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UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO CIÊNCIAS DA SAÚDE E BIOLÓGICAS THAYNÃ ALVES BEZERRA EFEITOS DE UMA INTERVENÇÃO INTERDISCIPLINAR SOBRE OS FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR EM CRIANÇAS COM SOBREPESO E OBESIDADE PETROLINA 2017

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO

    CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO CIÊNCIAS DA SAÚDE E

    BIOLÓGICAS

    THAYNÃ ALVES BEZERRA

    EFEITOS DE UMA INTERVENÇÃO INTERDISCIPLINAR SOBRE OS

    FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR EM CRIANÇAS COM

    SOBREPESO E OBESIDADE

    PETROLINA

    2017

  • 2

    THAYNÃ ALVES BEZERRA

    EFEITOS DE UMA INTERVENÇÃO INTERDISCIPLINAR SOBRE OS

    FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR EM CRIANÇAS COM

    SOBREPESO E OBESIDADE

    Trabalho apresentado a Universidade Federal

    do Vale do São Francisco – UNIVASF,

    Campus Petrolina Centro, como requisito para

    obtenção do título de Mestre.

    Orientador: Prof. Ferdinando Oliveira

    Carvalho.

    Co-orientador: Prof. Marcelo Domingues de

    Faria.

    PETROLINA

    2017

  • 3

    Bezerra, Thaynã Alves B574e

    Efeitos de uma intervenção interdisciplinar sobre os fatores de risco cardiovascular em crianças com sobrepeso e obesidade / Thaynã Alves Bezerra. -- Petrolina, 2017.

    121 f.: il. ; 29 cm. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde e Biológicas) -

    Universidade Federal do Vale do São Francisco, Campus Petrolina, Petrolina-PE, 2017.

    Orientador: Prof. Dr. Ferdinando Oliveira Carvalho. Referências 1. Obesidade nas crianças -- Tratamento. 2. Sistema

    cardiovascular - Doenças. 3. Promoção da saúde. I. Título. II. Universidade Federal do Vale do São Francisco.

    CDD 616.398083 Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema Integrado de Bibliotecas da UNIVASF.

    Bibliotecária: Luciana Souza Oliveira CRB5/1731

  • 4

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO VALE DO SÃO FRANCISCO

    CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE E

    BIOLÓGICAS

    FOLHA DE APROVAÇÃO

    THAYNÃ ALVES BEZERRA

    EFEITOS DE UMA INTERVENÇÃO INTERDISCIPLINAR SOBRE OS

    FATORES DE RISCO CARDIOVASCULAR EM CRIANÇAS COM

    SOBREPESO E OBESIDADE

    Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências da Saúde e Biológicas, pela Universidade Federal do Vale do São Francisco.

  • 5

    Agradecimentos

    Em primeiro lugar, quero agradecer ao meu Deus que realizou em minha vida

    sonhos que eu nem sequer ousava sonhar, por ter me dado força, coragem e por não

    ter deixado nada faltar no decorrer desse processo.

    Ao meu companheiro nessa jornada com o qual eu tenho o privilégio de dividir

    minha vida, Neco, costumo dizer que ele é o melhor companheiro de vida que eu

    poderia ter, e isso só se confirmou ao longo dessa caminhada. Meu melhor amigo,

    sorriu e chorou comigo, e muitas vezes também desaminado pelas circunstâncias,

    encontrava força e coragem para me animar. Não tenho dúvidas de que você foi

    escolhido por Deus para ser meu anjo.

    Preciso agradecer à minha família, que foi a base para que esse momento fosse

    possível. Meu pai, Tony, um homem simples, que tem apenas o ensino fundamental

    completo, mas que sempre me incentivou, lutou e trabalhou pesado para que eu

    pudesse estudar, vibrou com cada uma das minhas conquistas, e mesmo sem

    entender direito o que é uma pós-graduação, se agarrou ao meu sonho, me fez

    acreditar que era possível e lutou cada segundo do meu lado para que eu não

    desistisse. Minha mãe, Ivaneide, que também nunca ficou por trás, me ensinou que

    sonhar é bom, mas que é com planejamento que os sonhos podem se tornar reais.

    Muitas vezes distante de casa, eu ligava e aquela voz de mulher guerreira, que tudo

    suporta, acalmava a tempestade que se passava dentro de mim. Meus irmãos, Renata

    e Mateus, que são meus amigos e incentivadores de todo esse sonho “maluco”. Minha

    sogra, Maria Helena e minha cunhada Nena, com quem sempre pude contar e a quem

    serei eternamente grata por todo apoio. Minha família é muito grande e a cada um dos

    membros eu precisaria agradecer incansavelmente, mas alguns nomes não podem

    faltar, minhas duas avós, Aureny e Socorro, minha tia quase mãe Maninha, minha

    prima quase irmã Cinthya e seu esposo Alexandre e minha tia avó Eva que foi um

    apoio muito importante na nossa ida para Petrolina. Sou grata à Deus pela vida de

    cada um deles e mais ainda por ter me colocado nessa família.

    Aos melhores amigos do mundo, Nonato, Conim e Edna, com quem eu sonhei,

    planejei, depois reclamei, me queixei, sorri, bebi, cresci, construí e comemorei. Aos

    presentes que o mestrado me deu, Carol Penaforte, Luciana, Flavinho, Cleyton e

  • 6

    Filipe Diego, Petrolina foi muito melhor com vocês. Agradecer também a melhor turma

    do programa de Ciências da Saúde, a minha... Amizade para a vida toda.

    Aos professores que não eram meus orientadores, mas que foram únicos nesse

    processo. Os professores do colegiado de Educação física da UNIVASF, em especial

    Mariana, Zé Fernando e Zé Roberto. Agradecer ao professor Cazuza da UFPB,

    exemplo de professor e pesquisador, o tempo que passamos com ele e com seus

    alunos mostraram o que os artigos não são capazes de dizer: da sua seriedade com

    seu grupo, com seus alunos, com a pesquisa e com a Universidade, muito obrigada

    por nos receber em seu laboratório, por passar horas ouvindo nossos projetos

    orientando para as melhores escolhas, obrigada por disponibilizar seus alunos para

    nos ajudar, em especial Alcides e Arthur aos quais também agradeço por todo carinho

    e atenção.

    Não sei quais palavras eu poderei usar para agradecer ao professor Luciano

    Basso da USP. Pelas horas de Skype durante esses dois anos, depois por nos receber

    em sua Universidade, em seu laboratório, em sua casa e por fim, em sua vida. Foram

    tantos ensinamentos acadêmicos e também pessoais que não cabem no papel,

    obrigada por ser esse vendedor de sonhos. Aproveito para estender meus

    agradecimentos à sua esposa Micaela, obrigada pela porta sempre aberta e pela

    partilha de tão bons momentos.

    Gostaria de agradecer também à Cardiovasf aqui representada na pessoa do

    doutor Anderson Armstrong e seu aluno Danyl a quem não dei um minuto de descanso

    até estar com todos os exames em mãos. À Secretaria Municipal de Educação de

    Petrolina, aos gestores das escolas participantes dessa pesquisa. E especialmente,

    gostaria de agradecer aos pais e as crianças pela confiança depositada nesse

    trabalho.

    Quero agradecer à toda equipe que trabalhou comigo para que esse projeto

    pudesse acontecer, aos alunos da psicologia orientados pela professora Junnia, as

    nutricionistas maravilhosas Karol, Jane e Fátima, e aos alunos do curso de educação

    física. Acho que juntos formamos uma boa equipe e fizemos um bom trabalho, muito

    obrigada de coração, sozinha eu jamais teria conseguido.

    Por fim, ao meu orientador Ferdinando, por acreditar em mim quando eu

    mesmo não acreditava, pela oportunidade que me foi dada, pela confiança, pelas

  • 7

    orientações, pelas cobranças, pelo exemplo de ser humano e de professor. O senhor

    que me fez rir e chorar tantas vezes (embora, conforme desafiada fui, nunca chorei

    na sua frente), às vezes, como visionário que é, me fazia tanta raiva exigindo coisas

    que no momento eu não conseguia ver o porquê daquilo tudo, e aí na frente tudo se

    encaixava e ganhava sentido (e eu era obrigada a dar o braço a torcer, admitindo: ele

    tinha razão). Obrigada pelo carinho que sempre demonstrou comigo, pela atenção,

    pela amizade, pela parceria. Tenho certeza que nosso casamento não acaba com o

    fim desse trabalho, talvez, ele tenha apenas começado aqui, mil vezes eu precisaria

    repetir obrigada. A educação física do Vale do São Francisco e eu devemos muito ao

    seu trabalho e dedicação.

    São muitos nomes que eu não posso deixar de agradecer, à turma do meu

    grupo de pesquisa, GEPEGENE, aos meninos do laboratório de biomecânica, de

    fisiologia, de bioquímica e da sócio-cultural. Aos funcionários da UNIVASF, Paulina,

    Luciano, Rejane e Ronaldo. A todos os professores que ministraram aula no nosso

    programa, em especial ao professor Diego Luz e Marcelo Faria (meu co-orientador),

    pelo amor ao que fazem. Agradecer também a turma de coletas do clube no Pinheiro

    em São Paulo, alguns serão eternizados em minha vida. Jane e Aline muito obrigada

    pela amizade livre e leve. Aos professores e alunos do Lacom. Aos meus alunos da

    URCA, foi o amor à docência que me trouxe até aqui. A todos que não estão citados

    aqui, mas que de uma forma ou de outra contribuíram para minha formação pessoal

    e profissional nesses últimos anos.

