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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL
RAFAEL HENRIQUE SILVA BARROS
FUZILAMENTOS NO SERTÃO MARANHENSE (1921): “conspiração” política e
repressão oligárquica nos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes
SÃO LUIS
2015
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RAFAEL HENRIQUE SILVA BARROS
FUZILAMENTOS NO SERTÃO MARANHENSE (1921): “conspiração” política e
repressão oligárquica nos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação em História Social da Universidade
Federal do Maranhão para obtenção do título de
mestre em História.
Orientadora: Profa. Dra. Maria Izabel Barboza de Moraes Oliveira
SÃO LUIS
2015
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FUZILAMENTOS NO SERTÃO MARANHENSE (1921): “conspiração” política e
repressão oligárquica nos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes
Rafael Henrique Silva Barros
Dissertação de mestrado avaliada em __/__/__ com conceito _________
BANCA EXAMINADORA
Orientadora: Profª. Dra. Maria Izabel Barboza de Moraes Oliveira (UFMA)
Profª. Dra. Eliana Tavares dos Reis (PPGSoc/UFMA)
Profª. Drª Régia Agostinho da Silva (PPGHIS/UFMA)
Profª Drª Regina Helena Martins de Faria (PPGHIS/UFMA) - Suplente
4
Em memória de Evilásio Arcângelo Barros (pai),
Samuel Henrique Silva Barros (irmão),
Francisca Barros (vovó Chiquinha)
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha mãe Maridalva, ao meu avô Raimundo Pacheco, à minha avó Maria
Amélia, ao meu irmão Evilásio (Júnior), a minha cunhada Carlinha, pela força e apoio.
Às minhas sobrinhas Sarah e Jamile pelo carinho ao titio.
À minha companheira Kate Soares pelo apoio, carinho, paciência e amor. À minha sogra
dona Benedita, pela força e torcida.
Aos amigos: Marcelo Marxista, pela força e orientações; a Luann, Rodolfo, Ruan,
Fernando, Francisco e Léo, parceiros nos vinhos; a Carlos Poser, futuro Doutor.
A seu Riba e Gabi, ícones do CCH.
Agradeço a CAPES pela bolsa concedida através do PPGHIS/UFMA durante os dois anos
de mestrado.
Ao Programa de Pós-Graduação em História Social da Universidade Federal do
Maranhão, aos seus funcionários Jonathan e Ricardo, aos coordenadores, aos professores
com os quais fiz disciplina: João Batista (pelo apoio frequente), Josenildo Pereira, Regina
Faria, Alírio Cardoso.
Aos arguidores no exame de qualificação: professor Henrique Borralho (UEMA) e
professora Régia Agostinho, que também agradeço pela supervisão no Estágio da
disciplina Brasil III, bem como também por ter aceitado participar da banca de defesa.
À professora Eliana Tavares dos Reis (PPGCSoc/UFMA) por ter aceitado compor a banca
examinadora.
Aos companheiros e companheiras de turma do mestrado (2013): Adriana, André,
Antônio Marcos, Arnaldo, Camila, Celeste, Jéssica, Josenilma, Leina, Michele, Pedro,
Pietra, Raíssa e Samuel.
Aos funcionários da Biblioteca Pública Benedito Leite e do Arquivo Público do Estado
do Maranhão, locais onde fiz pesquisa.
À professora Maria Izabel pela orientação competente, pela paciência, correções e boas
sugestões para a feitura deste trabalho, pelas duas disciplinas ministradas voltadas para a
Análise do Discurso com as quais tive contato com teóricos que foram fundamentais para
o nosso estudo.
6
Como todo o mundo não pertencia à ‘situação’, os
que ficavam fora dela, vendo os seus direitos
postergados, começavam a berrar, a pedir justiça, a
falar em princípios e organizavam, desta ou daquela
maneira, masorcas.
A polícia, sob este ou aquele disfarce, abafa a menor
tentativa de crítica aos dominantes. Espanca,
encarcera, deporta sem lei hábil, atemorizando todos
e impedindo que surjam espíritos autônomos.
Lima Barreto – Os Bruzundangas
7
RESUMO
Neste trabalho, analisamos os discursos do jornalista maranhense José do Nascimento
Moraes expressos nos artigos escritos no jornal Diário de São Luiz, referentes aos
fuzilamentos na Mata do Codó (1921). Estes fuzilamentos foram resultados da repressão
levada a cabo pelas tropas policiais do Estado contra o que se dizia à época se tratar de
uma “conspiração política” que, segundo notícias chegadas ao então governador Urbano
Santos (1918-1922), estaria sendo liderada por um lavrador de nome Manoel Bernardino
de Oliveira que pregava princípios socialistas e visava depor o governador maranhense.
Uma vez informado, em fins de julho daquele ano (1921), por seus correligionários de
partido sobre essa possível “conspiração política”, o governador resolve enviar tropas
policiais para o povoado da Matta, onde se estaria arquitetando a referida “conspiração”.
As ações das tropas policiais do Estado (Maranhão) resultaram nos fuzilamentos de
quatros homens no povoado chamado Matta, cidade de Codó. Portanto, essas ações
criminosas das tropas policiais foram temas constantes nos artigos de José do Nascimento
Moraes, durante todo segundo semestre de 1921, que passara a criticar a administração
do governador como um dos principais responsáveis pelos crimes. Nesse sentido, tendo
em vista que esse jornalista já vinha fazendo oposição ao governo desde o surgimento de
seu jornal Diário de São Luiz, em outubro de 1920, entendemos que o caso da Matta,
relacionado ao contexto de disputas político-partidárias no qual se desenrolara, pode ser
visto como um acontecimento que servira para o jornalista Nascimento Moraes
intensificar suas críticas ao domínio oligárquico maranhense chefiado por Urbano Santos.
Em relação ao referencial teórico-metodológico utilizado na pesquisa, seguimos as
orientações dadas por Mikhail Bakhtin e Dominique Maingueneau quanto à análise de
textos/discursos. Bakhtin defende que devemos analisar os textos tendo em vista uma
perspectiva dialógica, na qual se deve levar em conta o contexto político-social no qual o
texto é escrito; para ele, os textos expressam disputas ideológicas de determinados grupos
em conflitos de ideias. As noções de interdiscurso e relação polêmica de Maingueneau se
aproximam do dialogismo de Bakhtin, à medida que busca entender os enunciados
expressos nos textos ou discursos de um determinado grupo sempre como uma resposta
ao outro.
Palavras-chave: José do Nascimento Moraes; jornal Diário de São Luiz; Caso da Mata;
governo de Urbano Santos; Codó (MA); 1921.
8
RÉSUMÉ
Dans cet travail, nous analysons les discours du journaliste maranhense Jose do
Nascimento Moraes exprimées dans les articles écrits dans le journal Diário de São Luiz,
se référant à la fusillade dans la Mata de Codó (1921). Ces tirs ont été le résultat de la
répression menée par les forces de police de l'Etat contre ce qui a été dit à l'époque ce est
un "complot politique" que, selon de nouvelles arrivées alors gouverneur Urbano Santos
(1918-1922), a été menée par un Nom fermier Manoel Bernardino de Oliveira qui prêchait
principes socialistes et visait à renverser le gouverneur de Maranhão. Une fois informés,
que les fins de juillet (1921), par ses partisans du parti au sujet de cette possible "complot
politique", le gouverneur décide d'envoyer des troupes à la police de la ville de Mata, où
il complotait dit «conspiration». Les actions de la police de l'Etat (Maranhão) de troupes
ont abouti à la prise de vue de quatre hommes dans le village de Mata, ville Codó. Par
conséquent, ces actions criminelles des forces de police ont été des thèmes constants de
articles de José de Nascimento Moraes, durant la seconde moitié de 1921, qui était venu
de critiquer l'administration du gouverneur comme l'un des principaux responsables des
crimes. En ce sens, étant donné que ce journaliste faisait déjà l'opposition au
gouvernement depuis l'apparition de son journal Diário de São Luiz, en Octobre 1920,
nous croyons que le cas de Mata, liée au contexte des différends des partis politiques dans
lequel avait eu lieu, peut être considérée comme un événement qui a servi à la journaliste
Nascimento Moraes intensifier leur critique de la règle oligarchique de Maranhão dirigé
par Urbano Santos. En ce qui concerne le cadre théorique et méthodologique utilisée dans
la recherche, suivre les indications données par Mikhaïl Bakhtine et Dominique
Maingueneau sur l'analyse des textes/discours. Bakhtine fait valoir que nous devons
analyser les textes concernant une perspective dialogique, dont il faut tenir compte du
contexte socio-politique dans lequel le texte est écrit; pour lui, les textes expriment
différends idéologiques de certains groupes dans les conflits d'idées. Les notions de
interdiscours et controversé de Maingueneau approchent du dialogisme de Bakhtine, car
il cherche à comprendre les déclarations exprimées dans les textes et les discours d'un
groupe particulier toujours comme une réponse à l'autre.
Mots-clés: José do Nascimento Moraes; Diário de São Luiz; Cas de Mata; gouvernement
Urbano Santos; Codó (MA); 1921.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................. 11
1. JOSÉ DO NASCIMENTO MORAES: o itinerário de um neo-ateniense no
contexto intelectual maranhense da Primeira
República........................................................................................................................23
2. O domínio oligárquico maranhense sob a liderança de Urbano Santos (1918-
1922)............................................................................................................................... 47
2.1. Diário Oficial do Maranhão: um espaço de divulgação dos atos governistas e de
propaganda do
governador...................................................................................................................... 61
2.1.1. Noticiários, telegramas e inquéritos sobre os fuzilamentos na Mata..................... 64
2.1.2. As palavras de Manoel Bernardino de Oliveira, o “cabeça” do levante na
Mata.................................................................................................................................80
2.1.3. E mais inquéritos... ...............................................................................................86
2.2. Os discursos sobre os fuzilamentos na Mata nas páginas d’O Jornal........................89
3. DIÁRIO DE SÃO LUIZ: a “voz” da oposição ao domínio político do governador
Urbano Santos.............................................................................................................114
3.1 Os escritos jornalísticos de José Nascimento Moraes: as primeiras notícias...entre a
(des)informação e as exigências de esclarecimentos sobre o caso da
Mata...............................................................................................................................117
3.2. “Boatos” de cerca de cem homens fuzilados... confirmação de quatro homens
fuzilados pelas tropas policiais do Estado: o Diário de São Luiz “acirra” a campanha anti-
governista......................................................................................................................130
3.3. As polêmicas declarações do tenente Henrique Dias... a entrevista de s. exc.
governador Urbano Santos ao jornal Pacotilha... ........................................................139
10
3.4. O relatório dos inquéritos “oficiais” sob a análise “suspeita” do Diário de São
Luís............................................................................................................................... 155
3.5. Enfim, as notícias do Julgamento do tenente Henrique Dias na imprensa maranhense:
a “cobertura” d’O Jornal e a fala do Diário de São Luiz............................................... 162
CONSIDERAÇÕES FINAIS: dois “maranhões”: um dos discursos situacionistas e
o outro da oposição......................................................................................................171
REFERÊNCIAS...........................................................................................................175
11
INTRODUÇÃO
Nosso interesse pelos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes se deve
muito por conta de nossa intenção em investigar as atuações desse jornalista nas disputas
político-partidárias maranhense no contexto da Primeira República (1889-1930). O
contato com a escrita de Nascimento Moraes já nos acompanha desde a monografia
desenvolvida no Curso de História da UFMA. Após o término de nossa monografia, que
versava sobre o tema da questão racial na obra desse autor, nos interessamos em analisar
os artigos desse jornalista voltados especificamente para as questões da política
maranhense na Primeira República. Percebemos, então, que uma das condições para que
tal análise pudesse ser possível seria pesquisarmos os jornais pelos quais atuou. Nesse
levantamento, deparamo-nos com o jornal Diário de São Luís (1920-1925), do qual era
redator-chefe, no período indicado.
O Diário de São Luiz, fundado no ano de 1920, portanto, em pleno governo de
Urbano Santos (1918-22), então líder do grupo oligárquico que exercia a hegemonia
política no Maranhão, passara a ser um órgão de oposição ao governo e, Nascimento
Moraes, na condição de Redator-chefe do referido jornal tinha um papel central enquanto
articulador dos discursos de oposição ao governador maranhense. O governo de Urbano
Santos não fora muito diferente dos domínios oligárquicos que dominaram o cenário das
administrações políticas no Brasil da Primeira República, marcado pelas denúncias de
fraudes eleitorais, violências contra opositores, clientelismo, uso patrimonialista da
“máquina” pública, defesa dos interesses dos grupos políticos hegemônicos nas esferas
estaduais e federais em detrimento dos interesses do povo, etc. Sendo assim, durante a
administração do governador Urbano Santos, um acontecimento ganhou visibilidade nas
páginas tanto dos jornais governistas, quanto do Diário de São Luiz: os fuzilamentos de
quatro homens pelas tropas policiais do Estado no povoado chamado Matta1.
1Como bem chamou atenção Giniomar Ferreira Almeida esse povoado é “Referenciado também como Mata
do Codó, Mata do Japão, Mata do Nascimento, Mata do Oliveira. Na maioria das vezes chamado apenas
de Matta, sic. Hoje este povoado pertence à cidade de Dom Pedro e até pouco tempo era chamado de Mata
Velha, atualmente recebe o nome de Pedro I”. ALMEIDA, Giniomar Ferreira. O Lenine Maranhense:
fuzilamentos e cultura histórica no interior do Maranhão (1921). Dissertação de Mestrado. – João
Pessoa: [s.n], 2010. P. 11.
12
Em fins de julho de 1921, o governador2 foi informado por correligionários
políticos das cidades de Codó e Barra do Corda a respeito de uma “conspiração” política
contra seu governo, que estaria ganhando força no interior maranhense, liderada pelo
lavrador Manoel Bernardino de Oliveira. Ao ser informado sobre essa possível
conspiração, que diziam ser um levante armado que tentaria depor o governador às
vésperas das eleições estaduais de 1° de setembro de 1921, Urbano Santos resolve enviar
uma tropa policial, sob o comando dos tenentes Antonio Henrique Dias e Taurino Lobão
Lemos, para a cidade de Codó, que, de lá, deveria ir para o povoado da Matta, com
objetivo de reprimir os revoltosos. Os desdobramentos dessa “operação policial” foram
os fuzilamentos de quatro homens pelas tropas policiais do Estado, sem que houvesse de
fato o referido levante naquela povoação.
Ao tempo desses acontecimentos, o cenário político maranhense estava polarizado
basicamente em torno de dois partidos políticos que congregavam os grupos em disputa
pela hegemonia política: o Partido Republicano (situacionista) e o Partido Republicano
Maranhense (PRM). O primeiro contava também com o apoio do Partido Republicano
Federal (PRF), à época sob a liderança do médico Costa Rodrigues e que outrora fazia
oposição ao partido situacionista (Partido Republicano), mas que após acordos com os
governistas para as eleições de fevereiro (1921) passaram a apoiá-los. Quanto ao PRM,
fora formado em janeiro de 1921 após uma cisão intraoligárquica ocorrida no Partido
Republicano e que resultara na exclusão de Herculano Parga do situacionismo, levando
esse agente político a ser um dos criadores do PRM e, consequentemente, passara a fazer
oposição ao governador maranhense principalmente através do Diário de São Luiz que
passara a publicar matérias desse partido.
Portanto, uma vez exposto esse breve quadro de como se configurava o cenário
político maranhense tendo suas disputas político-partidárias polarizadas entre situação x
oposição, nosso trabalho analisa os discursos colocados em circulação nesse contexto
político pelo jornalista (professor e literato) José do Nascimento Moraes a respeito das
ações governistas que resultaram nos aludidos fuzilamentos na Mata. Tendo em vista sua
atuação como jornalista de oposição, Nascimento Moraes acirra ainda mais sua campanha
anti-governista, principalmente, quando o tenente Antônio Henrique Dias, um dos
2A terminologia utilizada para se referir ao executivo estadual era “Presidente”. Contudo, para evitarmos
confusões com a referência ao “Presidente” do executivo federal, optamos por utilizar o termo governador
quando for para nos referirmos ao administrador do executivo estadual.
13
responsáveis pela expedição militar que praticara os crimes, dissera, em matéria
publicada pelo Diário de São Luís, que havia sido autorizado pelo governador Urbano
Santos para cometer os referidos fuzilamentos. A partir destas declarações, Nascimento
Moraes vai intensificar suas críticas ao governador maranhense, defendendo pelos seus
editoriais que este era um dos governos mais violentos e “desastrosos” que o Maranhão
tivera até então. Nesse sentido, uma questão básica orienta nossa pesquisa: Que Maranhão
é esse descrito pelas páginas jornalísticas de Nascimento Moraes no contexto aludido?
O poeta maranhense Nauro Machado3 escreve que se Nascimento Moraes não
tivesse desperdiçado grande parte de seu tempo envolvido nas disputas político-
partidárias nos jornais pelos quais atuou talvez tivesse realizado uma produção literária
que o aproximasse de seu conterrâneo Aluísio Azevedo. É compreensível esse comentário
do poeta maranhense, pois como literato parece querer puxar a “brasa para sua sardinha”.
Entretanto, como bem ressaltou o historiador Nicolau Sevcenko4, uma das diferenças
entre a escrita historiográfica e a literária, é que nesta última o escritor lida com o que
poderia ter sido, enquanto o historiador trabalha com o que aconteceu.
Sendo assim, em nosso entendimento, o fato de Nascimento Moraes ter tido uma
carreira jornalística longa, afinal, foram mais de meio século de atividade jornalística, e
ter escrito sobre vários temas, dentre eles, pensando as questões políticas de seu Estado,
esse fator, talvez seja um ganho para os pesquisadores da área de História Política
maranhense. Esse jornalista, além de participar de um número significativo de jornais5 e
ter escrito uma variedade de artigos sobre os mais variados assuntos, compreendermos
que seus textos nos oferecem uma chave de leitura para as questões relativas à política
local.
Nosso trabalho, portanto, é de certa forma um estudo a respeito de um momento
dos domínios oligárquicos no Maranhão da Primeira República, mais especificamente o
governo de Urbano Santos (1918-1922), a partir do filtro dos escritos jornalísticos de José
do Nascimento Moraes, almejando assim, apresentar uma contribuição para os trabalhos
3MACHADO, Nauro. A Escrita Polêmica de José do Nascimento Moraes. IN: Neurose do Medo e 100
artigos de Nascimento Moraes. São Luís, SECMA/CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA, 1982. 4SEVCENKO, Nicolau. Literatura Como Missão – Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira
República. 4ª edição. Editora Brasiliense. 1995. 5De acordo com Nauro Machado: “A Campanha, O Maranhão, A Pátria, Diário de São Luís, O Jornal, A
Tribuna, A Hora, Diário do Norte, Diário Oficial, O Globo, Correio da Tarde, A Imprensa, Regeneração,
Notícias, Diário do Maranhão, Atenas e O Imparcial foram alguns dos jornais e revistas em que Nascimento
Moraes atuou, às vezes como editorialista e vezes tantas como Redator-Chefe”. MACHADO, Op.cit. p.10.
14
historiográficos referentes à História Política do Maranhão. Desse modo, focalizamos
nossa análise em seus discursos a respeito das ações governistas que resultaram na
repressão política com quatro homens fuzilados pelas tropas estaduais em uma operação
policial que, a despeito dos alardes propagados de que se tratava de um levante contra o
domínio oligárquico de Urbano Santos, como veremos, as tropas policiais não
encontraram sequer uma resistência dos revoltosos. Esses crimes se configuram, em
nosso entendimento, a partir das evidências documentais apresentados pelos textos de
Nascimento Moraes, assim como dos jornais governistas, em mais um dos massacres
praticados pelos domínios oligárquicos que podemos registrar na História Política do
Brasil Republicano.
Dadas essas breves informações a respeito dos motivos e objetivos do nosso
trabalho passamos a falar sobre a noção de História que orienta nosso estudo.
Concebemos aqui a História, tal como proposta por Michel de Certeau, que a entende
como uma operação, vejamos:
Encarar a história como uma operação será tentar, de maneira
necessariamente limitada, compreendê-la como a relação entre um
lugar (um recrutamento, um meio, uma profissão, etc.), procedimentos
de análise (uma disciplina) e a construção de um texto (uma literatura).
É admitir que ela faz parte da “realidade” da qual trata, e que essa
realidade pode ser apropriada “enquanto atividade humana”, “enquanto
prática”. Nesta perspectiva, gostaria de mostrar que a operação
histórica se refere à combinação de um lugar social, de práticas
“científicas” e de uma escrita [...] A escrita histórica se constrói em
função de uma instituição cuja organização parece inverter: com efeito,
obedece a regras próprias que exigem ser examinadas por elas mesmas6.
Essa citação resume bem as caracterizações do fazer historiográfico na perspectiva
de Michel de Certeau. Esse autor se propôs discutir as peculiaridades da escrita
historiográfica, de forma a apresentar os passos de uma pesquisa historiográfica, os
procedimentos que o historiador lança mão para sua investigação. Estas questões não
foram trabalhadas apenas por Michel de Certeau, uma vez que passaram a ser uma
preocupação dos historiadores pensarem a respeito de seu metier. Papel fundamental
nessas discussões tiveram os representantes da Escola dos Annales, cujos expoentes
pioneiros foram Marc Bloch e Lucien Febvre, bem antes de Certeau, que propuseram
uma série mudanças nas concepções de pensar a História, que a diferenciavam de sua
6CERTEAU, Michel de (1925-1980). A Operação Historiográfica. IN: A Escrita da História; tradução de
Maria de Lourdes Meneses; revisão técnica de Arno Vogel. 2 ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2002, p.66.
15
antecessora, a Escola Metódica Rankeana. Dentre estas mudanças, destaca-se a própria
posição do historiador. Conforme José Carlos Reis, o historiador passou a “aparecer na
pesquisa”, algo não recomendado anteriormente, “agora, ele é obrigado a ‘aparecer’ e a
explicitar a sua estrutura teórica, documental e técnica e o seu lugar social e
institucional7”. Assim como Michel de Certeau, José Carlos Reis considera que há
critérios na escrita historiográfica estabelecido pela comunidade dos historiadores que
visam ter um certo controle e acompanhamento das pesquisas historiográficas.
Quanto à perspectiva teórica que seguimos como parâmetro para nosso estudo,
pautamo-nos em algumas noções propostas pela História Cultural, principalmente quanto
à sua concepção em relação às construções discursivas pautadas nos referentes que a
realidade social oferece. Roger Chartier, um dos teóricos dessa concepção, expõe da
seguinte forma os objetivos da História Cultural: “[...] tem por principal objeto identificar
o modo como em diferentes lugares e momentos, uma determinada realidade social é
construída, pensada, dada a ler8”. Tendo em vista esse objetivo, Roger Chartier chama
atenção para a questão de que os discursos sobre a realidade social são construções
históricas de determinados grupos sociais, nesses termos, salienta que:
As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem
à universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre
determinadas pelos interesses de grupos que as forjam. Daí, para cada
caso, o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a
posição de quem os utiliza9”.
Quanto à metodologia empregada nesse trabalho, seguimos algumas orientações
de análise do discurso na perspectiva dialógica, proposta por Mikhail Bakhtin. Para esse
autor, o texto deve ser compreendido em seu contexto político-social, sendo o texto
entendido ainda como a expressão de ideias e posicionamentos de agentes sociais em
determinadas “lutas ideológicas”, pois “o discurso escrito é de certa maneira parte
integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa,
refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc.10”. Uma
7REIS, José Carlos. Escola dos Annales – a inovação em história. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p.26. 8CHARTIER, Roger. A Nova História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa; DIFEL, 1990,
p.16-17. 9CHARTIER, 1990, p.17. 10BAKHTIN, Mikhail M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Prefácio de Roman Jakobson;
apresentação de Marina Yaguello; tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira, com a colaboração
16
questão fundamental nas discussões teórico-metodológicas desse autor e que para nós se
aproxima muito da forma como Roger Chartier pensa as produções das representações
sociais, é a ênfase nas análises dos textos (escritos) tendo em visto a percepção de que os
mesmos são “produtos” de uma “interação social”, pois, conforme as palavras de Mikhail
Bakhtin:
O enunciado é pleno de tonalidades dialógicas, e sem leva-las em conta
é impossível entender até o fim o estilo de um enunciado. Porque a
nossa própria ideia – seja filosófica, científica, artística – nasce e se
forma no processo de interação e luta com os pensamentos dos outros,
e isso não pode deixar de encontrar o seu reflexo também nas formas
de expressão verbalizada do nosso pensamento11.
Ponto fundamental, nas propostas de análise desse autor, é a consideração do
discurso do “outro” como ponto de referência para compreendermos com quem dialoga
o autor dos textos que estamos analisando. Conforme Mikhail Bakhtin: “A expressão do
enunciado, em maior ou menor grau, responde, isto é, exprime a relação do falante com
os enunciados do outro, e não só a relação com os objetos do seu enunciado12”. Tendo em
vista essas considerações, ao longo de nossas pesquisas, percebemos que seria importante
para os objetivos de nosso trabalho, analisarmos, também, os discursos dos jornais
situacionistas, pois, os discursos colocados em circulação por Nascimento Moraes, seriam
questionados pelos seus adversários políticos, no caso em questão, os partidários do
governador Urbano Santos. Sendo assim, selecionamos dois jornais situacionistas para
análise: O Jornal e o Diário Oficial do Maranhão.
A escolha13 por estes jornais foi resultado de nossas pesquisas e por questões de
critério de análise. O Diário Oficial do Maranhão foi escolhido por conta de ser o órgão
de Lúcia Teixeira Wisnik e carlos Henrique D. Chagas Cruz. 6ª edição. Editora Huitec – São Paulo, 1992,
p.123. 11BAKHTIN, Mikhail M. Os Gêneros do Discurso. IN: Estética da Criação Verbal; prefácio à edição
francesa Tzvetan Todorov; introdução e tradução do russo Paulo Bezerra. – 6ª ed. – São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes, 2011, p.298. 12BAKHTIN, 2011, Opcit. 13Chamamos a atenção para o fato de que por questões de critérios nossos resolvemos atualizar a grafia dos
jornais aqui estudados. Além desses dois jornais haviam outros que eram partidários do governo de Urbano
Santos, como por exemplo A Pacotilha, de propriedade de Costa Rodrigues e que na época saíra em defesa
do governador maranhense contra as ações da oposição política. Durantes os acontecimentos na Mata, esse
jornal, assim, como O Jornal, tentara combater os discursos veiculados pelo Diário de São Luiz. Entretanto,
resolvemos não nos deter mais demoradamente nesse jornal por conta de critérios de escolha de pesquisa,
aliado ainda ao fato de que seus discursos não destoam basicamente do conteúdo do que veremos ao
analisarmos O Jornal: a propaganda do governador Urbano Santos como um agente político singular,
integro, e que era vítimas de uma oposição caluniosa; as mesmas denúncias de que Nascimento Moraes
17
de imprensa oficial do governo estadual, divulgando as ações do governo sobre questões
burocráticas (nomeações, decretos, informativos gerais, etc.) e, também, dando
publicidade aos telegramas recebidos pelo governador provenientes de várias partes do
Estado e de outros estados da federação. Nesse jornal passaram a ser publicadas também
as ações do governo quanto às investigações sobre os crimes na Matta, como por exemplo:
os relatórios dos inquéritos mandados ser instaurados pelo governador, os depoimentos
das pessoas envolvidas, direta ou indiretamente, nos acontecimentos.
Em relação ao posicionamento d’O Jornal, resolvemos analisá-lo também, não
apenas por ser um jornal pró Urbano Santos, mas pela forma como fazia sua defesa do
governador, criticando seus opositores de forma “violenta”. No decorrer de nossas
leituras dos artigos jornalísticos escritos por Nascimento Moraes, percebemos que esse
jornalista fazia constantes referências aos membros desse jornal, quer seja por se tratar de
um jornal governista, quer seja pelas críticas que os representantes desse jornal lhes
faziam. Notamos, assim, que Nascimento Moraes se tornara um dos principais alvos das
críticas d’O Jornal. Desse modo, os discursos expressos nesses jornais foram analisados
aqui como o “outro” de Nascimento Moraes, ou seja, os adversários políticos desse
jornalista, com quem dialoga, responde, critica, ataca e questiona seus discursos.
Levando em conta que as fontes selecionadas por nós para análise são Jornais, é
importante fazermos algumas considerações acerca de como compreendemos sua
utilização para as pesquisas historiográficas. Para tanto, salientamos que um trabalho
pioneiro no uso de jornais para pesquisa no campo da História na historiografia brasileira,
conforme Tânia Regina de Luca, foi feito por Vavy Pacheco Borges. Esta autora se propôs
a “estudar as relações entre Getúlio Vargas e a oligarquia paulista, vista através de seus
principais órgãos de imprensa, durante o período de 1926-193214”. Almejando esse
objetivo, Vavy P. Borges faz um comentário sobre os usos que fizera dos jornais como
fonte historiográfica que achamos fundamental e que utilizamos aqui para pensarmos
nosso trabalho com os jornais por nós selecionados para estudo; vejamos como essa
autora entendia os jornais que analisara: “Os jornais não serão vistos como fontes
objetivas de verdade histórica, mas como esclarecedores de parte dessa verdade,
teria sido um dos responsáveis pela “invenção” das declarações do tenente Henrique Dias, etc. Por outro
lado, do jornal A Pacotilha trabalhamos uma matéria central que é a entrevista que o governador concedeu
a esse jornal após o tenente Henrique Dias lhes ter feito uma série de acusações. 14BORGES, Vavy Pacheco. Getúlio Vargas e a Oligarquia Paulista – História de uma esperança e de
muitos desenganos através dos jornais da oligarquia: 1926-1932. Editora brasiliense, 1979. P. 13.
18
justamente através da subjetividade implícita num órgão de imprensa não meramente
informativa e sim formativa de opinião.15” Assim como os jornais estudados por essa
autora expressavam interesses de partidos políticos das oligarquias paulistas, os que
foram por nós estudados exprimiam os interesses dos partidos políticos maranhenses.
Atualmente, a utilização de jornais como fonte de pesquisa tem sido mais comum
por conta, principalmente, da renovação que a disciplina da História passou ao longo do
século XX. Segundo Tânia Regina de Luca, os jornais teriam sido marginalizados pela
tradição historiográfica de matriz rankeana por não serem considerados portadores da
almejada objetividade que uma fonte histórica deveria ter. Essa autora considera que a
renovação historiográfica proposta pelos Annales não implicou em reconhecimento
imediato da Imprensa como possibilidade de fonte para a História. Nesse sentido,
argumenta que, para compreendermos o uso da Imprensa como fonte histórica, é
interessante acompanhar “a renovação dos temas, as problemáticas e os procedimentos
metodológicos da disciplina16”.
Por ter como uma de suas principais características a leitura da realidade social,
dando ênfase para o atual, representando-o cotidianamente, os jornais oferecem
importantes indícios sobre as mais variadas questões de uma sociedade para pesquisa
historiográfica. Em termos de caracterização desse tipo de escrita, uma das ideias centrais
dos discursos jornalísticos é a noção de fidelidade aos fatos, propondo uma postura de
isenção do jornalista em seus relatos. Ao comentar essa ideia do discurso da objetividade
como um dos aspectos que deveria orientar a escrita jornalística, Maria Helena Capelato
escreve: “A objetividade na coleta de informação equipara-se à do cientista, tal como a
concebeu a perspectiva positivista17”.
Esse discurso da objetividade aparece nos três jornais analisados por nós nesse
trabalho. Contudo, percebemos que a propalada objetividade parece ser mais um ideal
jornalístico, mas na prática os escritos jornalísticos aqui em análise expressam ideais
políticos de cada grupo em disputa, pois estavam atrelados a partidos políticos, e foram
15Ibid., p.14. 16LUCA, Tânia Regina de. Fontes Impressas – História dos, nos e por meio dos periódicos. IN:
BASSANEZI, Carla Pinsky (Org.). Fontes Históricas. 3ª Ed. São Paulo: Contexto, 2011, p.112. 17CAPELATO, Maria Helena. Imprensa na República: uma instituição privada. IN: República,
Liberalismo, Cidadania. Organizado por: Fernando Teixeira da Silva, Márcia R. CapelariNaxara e Virgínia
C. Camiloti. Piracicaba: Editora Unimep, 2003, p.142.
19
entendidos por nós como expressão dessas disputas partidárias18, embora, como bem
ressalta Maria Helena Capelato: “A ênfase no papel político da imprensa não a
descaracteriza como veículo de informação. Na Primeira República, os representantes dos
jornais salientaram a importância da função informativa19”.
Desse modo, nosso trabalho de dissertação segue estruturada em três partes, sendo
os dois últimos capítulos divididos em tópicos, nos quais apresentamos as principais
questões trabalhadas por nós.
No primeiro capítulo, fazemos considerações sobre o itinerário do jornalista José
do Nascimento Moraes, no contexto intelectual maranhense, nas duas primeiras décadas
do século XX. Seguimos nesse capítulo algumas concepções de Jean-François Sirinelli,
referentes ao estudo dos intelectuais, com destaque para as noções de itinerário e geração,
proposta por esse autor. Com a noção de itinerário visamos fazer um mapeamento das
posições ocupadas por Moraes no jornalismo local, desde sua estreia no jornal Pacotilha,
em 1900, até o período do nosso recorte histórico (1921), procurando identificar com
quais grupos políticos se envolveu, quer como partidário quer como opositor; para que
possamos compreender o que o levara a tornar-se opositor do grupo político liderado por
Urbano Santos.
Quanto à noção de geração, Jean-François Sirinelli considera que “No meio
intelectual, os processos de transmissão cultural são essenciais; um intelectual se define
sempre por referência a uma herança, como legatário ou como filho pródigo20”.
Nascimento Moraes fez parte de uma geração de intelectuais maranhenses que se
autodenominaram de “novos atenienses” e, no entendimento de Manoel Barros Martins21,
esses intelectuais tinham como uma das principais características uma produção literária
voltada para reatar os laços com a tradição literária maranhense, na qual expunham o que
entendiam ser os principais problemas da realidade sócio-econômica do Maranhão à
época (Primeira República).
18Retomando aqui novamente uma colocação de Vavy Pacheco Borges para sustentar essa nossa percepção,
entende-se que: “[...] informar é formar, e o jornalismo não pode ser desligado de um papel político no
sentido amplo”. BORGES, op.cit, p.27. 19CAPELATO, op.cit., p.139. 20SIRINELI, Jean-François. Os Intelectuais. IN: Por uma história política / [Direção de] René Rémond;
tradução Dora Rocha. – 2. Ed. – Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p.254-255. 21MARTINS, Manoel Barros. Operários da Saudade: Os novos atenienses e a invenção do Maranhão.
São Luís: EDUFMA, 2006.
20
No segundo capítulo, logo de início fazemos uma análise das principais
características do domínio oligárquico no Maranhão na Primeira República, com destaque
para a trajetória do governador Urbano Santos, objetivando compreender as condições
que possibilitaram esse agente político se tornar a principal liderança política maranhense,
após a morte de Benedito Leite em 1909, quem até então dava as cartas na política local.
Após essa exposição o restante do capítulo segue dividido em dois tópicos. No primeiro
tópico nos detemos no jornal Diário Oficial do Maranhão: analisando os discursos desse
jornal, apresentando as informações gerais sobre o mesmo, seu papel de divulgador dos
discursos oficiais sobre o governo; falamos dos noticiários e inquéritos sobre os
fuzilamentos na Mata; apresentamos a versão de Manoel Bernardino de Oliveira, o cabeça
da conspiração na Mata, sobre os referidos acontecimentos; fazemos uma análise do
último inquérito apresentado para investigar os boatos de que houvera mais catorze
mortes além dos quatro fuzilamentos confirmados.
No segundo tópico desse capítulo, analisamos os discursos d’O Jornal. Esse
periódico, além de divulgar as notícias referentes ao caso da Matta passara também a falar
das ações do governador para investigar os crimes noticiados. Após as declarações do
tenente Henrique Dias e o acirramento das críticas da oposição, esse jornal reforça mais
ainda sua defesa ao governador, falando de sua trajetória política em tons elogiosos e,
consequentemente, tecendo fortes críticas à oposição. Dentre os alvos d’O Jornal,
destaca-se o jornalista Nascimento Moraes. Desse modo, estabeleceu-se uma disputa
político-partidária entre os representantes d’O Jornal e Nascimento Moraes, uma relação
marcada por polêmicas diárias nas páginas jornalísticas. Nessa disputa cada lado passou
a construir uma imagem de seu “outro”. Sendo assim, Dominique Maingueneau ao falar
a respeito das características gerais de uma relação polêmica, expõe uma ideia que
podemos nos apropriar aqui para pensar o caso acima. Para Maingueneau, uma vez
instaurado uma polêmica:
Cada uma das formações discursivas do espaço discursivo só pode
traduzir como “negativas”, inaceitáveis, as unidades de sentido
construídas por seu Outro, pois é através desta rejeição que cada uma
define sua identidade. Uma formação discursiva opõe dois conjuntos de
categorias semânticas, as reivindicadas (chamemo-las de “positivas”) e
as recusadas (as “negativas”)22.
22MAINGUENEAU, Dominique. Novas Tendências em Análise do Discurso. Tradução FredaIndusrk;
revisão dos originais da tradução Solange Maria LeddaGallo, Maria da Glória de Deus Vieira de Moraes.
Campinas, 3ª edição, 1997, p.122.
21
Na relação polêmica que aqui analisamos, cada lado atribui a si uma conduta
jornalística e partidária louvável, correta, no caso em questão, de defesa do seu lado
político, como representante do fazer política correto. Quanto ao adversário, este vai ser
apresentado como representantes das atitudes abomináveis. Outra questão apontada por
Dominique Maingueneau, quanto às relações polêmicas, é que: “[...] para preservar sua
identidade, o discurso só pode relacionar-se com o Outro do espaço discursivo através
do simulacro que dele constrói23”. Portanto, essas polêmicas passam a se dar de acordo
com a tentativa de colocar em circulação a imagem do outro, ou o simulacro do outro,
como nas palavras de Maingueneau, de forma, às vezes, ridicularizada, disputando, assim,
a audiência da opinião pública.
No terceiro capítulo, temos como objetivo analisar os discursos expressos nos
textos escritos por Nascimento Moraes, no jornal Diário de São Luís, acerca dos
mencionados acontecimentos na Matta, Codó. No início do capítulo apresentamos uma
série de informações gerais sobre esse órgão oposicionista. Dadas essas informações o
capítulo segue subdividido em cinco itens. O primeiro trata basicamente dos discursos de
Nascimento Moraes sobre as primeiras notícias de que se estaria arquitetando uma revolta
no interior do Maranhão, sob a liderança de Manoel Bernardino de Oliveira: as primeiras
impressões e considerações do jornalista acerca dessas notícias é de ceticismo quanto aos
referidos boatos de revolta, exigindo inclusive esclarecimentos sobre o caso da Mata; no
segundo item, analisamos os discursos de Moraes após as notícias chegadas à Capital de
cerca de cem homens fuzilados, com a confirmação de quatro mortes, em que esse
jornalista vai acirrar sua campanha contra o governador acusando-o pela sua
administração política desastrosa; no terceiro item analisamos os discursos de
Nascimento Moraes cujas críticas ao governador Urbano Santos foram intensificadas
mais ainda quando o tenente Henrique Dias, um dos comandantes das tropas que
praticaram os fuzilamentos, havia pedido a Nascimento Moraes para publicar pelo Diário
de São Luiz um documento no qual o tenente fazia declarações polêmicas de que praticara
os fuzilamentos a mando do governador, este, por seu lado, dá uma entrevista à Pacotilha
tentando desmentir as declarações do tenente. Portanto, a análise das declarações do
tenente e a entrevista do governador foram os temas básicos que estudamos nos textos de
Moraes nesse item. No quarto item, nossa análise versa sobre o posicionamento de
Moraes em relação aos inquéritos oficiais que o governador Urbano Santos mandara fazer
23MAINGUENEAU, 1997, p.122.
22
para apurar os crimes na Mata: apresentamos uma série de ressalvas feitas por esse
jornalista para colocar sob suspeitas os referidos inquéritos. E, por fim, no quinto e último
tópico desse capítulo, analisamos como foram expressos nos jornais (aqui selecionados)
da capital maranhense os resultados dos julgamentos dos envolvidos nos fuzilamentos na
Mata, que resultara nas absolvições dos criminosos. Analisamos o auto de defesa
apresentado pelo tenente Henrique Dias e que foi publicado pel’O Jornal, no qual dava
sua versão final acerca dos motivos que o levara a praticar os fuzilamentos. Quanto ao
jornal oposicionista, selecionamos algumas matérias para comentarmos como
Nascimento Moraes se posicionou em relação aos desdobramentos desse julgamento,
lamentando mais um resultado de impunidade que presenciara na História Política
maranhense.
23
1. José do Nascimento Moraes: o itinerário de um Neo-ateniense no contexto
intelectual maranhense da Primeira República
Nos últimos anos tem sido produzido trabalhos historiográficos voltados para a
atuação dos intelectuais maranhenses que vivenciaram o contexto da Primeira República.
Para exemplificarmos, o caso de José do Nascimento Moraes pode ser visto como um
desses intelectuais cuja atuação no jornalismo, na educação e na produção literária
maranhense tem sido objeto de estudo na área da historiografia maranhense mais
recente24. Nosso trabalho visa seguir nesse debate acerca do papel dos intelectuais
maranhenses a nível local, tendo como objetivo analisar os textos jornalísticos de José do
Nascimento Moraes sobre os fuzilamentos na Matta do Codó (1921) praticados pelas
tropas policiais do Maranhão durante o governo de Urbano Santos. Na condição de
Redator-chefe do jornal Diário de São Luiz (1921), Nascimento Moraes era um dos
principais articuladores do discurso de oposição ao domínio político do então governador
Urbano Santos (1918-1922).
José do Nascimento Moraes tem sido considerado um dos jornalistas maranhenses
mais atuantes no jornalismo local durante a primeira metade do século XX. Nascido em
São Luís do Maranhão, em 19 de março de 1882, veio a falecer em 22 de fevereiro de
1958. De origem humilde, filho de Manoel Nascimento Moraes e de D. Catarina Maria
Vitória (ex-escravos), conseguira com dificuldades concluir o curso de humanidades pelo
Liceu Maranhense aos 18 anos. Sua primeira esposa chamava-se D. Ana Augusta com
que tivera os filhos: Ápio Cláudio do Nascimento Moraes, Paulo Augusto Nascimento
Moraes, Nadir Adelaide do Nascimento Moraes, João José. Nascimento Moraes teve
ainda outros filhos em relacionamento extraconjugal com Maria Francisca da Graça
Bogea com quem tivera os filhos: José Nascimento Moraes Filho, Talita Moraes e
Raimundo25.
Em 1900 estreia na Imprensa maranhense pelo jornal Pacotilha, sob a tutela de
Manoel de Bettencourt. Esse jornal pertencia a Costa Rodrigues, político que liderava um
grupo político que fazia oposição a Benedito Leite, sendo este último chefe do
situacionismo político no Maranhão desde pelo menos a segunda metade da década de
24Tais estudos vão desde artigos acadêmicos, monografias de conclusão de curso, dissertações de
mestrados. Para citarmos alguns, temos: Bras (2008; 2014), Barros (2011), Araújo (2011). 25REGO, Eliana Campos Morais. O perfil de um negro, na primeira metade do século XX em São Luís
do Maranhão: José do Nascimento Moraes. Monografia apresentada à Coordenação do Curso de História
da UEMA para obtenção de graduação em licenciatura plena em História. São Luís, 1997, p.58-62.
24
90, do século XIX, domínio este que só terminou com sua morte em 1909. Ainda em
1900, Nascimento Moraes passa a figurar no periódico literário intitulado Oficina dos
Novos, sendo um dos objetivos desse órgão literário dar publicidade à produção literária
de seus integrantes.
Uma vez salientado essas breves informações acerca da estreia de Nascimento
Moraes na Imprensa maranhense, faz-se necessário tecermos algumas considerações
referentes à condição intelectual maranhense no contexto da Primeira República para nos
auxiliar numa melhor compreensão do seu itinerário nesse cenário.
José do Nascimento Moraes foi contemporâneo de uma geração de intelectuais
que se autodenominaram os “Novos Atenienses”. Foi Antonio Lobo26, seu
contemporâneo e desafeto, quem utilizou essa terminologia que passara a ser utilizada
pela historiografia maranhense para se referir aos intelectuais maranhenses que atuaram
no cenário local na Primeira República. A ideia de “Novos Atenienses” é referência ao
discurso propalado pelos literatos maranhenses ao título de “Atenas” brasileira. Antonio
Lobo estabeleceu uma periodização para se referir aos literatos maranhenses como
estando divididos em três gerações: a primeira remete ao chamado “Grupo Maranhense”,
tendo como principais representantes Gonçalves Dias, João Lisboa, Sotero dos Reis,
Odorico Mendes e Gomes de Sousa. Estes teriam sido os responsáveis pela instituição do
epíteto de “Atenas Brasileira” para São Luís (e por extensão ao Maranhão). A segunda
geração seria marcada pela emigração para o sul do país, devido as condições sociais e
econômicas do estado não favorecerem a permanência desses intelectuais no Maranhão.
Por último, haveria uma terceira geração da qual o autor do livro fazia parte que diziam
estar vivendo uma situação de marasmo econômico e literário, e que fora marcada pela
tentativa de “revigoramento” da produção literária maranhense, uma vez que o objetivo
era “reatar” os laços com a tradição literária legada pelos membros da primeira geração.
Manoel de Jesus Barros Martins (2006) em estudo sobre essa intelectualidade
autodenominada de “Novos Atenienses” expõe uma série de questões fundamentais para
compreendermos a atuação desses intelectuais no Maranhão da Primeira República. Um
dos primeiros pontos ressaltado por esse autor é a ideia de que duas temáticas centrais são
logo de início perceptíveis nos discursos desses intelectuais: um discurso decadentista e
26LOBO, Antonio. Os Novos Atenienses – Subsídios para a história literária do Maranhão. 3ª edição.
São Luís: AML/EDUEMA, 2008 [1909].
25
a referência ao mito da “Atenas Brasileira”. Em relação ao primeiro aspecto, Martins
escreve que a ideia do discurso da decadência nesses autores estabelece o início do século
XIX como marco da decadência econômica da Província do Maranhão. O período
pombalino seria visto como a época áurea da economia local, sendo de se ressaltar ainda
que, nos discursos dos intelectuais locais a respeito da economia maranhense ao longo do
século XIX, construiu-se duas imagens: um período de prosperidade e um de decadência.
Nesses termos, escreve Martins:
Essa perspectiva define um estado de decadência como sendo
percebido, aos olhares do presente de quem o sente e emite seu juízo,
do ângulo geralmente estreito da idealização de um passado mítico que
deve ser imitado para produzir um futuro destituído de possíveis
ocorrências traumáticas27.
Desse modo, tais literatos empreenderam uma série de atitudes que objetivavam
sair do que entendiam ser um marasmo literário vivenciado pelas letras maranhenses.
Ainda de acordo com Manoel Barros Martins, é notável a percepção das iniciativas desses
intelectuais cujo desdobramentos se deram numa considerável produção literária, na
criação de jornais e editoras para publicação de tais obras, “uma produção institucional
significativa”, bem como “a realização de eventos fundamentais para integrá-los”. Esses
quatro pontos são desenvolvidos pelo autor ao longo de seu texto expondo assim uma
maior visibilidade das ações dessa intelectualidade maranhense. Outro aspecto
fundamental que singulariza essa geração de literatos na concepção de Martins, quando
comparada às duas gerações que os antecederam, se daria pelo seguinte fato: “uma
característica da obra desses intelectuais foi a definição do referente Maranhão como
objeto privilegiado de análise. Essa postura distingue francamente esses letrados de seus
pares de gerações anteriores28”.
A despeito de apresentarem pontos em comuns, não faltaram as dissenções entre
os Neo-atenienses. Sendo assim, um dos exemplos mais citados é o que ocorrera com a
Oficina dos Novos, periódico criado em 1900 para ser publicado as produções literárias
de seus integrantes. Contudo, houve um rompimento entre Nascimento Moraes e Antonio
Lobo, dois dos mais destacados personagens desse grupo. O primeiro fundou a
Renascença Literária (1902) com outros literatos que o acompanharam. Essa cisão, para
Martins, teria contribuído para elevar o debate intelectual local por conta da instauração
27Martins, 2006, op.cit, p.28. 28 Ibid. p.85.
26
de uma concorrência entre os grupos para impor-se frente ao adversário, propiciando
assim uma “franca produção” literária29. Essa produção passou a ter as Revistas e os
Jornais como principais meios de divulgação, portanto, Martins salienta que em termos
numéricos a criação de periódicos na Primeira República superou a marca dos 240.
Comparado ao tempo do Império (68 periódicos) e os anos de 1931 a 1980 (150 títulos)
esses números expressam, para Manoel B. Martins, dados de uma produção significativa
levada a cabo por essa intelectualidade. Por outro lado, ressalta esse autor:
A grande maioria dos periódicos publicados durante a vigência da
República Velha no Maranhão não ultrapassou o nível de iniciativas
fugazes, de curta e de curtíssima duração. Um pequeno número deles,
mantido pelos maiores empreendimentos tipográficos do estado,
experimentou uma trajetória de longa duração, formando a grande
imprensa regional e servindo de pousio para o exercício da atividade
jornalística de expressiva parcela dos intelectuais estudados30 (Novos
Atenienses).
Embora alguns periódicos tivessem vida curta, no período de vigência serviram
para dar publicidade às obras de muitos intelectuais. Contudo, tendo em vista o que diz
Manoel Barros Martins acima, podemos perceber que havia uma parcela de Jornais cuja
duração longa, se tornaram o núcleo da grande imprensa maranhense na época da
Primeira República. Nesse sentido, os jornais passaram a ser os locais privilegiados para
a atuação desses literatos.
Essa relação dos intelectuais maranhenses com os jornais ao tempo da República
Velha parece ter em comum aspectos que eram vivenciados pela maioria dos intelectuais
brasileiros no período em questão. Sergio Micelli, em estudo a respeito da condição dos
intelectuais brasileiros nesse período, expõe algumas situações às quais estavam
submetidos que podem nos ajudar a relacionar com as experiências dos literatos
maranhenses. Um dos pontos enfocados por esse autor é a situação da carreira intelectual
relacionada à ocupação em cargos da burocracia estatal (instituições políticas, grande
Imprensa, organizações partidárias), nesse cenário: “A possibilidade de ocuparem essas
novas posições dependeu não dos títulos e diplomas que por acaso tivessem, mas muito
mais do capital de relações sociais que lograram mobilizar31”. Conforme esse autor, em
29MARTINS,2006, op.cit. p.113. 30 Ibid., p.169. 31MICELI, Sérgio. Poder, sexo e letras na República Velha (estudo clínico dos Anatolianos). IN:
Inteligência à Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p.53.
27
relação à imprensa, a atividade jornalística se tornara um “ofício compatível com o status
de escritor32”. A imprensa passara a ser um local para o qual os intelectuais “anatolianos”
vendiam/prestavam seus serviços, tornando o jornalismo uma das principais atividades
que caracterizaram as ações desses atores sociais.
Sergio Micelli salienta também as mudanças ocorridas nos jornais que os
transformaram em empresa industrial, nesse sentido escreve:
O controle dos jornais constituía um dos principais móveis da luta em
que estavam envolvidas as diversas facções oligárquicas. Um jornal era
forçosamente o porta-voz de grupos oligárquicos, seja daqueles que
estavam no poder (a “situação”), seja dos que estavam
momentaneamente excluídos do poder. Tal vínculo aparece de modo
explícito nos inúmeros relatos que mostram presidentes da República
envolvidos em manobras visando submeter a imprensa aos interesses
políticos da facção a que pertenciam33.
Sendo assim, uma vez os jornais estando sob controle das oligarquias, quer seja
da oligarquia dominante ou dos membros das oligarquias que não estavam no domínio
político, os intelectuais que atuavam nesses jornais dificilmente não tomavam partido dos
grupos políticos que controlavam (às vezes eram donos dos jornais) os jornais para os
quais trabalhavam, contribuindo assim para uma espécie de propaganda das oligarquias.
De acordo com Micelli,
Esse trabalho de celebração das oligarquias materializa-se em toda uma
série de rubricas, comentários políticos, notas apologéticas e
biográficas das grandes figuras da oligarquia, “artigos de fundo”,
“tópicos”, “ecos” e, sobretudo, os editoriais [...] Os escritores engajados
nessas tarefas viam-se obrigados a identificar-se com os interesses
políticos do jornal para o qual trabalhavam; o êxito que alcançavam por
meio de sua pena poderia lhes trazer salários melhores, sinecuras
burocráticas e favores diversos34.
