25.0 -29.9, 30.0 -34.9 and
≥35.0 kg/m2, respectively. Changes in SBP and DBP during HD session did not differ
between BMI ranges.
Conclusions. There was a poor correlation between hydration parameters, defined by
BIS, and BP levels. The inverse correlation between BMI and hydration status could be
attributed to a bias in the estimation of the normohydration weight by the BIS device.
Keywords. hemodialysis, chronic kidney disease, blood pressure, dry weight, hydration
status, bioimpedance, body mass index.
IX
LISTA DE ABREVIATURAS
BCM – Body composition monitor
BIE – Bioimpedância espectroscópica
CDR – Clínica de doenças renais
DRC – Doença renal crônica
DXA – Duplo feixe de energia
GID – Ganho interdialítico
HD – Hemodiálise
IAM – Infarto agudo do miocárdio
ICC – Insuficiência cardíaca congestiva
IMC – Índice de massa corporal
PA – Pressão arterial
PAD – Pressão arterial diastólica
PAS – Pressão arterial sistólica
R – Resistência
TAFO – Time-averaged fluid overload
TRS – Terapia renal substitutiva
VE – Ventrículo esquerdo
Xc – Reactância
Z – Impedância
X
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Características Gerais dos Pacientes. 23
Tabela 2 Composição Corporal analisada por BIE de todos os pacientes. 24
Tabela 3 Pressão arterial, peso pré-HD, peso pós-HD, ganho
interdialítico e uso de anti-hipertensivos de acordo com as
faixas de IMC.
32
XI
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Consequências e riscos da retirada inadequada de líquido ou da
hipervolemia crônica
15
Figura 2 Componentes da impedância elétrica (Z), expressa em ohn (Ω);
Xc, reactância; R, resistência
16
Figura 3 Comparação dos valores de TAFO de acordo com o gênero. 24
Figura 4 Associação dos valores de TAFO com a idade. 25
Figura 5 Correlação entre os valores de PAS pré-HD e TAFO. 26
Figura 6 Correlação entre os valores de PAS pré-HD e estado de
hidratação pós-diálise
26
Figura 7 Correlação entre valores de PAS pós-HD e TAFO. 27
Figura 8 Correlação entre valores de PAS pós-HD e estado de hidratação
pós-diálise.
27
Figura 9A Variação da PAS pré e pós-HD nas faixas de IMC. 28
Figura 9B Variação da PAD pré e pós-HD nas faixas de IMC. 29
Figura 10 Associação dos valores de TAFO com as faixas de IMC. 29
Figura 11 TAFO de acordo com as faixas de IMC. 30
Figura 12 Estado de hidratação pós-HD de acordo com as faixas de IMC. 31
Figura 13 Associação do estado de hidratação pós-HD com as faixas de
IMC.
31
XII
SUMÁRIO
1- INTRODUÇÃO ....................................................................................... 13
1.1- Sobrecarga volêmica e suas complicações .......................................... 13
1.2- Conceito de peso seco ............................................................................ 14
1.3- Princípios físicos da bioimpedância .................................................... 16
1.4- Aspectos nutricionais na DRC ............................................................. 17
2- OBJETIVOS ............................................................................................ 18
2.1- Objetivo principal ................................................................................. 18
2.2- Objetivos secundários ........................................................................... 18
3- MÉTODOS ............................................................................................... 19
3.1- Desenho do estudo ................................................................................. 19
3.2- Clínicas participantes ........................................................................... 19
3.3- Critérios de inclusão ............................................................................. 20
3.4- Critérios de exclusão ............................................................................. 20
3.5- Análise da composição corporal por BIE ........................................... 20
3.6- Dados clínicos ........................................................................................ 21
3.7- Avaliação laboratorial .......................................................................... 21
3.8- Análises estatísticas ............................................................................... 22
4- RESULTADOS ........................................................................................ 23
5- DISCUSSÃO ............................................................................................. 33
6- CONCLUSÃO .......................................................................................... 38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................... 39
13
1- INTRODUÇÃO
A doença renal crônica (DRC) em estágio final demanda terapia renal
substitutiva (TRS) e é, atualmente, considerada uma entidade de alta incidência e
prevalência na população mundial.1 Em estágios avançados, em que se observam sinais
e sintomas da DRC e declínio da taxa de filtração glomerular, faz-se necessária a TRS2
que pode ser feita de três formas principais: hemodiálise, diálise peritoneal e transplante
renal. As duas primeiras modalidades correspondem à substituição da função renal
quanto à remoção de toxinas urêmicas, correção da acidose metabólica e distúrbios
eletrolíticos e controle da volemia através da remoção do excesso de líquido. O
transplante renal pode vir a fornecer melhor qualidade de vida e sobrevida, porém, ainda
não se aplica à maioria dos pacientes por doação insuficiente, tanto de doador vivo
quanto doador falecido.3
Na fase de falência renal, muitos pacientes apresentam redução do débito
urinário e somente com o tratamento dialítico se consegue o controle da volemia. Este
se torna fundamental considerando que a hipervolemia é uma causa determinante de
hipertensão arterial nesta população e, por agregar morbidade, deve ser tratada.4
1.1- Sobrecarga volêmica e suas complicações
Nos pacientes em HD, a sobrecarga volêmica e o excesso de sal têm forte
associação com aumento da mortalidade.5,6
Chazot et al.7 mostraram que a mortalidade
aumenta conforme o excesso de líquido pré-HD se aproxima de 2,5 litros. Em
contrapartida, a depleção acentuada de volume acelera a perda do volume urinário
residual8 e também favorece intercorrências intradialíticas como hipotensão, lipotimia,
cãimbras e até perda de acesso vascular.9,10
Por estes motivos, o controle volêmico
destes pacientes é bastante complexo e ferramentas que ajudem na determinação da
volemia são úteis para minimizar complicações associadas à tentativa de ajuste do peso.