  • 8

    RESUMO

    A obesidade tem sido considerada como um dos fatores primários para o desenvolvimento de outras patologias e fatores de risco cardiovascular. Na criança ela tem sido mediadora para o desenvolvimento dessas comorbidades ainda na infância, na adolescência e mais fortemente na idade adulta, momento em que ocorre a maioria dos eventos cardiovasculares com registros de mortes. Objetivo: Analisar os efeitos de uma intervenção interdisciplinar sobre os fatores de risco cardiovascular de crianças com sobrepeso e obesidade. Métodos: Realizou-se uma intervenção de atividades físicas, orientações nutricionais e psicológicas, com duração de dez semanas com crianças sobrepesadas. Participaram da pesquisa 33 crianças, de escolas públicas municipais, com Índice de Massa Corporal (IMC) considerado com sobrepeso e obesidade, as mesmas foram divididas em dois grupos, experimental (n=14) e controle (n=19). As atividades físicas ocorriam três vezes por semana com as crianças e uma vez por semana com as mães, as orientações nutricionais e psicológicas ocorriam uma vez por semana tanto com as crianças quanto com as mães. As atividades realizadas com o grupo experimental aconteciam na escola em que as crianças estudavam, enquanto o grupo controle seguiu suas atividades de rotina. Foram analisados IMC, circunferência de cintura, relação cintura-estatura, percentual de gordura, aptidão cardiorrespiratória, pressão arterial sistólica e diastólica, perfil lipídico, glicose, massa ventricular esquerda, consumo energético diário e percepção dos pais sobre o peso dos filhos. Para a análise estatística foi primeiramente verificado a normalidade dos dados pelo teste de Shappiro Wilk, com as variáveis que apresentavam normalidade verificou-se as possíveis diferenças através do teste Anova de delineamento misto com o post hoc de Bonferroni, para as variáveis com distribuição normal, mas que apresentavam diferença significativas no momento inicial da pesquisa, recorreu-se à Ancova, enfim para as variáveis com distribuição não normal realizou-se os testes “U” de Mann Whitney e Wilcoxon. Resultados: Foram encontradas diferenças significativas para o percentual de gordura, aptidão cardiorrespiratória, colesterol total, LDL, HDL, glicose e consumo energético diário. Nas quais o percentual de gordura, colesterol total, LDL e consumo energético diminuiram significativamente no grupo experimental, enquanto que a glicose e o HDL aumentaram significativamente no grupo experimental, para o grupo controle houve diminuição da aptidão cardiorrespiratória e aumento do LDL e HDL. Conclusão: A intervenção proposta foi eficaz na modificação dos fatores de risco cardiovascular em crianças com sobrepeso e obesidade.

    Palavras-Chave: Obesidade, Fatores de risco cardiovascular, Intervenção interdisciplinar.

  • 9

    ABSTRACT

    Obesity has been considered as one of the primary factors for the development of

    pathologies and cardiovascular risk factors. In the child it has been mediator for the

    development of these comorbidities still in childhood, in the adolescence and more

    strongly in the adult age, at the time of most cardiovascular events with death records.

    Objective: To analyze the effects of an interdisciplinary intervention program on the

    cardiovascular risk factors of overweight and obese children. Methods: We conducted

    a physical activity intervention, nutritional and psychological orientations, lasting ten

    weeks with overweighed children. Thirty-three children with BMI considered

    overweight and obese participated in the study, they were divided into two groups,

    experimental (n=14) and control (n=19). Physical activities occurred 3 times a week

    with children and once a week with mothers. Nutritional and psychological counseling

    occurred once a week with both children and mothers. BMI, waist circumference, waist-

    height ratio, percentage of fat, cardiorespiratory fitness, systolic and diastolic blood

    pressure, lipid profile, glucose, left ventricular mass, daily energy intake and parental

    perception of children's weight were analyzed. For the statistical analysis it was first

    verified the normality of the data by the Shappiro Wilk test, with the variables that

    presented normality the possible differences were verified through the Anova test of

    mixed design with the post hoc of Bonferroni, for the normal variables, but that

    presented significant difference in the initial moment of the research, we resorted to

    the Ancova, finally, for the non-normal variables the "U" tests of Mann Whitney and

    Wilcoxon. Results: Significant differences were found for the percentage of fat,

    cardiorespiratory fitness, total cholesterol, LDL, HDL, glucose and daily energy

    consumption. The percentage of fat, total cholesterol, LDL and energy consumption

    decreased significantly in the experimental group, whereas glucose and HDL

    increased significantly in the experimental group, and in the control group there was a

    decrease in cardiorespiratory fitness and LDL and HDL increase. Conclusion: The

    proposed intervention was efficient in modifying cardiovascular risk factors in

    overweight and obese children.

    Keys-Works: Obesity, Cardiovascular risk factors, Interdisciplinary intervention.

  • 10

    SUMÁRIO

    1. Introdução ............................................................................................................. 12

    2. Objetivos ............................................................................................................... 14

    2.1 Objetivo geral ................................................................................................... 14

    2.2 Objetivos específicos ....................................................................................... 14

    3. Revisão bibliográfica ............................................................................................. 15

    3.1 Obesidade infantil ............................................................................................ 15

    3.1.1 Afinal, o que é obesidade infantil? ............................................................. 15

    3.1.2 Prevalência da obesidade infantil .............................................................. 16

    3.1.3 Aspectos nutricionais relacionados à obesidade infantil ............................ 19

    3.1.4 Aspectos psicológicos relacionados à obesidade infantil ........................... 22

    3.2 Fatores de risco cardiovasculares em crianças obesas ................................... 26

    3.2.1 Perfil antropométrico como preditor de riscos cardiovasculares em crianças

    ............................................................................................................................ 27

    3.2.2 Aptidão cardiorrespiratória e sua relação com os fatores de riscos

    cardiometabólicos. .............................................................................................. 28

    3.2.3 Pressão arterial em crianças com excesso de peso .................................. 30

    3.2.4 Os riscos cardiometabólicos e dislipidemias em crianças ......................... 31

    3.2.5 Diabetes tipo II: o mais importante distúrbio cardiovascular em crianças

    obesas ................................................................................................................ 34

    3.2.6 Massa ventricular esquerda um importante marcador da saúde

    cardiovascular ..................................................................................................... 36

    3.3 Intervenções de base escolar em crianças com excesso de peso como forma

    de prevenção e diminuição dos fatores de risco cardiovascular ............................ 37

    4. Metodologia ........................................................................................................... 46

    4.1 População alvo e amostra ................................................................................ 46

    4.1.1 Critérios de Inclusão .................................................................................. 48

    4.1.2 Critérios de Exclusão ................................................................................. 48

    4.2 Instrumentos e Procedimentos......................................................................... 48

    4.2.1 Antropometria ................................................................................................ 48

    4.2.2 Percentual de Gordura .................................................................................. 49

    4.2.3 Medidas de Pressão Arterial ...................................................................... 49

    4.2.4 Aptidão cardiorrespiratória ........................................................................ 50

    4.2.5 Marcadores Bioquímicos ........................................................................... 50

    4.2.6 Ecocardiograma ......................................................................................... 50

  • 11

    4.2.7 Avaliações nutricionais .............................................................................. 51

    4.2.8 Avaliações psicológicas ............................................................................. 52

    4.3 Intervenção ...................................................................................................... 52

    4.4 Análise Estatística ............................................................................................ 56

    4.5 Aspectos Éticos ................................................................................................ 57

    5. Resultados ............................................................................................................ 59

    6. Discussão .............................................................................................................. 73

    7. Conclusão ............................................................................................................. 80

    Referências ............................................................................................................... 81

    Anexos ...................................................................................................................... 92

    Anexo 1 .................................................................................................................. 92

    Anexo 2 ................................................................................................................ 109

    Anexo 3 ................................................................................................................ 111

    Anexo 4 ................................................................................................................ 113

    Anexo 5 ................................................................................................................ 118

    Anexo 6 ................................................................................................................ 120

  • 12

    1. Introdução

    A prevalência de obesidade no mundo tem aumentado substancialmente,

    sendo considerada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a pandemia do

    século XXI, e embora ela seja uma patologia de origem multicausal, a principal causa

    desse aumento tão expressivo de pessoas acometidas pelo excesso de peso nas

    últimas décadas está nas alterações ocorridas no estilo de vida da população,

    sobretudo nos hábitos alimentares e no aumento do comportamento sedentário.

    Nessa perspectiva, um levantamento realizado por Ezzati et al. (2016) mostrou que

    em 2014, 641 milhões de pessoas no mundo estavam obesas. Segundo o mesmo

    estudo, no Brasil em 2014 a obesidade já atingia quase 30 milhões de pessoas,

    atingindo o 3º lugar no ranking de homens obesos.

    Uma questão que tem chamado a atenção de pesquisadores e de agentes de

    saúde pública diz respeito ao aparecimento da obesidade ainda na infância. Crianças

    obesas com idade de seis a nove anos apresentam probabilidade aumentada em 55%

    de serem obesas quando adultas em comparação com crianças eutróficas da mesma

    faixa etária (MCARDLE, KACTH & KACTH, 2011). Segundo a OMS (2016) em 2013

    a obesidade acometia quase 42 milhões crianças menores de cinco anos de idade,

    fato esse que tem despertado preocupação por ser uma condição que pode levar ao

    desenvolvimento de comorbidades e fatores de risco cardiovascular ainda em idades

    precoces.

    Nessa direção, a obesidade tem sido considerada como um dos fatores

    primários para o desenvolvimento de outras patologias e fatores de risco

    cardiovascular. Na criança, ela tem sido mediadora para o desenvolvimento dessas

    comorbidades ainda na infância, na adolescência e mais fortemente na idade adulta,

    momento em que ocorre a maioria dos eventos cardiovasculares com registros de

    mortes. As doenças cardiovasculares representam a maior causa de morbidades e

    mortalidade no mundo. Com 17,3 milhões de mortes em 2008, e uma tendência para

    2030 de 23.3 milhões de mortes (WHO, 2011).

    Dessa forma, a obesidade na infância está diretamente ao desenvolvimento de

    uma série de riscos à saúde, tais como, doenças cardiovasculares, hipertensão

    arterial sistêmica, dislipidemias, alterações no metabolismo da glicose, além de

    distúrbios psicossociais (WHO, 2011). Além da obesidade, baixos níveis de atividade

  • 13

    física e muitas horas de comportamento sedentário também estão relacionados ao

    desenvolvimento dessas patologias. Assim, baixos níveis de atividade física estão

    ligados a horas despendidas com a utilização de meios eletrônicos (vídeo game,

    computador, celular, televisão), que cada vez mais, tornaram-se a principal forma de

    ocupação na forma de lazer dessa população (MARTINS, et al., 2012; SINAIKO,

    2012).

    O tratamento da obesidade e dos fatores de risco cardiovascular, passa pela

    mudança no estilo de vida, relacionando-se hábitos alimentares saudáveis e a prática

    de atividade física habitual. Estudos mostram que a prática de atividade física para

    crianças tem promovido redução na obesidade infantil e de outros fatores de risco à

    saúde. Os autores ainda relatam a importância dessas atividades serem de cunho

    recreativo para maior aceitação do público infantil (LEITE, et al., 2009; REINHER, et

    al., 2010; SILVEIRA, et al., 2010).