Essa situação das relações entre intelectuais e poder político expostas por
Micelli também eram muito comuns para os “Neo-atenienses”. Dorval do Nascimento,
em texto voltado para análise da condição intelectual maranhense na Primeira República,
aborda uma série de estratégias colocadas em prática por esses literatos para obterem
32MICELLI, Op.cit. p.54. 33 Ibid., p.55. 34 Ibid.
28
consagração, se não a nível nacional pelo menos a nível local, bem como a situação de
“dependência” que os intelectuais tinham do trabalho jornalístico.
Esse autor problematiza a periodização apresentada por Antonio Lobo que passara
a ser aceita pela historiografia local sem muitos questionamentos. Para Dorval do
Nascimento a utilização dessa periodização colocada em circulação pelos “Novos
Atenienses” pode ser entendida como uma estratégia de auto- consagração desses letrados
num contexto intelectual no qual:
As possibilidades de carreira literária estavam marcadas, no período,
pela ausência de um mercado consumidor regular de bens simbólicos,
a nível regional, o que impossibilitava a esses intelectuais viverem de
sua própria produção literária. A carreira literária, assim, participava de
um conjunto de carreiras possíveis do sistema de dominação, vinculada
ao campo político, e que permitia aos intelectuais, conforme o caso e as
vicissitudes das disputas de poder, ocupar funções públicas de segunda
ordem no quadro das carreiras disponíveis (MICELI, 2000, p.24), em
geral como professores do Liceu Maranhense e/ou da Escola Normal,
diretores da Biblioteca pública e da Imprensa oficial e, no limite,
secretário geral do Estado, funções distantes de carreiras dirigentes
rentáveis e de prestígio como as de deputado federal, governador de
Estado e senador, ápice do espectro de carreiras dirigentes na Primeira
República35.
Dorval do Nascimento escreve ainda que o campo intelectual maranhense era
marcado por disputas entre os intelectuais como decorrência das disputas políticas, nas
quais se defendia o seu grupo político. Outro ponto apresentado por esse autor é a ideia
das disputas nas quais os intelectuais concorriam “para acumular Capital simbólico em
um meio social desprovido de condições mínimas de exercício da carreira intelectual, em
vista da inanição de um mercado consumidor de bens simbólicos36”. Reforça a
importância dos Jornais como espaço de maior atuação desses intelectuais, quer seja para
defesa dos grupos políticos que apoiavam como meio de remuneração e mesmo para
acumular Capital simbólico e social.
Ainda de acordo com Dorval do Nascimento, outro aspecto característico desses
literatos “neo-atenienses” era a percepção do Rio de Janeiro como “horizonte de
expectativa”, por ser à época o principal lugar de consagração para o literato.
35NASCIMENTO, Dorval do. Estratégias de consagração no campo intelectual maranhense na Primeira
República. IN: Dimensões, vol.26, 2011, p.241-242. ISSN:2179-8869. 36 Ibid., p.242.
29
Pensavam/sonhavam conseguir a consagração que já havia sido conquistada por
contemporâneos seus como Aluízio Azevedo, Coelho Neto, Graça Aranha, etc. Essa
proeminência do Rio de janeiro se dava, dentre outros fatores, porque “congregava
também o maior mercado de emprego para os homens de letras. Sua posição de
proeminência se consagrou definitivamente em 1897, com a inauguração ali da Academia
Brasileira de Letras37”.
Embora se possa falar nesse desejo dos intelectuais maranhenses ao verem o Rio
de Janeiro como “horizonte de expectativa”, a atuação deles a nível local foi marcada por
uma produção relativamente significativa em várias áreas do conhecimento. Destaca-se,
ainda, suas realizações em termos de criação de instituições, tais como: A Oficina dos
Novos (1900) e a Renascença Literária (1901); a Academia maranhense de Letras (1908),
as faculdades de Direito (1918) e Farmácia (1922), o IHGM (Instituto Histórico e
Geográfico do Maranhão) em 192538, além de um número significativo de periódicos.
Essas instituições passaram a integrar os espaços de consagração dos intelectuais
maranhenses da época. Além destas instituições, Manoel Barros Martins acrescenta ainda
a importância de outras instituições públicas, como o Liceu Maranhense, o Centro
Caixeiral e a Biblioteca Pública, tais instituições estavam “na vanguarda do movimento
de renovação cultural do Maranhão”, pois,
Funcionaram eles como ponto de encontro de novos e velhos
intelectuais interessados em discutir os problemas regionais. Ao
abrirem espaço para a realização de conferências, reuniões e outros
cometimentos dessa natureza, tais organismos propiciaram a que tais
intelectuais identificassem propósitos coletivos e buscassem
concretizá-los através de organismos constituídos com finalidades
específicas39.
Manoel Barros Martins apresenta os seguintes nomes dos intelectuais
maranhenses selecionados por ele como os mais destacados nas área em que atuaram:
José Ribeiro do Amaral, Manoel de Béthencourt, Antonio Batista Barbosa de Godóis,
Justo Jansen Ferreira, Antonio Francisco Leal Lobo, Aquiles de Faria Lisboa, Inácio
Xavier de Carvalho, Fran Paxeco, Raul Astolfo Marques, Domingos de Castro Perdigão,
José Américo Olímpio Augusto Cavalcante dos Albuquerque Maranhão Sobrinho,
37SEVCENKO, Nicolau. Literatura Como Missão – Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira
República. 4ª edição. Editora Brasiliense. 1995, p.93. 38NASCIMENTO, 2011, op.cit. p.243. 39MARTINS, 2006, op.cit. p.176.
30
Domingos Quadros Barbosa Álvares, José do Nascimento Moraes, Antonio da Cunha
Lopes e Raimundo da Cunha Lopes40. Entretanto, Martins entende que “Antonio Lobo,
Nascimento Moraes e Fran Paxeco foram seguramente os expoentes máximos dessa
geração41”.
Nesse cenário intelectual, José do Nascimento Moraes teve uma atuação marcada,
dentre outros fatores, por polêmicas com seus pares bem como um engajamento político
nos jornais, ora criticando o mandonismo local, ora o apoiando como se deu à época do
governo de Luiz Domingues (1910-1914). Para os propósitos do presente trabalho, nos
interessa traçar seu itinerário como jornalista nesse contexto intelectual basicamente nas
duas primeiras décadas do século XX, desde sua estreia no jornal Pacotilha (1900) até
sua atuação pelo Diário de São Luiz (1921) na condição de Redator-chefe do referido
jornal e, consequentemente, como um dos principais articuladores do discurso de
oposição ao governador Urbano Santos (1918-1922) que no período era a principal
liderança política maranhense.
Nascimento Moraes em texto intitulado Nem ontem, nem hoje, nem amanhã!42,
expõe uma série de informações acerca do seu itinerário no jornalismo local que,
juntamente com as informações de outras bibliografias e artigos de jornais que temos tido
acesso, nos ajuda a mapear sua atuação no jornalismo maranhense nas duas primeiras
décadas do século XX. Nesse texto, o autor reage a críticas que o haviam feito quando à
época era Redator-chefe do Diário de São Luiz, segundo informa, se as críticas fossem
feitas à sua pessoa, não ligaria, entretanto teriam criticado o seu lado jornalista, daí sua
necessidade de autodefesa em forma de autoconsagração. Moraes diz ter começado no
jornal Pacotilha. Este jornalista não especifica o ano, mas segundo Adriana Gama de
Araújo (2011), a estreia de Moraes se dera no ano de 1900. Nascimento Moraes salienta
ainda que esse jornal era órgão oposicionista, sendo que à época o domínio oligárquico
local obedecia a liderança de Benedito Leite. Ainda de acordo com Moraes o jornal
Pacotilha era dirigido por Barbosa de Godóis e depois por José Barreto.
Embora Nascimento Moraes ressalte que se tratava de um jornal oposicionista,
cabe ressaltar que a Pacotilha era de propriedade de Costa Rodrigues que, por ser dono
40 MARTINS, 2006, op.cit., p.149-161.. 41 Ibid., p.133. 42 DIÁRIO DE SÃO LUÍS, 8 de Julho de 1922, p.1.
31
do referido jornal teria se cercado de intelectuais de talento para atuarem em seu jornal43.
Não é difícil pensar que os intelectuais cooptados por Costa Rodrigues fossem em sua
maioria aqueles que não integravam o situacionismo oligárquico chefiado por Benedito
Leite44. Nesse sentido, Nascimento Moraes aparece no jornalismo maranhense inserido
nestas disputas políticas locais que envolviam também a atuação desses intelectuais que
tomavam partido do grupo político que dominava o jornal para o qual trabalhavam. Essas
questões referentes às relações entre intelectuais e poder político no Maranhão da
Primeira República é assim sintetizada por Rossini Corrêa: “O mecenato oficial e a
oligarquia protetora faltaram a alguns certos, que conheceram fúrias e experimentaram
perseguições, originários dos detentores do Estado Patrimonial45”.
Ainda no ano de 1900, Nascimento Moraes participou do periódico a Oficina dos
Novos, vindo a desvincular-se desse grupo e fundando junto com amigos A Renascença
Literária. Antonio Lobo (2008), ao referir-se a essa dissidência literária não comenta os
motivos da mesma. Por outro lado, Nascimento Moraes (1910) argumenta que um dos
motivos de ter saído da Oficina dos Novos teria sido por que Antônio Lobo queria criar
um grupo de literatos que seguissem suas orientações, “que lhe batesse palmas, que lhe
glorificasse o nome e o do mano (Fran Paxeco)46”, chamando para si também a
responsabilidade pelo que Antônio Lobo dizia ser o renascimento literário do Maranhão.
Ao longo da primeira década do século XX parece ter sido corriqueiro Moraes e Lobo
trocarem insultos, acusações mútuas e tentativas de desqualificar um o trabalho do outro
(falaremos um pouco dessa disputa de egos mais a frente).
Outro jornal que Nascimento Moraes participara foi A Campanha (1902-1904)
que, segundo suas informações, estava sob a direção de Ignacio Raposo que substituíra
Manoel de Bethencourt. Conforme Moraes escreve: “Era a ‘Campanha’ denodado órgão
43 MOREIRA, Arthur Q. Collares. Gomes de Castro, Benedito Leite e Urbano Santos – a cuja orientação
política, a de cada um por seu turno, obedeceu uma das correntes partidárias, dentre as que, nos dois
regimes, directa ou indirectamente, tomaram parte nos acontecimentos referidos neste livro. Rio de Janeiro
– Jornal do Commercio”. Rodrigues & Cia. 1939. 44Para mais informações sobre a “trajetória” de Benedito Leite na política maranhense, conferir: VIVEIROS
(s/d); MOREIRA, op.cit. 45CORRÊA, Rossini. Atenas brasileira: a cultura Maranhense na Civilização Nacional. Brasília:
Thesaurus; Corrêa & Corrêa, 2001. P.172. 46MORAES, José do Nascimento. Artigo VIII. IN: Puxos e Repuxos. São Luiz do Maranhão, Tipografia
do Jornal dos Artistas, 1910. Possuímos uma cópia digitalizada desse livro, sendo que o mesmo não possui
numeração de páginas. Tendo em vista se tratar de um livro resultante da reunião de uma coleção de artigos
publicados pelo jornal Correio da Tarde, no ano de 1910 e totalizando vinte artigos, ao fazermos a
referência a esse livro optamos por citá-lo pela numeração dos artigos.
32
oposicionista47”. Nesse jornal Manoel de Bethencourt tinha uma atuação de destaque por
conta dos seus editoriais, escrevendo nele um romance chamado A Crise (1902) em que
fazia uma análise geral da sociedade maranhense da época, além de tecer fortes críticas à
política local chefiada por Benedito Leite. Os desdobramentos da publicação desse
romance publicado nos editoriais do referido jornal denotam outro aspecto a que podiam
estarem sujeitos os intelectuais maranhenses: a possíveis agressões físicas como
consequência pelo que publicavam, ainda mais se se tratava de críticas a pessoas
importantes da sociedade local ou mesmo a membros do situacionismo político. Para
ilustrar essa situação vejamos o que Jerônimo de Viveiros relata a respeito do que ocorrera
após as publicações das edições dos editoriais de Manoel Bethencourt quando da escrita
de seu romance “A Crise”: “Betencourt enfeitava com virtudes os personagens que
encarnavam seus amigos e cobria de ridículo os que representavam seus inimigos48”.
Portanto, Jerônimo de Viveiros escreve que não seria difícil conjecturar que tal romance
causaria problemas e, segundo esse autor,
Foi o que se deu quando seu autor fez entrar em cena ilustre senhora da
alta sociedade de São Luís. Julgando-se ultrajada, a família visada
mandou dar uns murros em Betencourt. Mas quem os levou foi (Inácio)
Raposo, tal como, anos passados, Betencourt apanhara alguns socos
destinados ao Monsenhor Mourão49.
Ainda de acordo com Jerônimo de Viveiros, o romance “A Crise” teve sua
publicação suspensa. Entretanto, a linguagem do jornal A Campanha continuou em tons
violentos. Esse jornal acabou sendo invadido por influência do chefe de polícia. Não raro
Nascimento Moraes vai relembrar esses episódios que presenciara ao tempo que fizera
parte de A Campanha, principalmente quando queria tecer críticas às formas de
comportamentos dos domínios políticos locais com jornalistas opositores.
Humberto Ramos de Almeida Jansen Ferreira50, ao falar das relações de
Nascimento Moraes com sua família, diz que Jansen Matos (casado com a irmã de seu
pai) era o proprietário do jornal A Campanha ao tempo que Moraes participou desse
jornal. Essa informação é importante por que nos ajuda a entender como as relações de
47DIÁRIO DE SÃO LUÍS, 8 de julho de 1922, p.1. 48VIVEIROS, Jerônimo de. Benedito Leite – um verdadeiro republicano. São Luís, s/ed. 1957. P.200. 49Ibid. 50FERREIRA, Humberto Ramos de A. Jansen. Dois depoimentos. IN: MORAES, José do Nascimento.
Vencidos e degenerados. – 4ªed. – São Luís: Centro Cultural Nascimento Moraes, 2000.
33
amizade poderiam ter um peso significativo para um jornalista como Nascimento Moraes
conseguir espaço no meio jornalístico, além das suas relações com os grupos políticos
locais.
Ao deixar A Campanha, Nascimento Moraes relata que foi para a redação de A
Imprensa (1906-1907) no qual trabalhou com I. Xavier de Carvalho, salienta que esse
jornal também fazia oposição à chefia política de Benedito Leite que governava nesse
tempo (1906-1909). Um ponto importante a se ressaltar nesse intervalo de tempo é que
de acordo com M. George Gromwell, em matéria escrita em homenagem a Nascimento
Moraes pelo seu aniversário, após Moraes sair de A Campanha (1904), teria ido “para o
Amazonas, em cuja capital, nem só na imprensa, como no magistério prestou bons
serviços à mocidade e ao povo51”. Deixando de lado o aspecto elogioso dessa citação,
uma vez se tratar de um parceiro de jornalismo, o que nos interessa nesta citação é a
informação da saída de Nascimento Moraes do estado maranhense. Pelo que diz George
Gromwell, parece sugerir que Nascimento Moraes ficara em Manaus provavelmente entre
os anos de 1904 (fechamento de A Campanha) e 1906 quando passa a participar do jornal
A Imprensa (1906-1907). Contudo, segundo informação do próprio Nascimento Moraes,
ele ficara apenas um ano em Manaus.
N’A Imprensa Nascimento Moraes escrevia uma coluna intitulada Altos e Baixos
na qual tratava de vários temas (literários e políticos), assinando com um de seus
pseudônimos, João Paulo. Nesse jornal, A Imprensa, em matéria intitulada “O Nosso
aparecimento”, na qual os representantes agradecem as boas vindas oferecidas pelos
membros da Pacotilha e do Diário do Maranhão, aproveitam para apresentar quais
seriam seus objetivos, vejamos:
Estamos, como dissemos dias atrás, empenhados numa nobilíssima
cruzada, em prol do levantamento do nível moral e político do
Maranhão, e almejando unicamente, em recompensa das energias que
despender-mos, o benéfico apoio do povo, de quem nascemos e para
quem vamos viver52.
Ao falar em “levantamento do nível moral e político do Maranhão”, é possível
inferir que para esse discurso o Maranhão não vivenciava uma moralidade política digna
de uma República, desse modo o alvo direto era provavelmente o domínio político
51A PÁTRIA, 19 de março de 1908. 52A IMPRENSA, 10 de julho de 1906.
34
oligárquico chefiado pelo então governador Benedito Leite (1906-1909). Ressalte-se
ainda a tentativa de desvincularem-se de grupos políticos ao falarem que estavam a
serviço do “povo” maranhense, sendo este a principal causa dos ideais d’A Imprensa.
Esse mesmo discurso de defesa dos interesses do “povo” e a falta de vínculos com grupos
políticos aparece nos textos de Nascimento Moraes quando escrevia pelo Diário de São
Luiz (1921). Entretanto, como veremos (no terceiro capítulo), entendemos que seus
discursos não podem ser analisados fora dessas disputas políticas, pois, embora negue,
defende interesses próprios e de grupos políticos específicos.
Posteriormente, afirma Moraes: “Em seguida fundei a ‘Pátria’ (1908), jornal
oposicionista que não logrou vida longa53”. Comenta que durante a época que esteve na
direção desse Jornal teria recebido proposta para mudar a linha política do mesmo, mas
que não aceitara preferindo o fechamento do Jornal. É perceptível a “construção” de uma
imagem de si levada a cabo por Nascimento Moraes ao falar que não se vendera aos jogos
de interesses políticos que parecia estar tentando cooptá-lo, pois, nunca é demais lembrar
esse jornal fazia forte oposição ao então governador Benedito Leite. Relata que
participara ainda do jornal Maranhão que era redigido por I. Xavier de Carvalho e
Joaquim Alfredo Fernandes. Esse jornal estava sob a orientação política de Belfort Vieira
que havia se afastado da “orientação política de Benedito Leite” e, portanto, o referido
jornal passara a fazer oposição a B. Leite. Novamente Moraes faz referências a jornais
que participara e que seguia posições políticas que, embora fora do situacionismo, nos
leva a pensar o quanto estava “enredado” nessas questões políticas maranhenses da época.
Essas considerações nos ajudam a entende-lo como um intelectual cujo engajamento
político no jornalismo local tem efeitos diretos nos seus textos escritos pelos jornais que
atuara.
Após atuar no jornal citado acima, Nascimento Moraes segue falando de sua
trajetória jornalística:
Estive por algum tempo afastado da imprensa política e foi então
que escrevi os “Vencidos e degenerados”, romance em que
ensaiei um estudo da sociedade maranhense e que foi editado pelo
estabelecimento do meu ilustre amigo dr. Manuel Jansen Ferreira,
que me facilitou a sua impressão54.
53DIÁRIO DE SÃO LUÍS, 8 de julho de 1922, p.1. 54Ibid.
35
O romance Vencidos e degenerados foi publicado em 1915. Contudo, o autor diz tê-lo
escrito nos seus “primeiros anos de vida literária, quando se me rasgavam as primeiras
linhas do horizonte, quando sentia as primeiras impressões. Quantos anos passados!55”.
Pautado nessa informação, Dorval do Nascimento56sugere que é provável que o romance
“Vencidos e degenerados” teria sido escrito entre a primeira década do século XX e o ano
de 1913. Essa inferência parece se sustentar, tendo em vista o que diz o próprio
Nascimento Moraes, se levarmos em conta que Antônio Lobo faz referência ao citado
romance durante a polêmica com Moraes, no ano de 1910 (falaremos dessa polêmica mais
à frente). O texto já estava escrito em 1913, entretanto a demora de sua publicação se
dera, segundo depoimento de Humberto Ramos de A. Jansen Ferreira, “Em virtude do
acúmulo de serviço e da pobreza de recursos técnicos da época57”. Outro ponto
interessante nesse depoimento de Humberto R. de A. Ferreira é a informação que seu pai,
dr. Manuel Jansen Ferreira, resolvera publicar o texto de Nascimento Moraes em
homenagem ao mesmo. Sendo que à época Manuel Jansen Ferreira era proprietário de
“uma das mais importantes editoras do Norte-Nordeste do Brasil, recebendo e
despachando encomendas gráficas de Pernambuco ao Amazonas”.
No contexto intelectual maranhense na Primeira República talvez esses laços de
amizade contavam muito para intelectuais como Nascimento Moraes, cuja trajetória se
dera basicamente fora do “situacionismo” político e, portanto sem condições de contar
com a Tipografia da Imprensa Oficial, bem como com o apoio do grupo político
dominante para publicação de seus livros. Manoel Barros Martins ao falar das principais
tipografias existentes no Maranhão na Primeira República diz que três se destacaram: A
Tipografia Teixeira, A Tipografia J. Pires e a Imprensa Oficial58. Esta última, criada pelo
poder público em 1905, conforme Martins, embora tendo como função dar publicidade
aos atos do Governo, fora saudada com bons olhos pelos intelectuais neo-atenienses que
a viram como um meio de dar publicidade às suas obras. Contudo, Martins salienta que
apenas os intelectuais ligados ao domínio político local poderiam contar com a
55MORAES, José do Nascimento. Vencidos e degenerados. 4ª ed. São Luís: Centro Cultural Nascimento
Moraes, 2000. P.297. 56NASCIMENTO, Dorval do. A Condição Intelectual Na Primeira República em Vencidos e Degenerados,
de Nascimento Moraes. Texto apresentado ao V ENCONTRO ESTADUAL DE HISTÓRIA –
ANPUH/MA, publicado nos Anais do Evento: Em Tempos de 400 Anos: comemorações, esquecimentos
e contradições. 2012. 57FERREIRA Apud Moraes, 2000, op.cit. 58MARTINS, 2006, op.cit, p.171.
36
possibilidade de usarem a Imprensa Oficial em benefício próprio. Desse modo, escreve
Martins,
O advento da Imprensa Oficial produziu uma clara demarcação dos
espaços ocupados por cada um desses letrados atuantes na conjuntura
estudada (1890-1930), no que concerne às condições de possibilidade
necessárias para a circulação no mercado de bens culturais regionais da
produção intelectual por eles fundada59.
Ainda de acordo com Martins, os intelectuais consagrados ligados ao poder
público, ao controlarem esse órgão de Imprensa, criavam uma situação de dependência
por parte de seus pares menos afortunados que recorriam aos primeiros quando
almejavam publicar alguma obra. Essas informações nos ajudam na medida em que nos
faz perguntar por que, mesmo estando ao lado do governador Luiz Domingues (1910-
1914), Nascimento Moraes parece não ter sido “agraciado” com as benesses que o poder
público distribuía no que diz respeito à publicação de sua obra Vencidos e degenerados
(essa questão fica em aberto). Vimos acima que esse livro já estava “pronto” para
publicação em 1913 (no governo de Luiz Domingues), mas só foi publicado em 15 de
março de 1915 quatro dias antes do aniversário de Moraes e por uma editora de um amigo
(Manuel Justo Jansen). Entretanto, nada impediu que Nascimento Moraes dedicasse o
livro ao seu amigo Luiz Domingues.
Nascimento Moraes diz ter sido convidado pelo coronel Pedro Leão Viana para
“fazer parte da redação do ‘Correio da Tarde’, do qual era redator-chefe o sr. Raul
Machado, então ausente60”, afirmando ainda que era a primeira vez que “redigia um jornal
oficioso”. Com a volta de Raul Machado, Moraes ainda permanecera na redação com
Alcides Pereira. Esse jornalista faz questão de enfatizar que felizmente para ele (Moraes),
o Correio da Tarde defendia o então governador Luiz Domingues (1910-1914), que no
seu entendimento era “o mais democrata de todos os políticos maranhenses”. Os elogios
a Luiz Domingues são constantes nos textos de Nascimento Moraes, desse modo,
entendemos que talvez visse nesse governador uma oportunidade para galgar algum
emprego público, tendo em vista as trocas de favores características dessas relações entre
intelectuais e poder público. Daí ser possível pensar numa intencionalidade de Moraes ao
se referir ao governador em forma de elogios, na expectativa talvez de ser nomeado para
59Ibid, p.172. 60DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 8 de julho de 1922, p.1.
37
cargos como: Diretor do Liceu Maranhense, Diretor da Biblioteca Pública ou da Imprensa
Oficial, Diretor da Escola Normal, etc.
Esses conchavos com o governador Luiz Domingues levavam Nascimento
Moraes a silenciar que Luiz Domingues era um ator político “fruto” do jogo oligárquico
da época, sendo partidário durante certo tempo do domínio político de Benedito Leite e
posteriormente de Urbano Santos, as duas principais lideranças políticas que dominaram
as oligarquias maranhenses na primeiras República e cuja prática política fora alvo das
críticas de Moraes. A própria eleição de Luiz Domingues não fora nada democrática, se
dera a partir de decisões de “cúpula” dentro do jogo oligárquico, como consequência de
um acordo orquestrado por Urbano Santos, José Euzébio e Costa Rodrigues, pois com a
morte de Benedito Leite (1909) houve uma disputa pela chefia do situacionismo local
entre os dois primeiros. Essa situação acabou sendo resolvida com a intermediação do
então Presidente Nilo Peçanha, cujo resultado foi a eleição de Luiz Domingues.
Esse exemplo de Nascimento Moraes reforça o que vimos acima com Sergio
Miceli acerca das relações dos intelectuais com o poder público na República Velha: uma
vez na oposição teciam críticas aos dominantes do momento e elogiavam os grupos da
oposição no qual se relacionavam; por outro lado, se pertenciam ao “situacionismo” não
faltavam os elogios em artigos, discursos, crônicas de jornais, etc.
Durante o ano de 1910, uma vez o governante sendo seu amigo, Nascimento
Moraes volta a travar um duelo jornalístico com seu antigo “desafeto” Antonio Lobo.
Este último, escrevia pelo jornal Pacotilha e pelo Diário do Maranhão. Ao comentar a
polêmica travada entre Antonio Lobo e Nascimento Moraes, Carlos Gaspar considera que
tudo começou “com a chegada de Sebastião Sampaio a São Luís, com o objetivo de colher
subsídios (sobre a literatura maranhense da época) para enriquecer a Exposição Nacional
de 190861”. Nesse ano, Nascimento Moraes era diretor do jornal A Pátria (1908), sendo
assim, afirma Carlos Gaspar:
Exatamente nessa oportunidade foi publicada a carta assinada por
Antônio Lobo, dirigida a Sebastião Sampaio, sobre o movimento
literário do Maranhão. Nela, tal como aconteceu com outros
intelectuais, o tradutor de Debalde deixou, também, de mencionar o
61GASPAR, Carlos. O senhor Antônio Lobo: a fogueira da agonia. – São Luís: Edições AML, 2009.
P.218.
38
nome de Nascimento Moraes, o que gerou, entre ele e Antônio Lobo,
extenso debate, ao uso do linotipo62.
Carlos Gaspar entende que a reação hostil de Nascimento Moraes nessa disputa
nada acrescentaria de positivo para sua conduta “biográfica”. Tendo em vista essa reação
de Moraes, o autor citado diz que seria evidente que Antônio Lobo reagiria e portanto,
“não guardou a pena ou tampouco deixou de enxarcá-la de tinta, para contestar as palavras
agressivas do seu detrator63”. O que chama atenção nessa leitura de Carlos Gaspar é o
fato dele atribuir basicamente a responsabilidade para Nascimento Moraes quanto ao
início da contenda em questão. Não cita, por exemplo, os insultos racistas violentos que
Lobo lançara ao seu “adversário”. Concordamos com a abordagem de Dorval do
Nascimento (2014), a respeito dessa disputa entre Moraes e Lobo, ao sugerir que ela que
deve ser vista pelo prisma da luta por consagração num “campo literário” maranhense
marcado pelo fato de não dispor “de um mercado regular de bens simbólicos que lhes
possibilitasse viverem de sua própria produção literária64”. Nessa disputa lançaram mão
de todas as estratégias disponíveis para “atacar” o outro, ridicularizá-lo, mostrar-se mais
competente.
Nascimento Moraes (1910) criticava a escrita de Antônio Lobo apresentando seus
possíveis erros gramaticais, bem como acusando-o de atitude racistas quando retrucava o
que Moraes lhe escrevia. Utilizava de termos satíricos ao se referir a Lobo como “Antônio
Bobo”, além deste, outros foram alvos das críticas de Moraes como Antônio Lopes,
chamado por ele de “verdadeira gloria morta”. Provavelmente essa “querela” com
Antônio Lopes explica o motivo do nome de Nascimento Moraes não aparecer no livro
que Lopes escreveu acerca da “História da Imprensa” no Maranhão em 1925. Corrêa de
Araújo65 outrora elogiado por Moraes passa a ser também criticado por este (ao tomar
partido de Lobo nessa querela contra Moraes). Moraes lança mão do argumento de que
Corrêa de Araújo sequer terminara seus estudos (o que equivalia ao ensino “médio”), e
portanto, não teria competência para corrigir seus próprios escritos, daí ter pedido a
Moraes para fazer a correção de seu livro “Arpas de Fogo”.
62Ibid., p.211. 63Ibid 64NASCIMENTO, Dorval do. Antônio Lobo, de Babilônia a Atenas – as estratégias de construção da Nova
Atenas em Os Novos Atenienses. IN: Historiografia Maranhense: dez ensaios sobre historiadores e seus
tempos / João Batista Bitencourt; Marcelo Cheche Galves (orgs.). – São Luís: Café & Lápis; Editora
UEMA, 2014. P.145-146. 65Para mais informações sobre Corrêa de Araújo, ver Lobo (2008, p.64-72).
39
Cabe ressaltar que as críticas e insultos partiam de ambos os lados. Antônio Lobo
ao tempo dessa polêmica com Nascimento Moraes, em uma das suas “intervenções
pacíficas” assim se refere ao seu “oponente”:
E você, ó cretino, que nem ao menos teve coragem de mandar à
impressão aquela choldra intitulada vencidos e degenerados, que as
suas formigas tanto apregoavam?[...]Vencido tem sido v. por mim; e
degenerado é, porque, em vez de estar na Escola de Aprendizes
Artífices, aprendendo a ser sapateiro, meteu-lhe a discutir com branco
[...] Seja menos asno, ó negro sórdido66”.
Nessa citação, Antônio Lobo parece estabelecer uma clivagem entre dois
mundos: o dos trabalhos manuais (sapateiro) e o das letras. Este último, tão valorizado
pelos literatos, Lobo insinua ser de monopólio dos “brancos” e, portanto, Nascimento
Moraes, “negro”, não deveria almejá-lo, devendo se contentar com o “ofício” de
sapateiro. Essa atitude de Lobo extremamente racista, visando “naturalizar” a ocupação
das profissões de acordo com o critério racial pautado na dualidade “branco” e “negro”,
além de tentar deixar bem claro qual profissão nessa hierarquização seria a mais “digna”,
talvez expresse que nessas polêmicas literárias as estratégias utilizadas podiam ser desde
a acusação de erros gramaticais (como Lobo e Moraes se acusavam), desprezo pelo valor
literário do oponente até insultos racistas, como no caso em questão. Numa sociedade
marcada pelo preconceito racial, autores racistas como Antônio Lobo parece não terem
pensado duas vezes em “insultar” o oponente quando este fosse “negro”. O contexto de
escrita desses autores, Primeira República, foi marcado pelos discursos raciais que, na
maioria dos autores, estabelecia pautados por critérios raciais uma noção “essencialista”
e hierarquizada entre os seres humanos divididos em “brancos”, “negros”, “índios”,
“mulatos”, etc. Nessa lógica de raciocínio os “brancos” eram vistos como “superiores”
aos demais. Portanto, não é difícil perceber de onde parte Antônio Lobo ao fazer as
referências acima a Moraes.
Nascimento Moraes responde a Antônio Lobo, mas ao mesmo tempo aproveita
para chamar a atenção do então governador Luiz Domingues para que este percebesse
“como discutem pela imprensa moços que se apresentam como representantes das letras
e que se atiram ao professorado, e que se põe a educar!!!67”. Nesse trecho Moraes se refere
66PACOTILHA, 10 de agosto de 1910. 67MORAES, 1910, opcit.
40
a Lobo, Luiz Viana e Corrêa de Araújo. Em outro momento direciona sua crítica apenas
a Antônio Lobo, novamente denunciando as atitudes racistas deste último, citemos:
Nada mais falta a Lobo para o completar. Professor, ensina os
discípulos brancos e despreza os negros, mulatos, carafuzes, etc! Diz
mesmo aos discípulos que entre o branco e o negro há um abismo
intransponível; afirma-lhes que o negro é um condenado, a quem se
deve tratar com desprezo! Na verdade, não pode haver educador da
mocidade republicana que se lhe compara! Estamos convencidos de que
assim, ele preparará uma geração supimpa! Jornalista prega as mesmas
ideias: julga que insulta o adversário lançando-lhe em rosto a cor, e não
satisfeito, ameaça de surra de rêlho cru! Edificante68.
Talvez não seja difícil inferir que ao chamar a atenção do governador Luiz
Domingues para a forma como seus (de Moraes) adversários o tratavam na imprensa,
Nascimento Moraes vise ganhar prestígio junto ao governador e possivelmente pensasse
que poderia convencê-lo que Antônio Lobo não seria a pessoa mais adequada para estar
à frente da direção das principais instituições de ensino maranhense e, provavelmente, se
colocasse como um “candidato” mais adequado para exercer tais postos. Essas estratégias
de tentativas de convencimento do governador, colocadas em práticas por Nascimento
Moraes, podem ser percebidas quando o próprio Moraes relata que até aquele momento
(1910) vivia principalmente das aulas particulares que ministrava, mas com a ascensão
de Luiz Domingues ao posto de governador, escreve:
[...] nos animamos a meter a colher, porque S. Exc. Dr. Luiz
Domingues, espírito culto, conhecedor profundo dos homens e das
coisas, saberá no seu elevado critério, de administrador e intelectual,
joeirar, paciente como todos os homens superiores, os
“acontecimentos” que de quando em vez atirarmos à publicidade69.
A despeito da intencionalidade no texto de Nascimento Moraes e, tendo em vista
sua atuação como educador (professor), até onde sabemos, parece não ter sido indicado a
nenhum cargo público de relativa importância para os intelectuais da época, sendo apenas
nomeado pelo governador Luiz Domingues para lecionar a cadeira de “aritmética álgebra
e geometria” na Escola Normal. Dorval do Nascimento elenca os seguintes cargos que,
no contexto intelectual maranhense na Primeira República, eram opções importantes dado
a situação de fragilidade do campo intelectual maranhense que inviabilizava os literatos
viverem apenas de suas produções literárias: professor do Liceu Maranhense e da Escola
Normal, Diretor da biblioteca Pública, Diretor da Imprensa Oficial70, acrescentaríamos
68MORAES, 1910, Artigo IX. 69CORREIO DA TARDE, 13 de Julho de 1910. 70NASCIMENTO, 2014, p.147.
41
ainda os cargos de Diretor do Liceu Maranhense e da Escola Normal. Durante o governo
de Luiz Domingues, Antônio Lobo exercera os cargos de Diretor do Liceu e Inspetor da
Instrução Pública, por nomeação do governador71.
Desse modo, talvez teria sido difícil para Moraes lidar com a ideia de ver seu rival
continuar sendo prestigiado pelo governador apesar de constantemente tentar abrir seus
olhos. Entretanto, Luiz Domingues parece não ter dado ouvido aos conselhos de Moraes
e dos outros integrantes do jornal Correio da Tarde (1910) que também criticavam Lobo
frequentemente. Antônio Lobo e Luiz Domingues, como bem ressalta Carlos Gaspar,
eram amigos e o próprio governador faz questão de deixar bem claro o quanto tinha
apreço e consideração por Lobo.
Essa polêmica travada entre Moraes e Lobo, resultou na publicação do livro Puxos
e Repuxos (1910), uma coletânea de artigos de Nascimento Moraes referentes a esse
embate, que foram selecionados e reunidos por seus amigos e publicado pela Tipografia
do Jornal dos Artistas.
Uma vez fechado o jornal Correio da Tarde, Nascimento Moraes diz ter se
afastado novamente do jornalismo (pela segunda vez, mas não especifica quanto tempo),
acrescentando ainda: “e foi quando me preparei para o concurso da cadeira de Geografia
Geral do Liceu maranhense, que ainda hoje ocupo72”. Antes de comentarmos sobre esse
concurso, vejamos o que diz Moraes em seu romance Vencidos e degenerados (1915)
acerca da situação da “instrução pública” maranhense à época:
Há vilas que há anos não possuem um professor! Contam-se os
felizardos que sabem ler e escrever em certas localidades. Depois do 13
de Maio o Estado precisava de um serviço de instrução de primeira
ordem. Mas os concursos sendo abolidos, os lentes deixaram de
ingressar nos estabelecimentos de instruções pelas portas abertas, como
dantes: passaram a saltar janelas, pela interinidade73 (Grifo nosso).
Não cabe aqui fazermos uma explanação mais demorada acerca da questão da
instrução pública maranhense da época, por outro lado, o que nos interessa na citação
acima é a possibilidade de inferirmos as intenções do autor. Ao mesmo tempo que faz
uma constatação a respeito da “instrução pública”, Moraes parece apontar para a questão
das relações clientelísticas entre professorado e poder público local. Os primeiros ficando
71GASPAR, op.cit, p.48. 72DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 8 de julho de 1922, p.1. 73MORAES, 2000, p.210.
42
na dependência de nomeações e, portanto, é possível pensar em tais nomeações como
sendo usadas pelos grupos políticos como “moeda de troca” por votos e favores de várias
espécies. Nascimento Moraes por ter passado toda primeira década atuando nos jornais
de oposição ao domínio político local, talvez soubesse que não podia contar com tais
nomeações, sendo assim, ao denunciar a falta de concursos provavelmente tivesse
expectativas de que voltassem a serem feitos. O tão esperado concurso ocorre em janeiro
de 1914, ainda no governo de Luiz Domingues.
O Diário Oficial do Maranhão em matéria do dia 10 de janeiro de 1914, intitulada
“O concurso de Geografia do Liceu”, publica a seguinte informação: “Começará no dia
13 do corrente, a uma hora da tarde, no Palácio do Governo, o concurso para o provimento
da cadeira de geografia do Liceu Maranhense74”. Um ponto importante a ser frisado nessa
matéria é que no primeiro momento o concurso parece visar o preenchimento de uma
única vaga, mas como veremos a cadeira acabou sendo desmembrada e o concurso acabou
contemplando os dois concorrentes. Chegado o dia do concurso (13/01/1914), publica o
Diário Oficial: “Teve começo, hoje, o concurso para o provimento vitalício da cadeira de
Geografia do Liceu Maranhense. Compareceram dois dos candidatos inscritos, o prof.
José do Nascimento Moraes e o bacharel em ciências e letras Raimundo Lopes da
Cunha75”. Nos demais dias, até o término do concurso (16/10), o Diário Oficial publica
constantes matérias atualizando as informações sobre as etapas do concurso.
Nascimento Moraes acaba sendo aprovado em primeiro lugar e, após o resultado,
relata o Diário Oficial do Maranhão: “foi muito cumprimentado o sr. prof. Nascimento
Moraes, nome sobejamente conhecido e apreciado nas letras maranhenses76”. Após os
resultados, com ambos os candidatos aprovados, “O Sr. Governador do Estado, por ato
de hoje, destacou da cadeira de Geografia a parte de Chorografia (sic) do Brasil e, da de
História Geral, a parte História do Brasil, formando com elas a cadeira de Chorografia e
História do Brasil77”. Com a criação da nova disciplina, o segundo colocado Raimundo
Lopes da Cunha pôde ser contemplado no concurso em questão78. A partir dessa
74DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 10 de janeiro de 1914. 75DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de janeiro de 1914. 76DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 17 de janeiro de 1914. 77Ibid. 78Com essa atitude do governador Luiz Domingues algumas questões de cunho especulativo ficam no ar:
por que o concurso não foi aberto logo para as duas disciplinas e, portanto, o governador poderia tê-las
desmembrado antes do mesmo? Caso Nascimento Moraes tivesse ficado em segundo lugar, será se o
governador teria a mesma atitude? Teria pesado o fato de Raimundo Lopes ser de família tradicional e
43
aprovação, Nascimento Moraes que parece vivera até então de aulas particulares e do
jornalismo, passava a fazer parte do quadro de funcionários públicos do Maranhão como
professor de Geografia do Liceu maranhense, principal instituição de ensino público local
à época.
Ainda de acordo com o itinerário jornalístico que Nascimento Moraes nos
apresenta, relata que fora convidado por Astolpho Marques e Eyder Pestana para
colaborar n’O Jornal que, à época “não tinha feição política e por isso mesmo escrevia
nele o que se queria”. Nesse jornal, Moraes diz ter escrito várias “cartas políticas” pelas
quais atacava os erros da política maranhense. Nesse jornal, Nascimento Moraes
trabalhara ao lado de Eyder Pestana. Este último ainda trabalhava n’O Jornal quando
Nascimento Moraes era Redator-chefe do Diário de Sã Luiz (1921). Nesse período, por
questões que veremos mais à frente, ambos jornalistas e jornais estavam em campo
político opostos: um na “situação” e o outro na oposição. Se outrora, Nascimento Moraes
fora chamado por Eyder Pestana para trabalhar n’O Jornal, no período aqui em análise
os representantes desse jornal vão negar qualquer qualidade jornalística em Moraes,
devido sua campanha contra o governador Urbano Santos
Embora Nascimento Moraes fale que nessa época O Jornal não tinha feição
política, o mesmo relata que escrevia textos nos quais abordava a política maranhense.
Nesses termos, entendemos que talvez se refira que tal jornal não defendesse um grupo
político específico mas isso não implicava em não falar da política local. Essa questão
apenas reforça o que vimos acima a respeito das relações entre jornalismo e domínio
político na Primeira República: não fazer parte do grupo político dominante do momento
não implicava necessariamente em isenção política. Por conta de sua amizade com
Agostinho Reis, Nascimento Moraes teria voltado a colaborar na Pacotilha escrevendo
sobre vários temas.
Após apresentar seu itinerário jornalístico, no seu artigo que temos seguido aqui
como parâmetro para expor sua trajetória, Nascimento Moraes fala em tom de auto-
defesa,
Nunca bajulei políticos. Nenhum dos nossos políticos poderá apresentar
cartas, cartões ou telegramas meus pedindo uma colocação. A que tenho
no Liceu obtive num concurso sério em que entrei com o meu colega
sobrinho de um ex-governador (Manuel Lopes da Cunha) pertencente ao situacionismo? Enfim são
questões que ficam no ar.
44
Raimundo Lopes que também foi nomeado para uma das partes da
cadeira que ambos disputávamos79.
Nascimento Moraes ao expor uma escrita de si parece ter como intenção
desconstruir uma imagem sua que os jornais governistas (ou pró-governo) colocavam em
circulação à época (1922) de forma a tentar desmoraliza-lo enquanto jornalista da
oposição. Nesse sentido, diz que em sua carreira jornalística jamais solicitara favores
políticos, construindo para si, portanto, uma forma de conduta social na qual o que
conseguira, emprego de professor do Liceu, fora resultado de esforço próprio que fizera
passar no concurso do Liceu. Sua atuação no Diário de São Luiz apenas reforçaria sua
trajetória jornalística que, Moraes parece fazer questão em salientar, se dera basicamente
na oposição aos domínios políticos locais: personificados nas pessoas de Benedito Leite
(1900-1909) e posteriormente Urbano Santos (1914-22).
Cabe ressaltar que embora Nascimento Moraes faça tais considerações é difícil
pensar que não tivera favores políticos, pois como vimos, ao tempo do governo de Luiz
Domingues fora indicado para lecionar na Escola Normal. Além do fato de que trabalhara
para vários jornais maranhenses que, embora não fossem governistas, estavam ligados a
grupos políticos que que faziam oposição às oligarquias dominantes. Outro aspecto
interessante nessa trajetória jornalística de Nascimento Moraes são as informações que
ele apresenta que nos ajudam a entender como provavelmente se dava seu recrutamento
para trabalhar nos jornais citados acima. Na maioria das vezes foram convites de amigos
para que colaborasse nos jornais em que estes últimos atuavam.
Essas questões de amizades entre os intelectuais maranhenses parece ter sido um
fator de proteção mútua dadas as situações que relatamos acima acerca do contexto
intelectual local e suas condições que inviabilizavam que esses letrados vivessem
especificamente de suas produções literárias. Nesses termos, como bem salienta Manoel
de Jesus Barros Martins: “Uma vez integrados aos seus (dos jornais) corpos redacionais,
ou mesmo como colaboradores frequentes, podiam potencializar as chances de
vulgarização de suas obras, bem como podiam concorrer para a promoção do produto
intelectual de colegas e companheiros de jornadas e de agruras80”. Outras vezes os
convites poderiam vir de membros de grupos políticos marginalizados das oligarquias
dominantes, como ocorrera com Belfort Vieira que havia se afastado (ou marginalizado?)
79DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 8 de julho de 1922, p.1. 80MARTINS, 2006, p.173.
45
da orientação política de Benedito Leite, e que convidara Nascimento Moraes para
colaborar no jornal Maranhão.
Quanto aos jornais que Nascimento Moraes participara (no intervalo de tempo que
nos interessas aqui) quase todos tiveram vida curta, mas essa parece ter sido uma situação
vivenciada por vários outros jornais. De acordo com o que expomos acima, podemos
fazer uma espécie de divisão, por motivos de questões meramente didáticas, do itinerário
de Nascimento Moraes (por nós traçado) no jornalismo partidário maranhense, como
apresentando três momentos: a primeira fase (1900-1909) atuando nos jornais
oposicionistas; uma segunda fase, esta durante o governo de Luiz Domingues (1910-
1914), na qual Nascimento Moraes fazia parte do jornal governista Correio da Tarde; e,
por um terceiro momento, após o governo de Luiz Domingues, em que esse jornalista
volta novamente a participar dos jornais oposicionistas aos governos situacionistas.
Portanto, como diz o próprio Nascimento Moraes, uma trajetória jornalística enveredada,
principalmente, pelo caminho das oposições aos grupos políticos hegemônicos locais.
Pelo Diário de São Luiz José Nascimento Moraes exercia a função de Redator-
chefe durante o período que nosso trabalho aborda. Personagem central desse jornal,
Moraes se torna um dos principais articuladores do discurso de oposição ao então
governador Urbano Santos e, durante os desdobramentos dos fuzilamentos na Matta do
Codó, esse jornalista vai fazer forte campanha contra o governador acusando-o de
mandante dos crimes praticados pelas tropas policiais. Os artigos jornalísticos de
Nascimento Moraes nos dão indícios sobre o governo de Urbano Santos que contrastam
completamente com os discursos situacionistas. O episódio dos fuzilamentos na Matta
aparece nos textos desse jornalista como o resultado de um domínio político marcado por
características que, em tudo contrastavam com um verdadeiro regime republicano.
Em nosso entendimento, os discursos colocados em circulação por Nascimento
Moraes expressam um modo de percepção da realidade muito característicos dos
discursos jornalístico que prezavam, pelo menos em termos ideais, por algumas normas
básicas para esse tipo de discurso, tais como: o ideal de objetividade (imparcialidade)
quanto aos relatos e notícias publicadas; o discurso de fidelidade aos fatos; falam ainda
em isenção partidária, enfim, dentre outros aspectos perceptíveis.
Contudo, entre estes critérios de construção discursiva, para os relatos
jornalísticos, e as práticas discursivas, parece haver certo distanciamento, pois, na
46
produção desses discursos a serem analisador por nós, o que percebemos é que as versões
apresentadas por Nascimento Moraes sobre os fuzilamentos na Matta, devem ser
compreendidas tendo em vista as suas intenções partidárias e, sendo assim, foi
fundamental compararmos seus textos com as versões governistas acerca dos referidos
fuzilamentos, objetivando compreendê-los numa “perspectiva dialógica”. Nascimento
Moraes vai construindo sua percepção ao longo do período dos desdobramentos dos
acontecimentos na Matta, pautado nas informações que os correspondentes de seu jornal
lhes enviavam; nas notícias que os jornais situacionistas colocavam em circulação, estas
Moraes lia quer seja para questioná-las ou, não raro, para endossar tais informações
governistas.
Nesse sentido, como veremos, a leitura que esse jornalista vai apresentando em
seus textos parece estar diretamente relacionada ao fazer jornalístico, marcado pelas
notícias rápidas, sensacionalistas, feito às pressas para serem publicado no dia seguinte,
sem às vezes dar tempo de construir um texto mais aprofundado acerca dos temas, o que
levava a mudanças de percepção (ponto de vista) em relação a determinadas questões,
como por exemplo, a mudança de ponto de vista em relação a Manoel Bernardino, visto
no primeiro momento como um lunático e, posteriormente, passa a ser elogiado nas
páginas do Diário de São Luiz, como um verdadeiro defensor das causas do povo
maranhense.
Feitas essas considerações sobre a trajetória jornalística de Nascimento Moraes,
nas duas primeiras décadas do século XX, relacionando-a ao contexto intelectual
maranhense na Primeira República, apresentaremos nossas análises (Ver capítulo 3)
focando especificamente sua atuação pelo Diário de São Luiz na cobertura que fizera dos
fuzilamentos de quatro homens pelas tropas policiais no sertão maranhense.
47
2. O domínio oligárquico maranhense sob a liderança de Urbano Santos (1918-22)
Antes de analisarmos os desdobramentos da ação do governo de Urbano Santos
para reprimir o que se dizia ser um levante de camponeses no interior (na Matta), cabe
fazermos algumas breves considerações acerca da sua trajetória política para
compreendermos como se tornou o principal nome da política maranhense, após a crise
“intra-oligárquica” que se sucedeu com a morte de Benedito Leite, em 1909. Em matéria
do Diário Oficial do Maranhão, em 1921, acerca da sucessão presidencial para a eleição
que ocorreria em março de 1922, percebe-se um discurso propagandístico a respeito de
Urbano Santos. Essa matéria começa falando de Arthur Bernardes, candidato à
Presidência, tendo sido Urbano Santos o escolhido para Vice-Presidência, na mesma
chapa. Nesse sentido, a matéria apresenta a ideia que teria sido acertada a escolha do
político maranhense para o citado cargo, pois, enfatiza o discurso oficial:
Parlamentar, que no Senado Federal se reputou pelo talento, pela
cultura jurídica e pela capacidade de trabalho, qualidade que soube pôr
sempre ao serviço da Nação, o ilustre brasileiro; que também se
notabilizou como administrador de largas e inteligentes iniciativas, no
desempenho de altos postos de governo, é hoje uma individualidade
conhecida e admirada em todo Brasil.81
Essa é uma das matérias que, após indicação de seu nome para vice-presidência
na chapa de Arthur Bernardes, passaram a fazer elogios ao governador maranhense. Essa
estratégia discursiva em divulgar ideias “positivas” sobre a imagem de Urbano Santos
aparece novamente no Diário Oficial do Maranhão, ao publicar uma matéria que teria
sido publicada pelo jornal “Da República”, de Florianópolis no dia 10/6/1921, que reforça
essa campanha pró-Urbano Santos. Essa matéria apresenta uma breve exposição da
trajetória do político maranhense.
Segundo a referida matéria, Urbano Santos nasceu em 1859, na cidade de
Guimarães (Maranhão). Fez curso de humanidades em São Luís e posteriormente foi para
Recife, matriculando-se na Faculdade de Direito, sendo ainda: “Discípulo dos mais
diretos de Tobias Barreto distinguiu-se logo pelo seu talento e amor às letras, sendo tido
como um dos mais futurosos espíritos de seu tempo”82. Fala também sobre os estudos que
fez da “cultura germânica”, bem como ter se notabilizado no “mundo das letras”. Após
formar-se em “Ciências jurídicas e sociais” (1883) regressa ao Maranhão, sendo nomeado
81 DIARIO OFICIAL DO MARANHÃO, 1 de julho de 1921, p.4. 82DIARIO OFICIAL DO MARANHÃO, 8 de julho de 1921, p.3.
48
Promotor Público do baixo Mearin, cargo no qual ficou poucos dias. Teve nova nomeação
para promotor Público em 5 janeiro de 1885 da comarca de Rosário.
No ano de 1886 é nomeado Juiz municipal de Coroatá, entretanto, não teria
aceitado o cargo, sendo nomeado então para esse posto seu amigo e correligionário
político Benedito Leite. Urbano Santos teria exercido também os cargos de juiz municipal
em São Vicente de Ferrer, ficando alguns meses nessa localidade e sendo transferido
posteriormente para São Bento, em 1888. No ano seguinte foi nomeado Juiz de Direito
de Campos Novos, em Santa Catarina. Anos depois, embora fosse eleito governador do
maranhão em 1898, Urbano Santos não assumiu o cargo83.