Além disso, elas podem vir a colaborar para melhorar a qualidade de vida e sobrevida
destes pacientes.
Sabidamente a principal causa de hipertensão nos pacientes em HD é a
hipervolemia. Por sua vez, a hipertensão arterial nestes pacientes favorece a disfunção
cardíaca e aumenta a mortalidade.11,12
Assim, estratégias de controle pressórico,
baseadas na adequação da volemia, têm se mostrado capazes de atenuar as alterações
cardiovasculares e, consequentemente, de aumentar a sobrevida desta população.13,14
14
Utilizando a bioimpedância espectroscópica (BIE) como método complementar
para ajuste de peso seco, Hur et al.15
conseguiram, após um ano de acompanhamento,
um melhor controle da pressão arterial e uma significativa redução da massa do
ventrículo esquerdo (VE) em 156 pacientes em programa crônico de HD. Assim, a BIE
vem se mostrando uma ferramenta prática, segura e fácil de ser aplicada para
determinação da composição corporal e manejo volêmico.16
1.2- Conceito de peso seco
O conceito de peso seco para o paciente em hemodiálise foi introduzido por
Thomson et. al.17
em 1967 sendo descrito como o peso ao término da diálise capaz de
deixá-lo com a PA controlada na ausência de sintomas clínicos. Atualmente, o peso
seco é um valor empírico, definido por tentativas com acertos e erros, buscando o menor
peso associado à pressão arterial controlada, sem sintomas clínicos e com o menor
número de anti-hipertensivos utilizados, de preferência sem a necessidade dos
mesmos.18
Mais recentemente, Daurgidas propôs uma nova definição para peso seco,
considerando que este seria o peso pós-diálise que resultasse em: menor tempo de
recuperação pós-HD; mínimo de hipotensão e sintomas durante a HD; aumento da
sobrevivência dos pacientes; menos eventos cardiovasculares e cerebrovasculares;
menos internação; menos perda de acesso vascular associado à hipotensão e
hipovolemia.19
Na busca do peso seco, intercorrências como câimbras, náuseas, vômitos e
hipotensão são freqüentes no período intra e pós-dialítico por subestimativa do peso.20
Episódios graves e repetidos de hipotensão podem levar a microinfartos cerebrais
podendo acelerar uma demência vascular, além do risco de acidente vascular cerebral.21
Atordoamento miocárdico e taquiarritmias também podem ser desencadeados neste
momento, com ou sem instabilidade hemodinâmica.22,23
Porém, a superestimativa do
peso seco, associa-se ao aumento do risco cardiovascular por hipervolemia crônica. As
consequências e risco associados à exposição do paciente a um controle inadequado de
seu estado de hidratação são bem ilustrados na Figura 1.
15
Figura 1- Consequências e riscos da retirada inadequada de líquido ou da hipervolemia
crônica. Adaptado de Daurgidas J 2013.19
Métodos complementares para avaliação do status volêmico podem ser
ferramentas bastante úteis na determinação do peso seco com o objetivo de reduzir
complicações inerentes à hipovolemia acentuada ou à sobrecarga volêmica. Neste
contexto, o ecocardiograma com Doppler de veia cava inferior e a ultrassonografia
pulmonar parecem promissores, porém, raramente disponíveis no cotidiano das clínicas
de hemodiálise.24
Marcadores bioquímicos, como os peptídeos natriuréticos cerebral e
atrial, fornecem informações sobre o estresse cardíaco e a sobrecarga intravascular,
porém, têm fraca correlação com a água corporal.25
A absorção de duplo feixe de
energia (DXA), que é mais empregada para avaliação de massa óssea e composição
corporal, parece pouco contribuir para a avaliação da volemia, além da exposição à
radiação e da impossibilidade de realização do exame no centro de diálise. Já a
bioimpedância espectroscópica multifrequencial (BIE), que avalia a composição
corporal através de correntes elétricas com variações de freqüência, tem se mostrado
uma ferramenta promissora e de fácil execução, capaz de prover informações relevantes
sobre a composição corporal, incluindo a distribuição da água entre os compartimentos
intra e extracelular.16,26
A utilização da BIE tem como objetivo uma tentativa de ajuste
mais fino e menos empírico do peso seco. Isto minimizaria as intercorrências durante o
ajuste de peso e, consequentemente, menos dano ao paciente. Ajudaria na redução dos
riscos cardiovasculares tanto em eventos agudos, como complicações no médio e longo
prazo.23
16
1.3– Princípios físicos da bioimpedância
A bioimpedância é baseada na oposição que o organismo cria às correntes
elétricas alternadas e estas podem ser de frequência simples e as multifrequenciais. BIE
multifrequencial consiste na utilização de correntes de frequências que oscilam de 5
kHz a 1000 kHz gerando a impedância elétrica (Z), que é o resultado de dois
componentes, a resistência (R) e reactância (Xc). A resistência corresponde à oposição
que as soluções iônicas intra e extracelulares impõem ao fluxo de corrente elétrica. A
reactância determina a capacidade das células em armazenar energia.27,28
As membranas
celulares agem como condutores; interfaces; e o conteúdo intracelular como material
dielétrico. Dessa forma, a resistência auxilia no cálculo do volume de água corporal
enquanto que a reactância representa a conservação das membranas celulares. O ângulo
formado por R e Xc é chamado de ângulo de fase, que participa do cálculo da
composição corporal no que concerne a massa magra e massa gorda, pois através dele
se obtêm dados de integridade celular e estado nutricional. Quanto maior o ângulo de
fase, melhor a saúde celular e, consequentemente, seu funcionamento. Quanto menor o
ângulo de fase, maior apoptose e deterioração celular.29,30
A representação gráfica
destas mensurações resulta em uma parábola, correspondendo ao modelo de Cole e
Cole.31,32
Figura 2- Componentes da impedância elétrica (Z), expressa em ohn (Ω). Xc, reactância;
R, resistência.