    Um estudo sobre saúde e qualidade de vida de crianças obesas, constatou que

    um programa de intervenção interdisciplinar, com prática de atividades físicas e

    orientação nutricional às crianças e aos seus pais, mostrou-se relevante na melhora

    da qualidade de vida, da saúde, e promoveu a redução da obesidade e dos riscos

    associados ao desenvolvimento de doenças cardiovasculares estudo (POETA, et al.,

    2013).

    Por isso, torna-se relevante à implementação de programas de intervenção e

    orientação nos diferentes contextos da criança (família, escola, comunidade), com a

    perspectiva de entender os diversos fatores e suas relações com o surgimento de

    doenças crônico-degenerativas, proporcionando melhor qualidade de vida a esta

    população. Acredita-se que estudos com esse propósito, corroborem para o

    estabelecimento de ações governamentais com baixos custos para o poder público e

    eficazes no combate a essas doenças (LEITE, et al., 2009; FARIAS JÚNIOR, 2011;

    MARTINS, et al., 2012; POETA, et. al. 2013).

  • 14

    2. Objetivos

    2.1 Objetivo geral

    Comparar os efeitos de uma intervenção interdisciplinar sobre os fatores de

    risco cardiovascular de crianças sobrepesadas e obesas.

    2.2 Objetivos específicos

    1) Verificar o efeito da intervenção no perfil antropométrico, aptidão

    cardiorrespiratória, percentual de gordura, pressão arterial, perfil lipídico e

    glicose sanguínea;

    2) Investigar se há associação entre a percepção dos pais sobre o estado

    nutricional dos filhos e o IMC das crianças;

    3) Investigar o efeito da intervenção no consumo energético das crianças;

    4) Analisar a massa ventricular esquerda das crianças participantes da

    intervenção nos momentos inicial e final.

  • 15

    3. Revisão bibliográfica

    3.1 Obesidade infantil

    3.1.1 Afinal, o que é obesidade infantil?

    A obesidade é o excesso de gordura corporal e a presença de pelo menos uma

    co-morbidade dos componentes da Síndrome dos Obesos, que são: intolerância à

    glicose, resistência à insulina, dislipidemia, diabetes tipo II, hipertensão,

    concentrações plasmáticas elevadas de leptina, tecido adiposo visceral aumentado e

    maior risco de doença cardíaca coronariana e de câncer (GUYTON & HALL, 2011).

    Nesse contexto, entender a obesidade unicamente como um distúrbio causado

    pela ingesta calórica maior do que o gasto energético, embora não seja errôneo, é no

    mínimo simplificar uma doença que apresenta um alto grau de complexidade nas

    relações que estabelecem sua origem. Assim, dentre os fatores causadores da

    obesidade tem-se a genética, que pode ser a causa de 20 a 25% dos casos de

    obesidade. O fator genético pode alterar o metabolismo e o apetite dos indivíduos,

    assim, em um ambiente obesogênico (sedentário e estressante, com acesso fácil à

    grandes porções de alimentos baratos, de alto conteúdo calórico e paladar agradável),

    o indivíduo geneticamente suscetível (propenso à obesidade) aumentará de peso,

    possivelmente num grau significativo (GUYTON & HALL, 2011).

    Dessa forma, Mcardle, Katch & Katch (2011) referem-se a obesidade como

    uma interação complexa de vários fatores, incluindo influência genética, ambiental,

    metabólica, fisiológica, comportamental e étnica. Entretanto, um problema cada vez

    mais frequente é que a obesidade tem se estabelecido ainda na infância. Assim,

    crianças obesas com idade de 6 a 9 anos têm 55% de probabilidade de serem obesas

    quando adultas, um risco 10 vezes maior do que crianças eutróficas.

    Assim, o desenvolvimento da obesidade na infância, assim como em adultos,

    se dá pela influência dos mesmos fatores, entretanto, um fator de agravamento está

    no período pré-natal, o decorrer da gestação até o momento do parto apresentam

    riscos para a ocorrência da obesidade ainda em idades iniciais da vida. Exemplos de

    acontecimentos na gestação que influenciam a obesidade na infância são: estar fora

    do tamanho adequado para cada idade gestacional, diabetes gestacional, alta

    adiposidade da mãe, exposição ao fumo, peso ao nascer e ainda o nascimento através

  • 16

    do parto cesáreo, estão diretamente relacionados com a aquisição de altas taxas de

    adiposidade ainda na infância (GURNANI et al., 2015).

    3.1.2 Prevalência da obesidade infantil

    A obesidade infantil tem aumentado de forma acelerada no Brasil e no mundo,

    preocupando cada vez mais os profissionais da área da saúde (ver gráfico 1). Embora,

    seja uma temática atual, a Organização Mundial de Saúde (OMS) vem pedindo

    atenção especial para esse problema desde 1990, depois de uma estimativa de que

    naquele mesmo ano, 18 milhões de crianças menores de 5 anos de idade, no mundo

    estariam com sobrepeso. A grande preocupação sempre foi com os gastos na saúde

    pública que essa população depois de adulta pudesse causar. Entretanto, em 2013,

    segundo a própria OMS esse valor subiu para aproximadamente 42 milhões,

    demonstrando a ineficiência do que tem sido proposto no combate à essa patologia

    (WHO, 2016).

    Assim, um estudo realizado nos Estados Unidos da América (EUA), para

    verificar a prevalência de sobrepeso e obesidade no país, os pesquisadores

    analisaram os dados do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES),

    dos anos de 2003/2004 e 2011/2012, encontraram que em 2011/2012, do total de

    1.268 crianças investigadas com idade entre 6 e 11 anos, 17,7% estavam obesas e

    que 16,5% estavam com percentil maior que 85th, sendo consideradas com

    sobrepeso. A análise dos dois períodos não apresentou diferenças significativas,

    contudo, o número de crianças com excesso de peso se mantém alto. Os autores

    enfatizam que esses dados demonstram que apesar dos programas desenvolvidos no

    país para redução da obesidade infantil, as prevalências permanecem elevadas e que

    mais medidas de prevenção e redução precisam ser adotadas (OGDEN et al., 2014).

    Dessa maneira, foi realizado um outro estudo de prevalência, o K-NHANES,

    dessa vez na Coréia, os autores analisaram as mudanças ocorridas no IMC de

    crianças e adolescentes dos anos de 1998 a 2012. A variação ocorrida na obesidade

    e no sobrepeso não foi estatisticamente significativa entre crianças de 2 a 9 anos de

    idade. De acordo com os critérios do CDC, 13,6% dos infantes foram classificados

    como obesos e mais 27,3% estavam com sobrepeso, caracterizando-se assim que,

    40,9% das crianças estavam com o IMC acima do recomendado (BAHK & KANG,

    2016).

  • 17

    Para Almagor et al.,(2015), no Norte de Israel, onde os autores analisaram

    94.239 sujeitos com idades entre 2 e 18 anos, observou-se que 24% da população

    avaliada apresentaram sobrepeso e 10,5% obesidade. Os dados foram obtidos

    através do serviço médico eletrônico da Clailt Health Service. O estudo ainda mostrou

    que os meninos apresentaram maior prevalência de obesidade do que as meninas

    (11,5% x 9,5% p

  • 18

    Nesse sentido, o IBGE (2010) ainda traz resultados mais detalhados, como o

    aumento da prevalência entre crianças de 5 a 9 anos de idade, onde o sobrepeso nos

    meninos em 1975 era de 10,9% e em 2009 passou para 34,8%, a obesidade no

    mesmo sexo era de 2,9% e subiu para 16,6%. Os dados para o sexo feminino também

    aumentaram durante esse período, de 8,6% para 32,0% de sobrepeso e de 1,8% para

    11,8% de obesidade.

    Outro dado apresentado é o acréscimo por regiões (Gráfico 2), no Norte houve

    um aumento em 17,2% para o sobrepeso e 8,7% na obesidade. O Nordeste teve um

    ganho em 19,7% e 10,6% de sobrepeso e obesidade respectivamente. O Sudeste

    apresentou o maior aumento na prevalência de 29,0% para sobrepeso e 17,3% de

    obesidade. A região Sul teve aumento em 24,1% de sobrepeso e 13,8% de obesidade.

    Por fim o Centro-Oeste também apresentou aumento nos últimos 34 anos, de 26,9%

    de sobrepeso e 14,6% de obesidade (IBGE, 2010).

    Gráfico 1. Prevalência do excesso de peso na população infantil (5 a 10 anos de idade) no mundo em percentual

    Fonte: IBEGE (2010); RIVERA et al., (2014); ALMAGOR et al., (2015); BAHAK & KANG (2015); ODGEN et al., (2014)

    34,20%

    47,60%

    36,90%

    18,90%

    37,70%

    34,50%

    40,90%

    EUA (2014)

    BRASIL (2009)

    MÉXICO (2012)

    COLÔMBIA (2010)

    CHILE (1997)

    ISRAEL (2015)

    COREIA (2016)

  • 19

    Gráfico 2. Excesso de peso no Brasil e por regiões nos últimos 34 anos, em crianças

    de 5 a 9 anos de ambos sexos.

    Fonte: IBGE (2010)

    3.1.3 Aspectos nutricionais relacionados à obesidade infantil

    A obesidade apresenta dentre as suas causas os maus hábitos alimentares

    adquiridos pelos indivíduos nas últimas décadas, sejam eles adultos ou crianças.

    Nesse sentido, os pesquisadores têm focado seus estudos no estilo de vida da criança

    e da sua família, em especial nos hábitos alimentares desses indivíduos (CIMINO et

    al., 2016; CHAO & CHANG, 2016; MAGAREY et al., 2016; STEINSBEKK, BELSKY &

    WICHSTROM, 2016). Dessa forma, Sabim et al., (2015) apresentam um ponto de

    vista sobre a obesidade infantil nos últimos 50 anos, e os mesmos vem abordando

    vários assuntos sobre a temática, tais como: causas, prevenção, consequências e a

    perspectiva de futuro para essas crianças obesas.