De acordo com Artur Q. Collares Moreira, nesse momento, não era do interesse
de Urbano Santos o cargo no executivo estadual, pois: “[...] eleito, se aceitasse o posto,
teria de deixar o Rio de Janeiro, com grande prejuízo para sua banca de advogado na qual
estava a trabalhar com crescente sucesso84”. Teria sido também, por questões de
interesses familiares, que Urbano Santos não desejava naquele momento afastar-se do
Rio de janeiro. Portanto, eleito governador, ainda conforme Moreira, Urbano Santos
renuncia ao cargo, como havia combinado com Benedito Leite, então chefe do
situacionismo político maranhense.
Urbano Santos teria exercido ainda as seguintes funções:
Reeleito deputado federal a 4 e 5 legislaturas (1900-1905), foi em 1906
eleito senador por 9 anos, terminando seu período em 1914[...]
Advogado na capital Federal desde 1897 homem de letras, jurisconsulto
e financista, foi primeiro vice presidente da Câmara dos Deputados e
pertenceu nessa casa do Congresso a Comissão de Finanças85.
Essas informações, acerca da trajetória política de Urbano Santos, demonstram
um aspecto comum no processo de formação das lideranças políticas maranhenses, pois,
como bem ressalta Flávio Reis, estes atores políticos trilharam um caminho comum na
formação do político de carreira. De acordo com Reis: “A trajetória usual iniciava nos
bancos das faculdades de Direito do Recife e, mais raramente, de São Paulo, logo passava
83DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 8 de julho de 1921, p.3. 84MOREIRA, opcit., p.50. 85DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, Op.cit, p.3.
49
por algum cargo na justiça (promotoria, juizado), na polícia, fazenda ou secretaria da
presidência, até chegar à representação política no âmbito nacional86”.
Além dessas questões colocadas por Flávio Reis, é importante acrescentarmos
que, de acordo com Rossini Corrêa, outro aspecto característico da formação das
oligarquias87maranhenses é a ideia do advogado como profissional legitimado para
comandar a máquina estatal. A carreira na burocracia administrativa acabou por se
configurar como uma saída para os membros da elite local que sofriam com a crise
econômica do setor agrícola maranhense88.
Conforme Rossini Corrêa salienta, a Faculdade de Direito de Recife fora a
instituição que formara a maioria dos representantes da elite política maranhense que
atuara na Primeira República, citando como exemplo os nomes de seis governadores
desse período, são eles: Manoel Lopes da Cunha, Benedito Leite, Urbano Santos, estes
três primeiros formados na turma de 1882; Luiz Domingues, da turma de 1883; Artur
Colares Moreira, turma de 1888; e, por último, Raul Machado, da turma de 1892. Cabe
ressaltar que os referidos atores políticos pertenciam ao mesmo grupo oligárquico. Nesses
termos, Rossini Corrêa considera outro ponto importante para compreendermos as
relações que moldaram as aproximações entre estes agentes políticos: [...] “as relações
primárias, sedimentadas no companheirismo acadêmico, exerceram uma presença
considerável, contribuindo ao surgimento de três governadores – Manoel Lopes, Urbano
Santos e Benedito Leite – na mesma turma – a de 188289”.
Tendo em vista a necessidade de uma análise do domínio político maranhense,
na época governo de Urbano Santos (1918-22), compreendemos que esse agente político
deve ser entendido como uma peça no mecanismo de domínio político vigente no
Maranhão da Primeira República, embora não esqueçamos que uma das peças centrais
86REIS, Flávio. Grupos Políticos e Estrutura Oligárquica no Maranhão. São Luís: [s.n], 2007. P.57. 87Utilizaremos aqui o conceito de “oligarquia” proposto por Flávio Reis, citemos: “Designaremos por
‘oligarquia’ o setor especificamente político que iniciou sua formação entre as décadas de 1850 e 1860,
cujas funções primordiais no processo mais amplo de construção do Estado Nacional eram a organização
das disputas políticas no âmbito regional, aglutinando as facções e permitindo o funcionamento do jogo
partidário [...] Trata-se de um grupo cuja gênese é marcada pelo hibridismo: de um lado, parece apenas um
setor instruído e especializado nas funções da administração e da política que se destaca no núcleo de
famílias de grandes proprietários rurais, onde está sua origem social; de outro, o seu fortalecimento está
intimamente ligado à utilização patrimonial do Estado, ao controle das nomeações para os cargos públicos
e ao trânsito de que desfruta nas instâncias superiores da administração nacional” (REIS, 2007, p.51). 88CORRÊA, Rossini. Formação Social do Maranhão: o presente de uma arqueologia. Prefácio de
Bonifácio Andrade. – São Luís: SIOGE, 1993. P.154. 89Ibid., p.155.
50
desse mecanismo, pois fizera parte de uma geração de atores políticos que passaram a
dominar o cenário político maranhense na Primeira República. Desse modo, nos
pautamos ainda no trabalho de Flávio Reis, Grupos Políticos e Estrutura Oligárquica no
Maranhão, para compreendermos esse sistema de domínio político. Esse autor aborda o
processo de formação da oligarquia política no Maranhão que, na sua concepção “teve
seus traços formativos definidos entre meados do século XIX e o início do século XX90”.
Ressalta que, com a República, ocorrera o seguinte:
A mudança de regime acelerou o processo de renovação interna da
oligarquia, pois, além da morte de velhos líderes (Vieira da Silva e o
Barão de Grajaú, em 1889, logo depois Silva Maia), figuras de
expressão como Felipe Franco de Sá, Marcelino Nunes Gonçalves e
Luiz Henrique Vieira da Silva decidiram encerrar suas atividades
políticas. Uma outra geração ocuparia o centro do palco: Costa
Rodrigues, Benedito Leite, Luiz Domingues, Urbano Santos, José
Eusébio de Oliveira, Casimiro Dias Vieira Jr., Francisco da Cunha
Machado91.
Essa nova geração de políticos maranhenses trilharam o padrão de carreira política
já assinalado, vindo posteriormente a assumirem também profissões liberais, na
advocacia e no jornalismo.
Flávio Reis dá ênfase ao enfoque em três tipos de ações, levadas a cabo pelas
oligarquias que passaram a controlar o Estado, que possibilitaram a concentração de poder
nas mãos do executivo estadual. São eles: a organização eleitoral, a relação Estado-
município e o fortalecimento do poder executivo frente ao judiciário e ao legislativo.
Em relação à organização eleitoral, Flávio Reis escreve que uma das
características desse processo se dava por conta de que caberia ao legislativo (na maioria
das vezes governista) resolver as questões relativas às eleições. Quanto à relação Estado-
Município, teria havido uma limitação política e financeira, por conta da alteração da Lei
Orgânica dos Municípios, criada em 1892. Passou a ser de responsabilidade do governo
do Estado a partilha dos recursos para os municípios e também ficaria sob o mando do
Estado outros serviços antes atribuídos aos municípios, como por exemplo, a proibição
das milícias nos municípios, ficando a cargo do executivo estadual a responsabilidade
pelo policiamento dos municípios. Por último, o executivo estadual tinha o poder de
escolher os juízes estaduais. Para Reis, esses pontos são fundamentais para
90REIS, 2007, op.cit, p.23. 91Ibid p.72.
51
compreendermos o processo de centralização de poder nas mãos das oligarquias
maranhense na Primeira República92.
Esses aspectos apresentados por Flavio Reis nos ajudam a entender os
mecanismos formais do domínio oligárquico no Maranhão. Contudo, um dispositivo
fundamental nesse tipo de domínio político, característico da “cultura política93”
brasileira na Primeira República, foi o uso da violência pelos grupos políticos em disputas
partidárias, como meio de manter o domínio político, no caso dos grupos que dominavam
a “situação”, ou mesmo o recurso à violência se dava pelos opositores como tentativa de
assumir as rédeas do Estado, ou até dos municípios. A nossa análise está voltada para um
desses casos de uso da violência por parte da oligarquia liderada por Urbano Santos contra
opositores no interior maranhense.
Alguns dos estudos historiográficos acerca da política maranhense na Primeira
República consideram que Urbano Santos e Benedito Leite foram as duas principais
lideranças oligárquicas do período. O segundo fora o principal líder do grupo político que
passara a exercer a hegemonia política no Maranhão a partir dos rearranjos oligárquicos,
de 1892 até sua morte em 1909. Durante esse período, a política maranhense foi
polarizada basicamente pelas disputas entre o grupo oligárquico chefiado por Benedito
Leite e a oposição liderada pelo médico Costa Rodrigues. Para termos uma ideia dessa
hegemonia do grupo político sob a liderança de Benedito Leite, podemos citar o que
escreve Luiz Alberto Ferreira em relação a esse período (1892-1909), vejamos: “Entre o
ano de 1892 e 1907 a oposição não conseguiu eleger nenhum representante no âmbito
estadual”.94
Ainda de acordo com Luiz Alberto Ferreira, Benedito Leite e Costa Rodrigues
foram nesse período os principais articuladores da criação dos seguintes partidos: Partido
Republicano, este sendo o primeiro partido criado no novo regime político (República)
sob a liderança de Costa Rodrigues e “composto por antigos liberais (do Império)”; e, o
92REIS, 2007, op.cit, p. 80-83. 93Entendemos esse conceito a partir da definição proposta por Rodrigo Patto Sá Motta, como: “[...] conjunto
de valores, tradições, práticas e representações políticas partilhado por determinado grupo humano, que
expressa uma identidade coletiva e fornece leituras comuns do passado, assim como fornece inspiração
para projetos políticos direcionados ao futuro” (MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Desafios e possibilidades na
apropriação de cultura política pela historiografia. In: Culturas políticas na história: novos estudos /
organização Rodrigo Patto Sá Motta. – Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2009. P. 21.) 94FERREIRA, Luiz Alberto. Decomposição e Recomposição: Querelas e intrigas nas tramas dos novos
partidos no Maranhão (1889-1894). In: Outros Tempos, www.outrostempos.uema.br. ISSN 1808 – 8031,
volume 01, p.12.
52
Partido Federalista, criado por Benedito Leite em 189295. Esses dois partidos
praticamente foram as bases dos quais saíram os agentes políticos que atuaram na política
maranhense desse período.
Essa questão do uso das siglas partidárias no Maranhão ao longo da Primeira
República foi objeto de análise de Giscard Farias Agra que notara como houvera uma
mutação nos usos dessas siglas de forma que no decorrer desse período os integrantes
desses partidos trocaram de siglas partidárias e, paradoxalmente/curiosamente, se
apropriaram da sigla adversária.
Passamos então a expor, a partir do trabalho de Giscard F. Agra, como se deu essa
troca de siglas entre os dois principais grupos políticos que polarizavam até então as
disputas partidárias maranhenses. Uma primeira consideração desse autor que queremos
destacar aqui em relação aos dois partidos citados (Partido Republicano e Partido
Federalista) refere-se a que:
Embora uma certa base das oligarquias reunidas em torno deste último
(o Partido Federalista) tenha permanecido à frente do poder estadual até
o golpe de 1930, saindo daí todos aqueles que ocuparam o cargo de
governador do Maranhão, o próprio Partido Federalista – bem como o
Partido Republicano –, enquanto experiência devidamente nomeada,
não sobreviveu nem mesmo àquela década que o inventou96.
De acordo com Agra uma primeira reorganização nos usos das siglas partidárias
se dera em fins da década 1890 e tinha como pano de fundo uma disputa pela sigla do
Partido Republicano Federal (PRF), que havia sido criado em 1893 pelo político paulista
Francisco Glicério, “como uma tentativa de construção de um partido político nacional”.
Essa empreitada de criar um partido nacional não lograra êxito, entretanto, no Maranhão
os partidários de Costa Rodrigues “resolveram adotar a sigla daquele partido e renomear
localmente a oposição, passando, portanto, a identificar-se como Partido Republicano
Federal (PRF), nome que usariam até o início da Era Vergas97”.
95Ibid., p. 3. 96AGRA, Giscard Faria. Quando a doença torna a vida um fardo: a trajetória de Humberto de Campos
(1928-1934). Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de
Pernambuco, linha de pesquisa Cultura e Memória, como requisito à obtenção do título de Doutor em
História. 2014. P. 112. 97Ibid., p.112-113.
53
Por outro lado, o grupo político hegemônico (Partido Federalista) já na segunda
metade dos anos 1890 passara a se autodenominar de Partido Republicano (PR), sigla que
até poucos anos antes era utilizada pelo adversário. Para Agra essa autodenominação que
gerara a mudança da sigla dos “situacionistas” maranhenses provavelmente teria sido por
conta das relações de suas lideranças oligárquicas com as lideranças das oligarquias
dominantes de outros estados agrupados em torno da sigla de Partido Republicano.
Contudo, ainda conforme esse autor, nova confusão em torno das siglas ocorrera quando
o novo Partido Republicano (situacionista) passou a utilizar também o epíteto de Federal,
(re)nomeando-se de Partido Republicano Federal, “no momento em que os costistas
(partidários de Costa Rodrigues) também já se intitulavam dessa maneira98”.
Em fins de 1899, os situacionistas formalizaram o uso da sigla Partido
Republicano, à qual sofreria nova mudança em 1910 motivada pelas relações de Urbano
Santos, então principal liderança da política do situacionismo, com Pinheiro Machado
que, assim como Francisco Glicério, tentara criar um partido de âmbito nacional
intitulado Partido Republicano Conservador (PRC). Esta sigla, passara a ser usada pelos
situacionistas maranhenses, entretanto, o referido partido a nível nacional teve vida
“efêmera” pois fora extinto no ano da morte de seu idealizador Pinheiro Machado, em
1916. A despeito de nessa época o então governador maranhense Herculano Parga (1914-
18) ter tentado renomear a sigla para Partido Republicano Maranhense (PRM), Urbano
Santos resolvera renomear novamente apenas para Partido Republicano99.
Feitas essas considerações a respeito dos usos das siglas partidárias pelos grupos
políticos em disputa no Maranhão, ressalte-se que a política maranhense, com a morte de
Benedito Leite (em 1909), passou a ter Urbano Santos como sua principal chefe da
oligarquia hegemônica no Maranhão. Ao comentar a ascensão de Urbano Santos na
direção da política maranhense, Rossini Corrêa faz a seguinte consideração:
O substituto de Benedito Leite na liderança partidária foi Urbano
Santos, maranhense prestigiado nos arraiais da política nacional, onde
se desimcumbiu (sic) com sucesso das responsabilidades de Ministro
de Estado e Vice-Presidente da República. Foi, em pessoa, Governador
do Maranhão, e procurou estruturar a política estadual sob o imperativo
da convivência pacífica, com as lideranças partidárias liquidadas, na
prática, pela composição pluralista das principais possibilidades
98AGRA, Op.cit. p.113. 99Ibid., p.114.
54
empregatícias e da participação diretora na política e na administração
da terra timbira100.
Uma questão nessa citação, que entendemos ser problemática afirmar
categoricamente, como faz Rossini Corrêa, é a ideia que o domínio político de Urbano
Santos fora marcado “sob o imperativo da convivência pacífica”, pois, partimos do
pressuposto que, e nossa análise segue nesse intento, seu domínio não diferiu muito das
formas de controle oligárquico que fora a tônica da cultura política brasileira da Primeira
República marcada pelo uso de violência contra opositores bem como de conivência com
os atos de agressão praticados por seus correligionários. Aliás, nas considerações que
Rossini Corrêa faz sobre Benedito Leite e Urbano Santos, não aparece em nenhum
momento qualquer análise crítica acerca desses líderes oligárquicos. Em relação a
Benedito Leite, Corrêa praticamente reproduz as informações do livro de Jerônimo de
Viveiros101 que trata da biografia do político maranhense. Esse livro é perceptivelmente
uma biografia elogiosa sobre Benedito Leite, sem dar voz aos discursos da oposição e
suas denúncias ao domínio desse agente político maranhense.
No que diz respeito à crise102 na política maranhense, que se percebe após a morte
de Benedito Leite (1909) e que possibilitara a ascensão de Urbano Santos como principal
liderança da política maranhense, teria sido controlada pelo então Presidente Nilo
Peçanha. Este teria tido papel fundamental como articulador para acabar com o impasse
político que tinha Urbano Santos e José Euzébio como principais candidatos à chefia do
situacionismo político, em substituição a Benedito Leite. Dessa disputa, Luís Domingues
é eleito governador (1910-14) sendo apoiado por Urbano Santos. O novo governador,
conforme Artur Q. Collares Moreira, não teria se submetido aos caprichos de Urbano
Santos, entretanto, se reaproximaram, no segundo biênio do governo de Luiz
Domingues103.
Artur Q. Collares Moreira comenta que ao tempo da presidência de Hermes da
Fonseca (1910-14) houvera algumas deposições de governos estaduais e circulara o boato
de que o governador maranhense Luiz Domingues seria deposto. Esta deposição se daria
100CORRÊA, opcit, p.175. 101VIVEIROS, Jerônimo de. Benedito Leite – um verdadeiro republicano. São Luís, s/ed., 1957. 102Giscard Farias Agra faz o seguinte comentário em relação as cisões ocorridas entre os situacionistas no
Maranhão da Primeira República: “As principais cisões ocorridas no interior do partido situacionista do
Maranhão, portanto, foram protagonizadas por três grupos: a oligarquia dos Moreira, em 1906; o grupo de
Herculano Parga, em 1921; e os correligionários de Marcelino Machado, em 1925” (AGRA, Op.cit, p. 103) 103MOREIRA, op.cit, p.177-195.
55
em março de 1912. Se se consumasse a deposição, assumiria o governo Costa Rodrigues,
vice-governador e principal líder da oposição ao situacionismo oligárquico, chefiado
agora por Urbano Santos. Uma vez comunicado sobre esses boatos, Urbano Santos age
rapidamente para evitar que ocorresse a referida deposição e, por conseguinte, o governo
fosse assumido por Costa Rodrigues. Assim escreve Artur Q. C. Moreira a respeito dessa
questão:
[...] procurou (Urbano Santos) entender-se imediata e pessoalmente
com o presidente da República (Hermes da Fonseca), a quem declarou
discordar absolutamente do projeto de deposição do governador do
Maranhão, ouvindo, então, do presidente, estar surpreendido com o que
Urbano lhe dizia, pois haviam lhe afirmado estar este de inteiro acordo
com a deposição, que justamente, devia ser, em tempo oportuno, levada
efeito pelo coronel Abílio de Noronha. Mas, desde que Urbano não
estava de acordo com a providência, ordenaria, não só o regresso do
major Rocha Lima como mandaria sustar o embarque do coronel Abílio
de Noronha. E, assim foi feito e Luiz Domingues não foi deposto104.
Urbano Santos, à época senador pelo Maranhão, fora um dos que apoiaram a
candidatura de Hermes da Fonseca, sendo assim, ao saber dos boatos de deposição do
governador maranhense, talvez teria ido ao encontro do então presidente Hermes da
Fonseca para cobrar-lhe a manutenção do pacto da política nacional que fora estabelecido
desde Campos Salles, a política dos governadores, no qual o presidente daria apoio aos
grupos oligárquicos que dominavam os estados. Essa ação de Urbano Santos evitara que
o governador maranhense Luiz Domingues fosse deposto, como ocorrera em outros
estados da federação.
A partir da experiência vivenciada no governo de Luiz Domingues, que quisera
num primeiro momento desvencilhar-se das influências de Urbano Santos, este último
usa como estratégia, para evitar novos possíveis desentendimentos, lançar-se candidato
ao governo do Estado, tornando-se eleito nas eleições de 31 de agosto de 1913, para o
quatriênio 1914-18. Contudo, não assumiu por conta da indicação de seu nome à
candidatura a vice-presidência da República, na chapa que teria Wenceslau Braz como
candidato à presidência, para os anos de 1914-18. Sendo assim, envia sua carta de
renúncia ao Congresso estadual maranhense, sendo a mesma aprovada pelo referido
Congresso. Uma vez publicizada sua renúncia, deixando a cargo do congresso estadual
organizar nova eleição para o executivo maranhense, Urbano Santos é saudado por seus
104MOREIRA, Op.cit, p.165.
56
partidários, pela indicação à vice-presidência. Essa saudação é expressa nas palavras do
deputado Máximo Ferreira, 1° secretário do Congresso, ao dizer o seguinte:
Lamento deveras, lamento sinceramente, que o Maranhão se veja
privado das luzes de seu preclaro filho na suprema direção dos seus
destinos, mas força é confessar que o nosso Estado não tinha o direito
de exigir, em proveito próprio, que os demais Estados da União
privados ficassem dos altos serviços do ilustre Sr. Senador Urbano
Santos, que, no posto para que foi indicado pelo país, muito pode e há
de fazer pelo engrandecimento da nossa terra105.
O enunciador do discurso acima, numa clara estratégia propagandística da pessoa
do senador Urbano Santos, apresenta um discurso lamentoso ambíguo: ao mesmo tempo
que lamenta que o Estado maranhense não iria contar com a administração do ilustre ator
político, por outro lado felicita o país porque teria na vice-presidência Urbano Santos.
Nesse sentido, parece haver uma tentativa de singularizar o senador maranhense quando
comparado a outros possíveis candidatos ao cargo de vice-presidente. Outra questão
interessante na citação acima é a ideia que Urbano Santos teria sido escolhido pelo país,
entenda-se os eleitores brasileiros, quando estas escolhas eram resultado da política de
cúpula das oligarquias que dominaram o cenário político brasileiro na Primeira
República. Tendo sido eleito vice-presidente, Urbano Santos, consolidou mais ainda sua
influência na política maranhense.
Uma vez divulgado a renúncia de Urbano Santos, Costa Rodrigues que havia sido
eleito 1° vice governador, também renuncia, por conta dos acordos estabelecidos com
Urbano Santos106. Havia temor dos partidários de Urbano Santos quanto à possibilidade
de Costa Rodrigues assumir o governo. Entretanto, Artur Q. Collares Moreira apresenta
um dos motivos que levara Costa Rodrigues não assumir, apoiando, assim, a candidatura
de Herculano Parga: “Não fez, é de admitir, porque tinha certeza de ser Herculano Parga,
o candidato pleiteado por Brício e por ele Costa (Rodrigues) e seus amigos, pelas
promessas e garantias que constava terem estes recebido, seu correligionário107”. Ainda
de acordo com Moreira, Herculano Parga, uma vez no governo, frustrou as expectativas
de Costa Rodrigues e seus aliados que passaram a fazer forte campanha oposicionista ao
seu governo pelo jornal A Pacotilha, de propriedade de Costa Rodrigues.
105DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 18 de fevereiro de 1914, p.1. 106MOREIRA, op.cit, p.181. 107Ibid., p.185.
57
A eleição de Herculano Parga se dera dentro dos conchavos da política de cúpula,
tendo a participação da oposição liderada por Costa Rodrigues que após a morte de
Benedito Leite passara a ter aproximações políticas com seus herdeiros situacionistas. O
novo governador Herculano Parga, assim como Luiz Domingues, teria tentado se
desvencilhar da influência de Urbano Santos, sendo assim, a estratégia deste último para
manter o domínio local foi se lançar candidato ao governo para o período de 1918-22,
sendo, portanto, novamente eleito.
Uma vez no governo maranhense, Urbano Santos tomara algumas atitudes que
reforçaram ainda mais o poder do executivo estadual: a Reforma da Constituição estadual,
em 1919. Um ponto de destaque nessa reforma constitucional, foi o fato de que ficaria a
cargo do governador a escolha do intendente (prefeito) da capital maranhense, portanto,
acabando com as eleições para o executivo municipal (São Luís). Cabe ressaltar, que já
era da alçada do executivo estadual a escolha de juízes para as comarcas maranhense.
Esse interesse de Urbano Santos em controlar o executivo municipal da Capital, se
explica, segundo Mário M. Meireles, por conta dos impasses que presenciara ao tempo
da eleição municipal que elegera Clodomir Cardoso108.
Essa eleição municipal foi marcada, conforme Arthur Q. Collares Moreira, por
atritos internos ao grupo situacionista, pois a disputa pelo governo municipal se dera entre
os candidatos Clodomir Cardoso e Raul Machado. O primeiro era apoiado pelo então
governador Herculano Parga, que não aceitara a candidatura do segundo, por ser irmão
de Cunha Machado. Este último, teria se colocado contra a candidatura de Herculano
Parga ao governo estadual, daí a oposição de Herculano Parga ao seu irmão nas eleições
municipais, como represália. Ainda de acordo com Moreira, Urbano Santos se absteve de
apoiar qualquer um dos lados, alegando ser amigo de ambos os candidatos109.
Uma das características do governo de Urbano Santos (1918-22), em termos de
acordos políticos, segundo Ananias Alves Martins, teria sido o fato que “a oposição foi
praticamente extinta ou cooptada para o seu bloco110”, entenda-se a oposição do grupo de
Costa Rodrigues. Urbano Santos parece não ter esquecido as tentativas de Herculano
Parga em desvencilhar-se de sua influência e, na primeira oportunidade que tivera,
108MEIRELES, Mario M. História do Maranhão. Fundação Cultural do Maranhão. 2ª Edição. São Luís.
Maranhão, 1980. P. 337. 109MOREIRA, op.cit., 192-193. 110MARTINS, Ananias Alves. Barricadas no Palácio dos Leões: o golpe de 1922 no Maranhão. Prefácio
de José de Ribamar C. Caldeira. – São Luís: SIOGE, 1993, p.61.
58
excluiu Herculano Parga da chapa situacionista. Esta exclusão ocorrera quando da
indicação dos nomes para concorrer aos cargos de deputado federal pelo Partido
Republicano (situacionista) nas eleições de fevereiro de 1921. A lista dos indicados para
comporem a chapa situacionista para concorrerem aos cargos de deputado federal, para
as legislaturas de 1921-1925, nas referidas eleições (fevereiro de 1921), apresentara
apenas uma mudança, se comparada aos nomes indicados e eleitos na legislatura anterior
(1917-1921): a substituição de Herculano Parga por Magalhães de Almeida, este último
genro de Urbano Santos111.
Uma vez excluído do situacionismo oligárquico, Herculano Parga “teve que
articular a sua candidatura fora da chapa recomendada pelo diretório do Partido
Republicano”, sendo assim, acrescenta Ananias A. Martins:
No dia 31 de janeiro de 1921, um grupo de cinco pessoas – Carlos
Augusto de Araújo Costa, Tarquínio Lopes Filho, Luís Eduardo Pires,
Thomás de Aquino e Silva, Inácio do Lago Parga – em matéria paga no
Diário de São Luís, indica o nome de Herculano Parga para a cadeira
de deputado federal no pleito de 20 de fevereiro de 1921. Estava
formado o primeiro grupo parguista, futuro P.R.M ou Flor da
Viração112.
Ananias A. Martins comenta que o resultado das eleições fora favorável a
Herculano Parga, pelo menos na capital (São Luís), cuja apuração dos votos era mais
rápida que no interior, ficando como o segundo mais votado. Esta situação garantiria uma
das vagas a Herculano Parga, todavia: “Bastou um acordo de gabinete entre Costa
Rodrigues e Urbano Santos para começar a aparecer votos no interior para os deputados
costistas”113. Com esse acordo de gabinete e a ajuda dos votos do interior aos candidatos
do grupo de Costa Rodrigues, Herculano Parga acabara não sendo eleito. Portanto, com
essa estratégia política, Urbano Santos consegue dois objetivos, em uma jogada: afastar
Herculano Parga e cooptar o grupo de Costa Rodrigues. À época desse acordo,
Nascimento Moraes não deixou passar em branco os desdobramentos do mesmo para as
eleições de fevereiro e que haviam resultado na vitória de membros do PRF (costista),
111Ananias A. Martins apresenta um quadro comparativo com os nomes dos deputados federais eleitos
nessas duas legislaturas. Para a de 1917/1921, constam: Luiz Domingues, Agripino Azevedo, Francisco da
Cunha Machado, Artur Q. Colares Moreira, Marcelino Machado, José Barreto Herculano Parga; para a de
1921/1925, a única substituição é a indicação e eleição de Magalhães de Almeida, no lugar de Herculano
Parga. MARTINS, 1993, p.40-41. 112Ibid., p.38. 113Ibid...
59
sendo assim, em um de seus editoriais no Diário de São Luiz, intitulado não por acaso de
“O filhotismo político”, assim se refere às eleições estaduais:
Os leitores, sem dúvida, já compreenderam o que valem os nossos
pleitos eleitorais e o caráter dos reconhecimentos assim como das
apurações.
Não há eleição séria, presentemente, quer o sejam, quer não. Não há
candidato que esteja seguro da votação que lhe dispensou, por seu
merecimento, ou por sua simpatia, o eleitorado de sua terra.
A eleição representa mera formalidade, e os fatos que durante o pleito
se desenrolarem poderão ser de que natureza forem, regulares ou
irregulares, legais ou ilegais114.
Desse modo, uma vez assim descrito como ocorrera o pleito maranhense que
resultara na exclusão de Herculano Parga e, com a criação do Partido Republicano
Maranhense, o governador Urbano Santos passara a sofrer forte oposição dos membros
desse partido. Saliente-se que, em termos de oposição, o jornal Diário de São Luiz, desde
seu surgimento em outubro de 1920, já vinha fazendo campanha contra o domínio
oligárquico liderado pelo governador Urbano Santos. A oposição maranhense ganharia
um aliado a nível nacional, a partir de junho (1921), com a formação da Reação
Republicana: tanto os membros do Partido Republicano Maranhense passariam a ter
contatos com os líderes desse grupo político, como o jornal Diário de São Luiz passaria
a ser o órgão de imprensa local que passara a fazer propagandas e dar publicidade aos
discursos dos representantes da Reação Republicana. Em relação à formação da Reação
Republicana, Anita Leocádia Prestes escreve que se tratava de:
[...] uma articulação formada, em (junho de) 1921, pelas forças políticas
vinculadas aos Partidos Republicanos do Distrito Federal e dos estados
do Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia e Pernambuco,
insatisfeitos com a escolha do mineiro Artur Bernardes para a sucessão
presidencial de Epitácio Pessoa. Embora derrotada no pleito de março
de 1922, essa coligação eleitoral, criada para dar sustentação à
candidatura fluminense de Nilo Peçanha à presidência da República,
obteve grande repercussão no País, empolgando amplos setores das
populações urbanas, que se mobilizaram contra a política dominante
das oligarquias paulista e mineira115.
Formada, portanto, em junho de 1921, a Reação Republicana vai se articular com
as oposições estaduais que estavam fora do domínio político nos estados da federação.
Um aspecto importante, ressaltado por Anita Leocádia Prestes, é a questão que a Reação
114DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 28 de abril de 1921, p.1. 115PRESTES, Anita Leocádia. Os Militares e a Reação Republicana: as origens do tenentismo.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1993. P.16-17.
60
Republicana tem como um dos motivos de sua formação, o fato de se tratar de um tipo de
cisão oligárquica dos estados citados acima, que passaram a questionar o domínio de São
Paulo e Minas Gerais. Os discursos dos representantes da Reação Republicana são
marcados pela ideia de moralização política, condenando o tipo de prática política
orquestrado pelas oligarquias dominantes de São Paulo e Minas Gerais. Cabe ressaltar
que, entre tais discursos e a prática política, parece haver certa divergência, pois, as
principais lideranças políticas da Reação Republicana, eram nomes de chefes
oligárquicos em seus respectivos estados: Nilo Peçanha116, no Rio de Janeiro; Borges de
Medeiros, no Rio Grande do Sul; J.J Seabra na Bahia.
Durante os desdobramentos dos fuzilamentos na Matta e principalmente após as
declarações do tenente Henrique Dias, dizendo ter cumprindo ordens do governador
maranhense para praticar os crimes, a imprensa partidária da Reação Republicana, em
outros estados, passaram a dar visibilidade aos acontecimentos no interior maranhense,
reforçando as acusações ao governador Urbano Santos. Acusar o governador maranhense,
à época também candidato à vice-presidência na chapa de Artur Bernardes, tendo em vista
o contexto de disputas políticas, também era uma forma de atacar diretamente os
representantes da chapa oficial.
A nível local o cenário político maranhense no ano de 1921 (contexto de nosso
estudo) estava configurado, em termos de siglas partidárias, em basicamente três: Partido
Republicano (situacionista), Partido Republicano Federal (de Costa Rodrigues) e o recém
criado Partido Republicano Maranhense (oposição). Como bem lembra Giscard F. Agra,
a existência de três siglas partidárias com o epíteto de Republicano acabara por criar um
mal entendido em uma das matérias do Diário de São Luiz117 que, em editorial intitulado
“Sem energia e sem objetivo político” de sua edição de 1 de junho (1921), objetivando
fazer uma crítica ao partido situacionista (PR) acabara por se referir ao PRM. Contudo,
no dia seguinte os representantes desse jornal se desculpam do equívoco mas não deixam
de questionar a existência de três partidos com o epíteto de Republicano. Nesses termos,
afirma Agra acerca das características dos partidos maranhenses:
No Maranhão, os partidos compunham-se, como em várias outras
localidades do Norte do Brasil, da união de certas oligarquias que, sob
116Sobre a atuação de Nilo Peçanha da política Nacional na Primeira República, ver: PINTO, Surama Conde
Sá. A correspondência de Nilo Peçanha e a dinâmica política na Primeira República. – Rio de Janeiro:
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro, 1998. – (Série Monografias premiadas, 1998). 117DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 1 de junho de 1921, p. 1.
61
a liderança de um chefe político, lutavam por interesses particulares. O
partido político era menos uma associação de pessoas com ideologias e
projetos sociais comuns, e mais um composto de grupos que defendiam
os seus próprios interesses políticos e econômicos. A adesão política,
portanto, dava-se menos à sigla partidária do que ao líder que
congregava os interesses dessas oligarquias. Daí ser comumente usado
o nome do líder oligárquico como um adjetivo para se referir aos seus
partidários118.
Embora Agra se refira basicamente aos estados do Norte, é provável que suas
considerações acima possam se estender aos partidos políticos em âmbito nacional119.
Após essas considerações a respeito da ascensão política de Urbano Santos na Primeira
República bem como das configurações gerais das oligarquias maranhenses, dos partidos
políticos maranhenses e das disputas político-partidárias a nível local e nacional, para
situarmos o contexto político no qual se baseia nosso trabalho, passamos à exposição, nos
tópicos seguintes desse segundo capítulo, de nossas análises dos discursos dos jornais
governistas acerca dos acontecimentos no povoado da Mata (Codó).
2.1. Diário Oficial do Maranhão: um espaço de divulgação dos atos governistas e
“propaganda” do governador Urbano Santos.
Enquanto órgão de Imprensa do governo estadual, o jornal Diário Oficial do
Maranhão apresenta informes a respeito dos atos do governador e da administração
pública estadual como um todo. De acordo com Manoel de Jesus Barros Martins120, esse
periódico foi criado em 1905, “para cumprir pautas tipicamente oficiais”, passando a
circular em 1906. Desse modo, ao tempo dos acontecimentos na Mata, esse jornal
divulgava telegramas recebidos e enviados pelo governo dando notícias das atuações e
medidas tomadas por Urbano Santos referentes ao caso em questão. Publicava os
inquéritos abertos para apurar os responsáveis pelos fuzilamentos na Mata, os
depoimentos dos que participaram da operação policial, portanto, os resultados finais de
tais investigações foram divulgados por esse órgão da imprensa local.
118AGRA, Op.cit. p. 99. 119Fazemos essa afirmação baseado no que escreve Vavy Pacheco Borges acerca dos partidos políticos no
Brasil da Primeira República, citemos: “Os autores concordam que, antes de 1930, os partidos políticos são
estaduais ou só nominalmente nacionais mas atendem aos interesses das oligarquias ou de grupos regionais.
Isso explica bastante bem o amorfismo ou falta de coesão ideológica e programática de praticamente todos
os partidos na Primeira República. O único partido de âmbito nacional, então, era o Partido Comunista
Brasileiro, fundado em 1922”. BORGES, Op.cit, p.24-25. 120MARTINS, 2006, op,cit. p.170.
62
Nesse sentido, nossa análise do Diário Oficial do Maranhão se concentrará em
dois momentos: na análise das primeiras informações acerca da conspiração na Mata e as
ações do governador para conter tal levante; num segundo momento, a partir das notícias,
divulgadas por esse jornal no dia 16 de agosto, de fuzilamentos praticados pelas tropas
militares do Estado e, consequentemente, a instauração do Inquérito policial para
investigar os crimes da força policial.
Temos observado que esse veículo de informação servia também para colocar em
circulação discursos cujas ideias acerca da imagem do governador Urbano Santos o
apresentavam como um agente político dotado das melhores qualidades que se esperava
de um administrador público. Cumprindo, assim, uma campanha interna (no Estado do
Maranhão) e também externa ao Estado, pois, como vimos fora escolhido candidato à
vice-presidência na chapa governista que tinha Artur Bernardes como candidato oficial à
presidência do Brasil, para as eleições de 1° de março de 1922. Esse papel desempenhado
pelo Diário Oficial do Maranhão fica perceptível em várias matérias como, por exemplo,
ao dar publicidade a uma matéria do jornal “O Correio de Codó”. Tendo como título Dr.
Urbano Santos, o texto em questão fala da indicação do governador maranhense para a
candidatura à vice-presidência na chapa de Artur Bernardes. Ressaltando que Urbano
Santos já havia ocupado esse cargo em outra oportunidade, na presidência de Wenceslau
Braz (1914-18), informa a matéria que dificilmente se encontraria candidato mais
apropriado, ou “que excedesse aos predicados do ilustre maranhense, já conhecido em
todo o país como um legítimo expoente da moralidade, do direito, da Justiça, da harmonia
e da paz”, afirmando ainda que a Convenção Nacional que o escolhera “Poderia ter
achado outro igual, mas que o excedesse, não121”. Esta escolha, de acordo com o discurso
situacionista, seria motivo de orgulho para os maranhenses.
Além da tentativa de alçar o governador maranhense a uma condição de
singularidade enquanto ator político a nível nacional, tendo em vista vários outros nomes
que almejavam ter sido indicado para a vice-presidência, a matéria elenca uma série de
palavras para caracterizar Urbano Santos de forma a justificar tal indicação: ilustre
maranhense, expoente da moralidade, do direito, da justiça, da harmonia e da paz. Essas
palavras usadas costumeiramente pelos vários grupos políticos oligárquicos, no contexto
da Primeira República, parece sugerir que havia um acordo tácito em relação às
121DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 15 de julho de 1921, p.3.
63
características ideais de um agente político, sendo os adversários caracterizados
costumeiramente como o avesso dessas classificações. Contudo, entre as palavras e os
atos há fortes indícios de uma disparidade, pois parece ter sido regra nos domínios
oligárquicos a prática de um domínio político que destoava dos belos discursos de
democratas proferidos em seus órgãos de imprensa, como no caso do governador Urbano
Santos.
De olho nas eleições estaduais do dia 1° de setembro (1921), o Diário Oficial do
Maranhão publica várias matérias endereçadas ao eleitorado maranhense especificando
os nomes dos candidatos situacionistas. Para o cargo de governador estadual foram
escolhidos Godofredo Viana (senador maranhense) e Raul Machado para vice-
governador. Estes haviam sido escolhidos de acordo com as decisões do Partido
Republicano e de seu ilustre chefe (Urbano Santos). Conforme a matéria,
A vitória no atual pleito que o Partido Republicano aspira e espera
confiante no eleitorado maranhense, representa para o Estado a certeza
da continuidade no futuro quatriênio da política de atividade
progressiva, de iniciativas empreendedoras, de prudência refletida e
consciente, como de probidade, não aparente, mas verdadeira e real, que
tem assinalado o governo e a administração no quatriênio atual. Os
maranhenses ficarão assim com a certeza de que dos atos do governo
será excluído o favoritismo, não campeiarão (sic) o ódio nem a
violência, o crime não será premiado como será proscrita a vingança122.
Essa matéria fala em continuidade do domínio político liderado por Urbano
Santos, elencando novamente uma série de características do que diziam ser o tipo de
prática de governo levado a cabo pelos representantes do Partido Republicano, cujo
exemplo seria a administração do então governador Urbano Santos. Desse modo, além de
fazerem uma campanha estadual (referimo-nos ao executivo e legislativo), essa matéria
também parece fazer a campanha de Urbano Santos para eleição presidencial do ano
seguinte. Temos então uma estratégia de autoconsagração dos membros do Partido
Republicano que, ao se apresentarem como os nomes mais adequados para darem
continuidade a um tipo de domínio político que estava à frente da administração
maranhense, acabam por colocar em circulação seus discursos como estando em
consonância com os interesses do povo maranhense. Nesse sentido, é possível
compreendê-los como executando algo que parece ser muito comum nos jogos de
disputas políticas e que Pierre Bourdieu (2004) chama de “efeito de metonímia”, vejamos,
122DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 3 de agosto de 1921, p.3.
64
O efeito de metonímia permite a universalização dos interesses
particulares de dirigente partidário, permite atribuir os interesses do
mandatário aos mandantes que ele supostamente representa. O principal
mérito desse modelo está em explicar o fato de os mandatários não
serem cínicos (ou muito menos e com frequência muito menor do que
se poderia esperar), de serem envolvidos pelo jogo e de realmente
acreditarem no que fazem123.
É perceptível, tanto nos discursos do situacionismo quanto da oposição, lançarem
mão desse “efeito de metonímia”, cada grupo apresentando-se como os legítimos
representantes dos interesses do “povo maranhense” e, por consequência, uma acusação
mútua no que diz respeito a uma tentativa de desqualificar o adversário como aquele que
não tem em vista os ditos interesses do “povo”, mas apenas o próprio interesse. Dadas
essas informações sobre a imprensa oficial, passamos à análise de suas matérias.
2.1.1 Noticiários, telegramas e inquéritos sobre os fuzilamentos na Matta
O Diário Oficial do Maranhão traz em seu Noticiário, em matéria de 8 de agosto
de 1921, informações recebidas pelo governo, por meio de um telegrama procedente de
Barra do Corda, acerca de um grupo homens sob a liderança de um homem chamado
Manuel Bernardino de Oliveira que, segundo o citado telegrama, visava derrubar o
governo por meio de um levante. Esse telegrama começa chamando atenção do
governador Urbano Santos para os “acontecimentos gravíssimos que estariam ganhando
proporções”, daí a necessidade de esclarecer o governador sobre os acontecimentos,
No centro Codó lugar Matta a seis léguas povoado Curador reside
Manoel Bernardino Oliveira, inteligente grande propagandista ideas
(sic) socialista. Capitão Sebastião Gomes subdelegado 4º distrito acaba
chegar afirmando que Bernardino alicia adeptos números que ali
acorrem de diversos pontos. Ultimamente prega derramamento de
sangue dizendo que é tempo derribar governo montar outro acordo
populares.124
Segundo essa matéria, Manuel Bernardino havia afirmado estar apoiando
membros do PRM (Partido Republicano Maranhense). Reforçando a ideia acerca dos
objetivos de Manoel Bernardino, Walfredo Lyra, juiz municipal de Barra do Corda, ligado
ao situacionismo, observa ainda no citado telegrama enviado a Urbano Santos:
Consta ter cerca mil homens preparados para luta dia eleição. Levando
estes factos presença v.exc. peço medidas urgentíssimas prevenindo
123BOURDIEU, Pierre. A delegação e o fetichismo político. IN: Coisas Ditas; tradução Cássia R. da
Silveira e Denise Moreno Pegorin; revisão técnica Paula Montero. – São Paulo: Brasiliense, 2004. P. 201-
202. 124 DIARIO OFICIAL DO MARANHÃO, 8 de Agosto de 1921, p.3.
65
contra fatos de consequências desastrosas. Lembro ser elas quanto antes
extensivas Codó, cujo centro se prepara movimento125.
Walfredo Lyra segue falando que as famílias do povoado de Curador, nas
proximidades de Codó, estariam alarmadas com os boatos referentes ao que se dizia do
grupo de Manuel Bernardino e que, portanto, esperavam medidas urgentes do governador
para conter a possível revolta. Walfredo Lyra enviou ainda a transcrição de uma carta que
teria sido escrita por Manoel Bernardino e endereçada a Euclydes Maranhão, este era
amigo do desembargador Dioclides Mourão (ligado ao PRM). Nessa carta Bernardino
avisa Euclydes Maranhão quanto à necessidade de fazer revolução contra o governo de
Urbano Santos, visto como ilegítimo, vejamos um trecho do conteúdo dessa carta:
Matta 26 de julho de 1921, Amigo e sr.major Euclydes Maranhão.
Comunico-vos que tendo recebido instruções do Rio (de Janeiro)
relativamente ao direito que temos de fazer a revolução contra
Governos ilegitimamente constituídos e vendo a aproximação da hora
resolvi fazer agentes por todo este município e de Mirador onde conto
com forte elemento para o fim almejado, digo forte em número. E como
as instruções que recebi diz que o nosso inimigo só ficará convencido
depois do batismo de sangue, é preciso que não façamos traição porem
que devemos pregar abertamente pois o tempo chegou126.
Essas palavras de Manoel Bernardino parecem ter causado forte impressão nas
autoridades de Codó e Barra do Corda, de onde foram mandados, por integrantes do grupo
político do governador os primeiros telegramas avisando-o do que estava ocorrendo e das
intenções de Bernardino. Após apresentar telegramas de diferentes pessoas e lugares, o
Diário Oficial do Maranhão expõe que: “Em vista destas comunicações, procedentes de
diversos pontos e de pessoas de interesses políticos antagônicos, resolveu o governo
adotar prontas providencias para reprimir o movimento anunciado”.127 O governador
Urbano Santos enviou telegramas para Walfredo Lyra (juiz municipal) e para o capitão
Sebastião Gomes, subdelegado de polícia de Curador,
Incumbindo este último de armar gente, não só para manter a ordem em
Curador como para impedir que os desordeiros fugissem para o sertão,
quando atacados pela força que enviaria de Codó. E efetivamente nesse
mesmo dia enviou para Codó uma força de 40 praças sob as ordens dos
tenentes Taurino (Lobão) Lemos e (Antônio Henrique) Dias com
destino a Matta128.
125Ibid.. 126DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 8 de Agosto de 1921, p.3. 127Ibid. 128Ibid.
66
Chama nossa atenção nessas ações do governador Urbano Santos o fato de ter
autorizado Sebastião Gomes a armar paisanos, apontando, portanto, para um uso de
capangas pelo poder oficial que se mesclava com as tropas militares do Estado, esta, pela
lógica, a força legítima para agir em tais expedições, expondo assim, uma indistinção
entre legalidade e ilegalidade. Um ponto interessante nesse discurso de Urbano Santos é
a estratégia de desqualificar o grupo de Manuel Bernardino, chamando-os de desordeiros,
não raro aparecendo nos jornais situacionistas classificados como jagunços. Desse modo,
tendo em vista o campo de lutas políticas nos quais esses discursos foram proferidos,
sendo acirrado mais ainda pelo fato de ser período pré-eleitoral (as eleições estaduais
estavam marcadas para 1° de setembro), é de suma importância atentarmos para o aspecto
ideológico dos mesmos. Enquanto governo, o tom dos discursos de Urbano Santos e seus
partidários é marcado por uma ideia de legitimidade, a despeito dos recursos utilizados
para manter tal legitimidade.
Urbano Santos fora informado pelo major Augusto de Faria Bello, por meio de
um telegrama, que Manoel Bernardino de Oliveira e Felippe Moreira, apontados como os
“cabeças” da conspiração da Matta, haviam chegado à delegacia de Codó: “[...]
garantindo nenhuma sedição haver ali129”. Uma vez de posse de tal informação, o
governador maranhense dera ordens a Sebastião Gomes para desarmar “seu pessoal”, foi
dito ainda para o major Augusto de F. Bello para ordenar o tenente Henrique Dias que
voltasse a Codó, com as 20 praças conduzindo os detidos da Matta para prestarem
depoimento à polícia. Ainda segundo o Diário Oficial do Maranhão: “Ao tenente Taurino
(Lemos) foi ordenado que permaneça em Matta ainda durante alguns dias afim de
tranquilizar de todo a população do logar (sic)130”.
O leitor deve ter percebido que até aqui não fizemos sequer uma referência aos
fuzilamentos na Matta praticados pelas tropas policiais do Estado sob o comando do
tenente Antônio Henrique Dias. Um dos primeiros pontos a ser comentado se deve ao
fato da Imprensa Oficial só ter dado publicidade aos acontecimentos no povoado da Matta
em 8 de agosto (1921), sendo que o governo já havia sido informado da possível
“conspiração” desde pelo menos 29 de julho (mesmo ano), data do telegrama enviado de
Barra do Corda e publicado pelo Diário Oficial do Maranhão apenas no dia 8 de agosto.
Esse “silêncio” vai ser criticado pelos representantes do Diário de São Luiz que alegam
129DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 8 de Agosto de 1921, p.4. 130Ibid.
67
num primeiro momento que haveria interesse do governador em enviar as tropas para
Codó ensaiando uma ação que visava posteriormente ser usada em Caxias (segundo maior
colégio eleitoral na época), onde, de acordo com a oposição, havia vários de seus
partidários e eleitores e, portanto, o governador visaria tumultuar o pleito de 1° de
setembro de forma a prejudicar a oposição.
Portanto, apenas as matérias publicadas a partir do dia 16 de agosto nos
possibilitam rastrear os discursos do Diário Oficial do Maranhão acerca do que ocorrera
na Matta em relação aos fuzilamentos, pois é nessa data que esse órgão situacionista
informa (e é informado?) a respeito da notícia de fuzilamentos praticados pelas tropas
policiais sob comando do tenente Henrique Dias, no dia 6 de agosto. Essas informações
foram transmitidas pelo desembargador Dioclides Mourão (magistrado aposentado,
ligado à oposição) que, residente em Codó, escreve em telegrama,
Codó, 14.- Acabo ser informado foram sumariamente fuzilados Matta
cerca de cem pessoas sem praticarem ato algum resistência. Eram
amarrados inimigos apontavam afectos (sic) Manoel Bernardino,
tenente Dias mandava fuzilar sem atender súplicas pobres vítimas.
Desde ontem delegado, outros interessados reunidos alto fabrica
arranjam depoimento declarações, naturalmente inocentar criminosos.
Convicto não sancionareis taes (sic) atrocidades, levo ao vosso
conhecimento esperando providenciareis garantia minha pessoa por
esta denúncia exposta iras criminosos131.
Nesse telegrama de denúncia das ações criminosas cometidas pelas tropas sob o
comando do tenente Henrique Dias, embora com exageros quanto ao número de vítimas
(foram 4 mortes), percebemos o temor do desembargador Dioclides Mourão em sofrer
possíveis represálias do tenente Henrique Dias, por tê-lo denunciado, daí solicitar a
proteção (garantia) do governador para que nada lhe acontecesse. Essa questão nos sugere
que nesse contexto de disputas políticas o uso da violência era moeda de troca até mesmo
entre pessoas de posição social que não fosse das classes pobres, ou seja as “garantias
individuais” que a Constituição estadual estabelecia não passavam de “letra morta”.
De posse das informações acima, o governador Urbano Santos responde em
telegrama a Dioclides Mourão: “Embora inacreditáveis informações chegaram ao vosso
conhecimento, vou mandar sindicar rigorosamente se são verdadeiras para tomar
providências, porquanto em hipótese alguma pactuarei com fatos desta ordem.
131DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 16 de agosto de 1921, p.2
68
Saudações- Urbano Santos132”. Ainda nas matérias publicadas no 16 de agosto, tem-se
outro telegrama de Dioclides Mourão confirmando dessa vez está habilitado a dizer que
as tropas policiais “matou muitas pessoas”, não especificando números dessa vez.
Novamente o governador Urbano Santos o responde salientando que: “Seguiu para aí
(Codó) esta manhã major (Augusto de Faria) Bello incumbido fazer inquérito militar para
apurar fatos trouxestes meu conhecimento. Saudações- Urbano Santos133”.
De acordo com essa matéria, a partir desse “inquérito rigoroso” mandado ser
instaurado por Urbano Santos, o habilitaria a tomar as devidas medidas para resolução do
caso. Foi ordenado ao major Augusto de F. Bello para recolher os tenentes Henrique Dias
e Taurino Lemos (responsáveis pela expedição militar na Matta) e envia-los a São Luís.