17
Correntes de baixa frequência não são capazes de atravessar a membrana celular
e com isso tem-se a aferição do líquido extracelular. Correntes de alta frequência
cruzam tanto o espaço intra como extracelular estimando assim o volume de líquido
intracelular e a água corporal total. Além disso, a BIE estima outros parâmetros, como
a massa gorda, que corresponde a todos os lipídios extraídos do tecido adiposo e de
outros tecidos do corpo; a massa adiposa, que agrega a gordura e suas estruturas de
suporte; e a massa magra, que corresponde à massa livre de lipídios exceto os
compostos que são formadores de membrana celular (10% dos lipídeos corporais
totais). Estes parâmetros podem ser úteis em associação com a leitura da água corporal
total visto que, muitas vezes, o tecido adiposo é composto de um quantitativo de água
maior quanto comparado ao tecido muscular.
1.4- Aspectos nutricionais na DRC
A prevalência de desnutrição nos pacientes em HD crônica é elevada e isto
sabidamente aumenta a morbimortalidade desta população.33
Isto ocorre tanto por
anorexia e baixo aporte calórico-proteico, quanto pela inflamação crônica associada à
falência renal e à terapia dialítica. Pacientes em tratamento conservador, ou seja, em
fase pré-dialítica, usualmente são orientados a uma dieta mais restrita em proteínas,
situação oposta nos pacientes em HD. Sendo assim, a BIE também auxilia, junto à
aferição da composição corporal, a determinar o estado nutricional dos pacientes, visto
que muitos deles se apresentam com índice de massa corporal (IMC) dentro dos limites
da normalidade, porém, qualitativamente sua massa gorda se sobrepõe ao quantitativo
de massa magra.
Considerando a crescente disponibilidade de avaliação por BIE dos pacientes em
diálise crônica e a importância do controle de PA, julgamos relevante o estudo da
associação entre a composição corporal e o controle pressórico nesta população.
18
2- OBJETIVOS
2.1- Objetivo principal
Avaliar a associação entre a composição corporal aferida por bioimpedância
espectroscópica (BIE) e o nível da pressão arterial nos pacientes em hemodiálise
crônica.
2.2- Objetivos secundários
2.2.1- Analisar a associação entre o estado de hidratação pós-HD e a PA nos pacientes
em HD crônica.
2.2.2- Analisar a associação entre o TAFO e a PA nos pacientes em HD crônica.
2.2.3- Estudar possíveis vieses por erros sistemáticos na estimativa dos parâmetros de
hidratação por BIE nos pacientes em HD crônica.
19
3- MÉTODOS
3.1- Desenho do estudo
Trata-se de um estudo transversal com análise retrospectiva de dados coletados
de pacientes com doença renal crônica em programa regular de hemodiálise em 31
clínicas de diálise no Brasil, franqueadas pela Fresenius Medical Care, no momento em
que foram submetidos à BIE pela primeira vez.
De janeiro de 2011 a setembro de 2012, as clínicas participantes deste estudo
adquiriram aparelhos de BIE e, a partir daquele momento, todos os pacientes foram
gradativamente analisados como parte da rotina médica destas instituições no intuito de
melhorar a estimativa de peso seco dos pacientes, que até aquele momento era feita de
forma puramente empírica.
Os dados foram retirados de prontuário eletrônico padronizado por todas as
clínicas chamado European Clinical Dialysis Database (Euclid®
).
Este estudo, inscrito na Plataforma Brasil, CAAE 03558512.2.0000.5243, foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UFF, parecer
nº 80280, data de relatoria em 06/09/2012 e os Responsáveis Técnicos das unidades de
diálise participantes assinaram termo de autorização para acesso ao banco de dados.
3.2- Clínicas participantes
Todas as clínicas de diálise participantes deste estudo são franqueadas ao Grupo
NephroCare, nas quais são adotadas as rotinas médicas uniformizadas e os mesmos
equipamentos, incluindo aparelhos de BIE, esfigmomanômetros digitais e prontuários
eletrônicos.
As clínicas participantes são: CDR Clínica de Doenças Renais, filiais Ingá e São
Lourenço – Niterói, RJ, Rio Bonito, RJ, Macaé, RJ, Três Rios, RJ, Barra do Piraí, RJ ,
Barra Mansa, RJ, Santo Antônio de Pádua, RJ, Nova Iguaçu, RJ, São João de Meriti,
RJ, Botafogo, Anil, Taquara, Policlínica, Vicente de Carvalho e Cascadura, Rio de
Janeiro, RJ; Centro de Terapia Nefrológica, São Paulo, SP; Instituto Mineiro de
Nefrologia - Belo Horizonte, MG; Clínica do Rim – Petrolina, PE, Nefroclínica –
Recife, PE; Clínicas Pró-Nefron filiais Aldeota, Messejana, Protorim e Prorim –
Fortaleza, CE; Clinefro Clínica Nefrológica do Piauí – Teresina, PI, Clínica Unirim –
Parnaíba, PI; Nephron Serviços Médicos, filiais Mix Park Sul, Gama e Taguatinga –
Brasília, DF.
20
3.3- Critérios de inclusão
Foram considerados elegíveis todos os pacientes acima de 18 anos, prevalentes
em HD há mais de 3 meses nas 31 clínicas participantes que tivessem sido submetidos a
pelo menos uma avaliação de BIE no período estudado.