    Assim, esse mesmo estudo ao retratar a origem da obesidade infantil, os

    autores relatam sobre a multicausalidade da doença. Dentre os fatores abordados,

    destacam-se os hábitos alimentares como um forte determinante da obesidade. Em

    uma análise macroscópica, o excesso de peso é uma relação desajustada entre

    0,0% 10,0% 20,0% 30,0% 40,0% 50,0% 60,0% 70,0%

    Brasil

    Norte

    Nordeste

    Sul

    Sudeste

    Centro-Oeste

    12,10%

    11,40%

    10,80%

    13,30%

    12,85%

    11,25%

    47,60%

    36,05%

    39,20%

    52,35%

    55,90%

    49,05%

    1975 2009

  • 20

    calorias ingeridas e gastas. Nesse sentido, o desajuste dessa relação é resultado de

    outros aspectos, tais como: fácil acesso a alimentos altamente calóricos, aumento

    considerável das porções, nível de atividade física e comportamento sedentário.

    (SABIM et al., 2015).

    Nessa direção, faz-se cada vez mais necessário o entendimento sobre os

    hábitos alimentares das crianças, quais são os fatores influenciadores e

    determinantes nesses hábitos e o comportamento alimentar delas, para que a partir

    desse conhecimento possam surgir intervenções de sucesso no combate e prevenção

    à obesidade infantil. Em relação ao comportamento alimentar, Passos et al., (2015),

    realizou comparações entre crianças com percentil acima de 85th e crianças

    eutróficas. Os resultados mostraram que em todas as subescalas (resposta à comida;

    prazer de comer; sobreingestão emocional; desejo de beber; resposta à saciedade;

    ingestão lenta; seletividade; subingestão emocional) do interesse pela comida,

    crianças com sobrepeso e obesidade apresentaram maior pontuação, porém, crianças

    com eutrofia apresentaram maior pontuação para os dois itens de desinteresse pela

    comida, que são, resposta à saciedade e ingestão lenta.

    Todavia, não se pode negar a complexidade desse tema ou simplesmente

    mascarar os fatos que modulam tais comportamentos alimentares na criança. Dessa

    maneira, além dos distúrbios fisiológicos causados pela obesidade, aspectos sociais,

    financeiros, níveis de escolaridade dos pais e principalmente a interação entre pais e

    filhos e as estratégias adotadas pela família, são influenciadores do desenvolvimento

    dos hábitos e comportamentos alimentares adotados pelos filhos com ou sem

    obesidade (BLISSETT & BENNETT, 2013; TOVAR et al., 2013; TSCHANN et al.,

    2015).

    Nesse contexto, um levantamento de base nacional, a Pesquisa Nacional de

    Saúde do Escolar (PENSE) realizada no Brasil pelo IBGE em 2012, que avaliou o

    consumo alimentar de crianças matriculadas no 9º ano do ensino fundamental,

    apresentou dados preocupantes. Segundo os resultados, 41,3% das crianças

    consomem guloseimas diariamente, 33,2% bebem refrigerantes também todos os

    dias, 40% ingerem salgados de pacotes 2 ou mais dias por semana e 52,9%

    consomem salgados fritos 2 ou mais dias por semana. Em contra partida, a pesquisa

    também apresenta os resultados para o consumo de frutas e hortaliças. Das crianças

  • 21

    avaliadas, 21,3% não consomem frutas em nenhum dia da semana, bem como 19,7%

    também não consomem hortaliças em nenhum dia da semana.

    Além disso, a venda na escola desses alimentos não saudáveis, também

    contribui para os índices apresentados acima. Entre os itens mais disponíveis para

    consumo na cantina encontra-se o refrigerante com 52,7% para as escolas privadas

    e 20,3% para as escolas públicas, salgados de forno 89,8% e 28,9% para escolas

    particulares e públicas respectivamente (PENSE, 2012).

    Entretanto, a preferência alimentar das crianças além de ser determinada pelos

    alimentos que lhe são oferecidos, também é influenciada pela mídia e pela internet.

    Nesse sentido, uma revisão sistemática realizada por Sonntag et al., (2015), verificou,

    com base nos estudos analisados, que três (CICCHIRILLO & LIN, 2011; LASCU et al.,

    2013; PAEK et al., 2014) estudos relacionavam o consumo dietético infantil com as

    chamadas comerciais dos advergames. Relataram também que outros seis estudos

    (DIXON et al., 2007; BUIJZEN, SCHUURMAN & BONHOF, 2008; HARRIS, BARGH

    & BROWNELL, 2009; ANDREYEVA, KELLY & HARRIS, 2011; DOVEY et al., 2011;

    BEALES & KULICK, 2013) encontraram a influência da televisão relacionada com a

    preferência alimentar, o consumo e o IMC das crianças. Outra influência relatada em

    mais seis estudos (KOPELMAN, ROBERTS & ADAB, 2007; FORMAN et al., 2009;

    CARTER et al., 2011; JONES & KERVIN, 2011; KELLER et al., 2012; MCALISTER &

    CORNWELL, 2012) foram as campanhas promocionais realizadas pela indústria

    alimentícia. Além desses fatores, as pesquisas analisadas na referida revisão

    sistemática, ainda encontraram relação com a casa, a escola e o comércio varejista.

    Dessa forma, as preferências dietéticas das crianças têm sido por alimentos

    não saudáveis, o que tem dificultado a prevenção e diminuição da obesidade infantil.

    Assim, Hawkes et al., (2015) afirmam que a dieta é fator determinante na obesidade,

    por isso, os autores apontaram quatro mecanismos fundamentais para o

    desenvolvimento de preferências alimentares saudáveis entre as crianças: 1)

    proporcionar um ambiente propício para o aprendizado das preferências saudáveis;

    2) superar as barreiras de acesso à alimentos saudáveis; 3) incentivar as pessoas a

    avaliarem as preferências não-saudáveis expostas nos pontos de venda; 4) estimular

    uma resposta dos órgãos públicos para políticas que incentivem a escolha de

    alimentos saudáveis.

  • 22

    Nesse sentido, são necessárias políticas públicas eficazes de prevenção da

    obesidade, para isso elas precisam adaptar as preferências e comportamentos

    alimentares de acordo com os padrões sócio-econômicos e as características

    demográficas das pessoas. Devem ser projetadas para atuarem em mecanismos que

    apresentem maiores efeitos e serem implementadas como parte de uma combinação

    de ações que se reforçam mutuamente. É importante ressaltar que além da família,

    outras áreas são determinantes nesse processo: escolas, instrumentos econômicos e

    rotulação dos alimentos (HAWKES et al., 2015).

    Nessa direção, a WHO (2012) publicou um documento sobre a implementação

    de recomendações para o marketing de consumo alimentar e de bebidas não

    alcoólicas para crianças. Nessa publicação a WHO afirma que o marketing é um forte

    influenciador, pois detém exposição e poder. A exposição está relacionada à

    frequência e ao alcance que essas mensagens atingem. Por outro lado, o poder

    relaciona-se à parte criativa da propaganda, à forma como ela chega até a criança,

    seja através de desenhos, super-heróis ou brinquedos, por exemplo. Assim, o

    marketing trabalha em cima da exposição e do poder para obter sucesso. Dessa

    maneira, ele consegue causar impacto sobre as preferências alimentares, pedidos de

    compra e padrões de consumo da criança. Dessa maneira, as políticas públicas

    objetivam diminuir a exposição e o poder do marketing de alimentos ricos em gorduras

    saturadas, gorduras trans e com altos valores de açúcares e sal.

    Desse modo, como exemplo de políticas públicas para regulamentação do

    marketing, a WHO cita a resolução brasileira, nº 24 de 15 de junho de 2010 da Agência

    Nacional de Vigilância Sanitária, de critério de especificação de nutrientes por

    100g/100ml. De acordo com tal resolução, propagandas de alimentos, seja na

    televisão, rádio, jornais, revistas, outdoors e internet precisam ter um aviso escrito ou

    verbal sobre os riscos à saúde do consumo excessivo daquele produto. Embora ainda

    necessite ser melhorada, medidas como essa, bem como outras políticas de

    regulamentação do marketing ainda precisam ser criadas para a redução e prevenção

    da obesidade infantil (WHO, 2012).

    3.1.4 Aspectos psicológicos relacionados à obesidade infantil

    A obesidade infantil tem sua origem ligada a muitos fatores, de ordem genética,

    física, ambiental e emocional. Muito além da equação entre calorias ingeridas e

  • 23

    gastas, ela é influenciada por comportamentos impulsivos, deficiência no sistema

    inibitório e ainda por alterações biológicas, tais como diminuição de dopamina

    (CARNEL et al., 2012; SCHWARTZ et al., 2014).

    Dessa forma, a obesidade que pode ter sua causa nas questões emocionais,

    também é causa de distúrbios psicológicos entre crianças e adolescentes. Nessa

    direção, Lummeng et al., (2010) realizaram um estudo que objetivou avaliar a relação

    entre a obesidade infantil e o bullying na escola. Os mesmos encontraram que

    crianças obesas sofrem 63% mais bullying do que crianças com peso normal.

    Segundo Puhl (2011), entre crianças e adolescentes, o fator excesso de peso é motivo

    de mais discriminação do que a raça, religião ou falta de algumas habilidades, sendo

    equivalente à rejeição devido à orientação sexual. Assim, a obesidade causa entre

    crianças e adolescentes distúrbios psicológicos preocupantes, tais como, depressão,

    ideias suicidas, baixa autoestima, impactos negativos na socialização e no

    desempenho acadêmico e ainda aquisição de hábitos não saudáveis, relacionados à

    dieta e exercício físico (PUHL, PETERSON & LUEDICKE, 2013).

    Nesse sentido, Griffiths, Parsons & Hill (2010) realizaram uma revisão

    sistemática afim de avaliar a relação entre obesidade infantil, autoestima e qualidade

    de vida. Foram selecionados estudos que avaliaram a autoestima e qualidade de vida

    nas suas várias dimensões e que investigaram algum possível efeito, da idade, grupo

    étnico, gênero ou pela presença de alguma condição médica. Assim, foi observado

    que crianças e adolescentes obesos tem risco aumentado para baixa autoestima,

    particularmente no que diz respeito à sua aparência e competência física, bem como,

    dificuldade nas relações sociais. Para os autores uma auto avaliação negativa

    aumenta o risco para o desenvolvimento de diversas morbidades físicas. Porém,

    melhora de auto avaliação, autoestima e/ou qualidade de vida dessas crianças, não

    significa somente perda de peso, sugerindo assim, que os programas de intervenções

    necessitam atingir aspectos pessoais mais profundos, como por exemplo relações

    sociais entre os pares, relacionamento com os pais, percepção de competência, para

    assim melhorar a qualidade de vida dessas crianças.