O major Augusto de F. Bello, que teria ido para Codó com reforço policial, logo após a
ida dos tenentes Dias e Taurino e, retornara a São Luís no dia 12 (mês de agosto), havia
dito ao governador Urbano Santos que quando saiu de Codó “nada lá constara dos fatos
denunciados pelo desembargador Mourão134”. O major Augusto de Faria Bello teria vindo
para São Luís em companhia de Manoel Bernardino trazido para Capital para dar
explicações ao governador acerca do seu envolvimento como possível líder da
conspiração na Matta. Além de Manoel Bernardino, diz a matéria,
O major Bello trouxe em sua companhia as praças José Ferraz, Thomé
Barbosa, Carloto Rodovalho e José Rodrigues da Silva, as quais
tomaram parte na expedição à Matta e de lá voltaram (para Codó) em
companhia do tenente Dias. Interrogadas aqui ontem pelo major Bello,
essas praças negaram a veracidade dos fatos que chegaram ao
conhecimento do desembargador Mourão135.
Tendo em vista essas informações, um fato importante a se ressaltar é que fora o
desembargador Dioclides Mourão, quem deu a notícia (equivocada quanto ao número de
mortes) de crimes praticados pelas tropas do governo. Se levarmos em conta o que foi
citado acima acerca das “praças” envolvidos na expedição da Matta, bem como o silêncio
dos tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos, que nada falaram ao governador sobre os
crimes, acrescentando que José Lopes Pedra Sobrinho (cobrador de impostos do
povoado), que participara da expedição, também nada falara no primeiro momento, é
perceptível que houve uma tentativa de silenciar sobre os referidos crimes. Esse silêncio
132Ibid. 133DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 16 de Agosto de 1921, p.2. 134Ibid. 135Ibid.
69
fica patente no telegrama enviado pelos tenentes (Dias e Taurino) endereçado ao
governador Urbano Santos, relatando a chegada da tropa policial no povoado da Matta:
Entramos ontem “Matta do Nascimento” sem alteração. Aproximação
força bandido Manoel Bernardino evadiu-se acompanhado do major
Felippe Moreira de Souza e outros cabecilhas. Reduto completamente
abandonado. Dando caça na matta prendemos diversos bandidos.
Temos aconselhado pessoal não tomarem parte lado Manoel
Bernardino, voltarem lar recomeçarem serviços, satisfeitos bemdizem
(sic) medidas V.Exc. José Lopes Pedra agente fiscal estadual expulso
por Bernardino, entrou hoje frente 28 homens armados rifles, prestando
serviços lado legalidade. Sebastião Gomes frente força guarneceu
retaguarda reduto bandido Manoel Bernardino. Estado signatário nossa
força regular. Aguardamos ordens V.Exc. Saudações muito respeitosas.
(AA) Tenente Taurino Lemos, Henrique Dias.
Matta do Nascimento, 6 de Agosto de 1921136.
Nesse telegrama, datado de 6 de agosto, tem-se um resumo da primeira versão dos
tenentes acerca da chegada à Matta, bem como das ações praticada como a prisão de
“diversos bandidos”, e as atuações de apoio dos paisanos armados por José Lopes Pedra
Sobrinho (28 homens) e também dos homens armados por Sebastião Gomes. Relatam não
terem encontrado nenhuma “alteração”137, quando da chegada da tropa policial à Matta,
não encontrando Manoel Bernardino que já havia fugido com Felippe Moreira. Outro
ponto importante é o uso do termo bandido para se referir a Manoel Bernardino de
Oliveira, estabelecendo uma diferenciação entre os lados em questão: a legalidade, sendo
representada pelas tropas policiais auxiliadas pelos homens paisanos de José Lopes Pedra
Sobrinho e Sebastião Gomes; e a ilegalidade associada ao grupo de Bernardino.
Ao serem divulgadas as notícias de fuzilamentos cometidos pelas tropas policiais,
os tenentes são levados a prestarem depoimentos para esclarecimentos dessas acusações.
Nesse sentido, os tenentes Taurino Lobão Lemos e Antônio Henrique Dias foram
interrogados no dia 17 de agosto (1921). O primeiro relatara, dentre outras coisas, sobre
a chegada das tropas policiais à Matta, no dia 5 de agosto, “onde encontramos bem poucas
pessoas, velhos e algumas crianças tendo logo informação que Manoel Bernardino havia
136DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.12. 137Em carta endereçada ao major Augusto de Faria Bello, os tenentes Taurino Lemos e Henrique Dias
reforçam essa informação ao dizerem em um dos trechos da carta que chegaram ao povoado da Matta: “[...]
debaixo de rigorosa vigilância e sem ser preciso dar um tiro [...]”. Esta carta, datada do dia 7 de agosto,
também foi publicada no DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, no dia 13 de setembro, p.12, como parte
componente do inquérito feito pelo major Augusto de Faria Bello.
70
fugido em companhias de Felipe Moreira”, ambos acompanhados de “mais dois
companheiros ou capangas na manhã desse mesmo dia cinco138”.
Ainda de acordo com o depoimento do tenente Taurino Lemos, na noite desse
mesmo dia (5/8), estando a força policial na casa (uma casa de Lopes Pedra que cedera
para servir “quartel” temporário da tropa policial) onde estava “aquartelada”, fora atacada
por tiros vindos de um bananal que ficava defronte da referida casa. A força policial teria
reagido aos tiros, mas Taurino Lemos não sabia informar se os tiros da tropa policial
haviam feito alguma vítima, informa também que: “No dia seis mandamos dar caçadas
nos matos; pela força incumbida desse serviço foram presos muitos cangaceiros depois
de pequenos tiroteios os quais foram também correspondidos pela força ignorando se
morreu alguém; dos presos os mais complicados vieram escoltados para esta cidade
(Codó) e recolhidos à cadeia [...]”139. Os demais presos teriam sido soltos sendo
“aconselhados” pelos tenentes para que voltassem para suas casas para cuidarem de suas
famílias. O tenente Taurino Lemos nega (novamente) a “veracidade” das notícias
colocadas em circulação pelo Diário de São Luiz no que dizia respeito aos fuzilamentos.
Entretanto, em novo interrogatório do dia 4 de setembro, quando já se tinha a
certeza dos fuzilamentos de quatro homens praticados pelas tropas policiais, Taurino
Lemos ao ser solicitado a explicar porque não denunciara o tenente Henrique Dias, teria
respondido o seguinte:
[...] Por uma reflexão nascida do espírito de coleguismo deixou de o
fazer, não pensando, no momento, as responsabilidades que daí lhe
pudessem acarretar, de cujo ato impensado tem o maior
arrependimento, visto como aquele ato fere os seus sentimentos e mais
ainda os deveres de militar140.
Nesse segundo interrogatório, Taurino Lemos dá algumas informações acerca das
“instruções” que receberam do governador Urbano Santos antes de serem enviados para
a Matta, declara que receberam “instruções positivas do Senhor Doutor Presidente do
Estado para que fizessem enérgica reação no caso de encontrarem resistência da parte dos
sediciosos, que no caso contrário os desarmassem aconselhando-os que fossem para as
suas casas, entregando-se aos seus afazeres sem nada temerem141”. Relata que não
imaginava que o tenente Henrique Dias pudesse praticar (ordenar) os quatro fuzilamentos,
138DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.12. 139DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.12-13. 140Ibid., p.15-16. 141Ibid., p.16.
71
entretanto, diz ter ouvido o tenente Henrique Dias ameaçar soldados da força policial por
terem “cometidos pequenas faltas disciplinares”, alegando que recebera ordens do
governador Urbano Santos para expulsar ou até fuzilar os soldados que não andassem na
“linha”. Taurino Lemos, por outro lado, diz que o governador não havia dado essas ordens
ao tenente Henrique Dias.
Em relação aos depoimentos do tenente Antônio Henrique Dias, constam no
Diário Oficial do Maranhão também dois depoimentos: um do dia 17 de agosto, e outro
do dia 20 (do mesmo mês). No primeiro depoimento, relata basicamente as mesmas
informações que dera o tenente Taurino Lemos em seu primeiro depoimento, quanto aos
objetivos da ida para a Matta. De Acordo com Henrique Dias, ambos seguiam
“instruções” do governador Urbano Santos: “[...] afim de ali (na Matta) debandar um
grupo de cangaceiros que se achavam reunidos sob a chefia de Manoel Bernardino de
Oliveira, perturbando o sossego público[...]142”. Ao relatar como se dera a chegada à
Matta, diz:
[...] que cerca das treze horas (do dia 5 de agosto) entraram na referida
“Matta” sem haver um só tiro, trataram de efetuar algumas prisões e
informarem-se do ocorrido e chegaram à conclusão que ali existia
grande quantidade de homens armados chefiados por Manoel
Bernardino, contando com o apoio dos Senhores Desembargador
Deoclides Mourão, coronel Euclydes Maranhão, major Felippe Moreira
de Souza e outros, com o fim único de fazerem uma traição ao governo
no dia primeiro de Setembro vindouro por ocasião da eleição143 [...].
Após a chegada da tropa policial à Matta, o tenente Henrique Dias diz ter sido
informado que Manoel Bernardino havia se evadido juntamente com Felippe Moreira e
mais dois companheiros. Fala também sobre os tiros partidos de um bananal (noite dia
5/8) em direção à casa onde a tropa policial estava aquartelada, a tropa policial teria
reagido com tiros e, logo após, fizeram o reconhecimento do local não encontrando
nenhuma vítima, sendo assim, no dia seguinte fizeram “novas pesquisas e nada também
sendo encontrado”. Teriam ficado nessa localidade (Matta) até o dia 10 (agosto) “sem
haver nenhuma alteração144”. Feitas estas declarações, Henrique Dias reforça que eram
mentirosas as notícias publicadas pelo Diário de São Luiz acerca dos fuzilamentos.
142DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.13. 143Ibid. 144Ibid.
72
O tenente Henrique Dias fora interrogado novamente no dia 20 de agosto. Nesse
outro interrogatório, esse tenente volta a reforçar basicamente o que dissera da primeira
vez. Contudo, à essa época parecia não haver mais dúvidas que houvera fuzilamentos,
não dos cerca de cem mortos, como fora divulgado no primeiro momento. Mas mesmo
com essas informações o tenente Henrique Dias não assume a responsabilidade pelos
quatro fuzilamentos, ficando assim, exposto um depoimento marcado por uma certa
dubiedade: às vezes nega a existência de que houvera fuzilamentos, ou mesmo acusa os
homens armados por Sebastião Gomes como os possíveis responsáveis, ou até alegando
que se tivesse ocorrido as mortes, ele não deveria ser culpado, pois o chefe da expedição
era o tenente Taurino Lemos.
Ao ser perguntado a respeito da informação dada pelo juiz Walfredo Lyra, que
dizia ter sido informado por Sebastião Gomes (subdelegado de Curador) de que só não
foi maior o número de fuzilados por causa da intervenção deste último, que evitara mais
fuzilamentos, o tenente Henrique Dias, se defende alegando “que esta monstruosa
falsidade já ele (Dias) declarante esperava, pois Sebastião Gomes e o Juiz Municipal da
Barra do Corda (Walfredo Lyra), são seus inimigos pessoais145”. Segue o tenente
Henrique Dias esclarecendo o(s) motivo(s) de tais inimizades:
[...] porque quando o declarante (foi/era) delegado de polícia da Barra
do Corda, um amigo e compadre de Sebastião Gomes e dr. Juiz
(Walfredo) Lyra, de nome Luiz Rodrigues Ferreira, com cinco
gangaceiros assaltaram a casa do capitão Semião Firmino de Mello,
mataram-no, mulher, filho e uma filha moça, balearam o vaqueiro,
roubaram vinte contos em dinheiro, incendiaram a casa e carbonizaram
os corpos, isso no ano de mil novecentos e dezenove para vinte146.
Após esse episódio, o tenente Henrique Dias teria sido procurado por Sebastião
Gomes e Walfredo Lyra, que lhe pediram para tirar o nome de Luiz Ferreira do inquérito
sobre o caso relatado acima. Teriam solicitado a Henrique Dias para que colocasse a culpa
num homem de nome Antonio Pereira da Silva. Sebastião Gomes ainda teria aconselhado
Luiz Ferreira a procurar saber “quanto queria (Henrique Dias) para retirar o seu nome do
inquérito; que o declarante (Dias) disse que estava cumprindo o seu dever e que ele Luiz
(Ferreira) constituísse seu advogado147”. Esse seria, portanto, o motivo de Sebastião
Gomes e Walfredo Lyra serem inimigos do tenente Henrique Dias.
145DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.15. 146Ibid. 147Ibid.
73
Sendo assim, Henrique Dias rebate as acusações que lhes estavam fazendo,
alegando que Sebastião Gomes talvez lhe quisesse atribuir crimes que possivelmente teria
sido praticado por Sebastião Gomes e seu pessoal: “[...] pois eram duzentos e tantos
homens indisciplinados, armados de rifles na maioria embriagados atirando a esmo148”.
Não entendia também porque era acusado como mandante dos fuzilamentos “quando não
era comandante da força e sim, o tenente Taurino (Lemos), sob cujas ordens serviu e de
junto de quem nunca se afastou, sendo seus atos executados depois de mútua
combinação149”. Ao término do interrogatório diz que o tenente Taurino Lemos e as
praças que formavam a tropa policial que fora à Matta “são testemunhas de que não houve
uma só morte mandada executar pelo declarante em prisioneiro ou não, nem se quer
maltratos (sic) a prisioneiros150”.
Por outro lado, de acordo com depoimento do tenente Rodolfo Figueiredo151, o
próprio tenente Henrique Dias lhe havia confessado (dia 21/8) ter praticado os
fuzilamentos de quatro homens (“cangaceiros, criminosos conhecidos”), pois ficara
sabendo que estes planejavam mata-lo. Henrique Dias teria confessado também que os
crimes foram praticados com o aval do tenente Taurino Lemos. Portanto, se num primeiro
momento os tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos fizeram voto de silêncio quanto
aos crimes praticados, a partir das confirmações dos fuzilamentos de quatros homens
passaram a acusarem-se mutuamente.
Contudo, a declaração que parece ter causado mais impacto na imprensa local e
nacional parece ter sido as que o tenente Henrique Dias fizera em texto publicado pelo
jornal Diário de São Luiz, ao dizer que praticara os fuzilamentos a mando do governador
Urbano Santos. Estas declarações parecem ter sido redigidas pelo tenente Henrique Dias
e foram entregues a Nascimento Moraes, que as publicou, em matéria do dia 24 de agosto
de 1921152. A partir da publicação destas declarações, os jornais situacionistas e o Diário
de São Luiz vão travar uma batalha discursiva (política) em torno da veracidade do seu
conteúdo, principalmente em relação à defesa (feita pelos situacionistas) e acusação (feita
pelo Diário de São Luiz) da responsabilidade do governador Urbano Santos em relação
aos fuzilamentos.
148Ibid. 149DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.15. 150Ibid. 151Ibid., p.3. 152Comentamos essas declarações no terceiro capítulo desse trabalho.
74
No dia 18 de agosto (1921) o Diário Oficial do Maranhão publica um telegrama
recebido pelo governador Urbano Santos enviado por Epitácio Pessoa, então Presidente
da República. Nesse telegrama, o presidente Epitácio Pessoa dizia a Urbano Santos ter
sido informado por Tarquínio Lopes Filho (membro do PRM) acerca da falta de segurança
da oposição no interior do Estado, além dos boatos da morte de 8 pessoas possivelmente
praticadas pelas tropas policiais do governo, solicitando, portanto, que o governador
maranhense mandasse averiguar essas informações. Urbano Santos responde ao
Presidente, nos seguintes termos:
Ordenei rigorosa sindicância pela qual apurarei a verdade completa
sobre essa denúncia e aguardo resultado, não precisando reassegurar a
V.Exc. afirmação já fiz ao público que, confirmada ela, entregarei os
culpados aos tribunais, promovendo sua punição com todo rigor da lei.
Saudações- Urbano Santos, Presidente Estado153.
Por questões formais, ou mesmo por interesses em que os crimes fossem apurados
e, julgados os responsáveis, o governador maranhense era intimado, pelo presidente da
República Epitácio Pessoa, para que tomasse alguma atitude frente às notícias dos crimes.
Essas notícias referentes aos fuzilamentos no interior maranhense ganharam espaço na
imprensa nacional, com matérias constantes dando informações ora verossímeis, ora
completamente equivocadas, como a notícia de cerca de cem pessoas fuziladas. Cabe
ressaltar que talvez as ênfases (a nível nacional) se davam motivadas principalmente pelo
fato de se está em plena campanha eleitoral para a presidência da República, uma vez
que, sendo Urbano Santos candidato a vice presidência, responsabilizar o governador
maranhense, passou a ser uma das tônicas das disputas partidárias que tinham Nilo
Peçanha e J.J Seabra, como candidatos da oposição disputando o pleito presidencial com
a chapa oficial, representada por Artur Bernardes e o governador maranhense.
Passou a ser comum na imprensa maranhense da época (1921) os jornais
situacionistas e da oposição publicarem matérias de jornais de outros estados,
principalmente do Rio de Janeiro, que favorecessem seus respectivos interesses, quer seja
para exaltar seus partidários e candidatos ou mesmo matérias que acusavam os
adversários de alguma ação reprovável. Os jornais situacionistas passaram a fazer
153DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 18 de agosto de 1921, p.2. Uma questão importante nesse
telegrama de Urbano Santos, em resposta ao presidente Epitácio Pessoa, é o fato de ter dito que logo quando
soube das notícias sobre o levante na Matta, teria enviado “quarenta praças comandadas por dois oficiais
(os tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos) experimentados que gozam muito crédito”. Ibid. Esta
afirmação é importante porque quando o governador deu entrevista ao jornal Pacotilha, acerca das
declarações do tenente Henrique Dias, diz que não tinha nenhum “conceito” sobre esse tenente.
75
campanha (a nível nacional) pró Bernardes-Urbano e ao mesmo tempo contra os
candidatos Nilo-Seabra. Já o Diário de São Luiz fazia o inverso. Nesses termos, podemos
lançar mão aqui de uma consideração de Mikhail Bakhtin, no que diz respeito ao papel
do “outro” (o adversário político, no caso aqui em análise) na escrita de um texto, escreve
esse autor: “Desde o início, porém, o enunciado (discurso) se constrói levando em conta
as atitudes responsivas, em prol das quais ele, em essência, é criado. O papel dos outros,
para quem se constrói o enunciado, é excepcionalmente grande154 [...]”. Para Mikhail
Bakhtin, não há ouvintes passivos nessas “relações dialógicas”, cada enunciado expressa
uma intencionalidade. Essa questão é importante para compreendermos os discursos que
ora analisamos, além, é claro, da questão de que estes textos são produtos de uma
interação social, cuja característica central são as disputas político-partidárias.
Feito esses comentários e tendo em vista as promessas do governador maranhense
ao Presidente Epitácio Pessoa, comprometendo-se com a apuração dos crimes e
consequentemente a punição dos responsáveis, nos concentraremos aqui basicamente no
“inquérito” levado a cabo pelo major Augusto de Faria Bello (à época comandante
interino do Corpo Militar). Se partirmos das matérias publicadas pelo Diário Oficial do
Maranhão, acerca da instauração do referido inquérito, é possível inferir que o mesmo
fora instaurado logo após o governador ser informado sobre os fuzilamentos na Matta. Se
levarmos em conta que estas informações são publicadas no dia 16 de agosto, o inquérito
parece ter sido feito a partir dessa data, até o dia 5 de setembro, data que consta no
relatório do major Augusto de F. Bello. Entretanto, parece só ter sido dado à publicidade
oficial apenas no dia 13 de setembro, quando o Diário Oficial do Maranhão publica o
relatório do inquérito feito por Augusto de Faria Bello. Em seu relatório, o major Augusto
de F. Bello, faz logo de início uma afirmação categórica a respeito dos responsáveis pelos
fuzilamentos na Matta, citemos:
Examinando-se o presente inquérito verifica-se que no dia seis do mês
próximo findo (agosto), na povoação “Matta”, do Codó, do Estado do
Maranhão, o 2.° tenente do Corpo Militar Antônio Henrique Dias,
ordenou sumariamente, o fuzilamento de quatro homens, que fria e
barbaramente foram executados, um em mato da estrada que de lá vem
para o logar (sic) “Cruzeiro” e três também em mato da estrada que vem
para o logar (sic) “Pão de Ouro”, sendo as escoltas executoras
compostas do 1.° sargento Ignácio da Costa e Sousa, cabo de esquadra
Antônio Alves de Andrade, anspeçada Manoel José Vianna, soldados
Flavio Athan, José Alves Rodrigues, José de Souza Oliveira e guarda
154BAKHTIN, 2011, p.301.
76
civil Pedro Pereira da Silva (depoimentos de fls. 17, 21, 25, 27, 29 v, e
31 v.)155.
É possível perceber, logo no início desse inquérito, que há uma intenção discursiva
por parte do relator em apresentar ao público quem seria o verdadeiro responsável pelos
crimes na Matta: o tenente Antônio Henrique Dias. Segue o major Augusto de F.Bello
contestando o que dissera os tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos, acerca dos tiros
partidos de um bananal em direção à casa onde estava “aquartelada” as tropas policiais e
que, como consequência, fizera as tropas “revidarem” com tiros, não teria passado de um
artifício “inventado” pelos tenentes para justificarem as mortes “casuais”, às quais
estavam sendo investigadas. De acordo com o major Augusto de F. Bello, as declarações
dos tenentes estavam em desacordo com os depoimentos dos outros integrantes do Corpo
Militar que participaram da expedição à Matta e que, também, prestaram depoimentos
sobre o ocorrido na Matta. São citados e comentados ao todo 18 depoimentos de praças
do Corpo Militar. Após estas citações e comentários, o relator do inquérito, chama
atenção para as divergências nos depoimentos quanto aos dias que em que as tropas teriam
sido supostamente atacadas por tiros, a quantidade dos tiros, bem como de onde teriam
partido, uns disseram de um bananal, outros de um matagal da estrada que passava em
frente ao aquartelamento da tropa policial, essas divergências levaram o relator a afirmar
que tal situação “não passa de um simulacro de ataque156”.
Essa estratégia usada pelos tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos é
questionada pelo relator porque sabia que os homens que haviam sido aprisionados pela
expedição militar ao chegar à Matta, “estavam debaixo de uma árvore fronteira a casa que
servia de quartel, oito a dez homens vigiados por 10 praças de armas embaladas e destes
homens quatro foram levados para fora da povoação sob pretexto de que iam ser entregues
a uma escolta que os devia conduzir para a cidade do Codó157”. Uma vez selecionados os
quatro homens, segue o relator Augusto de Faria Bello,
Desse jogo previamente combinado entre o tenente Antonio Henrique
Dias e o 1.° sargento Ignacio da Costa e Souza, como claramente se vê
dos depoimentos contestes de fls. 17, 21, 25, 27, 29 v. e 31 v, sai a
conclusão de que aqueles infelizes marchavam para um ponto em que
deviam ser sumaria, fria e perversamente fuzilados, em tanto importam
as declarações feitas nos depoimentos de fls. 17, 21 e 25, de que viram
quem os prestaram, seguir as escoltas comandadas pelo sargento
Ignacio da Costa e Souza e compostas a 1ª (escolta) do guarda civil
155DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.8. 156DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.9. 157Ibid.
77
Pedro Pereira da Silva e soldados Flávio Athan, José Alves Rodrigues
e José de Souza Oliveira e a 2ª (escolta) do cabo de esquadra Antonio
Alves de Andrade, anspeçada Manoel José Vianna e soldados Flavio
Athan e José de Souza Oliveira, levando os homens, ouviram
detonações poucos minutos depois e voltaram as ditas escoltas minutos
mais tarde, sem as inditosas vítimas158.
Para reforçar a existência dos crimes investigados, o relator segue narrando sua
ida para reconhecimento dos cadáveres. Após descrever seu contato com os restos mortais
das vítimas, diz Augusto de faria Bello: “Não resta dúvida alguma, por mais insignificante
que possa ser, de que são verdadeiros os fuzilamentos praticados barbaramente na
‘Matta’, por ordens do 2° tenente Antonio Henrique Dias”. Esta certeza seria reforçada
pelo depoimento de 6 praças do Corpo Militar e um guarda civil, estes qualificadas pelo
relator como sendo “incontestavelmente pessoas insuspeitas159”.
Por se tratar de um Inquérito Policial, é perceptível, constantemente, no relato
(discurso) enunciado por Augusto de Faria Bello, a ênfase no discurso da veracidade
como estratégia de dá legitimidade ao referido inquérito. Nesse sentido, lança mão do
artifício discursivo de qualificar os depoentes acima como insuspeitos. Desse modo,
estabelece basicamente uma diferenciação entre dois tipos de depoimentos: os suspeitos
(dos tenentes Henrique Dias e Taurino Lemos) versus os insuspeitos. Estes últimos, de
acordo com o modo de proceder do relator, no caso aqui em análise, parecem ter sido os
depoimentos prestados pelas praças e envolvidos na “expedição” da Mata que por ventura
reforçassem as conclusões do relator Augusto de Faria Bello. Cabe ressaltar que esse
inquérito visava apresentar a versão oficial sobre os acontecimentos para a opinião
pública, local e nacional e, consequentemente, apresentar um relato que destoasse e ao
mesmo tempo fosse uma resposta aos discursos colocados em circulação pelo jornal
oposicionista Diário de São Luís. Em nosso entendimento, ter em vista o papel do
destinatário do enunciado (discurso), no texto acima, é de suma importância para sua
compreensão:
Porque o enunciado daquele a quem eu respondo (com o qual concordo,
ao qual faço objeção, o qual executo, levo em conta, etc.) já está
presente, a sua resposta (ou compreensão responsiva) ainda está por vir.
Ao construir o meu enunciado, procuro defini-lo de uma maneira ativa;
por outro lado, procuro antecipá-lo, e essa resposta antecipável exerce,
por sua vez, uma ativa influência sobre o meu enunciado (dou resposta
158DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.9-10. 159DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.10.
78
pronta às objeções que prevejo, apelo para toda sorte de subterfúgios,
etc.)160.
Outro aspecto importante no discurso do major Augusto de Faria Bello, na citação
de seu relatório acima, é o fato de novamente atribuir a culpa ao tenente Henrique Dias
pelos fuzilamentos. Talvez um dos fatores para entendermos essa (re)afirmação seja o
fato de ter sido unicamente o tenente Henrique Dias quem declarara ter apenas cumprido
ordens do governador Urbano Santos, daí acabar sendo o principal alvo no referido
inquérito. As declarações do tenente Henrique Dias se traduziam, conforme o relator,
numa calúnia “à pessoa do honrado chefe cujo passado é um atestado da mais viva
tolerância e mais elevados sentimentos de humanidade161”.
Essa questão das referências à culpabilidade do tenente Henrique Dias é
perceptível novamente quando Augusto de Faria Bello relata,
Nós que por mais de uma vez, reiteramos em cartas oficiais, aos
tenentes Antônio Henrique Dias e Taurino Lobão Lemos, as instruções
dadas pelo Senhor Doutor Presidente do Estado, que tão somente
determinou enérgica reação no caso de resistência e efetivas garantias
para normalização rápida da vida da “Matta”, para o que deviam
aconselhar os seus habitantes a prática de boas ações, entregando-se aos
seus labores cotidianos, ficamos surpreendidos com aquelas
declarações ameaçadoras do tenente Dias, que foram confirmadas
extra-inquérito pelo tenente Taurino que a nós declarou ter ouvido na
“Matta” aquele dizer que tinha ordem para fuzilar até mesmo
soldados[...]162.
Pelas afirmações do relator ficava provado que no dia 6 de agosto foram fuzilados,
por ordens do tenente Henrique Dias, os lavradores Mauricio Alves, Adão Costa da Silva,
Francisco Gonçalves (vulgo Francisco Pacca) e Avelino Almeida. Ainda conforme
Augusto de Faria Bello, o número de vítimas só não foi maior devido a intervenção de
Sebastião Gomes, cuja atuação na Matta se dera por conta da autorização do governador
Urbano Santos que o autorizou a constituir “uma expedição civil para auxiliar as forças
militares do Estado163” (Grifo nosso).
Na concepção do relator, os homens armados por Sebastião Gomes constituíam
uma expedição civil. Nesse sentido, é fundamental levarmos em consideração as
estratégias utilizadas para legitimação do uso de homens que não constituíam o Corpo
160BAKHTIN, 2011, p.302. 161DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.11. 162Ibid. 163Ibid.
79
Militar estadual e, no discurso dos situacionistas, são classificados como expedição civil,
evitando (não por acaso) o desonroso qualificativo de capangas ou cangaceiros. Estes dois
qualificativos são utilizados para se referirem aos homens que estariam sob comando de
Manoel Bernardino, numa estratégia de desqualificá-los lançando-os para o outro lado,
no caso em questão, o lado dos desordeiros (capangas ou cangaceiros).
Os discursos situacionistas são expressos tendo como objetivo apresentar a versão
verídica dos fuzilamentos da Matta, e aqui não devemos perder de vista que estes
discursos estavam em disputa com o seu “outro”, este último representado pelo Diário de
São Luiz (principalmente nos editoriais de Nascimento Moraes e nas matérias do PRM).
Portanto, o conteúdo do que é colocado em circulação pelo Diário Oficial do Maranhão
de certa forma visa combater os discursos da oposição acerca dos fuzilamentos sob
investigação. Ao expor suas conclusões o Diário Oficial do Maranhão responde e, ao
mesmo tempo, questiona as acusações do tenente Henrique Dias ao governador
maranhense, publicadas pelo Diário de São Luiz, bem como responde também às matérias
de Nascimento Moraes e dos membros do PRM que passaram a explorar as declarações
do tenente Henrique Dias, responsabilizando o governador Urbano Santos pelos quatro
fuzilamentos.
Quanto à investigação da atuação do tenente Taurino Lemos na expedição militar
em questão, Augusto de F. Bello o responsabiliza por omissão dos crimes praticados. O
relator do inquérito cita o Artigo 14 do Regulamento do Corpo Militar para analisar a
situação dos “soldados” (praças) que obedeceram as ordens do tenente Henrique Dias,
este artigo estabelece que:
A força armada do Estado deve ser essencialmente obediente, dentro
dos limites da Lei, aos superiores hierárquicos. As ordens devem ser
cumpridas fielmente sem hesitação nem murmúrio. Somente a
autoridade que as expede, tem por elas a responsabilidade. O
subordinado contra elas pode queixar-se depois de haver obedecido164.
Pautado nesse dispositivo jurídico, Augusto de Faria Bello considera que os
referidos soldados não teriam responsabilidade nos atos cometidos, uma vez que
obedeciam ordens superiores. Todavia, a única falta desses soldados, foi não terem se
queixado posteriormente, por terem que obedecer as ordens ilegais do tenente Henrique
Dias. Acrescenta, em defesa dos soldados, alegando que as queixas “podia deixar de ser
164DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.11.
80
exercida pela pressão das ameaças, como provadas estão estas”. Por outro lado, se esse
dispositivo jurídico amparava alguns soldados da tropa policial, o mesmo não ocorreria
com o 1° sargento Ignácio da Costa e Souza, pois, de acordo com relator do inquérito,
esse sargento teria planejado os quatro crimes com o tenente Henrique Dias. Encerra o
inquérito citando o Código Penal da Armada que era adotado pelo Corpo Militar do
Estado especificando os artigos nos quais o tenente Henrique Dias e o sargento Ignacio
da Costa e Souza se “enquadravam”. No referido artigo 14 do Código Penal da Armada,
seriam considerados autores dos crimes:
§ 1. – Os que diretamente esolverem (sic) e executarem o crime;
§ 2. – Os que, tendo resolvido a execução do crime, provocarem e
determinarem outros a executá-lo por meio de abuso ou influência de
superioridade hierárquica;
3 §. – Os que, antes e durante a execução prestarem auxílio, sem o qual
não seria cometido;
4 §. – Os que diretamente executarem o crime por outro resolvido.
Uma vez exposta as conclusões do inquérito do major Augusto de Faria Bello,
passamos a comentar no tópico seguinte o depoimento prestado por Manoel Bernardino
de Oliveira ao referido major, com seus esclarecimentos sobre sua versão do que estaria
ocorrendo na Matta, bem como o que causara, segundo Bernardino, as notícias alarmantes
que chegaram ao governador.
2.1.2. As palavras de Manoel Bernardino, o “cabeça” do levante da Matta.
Depoimento fundamental prestado ao relator do inquérito acima foi o de Manoel
Bernardino de Oliveira que, de acordo com os informantes do governo, seria o principal
“cabeça” do levante. Manoel Bernardino prestara depoimento em 19 de agosto. Esse
depoimento é de certa forma um relato autobiográfico do lavrador. Após expor como e
quando chegara ao Maranhão, Manoel Bernardino relata um de seus primeiros
desentendimentos, à época (dezembro de 1912) que vivia no povoado chamado
Engeitado, com um homem de nome Olympio Souza, de Mirador. Segundo o depoente,
o motivo de tal desentendimento teria sido porque Olympio Souza “pretendia mandar
81
espancar uma senhora de nome Anna, parenta do declarante165”. A reação de Manoel
Bernardino, ao saber dessas ameaças, foi procurar Olympio de Souza e dizê-lo que só
praticaria o “espancamento” se “se achasse num deserto, onde ninguém ouvisse as suas
palavras”, teria dito ainda que “se precisasse de companheiros para as armas, tê-los-ia166”.
De acordo com o depoimento de Manoel Bernardino, Olympio Souza costumava
prostituir mulheres (defloramentos), desse modo, Bernardino haveria convidado os
parentes de Anna para se armarem contra Olympio Souza, pois não acreditava na polícia
de Mirador, acusada de conivência com os atos de Olympio Souza. No decorrer dessa
querela, Bernardino teria ido ao Engeitado (povoado) e se juntara com 30 homens
armados de rifles, cujo desdobramento dessa questão resultara na expulsão de Olympio
Souza do povoado, Engeitado.
Um ponto importante nessa primeira parte do depoimento de Manoel Bernardino,
selecionado por nós, é a naturalidade com que o depoente fala em armar homens e, ao
mesmo tempo, a possibilidade de seus inimigos também terem ao seu lado homens
armados. Nesse episódio, a ameaça de espancamento de uma parente, levara ao
ressurgimento de antigas rixas, resultando em disputas de ameaças à mão armada. Esta
situação sugere, como outras que Manoel Bernardino expõe, que nessas localidades a lei
se fazia à base dos rifles. No exemplo acima, já percebemos, como também aparece em
outros momentos desse depoimento, que era corriqueiro Manoel Bernardino armar
homens para intervirem em questões que dissessem respeito à localidade em que vivia.
Outro desentendimento se dera com Raymundo de Araújo Arruda167, em 1920. O teor do
motivo também envolvia questões de defloramentos, que no contexto significacional do
depoimento aparece como prostituição. Manoel Bernardino novamente condenara esse
tipo de atitude, pois, não aceitava esse tipo de conduta. Esse desentendimento com
Raymundo de A. Arruda acabara sendo resolvido com um acordo intermediado pelo
delegado Carlos Bayma, da cidade de Codó.
Manoel Bernardino relata ter servido de intermediador em um conflito entre
Felippe Moreira e José Lopes Pedra Sobrinho (coletor de impostos do Estado), no qual
165DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.2. 166Ibid. 167Conforme Giniomar Ferreira Almeida, Raymundo de Araújo Arruda era “fazendeiro e pecuarista,
influente na região de Codó e em outros municípios onde possuía fazendas”. ALMEIDA, op.cit, p.73.
82
teria dito a estes: “E eu conto com a liga de defesa aqui, com mais de cem homens, e não
consentirei que os srs. Briguem”. Quanto aos objetivos dessa “Liga de Defesa”, declara:
Que esta liga de defesa, o declarante tem sempre por hábito organizar,
com o fim de garantir a ordem, pela falta de policiamento nos lugares
distantes da sede dos municípios mais vinte a trinta léguas. E sempre
aconselha a que ninguém tome vingança, sem primeiramente combinar
com todos os companheiros, sob pena de ficar excluído da liga, por agir
de conta própria168.
A ideia de organizar uma “Liga de Defesa” para resolver questões que, na maioria
das vezes, parecem ser da alçada das autoridades competentes, sugerem que, dada a
fragilidade, ou mesmo ausência de policiamento, Manoel Bernardino tomava atitudes,
com seus companheiros, que substituía o papel do Estado como mediador de conflitos.
Pelo seu depoimento, não foram poucos os desafetos que passara a ter, principalmente
pessoas de influência nessas localidades, como: Sebastião Gomes, subdelegado de
Curador; José Lopes Pedra Sobrinho, coletor de impostos estadual, além dos já citados
acima. Ressalte-se que Manoel Bernardino declara que, desde os primeiros conflitos que
se envolvera costumava armar homens para resolver seus conflitos. Essa questão é
importante, em nosso entendimento, porque quando começam a ser divulgadas as notícias
que Manoel Bernardino visava fazer revolução na Matta, objetivando depor o governo de
Urbano Santos, além de andar divulgando seus “ideais socialistas”, talvez esse seja um
dos motivos de alarde das notícias que chegaram ao governador, pois o lavrador já era
conhecido não apenas por falar de seus ideais socialistas mas também por conta de com
frequência armar homens em sua “Liga de Defesa” para resolver conflitos.
Nesses termos, Manoel Bernardino vai dar sua versão acerca das notícias
referentes ao caso da Matta, declarando que ficara sabendo em julho (1921) que o
governador Urbano Santos mandaria tropas policiais para os municípios do interior
maranhense com objetivo de “conturbar” as eleições de 1° de setembro, de 1921. Ao ficar
sabendo desses boatos, Manoel Bernardino resolvera ir até a cidade de Codó com a
intenção de falar com o desembargador Dioclydes Mourão, entretanto, soubera que o
desembargador se encontrava em São Luís. Por conseguinte, resolveu escrever uma carta
a Euclydes Maranhão, “por saber que este era do mesmo partido (do desembargador),
168DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.4.
83
embora com Euclydes Maranhão não houvesse tido nenhum entendimento anterior a
respeito de política169”.
Manoel Bernardino, passa então a esclarecer alguns pontos de sua carta que
causara impacto nas autoridades oficiais, como por exemplo, o que queria dizer ao falar
em “batismo de sangue”. Vejamos:
[...] Ainda na carta falou em batismo de sangue, com o fim de merecer
toda a confiança de Euclydes Maranhão e saber, assim, o que havia de
verdadeiro sobre os boatos de intervenção da força (policial do Estado)
e qual a atitude do partido (PRM) em tal emergência. Por conta própria,
e sem que fosse insinuado por pessoa alguma, o declarante cabalava
amigos seus, eleitores, para o próximo pleito; e sabendo que no Codó,
conforme lhe diziam, já estava mal visto pelos adversários políticos,
disse ainda na carta: “Se armarem a força (policial) para me impedirem,
serei forçado”...querendo com isto dizer que era forçado a abandonar a
propaganda eleitoral170 [...].
Manoel Bernardino volta a reforçar a ideia de uma possível intervenção policial
nas eleições estaduais, o que motivaria suas ações ao tentar armar companheiros seus, à
espera de qual seria as orientações do Partido Republicano Maranhense. Desse modo, fica
evidente suas ligações com a oposição maranhense. Por outro lado, devido já estar mal
visto pelos adversários, ligados ao governo, diz que seria forçado deixar de lado a
propaganda eleitoral. Ao tentar se explicar quanto ao conteúdo de sua carta, Manoel
Bernardino parece não desmentir seus intentos, mas também parece amenizar o conteúdo
bombástico, tal como veiculado por seus adversários políticos.
Manoel Bernardino é solicitado a explicar o queria dizer em outro trecho de sua
carta, que dizia: “Aguardo ordens vossas (Euclydes Maranhão) e do desembargador
(Dioclides Mourão)”. Declara que esperava notícias sobre os boatos de que o governo
mandaria força policial para o pleito de setembro, pois, em seu entendimento: “[...] se o
governo enviasse força (policial) para impedir o pleito, deviam os adversários (a
oposição) comparecer com força também, ou não comparecer171”.
Uma questão das quais se reclama Manoel Bernardino, é o fato de Sebastião
Gomes ter armado paisanos bem antes da autorização do governador Urbano Santos.
Alega que a carta gerara toda a confusão, resultando nos telegramas enviados ao
governador, porque foi interpretada pelos seus adversários de acordo como lhes convinha,
169DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.5. 170DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.5. 171Ibid.
84
relacionando-a aos boatos que seus adversários já haviam colocado em circulação que
ele, Manoel Bernardino, “pretendia atacar esta povoação (Codó)”. Manoel Bernardino,
diz ser possível que os referidos boatos fossem obras de José Lopes Pedra Sobrinho, “o
qual não se conforma com a ascendência e popularidade do declarante entre o povo da
Matta e suas circunvizinhanças172”. Manoel Bernardino faz sérias acusações a José Lopes
Pedra Sobrinho quanto ao seu modo de proceder na coletoria de impostos na Matta, pois
“tem vexado o povo, exigindo impostos173”. Após citar outras ações “deploráveis” de José
Lopes Pedra Sobrinho, salienta Manoel Bernardino: “[...] o povo da Matta o odeia a tal
ponto que, se não fora o declarante, talvez os prejudicados e perseguidos já lhe teriam
tirado a vida. E porque o declarante é amigo do povo, daí a razão de José Lopes Pedra
antipatiza-lo e haver espalhado o boato de revolução174”.
De acordo com Manoel Bernardino, essa seria uma das principais causas de José
Lopes Pedra Sobrinho ter implicações com ele, pois evitava que esse coletor de impostos
extorquisse a população da Matta, com as cobranças de impostos. Essa autodefesa de
Bernardino é importante por apresentar sua versão de forma a nos ajudar a entender
porque José Lopes Pedra Sobrinho e Sebastião Gomes lhes fizeram uma série de
acusações em seus depoimentos.
Manoel Bernardino relata ainda como se dera sua fuga quando da chegada das
tropas policiais à Matta. Diz ter chegado no dia 7 de agosto em Codó, onde prestara
depoimento e enviara um telegrama ao governador Urbano Santos, solicitando-lhe que o
recebesse em São Luís, para prestar-lhes esclarecimentos. O governador respondeu em
telegrama a Manoel Bernardino que viesse a São Luís em companhia do major Augusto
de Faria Bello, mas “sem caráter de prisão175”. Volta a dizer que estava apenas com 14
homens armados por que ouvira boatos que Sebastião Gomes visava ataca-lo, salientando
também que jamais teve como objetivo fazer revolução na Matta. Quanto ao seu
socialismo176, declara Manoel Bernardino: “Como socialista, acompanha as ideias de
Tolstoi, na sua obra Amor e Liberdade, e Guerra Junqueiro, no seu livro Patria. A
propaganda que faz do socialismo consiste em leituras que faz à sua família nas horas
172Ibid. 173Ibid. 174DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.6. 175Ibid., p.7. 176Para uma análise mais “aprofundada” acerca das ideias e ideais propagados por Manoel Bernardino de
Oliveira, no sertão maranhense, ver: Giniomar Ferreira Ameida (2010).
85
vagas e aos trabalhadores seus amigos177”. Ao ser indagado em que consistia o socialismo
divulgado por ele, Manoel Bernardino segue esclarecendo:
[...] tem-lhes dito (como já disse a José Lopes Pedra Sobrinho, uma vez)
que “consiste em que nenhum capital fique parado, posto a produzir,
dando ganho ao operário e produzindo o necessário para matar a
necessidade do povo; abolir o álcool e difundir a instrução e manter a
obrigatoriedade do trabalho”. Nunca fez viagens para pregar o
socialismo nem nunca leu os seus livros fora da sua casa178 [...].
Manoel Bernardino relata não ter apalavrado com Euclydes Maranhão, nem com
o desembargador Dioclides Mourão, sobre revolução, inclusive, este último costumava
combater seus ideais socialistas.
Manoel Bernardino é solicitado a esclarecer o conteúdo de outra carta, datada de
20 de julho, que escrevera, e se achava em posse do delegado geral Augusto de Faria
Bello. Esta outra carta, diz ter endereçado a Antonio Fialho de Brito, seu tio e morador
de Engeitado (Mirador). Nesta carta volta a falar sobre a ideia de se impor um governo
para o “povo”, como estaria acontecendo no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul.
Manoel Bernardino expõe a situação de penúria do povo como condição para a revolução.
Falava também sobre as eleições de 1° de setembro, reforçando a ideia que se o governo
tentasse impedir o “voto livre”:
[...] deviam todos procurar desembaraçar-se da coação, por qualquer
meio que estivesse ao alcance do eleitorado, constando que se elegesse
um governo do povo pelo povo. Mas o declarante não tinha gente
reunida nem armada. Quando se referiu ao Rio (de Janeiro) e Rio
Grande do Sul, queria significar, conforme leu, que o povo não aceita a
convenção para a presidência da República, porém a maioria das
urnas179.
Além de tocar no assunto das notícias que ouvira, acerca das intenções do
governador Urbano Santos, em enviar tropas policiais às véspera das eleições para
garantir a vitória de seus partidários, Manoel Bernardino ao comentar o que quisera dizer
com as referências ao Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, provavelmente se refere à
formação da Reação Republicana, cuja consequência, como vimos acima, foi a criação
de um grupo político que passara a fazer oposição às candidaturas oficiais para a
presidência da República. Manoel Bernardino, homem letrado parecia estar antenado às
questões políticas a nível nacional, se tornando, no interior do estado, um dos adeptos da
177DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.7. 178Ibid., p.7. 179DIÁRIO DE OFICIAL DO MARANHÃO, 13 de setembro de 1921, p.8.
86
Reação Republicana, até por conta também das suas relações partidárias com os membros
do PRM.
Feitos os devidos esclarecimentos ao major Augusto de Faria Bello, Manoel
Bernardino, como dissemos acima, ainda veio a São Luís ter uma conversa com o
governador Urbano Santos, colocando-o informado sobre seus ideais socialistas, bem
como sobre as perseguições que sofria de seus inimigos, na Matta. Após o diálogo com
governador maranhense, Manoel Bernardino retorna à Matta, tendo recebido garantias de
Urbano Santos que nada lhe aconteceria, nem à sua família.
2.1.3. E mais “inquéritos”...
Além desse inquérito levado a cabo pelo major Augusto de Faria Bello, constam
dois outros inquéritos no Diário Oficial do Maranhão, a respeito da conspiração na Matta:
um segundo, feito por Carlos Bayma, delegado de polícia de Codó; e um terceiro, feito
por João da Costa Gomes, delegado geral do estado. Este último, fora aberto após o
governo ser informado (em fins de setembro) sobre os boatos de que houvera mais 14
mortes além dos quatro fuzilamentos já confirmados.
Em relação ao inquérito feito por Carlos Bayma, esta informação consta no Diário
Oficial do Maranhão do dia 19 de agosto. Parece ter sido aberto por conta própria, tendo
em vista as informações do telegrama enviado (dia 18/8) por esse delegado de polícia ao
secretário da Justiça e Segurança do estado (Teodoro Rosa). Este telegrama inicia com as
seguintes informações: “Rigoroso inquérito aberto sobre o caso sedicioso da Matta,
comprova criminalidade de Manoel Bernardino e de outros. Verifica-se pelo inquérito
que o plano de Bernardino, além de impedir eleições, era saquear e roubar180”. Haveria
ainda, de acordo com Carlos Bayma, o interesse de numerosas pessoas da Matta para que
Manoel Bernardino não voltasse para lá, esperavam apoio do governador Urbano Santos
para que evitasse o regresso de Manoel Bernardino à Matta. Reforça que teria recebido
inquérito procedido por Sebastião Gomes e que constava a anexação da carta de
Bernardino a Felippe Moreira.
Estes inquéritos serão questionados pelos representantes do PRM, bem como
também por Nascimento Moraes, devido os mesmos serem feitos por pessoas suspeitas
(no olhar da oposição) e ligados ao situacionismo político chefiado pelo governador
180DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 19 de agosto de 1921, p.3.
87
Urbano Santos. Por enquanto, queremos ressaltar basicamente duas questões, referentes
aos dois primeiros inquéritos aqui analisados, que parecem ter objetivos bem específicos
quantos aos alvos almejados. No primeiro, o alvo principal parece ter sido o tenente
Henrique Dias, pelas questões que já foram colocadas. Quanto ao segundo inquérito, feito
pelo delegado de Codó (Carlos Bayma) e dadas suas relações de amizade (e partidárias)
com Sebastião Gomes e José Lopes Pedra Sobrinho, estes últimos desafetos de Manoel
Bernardino, apresenta como principal alvo da investigação o lavrador Manoel Bernardino
de Oliveira.
Desse modo, entendemos não ser possível analisar esses inquéritos sem levarmos
em consideração as questões políticas em jogo, reforçadas por inimizades e disputas
locais (povoado da Matta, cidade de Codó). Embora se refiram à ideia de inquérito
insuspeito, lançando mão do discurso da objetividade para sustentação do conteúdo dos
mesmos, tais textos se tornam compreensíveis tendo em vista o contexto de enunciação
desses discursos marcados pelos conflitos políticos já assinalados acima.
O terceiro inquérito foi mandado ser aberto pelo governador Urbano Santos para
investigar os boatos de que o número de vítimas (mortais) haveria sido maior,
contabilizando mais 14 mortes. O responsável por esse inquérito foi João da Costa Gomes
(delegado geral). Em matéria do dia 4 de outubro (1921), o Diário Oficial do Maranhão
publica o primeiro telegrama enviado da cidade de Codó, por Costa Gomes para dá
informações acerca da abertura do referido inquérito. O delegado geral escreve ao
governador: “Regressei ontem à noite da Matta. Instaurando ali rigoroso inquérito,
cheguei à evidência de que, além dos quatro fuzilados, nenhuma morte mais se
verificou181”. Relata que fizera uma caminhada por várias partes das proximidades da
Matta, Codó, Barra do Corda; visitando para mais de 400 casas, não obtendo da população
nenhuma notícia “de outros mortos”. Contudo, relata que fora informado que,
Houve pequenos furtos em virtudes de alguns moradores terem
abandonado as suas habitações. Nenhuma responsabilidade colhi
contrária à cumplicidade Lopes Pedra, Sebastião Gomes, nos quatro
fuzilamentos, sendo pelo contrário que ambos evitaram maior número
de mortes182.
Ao falar de notícias de roubos e furtos não há referências a quem pudera ter sido.
A oposição vai atribuir a responsabilidade desses roubos e furtos às tropas policiais e aos
181DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 4 de outubro de 1921, p.3. 182Ibid.
88
homens armados por Sebastião Gomes. Estas atribuições, como veremos, também estão
pautadas em testemunhas que moravam nas localidades onde possivelmente ocorrera os
saques e roubos. Outro aspecto importante na citação acima é o fato do relator reforçar o
que já fora estabelecido pelo discurso oficial, desde o primeiro inquérito: a inocência de
José Lopes Pedra Sobrinho e Sebastião Gomes quantos aos quatro fuzilamentos; se não
fosse por suas intervenções, o número de vítimas do tenente Henrique Dias teria bem
maior. Cabe ressaltar que José Lopes Pedra Sobrinho fora acusado por depoentes, nesse
terceiro inquérito, que disseram terem sido contratado por ele, para removerem os
cadáveres dos fuzilados, com o objetivo explícito de ocultar os cadáveres.
Portanto, no mínimo, essas declarações apontam para uma conivência de José
Lopes Pedra Sobrinho (coletor de impostos estadual) com os fuzilamentos, mas a pesar
de ficar por alguns dias detidos, por ter sido acusado também de entregar uma lista de
cangaceiros ao tenente Henrique Dias, o relator deste último inquérito, João da Costa
Gomes: “[...] mandou soltá-lo sob a alegação de que a lista era apenas uma suspeita, que
os cadáveres já teriam sido vistos por muitas pessoas e por não ter sido pego em
flagrante183”.
Em relatório final, publicado pelo Diário Oficial do Maranhão no dia 24 de
outubro, relata João da Costa Gomes:
A 29 (de setembro), em presença de avultado número de pessoas,
homens, mulheres e crianças, realizei uma audiência ao ar livre, na
povoação, conforme fotografia junta. Em linguagem singela, ao alcance
do mais rude entendimento, concitei o povo a regressar ao seu trabalho,
as famílias aos seus lares; confiassem todos na ação do governo, que
nunca ordenara fuzilamentos e tanto assim que os culpados já haviam
sido presos e entregues à ação da justiça. O governo não era inimigo,
antes amigo do povo. Inimigos eram os que perturbavam a ordem e a
paz da Matta, pregando ideias revolucionárias, o derramamento de
sangue, a rebelião contra os poderes constituídos, convidando os
incautos e os ingênuos a uma incursão armada na cidade do Codó.
Eleições não se faziam com armas. O rifle não era voto. Pregava ali o
socialismo um homem inculto a outros homens ainda mais incultos do
que ele. Dest’arte, o socialismo da Matta era um crime, pois constituía
um perigo iminente, de consequências funestas. O governo queria a paz
e o trabalho e não a desordem184.