3.4- Critérios de exclusão
Foram excluídos os pacientes que apresentavam dados incoerentes, por provável
erro de digitação, que poderiam comprometer a análise da BIE.
Para fim de exclusão, consideramos implausíveis os dados de peso dos pacientes
que apresentavam ganho interdialítico (GID) médio maior ou igual a 5 Kg ou ganho
intradialítico maior ou igual a 1 Kg.
3.5- Análise da composição corporal por BIE
Cada paciente, imediatamente antes de ser submetido à análise por BIE deveria
estar em decúbito dorsal sobre uma superfície não condutora de energia e em repouso
por pelo menos 5 minutos. Condições de exercícios extremos, febre ou hipotermia
podem alterar os resultados e foram descartados. Pacientes com uso de próteses ou
suturas metálicas, pinos, hastes ou marcapassos também foram excluídos da aferição
por contra-indicação do próprio método. Utilizaram-se dois eletrodos descartáveis que
foram colocados na mão, sendo um mais proximal no pulso e outro distal ao longo das
articulações dos dedos. Dois outros eletrodos, também descartáveis, foram colocados no
pé ipsilateral, sendo um ao longo do tornozelo e outro na superfície dorsal dos dedos do
pé. Assim, após inserção dos dados pessoais do paciente a medição era realizada e,
então, obtidos os valores dos níveis de hidratação do paciente, além de informações
antropométricas.
O aparelho utilizado, Body Composition Monitor- BCM®
(Fresenius Medical
CareAG&Co. KGaA, BadHomburg, Alemanha) trabalha com uma gama de frequência
da medição que varia de 5 kHz a 1 MHz em 50 frequências descontínuas. Através de
um cartão personalizado para cada paciente, no qual eram inseridos nome, data de
nascimento, gênero, peso, altura e idade, obtinha-se a medição, que posteriormente era
transferida para o computador com software específico instalado para geração das
informações.
Este aparelho de BIE foi validado, tanto na população geral como em pacientes
em hemodiálise, baseado em métodos de diluição, que são considerados métodos de
21
estimativa direta da água corporal total, intra e extracelular. Para isso, foi utilizada a
variação do conteúdo de deutério para água corporal total, o volume total do
radioisótopo de potássio K40
para água intracelular e o quantitativo de brometo de sódio
para estimativa do líquido extracelular.34-38
3.6- Dados clínicos
Os dados clínicos levantados foram idade, início do tratamento dialítico,
etiologia da doença renal, IMC, média da pressão arterial sistólica (PAS) e diastólica
(PAD) e do peso pré e pós-HD nas últimas quatro semanas que antecederam à BIE e o
número de drogas hipotensoras em uso no momento da avaliação.
Dois foram os parâmetros utilizados para avaliação de hidratação. Um deles, a
sobrecarga média de líquido por tempo determinado (TAFO, time-averaged fluid
overload), definido através da diferença entre o peso em normoidratação estimado pela
BIE e o peso médio pré e pós-diálise nas quatro semanas anteriores à avaliação:
TAFO (L) = (média peso pré + média peso pós-HD) - peso em normoidratação
2
Valores de TAFO foram comparados de acordo com sexo, idade e faixas de
IMC.
Outro parâmetro analisado foi o estado de hidratação pós-HD, definido pela
diferença entre o peso pós-diálise médio do paciente nas quatro semanas que
antecederam à aferição (equivalente ao seu peso seco) e o peso em normoidratação,
fornecido pela BIE. Tanto o TAFO quanto o estado de hidratação pós-HD foram
expressos em litros. Foi também estudada a correlação entre estes parâmetros de
hidratação e os níveis de PAS e PAD pré e pós-HD.
Hipertensão arterial foi definida como PAS pré-HD ≥140 mmHg e/ou PAD pré-
HD ≥90 mmHg, de acordo com os critérios da NKF/DOQI para a população em HD.39
3.7- Avaliação laboratorial
Foram incluídos os valores de hemoglobina, albumina cálcio e fósforo séricos no
mês da análise por BIE. Estes exames fazem parte da rotina laboratorial dos pacientes
em HD, com periodicidade mensal, exceto a albumina cuja avaliação é trimestral. Neste
22
caso, foi considerada a dosagem da albumina sérica aferida na data mais próxima à
realização da BIE.
3.8- Análise estatística
Teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para testar a normalidade da
distribuição das variáveis. Variáveis com distribuição normal foram expressas como
média ± desvio padrão. As variáveis com distribuição não-Gaussiana foram
apresentadas como mediana e intervalo interquartis. Teste de t ou Mann-Whitney foram
utilizados apropriadamente quando dois grupos foram comparados. Para comparação de
três ou mais grupos, foi utilizada ANOVA complementada pelo teste de Bonferroni nos
casos distribuição normal ou o teste de Kruskall-Wallis complementado pelo teste de
Dunn, se distribuição não-Gaussiana. As frequências foram comparadas pelo teste do
qui-quadrado. Correlações foram analisadas pelo teste de Pearson ou Spearman, como
apropriado. Em todas as análises, valores de p menores que 0,05 foram considerados
significativos.
23
4- RESULTADOS
Um total de 3761 pacientes foi submetido à BIE. Destes, 403 foram excluídos do
estudo. As causas de exclusão foram pacientes há menos de 90 dias em diálise (n= 355),
menores de 18 anos (n= 25) e dados de peso implausíveis (n= 23). As características
gerais dos 3358 pacientes analisados encontram-se na Tabela 1.