    Entretanto, a relação obesidade infantil e aspectos psicológicos, apresenta-se

    bidirecional, sendo assim, como anteriormente demonstrado, a obesidade causa

    diversos distúrbios psicológicos, porém, alguns problemas psicológicos, sobretudo a

  • 24

    depressão, podem ser fator causador da obesidade na infância (MERIKANGAS et al.,

    2012; ROBERTS & DUONG, 2013).

    Assim, com o intuito de se verificar essa relação bidirecional entre obesidade

    infantil e fatores psicológicos, Korzag et al., (2013), realizaram uma revisão

    sistemática com estudos longitudinais que analisaram depressão e obesidade, onde

    qualquer um dos transtornos tenha sido detectado pela primeira vez na infância. Os

    autores concluíram que adolescentes obesos do sexo feminino estão mais propensos

    a desenvolverem depressão quando adultas do que seus pares não obesos. Por outro

    lado, adolescentes com depressão do sexo feminino e possivelmente também os do

    sexo masculino são mais propensos a desenvolverem obesidade quando adultos. Tais

    resultados evidenciam a obesidade como causa e efeito da depressão.

    Nesse contexto, Chung, Chiou & Chen (2015) analisaram as diferenças

    psicológicas e fisiológicas entre crianças obesas e não obesas. Para as análises

    psicológicas se verificou: autoconceito, ansiedade, depressão, raiva e comportamento

    destrutivo. Os resultados demonstraram que crianças obesas apresentaram menor

    autoconceito e menos comportamento destrutivo, fato que os autores justificam por

    possivelmente ser uma questão cultural dos ocidentais, uma vez que esse estudo foi

    realizado no Taiwan, porém, ressalta a importância de se investigar a fundo as

    crianças desse continente, uma vez que esses resultados parecem ser únicos na

    literatura. Os autores ressaltam a necessidade de se conhecer melhor as

    características fisiológicas e psicológicas das crianças obesas, com o intuito não

    apenas de reverter o processo de obesidade, mas também de promover um bem-estar

    físico e emocional às crianças mesmo durante o processo obesogênico.

    Ademais, outro ponto bastante discutido entre os profissionais da saúde,

    especialmente por psicólogos e psiquiatras, são os estilos parentais como

    influenciadores da obesidade infantil. Essa associação foi relatada nos resultados de

    um estudo longitudinal realizado no México com follow-up de três anos. Os autores

    encontraram que filhos de pais com estilo permissivo, apresentam maiores

    possibilidades de se tornarem obesos do que crianças cujos os pais tem uma relação

    mais autoritária (OLVERA & POWER, 2010).

    Dessa maneira, outros estudos que objetivaram analisar essa relação entre os

    estilos parentais e o peso das crianças, têm apresentado os mesmos resultados, onde

    filhos com pais de estilo autoritário têm adquirido hábitos mais saudáveis, como

  • 25

    melhor alimentação, estilo de vida fisicamente ativo e menores valores de IMC quando

    comparados aos filhos cujos pais apresentam estilo permissivo ou sem envolvimento,

    sendo assim, o estilo autoritário foi considerado como um protetor contra a obesidade

    infantil (SLEDDENS et al., 2011; VOLLMER & MOBLEY, 2013).

    Nessa direção, outra questão de pesquisa tem sido a relação entre os estilos

    alimentares dos pais e o peso dos seus filhos. Um estudo realizado por Frankel et al.,

    (2014) demonstrou que a capacidade de saciedade e o prazer pelos alimentos são

    mediados pela relação entre o estilo alimentar do pai e o IMC do filho, de tal modo

    que, crianças cujos pais tem estilo alimentar permissivo, tem capacidade de resposta

    à saciedade diminuída e maior prazer em comer, do que crianças cujos pais

    apresentam outro estilo alimentar, normalmente autoritário. Assim, os filhos dos pais

    com estilo alimentar mais permissivo também apresentaram maior peso.

    Dessa forma, outros estudos estão analisando a relação entre a prática

    regulatória dos pais sobre os hábitos alimentares dos filhos. Assim, um estudo

    realizado por Rollins et al., (2014), analisou as diferentes práticas restritivas utilizadas

    pelas mães para controle alimentar de meninas com idades de 5 a 7 anos e a relação

    das mesmas com o IMC das garotas. Os autores observaram os seguintes hábitos de

    restrição: 1) acesso ilimitado à lanches saborosos; 2) estabelece limites mas não

    restringe o acesso à esses lanches; 3) estabelece limites e restringe o consumo à

    lanches ricos em gorduras e açúcares; 4) restringe todos esses lanches.

    Os resultados da pesquisa demonstraram a relação entre as diferentes formas

    de restrição e o IMC da criança. Restringir os lanches foi associado com EAH (eating

    in the absence of hunger), ou seja, comer na ausência de fome, comportamento esse

    que aumenta o risco de obesidade futuramente. Por outro lado, os extremos, tais

    como, restringir total ou liberar total o acesso aos lanches, não produziu o efeito

    moderador desejado sobre o IMC de meninas que tem baixo poder inibitório. Com

    isso, os autores ressaltam que a utilização de limites pode ser a melhor abordagem

    para ajudar crianças com baixo controle inibitório, uma vez que ensinam as crianças

    a gerirem o próprio consumo de lanches (ROLLINS et al., 2014).

    Assim, segundo Gubbels et al., (2011) o estímulo por parte dos pais, com

    orientações e principalmente com a aquisição de um estilo de vida mais saudável,

    podem ajudar aos filhos por escolhas mais saudáveis, tanto no âmbito nutricional,

    quanto na prática regular de atividades físicas. Entretanto, uma grande barreira

  • 26

    quando se remete aos pais orientarem seus filhos para um melhor estilo de vida, está

    na percepção do pais sobre os pesos dos filhos. Estudos tem demonstrado que os

    pais não conseguem perceber seus filhos com sobrepeso ou obesidade, mesmo

    quando as crianças se apresentam no estado avançado dessa patologia (CZAJKA &

    KOLODZIEJ, 2015; CARAZZA et al., 2016).

    Nesse sentido, um estudo realizado por Almoosawi et al., (2016) que analisou

    a percepção dos pais sobre o peso dos filhos e a dieta alimentar das crianças, verificou

    que os pais subestimavam o peso dos filhos, assim, os pais percebiam seus filhos

    com peso normal quando na verdade as crianças estavam com sobrepeso ou

    obesidade e que quando os pais conseguiam perceber que os filhos estavam com

    sobrepeso as crianças já tinham atingido a obesidade. Dessa maneira, verificou-se

    que quanto mais incorreta era a percepção dos pais sobre o estado nutricional do filho

    mais inadequada era a dieta alimentar da criança.

    Dessa forma, programas de intervenção que objetivem modificar o estado

    nutricional das crianças e todos os agravantes advindos com a obesidade, precisam

    ajudar os pais a desconstruir essa imagem distorcida que os mesmos apresentam

    sobre seus filhos, afim de conseguirem o apoio da família na diminuição de peso das

    crianças.

    3.2 Fatores de risco cardiovasculares em crianças obesas

    As doenças cardiovasculares representam a maior causa de morbidades e

    mortalidade no mundo. Com 17,3 milhões de mortes em 2008, e uma tendência para

    2030 de 23.3 milhões de mortes (WOH, 2011). Dessa maneira, os riscos

    cardiovasculares em adultos têm dados bastante documentados na literatura, porém,

    em crianças a primeira vez que pesquisadores alertaram para o desenvolvimento

    desses agravos foi em 1980 (KHOURY et al., 1980). E em 1987 Smoak e

    colaboradores chamaram a atenção para os riscos cardiovasculares em crianças

    obesas (SMOAK et al., 1987).

    Nesse sentido, a obesidade é a entrada para o desenvolvimento de vários

    fatores de risco cardiovascular, na criança ela é uma mediadora para o

    desenvolvimento dessas comorbidades ainda na infância, na adolescência e mais

    fortemente na idade adulta, momento em que ocorre a maioria dos eventos

    cardiovasculares com registros de mortes (WHO, 2011). Assim, em um estudo

  • 27

    realizado na Alemanha, diagnosticou-se que 50% dos adolescentes obesos

    apresentavam pelo menos um fator de risco cardiovascular (BOODAI et al., 2014).

    Dessa maneira, para análise dos fatores de riscos cardiovasculares, Raghuveer

    (2010) considerou resistência à insulina, dislipidemias onde se apresentam altos

    níveis de triglicerídeos (TG), VLDL (Very Low Density Lipoprotein), LDL (Low Density

    Lipoprotein) e baixas taxas no HDL (High Density Lipoprotein), aterosclerose,

    hipertensão arterial e altos percentuais de gordura. Quando em um indivíduo

    apresentam-se três ou mais desses fatores, tem-se a Síndrome Metabólica (SM),

    entretanto, a International Diabetes Federation (IDF) em seu consenso apresenta que

    essa síndrome só pode ser diagnosticada em crianças com idade superior à 10 anos.

    Assim, em crianças deve-se considerar ainda o histórico familiar, IMC com percentil

    acima de 90th e a circunferência de cintura (CC) como possíveis preditores de SM no

    futuro (IDF, 2007).

    Nessa direção, muitos estudos têm sido realizados utilizando-se diversos

    fatores para predição de risco cardiovascular em crianças. Além do perfil lipídico,

    pressão arterial, diabetes e obesidade, estudiosos dessa área também têm

    investigado espessura íntimo-média da carótida, massa ventricular esquerda, aptidão

    cardiorrespiratória, comportamento sedentário e tempo de tela, duração e qualidade

    do sono, e ainda muitas outras questões tem apresentado relações com os fatores de

    risco cardiovascular (GUALTEROS et al., 2015; RUMINSKA et al., 2015; VALLE-LEAL

    et al., 2015; MAHGEREFTEH et al., 2016; ROBINSON et al., 2016; SLUGGETT et al.,

    2016). A seguir serão apresentados alguns fatores de risco cardiovascular que atuam

    diretamente em crianças com excesso de peso.