Essa citação sintetiza bem a visão oficial a respeito do grupo de Manoel
Bernardino, do socialismo pregado por este último, visto como um crime, além é claro de
defender a legitimidade do governo Urbano Santos, caracterizando-o como amigo do
183ALMEIDA, op.cit., p.64. 184DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 24 de outubro de 1921, p.5.
89
povo e defensor da paz e da ordem. As acusações que se faz acima, que não se fazia
eleição com rifle, atribuindo estas condutas ao grupo de Manoel Bernardino, parecem
visar deslegitimar mais ainda os opositores do governo. Portanto, feita tal audiência ao
povo, informando-os que os responsáveis pelos crimes na Matta já estavam presos e à
espera de julgamento, esperava-se apenas os desdobramentos do referido julgamento, que
se daria no dia 26 de outubro, em Codó.
A despeito das promessas do governador Urbano Santos, que dissera que faria de
tudo para que os responsáveis pelos fuzilamentos fossem punidos rigorosamente, após o
julgamento do tenente Henrique Dias e das praças que executaram os fuzilamentos, todos
os envolvidos foram absolvidos pelo júri da cidade de Codó. A reação dos representantes
do Diário de São Luiz quanto a essas absolvições foi de protestos, como seria de se
esperar. Até os representantes do jornal A Pacotilha criticaram o resultado desse
julgamento, embora em tons diferentes do Diário de São Luiz. Contudo, conforme
Giniomar Ferreira Almeida:
Inúteis foram os protestos e as críticas que se seguiram. Ninguém foi
devidamente punido, o tenente assassino, Antonio Henrique Dias, foi
promovido a major e continuou sua carreira até o ponto mais alto da
hierarquia estadual, Comandante da Polícia Militar do Maranhão. O
possível mandante, governador Urbano Santos da Costa Araújo, elegeu-
se vice-presidente da República ao lado de Artur Bernardes, não tendo
assumido o mandato pela sua morte antes da posse, em 07 de maio de
1922185.
Sendo assim, uma vez apresentado nossas análises dos discursos expressos pelo
Diário Oficial do Maranhão, damos prosseguimento no tópico seguinte, fechando esse
capítulo, à análise dos discursos d’O Jornal, periódico governista, sobre os
acontecimentos na Matta que resultaram nos trágicos fuzilamentos.
2.2 Os discursos sobre os fuzilamentos na Matta nas páginas d’O JORNAL
Esse jornal, na condição de partidário do governo de Urbano Santos (1918-1922),
expõe uma série de artigos elogiosos ao governador e, por consequência, se torna um
crítico ferrenho das ações da oposição, no caso, os representantes do Partido Republicano
Maranhense (PRM) e o jornalista Nascimento Moraes.
A primeira matéria com referências ao caso da Matta, que conseguimos encontrar
nesse jornal, foi publicada no dia 1 de agosto de 1921. Tendo como título “Uma
Conspiração”, essa matéria reproduz um telegrama recebido da cidade de Codó, no qual
constava: “A população está alarmada com ameaça de invasão,- por malfeitores chefiados
185ALMEIDA, 2010, p.69.
90
por Manoel Bernardino de Oliveira, residente Matta186”. De acordo com as informações
contidas nesse telegrama, Manoel Bernardino de Oliveira já havia reunido um grande
número de pessoas que teriam aderido ao seu intento; há referências também à carta
escrita por Manoel Bernardino e endereçada a Euclides Maranhão, na qual se falava da
chegada de armamentos para os revoltosos. O telegrama encerra com expectativa de que
o governador Urbano Santos tome as medidas necessárias para debelar a suposta
conspiração no interior maranhense.
Em matéria do dia seguinte, 2 de agosto, os representantes d’O Jornal apresentam
uma ideia acerca da personalidade do líder da conspiração, colocada em circulação pelos
jornais governistas e que fora reforçada pela oposição, pelo menos num primeiro
momento: Manoel Bernardino como um novo Antônio Conselheiro187. Não por acaso, o
título de uma de suas matérias é: “Um Missionário Maximalista revoluciona o interior do
Estado- o novo Antonio Conselheiro de Ideias Novas”. De acordo com o conteúdo desse
texto,
Acontecimentos de graves consequências estavam se preparando na
Matta, Codó, onde Manoel Bernardino de Oliveira prega abertamente
ideias subversivas à ordem e poderes públicos, propaga a divisão dos
bens entre ricos e pobres e diz ter chegado o momento de se derramar
sangue para fazer vingar ideias comunistas. Adeptos numerosos
acorrem, diariamente, à sua residência, para lhe ouvir as doutrinas,
formando ali um novo Canudos de desastrosas consequências, se o
governo não tomar providências. Segundo se afirma um movimento
popular, dali, partirá em direção ao Codó”188.
Os ideais propagados por Manoel Bernardino, como vimos acima, chamou a
atenção das autoridades de Codó e de outras cidades próximas, que logo fazem questão
de colocar o governador informado dos boatos. O discurso de Manoel Bernardino voltado
para os moradores da Matta, falando em igualdade social e propondo a divisão dos bens
dos ricos entre os pobres e, a ideia de derrubada do governo situacionista, certamente
chamou a atenção dos políticos locais ligados ao grupo oligárquico liderado pelo
governador Urbano Santos. Ressalte-se também, como já frisamos, as relações de Manoel
186O JORNAL, 1° de agosto de 1921, p.1. 187Referimo-nos aqui à ideia sobre Antônio Conselheiro como um “fanático religioso”. Esta ideia aparece
nas páginas do livro clássico “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e passara a circular como uma “imagem”
comum para se referir ao Conselheiro. No caso de Manoel Bernardino, os jornais aqui analisados vão se
referir a ele, num primeiro momento, como alguém que procurava “fanatizar” as pessoas do povoado da
Matta com seus ideais políticos, pautado no socialismo. 188O JORNAL, 2° de agosto de 1921, p.1
91
Bernardino com os membros do Partido Republicano Maranhense, visando agir no dia
das eleições estaduais, dia 1/9/1921.
As informações apresentadas n’O Jornal falam que “pessoas vindas do lugar
(Matta) afirmam que Manoel Bernardino tem avultado número de cangaceiros
armados”189. A partir dessas informações, sabia-se que Manoel Bernardino tinha como
objetivo chegar a Codó, dias antes da eleição, com a intenção de coagir os eleitores pró-
situacionismo para votarem nos candidatos da oposição (PRM). Os representes do Partido
Republicano Maranhense teriam entregue munições a Manoel Bernardino, acrescentando,
por fim, que este último era o único parguista (partidário do grupo de Herculano Parga)
na Matta, dando a entender, portanto, que os demais eleitores eram todos partidários do
governador Urbano Santos. Ao término dessa matéria, fala-se da chegada do contingente
policial a Codó (40 praças), enviado pelo governador, sob o comando dos tenentes
Taurino Lemos e Antônio Henrique Dias, relatando o que dizem ter sido a aclamação do
povo quando da passagem da tropa policial do Estado: “A população está satisfeita com
as prontas providências tomadas pelo presidente”190.
Algumas questões nesse discurso são perceptíveis: a estratégia de desqualificar o
grupo de Manoel Bernardino chamando-os de cangaceiros, deslegitimando-os ao se
referir a eles como desordeiros; a vinculação de Manoel Bernardino com os membros do
PRM, tendo em vista as notícias “aterradoras” que circulavam pelo interior do Estado e
chegavam a São Luís, talvez almejasse atingir diretamente os representantes do Partido
Republicano Maranhense.
A partir do momento que noticia a “conspiração” na Matta do Codó e, dado que a
oposição passa a responsabilizar o governador Urbano Santos pelos crimes cometidos
pelas tropas policiais do Estado, percebemos que os discursos veiculados pel’O Jornal
endossa seus alvos de críticas para os opositores do governador: os representantes do
PRM e o jornalista Nascimento Moraes. Em relação ao PRM, as matérias d’O Jornal
referente aos membros desse partido, antecedem o episódio dos fuzilamentos na Matta,
pois, por se tratar de um partido de oposição, já vinha sendo combatido pelos integrantes
desse jornal. Um dos principais alvos das críticas desse jornal será Herculano Parga, por
ser um dos principais representantes desse partido.
189O JORNAL, 2 de agosto de 1921, p.1 190Ibid.
92
Segundo O Jornal, Herculano Parga era visto como alguém cujo comportamento
era marcado por ações violentas. Outrora tendo galgado o governo, graças a Urbano
Santos que o havia escolhido para ser governador no período de 1914-18: “O Herculano
(Parga), que nunca imaginou subir tão alto, teve, lá em cima, a vertigem das alturas, e
sonhou ser o chefe da política estadual...traindo o seu inventor”191. Contudo, o intento de
Herculano Parga não teria dado certo, sendo assim voltara “ao nada, de onde nunca
deveria ter saído”192. Provavelmente, se Herculano Parga ainda fizesse parte do grupo
político situacionista não teríamos uma matéria com um teor crítico tão forte como esse,
negando qualquer possível qualidade desse ator político. Parece ser perceptível a
importância do momento no qual esses discursos são proferidos, nesse sentido, como bem
ressalta Mikhail Bakhtin (1992), a percepção do contexto da enunciação é fundamental
para entendermos os sentidos expressos em um texto. No caso em questão, tendo em
vista as disputas políticas incentivadas pela proximidade da eleição estadual, nas quais
estavam envolvidos esses agentes sociais, havia uma troca de críticas, insultos e
acusações de ambos os lados.
Na citação acima sobre Herculano Parga, O Jornal ao condenar sua tentativa de
se tornar chefe da política local parece aceitar como natural que esse posto cabe a Urbano
Santos. Herculano Parga encarna o tipo de político cuja prática de governo é abominada
pelos situacionistas, sendo um desses fatores o uso da violência como forma de domínio
político. No intuito de defender Urbano Santos, os representantes d’O Jornal parecem
deixar no ar uma brecha para uma questão simples: dadas as atitudes deploráveis de
Herculano Parga porque Urbano Santos o escolhe para governo (1914-18)? Essa questão
só reforça o que temos falado acerca da forma como os elogios ou críticas parecem
depender não necessariamente apenas do sujeito em questão, mas da posição que ele
ocupa nessas disputas político-partidárias, pois, violências contra opositores, fraudes
eleitorais, das quais esse jornal acusa Herculano Parga, eram práticas comuns na cultura
política brasileira da Primeira República.
Em matéria intitulada “Gralha e Velhaco”, de 1° de agosto, O Jornal volta a falar
dos ataques ao governador Urbano Santos pelos membros do PRM. A imagem de Urbano
Santos (re)construída por esse jornal é a de um homem integro, tipo de político exemplar.
Comparando-o com os membros da oposição, diz esse jornal que, enquanto Urbano
191O JORNAL, 25 de julho de 1921, p.1 192Ibid.
93
Santos só ascendia na política nacional com mais uma indicação para a vice-presidência
do Brasil, a oposição regredia ao nada. É comum nesse jornal uma estratégia discursiva
pautada numa dualidade em que o governador maranhense é representado como portador
das melhores qualidades que um homem de carreira política devia possuir, por outro lado,
os integrantes do PRM seriam o oposto dessa imagem idealizada. Se a nível local essa
estratégia discursiva se pautava nessa percepção dualista, o mesmo ocorre quando tratam
das questões das disputas políticas nacionais.
Desse modo, as matérias referentes à chapa Artur Bernardes-Urbano Santos são
sempre em tons elogiosos, visto como a opção mais adequada para as eleições
presidenciais de 1° de março de 1922. São corriqueiras as referências às ações da
campanha presidencial desses candidatos, sendo reforçada pela publicação de matérias
dos jornais de outros estados, principalmente do Rio de janeiro, partidários da chapa Artur
Bernardes-Urbano Santos. A lógica basicamente é a mesma: as palavras usadas para
qualificar e elogiar o que diziam ser uma prática política louvável, visando o progresso
do país, são utilizadas para se referirem a esses dois candidatos. Caso diferente se dá em
relação à forma como se referem aos candidatos da oposição na disputa presidencial: Nilo
Peçanha e J.J Seabra. Durante todo período que antecede as eleições presidenciais são
constantes publicações de matérias visando desqualificar os partidários da chapa Nilo-
Seabra.
Após a matéria do dia 2 de agosto, O jornal volta a apresentar matéria sobre o
caso da Matta no dia 8, do mesmo mês. Com título de “O epílogo do levante da Mata”,
faz referência à prisão de Manoel Bernardino e Felipe Moreira, considerados pelo
governo como os chefes da revolução. Conforme essa matéria: “A diligência (das tropas
policiais) tem apreendido rifles e munições, prendendo cangaceiros. Grande número de
revoltosos está refugiado no Mato”193. Essa matéria encerra informando que Manoel
Bernardino e Felipe Moreira estavam sendo interrogados pelo Major Augusto de Faria
Bello. Esse discurso sobre a prisão de cangaceiros reforça o que vimos acima a respeito
da prisão de pessoas que possivelmente não tinham nenhuma relação com o que o governo
chamava de levante, pois foram soltos posteriormente inclusive pelos próprios partidários
do governo. Ressalte-se, ainda, o uso do termo cangaceiro com toda sua carga de valor
negativo no contexto em questão, para se referir àqueles que as tropas policiais prenderam
193O JORNAL, 8 de agosto de 1921, p.1.
94
com suspeitas de integrarem o grupo de Manoel Bernardino. Entretanto, esse termo não
é utilizado para se referirem aos homens sob o comando de Sebastião Gomes que, como
vimos, foi autorizado pelo governo a armar paisanos, ou seja, o termo utilizado é outro e
nesse contexto não tem a carga de significado pejorativo como a palavra cangaceiro.
Com a informação/boato recebida pelo governo sobre o fuzilamento de cerca de
100 pessoas pelas tropas policiais do Estado, O Jornal publica:
Sabemos que o sr.presidente do Estado recebeu informações de
excessos cometidos pela força (policial), que foi enviada à Matta do
Codó, transmitidas pelo desembargador Deoclides Mourão, e mandou
que eles sejam apurados rigorosamente, para os fazer punir de acordo
com a lei, caso se verifique essas informações são verdadeiras194.
Dois dias depois da publicação dessa matéria e uma vez de posse de novas
informações sobre o número de mortos, O Jornal tece críticas novamente aos integrantes
do PRM, incluindo o desembargador Dioclides Mourão, que dera a notícia equivocada
em relação ao número de mortos pelas tropas policiais. Para esse jornal, o objetivo da
oposição era explorar o caso da Matta contra o governador Urbano Santos. Ao ser
confirmado que as tropas policiais cometera 4 homicídios, os representes d’O Jornal se
colocam na posição de isentar qualquer possível responsabilidade do governador Urbano
Santos, nos crimes em questão. Sendo assim, a campanha desse jornal será no intuito de
combater as acusações colocadas em circulação pelo jornal Diário de São Luiz, quer nos
seus editoriais quer nas matérias escrita pelos membros do PRM.
Tendo em vista seus objetivos, O Jornal publica (reproduz) duas matérias de
jornais do Rio de Janeiro, sobre o caso da Matta: uma do Jornal do Brasil e outra do
jornal O Dia. O primeiro relata o equívoco da informação sobre o número de mortos na
Matta, salientando que Godofredo Viana, senador maranhense e candidato a governador
estadual por indicação de Urbano Santos, teria informado que o governador Urbano
Santos cumpriria o que prometera: punir os culpados pelos crimes da Matta. Afirmando
essa matéria: “Toda a gente espera, realmente, que o sr. Urbano (Santos) saiba cumprir o
seu dever, punindo os responsáveis pelos gravíssimos acontecimentos no Maranhão195”.
Esperava-se, portanto, que o governador maranhense agisse de forma a punir os
envolvidos nos crimes denunciados, sem necessariamente fazê-lo uma crítica, esse jornal
parece sugerir pelo menos uma advertência ao governador. A matéria do jornal O Dia,
194O JORNAL, 15 de agosto de 1921, p.1 195JORNAL DO BRASIL Apud O JORNAL, 23 de agosto de 1921, p.1.
95
reproduzida pel’O Jornal, é mais extensa e segue na mesma linha de defesa do governador
Urbano Santos, negando seu envolvimento com os fuzilamentos. Nessa matéria, há logo
no início um elogio (agradecimento) ao governador maranhense por ter atendido o convite
de um jornal carioca para dar informações a respeito das cenas de banditismo no interior
maranhense. Urbano Santos teria comentado que embora ainda não tivesse sido apurado
o caso da Matta, podia dar certeza que não se tratava da gravidade (cerca de 100 mortes)
que fora divulgado no primeiro momento, mas de acordo com o jornal carioca: “Em
qualquer hipótese, pode-se contar não só com as verídicas informações dor sr., como,
com a sua ação enérgica e imparcial, resolvendo a questão pela forma mais justa196”.
Dadas as informações de crimes no interior do Maranhão, sua exploração pela oposição
no contexto político em questão, chama atenção a forma como o discurso do jornal acima
procede: as informações do governador maranhense classificadas como verídicas,
imparcial e a promessa de suas ações orientadas pelo modo de proceder justo na apuração.
A ideia da veracidade e imparcialidade é muito comum nos discursos jornalístico
da época (e nos dias atuais), ressalvando-se aqui que estas ações são sempre atribuídas a
si, pelos jornais e grupos políticos que emitem seus discursos, como pautados na
veracidade e imparcialidade. Embora lamentando o episódio na Matta, segue o jornal
carioca:
As proezas dos bandidos e as façanhas cruentas dos cangaceiros são,
com efeito, quase diariamente registadas nos sertões. Nos Estados
brasileiros, com especialidade o norte, raro é o dia em que os jornais
não publicam telegramas narrando assassinatos e roubos praticados por
bandoleiros, quando não se trata dos feitos em cidades indefensáveis197.
A matéria segue informando que as notícias dos sertões brasileiros deixavam
muito longe as cenas de faroeste celebradas pelo cinema estadunidense. Uma vez descrita
essa situação, comum nos sertões do Brasil, a matéria do jornal do Rio de Janeiro segue
fazendo comentários numa estratégia de tirar qualquer responsabilidade dos governantes
dos estados nortistas pela situação, pois:
Não é possível, entretanto, responsabilizarem os governos estaduais por
acontecimentos de tal ordem, em vista da exiguidade de meios de que
dispõe para reprimir o banditismo desenfreado. A grande maioria das
unidades da federação, pelos minguados orçamentos, não pode manter
polícia militar em número suficiente para aquele fim198.
196O DIA Apud O JORNAL, 23 de agosto de 1921, p.1. 197Ibid. 198Ibid.
96
Em defesa dos governadores temos então uma lista de fatores que inviabilizavam,
para os articulistas do jornal carioca, ações que coibissem as práticas de violências nos
sertões, com destaque para os minguados orçamentos que o governo contava. Sem
desconsiderar estes fatores, entendemos que os articulistas do jornal não tocam num ponto
central da situação política dos estados brasileiros: a indistinção em muitos casos entre
força policial legal e os ditos cangaceiros, ambos utilizados pelos vários grupos
oligárquicos como forma de domínio político na Primeira República. Ou seja, muitos
desses casos de violência registrados nos estados eram também resultados de ações
policiais (as forças legais) com o consentimento dos grupos políticos.
Como um dos exemplos podemos citar as ações do tenente Henrique Dias que fora
denunciado no inquérito policial instalado pelo governo para apurar os crimes da Matta,
em que um depoente dizia que o referido tenente costumava agir de forma violenta nas
suas operações policiais pelo interior maranhense, principalmente quando estava sob
efeito da pinga. Quando se tentava uma represália a esses tipos de ações era quando as
mesmas eram praticadas pelos opositores dos situacionistas. Encerrando a matéria, o
jornal carioca apresenta um discurso em tom prático:
Quando o governo do Estado resolve, por fim, por termo a esse estado
de coisas, tem lugar lutas terríveis, em que se empenham forças
regulares de bandidos. E fica agente, assim, sem saber se não será
preferível deixar as coisas como estão. Afinal de contas, resta-nos a
esperança de resolver o problema da difusão do ensino público,
esperança pálida mas única199.
A partir da matéria do dia 24/8, mesmo dia da publicação das declarações do
tenente Henrique Dias pelo jornal Diário de São Luíz, os representantes d’O Jornal
passam a publicar uma série de matérias condenando estas declarações e,
consequentemente, tendo como um de seus principais alvos de críticas o jornalista José
do Nascimento Moraes. Críticas estas que se davam, tanto pela campanha oposicionista
que esse jornalista vinha fazendo através de artigo seus publicados pelo Diário de São
Luiz, como também pelo fato de ter sido ele (Moraes) quem foi visitar o tenente Henrique
Dias na prisão e, possivelmente, teria sido um dos que influenciara o tenente Dias a
declarar que praticou os crimes por ordens do governador Urbano Santos. A matéria
intitulada “Arrancando a máscara” é voltada para essa visita de Moraes ao tenente Dias.
O título da matéria por si já é sugestivo, pois remete à ideia que Nascimento Moraes teria
199O DIA Apud O JORNAL, 23 de agosto de 1921, p.1.
97
falsificado/escrito o conteúdo das declarações levando apenas pera o tenente assinar.
Desse modo, na argumentação dos situacionistas esse plano teria sido descoberto. Matéria
de destaque por conta de ser um editorial, começa com a seguinte afirmação:
Entrou na sua fase mais abjeta a exploração da politicalha em torno das
ocorrências da Matta, exploração que tendenciosamente se restringe ao
bárbaro fuzilamento de prisioneiros, ordenados pelo tenente (Henrique)
Dias. Chegada que aqui foi, com todo o seu cortejo de exagerações, a
notícia do hediondo crime, abriu o grupelho que faz oposição ao
governo o dique das mais virulentas e injustas invectivas, na errônea
suposição de que o delito ia ficar impune200.
As discussões teóricas de Mikhail Bakhtin quanto à análise de textos,
compreendendo-os como sendo produções de uma interação social, pode nos ajudar na
leitura da citação acima. De acordo com M. Bakhtin: “Um traço essencial (constitutivo)
do enunciado é o seu direcionamento a alguém, o seu endereçamento[...]201”. No caso
aqui em análise, a matéria d’O Jornal tem como alvo seu outro (a oposição), representado
nos membros do PRM e Nascimento Moraes. De forma categórica, O Jornal entendia que
os acontecimentos na Matta estavam sendo explorado pelo grupo da oposição, estes são
descritos como os responsáveis por uma atuação política caracterizada como politicalha.
Tendo em vista o sentido pejorativo que o termo politicalha assume nesse discurso,
chamamos novamente atenção para o tipo de estratégia utilizadas nessas disputas
políticas, pautadas numa leitura dualista em que o adversário representa o tipo de
fazer/praticar política que é abominável, daí o uso do termo politicalha para se referir ao
outro, sugerindo, assim, que a forma correta, justa, louvável, era praticada pelo grupo
adepto do governador Urbano Santos. Sendo assim, os termos utilizados pelos membros
d’O Jornal visam reforçar uma imagem, aquilo que Dominique Maingueneau chama de
simulacro do “outro”, dos opositores de Urbano Santos. Desse modo, queremos chamar
atenção novamente para a ideia que esses discursos são produzidos numa disputa política,
na qual os atores sociais envolvidos visam convencer a opinião pública com as suas
colocações e, por conseguinte, colocar em circulação o “simulacro do outro”.
Outro aspecto do texto acima é a ênfase novamente no tenente Henrique Dias
como único responsável pelos crimes cometidos.
Cabe ressaltar que, embora os membros d’O Jornal aleguem que os opositores
pensavam que os crimes ficariam impunes, mas o governador já teria mandado prender o
200O JORNAL, 24 de agosto de 1921, p.1. 201BAKHTIN, 2011, p.301.
98
tenente Henrique Dias, sabemos que a prisão do tenente se deu, apenas, enquanto se fazia
o inquérito para apurar os fuzilamentos. Segundo esse jornal, os opositores do governador
teriam até lhe elogiado quando mandara prender o citado tenente, contudo, ainda de
acordo com a matéria aqui analisada: “Isso, porém, não se coadunava com o seu (dos
opositores) feitio moral. Fazia-lhes mal serem justos. Incomodava-os o reconhecimento
da verdade. E isso seria renunciar ao plano sórdido202”. Fazem uma crítica ao jornal
Diário de São Luiz que é fundamental para entendermos como esses jornais agiam de
acordo com seus interesses em questão. Para os membros d’O Jornal, o Diário de São
Luíz que até bem pouco tempo apontava o tenente Henrique Dias como criminoso, passara
a advogar em sua causa como se este tenente estivesse apenas cumprindo ordens do
governador Urbano Santos. Sendo assim, o governador passa a ser o principal alvo do
Diário de São Luíz como verdadeiro culpado pelos crimes na Matta. Essa percepção d’O
Jornal de fato converge com que notamos no posicionamento do jornal oposicionista
acerca da mudança de “visão” quanto ao tenente Dias.
Com o objetivo de desmascarar a oposição, mais especificamente Nascimento
Moraes (Redator-chefe do Diário de São Luíz), por conta da sua visita ao tenente
Henrique Dias e por ter sido o responsável pela publicação das declarações desse tenente,
segue a referida matéria relatando sua versão acerca dos crimes cometidos pelo tenente
Henrique Dias. Este, na sua chegada a São Luís teria negado que praticara algum crime,
assim como já havia negado em seu primeiro depoimento quando ainda estava na cidade
de Codó, antes de retornar a São Luís. Nos dois primeiros depoimentos, como vimos, o
tenente Henrique Dias culpara Sebastião Gomes, subdelegado de Curador, pelas
acusações a ele (Dias). Entretanto, um sargento e as praças que acompanhara o tenente
Henrique Dias na atuação das tropas policiais na Matta, haviam confessado que haviam
cometido os fuzilamentos dos quatros homens por terem sido ordenador pelo tenente
Dias. Ressalta que posteriormente o tenente Dias, já em São Luís, havia confessado seus
crimes ao tenente Rodolfo Figueiredo. Este, a par dessas confissões, foi até o Palácio do
governo para falar com Urbano Santos, que o aconselhara a colher as informações do
tenente Henrique Dias por escrito. Ao retornar ao quartel (4 horas depois) onde o tenente
Dias se encontrava preso, Rodolfo Figueiredo notara que “o acusado havia sido pérfida e
habilmente trabalhado par (sic) alguém”, que o tenente Dias havia encontrado “elementos
202O JORNAL, 24 de agosto de 1921, p.1.
99
para defende-lo do crime que praticara, não de moto-próprio, mas em virtudes de ordens
que recebera (do governador)203”.
Segue a matéria d’O Jornal indagando o que fizera o tenente Henrique Dias mudar
tão rápido de opinião. Relata que o tenente Rodolfo Figueiredo foi “procurado pelo
professor Nascimento Moraes, redator principal do ‘Diário de S. Luiz’. Conhecendo, pela
leitura cotidiana dessa gazeta, a campanha que aquele jornalista vinha fazendo contra o
tenente Dias204”. Rodolfo Figueiredo teria ficado perplexo por Nascimento Moraes tê-lo
perguntado se não havia um jeito de livrar o tenente Henrique Dias das acusações.
Rodolfo Figueiredo lhe teria respondido que não, pois o tenente Dias era
“indiscutivelmente culpado”. Ainda conforme a matéria, Nascimento Moraes, no dia
anterior, pela manhã, havia penetrado no quartel do Corpo Militar para conversar com
Henrique Dias: “Conforme diz, ontem mesmo, o jornal em que escreve, de lá saiu ele com
uma entrevista redigida e assinada pelo tenente Dias205”.
De acordo com o argumento d’O Jornal, a referida entrevista havia sido escrita
fora do quartel e levada para o tenente Henrique Dias apenas assinar. A prova dessa
suposição se dava porque o tenente Dias não dispunha de máquina de escrever na prisão.
Desse modo, lançam um desafio aos representantes do Diário de São Luízpara que
apresentassem no mesmo dia o documento original com a assinatura do tenente Dias.
Encerra falando que os opositores tinham como objetivo unicamente atacar o governador
Urbano Santos, contudo, essas calúnias não conseguiriam deturpar “o brilho de um nome
tornado nacional por uma longa vida de trabalho, de honradez e de civismo206”. Trabalho,
honradez, civismo, palavras muito frequentemente usadas para auto-referência pelos
governistas, uma vez que sendo o governador portador dessas qualidades, seus partidários
estariam no lado correto das disputas políticas em foco.
Em matéria do dia seguinte 25 de agosto, intitulada “Dr. Urbano Santos”, O Jornal
responde a um artigo de Nascimento Moraes, escrito no Editorial do Diário de São Luíz
que havia sido publicado no dia anterior, com o título de “O sr. Urbano Santos”, no qual
esse jornalista fazia uma série de críticas ao governador Urbano Santos (comentaremos
essa matéria no 3° capítulo). No texto de defesa ao governador, O Jornal começa dizendo
203O JORNAL, 24 de agosto de 1921, p.1. 204Ibid. 205Ibid. 206Ibid.
100
que: “A atitude leviana e perversa do ‘Diário de S. Luíz’, revelada no seu editorial de
ontem, causou profunda impressão no espírito público, provocando geral indignação207”.
Um ponto importante a destacar logo de início nesse discurso é a ideia de reprovação do
público pelas críticas ao governador Urbano Santos, veiculadas pela oposição. Ao
argumentar que o público não aprovara o referido artigo, os situacionistas parecem tentar
convencer o leitor de que a opinião pública estava ao lado do governador, numa estratégia
de jogar a mesma contra os opositores. Nessas disputas pelo convencimento da opinião
pública e, também da tentativa de desqualificar o discurso do “outro”, tanto situacionistas
como a oposição argumentam estarem ao lado povo e este ao seu lado.
Na tentativa de desconstruir a imagem do governador Urbano Santos colocada em
circulação pelo discurso da oposição, O Jornal segue falando na sua matéria a respeito
do “entusiasmo” do momento com a escolha de Urbano Santos como candidato à vice-
presidência do Brasil. Tal “entusiasmo” estaria tomando conta dos maranhenses, bem
como estaria sendo saldada de Norte a Sul do país, seria um momento em que
[...] Pela imprensa e pela tribuna, se faz a propaganda dessa candidatura,
exaltando-se o mérito e as virtudes cívicas de s.exc., salientando-se os
seus reais e inestimáveis serviços à nação, de tão alta e proclamada
valia, para nossa maior glória; nesse momento mesmo, de sérias
apreensões políticas e econômicas, quando todo o país tem os olhos
voltados para s.exc., confiante na sua invulgar cultura, na sua
ponderável experiência e na sua ação criteriosa, de que vem dando tão
sobejas provas, há longos anos, para extrema satisfação da nossa honra,
da nossa glória e do nosso orgulho[...]208.
Por outro lado, seria nesse momento de “entusiasmo” e expectativas, com a
nomeação do “ilustre” maranhense para concorrer à vice-presidência, momento especial
pelas circunstâncias (na perspectiva d’O Jornal) que: “[...] conterrâneos nossos, aqui na
capital do Estado, encontram bastante coragem no seu desamor à terra natal, para encetar,
uma campanha ingrata de ódio e de difamação contra o dr. Urbano Santos209”. Portanto,
os articuladores desse jornal lançam mão do discurso de bairrismo estadual como
estratégia de justificar o que seria em seu entendimento uma falta de amor ao Maranhão,
sugerindo que a única opção correta nas disputas políticas em questão era a que estava
sob a representatividade do grupo político ao qual pertencia o governador maranhense. A
partir dessa estratégia discursiva, O Jornal coloca como contraponto a situação da Bahia
207O JORNAL, 25 de agosto de 1921, p.1. 208Ibid. 209Ibid.
101
em que, na sua concepção, a indicação de J.J Seabra como candidato a vice-presidente,
na chapa que tinha Nilo Peçanha como candidato a presidente, havia reunido todos os
grupos políticos baianos, para se pensar só na Bahia, se deixando de lado os rancores e
disputas partidárias locais. Feita essa comparação com o que estaria ocorrendo na Bahia,
O Jornal volta a tocar no assunto da visita de Nascimento Moraes ao tenente Henrique
Dias, relembrando que:
Foram ao cárcere, onde vergado ao peso dos remorsos, penava,
sucumbido, um criminoso de mortes e, pérfida e perversamente, lhe
insinuaram no espírito a ideia de atribuir a mandato de seus crimes ao
presidente do Estado, como meio único de salvação. E, para completar
a obra satânica, conseguiram, que ele lhes assinasse uma declaração que
no próprio ato lhe apresentaram datilografada210.
O Jornal fala na ação de Nascimento Moraes como uma “obra satânica”,
sugerindo outra vez uma concepção dualista, agora pautada numa ideia que beira o
discurso religioso ao atribuir o qualificativo citado às ações de Moraes, pois no contexto
de enunciação acima, visa caracterizar a ação de Moraes como algo do mau. A referência
novamente a essa visita talvez vise insistir na ideia defendida por esse jornal no intuito
de não deixar que vigore a versão da oposição, pois, é importante termos em mente as
questões político-partidárias que estavam em jogo. Até porque, o Diário de São Luiz,
como veremos mais a frente, insistirá em matérias diárias na culpabilidade do governo,
bem como em fortes críticas ao domínio oligárquico liderado por Urbano Santos.
O Jornal volta a ideia do início da matéria, comentando que todos os que haviam
lido o Editorial do Diário de São Luíz (do dia anterior) tiveram a mesma repulsa que os
membros d’O Jornal, acerca das ideias apresentadas sobre Urbano Santos. Afirma que
essas críticas ao governador eram resultado da politicalha praticada pelos opositores. Esse
tipo de fazer política é apresentado pel’O Jornal como algo abominável e, que era uma
prática corriqueira do outro (a oposição). Reforça sua imagem sobre o governador como
sendo a de um homem cuja atuação na política nacional é vista como a de uma trajetória
integra, daí condenar a campanha do Diário de São Luiz por tentar: “[...] infamar um
homem eminente que toda a nação admira e respeita, pelo seu longo passado de trabalho,
de honradez e de civismo211”. Ao falar que o governador Urbano Santos é respeitado por
toda nação, em tom exagerado, esse jornal parece tentar desarticular as críticas da
oposição ao chamá-los de um pequeno grupo que, portanto, estaria em descompasso com
210O JORNAL, 25 de agosto de 1921, p.1. 211Ibid.
102
a maioria (a nação). Uma vez sendo minoria não se devia dar crédito aos discursos da
oposição, até porque, conforme o argumento d’O Jornal:
Não há nesta terra quem não saiba, quanto é tolerante em política, o dr.
Urbano Santos; quanto s.exc. é prudente, criterioso e sensato; nesta terra
não há quem ignore quais são os seus processos políticos, de harmonia,
de pacificação, de cordialidade; não há nesta terra quem ignore o rigor
dos seus escrúpulos, e a firmeza da sua ponderação212.
Tolerante, prudente, criterioso, sensato, pacífico, cordial, escrupuloso, etc, são
palavras usadas em profusão para elogiar/caracterizar o governador Urbano Santos.
Percebemos novamente um manuseio com as palavras acima, utilizadas para se referir ao
governador maranhense, mas como bem ressalta Mikhail Bakhtin: “As palavras não são
de ninguém, em si mesmas nada valorizam, mas podem abastecer qualquer falante e os
juízos de valor mais diversos e diametralmente opostos dos falantes213”. Essa colocação
de Bakhtin é fundamental, pois, o que percebemos, em nossa análise, é que ambos os
lados, situacionistas x oposição, utilizam como estratégia discursiva o manuseio das
palavras, atribuindo-se cada um dos lados, aquelas com sentido positivo e direcionando
as com sentido negativo para o adversário político. Outra questão da matéria acima, é que
não há sequer nenhuma referência, em tons argumentativos, que tentasse apresentar
provas para desqualificar o que Nascimento Moraes dissera no artigo combatido pel’O
Jornal. Nascimento Moraes faz acusações do envolvimento do governador Urbano
Santos com o caso do “Satélite214”, faz críticas sobre os relacionamentos políticos de
Urbano Santos com o político gaúcho Pinheiro Machado. Quanto a essas questões O
Jornal silencia se limitando a fazer elogios ao governador com palavras de certa forma
vagas, pois não exemplifica em que situações agira o governador para ser caracterizado
com as palavras acima. Ao término da matéria diz novamente que os maranhenses
repudiaram a matéria do Diário de São Luíz, e encerra dando um “Honra ao Maranhão”.
212O JORNAL, 25 de agosto de 1921, p.1. 213BAKHTIN, 2011, p.290. 214Referência ao episódio dos desdobramentos das punições para os marinheiros envolvidos na Revolta da
Chibata. Uma das consequências de tais punições foi que: “no início de 1911, 105 marinheiros foram
mandados para os seringais da Amazônia a bordo do cargueiro Satélite, sendo que nove dentre eles foram
fuzilados e jogados ao mar e o restante desapareceu e morreu na Amazônia, vítimas, provavelmente, da
malária”. DE DECCA, Edgar Salvadori. Quaresma: Um Relato de Massacre Republicano. Anos 90.
Porto Alegre, n.8, dezembro de 1997. P.56. Este episódio aconteceu na época da presidência de Hermes da
Fonseca. De acordo com as acusações de Nascimento Moraes, à qual nos referimos acima, Urbano Santos
(à época senador pelo Maranhão) fazia parte de uma “comissão” responsável por apurar tais atrocidades.
Entretanto, nada ocorrera com os responsáveis pelo massacre dos marinheiros do cargueiro Satélite.
103
Em matéria seguinte, dia 26/8, O Jornal volta tocar no assunto das declarações do
tenente Henrique Dias publicadas no Diário de São Luíz. Com o título “Pela Gola”, a
matéria começa dizendo que teriam demonstrado a farsa dessas declarações, nesses
termos, afirma: “Havemos de obriga-los a confessar as mentiras que engendraram, e
penitenciar-se das calúnias que assacaram,- ainda que para isso tenhamos de segura-los
pela gola215”. Para esse jornal, o Diário de São Luís teria muitas explicações a dar, como
por exemplo, porque mudara repentinamente a linguagem a respeito do tenente Henrique
Dias, uma vez que, conforme O Jornal: “Há menos de uma semana o qualificativo mais
suave que encontravam para o tenente Dias era o de ‘monstro’...Hoje, o monstro é
vítima!216”. De fato, há uma mudança na forma como Nascimento Moraes falava do
tenente Henrique Dias, antes e depois que o mesmo prestara as declarações para esse
jornalista. Referindo-se a esta tentativa do Diário de São Luiz em inocentar Henrique
Dias, escreve O Jornal: “A tal ponto a paixão os desorienta, que nem sobra tempo para
raciocinarem que, embora simples mandatário que Dias fosse, nem por isso deixaria de
ser mesmo criminoso que é!217”.
Contudo, embora O Jornal insista na denúncia do tenente Henrique Dias como
criminoso, esse jornal praticamente silenciou por completo acerca dos crimes da Matta
após a absolvição do tenente criminoso. Seguindo na linha de argumentação desse jornal,
na matéria aqui em análise, percebemos novamente uma estratégia de relacionar a
identificação do ato criminoso do tenente Dias com os partidários da oposição, tentando
assim, jogar a opinião pública (os leitores) contra os opositores do governador, pois de
acordo com esse jornal: “Já a cada canto se ouve, por toda esta cidade, que o criminoso
da Matta não é menos perverso do que aqueles que lhe exploram a grande culpa e a imensa
desdita218”. Portanto, esse jornal chega a comparar a prática de homicídios com a
exploração da mesma pelos opositores do governo.
Os representantes do Partido Republicano Maranhense e o jornalista José
nascimento Moraes são criticados novamente pel’O Jornal em matéria do dia 27/8 de
215O JORNAL, 26 de agosto de 1921, p.1. 216Ibid. Esse mesmo discurso em relação Diario de São Luiz expresso pel’O Jornal também é defendido
pela Pacotilha que fala em matéria também do dia 26/8 a mesma coisa com palavras diferentes: “[...] não
convindo que cessassem as acusações ao presidente do Estado, apenas mudou a causa que as vinha
determinando. O lugar das vítimas no coração dos seus defensores foi tomado pelo tenente Dias, que, por
uma metamorfose inaudita, passou de chacal a pomba”. A PACOTILHA, “O Crime da Mata, 26 de agosto
de 1921, p.1. 217O JORNAL, 26 de agosto de 1921, p.1. 218Ibid.
104
1921, intitulada “O Antro da Calúnia”. O título da matéria já nos oferece uma noção
básica acerca da ideia colocada em circulação por esse jornal para se referir ao Diário de
São Luiz: um lugar de produção de calúnias contra o governador. Responsabiliza
novamente os membros desse partido pelas calúnias contra o governador Urbano Santos.
O Partido Republicano Maranhense, juntamente com o diretor do Diário de São Luiz, que
teria se associado a eles, seriam os orquestradores do plano para colocar em circulação as
declarações do tenente Henrique Dias. Ao se referir a Nascimento Moraes, comentam que
esse jornalista:
[...]Transformou esse jornal (Diário de São Luiz) em órgão do grupelho;
que lhes cedeu o gabinete de trabalho, para o ponto das reuniões
clandestinas, que, em grande parte, executou o plano adredemente (sic)
resolvido em uma dessas reuniões; que impetuosamente o defende pela
imprensa, num desespero ansioso de fazê-lo vingar219.
Nessa citação, temos outra vez uma referência às atuações do jornalista
Nascimento Moraes, como um dos principais articuladores das ações da oposição. A
matéria sugere que dessas reuniões clandestinas, e aqui a ideia de clandestinidade pode
insinuar ilegalidade nas ações da oposição, se teria inventado o tal plano de fazer com
que o tenente assinasse o documento com as declarações que incriminavam o governador.
A percepção das terminologias usadas para se referirem à oposição também são
fundamentais para compreendermos as estratégias colocadas em práticas pel’O Jornal
para desqualificar a oposição, como por exemplo, ao se referir à mesma como grupelho.
Esta palavra no contexto significacional utilizado acima tem um sentido pejorativo.
Em resposta a essas acusações que estavam sendo colocadas em circulação tanto
pel’O Jornal assim como pela Pacotilha, de que as declarações do tenente Henrique Dias
haviam sido influenciadas por Nascimento Moraes e pelos membros do Partido
Republicano Maranhense, o Diário de São Luiz em matéria intitulada “Os crimes na
Matta220” chama atenção para o fato de que essas acusações não se sustentavam, dentre
outros fatores, pelo fato de que o próprio tenente Taurino Lemos em seu (segundo)
depoimento declarou que ouviu do tenente Henrique Dias que este havia dito que tinha
ordens do governador para “fuzilar até os soldados que não andassem na linha”. Essa
afirmação do tenente Taurino Lemos é um dos argumentos básicos dos representantes do
jornal da oposição para questionar esse discurso dos governistas que passaram a apontar
219O JORNAL, 27 de agosto de 1921, p.1. 220DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 15 de setembro, p. 3.
105
Nascimento Moraes como articulador desse plano, uma vez que fora esse jornalista quem
fizera a visita ao cárcere onde se encontrava detido o tenente Henrique Dias, a pedido
desse tenente que enviara o recado (uma carta) a Nascimento Moraes pelo guarda civil
Raimundo Octavio de Jesus221.
O conteúdo da matéria comentada acima com acusações aos representantes do
Diário de São Luiz basicamente se repete no editorial d’O Jornal do dia 30/8, nomeado
“A Nova Calunia”. Reafirmando de novo que a opinião pública estava ao lado do
governador Urbano Santos, diz a matéria: “A imprensa da terra (Maranhão), exceção do
<<Diário de S. Luiz>>, interpetrando (sic) fielmente o sentir dessa opinião se coloca
franca e decisiva ao lado do sr.presidente, fazendo-lhe, com toda justiça, a merecida
defesa222”. Segue a matéria “batendo na tecla” de que: “O dr. Urbano Santos tem um
longo e brilhante passado político[...]”, acrescentando: “[...] ser o traço característico do
espírito de s.exc. a tolerância e que dela fez sua exc. um verdadeiro dogma, em
política223”. Sendo assim, o governador seria incapaz de praticar ou autorizar a prática de
um ato de violência, ainda porque, questiona O Jornal, o que ganharia o governador com
a morte dos 4 homens fuzilados? Essas acusações não teriam fundamento para esse jornal
situacionista que, ainda alega o seguinte: “O dr. Urbano Santos é, no Estado chefe de um
grande, de um arregimentado partido político, nunca jamais derrotado224”.
O reconhecimento de Urbano Santos como chefe da política local situacionista se
devia, a partir do que defende esse jornal, pelas “qualidades” citadas acima, não havendo,
portanto, qualquer referência aos aspectos negativos da prática oligárquica de domínio
político do grupo, como: fraudes eleitorais, violência contra opositores, uso do patrimônio
público para fins privados, clientelismo, descaso com administração pública, etc.
Aspectos característicos da cultura política brasileira na Primeira República, estas
práticas oligárquicas só eram denunciadas quando se tratava de atribuí-las aos opositores,
como faz O Jornal ao falar do governo de Herculano Parga (1914-18) que, por sinal, fora
eleito pelo chefe Urbano Santos.
No mesmo dia que O Jornal publica a matéria acima, os membros do PRM
escrevem uma matéria no Diário de São Luiz, com o título “Degraus da descida”. Neste
221DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 3 de setembro de 1921, p. 2. 222O JORNAL, 30 de agosto de 1921, p.1. 223Ibid. 224Ibid.
106
texto o PRM compara as declarações do tenente Henrique Dias com o que dissera o
governador em entrevista para A Pacotilha, entendendo que as declarações do tenente
Dias, a respeito das orientações que recebera, com o tenente Taurino Lemos, do
governador, convergiam com as próprias palavras deste último em sua entrevista. Na
matéria do Partido Republicano Maranhense, os representantes desse partido citam
trechos das declarações de Henrique Dias e da entrevista do governador Urbano Santos
numa estratégia discursiva de mostrar aos (e)leitores como seus argumentos são
fundamentados nas “palavras” (textos) dos próprios envolvidos nas acusações, pois: “A
narrativa do tenente Dias não é a mesma do sr. Urbano Santos? Sem dúvida. Apenas com
uma diferença e é que a daquele não encerra subterfúgios, enquanto a deste, toda cheia de
escapatórias, denota a preocupação de inocentar-se225”. Os membros do PRM seguem
argumentando que o grande alvo do governador Urbano Santos ao enviar as tropas
militares para a Matta seria o desembargador Dioclides Mourão, uma vez que a intenção
seria “procurar um meio de envolver o desembargador Mourão em um quadrado e fuzilá-
lo, sob qualquer pretexto, mesmo que este fosse de uma futilidade urbanica226” (o uso do
termo “urbanica” seria um trocadilho?). De acordo com a matéria um dos motivos desse
ódio que o governador tinha do desembargador Dioclides Mourão se daria por conta da
campanha de oposição deste último, tanto pelas ligações com o PRM quanto pelos artigos
que escrevia para o Diário de São Luís com fortes críticas à administração do governador
Urbano Santos.
A leitura dessa matéria, bem como as demais escritas diariamente pela oposição,
torna compreensivo porque os jornais situacionistas também reprisam os assuntos
corriqueiramente. Ambos (oposição e situação) se encontravam num campo de disputas
políticas marcado pelas proximidades da eleição para governo do Estado (1/9/1921) e
também para a presidência do País, daí os recursos discursivos os mais apaixonados,
violentos e, por que não, caluniadores possíveis, dando a entender que as sugestões de
plataforma política (projetos e propostas de governo) ficavam em segundo plano diante
dos insultos e acusações pessoais.
Nessas trocas de farpas, O Jornal volta a responder ao Diário de São Luiz em
matéria do dia 31/8. Ao comentar a referida matéria do Diário de São Luís, O Jornal
escreve que eles mesmos diziam não terem culpado o governador pelos crimes e que até
225DIÁRIO DE SÃO LUÍS, 30 de agosto de 1921, p.1. 226Ibid.
107
aquele momento apenas o tenente Henrique Dias teria sido quem fizera tal acusação, diz
ainda que o Diário de São Luís também se dizia atrás das verdades acerca dos crimes. O
Jornal também faz referências a uma matéria do desembargador Dioclides Mourão,
escrita no Diário de São Luís (31/8), em que esse desembargador diz não acreditar que o
governador teria de fato ordenado os fuzilamentos. Ao citar essas matérias, O Jornal
segue argumentando de forma a tentar desarticular as acusações ao governador, alegando
que apenas os membros do PRM insistiam em caluniar Urbano Santos.
Após a matéria acima, do dia 31/8, O Jornal volta a publicar informações sobre o
caso da Matta novamente no dia 14/9, portanto, num intervalo de 14 dias. Suas matérias
nesse intervalo de tempo continuavam a criticar o PRM, principalmente após os
resultados da eleição estadual (do dia 1/9), em que os candidatos do Partido Republicano,
ao governo do Estado, Godofredo Viana (para governador) e Raul Machado (para vice-
governador), saíram vencedores com margem de diferenças de votos esmagadora. Essa
diferença de votos expressa as dificuldades da oposição vencer uma eleição nessas
disputas oligárquicas em que o situacionismo dificilmente era derrotado por conta dos
vários artifícios colocados em práticas pelas oligarquias dominantes.
Em matéria intitulada “Mais um coelho” (16/9), O Jornal volta a falar da
exploração do caso da Matta pela oposição, alegando que tal questão estava sendo
utilizada pelo jornal oposicionista (Diário de São Luiz) como forma de garantir suas
vendas diárias227. Outra crítica forte a esse jornal e seu redator (Nascimento Moraes) é
apresentada na matéria “Deus os fez e o diabo os ajuntou” (22/9), o título sugere uma
ideia de cunho religioso, qual seja a relação deles (a oposição) com o diabo, nessas
polêmicas parece que valia tudo. O texto em questão começa logo se posicionando acerca
do aparecimento do Diário de São Luiz que, na ótica dos situacionistas: “Antes do
aparecimento do <<Diário de S. Luiz>> o Maranhão só havia conhecido o jornalismo
branco, o jornalismo de viseira erguida, sem a dualidade de atitudes, sem a cobardia (sic)
moral da arrière-pensée228”. Desse modo, o jornal oposicionista viera para colocar em
prática um tipo de jornalismo partidário, sem os escrúpulos de compromisso com a
verdade, regra (ideal) básica do discurso jornalístico. Para sustentar seu argumento, O
Jornal lança mão (manipula) a história do jornalismo maranhense referindo-se ao tempo
de jornalistas como João Lisboa e Celso de Magalhães (século XIX) que, embora movidos
227O JORNAL, 16 de setembro de 1921, p.1. 228O JORNAL, 22 de setembro de 1921, p.1.
108
por paixões partidárias, não cometiam atitudes vis229. Esses jornalistas seriam avesso ao
jornalismo mercenário.
Conforme o argumento d’O Jornal: “O jornalismo nesse tempo (de Lisboa e
Magalhães) era uma aristocracia de inteligências e de caracteres. A calúnia, a mentira, a
contrafracção (sic) eram armas que não se encontraram jamais na panóplia dessas almas
de elite230”. Ao idealizar e (re)inventar o jornalismo e os jornalistas maranhenses ilustres
esse discurso parece deixar claro que, como vai ser desenvolvido ao longo dessa matéria,
haveria dois tipos de jornais e jornalistas à época em que escreviam. Haveria no
jornalismo de outrora uma retidão no proceder e um escrúpulo moral “que erguiam bem
alto não só a inteligência mas o caráter dos maranhenses de então231”. Nessa estratégia de
ataque direto a Nascimento Moraes, O Jornal continua expondo que até bem pouco tempo
se seguiam as figuras exemplares (Lisboa e Magalhães) citando o nome de Antônio Lobo
como um tipo de jornalista que seguia o modelo do jornalismo padrão, contudo, alegam
que: “[...] se exibe hoje um jornal que é o antípoda de todo o jornalismo honesto”.
Na concepção dos articulistas d’O Jornal, esse antípoda do jornalismo honesto
seria o Diário de São Luiz (representado na figura de seu redator-chefe), ficando ao
primeiro um fazer jornalístico próximo ao idealizado acima. Chama atenção ainda o fato
da referência utilizada para falar em jornalista honesto ter sido o nome de Antônio Lobo,
tal referência em nosso entendimento não é por acaso, pois se lança mão estrategicamente
do nome do antigo desafeto de Moraes, o que não exclui também, provavelmente, se tratar
de um elogio a um falecido amigo. Mas a ideia parece ser mesmo atingir Nascimento
Moraes, vejamos,
E aquele mesmo que na, sua ambição de predomínio mental, tentou
passar às suas mãos débeis o bastão de mando que a nossa
intelectualidade conferira a Antônio Lobo e que deste fora o inimigo
gratuito e invejoso, até hoje ligado pela atração irresistível das
afinidades electivas (sic) ao grupinho de bárbaros, que as
estravagancias dos fados puseram um dia à frente dos nossos destinos
229Deixemos a palavra ao próprio João Lisboa sobre a imprensa de seu tempo que sugere o avesso do que
diz o articulista d’O Jornal: “[...] Da nossa imprensa política é que se pode principalmente dizer que é um
respiradouro por onde todos os partidos exalam e vertem os seus maus humores, porque, mesmo quando
não invectiva, insulta ou calunia na rigorosa acepção dos termos, alimenta-se todavia de incessantes
personalidades, dependendo exclusivamente de louvor e vitupério de certas e determinadas
individualidades, toda seiva e vigor de que é dotada, e que melhor aproveitada na discussão larga e nobre
dos princípios e dos grandes interesses da sociedade”. João Francisco Lisboa, citado no jornal O Estado de
São Paulo, 19 de fevereiro de 1932, editorial, apud Borges, Op.cit. p.19. 230O JORNAL, 22 de setembro de 1921, p.1. 231Ibid.