Tabela 1 – Características Gerais dos Pacientes (n= 3358)
Gênero (homens) 59,0%
Idade (anos) 53,8 ± 15,1
Etiologia da DRC
Hipertensão 30,5%
Diabetes 22,6%
Glomerulonefrite crônica 9,7%
Doença renal policística 5,5%
Indeterminada 23,0%
Outros 9,2%
Tempo em HD (meses) 63,4 ± 58,7
Índice de massa corporal (Kg/m2)
< 18,5 5,8%
18,5 – 24,9 49,0%
25,0 – 29,9 29,0%
30,0 – 34,9 10,0%
≥35,0 6,2%
Dados laboratoriais
Hemoglobina (g/dL) 11,6 ± 1,9
Cálcio total sérico (mEq/L) 8,8 ± 1,0
Fósforo sérico (mEq/L) 5,0 ± 1,5
Albumina sérica (g/dL) 3,9 ± 0,4
N° de anti-hipertensivos
0 79,0%
1 9,9%
2 6,4%
≥3 4,7%
Pressão arterial (mmHg)
Sistólica pré-HD 143 ± 21
Diastólica pré-HD 83 ± 12
Sistólica pós-HD 133 ± 20
Diastólica pós-HD 80 ± 11
Hipertensos (%) 57,2
Peso pré-HD médio (Kg) 67,1 ± 15,3
Peso pós-HD médio(Kg) 64,7 ± 15,0
24
A avaliação da composição corporal por BIE fornece, dentre outros dados,
valores de água corporal total, volume extra e intracelular, peso em normoidratação,
porcentagem de massa magra e massa adiposa. As médias destes parâmetros, a partir da
primeira análise por BIE da população em estudo, são resumidas na Tabela 2.
Tabela 2. Composição Corporal analisada por BIE de todos os pacientes
Peso em normoidratação (Kg) 65,3 ± 15,2
TAFO (litros) 0,3 (-0,7 a 1,6)
Água corporal total (%) 50,9 ± 14,2
Água extracelular (%) 24,3 ± 6,8
Água intracelular (%) 26,5 ± 8,1
Massa magra (%) 57,7 ± 19,3
Massa adiposa (%) 34,9 ± 17,4
Valores como média ± DP ou mediana (intervalos interquartis). TAFO, time-averaged fluid overload
O peso em normoidratação era ligeiramente mais elevado do que o peso pós-HD
(65,3±15,2 kg vs. 64,7±15,0 kg, p<0,001). TAFO (mediana [intervalo interquartil]) foi
maior em homens do que mulheres (0,7 [-0,5 a 2,2] e 0,0 [-1,1 a 1,1], respectivamente,
p <0,001); Figura 3.
-6
-5
-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
4
5
6
MulheresHomens
TA
FO
(L
)
Figura 3- Comparação dos valores de TAFO de acordo com o gênero. Os dados são apresentados como mediana, percentil 25% e 75% e as barras de erro indicam os percentis 5% e 95%. TAFO foi menor nas mulheres (p<0,0001).
25
Considerando as diversas faixas etárias, idade não mostrou associação
significativa com TAFO (Figura 4).
20 30 40 50 60 70 80 90 100-10
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
8
10 r= 0.07p<0.0001
Idade (anos)
TA
FO
(L
)
Figura 4- Associação dos valores de TAFO com a idade, considerando todos os pacientes do estudo.
Quando analisados os valores de PAS pré-HD e TAFO, e estes mesmos valores
de PAS e o estado de hidratação pós-HD, sendo este a diferença entre a média do peso
pós-HD e peso em normoidratação fornecido por BIE, observou-se uma fraca correlação
entre os mesmos (Figura 5 e Figura 6, respectivamente).
26
Figura 5- Correlação entre os valores de PAS pré-HD e TAFO
Figura 6- Correlação entre os valores de PAS pré-HD e estado de hidratação pós-diálise
27
Porém, quando comparados os valores de PAS pós-HD com TAFO e o estado de
hidratação pós-HD, observou-se uma melhor correlação entre os mesmos (Figura 7 e
Figura 8, respectivamente).
Figura 7- Correlação entre valores de PAS pós-HD e TAFO.
Figura 8- Correlação entre valores de PAS pós-HD e estado de hidratação pós-diálise.
28
Quando analisados os valores de PAD pré e pós-HD com TAFO, não foi
observada uma boa correlação, com r=0,014 e p=0,40 e r=0,06 e p<0,001;
respectivamente. Comparando as PAD pré e pós-HD com estado de hidratação pós-HD,
também foi obtida uma fraca correlação, com r=0,03 e p=0,17 e r=0,04 e p=0,04;
respectivamente.
Dos pacientes analisados, 22% tinham extremos IMC (<18,5 e >30 kg/m2, em
5,8% e 16,2%, respectivamente).
Quando comparadas as variações das PAS e PAD pré e pós-HD, notou-se que
não houve alterações significativas nas diversas faixas de IMC, principalmente no que
concerne a PA pós-HD (Figura 9).
A
29
Figura 9- A: Variação da PAS pré e pós-HD nas faixas de IMC. B: Variação da PAD pré e pós-HD nas faixas de IMC. Os dados são apresentados como mediana, percentil 25% e 75% e as barras de erro indicam os percentis 5% e 95%.
No entanto, houve uma correlação inversa quando comparados os valores de
TAFO e IMC (r =-0,23; p<0,0001); Figura 10.
10 15 20 25 30 35 40 45 50-10
-8
-6
-4
-2
0
2
4
6
8
10 r= -0.23p<0.0001
IMC (Kg/m2)
TA
FO
(L
)
Figura 10- Associação dos valores de TAFO com as faixas de IMC, considerando todos os pacientes do estudo.
B
30
TAFO variou significativamente de acordo com as faixas de IMC: 1,1 [0,1 a
2,4], 0,6 [-0,4 a 2,0], 0,1 [-1,0 a 1,5], -0,3 [-1,6 a 1,0] e -0,9 [-2,0 a 0,4] em pacientes
com IMC <18,5, 18,5-24,9, 25,0-29,9, 30,0-34,9 e ≥35,0 kg/m2, respectivamente
(Figura 11).