    3.2.1 Perfil antropométrico como preditor de riscos cardiovasculares em

    crianças

    Análises do perfil antropométrico como preditor de risco cardiovascular em

    crianças tem apresentado cada vez mais aceitação, tanto pela facilidade de aplicação,

    como também por apresentar boas relações com outros fatores de risco mais

    complexos, tais como, perfil lipídico, pressão arterial e glicose sanguínea. Nessa

    direção, um estudo realizado por Ferreira et al., (2011) com 958 crianças brasileiras,

    compreendidas entre 7 e 11 anos de idade, analisou as medidas antropométricas

    como preditoras de SM, os autores apontaram o percentual de gordura, IMC e CC

    como sendo bons indicadores de SM para a população infantil.

  • 28

    Nesse sentido, medidas simples como peso, estatura e CC, apresentam-se

    como aliados no diagnóstico precoce de possíveis anormalidade metabólicas. Dessa

    maneira, Valle-Leal et al., (2015) observaram que crianças mexicanas com idade entre

    6 e 12 anos, com valores de relação cintura-estatura (RCE) maiores do que o

    considerado saudável (

  • 29

    estão fortemente associados com doenças cardiovasculares e todas as causas de

    mortalidade, e isso independente de ser fumante, do peso, ter histórico familiar de

    doenças coronarianas, do estado de saúde, dos níveis de colesterol e de ser

    hipertenso ou não. Nesse sentido, um estudo que avaliou a aptidão cardiorrespiratória

    de 1976 crianças com média etária de 11,2±2,5 e 10,9±2,6 anos, meninos e meninas

    respectivamente, e os reavaliou vinte anos depois, apontou que os índices de aptidão

    cardiorrespiratória verificados na infância se apresentaram inversamente associados

    com os valores de marcadores inflamatórios e com a presença de fibrogênio

    plasmático na idade adulta, ambos são fortes indicadores de doenças e eventos

    coronarianos (SUN et al., 2014).

    Contudo, em crianças, a aptidão cardiorrespiratória apresenta associação com

    altos valores de IMC e com altos valores de percentual de gordura. Um estudo

    realizado por Fairchild et al., (2016) demonstrou que crianças com peso normal, mas

    que continham altos valores de percentual de gordura demonstravam baixos valores

    de aptidão cardiorrespiratória, tanto quanto crianças que apresentavam obesidade,

    desse modo, o percentual de gordura parece ser um forte preditor da aptidão

    cardiorrespiratória.

    Nessa direção, tem-se que a obesidade se apresenta como um fator de risco

    para uma baixa aptidão cardiorrespiratória, que por sua vez se apresenta como fator

    de risco cardiovascular (BAILEY et al., 2015). Entretanto, um estudo realizado no

    nordeste brasileiro, verificou que baixos níveis de aptidão cardiorrespiratória também

    foram associados com baixo desempenho acadêmico em meninas entre 10 e 13 anos

    de idade. Tais associações demonstram que além de melhorar a saúde física, bons

    níveis de aptidão cardiorrespiratória também melhoram o desempenho cognitivo

    (SANTANA et al., 2016).

    Contudo, ganhos na aptidão cardiorrespiratória de crianças não requerem

    exercícios de grande complexidade, pois segundo Andersen et al., (2011) programas

    de atividade física de intensidade vigorosa 3 vezes por semana, com duração maior

    que 30 minutos, aumentam em até 10% da aptidão cardiorrespiratória em crianças, e

    ainda, ir de bicicleta para a escola por pelo menos duas vezes por semana aumenta

    aptidão cardiorrespiratória em até 9%. Dessa maneira, a prática de atividade física na

    infância tem se apresentado como um bom aliado para manutenção e aquisição de

    uma melhor aptidão física.

  • 30

    3.2.3 Pressão arterial em crianças com excesso de peso

    A pressão arterial refere-se a resistência que a artéria exerce sobre o fluxo

    sanguíneo, nesse sentido quanto maior a resistência arterial maior também deverá

    ser a força realizada para que o sangue possa percorrer pelas artérias e vasos, porém,

    essa resistência promovida pelas artéria aumentando assim a pressão arterial

    associa-se com o comprometimento de órgãos vitais, tais como coração, encéfalo e

    rins, consequentemente aumentando o risco de eventos cardiovasculares

    (SOCIEDADE BRASILEIRA DE HIPERTENSÃO, 2010).

    A classificação da pressão arterial sistólica e diastólica em crianças é feita de

    acordo com a idade, o sexo e a estatura. Dessa maneira tem-se que crianças com o

    percentil maior que 90th e menor que 95th ou com valores de pressão arterial

    superiores a 120/80 mmHg são consideradas pré hipertensas e maior que 95th são

    consideradas com hipertensas. Nessa direção, altos valores pressóricos observados

    ainda na infância se apresentam como um fator determinante para a hipertensão

    arterial na vida adulta e está relacionado com o risco de morte prematura (LOWES, et

    al., 2008). Contudo, para Falkner (2010) a hipertensão em crianças não é o suficiente

    para promover morte ou algum evento cardiovascular ainda na infância, porém, a

    longo prazo ela pode se tornar um sério problema de saúde. O autor ainda relata que

    crianças com pressão arterial alta apresentam concomitantemente outros marcadores

    intermediários de danos à órgãos alvos, tais como hipertrofia ventricular esquerda,

    espessamento da carótida, alterações vasculares na retina e até mesmo leves

    alterações cognitivas.

    Um estudo realizado no interior da Bahia, com escolares de seis a 18 anos

    verificou alguns fatores de risco cardiovascular nessa população, dentre eles a

    pressão arterial, os resultados demonstraram que 9,4% da população com idade entre

    6 e 9 anos apresentaram pressão arterial elevada. O mesmo estudo também

    constatou que dentre os escolares com sobrepeso e obesidade 41,4% exibiram altos

    valores pressóricos (QUADROS et al., 2016). Segundo Pinto et al., (2011) crianças

    com sobrepeso/obesidade apresentam três vezes mais chances de serem pré

    hipertensas (OR: 3,13; IC95%: 1,759-5,579) e três vezes mais chances de serem

    hipertensas (OR: 3,02; IC95%: 1,455-6,284). Essa relação entre a prevalência de

    hipertensão arterial e obesidade também tem sido relatada por outros autores (RAJ,

    2010; MOYER, 2013).

  • 31

    Nessa direção, os programas de intervenção que aumentem o nível de

    atividade física de crianças em especial as obesas, apresentam-se como essenciais

    para tentar manter a pressão arterial dessas crianças em equilíbrio. Em uma revisão

    sistemática com meta análise realizada por García-Hermoso, Saavedra & Escalante

    (2013), os autores concluíram que programas de atividade física que apresentem

    duração maior que 60 minutos por sessão apresentam efeitos moderados na pressão

    arterial sistólica e diastólica, e que melhores resultados podem ser atingidos em

    programas que tenham duração maior do que doze semanas e que aconteçam três

    vezes por semana ou mais. Ressalta-se que modificações pequenas na pressão

    arterial, sobretudo em crianças que já apresentam hipertensão, são consideradas

    como grandes ganhos clínicos.

    3.2.4 Os riscos cardiometabólicos e dislipidemias em crianças

    As dislipidemias são caracterizadas por altos valores de TG e baixos valores

    de HDL, essas alterações podem apresentar várias causas e sua principal

    consequência é o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (figura 1).

    Especialmente em crianças, essas causas necessitam ser investigadas para que um

    tratamento mais eficaz seja elaborado (BLACKET, WILSON & MCNEAL, 2015).

    Nesse sentido, as dislipidemias estão cada vez mais frequentes em crianças,

    principalmente naquelas que são sobrepesadas e obesas. Dessa forma, um estudo

    realizado na Alemanha por Dathan-Stumpf et al., (2016), verificou a prevalência de

    dislipidemia entre crianças de 0 a 16 anos. Os autores encontraram uma prevalência

    de 8% para o HDL baixo, e 22,1% de altos valores de TG, especificamente entre as

    crianças de 0 a 9 anos de idade. Nessa direção, Parray, Parry & Latief (2016) também

    analisaram a prevalência de dislipidemia entre crianças do vale da Caxemira, Índia.

    Observou-se que 82,6% e 47,6% dos meninos e meninas, respectivamente, com

    idade de 5 a 9 anos apresentaram altas taxas de TG, e que 34,7% dos meninos e 19%

    das meninas exibiram baixos valores para o HDL.

    Dessa forma, essas alterações do perfil lipídico são fatores determinantes de

    SM e doenças cardiovasculares. Assim, para D’adamo et al., (2015) as dislipidemias

    principalmente se associadas à obesidade estão fortemente relacionadas ao

    desenvolvimento de aterosclerose e outros fatores de risco cardiovascular em

    crianças. Nessa direção, aterosclerose é uma doença das artérias de tamanho médio

  • 32

    e grande, onde placas ateromatosas se desenvolvem dentro das paredes arteriais.

    Toda via, hiperlidemia quando unida à hipertensão e diabetes aumentam em mais de

    vinte vezes o risco para o surgimento de doença coronariana aterosclerótica. É

    comum em indivíduos obesos esses três fatores ocorrem juntos, aumentando

    drasticamente o risco, podendo levar a um ataque cardíaco, derrame ou doença renal

    (GUYTON & HALL, 2011).

    Nesse sentido, a V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da

    Aterosclerose (2013), recomenda a análise do perfil lipídico de crianças quando há

    algumas situações especiais, tais como: histórico familiar, caso clínico confirmado de

    dislipidemia, quando há algum fator de risco já diagnosticado, o acometimento de

    alguma doença como hipotireoidismo, imunodeficiência, ou quando há a utilização de

    algum medicamento que possa alterar o colesterol. Assim, a diretriz orienta quanto

    aos valores de referência para crianças e adolescentes de 2 a 19 anos (tabela 1).

    Tabela 1. Valores de referência do perfil lipídico para crianças e adolescentes.