109
políticos e que desde então vive sonhando uma hegemonia impossível
na política estadual232.
Nessa citação tem-se dois alvos: Nascimento Moraes e os membros do PRM,
principalmente Herculano Parga. Em relação a este último, novamente sequer há detalhes
da sua eleição que se dera dentro dos conchavos oligárquicos orquestrado principalmente
por Urbano Santos, se limitando a falar em fado do destino como responsável por alçar
Herculano Parga ao governo estadual. Ao falar da polêmica Moraes e Lobo, diz que este
último teve reconhecimento em vida do seu predomínio mental em relação ao primeiro,
alegando que fora a própria intelectualidade maranhense quem teria reconhecido em Lobo
a dita superioridade mental.
Essa generalização escamoteia (propositalmente?) que havia constantes polêmicas
entre os intelectuais maranhenses na época e que as opiniões entre si mudavam de acordo
com o lugar que ocupavam no espaço social maranhense, ou seja, de acordo com os
interesses em voga que podia ser a defesa de seus grupos políticos (situacionismo x
oposição), questões de vaidade literária, disputas por postos de trabalho nas burocracias
do Estado, etc. Por exemplo, nessas polêmicas era comum um amigo ou companheiro de
jornal tomar as dores um do outro, daí ser difícil qualquer tipo de generalização como se
toda intelectualidade ficara ao lado de Antônio Lobo233 na polêmica com Nascimento
Moraes.
A matéria segue com críticas à oposição, pois, para O Jornal: “Deus os fez e o
diabo os ajuntou. Ligam-os os mesmos desejos de supremacia pessoal, um nas letras
(Moraes) e os outros (PRM) na política234”. De acordo com as ideias sobre Nascimento
Moraes, colocadas em circulação por esse jornal, a imagem (re)construída desse jornalista
o apresenta como sendo de uma individualidade medíocre. As palavras usadas são as que
expressam as mais negativas perspectivas desse jornalista, retribuindo na mesma moeda
para contrapor as ideias que Nascimento Moraes fazia d’O Jornal. Essa polêmica travada
entre Nascimento Moraes e os representantes d’O Jornal, talvez possa ser lida como um
exemplo do que Dominique Maingueneau chama de “dialogismo polêmico mostrado”.
Ao falar da importância dessa noção de “dialogismo polêmico mostrado”, para a análise
de discurso, Dominique Maingueneau considera que tal se dá “[...] não apenas pela
232O JORNAL, 22 de setembro de 1921, p.1. 233O próprio Antônio Lobo teve conflitos com outros além de Moraes, para citar alguns, são eles: Barbosa
de Godóis, Fran Paxeco, Manoel Bethencourt, I. Xavier de Carvalho (GASPAR, 2009). 234O JORNAL, 22 de setembro de 1921, p.1.
110
maneira como os diferentes discursos o praticam, mas ainda por levar em conta assuntos
de controvérsia. Se é o próprio universo semântico do Outro que é rejeitado, a priori
qualquer um de seus enunciados pode ser questionado235”.
Ao término da matéria d’O Jornal, temos a informação que Nascimento Moraes
e os membros do PRM nutriam esperanças de revoluções futuras sob o comando do
Exército, nesses termos:
De olhos presos nesta última esperança, eles estão, pelo <<Diário de
S.Luiz>>, em companhia do outro, a falar, sem procuração, em nome
do povo, a atacar reputações, a difamar, a mentir, a inventar, a criar
entre nós o jornalismo negro e a fase mais vergonhosa da política no
Maranhão236.
A referência à citada esperança de revolução talvez se refira ao que já comentamos
acima acerca das relações do PRM com os grupos de oposição à candidatura oficial da
chapa Artur Bernardes-Urbano Santos, representados pelos integrantes da Reação
Republicana e seus possíveis vínculos com setores do exército insatisfeitos com a política
dominante que tinha Minas Gerais e São Paulo como carro-chefe desse domínio. Nessa
lógica de apresentar o Diário de São Luiz como avesso ao tipo de jornalismo honesto, é
sugestiva a matéria d’O Jornal nomeada “Jornalismo charlatão”, do dia 24/9, em que
começa com a seguinte afirmação: “Os charlatães pululam, é certo, em todas as
profissões. Mas nenhum campo é mais propício ao bom êxito das <<chantagens>> e
falcatruas que o jornalismo237”.
Conforme argumentação desse jornal, o adversário se vestia de reformadores
sociais, portanto, ironiza: “Irrita-se, porém, o seu redator-chefe com essa irreverência dos
leitores, com esses que o ‘procuram matar pelo ridículo infamante, pelo riso escarninho’.
São palavras do seu editorial de ontem238”. Novamente o alvo principal é Nascimento
Moraes, em resposta a seu editorial do dia anterior (23/9), que por sinal é escrito como
resposta à matéria d’O Jornal do dia 22/9. A leitura desse debate deve ser analisada em
nosso entendimento numa perspectiva dialógica, tendo em vista que os envolvidos nessa
disputa discursiva respondem uns aos outros, leem-se como forma de desarticular o
discurso do outro (seu adversário), no que ele possivelmente teria de falho ou mesmo
ambíguo, de acordo com cada lado. Essa questão da ambiguidade do discurso da oposição
235MAINGUENEAU, op.cit, p.123. 236O JORNAL, 22 de setembro de 1921, p.2. 237O JORNAL, 24 de setembro de 1921, p.1. 238Ibid.
111
é apontada pel’O Jornal no editorial de Nascimento Moraes ao qual se refere. Nascimento
Moraes por ter dito que (por respeito) fizera elogios a Antônio Lobo numa homenagem
organizada por estudantes maranhenses, é indagado pel’O Jornal: “Diga-nos então
quando é que foi sincero; se ontem, quando atacava a Antonio Lobo se hoje quando o
homenageia239”. Seguem em tom de provocação ao redator-chefe do Diário de São Luiz:
“A seguir o mesmo processo, quando amanhã desaparecer o móvel egoísta que o
impulsiona, ele acabará reconhecendo as virtudes cívicas do atual governo, a quem agora
ataca injusta e caluniosamente. Para isso basta dar tempo ao tempo240”.
Nascimento Moraes seria alvo novamente d’O Jornal, em matéria do dia 26/9,
cujo título, não por acaso, vem em tom irônico: “As ‘vitórias’ do redator-chefe”. Para
falar de tais vitórias esse periódico se apropria do que seria uma anedota popular,
vejamos:
É conhecidíssima a anedota daquele sujeito que, derribado e esmurrado
por um outro, se levantou limpando a roupa, e com o nariz e os beiços
reduzidos a uma posta de sangue, gritava com ar de triunfo, para o seu
contendor:
“Está conhecendo o que é homem, seu canalha”?!
Não é outra a atitude do impagável redator-chefe do “Diario de S.
Luiz241.
Ao lançar mão de uma anedota popular os articulistas desse jornal colocam em
forma bem mais simples os desdobramentos das disputas políticas em jogo, sendo assim,
é possível supor que talvez fosse uma estratégia de facilitar o entendimento das críticas
ao redator-chefe do Diário de São Luiz colocadas em circulação pelos situacionistas. A
despeito de possivelmente ser pequeno o número de leitores das matérias em questão,
uma vez lida e comentadas, quer seja nos lares ou mesmo nas praças da cidade de São
Luís, essa imagem de Nascimento Moraes como derrotado que arrogava vitórias, como
na anedota, talvez facilitaria a compreensão do que O Jornal escrevia. Um ponto a ser
ressaltado também quanto ao uso do termo vitórias, no título da matéria em análise, é em
relação ao sentido que a mesma ganha no uso em questão. Como bem ressalta Mikhail
Bakhtin (1992; 2011) as palavras em si são neutras, cabendo a quem as analisa atentar
para o contexto de enunciação das mesmas, pois é através da contextualização das
palavras que podemos compreender o(s) sentido(s) de seu emprego. No exemplo que
239O JORNAL, 24 de setembro de 1921, p.1. 240Ibid. 241O JORNAL, 26 de setembro de 1921, p.1.
112
estamos aqui analisando, a palavra vitória, na verdade é utilizada em sentido irônico e
remetendo para seu oposto, no caso derrota.
Ao seguir falando das vitórias/derrotas de Nascimento Moraes, O Jornal cita e
comenta o que no seu entendimento seriam dois exemplos. O primeiro seria uma matéria
escrita por Aquiles Lisboa no próprio Diário de São de Luiz na qual teria feito elogios à
administração do governador Urbano Santos, contrapondo-se às matérias que Moraes
escrevia. De acordo com O Jornal: “Perplexo, embatucado, esmagado o redator–chefe
emitiu umas contestaçõesinhas (sic)...e deixou correr o tempo. Deixou correr o tempo que
tudo apaga para vir reproduzir hoje, como novidades, os mesmos argumentos reduzidos
a poeira pelo dr. Aquiles242”. Para esse jornal, Nascimento Moraes, novamente ironizado,
ao ser chamado de grande jornalista, teria em seu próprio jornal provas abundantes (a
matéria de Aquiles Lisboa) da superioridade da atual administração (referência ao
governo de Urbano Santos).
Nessa disputa discursiva (política) era comum os lados citarem ou se apoiarem em
textos de agentes sociais envolvidos que pudessem servir de base ao seu argumento.
Quando se tratava de textos (discursos) elogiosos ao governador Urbano Santos, O Jornal
se apoiava nos mesmos atribuindo-os qualificativos os mais positivos possíveis, naquele
contexto enunciativo, ao autor dos referidos elogios, reforçando se tratar de provas
inabaláveis.
A segunda “surra jornalística” do redator-chefe do Diário de São Luiz teria sido
dada pelo dr. Clodomir Cardoso, em matérias escritas no periódico A Pacotilha. Após
comentar estas surras jornalísticas, O Jornal encerra essa matéria dizendo:
Todos nós fomos testemunhas da tristíssima figura do redator-chefe, da
subtração vergonhosa que fez de um trecho da entrevista presidencial
(entrevista de Urbano Santos à Pacotilha) para chegar logicamente a
fins para eles muito Moraes. Todos nós vimos que o dr.Clodomir
(Cardoso), mais piedoso que os antigos feitores, deixou-o afinal às
moscas e aos panos de sal, crendo-o já bastante castigado.
Pois bem, o nosso herói diz sábado pela sua gazeta que o brilhante
causídico “bateu em retirada243”.
Nesse trecho, O Jornal faz referência à matéria escrita por Nascimento Moraes na
qual esse jornalista comenta a entrevista do governador Urbano Santos à Pacotilha.
242O JORNAL, 26 de setembro de 1921, p.1. 243Ibid.
113
Interessante nesse texto é o jogo de palavras ao se referir à lógica do argumento do
jornalista que teria chegado a resultados “moraes”, numa analogia, novamente irônica,
em nosso entendimento, entre o sobrenome do jornalista (Moraes) com a palavra “moral”
(colocada no caso no plural). Tendo em vista a possibilidade de dualidade de significados
do uso da palavra em questão, a estratégia parece ser não apontar o sentido positivo que
o termo “morais” (plural de moral) sugere, mas ao falar em “fins moraes” parece remeter
à forma como o jornalista Nascimento Moraes distorcia o conteúdo da referida entrevista
em prol de seus interesses: responsabilizar Urbano Santos pelos crimes na Matta.
As matérias seguintes d’O Jornal que analisamos apresentam telegramas
recebidos referente às ações do inquérito policial levado a cabo pelas autoridades policiais
do governo estadual, muitas delas sendo reproduções de telegramas publicados pelo
Diário Oficial do Maranhão. Desse modo, resolvemos não comentá-las aqui, uma vez
que, por ter basicamente o mesmo conteúdo das matérias que vimos acima quando
tratamos do Diário Oficial do Maranhão e colocar em circulação as mesmas informações
oficiais, ficaria repetitivo. Outros tipos de matérias que também percebemos são as que
tecem críticas ao PRM, aproveitando-se dos resultados da eleição na qual Godofredo
Viana (candidato ao governo) e Raul Machado (vice) candidatos da situação saíram
vencedores com imensa diferença de votos em relação ao número de votos dos candidatos
do Partido Republicano Maranhense.
Os resultados da eleição, nas páginas d’O Jornal aparecem como uma escolha do
povo maranhense que democraticamente teria escolhido a opção mais adequada. A
oposição aparece sendo “chacotada” pela “lavagem” nas eleições. Eleitos os candidatos
do governo nas eleições estaduais, O Jornal segue fazendo sua campanha pró Artur
Bernardes-Urbano Santos, para as eleições presidenciais de 1° de março de 1922, e,
consequentemente, publicando matérias contra a chapa Nilo-Seabra.
Tendo em vista as questões a serem analisadas em nosso trabalho, pelo menos
mais uma matéria publicada por esse jornal nos é muito importante na análise dos
discursos desse jornal situacionista quanto à sua cobertura dos crimes na Matta. A matéria
em questão é a publicação (no dia 1/11/1921) do Auto de defesa do Tenente Henrique
Dias apresentado no dia de seu julgamento (26/10). A ela nos detemos no próximo
capítulo quando em um último tópico analisamos os desdobramentos do julgamento dos
responsáveis pelos fuzilamentos na Mata.
114
3. DIÁRIO DE SÃO LUIZ: A “VOZ” DA OPOSIÇÃO AO DOMÍNIO POLÍTICO
DO GOVERNADOR URBANO SANTOS
O jornal Diário de São Luiz fora fundado em outubro de 1920, e tinha como
proprietário J. Pires244. Na função de redator-chefe245 encontrava-se José do Nascimento
Moraes. Com periodicidade semanal (segunda a sábado), circulara entre os anos de 1920-
1925, saindo de circulação neste último ano246. Este periódico se constituiu como um dos
principais órgãos (senão o único) da imprensa maranhense que fazia oposição ao domínio
político do então governador Urbano Santos (1918-1922).
Em seu Editorial do dia 16 de outubro de 1920, primeira circulação do jornal, seus
representantes expõem o que dizem ser suas intenções no âmbito da atuação jornalística
que visam empreender na imprensa maranhense. Neste sentido, a referida matéria, traz
como título “O Nosso Itinerário”, informando que “Desejamos que ele (o Dia de São
Luiz) siga a direção da linha reta. Outra coisa não ambicionamos”. Comentam estarem
dispostos a ajudar no progresso do Estado, lembrando o povo ou os governantes, “este ou
aquele empreendimento” ou mesmo um tipo de iniciativa que seja para o bem de todos.
Ainda conforme os representantes desse jornal: “Sabemos perfeitamente que o ódio nada
constrói de benfazejo. Sem ódio, pois, sempre havemos de proceder no desempenho da
nossa missão de humildes jornalistas [...] a nossa linguagem será sempre serena e
desapaixonada”. Com essas palavras, os representantes do Diário de São Luiz parecem
tentar desfazer um mal entendido acerca da linha política que seguiriam, pois, de acordo
com que dizem, já circulavam boatos que esse periódico surgia tendo como objetivo fazer
oposição ao governador Urbano Santos. Desse modo, escrevem ao público em tons de
esclarecimentos:
Fique bem acentuado que jamais influiu para que aparecesse o Diário
de S. Luiz a ideia de fazer oposição ao governo do sr. Urbano Santos.
244Conforme informações apresentadas por Ananias Alves Martins acerca do proprietário do Diário de São
Luiz, J. Pires, “[...] era também comerciante de livros em uma loja na Rua da Palma, onde também
funcionava a editora e gráfica J. Pires & Cia. Tratava-se, portanto, de um cidadão culto, ligado a atividades
voltadas para a elite intelectual e tipicamente urbana”. MARTINS, 1993, op.cit, p.35. 245O autor Nilson Lage, em seu livro intitulado “Linguagem Jornalística”, assim especifica a função de um
“Redator” de jornal, vejamos: “[...] aquele que redige. Legalmente, o jornalista que produz textos
informativos, editoriais, crônicas ou comentários. A designação compreende o copidesque, o redator, o
cronista, o comentarista e o editorialista”. LAGE, 2006, p. 89. 246Segundo informações contidas no Catálogo de jornais (maranhenses) da Biblioteca Pública Benedito
Leite, o Diário de São Luiz ainda voltara a circular entre os anos de 1945-1950. Ver: Catálogo de Jornais
Maranhenses do Acervo da Biblioteca Pública Benedito Leite: 1821-2007. São Luís: Edições SECMA,
2007, p.125-127.
115
Aqui deixamos esta declaração, cedendo ao sentimento de franqueza e
sinceridade com que pretendemos agir em todas as ocasiões247.
A despeito desse discurso alegando não ser do interesse do jornal fazer oposição
ao governo, há outra matéria (mesma página) na mesma edição do dia, cujo título chama-
se “A conspiração do silêncio” na qual fazem um balanço geral da situação econômico-
financeira do país, reconhecendo que as condições não eram favoráveis, entretanto outros
estados como São Paulo, Pernambuco e Rio Grande do Sul já estavam tomando as
medidas necessárias para sanar suas dificuldades financeiras. Tendo em vista estes
exemplos, advertem que: “Urge, pois, que todos os maranhenses-governitas (sic),
oposicionistas ou indiferentes a partidos – empunhem a bandeira do trabalho e concorram
com o seu esforço para a grandeza futura do Maranhão”. Sendo assim, os representantes
do Diário de São Luiz se apresentam como dispostos a discutirem as questões relativas
ao “progresso” do Maranhão, se negando a participarem do que entendiam ser uma “vasta
conspiração do silêncio que se vae (sic) eternizando em torno dos numerosos males que
nos affigem (sic)248”.
A referência à ideia de uma “conspiração do silêncio” provavelmente é uma crítica
à imprensa maranhense que estava praticamente cooptada pelo governo, pois, essa vai ser
uma das constantes queixas da oposição por entenderem que havia um silêncio quanto às
ações administrativas do governador Urbano Santos. Outro ponto a se destacar nesse
discurso do Diário de São Luiz é a ideia de estarem em defesa dos negócios referentes ao
que seria melhor para os maranhenses. Nesse sentido, também nos discursos
oposicionistas percebemos a prática do que Pierre Bourdieu (2004) chama de “efeito
metonímia”.
Desse modo, tendo como cenário político as disputas partidárias locais
envolvendo os membros do Partido Republicano Maranhense (oposição) e o Partido
Republicano (governo) e, relacionadas também ao contexto político nacional, como
assinalado acima, compreendemos que as considerações de Vavy Pacheco Borges acerca
da política na Primeira República podem nos esclarecer um pouco mais sobre os
comportamentos das oposições estaduais nas disputas político-partidárias na Primeira
República, citemos:
247DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 16 de outubro de 1920, p.1. 248Ibid.
116
A disputa pelo poder na Primeira República era sempre mascarada, pela
oposição, em “moralização”; era a moralização política, sobretudo no
plano dos costumes, de um sistema que a oposição queria conservar, no
âmbito estadual e federal. As oligarquias todas, basicamente, tinham
iguais interesses, fazendo parte de uma mesma classe dominante249.
Cabe ressaltar, só a título de lembrança, que os representantes do Diário de São
Luiz mantinham relações partidárias com a oposição política representada pelo PRM,
criado por atores políticos alijados do situacionismo maranhense; e a nível nacional com
os representantes das Reação Republicana, também criada como desdobramento das
cisões oligárquicas no plano federal. Portanto, por mais que aleguem independência,
dizendo-se apartidários, o Diário de São Luiz será analisado aqui como um meio de
expressão de discursos políticos que visavam se impor em termos de princípios
ideológicos.
Nesse sentido, o jornalista José do Nascimento Moraes é visto por nós como uma
espécie de porta-voz dos discursos desse jornal na cobertura jornalística do caso da Mata,
que passara a ser objeto de matérias constantes desse periódico ao longo do segundo
semestre de 1921. Contudo, essa escolha não significa entender os escritos desse
jornalista como se fosse a expressão de um discurso pioneiro quanto às notícias referentes
aos fuzilamentos na Mata. Desse modo, novamente entendemos ser possível recorrer a
algumas considerações de Mikhail Bakhtin em relação às suas orientações para análise
dos objetos de discursos expressos em textos, vejamos:
O objeto do discurso do falante, seja esse objeto qual for, não se torna
pela primeira vez objeto do discurso em um dado enunciado, e um dado
falante não é o primeiro a falar sobre ele. O objeto, por assim dizer, já
está ressalvado, contestado, elucidado e avaliado de diferentes modos;
nele se cruzam, convergem e divergem diferentes pontos de vista,
visões de mundo, correntes. O falante não é um Adão bíblico, só
relacionado com objetos virgens ainda não nomeados, aos quais dá
nome pela primeira vez250.
Nas páginas que seguem, portanto, procuramos fazer uma análise dos escritos de
Nascimento Moraes tencionando compreender como esse jornalista constrói e reconstrói
seu foco de abordagem dos acontecimentos na Mata e, em nosso entendimento, tendo
como uma de suas intenções apresentar uma versão alternativa aos discursos propagados
pelos governistas.
249BORGES, 1979, p. 25. 250BAKHTIN, 2011, p. 299-300.
117
3.1 Os escritos jornalísticos de José Nascimento Moraes: as primeiras notícias...entre
a (des)informação e as exigências de esclarecimentos sobre o caso da Mata
A edição do Diário de São Luiz do dia 29 de julho (1921) publica um telegrama
que lhe fora enviado de Codó, comentando que corriam notícias de “revoltas dos
moradores da Matta”, cujo objetivo seria atacar a cidade de Codó. Entretanto, o
responsável pelo envio do telegrama diz ter procurado obter informações e chegara à
conclusão de que não passavam de boatos251. Nos quatro dias seguintes, esse jornal se
limitou a publicar telegramas enviados por seus correspondentes da cidade de Codó. Em
editorial do dia 1 de agosto, o tema básico é a crítica à submissão do Congresso legislativo
estadual ao executivo e, consequentemente uma crítica ao governador Urbano Santos.
Um exemplo dessa submissão teria sido a aprovação de que o governador poderia aplicar
as verbas públicas como bem entendesse. Segundo Nascimento Moraes, esses atos
deveriam ser reprovados, pois, não se justificaria como um ato republicano, mas
meramente era uma ação partidária que não contemplaria os interesses da coletividade
política, afirmando ainda que esse procedimento “aberra os princípios constitucionais do
país”252.
Novamente publica outro telegrama proveniente de Codó, com informações da
chegada do tenente Henrique Dias com 50 praças na cidade de Codó, com destino ao
povoado da Mata para “abafar a imaginária revolta ali253”. Conforme o informante do
Diário de São Luiz, ouvira dizer que Manoel Bernardino de Oliveira se encontrava em
sua roça, cuidando de seus afazeres, e a referida revolta liderada por esse lavrador não
passaria de manejo político para aterrorizar os eleitores da oposição. Por outro lado, o
correspondente de Barra do Corda havia informado em telegrama que a população desse
município estava alarmada com as notícias (boatos) acerca das intenções de Manoel
Bernardino de Oliveira que estaria à frente de mais de 800 homens, não ocorrendo o pior
devido as medidas preventivas do governo.
O relato desses primeiros telegramas é importante porque basicamente parecem
moldar as primeiras impressões do jornalista Nascimento Moraes a respeito dos
acontecimentos na Mata: a ideia de que não passavam de boatos criados pelos governistas
para criarem uma situação de terror na população dessas localidades por conta das
251DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de julho de 1921, p. 3. 252DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 1 de agosto de 1921, p. 1. 253Ibid., p. 3.
118
proximidades das eleições de 1 de setembro que, conforme se dizia, tinham significativo
número de eleitores da oposição.
No editorial nomeado “Fluxo e Refluxo” do dia 3 de agosto (1921), Nascimento
Moraes começa a se posicionar mais detidamente nas notícias referentes ao tal caso da
revolta na Mata. Conforme inicia seu texto, era comum esses tipos de boatos vindos de
localidades do interior maranhense, e o caso da Mata seria mais um. Pautado no que fora
dito pelo correspondente de Barra do Corda, Moraes escreve:
[...] fala em Manoel Bernardino, entrevisto não como chefe de um
movimento político; antes, pelo contrário, dá-nos a entender que
Manoel Bernardino de Oliveira é <<iluminado>>, uma espécie de
Antônio Conselheiro, de Canudos, o que se rodeou de fanáticos que lhe
ouvem a palavra.
O operoso e diligente lavrador transformado pelo espiritismo, em
maníaco perigoso, cuida em salvar a humanidade, expurga-la dos seus
erros e vícios, torna-la boa e regenerada, e para conseguir o seu
“desideratum” entende de principiar pelo Maranhão254.
Como assinalamos em páginas anteriores, essa imagem de Manoel Bernardino
como um novo Conselheiro também fora divulgada pelos jornais situacionistas. Nesses
termos, segue o jornalista questionando quais seriam os objetivos de Manoel Bernardino,
bem como se posiciona contra o que escrevera O Jornal que, para Moraes, insinuava
relações deste lavrador com o coronel Euclydes Maranhão. Nascimento Moraes escreve
que não acreditava em uma mudança (política, social e econômica?) a partir do grupo de
Manoel Bernardino, nem tampouco como se processaria tais mudanças tendo em vista o
que se dizia acerca das intenções revolucionárias de Manoel Bernardino. Doravante
entendia que:
Nesta hora de tantas calamidades para a nossa existência, de penúria
para o povo, de sofrimento para todos; nesta hora em que a nossa
economia como que desaparece, arrebatadas todas as esperanças de
melhoramento material; nesta hora tão cruel, uma reação à mão armada
seria um crime.
Devemos procurar para o nosso problema uma solução pacífica,
racional e lógica. Devemos levantar para isso o nível moral da nossa
sociedade, promover a instrução do povo, incutir-lhes no espírito
preceitos salutares de uma educação cívica apreciável, ministrar-lhes
princípios de ordem e “justiça”255.
254DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 3 de agosto de 1921, p. 1. 255Ibid.
119
Temos então uma série de ressalvas por parte de Nascimento Moraes em relação
ao grupo de Manoel Bernardino, se posicionando, portanto, contra o que até então era
informado como sendo um levante armado contra a administração do governador Urbano
Santos. Além dessas ressalvas, Moraes propõe um investimento na educação da
população maranhense como uma forma de propiciar uma consciência política na mesma.
Esse discurso voltado para a instrução do povo aparece com frequência nos escritos de
Nascimento Moraes, e na citação acima ainda ganha destaque devido ao fato de que, a
despeito das ressalvas à ideia de um levante armado naquela ocasião, esse jornalista não
expressa um repúdio por completo à alternativa armada, pois,
Uma reação a mão armada é, sem dúvida alguma, muito nobre
manifestação do caráter, sinal certo do brio e da dignidade de uma
população sofredora, que um dia, soberana, indômita, bela de altivez,
formosa na compostura, alça o colo hercúleo para defrontar seu algoz.
Uma reação à mão armada é a vitória da própria ordem e da justiça
mesma!256.
Nascimento Moraes estabelece critérios para justificar em que situação aceitaria
uma “reação à mão armada”: deveria ser obra de um “povo” instruído que, juntamente
com seus dirigentes em uma união agissem como “se fora uma só pessoa a agir”. Sem
esse recurso os desdobramentos seriam infrutíferos, acabando por se converter em
“arbitrariedades”, “em vinganças repugnantes, em desordens aviltantes”. Por entender
que o grupo de Manoel Bernardino não cumpria esses critérios, Moraes diz não acreditar
em tal reação. Desse modo, sugere ao governo que procure saber da verdade, pois
considerava que se tratava de um exagero as notícias que chegavam à Capital maranhense,
acrescentando que se tratava provavelmente de um protesto contra o “fisco opressor” e
que lhe teriam dado “foros de uma verdadeira campanha, como se se tratasse de um
exército em pé de guerra”. Portanto, aqui Nascimento Moraes encerra sugerindo que tudo
não passara de um conflito envolvendo a população contra a as cobranças de impostos,
provavelmente se referindo às ações de José Lopes Pedra Sobrinho, coletor de impostos
estadual257.
Ainda na edição do mesmo dia 3 de agosto, o Diário de São Luiz publica mais um
telegrama de seu correspondente na cidade de Barra do Corda, reafirmando o que já
dissera antes, mas agora com uma certa novidade quanto à denominação dada a Manoel
256DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 3 de agosto de 1921, p.1. 257Ibid.
120
Bernardino: “Notícias vindas Matta do Codó diziam lavrador Manoel Bernardino, servido
por vários agentes aliciava ali de outros pontos avultado número arruaceiros pregando
doutrina Lenine258 [...]”. Cabe ressaltar que o mesmo telegrama inicia falando que havia
sido suspendido o “estado de sítio” que teria durado 3 três, mas sem dar mais informações
acerca do mesmo. Após citar este telegrama, segue o Diário de São Luiz chamando
atenção para o fato de que agora Bernardino já não é visto como um “iluminado”, mas
como “um discípulo de Lenine, o famoso socialista russo”. Sendo assim, acrescentam
ainda: “Trata-se, agora de um reformador perigoso para o meio em que ele quer executar
a prodigiosa reforma259”.
A par dessas informações, o Diário de São de Luiz faz um comentário de certa
forma irônico ao afirmar que era o Maranhão “ensinando ao Brasil modernas doutrinas!!”.
Contudo, no decorrer da matéria ainda paira um certo clima de desinformação quanto aos
acontecimentos na Mata, reforçado na matéria do dia seguinte (4 de agosto), na qual os
representantes desse jornal se reclamam que “seus confrades” do Diário Oficial lhes
negavam qualquer informação oficial e, por causa desse comportamento dos membros da
imprensa oficial, o jornal oposicionista sugere:
Esse silêncio do governo vai dando lugar a explorações de toda espécie.
Por motivo desse silêncio é que já dizem que a revolução da Matta é
obra de S. Exc. que a sonhou para justificar esses destacamentos que se
vão formando aqui e ali para preparar e garantir a vitória eleitoral. Seria
conveniente que S. Exc. nos contasse quaes (sic) são as reservas?260.
Em seu editorial intitulado “Consequências Fataes”, do dia 5 de agosto, José do
Nascimento Moraes segue nesse mesmo discurso de cobrança por informações mais
seguras por parte do governo. Ao comentar acerca da ida do contingente do corpo militar
do Estado para a cidade de Codó, sob o comando do major Augusto de Faria Bello,
Moraes comenta que corriam notícias em São Luís que Bernardino marchava à frente de
cerca de 400 homens armados com rifles em direção à Codó. Entretanto, se questiona o
que esse improvisado exército de Manoel Bernardino pretenderia fazer com os habitantes
de Codó, nesse sentido, salienta novamente que: “O governo do Estado não dá uma
informação a respeito, nada esclarece. Se conhece dos fatos, encobre-os; se sabe dos erros,
silencia-os”. Sendo assim, Nascimento Moraes sem acusar diretamente o governador,
258DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 3 de agosto de 1921, p.1. 259Ibid. 260DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 4 de agosto de 1921, p. 3.
121
apenas expõe o que diz ser uma desconfiança acerca desse silêncio: “Já houve quem
dissesse que o dr. Presidente do Estado procura fazer uma concentração de forças no
Codó, para em dado momento ensaiar uma demonstração de poder em Caxias261”.
De acordo com o que se dizia, os partidários da oposição estavam em uma
crescente nesta cidade e, tendo em vista as proximidades das eleições, o governador
queria evitar tal crescimento da oposição nem que para isso tivesse que recorrer à força.
Contudo, apesar desta suposição, Nascimento Moraes argumenta não acreditar que esse
seria o objetivo do governador. Esse jornalista parece seguir numa linha de argumentação,
pelo menos nesse primeiro momento, com um discurso de críticas e ressalvas quanto às
questões referentes aos acontecimentos na Mata. Talvez fosse uma estratégia discursiva
de ainda não atacar agressivamente o governador Urbano Santos, uma vez que os
membros do Partido Republicano Maranhense já estavam seguindo nessa linha de frente.
Todavia, feitas as ressalvas, Nascimento Moraes afirma que se se confirmasse o levante
da Mata, a responsabilidade seria do governador por descuidar do policiamento do
Estado; além desse aspecto, escreve que: “O administrador maranhense empolgado pelo
seu belo sonhar de grandeza cuidou apenas, quanto ao interior, de cobrar impostos, de
forçar o lavrador, o comerciante, o criador a uma contribuição forçada262”.
Matéria fundamental, quanto a esse discurso do Diário de São Luiz de que o caso
da Mata ainda estava sem muitos esclarecimentos quanto ao que de fato estava ocorrendo,
o editorial do dia 6 de agosto já traz em seu título essa ideia de mistério ao ser intitulado
sugestivamente como “A Esphinge”. Nesse artigo jornalístico, Nascimento Moraes faz
uma exposição a respeito da situação vivenciada pela população do interior do Estado
maranhense que na sua análise estavam sob uma administração pública que tinha nos seus
cargos pessoas incompetentes, analfabetas, ligadas à politicagem, bem como uma série
de outros vícios da vida política e, portanto, tendo como resultado o seguinte:
E daí quantos vícios, quantas incongruências, quantos disparates,
quantas irregularidades, quantos defeitos, quantos erros nos negócios
públicos!
E daí quantas injustiças, quantas perseguições, quantas violências,
quantos desastres, quantas ilegalidades e absurdos na vida política-
social (sic) dessas pequenas coletividades do interior do Estado,
entregues sem defesa, sem amparo, aos destemperos de direções
261DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 5 de agosto de 1921, p. 1. 262Ibid.
122
viciadas, obscurecidas inúmeras vezes por depedrações lastimáveis que
atacam essencialmente as coisas e reduzem moralmente o homem!263...
Esse cenário descrito por Nascimento Moraes é visto como consequência das
ações dos administradores públicos. Cabe ressaltar que essa não é uma matéria isolada
nesse jornal, pois, esse periódico publicava com uma certa frequência matérias e
telegramas com informações sobre a vida da população maranhense que vivia no interior
do Estado. Tais matérias sempre apontam para o descaso social ao qual essas populações,
assim como grande parte dos moradores da Capital, estavam submetidos. Para
Nascimento Moraes: “Os fatos estão aí numa evidência cruel a demonstrar que as nossas
asserções são verdadeiras. Aí estão eles a afirmar o desleixo criminoso dos que
açambarcam a direção dos negócios públicos de nossa terra!”264.
Tendo em vista uma experiência de vida nessas circunstâncias, Nascimento
Moraes apresenta uma argumentação para explicar o comportamento da população frente
às autoridades públicas:
O homem do trabalho, sempre esbulhado, sempre maltrapilho,
convence-se de sua escravidão e de que o chefe político da localidade e
mais o delegado e mais algumas figuras representativas, são intangíveis
no meio, contra os quaes (sic) nada valem os dispositivos legaes (sic).
O povo começa a olhal-os (sic) como entidades superiores que tudo
podem265.
Uma vez constatado essa situação quanto ao comportamento dessa população,
esse jornalista considera que não seria em pouco tempo que se mudariam estes “hábitos
arraigados”, internalizados por esses indivíduos ao longo de suas experiências de vida,
para que tal mudança de costumes pudesse ser efetuada deveria ser investido na instrução
educacional do povo de forma a incuti-lhes hábitos considerados por Nascimentos
Moraes como regeneradores. Contudo, esse jornalista não especifica de forma mais clara
quais seriam esses hábitos, apostando apenas num discurso de cunho educacional.
No editorial seguinte, do dia 8 de agosto, com título “Devastando o Mysterio”,
também com um título bem sugestivo quanto à forma como percebia as notícias sobre a
conspiração (revolta) na Mata, Nascimento Moraes escreve que a população maranhense
estava interessada em informações sobre os acontecimentos na Mata. Este fato é descrito
com certa surpresa por Nascimento Moraes por entender que o povo maranhense
263DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 6 de agosto de 1921, p. 1. 264DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 6 de agosto de 1921, p.1. 265Ibid.
123
dificilmente se interessava pelas questões da política do Estado. De acordo com o
jornalista:
Inquerindo, indagando, examinando, hoje ainda ninguém consegue
obter resposta satisfatória. Ninguém sabe desse enigmático levante,
chefiado pelo lavrador Manoel Bernardino. Pessoas aqui chegadas
recentemente do Codó mostram-se por vezes surpreendidas com as
notícias alarmantes que nesta cidade (São Luís) lhe são comunicadas266.
Um dos primeiros pontos a se destacar nessa citação é que os informantes do
Diário de São Luiz, quer sejam essas pessoas às quais Moraes se refere, ou mesmo seus
correspondentes na cidade de Codó, falam a todo momento que nada estaria acontecendo
nessa cidade, desconhecendo as ditas “notícias alarmantes”. Por outro lado, vimos que
seus correspondentes de Barra do Corda já enfatizavam o contrário, afirmando que a
população codoense estava alarmada; possivelmente, o correspondente de Barra do Corda
talvez se apoiasse nos boatos que ouvira em Barra do Corda.
Dadas essas notícias, que nada estaria ocorrendo em Codó, Nascimento Moraes
começa a questionar as ações do governo por enviar outro contingente policial agora sob
o comando do major Augusto de F. Bello. Para o jornalista, esse novo envio de tropas não
se justificava, pois, a primeira força policial liderada pelo tenente Henrique Dias não
havia sofrido nenhuma baixa, até porque não houvera confronto com os revoltosos. Se tal
tivesse ocorrido, e o tenente Dias houvesse solicitado apoio, aí sim era justificável a ida
do major Augusto de F. Bello. Nascimento Moraes levanta outras hipóteses acerca dos
motivos do envio dessas tropas policiais, mas considera que nenhuma se sustentava, daí
o jornalista insistir na ideia que: “Teremos que aceitar que essa revolução não existe?
Parece que sim267”. Essa conclusão é reforçada pelo jornalista muito por conta de atribuir
ao governo a responsabilidade por não dar mais informações ao público. Apresenta como
exemplo um telegrama enviado ao governador pelo coronel Euclydes Maranhão que
procurava esclarecer um mal-entendido acerca de informações que haviam sido passadas
a Urbano Santos que apontava para o envolvimento dele (Euclydes Maranhão) com
Manoel Bernardino. Nascimento Moraes alega que só ficara sabendo do conteúdo desse
telegrama devido ao fato de Euclydes Maranhão ter enviado também informações para
seus conhecidos na capital maranhense.
266DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 8 de agosto de 1921, p. 1. 267Ibid.
124
Apesar desta situação, Nascimento Moraes promete aos leitores do Diário de São
Luiz que fará de tudo para apresentar-lhes esclarecimentos sobre os acontecimentos na
Mata, sugerindo, assim, que a imprensa governista não cumpria esse papel, então promete
que:
Havemos de sair desse mistério, havemos de penetrar no impenetrável,
devassar essas espessas sombras que escondem de nossa expectativa os
fatos que se desenrolam de Codó para cima. Havemos de esclarecer esse
trama (sic), ou fazer luz sobre essa representação que já vai demorando
muito. Havemos de apurar as responsabilidades que se nos deparem e
ajustar os cenários da peça. Não desanimem, pois, os leitores, que em
breve saberão de tudo. Não desanimem268.
Esse discurso nos leva a pensar que esse jornalista teria como intenção convencer
o leitor para que dê credibilidade às suas informações. Essa questão é importante porque
essa ideia de apresentar as verdades dos fatos é muito comum na linguagem jornalística
e, tendo em vista os conflitos político-ideológicos em jogo, oposição e situação vão
defender seu ponto de vista como o verídico por estarem a serviço do verdadeiro
jornalismo: aquele que visa apresentar os fatos tais como são. Por outro lado, o adversário
vai ser sempre tratado como um deturpador dos fatos, pois só lhe interessaria as
informações que contemplassem seus intuitos partidários.
O Diário de São Luiz nesse mesmo dia 8 de agosto publica um telegrama
proveniente de Codó informando-os (novamente) que a revolta da Mata não passava de
fantasia, uma vez que Manoel Bernardino se encontrava em Codó, chegara no dia anterior
às 12 horas e já havia até se apresentado ao major Augusto de F. Bello. Encerra o
telegrama prometendo enviar o quanto antes o resumo do inquérito que estava sendo feito
por esse major269. Cumprindo a promessa de manter esse jornal informado acerca do
referido inquérito, o correspondente do Diário de São Luiz envia outro telegrama (nesse
dia 8) publicado no dia seguinte, dia 9 de agosto. Citaremos na íntegra o referido
telegrama por conta da avaliação que o corresponde desse jornal faz sobre a ação do Major
Augusto de F. Bello:
CODÓ, 8. Os inquéritos estão prosseguindo com clareza, nos
depoimentos. O Major Augusto Bello está agindo imparcial e
corretamente, diante das pretenções (sic) de comprometer Manoel
268DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 8 de agosto de 1921, p.1. 269Ibid, p.3.
125
Bernardino e seus amigos. Manoel Bernardino mantém absoluta calma,
respondendo com prontidão. A população está satisfeita270.
Uma questão a se destacar nesse telegrama são os tons elogiosos do
correspondente do Diário de São Luiz quanto ao inquérito do major Augusto Bello.
Chamamos atenção para esse ponto porque no decorrer dos desdobramentos das notícias
sobre os referidos acontecimentos há uma mudança na percepção dos representantes
desse jornal quanto aos inquéritos oficiais levados a cabo pelas autoridades do governo,
incluindo-se, claro, o inquérito a que se refere o correspondente acima. Essa mudança de
percepção que é possível verificar nos discursos da oposição (leia-se aqui basicamente
Moraes) parece ser compreensível se tivermos em mente as disputas político-partidárias
em jogo; uma vez que, enquanto os jornais situacionistas vão apresentar suas versões
oficiais sobre os acontecimentos, Nascimento Moraes e os membros do PRM, por conta
também de seus interesses partidários, vão (re)construindo sua versão apresentando seus
discursos na contramão do que era divulgado pelos governistas.
De posse do telegrama acima, informando da chegada de Bernardino à cidade de
Codó e de seu depoimento ao major Augusto de F. Bello, o Diário de São Luiz reforça
suas suposições de que tudo não passava de fantasia a revolta na Mata, afirmando ainda
que: “Para nós aquilo nunca existiu. Pensamos sempre que era uma obra puramente
fantástica, uma criação da imaginação governista para justificar esse aparato de força que
se manda para o interior do Estado, agora ao aproximarem-se as eleições estaduaes
(sic)271”. Neste sentido, notamos aqui que já não há nenhuma ressalva por parte desse
jornal como visto anteriormente, no qual essa acusação ao governador era divulgada por
Nascimento Moraes com uma certa cautela (proposital?), alegando que o povo era quem
dizia que o objetivo do governador era enviar tropas policiais para o interior por conta
das eleições, de forma a intimidar a oposição. Reforçando esse posicionamento falam que
o fato de Manoel Bernardino já ter se apresentado ao major Augusto Bello seria um
indício de que não era seu objetivo fazer “nenhuma revolução”. Por outro lado, ainda
criticando os envios de tropas para o interior, tem-se que:
Assim tem feito esse odiento e odiado governador em relação a outras
localidades onde mais avultam os seus adversários políticos, não
obstante já haver seguido, anteriormente, para o sertão, o sr. Magalhães
de Almeida com carta branca para os fuzilamentos. Nunca, em tempo
270DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 9 de agosto de 1921, p. 2. 271DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 9 de agosto de 1921, p. 3.
126
algum, após a República, esse pobre Maranhão atravessou uma situação
tão deprimente dos seus créditos de terra civilizada272.
Nesse discurso, notamos uma avaliação do domínio político do governador
Urbano Santos, comparando-o com os outros governantes que o antecederam,
considerando a administração desse governador como a mais desastrosa em termos de
administração pública que se tinha vivenciado desde a instauração do regime republicano.
Não cabe a nós colocar em questão a veracidade ou não do conteúdo expresso nesse texto,
todavia, talvez as considerações teóricas do chamado Círculo de Bakhtin podem nos
auxiliar em uma leitura interpretativa da citação acima de forma a torná-lo compreensível,
uma vez que a perspectiva dialógica do Círculo bakhtiniano propõem que os textos
escritos devem ser lidos tendo como pano de fundo seu contexto de enunciação, pois:
“Qualquer que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado
pelas condições reais da comunicação em questão, isto é, antes de tudo pela situação
social mais imediata273”. Portanto, enunciado em um contexto de disputas político-
partidárias, esse discurso oposicionista lança mão basicamente da mesma estratégia
discursiva dos situacionistas: ao expressar um discurso agressivo como moeda de troca
pelos insultos e críticas recebidos dos jornais situacionistas.
A partir das informações até então recebidas pelo Diário de São Luiz, que levava
seus representantes a desacreditarem da ideia de que Manoel Bernardino de Oliveira
chefiava uma revolta na Mata e, por saberem que esse lavrador já havia até prestado
depoimento ao major Augusto de Faria Bello, Nascimento Moraes escreve o editorial do
dia 10 de agosto com um discurso muito diferente acerca de Manoel Bernardino, se
compararmos com seus primeiros textos sobre esse lavrador. Intitulado de “Manuel
Bernardino”, portanto, esse editorial traz o nome do próprio lavrador e uma concepção
agora positiva da sua loucura. Mas antes de apresentarmos essa questão ´há que se
ressaltar que no referido editorial, Nascimento Moraes começa afirmando que: “O
<<Diário Oficial>>, de ante-ontem, lançou um pouco de luz sobre os acontecimentos da
Matta. É que S. Exc. afinal se resolveu a dizer alguma coisa que satisfizesse a curiosidade
do povo274”.
Nascimento Moraes faz referência à publicação pelo Diário Oficial do Maranhão
dos telegramas que foram enviados ao governo com as notícias sobre o caso da Mata.
272Ibid. 273BAKHTIN, 1992, p. 112. 274DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 10 de agosto de 1921, p. 1.
127
Comenta, portanto, que fora o juiz Walfredo Lyra o primeiro a informar o governador
sobre a tal revolução. Ao citar esse telegrama, Nascimento Moraes começa a comentar
que de posse destas informações o governador chamava Manoel Bernardino de louco.
Entretanto, esse jornalista vai expor uma concepção a respeito da loucura de Manoel
Bernardino reinterpretando-a de forma positiva, vejamos:
[...] queremos dizer ao chefe do executivo maranhense que essa loucura
de Manoel Bernardino há sido a loucura de todos os reformadores,
daqueles que dominados, convencidos de uma idea (sic), agem no
sentido de tornar vitorioso o plano que ela alicerça, as obras que ela
cimenta275.
Portanto, Nascimento Moraes passa a ter outra concepção acerca dos ideais de
Manoel Bernardino, passando inclusive a apoiar esse lavrador em seus intentos de
reforma social. Provavelmente por ter tido mais informações a respeito de quem era
Manoel Bernardino, suas relações com os representantes da oposição (PRM), com
especial destaque para seus vínculos de amizades com o desembargador Dioclides
Mourão276 (colaborador do Diário de São Luiz), enfim, Nascimento Moraes passa a ser
um dos principais divulgadores de uma outra imagem do lavrador Bernardino. Sendo
assim, segue classificando a loucura de Manoel Bernardino nos seguintes termos:
É a loucura dos homens de ação, dos que não vivem apenas para si, para
a satisfação do seu “eu”, para o contentamento do seu amor próprio,
mas pelo bem estar da sociedade, pelo conforto de todos os indivíduos,
cujos desgostos e tormentos eles sentem como se foram a própria
consciência das classes, a dignidade mesma das corporações políticas
ou sociaes (sic) a que pertençam277.
Por outro lado, a despeito dos elogios à loucura de Manoel Bernardino,
Nascimento Moraes tenta expor uma explicação do que levara Manoel Bernardino de
Oliveira a divulgar suas propostas de reforma social. Para o jornalista, caso se dessem
créditos às notícias que o juiz Walfredo Lyra juntamente com o subdelegado Sebastião
275DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 10 de agosto de 1921, p. 1. 276Nessa mesma edição do dia 10 de agosto (1921), o Diário de São Luiz publica em primeira página uma
matéria escrita por Dioclides Mourão, com o título de “Cartas-bilhetes”, endereçada ao governador no qual
o desembargador Dioclides Mourão sai em defesa de Manoel Bernardino de Oliveira, expondo algumas
informações sobre esse lavrador, bem como chamando atenção para as perseguições políticas que o mesmo
sofria no povoado da Mata. Um dos motivos das perseguições que Manoel Bernardino estava sendo
“vítima” se devia ao fato de ter declarado apoio político ao desembargador e aos membros do PRM para as
eleições de setembro, portanto, conforme essas declarações de Dioclides Mourão sugerem se tratavam de
disputas político-partidárias locais. 277Ibid.
128
Gomes haviam enviado ao governador Urbano Santos, a responsabilidade seria do próprio
chefe do executivo estadual, uma vez que, escreve Moraes:
Não vivesse o povo da Matta, como o de toda parte a murmurar contra
o governo de s. exc; se não houvesse por todo o interior do Estado essa
indignação geral acendida e estimulada pelo governo de s. exc.; se não
houvesse essa tributação pesadíssima, vexatória e contraproducente que
a todos os que trabalham empolga com brutal violência, certo que as
doutrinas de Lenine, por mais convenientes que sejam, não podiam
traduzir esses lastimáveis efeitos que acabam de alarmar o Estado [...]
O que produziu o efeito terrível foram essas precaríssimas condições a
que o conhecido estadista maranhense reduziu o Estado, foram esses
impostos, terríveis impostos, foram os desmedidos gastos da pública
administração de que não se aproveitaram, economicamente os
contribuintes do Interior, foi a suspensão dessas obras que ainda
alimentavam uma esperança ao lavrador, foram esses sinaes (sic) bem
característicos de penúria que o governo não pode mais ocultar. Eis aí
o campo vasto que Manoel Bernardino encontrou para a cultura dos
princípios socialistas revolucionários e que fizeram estremecer o
governo e o Estado278.
Conforme a argumentação de Moraes, não fosse esse cenário social desastroso no
qual as populações de toda parte do Estado vivenciavam, os ideais socialistas pregados
por Manoel Bernardino provavelmente não teriam surtido os efeitos alarmantes. Essa
análise, em nosso entendimento, parece sugerir que para Nascimento Moraes as
condições sociais precárias são uma espécie de barril de pólvoras que condicionaria a
qualquer momento uma população, no caso os moradores do povoado da Mata, a rebelar-
se contra a situação de penúria (o status quo). Desse modo, ao término da matéria ora em
análise, o jornalista encerra dizendo “que se hoje o notável lavrador da Matta sofre dessa
loucura que impele o homem emancipado a quebrar grilhões, quem o ‘enlouqueceu’ foi
positivamente s. exc (Urbano Santos)279”.
Feitas essas apologias a Manoel Bernardino, o Diário de São Luiz publica, ainda
nessa mesma edição do dia 10 de agosto, um telegrama que esse lavrador enviara ao
governador Urbano Santos, relatando que havia se dirigido espontaneamente às
autoridades de Codó para prestar-lhes esclarecimentos, ficando detido desde o dia 7 desse
mês, e alegando também que fora feito inquérito nada sendo apontado como crime em
suas ações. Então, escreve Bernardino ao governador: “Minhas lavouras estão
abandonadas, havendo eu enorme prejuízo. Espero fazeis cessar esse constrangimento
278DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 10 de agosto de 1921, p. 1. 279Ibid.
129
ilegal que estou sofrendo. Desejo ir a vossa presença280”. A par dessas informações, os
representantes do jornal oposicionista fazem o seguinte comentário: “Vejamos como se
saem dessa alhada o juiz Walfredo Lyra, o delegado Sebastião Gomes e os mais que
afirmam que Manoel Bernardino é chefe de um movimento sedicioso281”.