-6
-5
-4
-3
-2
-1
0
1
2
3
4
5
6
>35.018.5 - 24.9<18.5 30.0 - 34.925.0 - 29.9
IMC (Kg/m2)
TA
FO
(L
)
Figura 11- TAFO de acordo com as faixas de IMC. Os valores são indicados como mediana com percentil 25% e 75% e o erro correspondem às barras representando os percentis 5% e 95%. Foram encontradas diferenças significativas nas comparações entre todos grupos, exceto entre os dois últimos grupos.
Analisando o estado de hidratação pós-HD, este também variou
significativamente nas diversas faixas de IMC: 0,1 [-1,0 a 1,1], -0,3 [-1,3 a 1,0], -1,0 [-
1,9 a 0,5], -1,3 [-2,8 a -0,5] e -2,1 [-3,0 a -0,9] nos pacientes com IMC <18,5, 18,5-
24,9, 25,0-29,9, 30,0-34,9 e ≥35,0 kg/m2, respectivamente (Figura 12). Foi encontrada
uma significativa correlação entre estas duas variáveis (r=0,29; p<0,0001), Figura 13.
31
Figura 12- Estado de hidratação pós-HD de acordo com as faixas de IMC. Os valores são indicados como mediana com percentil 25% e 75% e o erro correspondem as barras representando os percentis 5% e 95%. Foram encontradas diferenças significativas nas comparações entre todos grupos, exceto entre os dois últimos grupos.
Figura 13- Associação do estado de hidratação pós-HD com as faixas de IMC, considerando todos os pacientes do estudo.
32
Os valores da PA e do peso pré e pós-diálise encontram-se na Tabela 3, assim
como, o ganho interdialítico e a porcentagem de drogas anti-hipertensivas em uso, em
cada faixa de IMC. As médias dos pesos pré e pós-HD, assim como, o ganho
interdialítico, foram maiores nas faixas mais elevadas de IMC. O percentual de
indivíduos hipertensos (PAS pré-HD ≥140 mmHg e/ou PAD pré-HD ≥90 mmHg) não
foi significativamente diferente entre as faixas de IMC, assim como, o percentual de
pacientes que estavam em uso de anti-hipertensivos. Porém, analisando os valores do
ganho interdialítico, GID, obteve-se diferença significativa entre as duas últimas faixas
de IMC. Quanto às médias de pressão arterial, somente houve diferença estatística entre
a PAS pós-HD e nas faixas de 18,5-24,9 e 30-34,9 kg/m2.
Tabela 3 – Pressão arterial, peso pré-HD, peso pós-HD, ganho interdialítico e uso de anti-hipertensivos de acordo com as faixas de IMC Variáveis IMC (kg/m2) Valor de
P <18,5 18,5 – 24,9 25,0 – 29,9 30,0 – 34,9 ≥35,0
PAS pré (mmHg) 142 ± 22 143 ± 21 142 ± 21 143 ± 22 146 ± 22 0,22
PAD pré (mmHg) 83 ± 13 83 ± 12 82 ± 12 83 ± 12 85 ± 13 014
PAS pós (mmHg) 134 ± 20 134 ± 20 132 ± 19 130 ± 19 132 ± 18 0,0005
PAD pós (mmHg) 79 ± 11 80 ± 11 79 ± 10 79 ± 10 80 ± 11 0,075
Peso pré (Kg) 47,4 ± 9,0 59,9 ± 8,9 73,4 ± 9,6 83,9 ± 11,8 97,5 ± 21,6 <0,0001
Peso pós (Kg) 45,4 ± 8,6 57,7 ± 8,7 70,8 ± 9,4 81,1 ± 11,7 94,4 ± 21,5 <0,0001
GID (Kg) 1,9 ± 1,0 2,3 ± 1,0 2,6 ± 1,0 2,8 ± 1,1 3,0 ± 1,2 0,0012
Hipertensos (%) 58,8 57,3 56,4 58,1 61,1 0,75
Anti-hipertensivos (%) 22,2 20,0 20,2 20,2 21,4 0,95
HD, hemodiálise; IMC, índice de massa corporal; PAS, pressão arterial sistólica; PAD, pressão arterial diastólica; GID, ganho interdialitico; pressão arterial e peso foram definidos como a média dos valores ao longo das últimas quatro semanas anteriores à análise por BIE.
33
5- DISCUSSÃO
Neste estudo, encontramos uma fraca correlação entre os parâmetros de
hidratação, obtidos na avaliação por BIE, e o nível da pressão arterial nos pacientes em
hemodiálise crônica, sobretudo com as medidas da PA pré-HD. Como é bem conhecido
o papel central do excesso de líquido na gênese da hipertensão nos pacientes em diálise,
buscamos identificar fatores que poderiam estar distorcendo a esperada associação entre
o estado volêmico e o controle da pressão arterial.
A bioimpedância tem sido estudada há muitos anos e inicialmente eram
utilizados aparelhos de frequência simples baseados em fórmulas ou impedância de
vetores; com variação apenas de 50 ou 100 kHz. Esta era a análise de impedância
bioelétrica onde se utilizavam equações empíricas para cálculo de água corporal total,
intra e extracelular. Com a evolução do método, surgiu a bioimpedância
multifrequencial espectroscópica (BIE) com os conceitos de reactância, resistividade e
ângulo de fase.31,32
Em 1960, Hanai et al.40
descreve as constantes dielétricas e a
condutividade elétrica comparando água e óleo e esta teoria ajuda a definir equações
para compor a BIE.