    Variáveis

    Lipídicas

    Valores (mg/dl)

    Desejáveis Limítrofes Elevados

    CT

  • 33

    Figura 1. Influências no desenvolvimento da dislipidemia. Uma sequência de fatores exógenos e endógenos, incluindo antecedentes

    genéticos, influenciam o desenvolvimento da dislipidemia aterogênica. O processo metabólico envolvido na formação de

    lipoproteínas ricas de triglicerídeos, quilomícrons, e muitas lipoproteínas de baixa densidade (VLDL) são programadas durante a

    gestação e bem cedo na infância e são influenciadas por doenças e fatores ambientais, tais como dieta e inatividade física. Os

    resultados da dislipidemia aterogênica consistem em aumento do não-colesterol de lipoproteína de alta densidade (não-HDL-C),

    aumento do número de partículas do colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-P) apolipoproteína B (apo B), diminuição

    do colesterol de lipoproteína de alta densidade (HDL-C), e diminuição da apolipoproteína A-1 (apo A1) conduzindo a doença

    cardiovascular (DCV).

    Nota: Figura traduzida e adaptada de Blacket, Wilson & McNeal (2015). Os quadros em vermelho significam as causas e os azuis as consequências.

    Mobilização dos ácidos graxos nos adipócitos; Síntese dos triglicerídeos no fígado;

    Produção de VLDL no fígado; Diminuição da absorção de receptores;

    Diminuição da lipoproteína lipase; Formação de quilomícrons intestinal;

    Inatividade Dieta Gestação

    Endócrina Obesidade

    Lipodistrofia Renal

    Hepática Infecção

    Mutações ou variações genética

    Pancreatite Quilomícron VLDL e restos ricos em triglicerídeos

    Não-HDL-C; LDL-P; APO B

    DCV HDL

    APO A-1

  • 34

    3.2.5 Diabetes tipo II: o mais importante distúrbio cardiovascular em crianças

    obesas

    A prevalência de diabetes no mundo tem aumentado de maneira assustadora.

    Segundo a International Diabetes Federation (IDF) uma em cada 11 pessoas tem

    diabetes, o equivalente à 415 milhões de pessoas. Dados da própria IDF apontam que

    a cada 6 segundos, uma pessoa morre decorrente da diabetes, no Brasil no ano de

    2015 foram 130.700 (cento e trinta mil e setecentos) mortes por diabetes. Esses dados

    reportam os valores somados dos três tipos de diabetes (tipo 1 e 2 e diabetes

    gestacional), entretanto, dos casos de diabetes, 87% a 95% são diabetes melito tipo

    2 (DM2), adquirida especialmente pelo sobrepeso/obesidade, inatividade física,

    sedentarismo e hábitos alimentares inadequados (IDF, 2015).

    Nessa direção, os valores acima mencionados se referem a população adulta,

    porém, a frequência de diabetes entre crianças também tem alcançado grandes

    proporções. No ranking mundial de crianças com diabetes tipo I, o Brasil ocupa a 3ª

    colocação, com 30.900 (trinta mil e novecentos) casos entre crianças de 0 a 14 anos

    (IDF, 2015). O atlas de diabetes do IDF em sua sétima edição não relata a prevalência

    de DM2 em crianças, contudo, várias pesquisas têm sido realizadas mostrando que

    com o advindo da epidemia mundial de obesidade infantil, a DM2 também se tornou

    um preocupante assunto de saúde pública nessa população (DEAN & SELLERS,

    2015; AMUTHA & MOHAN, 2016; SMITH, MILLS & CARLISLE, 2016;).

    Dessa forma, faz-se importante o entendimento sobre o que é a diabetes melito

    e a diferença entre o tipo 1 e tipo 2. Segundo Guyton e Hall (2011), a diabetes é uma

    alteração defeituosa no metabolismo dos carboidratos, lipídios e proteínas, a causa

    dessa alteração é quem faz a diferenciação entre os tipos de diabetes. A tipo 1,

    comumente chamada de insulino-dependente é causada pela ausência de secreção

    da insulina, assim, lesões nas células β pancreáticas ou doenças que danifiquem a

    produção de insulina podem levar a esse tipo de diabetes. Em contrapartida, o DM2

    ou insulino-não dependente é causado pela diminuição da sensibilidade dos tecidos

    alvos, nesse tipo de diabetes ocorre uma resistência à insulina. O fator causador mais

    importante da DM2 é a obesidade.

    Nesse sentido, a DM2 em crianças, assim como em adultos, pode causar sérios

    problemas de saúde. Desse modo, retinopatia, nefropatia e neuropatias estão entre

  • 35

    as complicações microvasculares. Segundo Amutha e Mohan (2016), a retinopatia

    ocorre devido a um prolongado descontrole da hiperglicemia que afeta pequenos

    vasos da retina, podendo causar desde pequenas hemorragias até a cegueira. Da

    mesma forma, os rins também são órgãos afetados, inicialmente com a excreção de

    albumina na urina até alcançar o estágio final da doença renal. Outra complicação da

    DM2, a neuropatia diabética é uma disfunção do nervo periférico.

    Entretanto, além das complicações a nível microvascular, existem as de nível

    macrovascular, as mesmas são consideradas as maiores causas de morte entre

    diabéticos tipo 2 (IDF, 2015). Dentre as complicações macrovasculares, encontram-

    se os fatores de risco para o desenvolvimento de doenças coronarianas e eventos

    cardíacos. Nesse contexto, um estudo realizado pelo grupo TODAY com

    adolescentes, verificou que 14% dos adolescentes com DM2 apresentavam também

    hipertensão, 80% baixos níveis de HDL e 10% hipertrigliceridemia (COPELANDO et

    al., 2011). Corroborando, Mandy, Garnett & Baur (2014), afirmam que não somente

    em adolescentes, mas também em crianças com DM2, ocorrem as complicações

    microvasculares e macrovasculares.

    Dessa maneira, os pesquisadores enfatizam a necessidade de se explorar mais

    sobre a DM2, afim de se entender melhor sobre a patologia para que medidas de

    prevenção e também para remediar sejam elaboradas, uma vez que, quanto mais

    jovem o indivíduo adquirir tal doença, mais tempo seu corpo passará exposto aos

    efeitos deletérios dela (DEAN & SELLERS, 2015; MONTGOMERY, JOHNSON &

    EWELL, 2015).

    Nessa direção, ao se tratar de medidas para prevenir e tratar a diabetes tipo 2

    em crianças obesas, Tompkins et al.,(2011) afirmam categoricamente que

    intervenções com atividades físicas, mesmo aquelas em que não há intervenções

    nutricionais, são efetivas na diminuição do risco de resistência à insulina e

    consequentemente na prevenção da doença. Dessa forma, os autores relatam sobre

    a necessidade de mais programas de intervenção de atividades físicas.

  • 36

    3.2.6 Massa ventricular esquerda um importante marcador da saúde

    cardiovascular

    Com a epidemia da obesidade infantil, uma questão que tem despertado

    interesse nos pesquisadores e profissionais da área da saúde, é sobre a estrutura

    cardíaca da criança obesa, conhecer até que ponto a obesidade na infância, assim

    como em adultos, tem alterado a estrutura física e funcional do coração e

    consequentemente de todo o sistema cardiovascular. É nessa perspectiva que uma

    revisão sistemática realizada por Cote et al., (2013) tenta explanar as diferenças

    cardíacas entre crianças obesas e não obesas, dentre as estruturas analisadas

    encontra-se a massa ventricular esquerda (MVE).

    Nesse sentido, os autores encontraram que dos vintes estudos analisados,

    quinze demonstraram que crianças obesas apresentavam a massa ventricular

    esquerda maior do que as crianças com IMC saudável (COTE et al., 2013). Dentre

    esses estudos, apresenta-se o de Atabek et al., (2011) que objetivou verificar a relação

    entre o índice de massa ventricular esquerda e a síndrome metabólica em crianças e

    adolescentes obesos com a SM. Para tanto, eles analisaram 208 crianças com

    obesidade e SM e cinquenta saudáveis para grupo controle. Os resultados

    demonstraram relação significativa para todos os parâmetros analisados relacionados

    à SM no grupo de crianças obesas, tanto para o perfil antropométrico como para o

    lipídico e ainda pressão arterial sistólica e diastólica.

    Nessa direção, o aumento da massa ventricular esquerda, chamada de

    hipertrofia ventricular esquerda (HVE) apresenta associações com eventos

    cardiovasculares em adultos, e embora esses eventos não são sejam comuns na

    infância, acredita-se que a HVE, bem como os primeiros sinais de arteriosclerose

    acontecem nessa faixa etária. Por essas razões, sugere-se que em crianças obesas,

    tais investigações ocorram o mais precocemente, para assim se propor intervenções

    que possam atenuar os efeitos deletérios dessas alterações (LEVY et al., 1990; COTE

    et al., 2013).

    Dessa maneira, estudos de intervenção que visem os efeitos na massa

    ventricular esquerda de crianças obesas ainda parecem escassos na literatura,

    contudo, um estudo realizado por Horner et al., (2015) apresentou como um de seus

    objetivos analisar os efeitos do exercício aeróbio versus o exercício resistido na massa

  • 37

    ventricular esquerda de adolescentes obesos. Participaram do estudo 81

    adolescentes entre 12 e 18 anos de idade, com IMC percentil ≥ 85th. Os jovens foram

    distribuídos aleatoriamente em grupo exercício aeróbio (n=30), grupo exercício

    resistido (n=27) e grupo controle (n=24). A intervenção teve duração de 3 meses, nos

    quais para os grupos experimentais eram realizadas 3 sessões de exercícios por

    semana, cada grupo na sua categoria de exercício. Para a MVE não foi possível

    verificar alterações significativas entre os grupos. Os autores enfatizam a necessidade

    de outros estudos afim de se ter uma prescrição mais eficaz de exercícios.

    Nessa direção, fica evidente a necessidade de estudos de intervenção que

    investiguem a MVE em crianças obesas, afim de se estabelecer evidencias sobre a

    possibilidade de modificação dessa estrutura cardíaca, bem como de outras que se

    apresentem como fatores de risco para eventos cardiovasculares futuros.

    3.3 Intervenções de base escolar em crianças com excesso de peso como

    forma de prevenção e diminuição dos fatores de risco cardiovascular

    A obesidade infantil apresenta como principal consequência o desenvolvimento

    de anormalidades metabólicas, aumentando substancialmente os riscos para o

    surgimento de patologias cardiovasculares. Dessa maneira, a OMS publicou em 2016

    um documento de recomendações para acabar com a obesidade infantil. Essas

    indicações são: a) promover a ingestão de alimentos saudáveis; b) promover atividade

    física; c) cuidados na preconcepção e gestação; d) inserir em idade precoce atividade

    física e dieta; e) saúde, nutrição e atividade física para crianças com idade escolar; f)

    manutenção do peso (WHO, 2016).