O editorial intitulado “Aberração política”, edição do dia 11 de agosto, traz como
tema de análise o comportamento político do governador Urbano Santos. Conforme
Nascimento Moraes, muitos achavam aceitáveis, “sincera ou insinceramente” (sic), o
modo de governar praticado por Urbano Santos, entretanto, escreve: “[...] tomamos a
liberdade de dizer que, analisados, ou examinados, em face do regime republicano, são
eles incompatíveis com a educação cívica do povo, e com o respeito e consideração que
os administradores devem às classes laboriosas do Estado282”. Esse jornalista segue
expondo como um governador deveria lidar com o povo, seus governados de forma mais
próxima, pois entendia que o governador era “um mandatário do povo, um órgão de sua
vontade suprema”. Nascimento Moraes apresenta uma série de considerações acerca de
como deveria funcionar um regime republicano, pautado provavelmente nos textos de
autores das teorias políticas liberais; sendo assim, o governador maranhense aparece nos
escritos desse jornalista como o avesso de um republicano283. O governador ainda é
cobrado pelo modo como tem procedido em relação aos acontecimentos na Mata; as
demoras, na ótica da oposição, em divulgar informações sobre estes acontecimentos
levam Nascimento Moraes a defender que esse procedimento do governo tinha como
objetivo ganhar tempo para expor sua versão sobre o que estaria ocorrendo naquela
localidade.
Se compararmos esses discursos de Nascimento Moraes com os discursos
colocados em circulação pelos jornais situacionistas a respeito do governador Urbano
Santos, como vimos acima, a diferença é perceptível. Nesse sentido, há que se ressaltar
que, uma vez envolvido nas disputas político-partidárias em jogo, esse jornalista
paradoxalmente cria seu panteão republicano com nomes de agentes sociais cuja atuação
política é marcada pelos mesmos vícios políticos que condenava no governador
maranhense, seu adversário político. Podemos citar pelo menos três nomes que passaram
a ser louvados como verdadeiros republicanos nas páginas do Diário de São Luiz, são
280Ibid, p. 3. 281Ibid. 282DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 11 de agosto de 1921, p. 1. 283Este termo é empregado por Nascimento Moraes, como entendido costumeiramente, para se referir a um
tipo de governo que atendesse aos interesses do “povo”.
130
eles: Nilo Peçanha (RJ), J.J Seabra (BA) e Borges de Medeiros (RS). Estes três políticos
dominavam o cenário político em seus estados, exercendo basicamente o mesmo tipo de
domínio político colocado em prática pelo governador maranhense.
Assim como procedemos na análise do noticiário dos jornais situacionistas,
optamos por fazer o mesmo em relação ao Diário de São Luiz e, portanto, por enquanto
nenhuma referência em relação aos fuzilamentos praticados pelas tropas policiais do
Estado, tendo em vista que estas notícias parecem que só chegaram à redação desse jornal
oposicionista no dia 15 de agosto, pelo menos é a data de publicação das referidas notícias
que constam em seu noticiário. Nas páginas que seguem nos detemos nesse segundo
momento (digamos assim) da cobertura jornalística produzida pelos discursos colocados
em circulação pelo Diário de São Luiz, discursos esses com uma expressão mais agressiva
ainda atribuindo ao governador Urbano Santos as responsabilidades pelos crimes
cometidos pelas tropas policiais.
3.2. “Boatos” de cerca de cem homens fuzilados... confirmação de quatro homens
fuzilados pelas tropas policiais do Estado: o Diário de São Luiz “acirra” a campanha
anti-governista
O Diário de São Luiz, na edição do dia 15 de agosto, publica dois telegramas com
informações de que houveram fuzilamentos praticados pelas tropas policiais sob o
comando dos tenentes Taurino Lemos e Henrique Dias: um enviado de Codó, pelo
desembargador Dioclides Mourão; o outro, proveniente de Barra do Corda. Quanto ao
primeiro, não cabe aqui comentar, pois já falamos sobre seu conteúdo no capítulo anterior.
Portanto, transcrevemos abaixo as informações do telegrama de Barra do Corda:
BARRA DO CORDA, 14. – Notícias incertas, agora confirmadas por
pessoas fidedignas, vindas da Matta, dizem os horrores praticados pela
expedição do governo, sob o comando dos tenentes Dias e Taurino, a
qual, encontrando o campo livre, fizeram grande número de
prisioneiros, ordenando bárbaros assassinatos de vários indivíduos,
cujos corpos jasem (sic) apodrecidos sobre o solo, servindo de pastagem
aos urubus284.
Conforme as informações desse telegrama, embora sem se referir a números de
vítimas como fizera Dioclides Mourão que falara em cerca de cem homens fuzilados,
284DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 15 de agosto de 1921, p. 3.
131
confirmava-se que as tropas policiais cometeram crimes no povoado da Mata. Outro
ponto de destaque é a referência à atuação de Sebastião Gomes, que teria libertado cerca
de 50 pessoas que haviam sido aprisionadas pelas tropas policiais do Estado, evitando
assim que o número de fuzilados fosse maior. Dadas essas informações, encerra o
telegrama com a seguinte ressalva: “Estas depredações depõem contra os princípios de
civilisação (sic) e ninguém acredita que o governo tenha ordenado uma carnificina tão
monstruosa285”.
Uma vez informado destas notícias, o Diário de São Luiz segue comentando estas
informações chamando atenção para a ideia que se tinha sobre as últimas notícias dos
acontecimentos no povoado da Mata nas quais se acreditava que tudo havia voltado à
normalidade. Pelo menos era o que apontavam os telegramas até então recebidos, além
do fato de que Manoel Bernardino de Oliveira, apontado como o chefe da suposta revolta,
já havia se apresentado às autoridades de Codó, prestado depoimento ao major Augusto
de Faria Bello, “e nada foi apurado contra a sua conduta, ou contra as suas intenções de
pacífico e operoso lavrador”. Acrescente-se ainda que Manoel Bernardino, após prestar
os referidos esclarecimentos em Codó, veio a São Luís em companhia do major Augusto
Bello, “mas sem coação”. Portanto, feitas colocações, indaga esse jornal:
Ora, se esses são os fatos, se a verdade assim se conta, porque, depois
que Manoel Bernardino, expontaneamente (sic) deixou a Matta, o
assassínio, o fuzilamento, a selvageria sanguinária?
Acreditar-se que o tenente Dias, de si por si, resolvesse, a pretexto
qualquer, fuzilar, sumariamente, cem homens?286.
Uma questão interessante na citação acima é o uso que o jornal faz dos termos
para se referir ao fato de que Manoel Bernardino teria saído espontaneamente da Mata,
portanto, essa ideia parece sugerir que não se tratava do “criminoso foragido” de quem se
falava nos telegramas publicados pelos jornais situacionistas. Ressalte-se que o jornal
parece ainda não ter informações corretas acerca do dia que as tropas policias cometeram
os crimes, o que para a data em questão é inteiramente compreensivo, pois, como vimos,
além das tentativas de encobrir os crimes, foi somente com o decorrer das investigações
e depoimentos dos tenentes e praças envolvidos no caso, conforme consta no relatório do
inquérito feito pelo major Augusto de F. Bello, se soube que os fuzilamentos se deram no
dia 6 de agosto. Ainda em relação à citação acima, notamos uma série de ressalvas quanto
285DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 15 de agosto de 1921, p.3. 286Ibid.
132
às “acusações” ao tenente Henrique Dias como responsável pelas ordens para que se
praticassem os homicídios. De acordo com o Diário de São Luiz:
Não devemos receber a primeira impressão tal como nos vem, porque
se trata de um oficial que durante longos anos serviu no exército de
onde trouxe brilhantes atestados de uma disciplina exemplar.
Conhecemos todos o tenente Henrique Dias e o sabemos de boa
educação e elevada compostura moral287.
Por outro lado, os membros do Partido Republicano Maranhense, em matéria
publicada na mesma edição do Diário de São Luiz, vão apresentar-se bem mais
agressivos. Em matéria intitulada “Sangue”, falam dos acontecimentos na Mata
informando a respeito de que haviam sido 8 o número de homens fuzilados e não os 100
como havia sido divulgado. Enquanto no comentário acima notamos uma certa ressalva
quanto aos crimes atribuídos ao tenente Henrique Dias, para os representantes do PRM
não haveria dúvidas, contudo, o referido tenente seria,
[...] puro instrumento da psicologia delinquente (leia-se do governador
Urbano Santos), que o armou e fez vibrar a arma homicida. Nunca nos
havia passado pela mente que aquela esfinge, que se acastela no palácio
governamental, fosse capaz de atentar, como tigre enfurecido, contra a
vida de inermes cidadãos a lidar no seu trabalho honrado, amassando
com o suor do rosto o pão da família, como não sabem fazer uns tantos
seres nocivos que vivem entre os ouropeus (sic) da grandeza288.
Para a oposição (PRM), o governador era o responsável ainda pela “desgraça do
Maranhão”. Essa ideia da responsabilidade do governador Urbano Santos vai ganhar
força nos discursos oposicionistas ao longo dos meses seguintes. Contudo, até a data
acima, dias antes das polêmicas declarações do tenente Henrique Dias, os representantes
do PRM vão atribuir essa responsabilidade pautados no seguinte argumento:
O Sr. Urbano Santos é de tudo isso o verdadeiro culpado, porque,
mesmo que de viva voz não ordenasse o assassinato, devia saber ser
este inevitável, uma vez que espalhou homens armados sob o pretexto,
adrede invocado, de abafar uma revolta contra o seu governo. Quem
solta feras no meio de um rebanho tem a principal, a exclusiva
responsabilidade pelo sangue que derramam289.
287DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 15 de agosto de 1921, p.3. 288Ibid. 289Ibid.
133
Portanto, recorrendo a uma estratégia discursiva de associar o comportamento das
tropas policiais à ideia que temos dos comportamentos dos animais ferozes,
costumeiramente percebidos (por nós) como seres irracionais, os membros do PRM
parecem sugerir que os integrantes das tropas policiais não teriam responsabilidade pelos
seus atos, mas sim o governador Urbano Santos por ter sido quem dera as ordens para o
envio das tropas para reprimir a propalada revolta na Mata; pois, como sugerem os
oposicionistas, fora o governador quem “soltara as feras no meio de um rebanho” de
indefesos.
O recurso a esse discurso de que as tropas policiais cumpriam ordens de seus
superiores que, para a oposição, pautada numa ampliação do que poderíamos chamar de
hierarquia das responsabilidades que tinha no topo o governador, também foi utilizado
pelos governistas, como vimos acima, mas a partir da ótica dos governistas haveria uma
outra hierarquia à qual se referem e que contemplava apenas aos integrantes da força
policial enviada para a Mata. Sendo assim, tendo o tenente Henrique Dias ordenado aos
soldados, seus inferiores, que praticassem os fuzilamentos dos quatro homens
assassinados, caberia ao tenente arcar com as responsabilidades dos crimes.
Em editorial do dia 16 de agosto, intitulado “Desamparado”, como o próprio título
já sugere, José do Nascimento Moraes comenta o que dizia ser a situação de desamparo
vivenciada então pelo governador Urbano Santos que estaria se agravando mais ainda por
conta da atuação da oposição política praticada pelo PRM. Para o jornalista, apesar do
político maranhense contar com sua posição vantajosa na política nacional e ainda “apesar
de enfeixar nas mãos todos os elementos da política do Estado (Maranhão)”, mesmo esta
condição o estava deixando sem defesa na política local. Nascimento Moraes argumenta
que os partidários do governador não apareciam para defendê-lo das acusações que lhe
eram feitas, menosprezando inclusive a defesa que lhe era feita pelos articulistas d’O
Jornal. Estes últimos são vistos pelo jornalista como insignificantes e meramente
agressivos. Neste sentido, afirma que: “Até era o ‘Diário de S. Luiz’ que fazia análise da
pública administração do Estado. Mas o ‘Diário’ não representa um partido, e a sua
significação política é apenas essa de ser orgam (sic) emancipado e livre da opinião
pública e dos interesses do povo290”.
Não raro aparece esse discurso nos textos de Nascimento Moraes de tentar
desvencilhar o jornal Diário de São Luiz de qualquer coloração partidária. Contudo, por
290DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 16 de agosto de 1921, p. 1.
134
tudo que já dissemos, some-se a isso o fato de dar publicidade às matérias escritas pelos
representantes do PRM, divulgar os nomes dos candidatos desse partido, tais vínculos
tornam no mínimo suspeito esse (a)partidarismo. Ainda porque, embora faça ressalvas
quanto às suas relações com o partido oposicionista local, o mesmo não ocorre em ralação
aos candidatos pela Reação Republicana, Nilo Peçanha e J.J Seabra, para as eleições de
março (1922) para o executivo federal.
Com vínculos ou sem vínculos com os representantes do PRM, Nascimento
Moraes não deixa de fazer uma consideração fundamental que nos ajuda a entender como
se davam essas questões partidárias na política maranhense. Ao se referir às ações da
oposição contra o governador Urbano Santos, escreve:
Agora, porém, já não é mesma situação mui acomodatícia para o
administrador. É um partido que se levanta para acusar o administrador,
para o responsabilizar pela decadência econômica do Estado. E são
membros desse partido seus diretores aqueles mesmos que ontem se
perfilavam, graduados, nas fileiras desse partido que S. Exc. dirige. São,
por conseguinte, homens que ontem muito mereciam no conceito de S.
Exc., a quem S. Exc. confiou importantes encargos e que por isso
mesmo, presentemente, entrincheirados em campo adversário devem
merecer a consideração, ou pelo menos a atenção de S. Exc291.
Essa análise de Nascimento Moraes parece ser de certa forma uma denúncia de
como funcionavam as práticas partidárias, nas quais bastavam uma cisão intrapartidária
para que agentes políticos, que até bem pouco tempo estavam sob a mesma sigla
partidária, se passassem para campos opostos. No caso em questão, provavelmente esse
jornalista se refere ao que ocorrera com Herculano Parga e que dera origem à formação
do Partido Republicano Maranhense, como visto no capítulo anterior.
Nessa mesma edição do dia 16 de agosto, o Diário de São Luiz publica uma longa
matéria sobre a Manoel Bernardino, bem como uma entrevista que lavrador concedera ao
periódico. Quanto ao conteúdo da entrevista, as informações são basicamente as mesmas
prestadas por Manoel Bernardino em depoimento, às quais já comentamos em páginas
acima. Há também a publicação de um telegrama enviado pelo correspondente de Codó
informando que:
Pessoas chegadas agora da Matta trazem informações horripilantes das
ocorrências ali desenroladas. Os cadáveres insepultos estão expostos à
voracidade dos urubus. O fétido é de tal ordem que obrigou a mudança
291DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 16 de agosto de 1921, p.1.
135
da estrada. Dizem que o sr. José Lopes Pedra Sobrinho, agente do fisco,
ajudou a matança292.
Dadas essas informações, o correspondente do Diário de São Luiz aconselha o
jornal a enviar um repórter para acompanhar os inquéritos que estavam sendo feitos. A
despeito das últimas informações e da entrevista que Manoel Bernardino concedera a esse
jornal, este órgão oposicionista se expressa alegando não acreditar (ainda) que o
governador tenha determinado os crimes que ora estavam sob investigação.
Quando de sua visita a São Luís, além da entrevista que concedera ao jornal da
oposição, Manoel Bernardino também visitou e deu uma entrevista ao jornal Pacotilha.
Entretanto, antes de conceder estas entrevistas à imprensa da capital maranhense, Manoel
Bernardino fizera uma visita ao governador, como havia solicitado ao chefe do executivo
maranhense, para esclarecer-lhe sua versão a respeito dos acontecimentos na Mata. Dessa
conversa falara a Urbano Santos sobre “seus ideais socialistas”, ouvindo do governador
que este também era um adepto do socialismo.
Ao saber do teor dessa conversa, com destaque para essa declaração do
governador, o jornalista Nascimento Moraes não deixou passar em branco essa
informação. O “socialismo do governador” acabou por inspirar o tema do seu editorial do
dia 17 de agosto, cuja nomeação foi: “Sr. Urbano Santos, o socialista”. Com uma escrita
marcada pela ironia e sarcasmo, Nascimento Moraes faz uma análise comparativa entre
as teorias socialistas praticadas por Manoel Bernardino e as do governador Urbano
Santos. Conforme o jornalista:
Da entrevista que o dr. Urbano Santos, presidente do Estado, concedeu
a Manoel Bernardino, uma coisa vantajosamente social e política
surgiu, com surpresa de todos – é que o eminente estadista maranhense
também é adepto fervoroso dos (sic) doutrinas socialistas e, como tal,
espera que o socialismo dentro em breve tenha ganho de causa293.
Ao ouvir esta declaração, Manoel Bernardino teria ficado surpreso com essa
afirmação do governador, ainda mais por ter-lhe dito que a vitória do socialismo era
questão de tempo. A atitude perplexa do lavrador, conforme Nascimento Moraes, se daria
por não imaginar que as ideias socialistas triunfariam no Brasil em pouco tempo. Desse
modo, segue escrevendo em tom de ironia os motivos que levaram Manoel Bernardino a
292Ibid., p.2. 293DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 17 de agosto de 1921, p. 1.
136
não compreender as peculiaridades do socialismo do chefe do executivo estadual
maranhense, vejamos:
O socialismo avançava a passos céleres e ele (Bernardino), apesar de
sua leitura acurada, não percebia a marcha formidável de sua vanguarda
vitoriosa. Ali da Matta só lhe era dado perceber uma imensa desolação
no seio das classes, um entristecedor atraso moral, os efeitos
perniciosos de uma administração que arruinava a economia do Estado!
Quanto estava enganado! O que lhe parecia extorsão, era a prática de
um princípio racional que ele não compreendera! O que lhe parecera
ignorância ou estupidez de autoridades arbitrárias era a segurança
individual e a ordem pública. O que lhe parecera privação das classes
desprotegidas era a abnegação provocada para exercitar o trabalhador
no sofrimento que redime a vida e prepara o futuro da família pela
simplicidade dos costumes. Decididamente estava enganado294.
Sendo assim, Manoel Bernardino teria percebido que pregava “rudimentos de uma
doutrina exuberante e profunda”, enquanto seu companheiro de crenças e ideais colocava
em prática um outro socialismo que ele não entendia. Tendo em vista essa incompreensão
entre o lavrador da Mata e o governador, Nascimento Moraes segue tentando explicar ao
leitor os motivos dessa confusão, citemo-lo novamente:
O socialismo do austero estadista maranhense age por efeitos
contrários, enquanto o de Manoel Bernardino visa os resultados diretos.
O socialismo do chefe do executivo maranhense é absorvente e deve
ser compreendido sem propagandas, nem conferências, nem
devotamentos, nem gestos largos de humanidade e benemerência. O
socialismo de Manoel Bernardino difunde-se por meio da palavra
escrita e falada, pelo bem estar que deve abraçar a comunhão geral dos
indivíduos [...] E agora com essas notícias de fuzilamento, de captura
de famílias, que chegam, de modo tremendo aos ouvidos de Manoel
Bernardino, cujo coração sangra por não lhe quererem dizer do
paradeiro de sua mulher, filhos, mãe e irmães (sic), ele, ainda mais
atônito ficou, vendo que o seu irmão socialista repousa serenamente em
Palácio, confortado com o carinho e a virtude dos entes que lhe são mais
caros à vida295.
Ao encerrar esse editorial, Nascimento Moraes comenta que, se Manoel
Bernardino, estudioso das doutrinas socialistas e, como havia lhe dito o governador
também ser adepto da mesma, não compreendia “essa excepcional doutrina democrática”
defendida por Urbano Santos, eles do Diário de São Luiz mesmo é que não
compreendiam.
294DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 17 de agosto de 1921, p.1. 295Ibid.
137
Cabe ressaltar que embora não saibamos ao certo até que ponto a reação de
Manoel Bernardino em sua conversa com o governador Urbano Santos convirja para o
relato descrito acima por Nascimento Moraes, entendemos que, tendo em vista nossos
objetivos na presente análise dos textos desse jornalista, um ponto fundamental a se
ressaltar é a estratégia discursiva à qual lança mão para satirizar e criticar o governador
Urbano Santos. Nesse sentido, percebemos de certa forma uma outra imagem do
governador colocada em circulação por esse órgão oposicionista como contraponto ao
Urbano Santos do qual falavam os jornais situacionistas. Ao mesmo tempo que esse
jornalista faz chacota do governador, por outro lado, seu discurso sugere uma certa
apologia ao socialismo pregado pelo lavrador Manoel Bernardino de Oliveira. A essa
altura dos acontecimentos, os discursos expressos pelo jornal Diário de São Luiz em
relação ao lavrador Manoel Bernardino são de defesa dos seus ideais de reforma social,
bem como dando razão às suas reações de insatisfação contra o domínio político do
governador Urbano Santos, este governo visto como responsável pela situação de desastre
social vivenciada pelo povo maranhense.
Além desse editorial comentado acima, a edição do dia publica entre suas matérias
dois telegramas que lhes foram enviados pelo correspondente de Codó referentes às
notícias dos acontecimentos na Mata. Uma característica importante a se destacar nos
telegramas publicados pelo Diário de São Luiz, se compararmos com o conteúdo dos
telegramas publicados pelos jornais situacionistas, se dá pela versão diferente das
informações apresentadas do que estaria ocorrendo naquela localidade. Não cabe a nós
julgar quem estaria com a razão, mas na medida do possível compreendê-los como
discursos produzidos em uma arena política. Portanto, a leitura desses textos a partir de
uma perspectiva dialógica, ou seja, sendo lido em seu contexto de enunciação e tendo por
alvo também questionar e combater o “outro” (entendido aqui como adversário político),
nos sugere que cada lado político (situação x oposição) colocava em circulação as
informações que lhes competiam de forma a tentar convencer o leitor, que eles chamavam
de opinião pública, da veracidade dos fatos divulgado por seu jornal.
Quando citamos e comentamos os telegramas publicados pelos jornais
situacionistas sugerimos que os conteúdos desses telegramas pareciam ter como
intencionalidade, dentre outros objetivos, incriminar o lavrador Manoel Bernardino de
Oliveira, bem como os representantes do PRM com os quais o lavrador mantinha relações
partidárias. Por outro lado, as informações expressas nos telegramas enviados pelo
138
correspondente do Diário de São Luiz em Codó vai chamar atenção para a atuação
criminosa das tropas policiais do Estado na Mata, vejamos:
CODÓ, 16. – O resto da tropa chegou da Matta ontem à tarde. O povo
está retraído e apreensivo, embora confie na promessa divulgada de que
o governo agirá. Os moradores da Matta, chegados ontem, recusam
voltar ao domicílio, aterrados que se acham da carnificina que viram.
Negociantes estabelecidos nas proximidades da Matta calculam seus
prejuízos em mais de dez contos de réis, porque foram trucidados os
seus devedores. Ouvi dos próprios soldados, que destruíram grande
quantidade de criações dos habitantes. Consta que as autoridades antes
de continuarem o inquérito preparam sob ameaças pessoas que devem
depor296.
De acordo com essas informações, os moradores da Mata estavam sobressaltados
pelas ações das tropas policiais que resultaram nos quatro fuzilamentos, além do fato de
terem visto os restos mortais dos cadáveres das vítimas que ficaram expostos a céu aberto,
a despeito das tentativas do agente fiscal José Lopes Pedra Sobrinho que teria pago um
homem para escondê-los. Ressalte-se ainda que as tropas policiais tinham o auxílio dos
homens armados pelo subdelegado Sebastião Gomes. O próprio corresponde do Diário
de São Luiz diz ter ouvido dos soldados que haviam praticado a destruição de “grande
quantidade de criações dos habitantes”.
Com uma certa frequência esse jornal vai publicar matérias com pessoas
reclamando que tiverem bens furtados pelas tropas policiais. Não custa relembrar que
mesmo o Diário Oficial do Maranhão havia noticiado acerca de que houvera roubos nas
propriedades dos moradores da Mata durante o cerco policial, mas sem atribuir
responsabilidades. Outro ponto fundamental é a denúncia de que as autoridades locais
(partidários do governo) estavam articulando uma estratégia para selecionar pessoas, sob
ameaças, para deporem no inquérito que apuraria os crimes praticados pelas tropas
policiais. Esta vai ser uma ideia muito divulgada pelos oposicionistas. Entretanto, mesmo
reconhecendo que essas denúncias foram feitas pela oposição pautado em seus interesses,
é possível, tendo em vista os cenários político-partidários da Primeira República e
cruzando as informações dos jornais aqui em estudo, encontrar evidências que apontem
para a veracidade da afirmação acima.
A par dessas informações aterradoras, os representantes do Diário de São Luiz
tecem críticas ao posicionamento dos articulistas d’O Jornal, considerando o
296DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 17 de agosto de 1921, p. 2.
139
comportamento desses jornalistas como “disciplinado num partidarismo que nele
despontou já um pouco tarde”, além de não darem importância para a situação em que
vivia o “infeliz povo da Matta”. Questiona as informações que esse jornal publicara
afirmando que Manoel Bernardino havia sido preso, “toda a gente sabe que Manoel
Bernardino não foi preso mas apresentou-se à autoridade policial de Codó!297”.
A essa altura dos desdobramentos dos acontecimentos na Mata, com o tenente
Antônio Henrique Dias detido por ordens do governador e o encaminhamento das
investigações através do inquérito levado a cabo pelo major Augusto de Faria Bello, um
episódio chamaria a atenção da imprensa maranhense, leia-se basicamente os jornais aqui
analisados, que acirraria mais ainda o debate entre governistas e oposição: as polêmicas
declarações do tenente Antônio Henrique Dias nas quais dizia ter praticado os
fuzilamentos na Mata por ter recebido “carta branca” do governador Urbano Santos para
praticá-los. As referidas declarações foram escritas e entregues ao redator-chefe do Diário
de São Luiz, José do Nascimento Moraes, para serem publicadas nesse jornal. Passamos
nas páginas que seguem a expor o conteúdo de tais declarações, bem como uma análise
dos discursos de Nascimento Moraes a respeito destas informações.
3.3. As polêmicas declarações do tenente Henrique Dias... a entrevista de s. exc.
governador Urbano Santos ao jornal Pacotilha...
José do Nascimento Moraes, em matéria intitulada “Os crimes da Matta”, comenta
sua visita na manhã do dia 23 de agosto (uma terça feira) ao tenente Antônio Henrique
Dias, que estava detido no Corpo Militar do Estado. Conforme relata esse jornalista, havia
encontrado o tenente “um pouco agitado, mas falando com segurança e desassombro.
Agitado porque lhe consta que premeditam eliminá-lo para o fim de não dizer a
verdade298”. Portanto, pelo que sugeria o tenente Henrique Dias a Nascimento Moraes,
tratava-se da suspeita de uma “queima de arquivo”. Nesse sentido, teria pedido a
Nascimento Moraes para que divulgasse pelo Diário de São Luiz que se porventura
acontecesse algo com ele (Dias), a culpa seria do governador Urbano Santos.
O tenente Henrique Dias lhe teria feito uma série de declarações acerca dos
acontecimentos na Mata, entretanto, as declarações escritas Nascimento Moraes as
297Ibid. 298DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 23 de agosto de 1921, p. 3.
140
publicaria no dia seguinte, alegando que não daria para publicá-las no mesmo dia “por
serem longas e minuciosas”. Numa estratégia de deixar provavelmente o público com
uma certa curiosidade e, porque não, já fazendo uma espécie de propaganda para venda
de seu periódico no dia seguinte, Moraes afirma: “O público, estamos certos, pasmará
diante delas, e terá dados exatos para julgar dos fatos que se deram (grifo nosso). É a
história completa do drama e o perfil dos seus autores”. Falando em nome da
imparcialidade, Nascimento Moraes diz que o objetivo do Diário de São Luiz “é apontar
os responsáveis por essa afronta feita à dignidade do povo”, afirmando ainda que esse
jornal não fecharia as portas para os que querem se defender. Temos falado que esse
discurso da objetividade jornalística era (é) muito comum como recurso discursivo pelos
articulistas dos jornais aqui estudados, e o caso de Nascimento Moraes não foge a essa
regra, embora saibamos que seus discursos expressavam suas posturas político-
partidárias.
Como havia prometido o redator-chefe do Diário de São Luiz, as declarações do
tenente Henrique Dias foram publicadas no dia seguinte, 24 de agosto, em matéria com o
título de “Os crimes da Matta”. Sendo assim, escreve o tenente Henrique Dias299:
No dia 29 do mês próximo findo (julho), cerca das 18 horas fui chamado
a Palácio conjuntamente com o Sr. tenente Taurino à presença do Exc°
Dr. Presidente do Estado. Ali chegando recebemos ordens e instruções
do mesmo Sr. Dr. Presidente, para seguirmos para a cidade do Codó e
dali para a Matta, que quando chegássemos na referida cidade, Taurino
seguisse com 32 praças e eu seguisse no dia seguinte com 10; que
chegando na Matta espingardeasse um grupo de cangaceiros que ali
existia chefiado pelo indivíduo Manoel Bernardino, que o
Desembargador (Dioclides) Mourão seguisse ao nosso encontro que
também lhe o espingardeasse; que ele Presidente já havia dado ordens
a Sebastião Gomes, Subdelegado de Polícia de Barra do Corda para
armar pessoal para o mesmo fim. Por mais de uma vez em Palácio o Sr.
Dr. Presidente recomendou a mim e ao tenente Taurino que
espingardeasse todos os bandidos custasse o que custasse e que
contasse, eu e o tenente Taurino com todo o apoio do governo300 [...].
Portanto, esse é basicamente o resumo das recomendações que o governador havia
feito aos tenentes Antônio Henrique Dias e Taurino Lobão Lemos. Este último, como
vimos em seu depoimento acima, negara que o governador houvesse feito as autorizações
para que se praticasse os fuzilamentos. Uma questão importante no relato acima é a
299A referida matéria relata novamente algumas das informações que esse tenente apresentara em seus
depoimentos os quais vimos acima. Por isso nos deteremos basicamente em sua “versão” sobre as ordens
que havia recebido do governador Urbano Santos, bem como uma ou outra “nova informação” apresentada.. 300DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 24 de agosto de 1921, p. 3.
141
referência que o tenente faz em relação às recomendações quanto ao desembargador
Dioclides Mourão, representante da oposição ao governador na cidade de Codó. O tenente
Henrique Dias ao relatar os desdobramentos das ações das tropas policiais na Mata, após
terem efetuados várias prisões, confessa a prática dos crimes nos seguintes termos:
[...] eu e o tenente Taurino, atendendo às justificações que muitos dos
presos faziam, os soltamos e mandamos trabalhar; a pedido de
Sebastião Gomes e de José (Lopes) Pedra (Sobrinho), também soltamos
muitos presos, mesmo porque Sebastião Gomes declarava que
precisava daquele pessoal, eu, para a Cadeia do Codó, trouxe somente
quatro homens e dos mesmos fiz entrega ao Delegado de polícia
daquela cidade, que de fato a força espingardeou 4 cangaceiros porque
eu e o tenente Taurino recebemos ordens do Exc.° Sr. Dr. Presidente
para fazer isso301”(grifo nosso).
Dessa citação queremos destacar alguns pontos. O tenente Henrique Dias a todo
momento se refere que agira em parceria com o tenente Taurino Lemos; ressalte-se ainda
que, a despeito de Henrique Dias ter feito acusações a Sebastião Gomes, em seu
depoimento, como visto acima, o tenente acaba por reforçar uma informação que passara
a ser divulgada pela imprensa situacionista de que fora graças à intervenção do Sebastião
Gomes que o número de vítimas não fora maior. Por outro lado, essa informação pode
nos sugerir também que Sebastião Gomes talvez tenha tomado essa atitude porque entre
os homens detidos não estava seu verdadeiro alvo e desafeto: Manoel Bernardino de
Oliveira. Essa suposição (inferência) pauta-se no que já expomos a partir da análise do
depoimento de Manoel Bernardino; bem como do que é possível perceber no depoimento
do próprio Sebastião Gomes que é todo ataque ao lavrador Manoel Bernardino. De acordo
com Henrique Dias, Sebastião Gomes teria dito também: “[...] em frente à força do meu
comando e do tenente Taurino que ou ele naquela matta com o seu pessoal ou pessoal de
Bernardino, que para isso contava com o apoio do governo302 [...]”. Ao relatar novamente
um motivo de desentendimento entre ele (Dias) e Sebastião Gomes, Henrique Dias
encerra dizendo não se achar criminoso, pois questiona porque Sebastião Gomes não
relatara tais crimes em seu primeiro relatório ao governador.
Esse questionamento do tenente Dias é pertinente porque nos ajudam a pensar
que, dadas as evidências já assinaladas, parece que de fato houvera a tentativa por parte
das autoridades governistas em silenciar sobre os fuzilamentos, contudo, uma vez
301DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 24 de agosto de 1921, p.3. 302Ibid.
142
descobertos e divulgados pela oposição, começara as trocas de acusações até entre os
situacionistas.
Na mesma edição do dia em que fora publicada as declarações do tenente Dias,
Nascimento Moraes escreve um editorial303 intitulado “O sr. Urbano Santos”, no qual
escreve que não são inimigos do governador maranhense, salientando que: “Sabemo-lo
homem de cultura, educado, espírito penetrante e profundamente conceituoso304”, essa
seria sua concepção do homem Urbano Santos. Entretanto, o que estava em questão para
o jornalista era o Urbano Santos político (partidário). Ao recorrer a essa estratégia para
falar sobre o governador, relembra aspectos já comentados como sua administração do
governo, a impunidades de crimes, etc. Nascimento Moraes, ao comentar que embora não
queira acreditar que o governador fosse capaz de cometer perversidades, escreve como
ressalva, no mínimo sugestiva:
Mas quem aprendeu na escola do general gaúcho (Pinheiro
Machado305), que foi seu assistente em todos os surtos da vida política,
aprendeu com certeza a querer sem recuar, a passar por cima de tudo,
contanto que seus interesses partidários não sejam sacrificados [...] O
sr. Urbano Santos precisa de sair dessa atmosfera de suspeita que o
envolve, porque a verdade é que o seu passado político ao lado do
general Pinheiro Machado não é coisa que nos garanta a sua
inculpabilidade nesse lastimável episódio de sua administração306.
Uma vez divulgadas as declarações do tenente Henrique Dias, José do Nascimento
Moraes segue comentando esse assunto em seu longo editorial307 do dia 25 de agosto, no
303O referido editorial, como vimos no capítulo anterior, seria tema de uma matéria do dia seguinte (25/8)
d’O Jornal que saíra em defesa do governador. 304DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 24 de agosto de 1921, p. 1. 305Com uma certa frequência Nascimento Moraes lembra das relações político-partidárias que Urbano
Santos mantivera com Pinheiro Machado, líder político do PRR gaúcho na esfera federal no contexto da
Primeira República e, que fora assassinado por inimigos políticos em 1916. Sempre que se refere ao político
gaúcho, Moraes faz fortes críticas às suas atuações políticas. Uma questão importante a se destacar é que
Pinheiro Machado era do mesmo partido de Borges de Medeiros, portanto, pertencia à mesma agremiação
partidária que dominara a política no Rio Grande do Sul, com as mesmas práticas políticas (fraudes
eleitorais, perseguições de opositores) que Moraes condenava no governador Urbano Santos e em Pinheiro
machado. Chamamos atenção para esse fato porque como passara a ser um divulgador dos discursos da
“Reação Republicana” no Maranhão, Nascimento Moraes vai se referir ao político gaúcho Borges de
Medeiros (que juntamente com Nilo Peçanha e J.J Seabra eram os principais líderes desse movimento
político) em tons elogiosos. 306Op.cit. 307Na edição desse mesmo, 25 de agosto, o Diário de São Luiz publica um telegrama do tenente Antônio
Henrique Dias relatando dentre outras coisas sua detenção logo em sua chegada a São Luís. Os
representantes do Diário de São Luiz informam também sobre o encontro de Nascimento Moraes com
tenente Rodolfo de Figueiredo, na manhã do dia 22/8, quando o redator-chefe saía de sua residência em
direção à redação do seu jornal. Moraes teria pedido informações sobre a situação do tenente Henrique Dias
e fora informado que o tenente Dias era visto como culpado pelos crimes. No dia seguinte estando
Nascimento Moraes em sua residência, pela manhã, teria recebido uma carta enviada pelo tenente Henrique
143
qual expõe uma série de questões quanto aos acontecimentos na Mata, bem como volta a
tecer críticas e apontar as responsabilidades do governador. Logo de início indaga o
jornalista: “Devemos acreditar nas palavras do tenente Henrique Dias? Que razões temos
nós para dizer que o tenente Henrique Dias não diz a verdade? Porque suspeitar que ele
procura fugir à responsabilidade do que praticou?308”. Para Nascimento Moraes até então,
antes dos acontecimentos da Mata, o tenente Henrique Dias não havia apresentado esse
tipo de procedimento. Esse argumento acerca do passado militar do tenente Henrique
Dias já havia sido expresso no editorial do dia 23, do mesmo mês.
Sendo assim, Nascimento Moraes argumenta que dada a situação não se deve ser
parcial (novamente o discurso da imparcialidade), alegando que: “Cumpri-nos, por
enquanto, examinar os fatos, recordando, tanto quanto possível, os episódios do drama”.
Um primeiro aspecto que esse jornalista relembra é o fato de que quando o governador
recebera as primeiras notícias falando em revolta na Mata, Urbano Santos teria agido em
silêncio. Não se sabia na Capital que quando a tropa policial foi enviada para a Mata o
governador já havia autorizado Sebastião Gomes a armar mercenários para cercarem a
Mata. Nascimento Moraes pergunta quais teriam sido as ordens que o governador dera a
Sebastião Gomes. Conforme ouvira dizer (aqui o jornalista praticamente reproduz a
versão do que lhe dissera Manoel Bernardino):
Informam-nos que Manoel Bernardino declara que efetivamente
procurou armar-se porque soube que Sebastião Gomes com gente
armada ia ataca-lo e aos seus adeptos da doutrina socialista que
pregava! Pelo que o erro do governo é manifesto, pois a defesa de
Manoel Bernardino quanto a este ponto é plenamente aceitável! Não
lhe acusava a consciência o haver praticado crime de espécie alguma.
Pregava seus princípios reacionários na convicção de que fazia a coisa
mais natural deste mundo309.
Para Nascimento Moraes, o governador Urbano Santos deveria ter enviado uma
pessoa de sua confiança para saber do que se passava na Mata e conversar com Manoel
Bernardino para saber de suas intenções. Contudo, seu maior erro teria sido mandar
“armar os paisanos que Sebastião Gomes encontrou ao alcance de prepotência e mandar
operar nas circunvizinhanças da Matta”. Além da atuação de Sebastião Gomes,
Nascimento Moraes se refere também ao fato de que, juntamente com Sebastião Gomes,
Dias solicitando para visita-lo na prisão, cujo desdobramento dessa visita teria sido a entrega de um
“documento” escrito com as referidas declarações (Diário de São Luiz, 25 de agosto de 1921, p.3). 308DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 25 de agosto de 1921, p. 1. 309Ibid.
144
agira José Lopes pedra Sobrinho, que também havia armado seu pessoal em auxílio às
tropas policiais. Ou seja, dois antigos desafetos de Manoel Bernardino. De acordo com
essas colocações, questiona: “Como, pois, se chegar agora a coucluir (sic) pela veracidade
das notícias que corriam contra a atitude de Manoel Bernardino? Quem primeiramente se
armou? Sebastião Gomes ou o lavrador da Matta?310”.
Nascimento Moraes diz acreditar que fora Sebastião Gomes quem primeiro se
armou e Manoel Bernardino só posteriormente teria se armado para se proteger dos
possíveis ataques de Sebastião Gomes, pois: “E tal coisa nos parece, porque à
aproximação da força de polícia, Manoel Bernardino abandonou a Matta e foi apresentar-
se às autoridades do Codó”. Nascimento Moraes argumenta não querer defender nem
tampouco inocentar Manoel Bernardino, mas diz não duvidar “que Manoel Bernardino
reagia contra o sr. José Lopes Pedra Sobrinho, agente arrecadador que acompanhado de
homens armados de rifle, fazia a abusiva cobrança do imposto enervante, atroz e cruel”.
Esse jornalista acrescenta não duvidar que a reação de Manoel Bernardino estivesse
ligada ao período pré-eleição por conta das suas relações partidárias, bem como que a
partir de seus “ideais socialistas” derivasse “para uma reação eleitoral”311.
Após fazer essas ressalvas, Nascimento Moraes responsabiliza o governador por
suas reservas quanto aos acontecimentos na Mata e por confiar em indivíduos “que são
francamente acusados como delinquentes312”.
Provavelmente por conta da publicação das declarações do tenente Henrique Dias
pelo jornal oposicionista e suas consequências na imprensa local e nacional313, o
governador maranhense concede uma entrevista ao jornal A Pacotilha, na qual comenta
sua versão a respeito das ordens que teriam sido dadas aos tenentes Taurino Lobão Lemos
e Antônio Henrique Dias. Ao governador é perguntado se lera as declarações do tenente
Dias, ao que responde que sim; sendo assim, é solicitado pelo entrevistador para que
comente quais foram as instruções que dera aos tenentes. Conforme relata o governador
Urbano Santos, mandara chamar os tenentes para dar-lhes as “instruções de praxe” em
310DIÁIO DE SÃO LUIZ, 25 de agosto de 1921, p.1. 311Ibid 312Ibid. 313Tendo em vista que o governador maranhense era o candidato à vice-presidência na chapa governista
que tinha o mineiro Artur Bernardes como candidato à presidência, os acontecimentos na Mata, bem as
declarações do tenente Dias, passaram a ser motivo de críticas dos jornais oposicionistas ligados aos
candidatos da “Reação Republicana”. Com frequência o Diário de São Luiz publica matérias de jornais
partidários desses dois últimos candidatos, principalmente de jornais do Rio de janeiro, comentando as
notícias do “sertão maranhense”.
145
relação ao que iriam fazer na Mata, comentando que, a despeito das notícias de revolução
com cerca de mil homens reunidos, podia haver exageros nessa notícia. Sendo assim, diz:
[...] e, portanto, não tendo notícias positivas, só tinha a dizer-lhes que
agissem conforme as circunstâncias aconselhassem, de acordo com os
seus deveres militares. Recomendava-lhes que tomassem os rifles que
encontrassem, arrancando-os com a respectiva munição, somente
deixando as armas de caça314”.
Entretanto, continua o governador, um dos oficiais, não especifica por não se
lembrar quem, teria lhe perguntado como deveriam agir se caso se confirmasse os boatos
nos quais se dizia ainda que o desembargador Dioclides Mourão estaria “envolvido na
revolução”, ao que Urbano Santos respondera (sugestivamente):
Respondi que em uma comissão militar da natureza que iam
desempenhar, não se olhava a posição nem a classe dos indivíduos
envolvidos na desordem. A força somente podia considerar que tinha
diante de si duas ordens de pessoas – os homens pacíficos e os
desordeiros. Estes, os desordeiros, eram aqueles que praticavam atos de
agressão contra a força (policial estadual) e contra esses a força tinha
de reagir com toda energia por meio das armas de que dispunha. Os
pacíficos eram os que recebiam a força sem ato de agressão, sem ataca-
la; a esses era mister tratar com moderação e até com proteção, dando-
lhe garantia e fazendo-os voltar ao trabalho315.
Ainda de acordo com as declarações do governador essas teriam sido as mesmas
que já fizera antes para as forças policiais de Balsas. Outra recomendação seria para que
observassem pelas localidades que passariam se haveria bandidos procedentes de Goiás
que “andam a infestar os nossos sertões para assassinar e roubar pessoas inermes”, pois,
para o governador, “com gente dessa ordem (os ‘bandidos’) convinha prender tenazmente
para prender (sic), usando das armas contra ela em caso de resistência”. Portanto, para o
governador não haveria diálogo com bandido, estes deviam ser tratados à bala.
Após responder essa primeira pergunta, o entrevistador pergunta a Urbano Santos
se haviam sido só estas as recomendações, e o governador acrescenta: “Positivamente só,
em termos quase textuais, e essas palavras é que o tenente Dias, o facínora que agora se
revelou, interpretou como sendo uma ordem para matar com requintes de crueldade, como
disse o major Bello em telegrama”. Ao ser indagado acerca de qual juízo (leia-se antes
dos crimes) fazia do tenente Henrique Dias, o governador diz não ter formado nenhum
314A PACOTILHA, 25 de agosto de 1921, p. 1. 315Ibid.
146
juízo anterior, pois o havia mandado em duas missões, após as mesmas, teria comentado
com o major Bello e o tenente Rodolpho Figueiredo que tinha por desejo aproveitá-lo na
reorganização do corpo militar, sendo que teria sido o tenente Rodolpho Figueiredo que
o nomeara para guarda civil. Por outro lado, com um tempo havia sido informado pelo
capitão Nogueira de “atos poucos escrupulosos do tenente (Henrique) Dias em matéria
de dinheiro”. Uma vez sabendo dessas informações teria demitido o tenente Henrique
Dias, mas o tenente Rodolpho Figueiredo o havia persuadido a não demiti-lo. Contudo,
lamenta o governador: “Verifica-se hoje que se eu tivesse seguido as minhas inclinações,
não teríamos de lamentar esta negra mancha na civilização da nossa terra316”.
Ponto de vista diferente apresenta o governador em relação à atuação do tenente
Taurino Lemos nos fuzilamentos, pois, até aquele momento o governador diz que este
tenente fora acusado apenas pelo tenente Henrique Dias e o sargento Inácio, que segundo
consta teria sido o executor das atrocidades. Para o governador, estes queriam dividir com
Taurino Lemos as responsabilidades. Este tenente, embora o governador mandasse
recolhê-lo à capital, fora solto porque o major Augusto de F. Bello precisaria dele para
retornar à Mata, sendo assim, por conta desse pedido do major Bello, Urbano Santos diz
inferir que o tenente Taurino Lemos não tivesse responsabilidade nos atos criminosos.
Contudo, alega que esse tenente ainda teria que dar explicações e, caso fosse comprovado
sua participação, Urbano Santos prometia puni-lo, assim como puniria o tenente Henrique
Dias.
Em relação à oposição que estaria defendendo o tenente Henrique Dias, conforme
pensava os articulistas da Pacotilha, responde o governador:
Nada lhe tenho a dizer senão que reputo essas pessoas como infelizes
como julgo o tenente Dias e que assim procedem por puro espírito de
vingança e perversidade. Formam com ele um conjunto de espíritos
maus, mentirosos e caluniadores, dominados todos pela identidade da
índole e dos atos317.
Portanto, o mesmo tenente Henrique Dias, que logo ao saber dos boatos de
revolução na Mata o governador o havia mandado chamar por ser um oficial de
experiência e gabaritado, pelo menos é o que consta no telegrama que o governador havia
enviado ao Presidente Epitácio Pessoa, quando este último lhe cobrou informações sobre
as notícias que lhe chegara sobre o sertão maranhense, agora é conceituado pelo
316A PACOTILHA, 25 de agosto de 1921, p.1. 317Ibid.
147
governador com as piores ideias possíveis318. Poderíamos fazer um questionamento: será
se o tenente Henrique Dias não era de fato um dos oficiais mais gabaritados no seio do
Corpo Militar do Estado para cumprir o mandato de uma expedição na qual só se teria
duas espécies de pessoas, os representantes da ordem (a força policial estadual) x os
desordeiros (o grupo de Bernardino), como se dizia pelo discurso governista? Pela leitura
das recomendações do governador apresentadas acima, tendo como pano de fundo as
disputas político-partidárias com todo seu cortejo de violências tão comuns no cenário
político da Primeira República, não nos parece que as referidas recomendações não
tivessem um sentido bem claro, tal como interpretada pelo tenente Henrique Dias.
Embora é bom que se ressalte que não houvera a falada resistência que seria o motivo
para agirem.
O articulista do jornal Pacotilha encerra a entrevista afirmando que seu
posicionamento era que, uma vez pautados nas palavras do governador, sabiam que as
acusações do tenente Henrique Dias seriam mentirosas.
Por outro lado, o jornalista José do Nascimento Moraes, em editorial do dia 26 de
agosto, vai ter como principal alvo o posicionamento dos jornais situacionistas referentes
à defesa que fazem do governador. Nesse editorial, Moraes responde a uma matéria
publicada pel’O Jornal no dia anterior. Começa afirmando: “Contra a lógica dos fatos
não valem insultos. Contra o raciocínio, frio, convincente, persuasivo, não valem lôas de
turiferários, nem salamaques do canhestro partidarismo319”. Para esse jornalista, seria
perda de tempo d’O Jornal ficar em elogios ao que fora o domínio de Benedito Leite e
ao atual domínio político de Urbano Santos, ambos vistos por Nascimento Moraes como
desastrosos para o Maranhão. Conforme esse jornalista, não havia de sua parte pressa em
analisar os acontecimentos na Mata, expressando da seguinte forma seu modo de proceder
jornalisticamente: “Serenamente, sem parcialidade, iremos pesando os fatos, os
documentos que nos forem fornecidos, para, ao fim de tudo, com a certeza das análises
perfeitas e justas apontarmos o verdadeiro, criminoso, seja quem for!320”.
Ao lançar mão desse discurso de objetividade jornalística com o emprego dos
termos acima, é possível inferir uma intencionalidade discursiva em Nascimento Moraes
318Essa é uma das contradições que os representantes do Diário de São Luiz vão apontar nessa entrevista
do governador, em uma matéria intitulada “S. Exc. fala à imprensa”, vejamos: “Agora o tenente Henrique
Dias é inepto e gatuno! Mas quando S. Exc. telegrafou para o dr. Epitácio Pessoa disse que esse mesmo
tenente era oficial experimentado e refletido”. Diário de São Luiz, 26 de agosto de 1921, p.3. 319DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 26 de agosto de 1921, p. 1. 320Op.cit.
148
em apresentar seu argumento como não viciado por aquilo que seria uma característica
do jornalismo partidário (O Jornal) e que o tornaria como não digno de crédito pela
opinião pública. A estratégia discursiva que se percebe é basicamente a mesma que vimos
nos jornais situacionistas: o mau jornalista é sempre o adversário. Na escrita de
Nascimento Moraes, os articulistas d’O jornal são vistos como caluniadores,
acostumados com o jornalismo depreciador, ansiosos pelos prêmios que sua gritaria pró-
governador poderia trazer-lhes e, por isso, se mostravam indignados com os conceitos
sobre o governador colocados em circulação por Nascimento Moraes. Esse jornalista
retoma o argumento acerca do que dissera da personalidade (o lado “politico”) de Urbano
Santos para reforçar a ideia de que seu passado político era um dos fatores que levava a
se lançar suposições de suas conivências com os crimes na Mata, citemos:
Por que, pois, não aceitar a possibilidade de ser ele o mandante dos
fuzilamentos da Matta? Que razões temos nós para repelir essa hipótese,
se são esses os atestados irrefutáveis de seu passado político? Por que,
desprezando-se esse coeficiente por demais importante na vida de um
homem, afastar a versão que indica o administrador maranhense como
conivente nesse drama? Perguntamos de novo – que razão temos nós
para não acreditar nessa possibilidade?321
Na escrita de Nascimento Moraes, o que surge é um Urbano Santos totalmente
avesso daquele propagandeado pelos jornais situacionistas, sendo visto como um
aluno/herdeiro formado numa escola política cujas práticas seriam as mais abomináveis
possíveis. Embora fale estar a serviço dos interesses da população maranhense para o
esclarecimento dos acontecimentos na Mata, falando, portanto, em nome da opinião
pública, esses discursos de Moraes eram enunciados possivelmente em respostas tendo
como alvo que seus adversários lessem. Por conseguinte, dando prosseguimento a um
diálogo322 que visava suplantar o adversário político pelo menos no campo das
argumentações políticas, uma vez que no âmbito dos pleitos eleitorais, dadas as condições
favoráveis aos governistas (fraudes eleitorais, controle do congresso estadual, apoio
federal, etc), a derrota era certa.
321DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 26 de agosto de 1921, p.1. 322Vavy Pacheco Borges ao comentar os discursos colocados em circulação pelos partidos políticos em seus
jornais na Primeira República apresentam sempre a ideia de um discurso voltado para o povo, mas em seu
entendimento dirigem-se à própria classe dominante: “É um debate político entre a situação e a oposição,
um retrucando as afirmações do outro. A oposição sempre atacando a situação, pois como esta domina tudo,
é por tudo responsabilizada”. BORGES, op.cit., p.27. Embora saibamos que essa consideração de Vavy P.
Borges é baseada em seu estudo sobre os jornais de São Paulo, entendemos ser possível uma “apropriação”
dessa caracterização para pensar o caso das disputas entre governistas e oposição no Maranhão através de
seus jornais.
149
A matéria intitulada “Entre Pênedos” é outro bom exemplo desse diálogo entre
oposição e situacionistas, que poderíamos chamar também de dialogismo polêmico
mostrado, para utilizar uma noção operacionalizada por Dominique Maingueneau (1997).