Vieses foram posteriormente identificados, pois nas equações originais para
cálculo da água corporal total, intra e extracelular eram considerados como constantes a
resistividade dos tecidos, a densidade do corpo e um fator de correção corporal baseado
na distância entre o tornozelo e o quadril do ser humano. Porém, a resistividade
extracelular, que habitualmente é de 6 a 7 vezes menor do que a intracelular pode
aumentar com o tamanho e o número de células, o que infere no cálculo destes valores.
Em 1998, Baumgartner et al.41
já descreviam que a resistência tecidual às correntes de
frequência é afetada pelo tecido adiposo e que ajustes nas equações de estimativa dos
compartimentos corporais eram necessários.
Kyle et al,27,28
em 2004, fizeram um estudo para análise da composição corporal
com este método, porém, foram utilizados apenas pessoas saudáveis, que não
apresentavam grandes variações em seu estado de hidratação.
Neste contexto, Moissl et al.36
realizam um estudo com o objetivo de validar
duas novas equações que considerassem uma população com diferentes composição
corporal e estado de hidratação, incluindo pacientes em HD crônica. Desta forma,
validaram equações para o uso clínico da BIE, com base na teoria de Hanai40
, porém,
com ajuste para o IMC. No entanto, apenas 24 dos 152 pacientes avaliados estavam em
34
extremos de IMC (8 e 16 indivíduos com IMC <20 kg/m2 e >30 Kg/m
2,
respectivamente). Além disso, foram incluídos apenas 32 pacientes em HD. O
equipamento utilizado em nosso estudo, o BCM®, adota a equação de Moissl
36, com o
ajuste pelo IMC, para estimativa da composição corporal.
Apesar da tentativa de Moissl et al.36
em corrigir os efeitos do IMC na avaliação
da BIE, os nossos resultados apontam para a persistência de um erro sistemático,
principalmente para os pacientes nos extremos de IMC. Quando analisado um grande
número de pacientes em HD, como a do presente estudo, observamos que as alterações
feitas até hoje não foram suficientes para corrigir os efeitos do IMC sobre a análise da
água corporal. Estudando os dados referentes ao TAFO e ao estado de hidratação pós-
HD, ambos variaram significativamente de acordo com as faixas de IMC. Enquanto
muitos pacientes com IMC <18,5 kg/m2 apresentaram-se aparentemente hiperidratados
na avaliação pela BIE, a maioria daqueles com IMC >30 kg/m2 foram classificados
como desidratados, embora diferenças significativas no controle pressórico não tenham
sido observadas na comparação entre os pacientes alocados nos grupos extremos de
IMC.
A prevalência de hipertensos no nosso estudo foi maior que 50%, corroborando
com dados gerais em que a prevalência de hipertensão arterial é muito elevada nos
pacientes em HD crônica.42
Sua fisiopatologia é multifatorial,12
sendo a hipervolemia
uma de suas principais causas. Sendo assim, a determinação do volume extracelular e
água corporal total podem ser úteis no manejo clínico visando um melhor controle
pressórico. Porém, não só pacientes hipervolêmicos apresentam-se hipertensos e,
inversamente, nem todos os pacientes normotensos encontram-se euvolêmicos. Em um
estudo recente,43
foi observado que entre 500 pacientes em HD crônica avaliados
através de BIE, 25% tinham volume extracelular expandido (>2,5 litros) e destes,
aproximadamente metade com PAS pré-HD <140 mmHg, enquanto 15% apresentavam
PAS pré-HD >150 mmHg e volume extracelular pré-HD <1,1 litros. Hipertensão
associada à hiper-reatividade simpática e rigidez arterial por ateromatose e/ou
calcificação vascular também são causas de elevação da PA nesta população.44
Por
outro lado, a ausência de hipertensão ou hipotensão intradialítica não podem ser
consideradas sinônimos de euvolemia ou desidratação.
No presente estudo, foi definido como hipertenso o paciente que apresentava
valores de pressão arterial sistólica pré-HD ≥140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica
pré-HD ≥90 mmHg, de acordo com os critérios da NKF/DOQI para a população em
35
HD.39
Estes critérios de hipertensão para a população em diálise são questionáveis, já
que estes pontos de corte não se associam com desfechos clínicos. Na falta de
evidências para sustentar um critério específico, a NKF/DOQI optou por incorporar o
conceito das diretrizes propostas no Joint National Committee VII. Além disso, se
adotássemos os critérios do Joint National Committee VIII, divulgado recentemente,
muito dos pacientes deixariam de ser classificamos como hipertensos, já que para
indivíduos acima de 60 anos, o ponto de corte seria a pressão arterial sistólica ≥150
mmHg e/ou pressão arterial diastólica ≥90 mmHg.45
A PAS pré-HD apresentou uma fraca correlação com os valores de TAFO e o
estado de hidratação pós-HD. Já a PAS pós-HD, apresentou uma correlação um pouco
melhor com estes dois parâmetros de hidratação. Esta melhor correlação pode ser
atribuída ao fato que pacientes hiperidratados tendem a apresentar elevação da PA
durante HD.46
A correlação entre a PAS pós-HD foi ligeiramente melhor com o TAFO (r=
0,23; p <0,0001) do que com o estado de hidratação pós-HD (r= 0,21; p <0,0001),
talvez porque o TAFO reflita melhor a sobrecarga hídrica ao longo do tempo.
Com relação à PAD tanto pré quanto pós-HD, esta não apresentou boa
correlação quanto comparada aos valores de TAFO e estado de hidratação pós-HD.
Observando este resultado, é importante lembrar que o predomínio de hipertensão
sistólica na população em diálise, com maior pressão de pulso, acentua os riscos
cardiovasculares.