    Nessa direção, muitos programas de intervenção têm sido realizados com o

    objetivo de diminuir o peso e os fatores de risco cardiovascular já estabelecidos na

    infância (KHAN et al., 2014; LEE et al., 2014). Entretanto, de acordo com a abordagem

    ecológica e confirmando as orientações da WHO (2016) essa intervenção deve

    abranger ao máximo as dimensões do universo da criança. Assim, se faz necessário

    atingir a família, a escola e a vizinhança, em diversos aspectos físicos e emocionais,

    com intervenções multidisciplinares e interdisciplinares que possam promover

    atividade física e alimentação saudável e que sejam capazes de interagir com o meio

    em que a criança convive (HARRISON et al., 2011).

  • 38

    No entanto, ao se avaliar os programas de intervenção atuais na perspectiva

    de Harrison et al., (2011), o que se apresenta é ainda uma limitação dos estudos, uma

    vez que na literatura, embora poucos, é possível encontrar programas

    multidisciplinares, entretanto, o que Harrison et al., (2011) propõem é uma evolução

    nos programas de intervenção de multidisciplinar para transdisciplinar.

    Nesse contexto, alguns estudos têm utilizado essa metodologia multidisciplinar

    para avaliar os possíveis benefícios nos fatores de risco cardiovascular em crianças

    sobrepesadas ou obesas. Dessa maneira, Harder-Lauridsen et al., (2014), realizaram

    um estudo que objetivou analisar os efeitos de uma intervenção multidisciplinar em

    crianças sobrepesadas ou obesas com foco na atividade física e alimentação. A

    proposta dos autores foi um programa que aumentou a atividade física das crianças

    em mais sessenta minutos semanais, atividades essas com características

    recreacionais. Entretanto, além da atividade física para as crianças, os autores

    promoveram sessões de atividade física entre a criança, seus pais e seus irmãos,

    assim enfatizando a necessidade das atividades em família. Outro aspecto

    desenvolvido no programa, foram orientações sobre alimentação saudável e a

    preparação de um jantar com os pais e as crianças participantes.

    Nessa direção, o programa teve duração de 20 semanas, e dentre as variáveis

    analisadas encontram-se as que apresentam desfecho cardiovascular, que foram,

    IMC, CC, RCE, percentual de gordura, pressão arterial, aptidão cardiorrespiratória,

    tolerância à glicose e perfil lipídico. Nos resultados, foram observados mudanças

    significativas na medidas antropométricas e percentual de gordura, com p

  • 39

    Entretanto, segundo Vizcaíno et al.,(2014), a generalização dos resultados de

    tais programas ainda se apresenta como um mistério a ser revelado, pois, embora

    com características metodológicas semelhantes, os estudos tem apresentado

    resultados muito divergentes entre si.

    Assim, uma pesquisa realizada por Hrafnkelsson et al.,(2014) que expôs como

    objetivo reportar os efeitos de dois anos de um programa de intervenção de base

    escolar sobre os fatores de risco cardiovascular. O programa trabalhou com atividade

    física e nutrição, sendo o mesmo introduzido na rotina da escola, com 30 minutos de

    atividades físicas diárias e orientações nutricionais sendo conduzidas pelas

    professoras no decorrer das aulas. Os autores analisaram como variáveis de desfecho

    cardiovascular, IMC, percentual de gordura, colesterol total, LDL, HDL, triglicerídeos,

    hemoglobina glicada, pressão arterial e aptidão cardiorrespiratória. Entretanto,

    nenhuma modificação significativa foi observada para essas variáveis ao término do

    programa. Para os autores dois anos foi um curto período para promover mudanças

    no estilo de vida.

    Nessa direção, porém sem ser de base escolar, Bianchini et al., (2013)

    realizaram um estudo no Brasil que visava observar o efeito de 16 semanas de

    intervenção multidisciplinar para o tratamento da obesidade, controle e manutenção

    dos elementos da SM. Dessa maneira, os pesquisadores propuseram um programa

    que envolvia atividade física, nutrição e psicologia, para promover mudança de

    comportamento e como consequência redução nas anormalidades metabólicas em

    indivíduos de 10 a 18 anos de idade.

    Nesse sentido, as intervenções ocorriam três vezes por semana, com duração

    de duas horas por sessão. Cada sessão era dividida em dois momentos, na primeira

    hora ocorriam orientações, às segundas-feiras as orientações eram sobre atividade

    física, às quartas-feiras sobre nutrição e às sextas-feiras sobre mudanças

    comportamentais com profissionais da psicologia. Após as orientações, ocorria o

    segundo momento das sessões que eram práticas de atividades físicas, com foco nos

    esportes. Os resultados do estudo apresentaram que houveram diminuição no número

    de participantes obesos no grupo experimental, o inverso foi observado no grupo

    controle. Outras modificações foram observadas para CC, CT, PAD e PAS que

    diminuíram significativamente no grupo experimental (BIANCHINI et al., 2013).

  • 40

    A seguir um quadro com o resumo dos estudos publicados nos últimos cinco

    anos, com crianças com excesso de peso, faixa etária de 5 a 10 anos de idade com

    foco nos desfechos cardiovasculares.

  • 41

    Autor, ano

    Objetivo N, grupos, idade

    Tipo de intervenção Duração

    Desfecho cardiovascular

    Principais achados

    Almas et al., 2015

    - Analisar a possibilidade e eficácia de recrutamento e retenção de pré-adolescentes femininas em um programa de intervenção de atividade física, em ambos os grupos, experimental e controle;

    - Implementar um programa de atividades físicas no ambiente escolar durante 20 semanas.

    - Ensaio clínico não randomizado;

    - Exclusivamente meninas;

    - Experimental (n=131) e Controle (n=149);

    - 9 a 11 anos de idade;

    - 30 minutos de duração;

    - 4x por semana;

    - 20 semanas.

    - Pressão arterial;

    - IMC.

    Foi observado melhoras significativas na pressão arterial sistólica e no IMC.

    Lambrick et al., 2015

    - Avaliar os efeitos de 6 semanas de intervenção com HIIT nos índices fisiológicos, antropométricos, indicadores de saúde e aptidão de crianças com diferentes IMC.

    - 55 crianças;

    - Grupo experimental (n=28) e controle (n=27);

    - 8 a 10 anos de idade;

    - A intervenção ocorreu 2 vezes por semana com sessões de 60 minutos da atividade HIIT específico para crianças, com jogos previamente programados, onde as crianças ficavam ativas durante 40 minutos de cada sessão;

    - Duração de 6 semanas.

    - IMC;

    - Percentual de gordura;

    - Circunferência de Cintura;

    - VO2Máx;

    Houve melhoras significativas em todas as variáveis de desfecho cardiovascular analisadas, tanto em crianças com peso normal quanto naquelas com obesidade.

  • 42

    Hourder-Lauridsen et al., 2014.

    - Avaliar os efeitos de uma intervenção multidisciplinar com foco na dieta e na atividade física em crianças sobrepesadas.

    - N= 37;

    - Grupo experimental (n=18); grupo controle (n=19);

    - 7 a 10 anos.

    - 60minutos semanais só com as crianças;

    - 90minutos semanais com as crianças, os pais e os irmãos;

    - Treinamento individual sobre alimentação saudável com pais e crianças 2 vezes durante o programa;

    - Preparação de um jantar com as crianças e os pais 2 vezes durante o programa;

    - Duração de 20 semanas.

    - IMC;

    - Circunferência de cintura;

    - Relação cintura-estatura;

    - Pressão arterial.

    - Percentual de gordura;

    - Aptidão cardiorrespiratória;

    - Tolerância a glicose;

    - Perfil lipídico.

    - Diminuição do IMC, circunferência de cintura, relação cintura-estatura e percentual de gordura;

    - Nos testes de tolerância a glicose, houve modificação apenas no índice Matsuda;

    - Não houveram mudanças significativas para o perfil lipídico, pressão arterial e aptidão cardiorrespiratória.

    Hrafnkelsson et al., 2014

    - Reportar os efeitos de 2 anos de um programa de intervenção de base escolar sobre os fatores de risco cardiovascular.

    - 3 escolas no grupo experimental (n=151) e 3 no grupo controle (n=170);

    - 7 a 9 anos de idade;

    - Foi realizada intervenção de atividade física e nutrição. A intervenção foi introduzida na rotina da escola, inicialmente com atividades físicas de 30 minutos diários até atingir 60 minutos.

    - Duração de 2 anos;

    - IMC;

    - Percentual de gordura;

    - Perfil lipídico;

    - Hemoglobina glicada;

    - Pressão arterial;

    - Aptidão cardiorrespiratória;

    - Não houveram diferenças significativas em nenhuma das variáveis entre os grupos após a intervenção.

  • 43

    Khan et al., 2014

    - Observar o efeito de 9 meses de intervenção de atividade física no corpo todo e na adiposidade central, entre crianças pré púberes, variando o status do peso.

    - Foram recrutadas 7 escolas, no total de 220 crianças (110 para o experimental e 110 para o controle);

    - 8 a 9 anos de idade;

    - Foi realizada atividade física durante 2 horas por sessão, 5 vezes por semana, com intensidade de 55% a 80% da frequência cardíaca máxima;

    - Duração de 9 meses.

    - IMC;

    - Percentual de gordura;

    - Aptidão cardiorrespiratória;

    - Adiposidade central.

    - Para o grupo intervenção houve melhora da aptidão cardiorrespiratória, redução do percentual de gordura e da adiposidade central;

    - O percentual de gordura diminuiu tanto no grupo de obesos quanto no de não obesos;

    - No grupo controle houve aumento no percentual de gordura e na adiposidade central, sendo que os não obesos aumentaram percentual de gordura e os obesos gordura visceral.

    Li et al., 2014

    - Avaliar os efeitos de uma intervenção multi-componentes de atividade física de base escolar.

    - 2 escolas, experimental (n=388 crianças) e controle (n= 533);

    - 7 a 15 anos de idade;

    -A