De um modo geral, houve uma boa concordância entre o peso pós-HD, que
reflete o peso seco estabelecido por julgamento clínico e os parâmetros de hidratação
baseados na BIE. A mediana do TAFO, na população estudada foi de apenas 0,3 litro,
valor este bastante satisfatório, considerando-se que o alvo sugerido é um TAFO em
torno de 0,5 litro.47
Porém foram observadas grandes variações quando considerado
cada paciente individualmente. Não se observou diferença significativa nos valores de
TAFO entre as diversas faixas etárias, enquanto entre homens e mulheres da população
do estudo, foi observado um valor discretamente aumentado nos homens.
No que concerne ao uso de anti-hipertensivos nos pacientes em HD crônica,
estes tendem a ser evitados pelo risco de hipotensão durante e após a diálise. A tentativa
de controle da PA com medicações pode dificultar uma ultrafiltração mais efetiva nas
sessões de hemodiálise, e isto pode perpetuar um estado de hipervolemia. Além disso, o
ajuste do peso seco também fica prejudicado, considerando que o paciente sairá da HD
36
com excesso de líquido e, consequentemente, acima do peso ideal, apesar da PA
controlada. Geralmente, é possível suspender ou postergar o uso de anti-hipertensivos
quando os pacientes se apresentam normotensos no período interdialítico ou hipertensão
leve/ moderada pré-HD.48-50
Diuréticos normalmente são evitados devido a sua baixa
eficácia nesta população. Inibidores de enzima conversora de angiotensina e
bloqueadores de receptor de angiotensina II são preferidos, caso seja necessário o uso,
principalmente em pacientes cardiopatas, pois são drogas que, além do controle
pressórico, interferem e retardam o remodelamento cardíaco.51
Em nosso estudo,
observamos uma média de 20,8% dos pacientes em uso de anti-hipertensivos, com
pouca diferença de acordo com IMC. No entanto, esta porcentagem pode estar
subestimada visto que muitos destes dados não se encontravam corretamente
preenchidos nos bancos de dados utilizados na análise.
Considerando aspectos nutricionais, enquanto os indivíduos obesos na população
geral têm maior mortalidade,52,53
os pacientes em HD com maiores valores de IMC têm
menor risco de morte por todas as causas e até mesmo de causas cardiovasculares.54
Isso
poderia estar relacionado ao fato de que IMC não considera o que corresponde massa
muscular e massa adiposa. Pacientes com menores IMC teriam maior mortalidade,
possivelmente por também apresentarem menor massa muscular e maior grau de
desnutrição.55-57
Laboratorialmente, isso pode ser refletido por baixos valores de
creatinina sérica. Assim, pacientes em HD com maiores valores de creatinina
apresentam maior quantidade de massa muscular, maior IMC e menor mortalidade por
todas as causas.58
Em nosso estudo, apesar de termos achado a maioria dos pacientes
com IMC normal ou alto e uma média elevada de massa adiposa (34,9±17,4%),
observamos também um porcentual de massa magra adequado (57,7±19,3%) e um nível
de albumina sérica satisfatório (3,9±0,4 g/dl).
No âmbito da associação entre pressão arterial e estado volêmico analisado por
BIE na população que estudamos, observamos, de maneira geral, uma fraca correlação
entre estas variáveis. Consideramos que um erro sistemático nas equações
desenvolvidas para estimativa dos compartimentos corporais poderia ser uma das
razões. Embora estas equações contemplem uma correção pelo IMC, este ajuste parece
ainda não ser suficiente, principalmente nas faixas extremas de IMC. É pouco plausível
que em uma análise transversal por BIE, numa população tão grande prevalente em
diálise, cujo peso seco era definido por julgamento clínico, tantos obesos estivessem
realmente desidratados, enquanto um percentual tão elevado de pacientes muito magros
37
estivessem hiperidratados. Caso isso refletisse uma realidade, deveríamos esperar que o
grupo com IMC muito baixo fosse mais hipertenso do que o grupo de obesos. No
entanto, não houve diferença nos vários parâmetros de controle de pressão arterial entre
as faixas de IMC, como PA pré-HD, PA pós-HD, variação da PA intradialítica,
percentual de hipertensos ou uso de anti-hipertensivos. Ainda avaliando o ganho de
peso interdialítico dos pacientes, conforme as faixas de IMC, foi observado que
pacientes obesos tendem a ganhar mais peso no intervalo dialítico. Isso corrobora para o
fato de que é improvável que estes pacientes estejam desidratados.
Considerando que nosso estudo foi feito baseado em uma análise retrospectiva de
banco de dados, e de apenas uma avaliação por BIE, não podemos refutar a importância
da BIE como uma ferramenta promissora para o dia-a-dia do nefrologista.47
É provável
que seu uso de forma prospectiva, com análises periódicas para nortear ajustes no peso
seco, traga mais segurança e eficácia no controle volêmico e da pressão arterial. É um
exame complementar de grande valia por ser de fácil execução e acessível para clínicas
de HD, fornecendo informações para enriquecer o julgamento clínico e não substituí-lo.
38
6- CONCLUSÃO
Considerando o TAFO e o estado de hidratação pós-HD, foram observadas
fracas correlações entre estes parâmetros e o nível de pressão arterial nos pacientes
em HD crônica. Quando analisados os dados, divididos por faixas de IMC, foi
evidenciado uma correlação inversa entre TAFO e IMC e estado de hidratação pós-
HD em IMC, especialmente nas faixas extremas de IMC. Considerando que estudos
de validação da BIE já apresentaram sugestões de correção para parâmetro, nossos
dados referentes a um grande número de pacientes, sugerem que o ajuste pelo IMC
ainda não teria sido suficiente persistindo um viés relativo a esta variável.
39
7- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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