Na citada matéria, Nascimento Moraes responde aos seus adversários de imprensa
questionando-os e negando o conteúdo semântico de seus discursos. Reproduzindo um
discurso de imparcialidade jornalística em seu procedimento de análise dos
acontecimentos na Mata, insiste em posicionar-se como não tendo interesses em jogo,
alegando não ter motivos para defender nem condenar o tenente Henrique Dias; assim
como diz não ter “motivos para dar como insuspeitas as declarações do chefe do
situacionismo maranhense323”. Esse seria o modo de proceder de uma imprensa livre, e:
“O povo precisa compreender o nosso ponto de vista e estabelecer a diferença que existe
entre os nossos processos e o dos nossos colegas (leia-se O Jornal) de jornalismo”.
Contudo, de forma humilde, Nascimento Moraes diz que com isso não quereria afirmar
que seus princípios jornalísticos sejam os melhores, mas queria chamar atenção para o
fato de que a imprensa partidária teria limites em suas percepções dos fatos, além de não
pensarem na coletividade social, pois só visavam os interesses de sua agremiação
partidária.
Nascimento Moraes em sua escrita parece também construir uma imagem de seus
adversários, assim como estes também tinham construído sua imagem desse jornalista,
ambos os lados colocando em circulação o que poderíamos chamar de “simulacro do
outro”, nos apropriando aqui de uma noção de Dominique Maigueneau (1997). O Diário
de São Luiz seria, segundo Nascimento Moraes, uma necessidade naquele contexto
político, uma vez que se configurava como imprensa livre num cenário em que o
governador Urbano Santos já havia cooptado Costa Rodrigues (líder de um grupo político
outrora oposição) e seu jornal (Pacotilha), assim como tinha o apoio d’O Jornal. Quanto
a este último, escreve Moraes os motivos do apoio ao governo:
O “Jornal”, tendo à sua frente o dr. Alcides Pereira, funcionário público
estadual, demissível, e como um dos seus redatores um funcionário da
Fazenda, também demissível, não pode analisar os atos do governo, não
pode apontar-lhe os erros, nem os abusos, nem as arbitrariedades. Serve
apenas aos interesses da política situacionista a que pertencem seus
redatores324.
323DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 27 de agosto de 1921, p. 1. 324DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 27 de agosto de 1921, p.1.
150
Portanto, o jornalista aponta o que seria em seu entendimento os fatores que
inviabilizariam esses jornais situacionistas a lidarem de forma imparcial325 com a
administração do governador Urbano Santos. Entretanto, uma questão a se colocar nessa
análise do jornalista Nascimento Moraes é que talvez não se tratasse meramente de
cooptação política, mas fosse fruto de um jogo de articulações e negociações partidárias
de um grupo que queria manter-se na hegemonia política, e para isso recorria ao recurso
das relações clientelísticas326, estratégia muito recorrente na cultura política brasileira de
então (dos dias atuais também). Ao fazer as considerações acima sobre a imprensa
governista, Nascimento Moraes alerta o público para que ficasse atento às diferenças entre
o Diário de São Luiz e os referidos jornais. Cita como exemplo a diferença de
procedimento entre seu jornal e os governistas em relação ao caso da Mata.
Na mesma edição do dia 27 de agosto, o Diário de São Luiz publica uma matéria
em resposta às suposições defendidas n’O Jornal (em sua edição do dia anterior) de que
teria sido Nascimento Moraes quem havia escrito as declarações do tenente Henrique
Dias. Comentando que a sociedade maranhense não acreditaria nessa acusação ao
professor Nascimento Moraes, expõe uma razão muito simples: por não ter participado
da operação militar no povoado da Mata, esse jornalista não teria como ter dado detalhes
“daquelas particularidades contadas pelo tenente Henrique Dias!327”. O desejo do Diário
de São Luiz não seria inocentar o tenente Henrique Dias mas queria entender se atuara
por conta própria ou por obedecer às ordens do governador, pois, na condição de imprensa
livre não agiria como os articulistas da Pacotilha que, ao término da entrevista que
325Ao “denunciar” o procedimento jornalístico dos jornais situacionistas como “parciais”, por conta de seus
vínculos com o governo estadual, Nascimento Moraes define como contraponto o procedimento de seu
jornal como pautado na “imparcialidade”, recorrendo portanto a uma ideia muito em voga nos discursos
jornalísticos de seu tempo: a “noção de objetividade”. Comentando a “noção de objetividade” muito em
voga na imprensa da Primeira República, Maria Helena Capelato faz uma consideração fundamental que
podemos utilizar para pensar os discursos tanto dos jornais “situacionistas” como da oposição, vejamos:
“O ‘pesquisador de notícias’ ou o ‘caçador dos fatos’ deveria pautar-se por critérios que determinassem
distanciamento do objeto. A isenção e a imparcialidade representavam padrões de comportamento a serem
seguidos no exercício da profissão. Dessa forma, constitui-se a imagem do jornalista como um sujeito
privilegiado, ‘cidadão acima de qualquer suspeita’, e a do jornal como repositório da verdade. Essa
pretensão dos representantes da imprensa, por um lado, permitia ocultar os interesses econômicos e
políticos mesclados no jornal e, por outro, impossibilitava a constatação de que os fatos são construções, e
não relatos precisos”. CAPELATO, op.cit, p.142. 326Operacionalizamos aqui com o conceito de “clientelismo” conforme utilizado por José Murilo de
Carvalho. Para esse autor: “De modo geral, indica um tipo de relação entre atores políticos que envolve
concessão de benefícios públicos, na forma de empregos, vantagens fiscais, isenções, em troca de apoio
político, na forma sobretudo de voto”. CARVALHO, José Murilo de. Mandonismo, coronelismo,
clientelismo: uma discussão conceitual. In: Pontos e bordados: escritos de história política. – Belo
Horizonte: Ed. UFMG, 1998, p.134. 327DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 27 de agosto de 1921, p. 3.
151
Urbano Santos lhes concedera, dissera não acreditar nas palavras do tenente Henrique
Dias, tomando, portanto, as palavras do governador como indiscutíveis e como a verdade
dos fatos. Outra questão colocada pelos representantes do Diário de São Luiz e que
enfatizarão com frequência é a exigência pela prisão do tenente Taurino Lemos que
assinara juntamente com Henrique Dias os dois telegramas ao governador nos quais
silenciavam os crimes. Além do tenente Taurino Lemos, o jornal oposicionista questiona
porque o subdelegado Sebastião Gomes que também silenciara sobre os crimes em seu
primeiro depoimento estava solto. Feitos esses questionamentos e dado o desenrolar das
investigações até então, escrevem:
[...] ficamos com o direito de acreditar que o que se está passando é uma
farsa, que visa apresentar o dr. Presidente do Estado como alheio aos
acontecimentos da Matta, que visa sacrificar o mandatário em proveito
do mandante, uma farsa obrigada pelo grito de alarma do
correspondente do “Diário de S. Luiz”, pelos seus insistentes despachos
denunciando o crime que ficaria, como muitos outros,
desconhecidos!328”.
Alguns pontos da citação acima vão ser recorrentes nos discursos de Nascimento
Moraes, como, por exemplo: a responsabilidade do governador pelos crimes; o fato de ter
sido o Diário de São Luiz quem dera divulgação dos crimes na Mata, que poderia entrar
para a lista dos crimes esquecidos.
Tendo em vista a proximidade do pleito eleitoral que ocorreria em 1 de setembro,
Nascimento Moraes, em seu editorial de 29 de agosto, trata do cenário político que
antecedia às eleições no Maranhão naqueles dias (provavelmente esse cenário fora
comum, pelo menos, durante toda Primeira República). Logo de início, afirma:
“Aproximasse o pleito eleitoral. Não há ordem, nem há garantias no interior do
Estado329”. Os “lamentáveis acontecimentos” na Mata seguiam com seus ecos “por todas
localidades, alvorotando as populações”. E, embora ainda se buscasse fazer os
levantamentos das responsabilidades pelos crimes na referida localidade, já chegavam
novas notícias sobre “desordem, de arbitrariedades, de reações dos perseguidos pelos
exatores da lei, e pelos planos do situacionismo delirante na posse de suas velhas
posições330”. Cita como exemplo notícias provenientes do Engenho Central, de Mirador,
São Vicente de Ferrer.
328DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 27 de agosto de 1921, p.1. 329DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de agosto de 1921, p. 1. 330DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de agosto de 1921, p.1.
152
Esse discurso é importante para nos ajudar a pensar os aspectos dos pleitos
eleitorais no Maranhão, que em regra geral era comum em todo Brasil da Primeira
República, como marcado por um contexto que deixava em aberto todas as possibilidades
para os grupos políticos em disputas nessas localidades, por conta das suas rixas políticas,
lançarem mão daquilo que poderíamos chamar aqui em termos conceituais de “ajuste
violento”. Esse conceito é utilizado por Sidney Chalhoub (1986) para analisar as rixas
entre agentes sociais das classes trabalhadoras do Rio de Janeiro, rixas essas que não raro
resultavam em práticas de violência nas ações desses agentes. Chalhoub especifica a
noção de rixa como: “[...] a situação mais ou menos prolongada no tempo e que levará ao
desafio e, finalmente ao conflito direto entre os contendores331”. Pensando, portanto, a
noção de rixa como uma espécie de preparação para o ajuste violento, no caso a
consumação da prática da violência, essa discussão de Sidney Chalhoub nos ajuda a
pensar o contexto político maranhense nas proximidades das eleições, a partir do cenário
descrito por Nascimento Moraes como uma situação na qual antigos desafetos ou recém-
inimigos políticos colocavam em prática seus desejos de violência.
Por outro lado, entendemos também que se deve levar em conta a questão das
disputas pelo voto nessas localidades. A despeito das ressalvas que alguns
autores332fazem quanto à relevância do voto num cenário político marcado pelo domínio
das oligarquias estaduais que tinham a hegemonia política em seus estados e controlavam,
portanto, todo processo eleitoral333, talvez a relevância do voto para as vitórias nas urnas
pudesse ser um ponto a não se descartar tendo em vista que podia encurtar caminhos para
a oligarquia hegemônica em não precisar ter que acionar seus correligionários da
Comissão de Verificação de Poderes. Ressalte-se ainda que, como bem lembra Surama
Conde Sá Pinto:
[...] Mas se o número de votos não era fator decisivo na diplomação dos
candidatos, alguma margem de votação estes atores tinham que ter para
chegar até essa fase334 – ainda que na base do bico-de-pena –, caso
contrário ficariam não só destituídas de valor e sentido as articulações
331CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim – O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro
da belle époque. São Paulo. Editora: brasiliense. 1986. P. 211. 332Um exemplo desses autores é Paul Cammack. Para uma análise das discussões desse autor quanto à
relevância do voto no sistema político brasileiro da Primeira República, ver: CRAVALHO, 1998, op.cit. 333Para uma análise das “fases” do processo eleitoral na Primeira República, ver: PINTO, op.cit, p.40-58. 334A 8ª e última fase no “processo eleitoral” na descrição da autora.
153
evidenciadas nas etapas anteriores como comprometida, em boa
medida, a legitimidade do sistema como um todo335.
Compreendemos, assim, que, embora talvez não fosse fator decisivo nesse
cenário, o voto servia, ou o controle do mesmo nessas localidades, para pelo menos se
manter laços de fidelidade política entre poderes locais e o governo estadual. No caso
maranhense percebemos no jornal Diário Oficial do Maranhão constantes publicações
de telegramas de correligionários do governador solicitando reforço policial em tempos
de eleições para manter a ordem no pleito, sempre ameaçada, segundo os situacionistas,
pela oposição. Portanto, se o voto não tinha relevância na decisão final, pelo menos,
reafirmamos, há evidências documentais de que seu computo deveria ser usado, a
despeito das formalidades, como uma forma de legitimação do pleito.
Sendo assim, após descrever as atuações dos situacionistas às vésperas das
eleições, Nascimento Moraes expõe um balanço da situação do domínio na política
maranhense (da época), cuja intenção discursiva336 provavelmente seria responsabilizar
o governador Urbano Santos pelos desmandos cometidos pelos seus pares políticos, pois,
Pelo que onde não está implantada a desordem, certo se radicou o medo!
Há muitos anos que o Estado não apresenta um aspecto tão desolador.
Foi preciso que o viesse governar o sr. Urbano Santos para que, de uma
vez por todas, na maioria das localidades, se extinguisse a ordem e se
eliminasse a justiça. Foi preciso que o sr. Urbano Santos viesse tomar o
governo as rédeas, para que o assassínio, roubo, o saque reinassem
fartamente por todo o Estado. E quando se diz que o pleito eleitoral não
será livre, quando se diz que s. exc. vai fazer pressão aos colégios
eleitorais por intermédio dos meios que tem ao seu dispor; quando se
diz que dentro desse terror não pode haver liberdade, os articulistas
oficiosos aparecem e gritam que o estadista maranhense é um nome
nacional, e que são os seus inimigos que lhe gritam o descrédito337.
Esse discurso expresso por Nascimento Moraes parece recorrer a uma estratégia
de comparar a administração do governador Urbano Santos com as anteriores, tendo como
marco basicamente o período republicano, para argumentar que aquele momento seria o
que apresentava as piores mazelas políticas e sociais. Um discurso como esse se torna
compreensivo em nosso entendimento, embora não se coloque aqui em questão a
335 PINTO, op.cit., p.59. 336Utilizamos essa expressão para analisar os “textos” de Nascimento Moraes, conforme sugerida por
Mikhail Bakhtin: “Em cada enunciado – da réplica monovocal do cotidiano às grandes e complexas obras
de ciência ou de literatura – abrangemos, interpretamos, sentimos a intenção discursiva de discurso ou a
vontade discursiva do falante, que determina o todo do enunciado, o seu volume e as suas fronteiras.
Imaginamos o que o falante quer dizer, e com essa ideia verbalizada (como a entendemos) é que medimos
a conclusibilidade do enunciado”. BAKHTIN, 2011, op.cit., p.281. 337DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de agosto de 1921, p.1.
154
veracidade de seus referentes (situação política e social), se tivermos em vista seu
contexto de enunciação338, pois, quando do domínio político de Benedito Leite,
Nascimento Moraes fazia basicamente as mesmas considerações críticas. Tendo em vista
as disputas políticas às quais Nascimento Moraes estava envolvido, o recurso a um tipo
de linguagem incisiva como a exposta acima, poderia ser fundamental quanto aos
objetivos em jogo: avaliar o governo de seu adversário político às vésperas das eleições
e expô-lo ao (e)leitor maranhense e nacional. Nesse sentido, insistimos na ideia de que se
não dava para vencer o adversário no pleito, dadas as circunstâncias já apresentadas,
talvez restasse a Nascimento Moraes, enquanto representante da oposição jornalística,
pelo menos vencê-lo no campo das disputas discursivas e minar sua imagem divulgada
pelos jornais situacionistas; uma vez que se tratava de um artigo jornalístico em resposta
aos discursos situacionistas que apontavam o governo de Urbano Santos como um dos
mais dignos de apreço na história política republicana no Maranhão.
Nascimento Moraes argumenta não poder calar ao que se “oferece
escandalosamente ao clamor público”. Conforme esse jornalista, a “grita” seria geral
contra o governador Urbano Santos, quer seja dos funcionários públicos (Moraes era um
desses), dos “representantes do comércio e da lavoura”, etc. O governo de Urbano Santos
segue sendo caracterizado por esse jornalista como uma administração na qual
preponderava: “[...] a irresponsabilidade das autoridades policiais, a falta de garantias, de
ordem, de respeito, de justiça, a falta de tudo que integra uma sociedade e vincula entre
si os indivíduos de uma coletividade339”. O Maranhão administrado por Urbano Santos e
visto a partir dos escritos jornalísticos de Nascimento Moraes, aparece, portanto, como
um governo no qual reinaria nas localidades (povoados) e cidades do interior maranhense
uma espécie de vazio jurídico, pois, as tais garantias dos direitos constitucionais expressas
na Constituição Estadual e que garantiam a “inviolabilidade da liberdade política e de
opinião, da segurança individual e de propriedade”, pareciam meras formalidades
jurídicas. Nos vários episódios de violências no interior do Maranhão, o governador só
teria tido uma atitude mais enérgica em buscar uma punição quando uma das vítimas fora
um de seus amigos que havia sido fuzilado em Santo Antônio e Almas, por um homem
de nome chamado Tito Silva. No caso da Mata, o erro do governador havia sido que, por
338Nesse sentido, aqui recorremos novamente às orientações do “Círculo de Bakhtin” quanto aos
procedimentos de análise de textos: “A situação e os participantes determinam a forma e o estilo ocasionais
da enunciação”. BAKHTIN, 1992, op.cit., 114). 339DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de agosto de 1921, p. 1.
155
pedidos de seus partidários, mandou que se armasse um “batalhão de mercenários” e
enviar uma tropa policial, que resultaram nos homicídios. Nascimento Moraes voltaria a
ter o tema da eleição como assunto em seu editorial do dia 31 de agosto, dia que antecedia
a eleição. Com um discurso basicamente de proselitismo político, tenta convencer o
eleitor da importância cívica do voto.
Nas páginas que seguem passamos a nos deter em outro momento importante do
nosso trabalho, que é a análise dos textos de Nascimento Moraes em relação ao conteúdo
dos inquéritos oficiais publicados pelo Diário Oficial do Maranhão, acerca dos
desdobramentos das investigações dos fuzilamentos na Mata. Nesse sentido, procedemos
ainda de forma seletiva em relação às matérias que apontam como os representantes do
Diário de São Luiz reagem aos referidos inquéritos, tal seleção se deve ao fato
basicamente de que, a despeito do número relativamente grande de matérias e telegramas
comentando o assunto, são constantes também as repetições de informações e
comentários de Nascimento Moraes nos editoriais.
3.4. O relatório dos inquéritos “oficiais” sob a análise “suspeita” do Diário de São
Luís
O relatório do Inquérito Oficial levado a cabo pelo major Augusto de Faria Bello,
publicado no Diário Oficial do Maranhão em sua edição do dia 13 de setembro (1921),
apresentando as responsabilidades pelos fuzilamentos basicamente ao tenente Antônio
Henrique Dias e ao sargento Ignacio da Costa e Souza, passa a ser objeto de discussão
nas páginas do Diário de São Luiz, tendo em vista o modo como fora feito e acusado de
parcialidade pelo órgão oposicionista. Conforme a imprensa governista, os representantes
do Diário de São Luiz exploravam os acontecimentos na Mata tendo como um de seus
objetivos ter assunto para venderem suas edições diárias. Entretanto, sem
desconsiderarmos aqui o aspecto comercial da notícia vinculada pelos jornais, e uma vez
que estes sendo uma empresa situada num sistema capitalista tinham por objetivo também
o lucro com as vendas de suas notícias, concordamos com o que Vavy Pacheco Borges
156
salienta em relação ao papel que a imprensa oposicionista340 exercia no contexto da
Primeira República: “[...] queria sobretudo fazer um proselitismo político341”.
Sendo assim, uma vez dado publicidade ao referido relatório oficial, Nascimento
Moraes, em editorial intitulado “Novos Horizontes” (14/9/1921), relembra algumas
versões sobre as primeiras informações do que estaria ocorrendo na Mata. Comenta que
enquanto partidários do governo faziam acusações a Manoel Bernardino e suas relações
com o desembargador Dioclides Mourão (PRM), que estariam organizando uma revolta
para tumultuar o pleito eleitoral de 1° setembro, Manoel Bernardino dava sua versão de
que se armara para se defender de seu desafeto Sebastião Gomes. Por conta dessas várias
versões, o governador teria enviado o major Augusto de Faria Bello para fazer inquérito
sobre o caso. Feitas essas considerações introdutórias, Nascimento Moraes diz que já se
começavam a questionar o referido inquérito, tendo em vistas as condições nas quais fora
feito:
O major Bello nada poude (sic) ver, por isso que lhe serviu de guia nas
pesquisas, o sr. José Lopes Pedra Sobrinho, que é pessoa
suspeitadíssima para a averiguação dos desmandos que ali foram
cometidos. Mas está aí o capitão Sebastião Gomes. O seu depoimento
esclarecerá tudo. Está errado, bradam de um grupo. O depoimento de
Sebastião Gomes, deve ser tido como suspeito, porque ele foi
companheiro dos tenentes Taurino Lemos e Dias, nas operações
praticadas naquele povoado342.
A crítica à participação de José Lopes Pedra Sobrinho e Sebastião Gomes, ambos
desafetos de Manoel Bernardino de Oliveira, e que auxiliaram a força policial do Estado
com seus paisanos armados, vão ser constantes nas avaliações desse jornalista para
questionar as conclusões do inquérito oficial. Nascimento Moraes segue fazendo seus
questionamentos, a nosso ver bem pertinentes, para tentar buscar esclarecimentos sobre
o que motivara as escolhas das quatro vítimas fuziladas:
Foram espingardeados quatro homens, declara o tenente Dias. Mas por
que e não cinco, e não seis, e não dez, e não vinte? Que caracteres
especiais tinham esses quatro homens? Quem os apontou a esses
homens à força para serem fuzilados? Os tenentes Taurinos Lemos e o
tenente Dias não conheciam os quatros sacrificados. Alguém os
340Embora a autora se refira aos jornais paulistas que pesquisara entendemos que essas considerações
podem ser apropriadas por nós para pensar/analisar o caso do Diário de São Luiz. 341BORGES, Op. cit, p. 29. 342DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 14 de setembro de 1921, p. 1.
157
distinguiu entre os outros prisioneiros. Quem é esse alguém? E por que
os distinguiu?343.
Para Nascimento Moraes essas indagações não poderiam deixar de serem feitas
por aqueles “que com atenção e imparcialmente acompanham a marcha dos
acontecimentos”. Reforçando as pertinências das indagações acima, Moraes salienta que
as tropas policiais do Estado haviam sido enviadas para o interior por solicitação dos
partidários do governador e foram estes os que receberam as praças, estas chegando ao
povoado encontraram Sebastião Gomes e José Lopes Pedra Sobrinho que já estariam de
prontidão para auxiliá-los.
Em nosso entendimento, essas indagações de Nascimento Moraes sugerem que os
quatro fuzilamentos se trataram de um “ajuste pela violência” praticado pelos agentes
governistas, tendo em vista que entre as vítimas estavam amigos de Manoel Bernardino
de Oliveira, além do que, conforme consta em informações na matéria “Echos da
revolução”, no Diário de São Luiz: “[...] Avelino (Almeida) um dos fuzilados, teve antes
uma questão com um protegido de José Lopes Pedra (Sobrinho); e como dizem que foi
(José Lopes) Pedra quem escolheu os que deviam ser executados, Avelino não
escapou344”. Outro fuzilado fora Francisco Gonçalves (vulgo Francisco Paca), filho de
criação de Maria Pereira Ramos (também conhecida como Maria Paca). Esta, era esposa
de Antônio Gonçalves, que era muito amigo de Manoel Bernardino de Oliveira, conforme
consta no depoimento de Maria Pereira Ramos345.
O relatório do major Augusto de Faria Bello é alvo das críticas de Nascimento
Moraes, dentre outros fatores, por aquilo que o jornalista diz ser suas “faltas
imperdoáveis”, ou seja suas lacunas. Esse vai ser novamente o assunto de seu editorial
intitulado “Os crimes da Matta”, dia 17 de setembro. Um dos primeiros pontos que pesa
como acusação ao referido relatório é a ausência (silenciamento) de referências às
denúncias de roubos e saques que as pessoas do povoado da Mata haviam sido vítimas.
Manoel Bernardino de Oliveira teve sua casa saqueada, assim como Maria Paca havia
denunciado que lhes haviam levado bens de sua propriedade. Para Nascimento Moraes:
“Ora, parece-nos que o major Augusto Bello que foi a Matta para o fim de apurar
responsabilidades de criminosos, mandantes e mandatários, devia tomar conta desses
343DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 14 de setembro de 1921, p.1. 344DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 6 de setembro de 1921, p. 2. 345DIÁRIO OFICIAL DO MARANHÃO, 22 de setembro de 1921, p.11.
158
miseráveis crimes. Mas nem uma palavra sobre eles!346”. De acordo com o jornalista, não
se podia acreditar que durante a estadia de Augusto Bello naquela localidade ninguém o
procurasse para se reclamar que tivera o lar saqueado. Sendo assim, Nascimento Moraes
pergunta qual será a postura do governo, se vai apurar essas denúncias ou não,
acrescentando também que era voz corrente “na Matta que cessando ali a ação do sr.
Sebastião Gomes, que por suas violências, aterroriza os habitantes do lugar, as provas dos
crimes até agora ocultas e desconhecidas, aparecerão347”.
As mesmas ressalvas quanto ao coletor fiscal José Lopes Pedra Sobrinho e ao
tenente Taurino Lemos, Nascimento Moraes faz em relação ao subdelegado Sebastião
Gomes, exigindo que o mesmo também fosse responsabilizado pelos fuzilamentos na
Mata.
Por conta dessas lacunas, Nascimento Moraes faz uma afirmação categórica
quanto ao relatório do major Augusto de Faria Bello, em seu editorial do dia 19/9, também
intitulado “Os crimes na Matta”, no qual o relatório do major ainda é objeto de análise:
O relatório do ilustre major Augusto Bello é uma peça que
absolutamente nada adianta no tocante ao caso da Matta. E assim sendo,
pode dizer-se que sob esse ponto de vista é uma peça inútil, porque em
nada auxilia à formação da culpa de quem quer que seja [...] Nesse
relatório não se encontra um só depoimento de moradores do lugar. É
para estranhar-se esse facto! Nem mesmo o desse homem em cuja casa
esteve em descanço e palestra o tenente Taurino Lemos!...348.
Caso tivesse procedido como sugere Nascimento Moraes acima, o major Augusto
de F. Bello poderia ter logo se perguntado por que o tenente Henrique Dias resolvera
mandar praticar os fuzilamentos, nesse sentido, deveria ainda questionar-se: “Quem eram
esses homens? Em que se ocupavam? Tinham ou não família? Onde moravam? Quais são
seus parentes?”. Contudo, o major Augusto de F. Bello não apresentava nenhuma
informação que respondesse as perguntas acima.
Além de não dar as informações sugeridas (exigidas) por Nascimento Moraes,
esse jornalista chama atenção para o fato do major Augusto Bello ter relatado não haver
encontrado os cadáveres no lugar onde haviam sido praticados os crimes, sendo “preciso
fazer, pesquisas mais sérias, para os encontrar”. Portanto, dada essa situação, Nascimento
Moraes entendia que: “Esse fato devia ter causado estranheza ao major Augusto Bello,
346DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 17 de setembro de 1921, p. 1. 347Ibid. 348DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 19 de setembro de 1921, p. 1.
159
que deveria ter refletido mais profundamente sobre ele. Se foi o tenente Dias quem
mandou fuzilar, quem na Matta poderia ter interesse em ocultar as provas?”349. Feito esse
novo questionamento, o redator-chefe do Diário de São Luiz comenta que à primeira vista
o relatório oficial até causaria uma boa impressão, mas se lido com atenção “manifesta
gravíssimos defeitos”. A publicação dos documentos sobre as investigações dos crimes
em questão teria para o jornalista da oposição o objetivo de “iludir a opinião pública”. O
fato do major Augusto de F. Bello relatar que havia sido o tenente Antônio Henrique Dias
o principal responsável pelos crimes praticados pelas tropas policiais na Mata, leva o
jornalista Nascimento Moraes a afirmar:
Há, porém, muita coisa mais que surpreende e faz pasmar. Diante desse
escandaloso simulacro de justiça pública, para se condenar somente
aquele que fez declarações contra o governo, manifestará depois de
completamente praticado um dos aspectos característicos do governo
do Estado350.
Ou seja, conforme sugere, a partir das suas suspeitas de parcialidade no relatório
do major Augusto Bello, o alvo seria o tenente Henrique Dias devido às suas declarações
referentes ao governador maranhense. Esse posicionamento de Nascimento Moraes
parece ter como intenção discursiva colocar em questão aquilo que era visto como a
versão oficial dos governistas em relação aos fuzilamentos na Mata, tendo em vista que
no referido relatório não fora contemplado nomes considerados pela oposição como
partícipes e coniventes com os crimes, dentre os tais destacavam-se: o de Sebastião
Gomes, do tenente Taurino Lemos, e do coletor de imposto José Lopes Pedra Sobrinho.
Quanto ao fato de que o tenente Taurino Lobão Lemos ainda estava solto, o Diário de
São Luiz351 já havia colocado em circulação em suas páginas que um dos possíveis
motivos (supunham) seria que esse tenente estava solto para evitar que, uma vez preso
pudesse confirmar as declarações do tenente Henrique Dias, portanto, a sua liberdade
tratava-se de uma compra de seu silêncio.
Novamente o relatório do major Augusto de F. Bello seria o tema da discussão de
Nascimento Moraes em seu editorial do dia 20 de setembro, intitulado (novamente) “Os
crimes da Matta”. Reforçando algumas desconfianças e tecendo outras considerações, o
jornalista inicia seu texto (re)afirmando: “Ainda não está devidamente apurado o caso da
349DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 19 de setembro de 1921, p.1. 350Ibid. 351DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 9 de setembro de 1921. P. 3.
160
Matta352”, pois o “relatório” em questão “É lacunoso quanto aos detalhes, e ainda mais
lacunoso quanto aos fatos”. A primeira evidência (re)apresentada pelo jornalista se refere
ao fato de não ter relatado quem era o comandante das tropas oficiais que foram enviadas
para o povoado da Mata. Essa exigência de Moraes parece visar justamente chamar
atenção para a responsabilidade do tenente Taurino Lemos, pois era quem comandava as
tropas policiais. Se o major relatasse esse fato, contribuiria para se entender quais seriam
as responsabilidades de cada tenente.
Nascimento Moraes, então, pautado em um discurso de objetividade expõe o que
entende por relatório, citemos: “Entende-se relatório a narração metódica e racional de
um fato. E assim sendo quem relata deve colocar cada indivíduo envolvido no delito ou
no caso em questão, em seu lugar353”. Ao recorrer à estratégia discursiva de falar em nome
de uma certa objetividade na “narração metódica e racional de um fato”, Nascimento
Moraes aponta os aspectos parciais do relatório do major Augusto Bello. Por outro lado,
apresenta sua análise como se obedecesse aos princípios de objetividade, tentando,
portanto, escamotear que mesmo seus discursos expressavam seus princípios político-
partidários, suas leituras dos acontecimentos na Mata eram filtradas a partir desses
interesses, o que, entretanto, não significa desconsiderar a possibilidade da veracidade
dos seus relatos.
Nesse sentido, esse ponto pode ficar mais perceptível se seguirmos seu argumento
acerca das hierarquias das responsabilidades, uma vez que de acordo com sua noção de
relatório (“narração metódica e racional de um fato”), colocar cada envolvido no seu
devido lugar ajudaria a investigar sua responsabilidade nos acontecimentos da Mata.
Outra crítica feita por Nascimento Moraes ao major Augusto Bello refere-se ao fato de
em seu relatório ter se limitado a relatar dos depoimentos das praças que foram à Mata
apenas o que disseram acerca dos tiroteios no Bananal, pois, para esse jornalista: “Esses
soldados podiam e podem contar o que viram, o que ouviram, o que verificaram nesses
dias que passaram no povoado e suas circunvizinhanças. Porque limitar o seu depoimento
apenas ao tiroteio do bananal354?”. Essa consideração de Nascimento Moraes se reforçaria
principalmente porque haviam chegado novas notícias de que houvera mais mortes355,
352DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 20 de setembro de 1921, p. 1. 353Ibid. 354Cabe ressaltar que, como vimos acima no segundo capítulo, esse “episódio” dos tiroteios fora inventado
para tentar justificar as mortes como sendo casuais. 355Como vimos no segundo capítulo essas notícias de que houvera mais mortes além dos quatro fuzilados
não foram comprovadas pelas investigações do delegado geral Costa Gomes e, posteriormente os próprios
correspondentes do Diário de São Luiz lhes informaram que não passavam de “boatos”.
161
estas teriam sido praticadas pelo pessoal de Sebastião Gomes. Conforme chegavam
notícias, o povo da Mata ainda estaria sob terror e sem poder falar sobre os
acontecimentos, pois enquanto José Lopes Pedra Sobrinho, homem temível naquela
localidade, continuasse por lá, “cobrando impostos, acompanhado de homens armados de
rifles, ninguém será capaz de dizer o que sabe”.
Ao comentar que a população estava sendo coagida com ameaças para não falarem
o que sabiam, Nascimento Moraes acusa o governador por não tomar nenhuma atitude,
pois só queria apontar como responsável o tenente Henrique Dias. Desse modo, questiona
o jornalista:
Se o tenente Taurino Lemos comandante da força está em liberdade; se
o capitão Sebastião Gomes não tem responsabilidade alguma e aparece
dentro do cenário como acusador; se assim é, como esperar que se faça
integral justiça? Como esperar que o governo do Estado procure
responsabilizar por seus desmandos os que roubaram os lares dos
pobres, os que saquearam a propriedade alheia e os que não contentes
com os roubos ainda destruíram o que puderam?356.
Colocada suas dúvidas quanto à justiça que se estava fazendo, Nascimento Moraes
acrescenta em tom de denúncia a situação vivenciada por essa população que parece
apontar novamente para uma situação de “vazio jurídico”, no qual as já citadas garantias
constitucionais não tinham efetividade no cotidiano desses sujeitos: “Desgraçada
condição de uma terra em que se verifica não haverem garantias! Miserando aspecto de
um Estado em que os que tem a obrigação de zelar pelo destino do povo são os primeiros
a desprezá-los, porque a politicagem está para eles acima dos interesses legítimos da
população357”.
Pelo exposto nesse editorial, com ênfase para as denúncias salientadas, nota-se
novamente uma questão que passara a ser corriqueira nos discursos de Nascimento
Moraes: uma espécie de campanha para que o tenente Taurino Lemos, Sebastião Gomes
e José Lopes Pedra Sobrinho também fossem responsabilizados e submetidos a
julgamento pelos crimes de fuzilamentos, por conta das razões já apresentadas. O
governador Urbano Santos, assim como o relator do inquérito Augusto de F. Bello,
também seriam alvos das críticas Nascimento Moraes nos editoriais seguintes, ambos
acusados de conivência.
356Ibid. 357Ibid.
162
Em editorial do dia 28 de setembro, intitulado “Os crimes da Matta”, o assunto
passara a ser a ida do delegado geral Costa Gomes para apurar as notícias de novos crimes.
Uma primeira ressalva do jornalista se devia ao fato do delegado geral não ter levado
ordens para apurar as denúncias de saques das populações da Mata possivelmente
praticados pelo pessoal armado por Sebastião Gomes. A pedido do desembargador
Dioclides Mourão, o governo iria mandar “distribuir aos lavradores os instrumentos que
lhes foram tirados”. Esse fato seria uma evidência para Nascimento Moraes de que os
saques haviam ocorridos e não seriam boatos como divulgara a imprensa governista. Esse
jornalista se questiona porque, dadas as acusações contra Sebastião Gomes como
responsável pelos saques, o governador ainda o protegia. Por uma dessas e outras,
Nascimento Moraes comenta que por mais que se procurasse acreditar na boa vontade do
governador de “entregar todos os criminosos à ação da justiça, vem os fatos e gritam
contra a palavra de S. Exc.”. E, portanto, escreve:
Ninguém mais duvida da parcialidade do governo do Estado!... O caso
do capitão Sebastião Gomes é desses que não deixam dúvidas no
espírito de quem quer que seja. Além de haver, a princípio escondido,
com o tenente Taurino Lemos, os quatro fuzilamentos; além de
seriamente acusado por Manoel Bernardino e Maria Paca, está já
provado que ele se armara contra Manoel Bernardino, antes de receber
ordens do sr. Presidente do Estado358.
Podemos acrescentar que os desdobramentos dos acontecimentos na Mata, os
julgamentos do tenente Henrique Dias e do sargento Ignácio da Costa e Souza, dariam
razões para as suposições do jornalista Nascimento Moraes. Sendo assim, passamos para
a análise de seus textos sobre os referidos julgamentos.
3.5. Enfim, as notícias do Julgamento do tenente Henrique Dias na imprensa
maranhense: a “cobertura” d’O Jornal e a fala do Diário de São Luiz
As matérias d’O Jornal, quanto aos resultados do Julgamento do tenente Henrique
Dias, se limitara basicamente a publicar um telegrama de Augusto de Faria Bello enviado
ao governador Urbano Santos informando-o da absolvição do tenente Antônio Henrique
Dias. Nesse telegrama de repúdio a tal absolvição constam as assinaturas de: Tenente
Coronel Bello, major Ulisses, capitão Nogueira, tenente Souza, tenente Sampaio, tenente
358DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 28 de setembro de 1921, p. 1.
163
Gaudêncio, tenente Taurino. Com as novas declarações do tenente Henrique Dias, em seu
Auto de defesa, O Jornal passara a utilizar suas palavras para reforçar seu discurso de
que as acusações ao governador foram invenção da oposição raivosa que o influenciara a
fazer as declarações caluniosas sobre o governador. Sendo assim, passamos a leitura do
Auto de defesa do tenente Henrique Dias.
Quando da chegada ao dia de seu julgamento, o tenente Antônio Henrique Dias
apresentou ao Júri uma espécie de autodefesa na qual relatava novamente sua atuação nos
acontecimentos da Mata e, talvez principalmente para as circunstâncias em que se
encontrava, negava o que dissera acerca das ordens que o governador Urbano Santos teria
lhe dado. Tendo em vista que esse tenente reproduz algumas das informações que já dera,
como por exemplo: quanto ao dia em que foi chamado ao Palácio pelo governador, após
as notícias de revolta na Mata; a chegada das tropas policiais à Mata, praticando algumas
prisões de alguns “cangaceiros”, inclusive, afirma, quatro dos “mais perigosos”, etc. No
decorrer destes relatos, afirma o tenente Dias: “Como Epaminondas, tenho aversão à
mentira, costumo dizer a verdade, seja embora contra a minha própria pessoa359”. As
palavras verdade e mentira são corriqueiras nesses discursos, como temos visto, sempre
o emissor do discurso atribuindo a si a posse da primeira, por outro lado, o adversário
seria o responsável pela segunda.
Exposta sua aversão à mentira, o tenente Henrique Dias segue falando de si, de
seus bons serviços prestados no Exército brasileiro durante 20 anos, citando documentos
que comprovaria sua conduta exemplar. Já faziam seis anos que era oficial do Corpo
Militar do estado maranhense, tendo desempenhado várias missões pelo Estado. Feitas
essas informações, Henrique Dias se refere às declarações que fizera ao Diário de São
Luiz:
A declaração que fiz na Capital, após minha detenção, sob o fato de ter
a força publica praticado, na Mata, fuzilamentos, de ordem do Exmo.
Senhor Dr. Presidente do Estado, foi arrancada por insistentes
conselhos de adversários políticos do Governo, que prevalecendo-se da
minha aflição do momento, diziam-se, falsamente, que só por meio de
semelhante delação eu me salvaria [...]360.
Uma vez influenciado pela oposição aproveitadora, acrescenta o tenente:
359O JORNAL, 1 de novembro de 1921, p. 1-2. 360Ibid, p. 2.
164
Foi assim, que desalentado, atordoado pelo inesperado de uma prisão e
capciosamente aconselhado, atirei à individualidade moral do Exmo.
Sr. Dr. Presidente do Estado a responsabilidade dos fuzilamentos
ocorridos na Mata [...] Foi assim que irrefletidamente, pela vez primeira
na minha vida pratiquei uma leviandade, e da qual arrependidíssimo,
me venho retratar361.
O tenente Henrique Dias, portanto, apresenta o que a nosso ver pode ter sido o seu
“trunfo”: negar suas declarações que responsabilizavam o governador como mandante
dos fuzilamentos. Entretanto, embora sugira que fora influenciado pelos opositores do
governador Urbano Santos, entenda-se Nascimento Moraes e os membros do PRM, o
tenente não especifica os nomes de quem seriam esses exploradores do seu “estado de
aflição”. Essa ressalva é importante porque os articulistas d’O Jornal e da Pacotilha vão
dizer que o tenente Henrique Dias havia desmascarado a farsa da oposição. Saliente-se
ainda um fato importante nessa questão que é a forma como se dá esse jogo de apropriação
dos discursos emitidos pelo tenente Henrique Dias pela imprensa governista: o mesmo
tenente que passara a ser visto por essa imprensa como mentiroso, caluniador, assassino,
bastou negar o que disse sobre o governador, esse “homem de carreira política” ilibada
como defendera O Jornal, para que suas palavras voltassem a figurar no rol das que
ganhariam o qualificativo de verdadeira. Por ter reconhecido seu erro, Henrique Dias diz-
se confiante na clemência do Júri.
Ao pedir clemência ao Júri, após confessar seu erro em acusar o governador, e
durante toda leitura que podemos fazer do Auto de defesa do tenente Henrique Dias,
parece ficar claro que para o tenente seu crime havia sido as acusações ao governador,
deixando em segundo plano os quatro fuzilamentos praticados pelas tropas que
comandava. Em nosso entendimento, essa suposição sustenta-se a partir das evidências
apresentadas em seu Auto de defesa, principalmente devido ao fato do tenente reforçar a
ideia de que Manoel Bernardino e sua “horda de bandidos” tinham como objetivo fazer
incursões à pacata cidade de Codó, com pretensões de praticar massacres e, portanto,
afirma categoricamente Henrique Dias, apelando inclusive para a sensibilidade do Júri,
pois havia salvo seus queridos entes familiares:
Mandei fuzilar, é verdade; mas mandei fuzilar bandidos que
impiedosamente vos ameaçaram na propriedade e na preciosa vida! Por
vós, meus ilustres julgadores, por vossas queridas esposas, por vossas
idolatradas filhas, por vossos venerandos progenitores, por vossos caros
parentes e por vossos amigos, deslembrando-me da minha família,
361O JORNAL, 1 de novembro de 1921, p.2.
165
desprezando a minha doce vida, internei-me pelo sertão, desbaratei os
agrupamentos aguerridos, extingui a sedição da Mata362.
Embora negue as declarações contra o governador, aqui o tenente Henrique Dias
parece ter um ponto de vista em comum com o que dissera o governador Urbano Santos
em sua entrevista à Pacotilha, seus discursos parecem expressar sentidos de um universo
discursivo no qual era muito corriqueiro o ajuste pela violência363 nas relações sociais
desses agentes cuja subjetividade estava sendo construída, pautada numa cultura política
na qual o recurso à violência era um dispositivo acionado com frequência pelas
autoridades em relação ao tratamento que se devia dá aos “bandidos”, conforme diziam,
“cangaceiros” que causavam desordens no “sertão”: o tratamento à bala. Baseado nessa
lógica moral (cultural) que recorria com uma certa banalidade ao ajuste pela violência, o
tenente apresenta um discurso de reconstrução de sua imagem de vilão (pelas declarações
contra o governador) para a de herói, uma vez que livrara as pessoas (parentes, amigos)
ligadas ao Júri de possíveis ataques dos “sediciosos da Mata”. Esse aspecto da banalidade
em seu discurso é possível ser percebido novamente, ao tentar justificar os fuzilamentos,
quando o tenente indaga o Júri em tom de uma certa ameaça quanto ao resultado de sua
(do Júri) decisão sugerindo ainda que este deveria escolher entre duas opções, vejamos:
Terei sido cruel, assim procedendo? Diz-me a consciência que não: pois
que para os grandes males se aplicam fortes remédios, como diz o velho
prolóquio. Ponderai bem sobre esses fatos e proclamai minha
absolvição, porque se condenardes-me darei ganho de causa ao
banditismo que vos aterroriza e desonra. Absolvendo-me, pagar-me-eis
conscienciosamente, os serviços que vos prestei com sacrifício da
minha liberdade, porque sacrificando-me por esse modo imolei-me para
vossa segurança paz e tranquilidade e de vossas famílias, por longos
anos364.
Uma vez negado suas declarações sobre o governador, talvez, insistimos, para o
tenente isso teria se configurado como seu único crime e, provavelmente, como vai
defender a oposição, seria por ele que estava ali no Júri, Henrique Dias reforça o discurso
362O JORNAL, 1 de novembro de 1921, p.2. 363Maria Isaura Pereira de Queiroz, em seu texto “O coronelismo numa interpretação sociológica”, no qual
analisa as “características” do coronelismo na Primeira República, chama atenção para essa noção de
“ajuste violento” como um dos aspectos desse período, contudo, como bem ressalta a autora o recurso ao
“ajuste violento” não se restrinje à Primeira República. Citemos: “A naturalidade com que sempre se
recorreu ao ‘ajuste violento’ para com o inimigo mostra como ele foi realmente habitual na sociedade
brasileira”. QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. O coronelismo numa interpretação sociológica. In:
História da Civilização Brasileira (direção Boris Fausto). O Brasil Republicano, Tomo III. 1° volume –
Estrutura de Poder e Economia (1889-1930). 2ª edição. Difel, São Paulo. 1977. P.170. 364O JORNAL, 1 de novembro de 1921, p.2.
166
de não ter procedido de forma errada quanto aos fuzilamentos, colocando o Júri de forma
estratégica na missão de escolher entre a ordem e o banditismo. Após apelar para os
sentimentos familiares do Júri, o tenente se coloca, então, como vítima, tendo em vista
que deixara o seio familiar para se embrenhar nos “sertões maranhenses” à procura de
“bandidos perigosos”, tudo para a “segurança e paz” dos familiares do Júri e demais
pessoas da população maranhense. Feitos esses apelos, o tenente Henrique Dias encerra
solicitando a clemência do Júri, apostando nos seus sentimentos de “humanidade e
caridade cristã”, bem como, também recorrendo aos seus “direitos civis” nos artigos do
Código Penal.
Passamos nas páginas seguintes a analisar como o Julgamento do tenente
Henrique Dias fora noticiado pela imprensa oposicionista.
Em sua edição do dia 27 de outubro, em matéria intitulada “Os crimes da Matta”,
os articulistas do Diário de São Luiz publicam um telegrama que lhes fora enviado por
seu correspondente da cidade de Codó informando-os que o tenente Henrique Dias havia
sido absolvido, em julgamento do dia anterior. O “júri popular”, conforme informa o
referido telegrama, havia sido “composto exclusivamente por pessoas dependentes dos
interessados na absolvição, sendo a maioria formado por empregados da Fábrica do
Codó365”. O resultado desse julgamento levava o correspondente do Diário de São Luiz a
afirmar que: “[...] coloca o Presidente Urbano (Santos) na posição de responsável pelos
crimes, visto ser obra de seus correligionários”. Sendo assim, o correspondente do jornal
oposicionista encerra seu telegrama falando em “indignação pública” com a absolvição
do tenente Henrique Dias. Ao dia seguinte, 28 de outubro, o Diário de São Luiz publica
outro telegrama enviado de Codó, no qual seu correspondente volta a falar da absolvição
do tenente Dias reforçando algumas colocações já expressas, mas trazendo como uma
“novidade” o fato de que com a absolvição do tenente, seus amigos comemoravam a
decisão do júri, inclusive, escreve: “[...] no momento que escrevo estrugem centenas de
foguetes. Ouve-se corneta tocando alvorada366”.
A par das notícias acima, Nascimento Moraes comenta, em editorial do dia 29 de
outubro intitulado “O Julgamento”, o que seria o ponto de vista do Diário de São Luiz
quanto ao assunto em questão. Logo de início, reforça o discurso de que causara “pasmo”
na cidade de São Luís as notícias da absolvição do tenente Henrique Dias, do sargento
Ignácio da Costa e Souza e “as demais praças que fizeram parte da escolta de
365DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 27 de outubro de 1921, p. 3. 366DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 28 de outubro de 1921, p. 1.
167
fuzilamento367”. O caso da absolvição dos envolvidos nos crimes na Mata estaria sendo
o assunto “predileto” das “rodas sociais”. Segundo Nascimento Moraes havia uma certa
impressão pelos desdobramentos do caso porque esperava-se a condenação do tenente
Henrique Dias, pois, conforme o jornalista:
E esperavam porque ele (Dias) ousou declarar que a força espingardeara
quatro homens, porque tinha ordens para fazê-lo, e o sr. Urbano Santos
não lhe perdoaria essa palavra terrível que ecoou como um dobre por
todo o país, palavra terrível que denunciou o austero político
maranhense como um discípulo adiantado de uma época partidária em
que todos os defeitos e mais um eram poucos!368.
Portanto, para Nascimento Moraes seria presumível que o governador Urbano
Santos não deixaria passar em branco o que o tenente Henrique Dias havia declarado a
seu respeito. Nesses termos, o jornalista faz umas considerações que são fundamentais
para compreendermos porque no seu entendimento seria de se esperar, caso o governador
de fato estivesse interessado na punição do tenente Henrique Dias como havia prometido
ao Presidente Epitácio Pessoa e aos demais correligionários (para não falarmos em
opinião pública), que este tenente fosse condenado, vejamos:
E como poderia o sr. Urbano Santos influir para que o sr.tenente Dias
fosse absolvido ou condenado? Neste país nosso, e especialmente no
nosso Estado, a politicagem chegou a cometer erros, violências tantas
que ninguém duvida que ela possa influir no Juri. E depois sendo o
elemento político dominante no Codó o que é chefiado pelo dr. Urbano
Santos, ainda mais se arraigava essa convicção. Mas...contra a
expectativa geral, o telegrafo nos anuncia que o tenente Henrique Dias
foi absolvido369.
Nascimento Moraes, conhecedor das práticas políticas de seu Estado, toca num
aspecto central dos procedimentos do Judiciário maranhense de seu tempo: a conivência
com os crimes quando se tratava de partidários, bem como a possibilidade de intervir em
tais processos de acordo com seus interesses em jogo. Para o jornalista, não havia dúvidas
que, caso fosse do interesse do governador a condenação do tenente Henrique Dias, não
teria sido difícil para ele influenciar nas ações do Júri de Codó, pois, eram seus partidários
os que dominavam a política naquela cidade. Ao apresentar algumas questões que eram
apresentadas como os motivos da absolvição, Nascimento Moraes diz que uma primeira
367DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de outubro de 1921, p. 1. 368Ibid. 369Ibid.
168
resposta teria sido o fato do tenente Dias ter negado o que dissera sobre o governador,
pois, como vimos, esse tenente alegara em sua autodefesa que havia sido influenciado por
adversário políticos do governador a fazer as declarações que incriminavam Urbano
Santos; outros afirmavam que, dada a conivência das autoridades de Codó, pois teriam
participado da atuação das tropas policiais na Mata, haviam absolvido o tenente mesmo
a contragosto do governador; por outro lado, Nascimento Moraes argumenta que teria
uma terceira explicação: o júri tendo percebido que o governo protegia Sebastião Gomes
e José Lopes Pedra Sobrinho, assim como o tenente Taurino Lemos, “o povo resolveu ter
um gesto de maior Justiça – absolveu o tenente Henrique Dias!!”. Contudo, Nascimento
Moraes entendia que muita coisa ainda deveria ser esclarecida, uma vez que as versões
acima se tratavam de esclarecimentos preliminares e, para o jornalista: “Precisamos de
mais de perto lançar luz sobre esse fato verdadeiramente singular”370.
Nessa mesma edição do Diário de São Luiz, em uma matéria com a denominação
de “O ten. Henrique Dias”, os representantes desse jornal se defendem quanto ao que
dissera os jornais governistas O Jornal e A Pacotilha que o tenente Henrique Dias havia
dito que suas declarações ao jornal da oposição fora resultado de que adversários do
governo teriam se aproveitado de seu “estado nervoso” para lhe influenciar a dar as
referidas declarações contra Urbano Santos. Após essas acusações, os representantes do
Diário de São Luiz dizem ter enviado um telegrama ao tenente Henrique Dias solicitando-
lhe que explicasse o que os jornais governistas haviam publicado, mas o tenente Henrique
Dias acabou por não responder ao telegrama do órgão oposicionista.
O Diário de São Luiz novamente se defende das acusações acima, alegando que o
tenente Henrique Dias em seu “auto de defesa” não cita ninguém nominalmente desse
jornal como sendo o responsável por suas declarações no referido jornal. Nesse sentido,
questiona quais seriam os motivos que teriam levado o tenente Henrique Dias a silenciar
em seu “auto de defesa” sobre Sebastião Gomes e Taurino Lemos que não o haviam
poupado nas acusações. Desse modo, esse jornal encerra a matéria com uma conclusão
lapidar acerca do tenente Henrique Dias e de outros aspectos que envolviam os
acontecimentos na Mata, bem como a certeza de que a impunidade e tudo o que cercara
os fuzilamentos entraria para o rol dos esquecimentos:
O tenente Henrique Dias só tinha um caminho a seguir – era negar o
que antes havia afirmado! E negou, negou a pé firme, sem comprometer
370DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 29 de outubro de 1921, p.1.
169
a ninguém, porque lançou vagamente uma acusação que não fere
individualmente a ninguém! Haverá por ventura, quem não veja
claramente a situação do tenente Henrique Dias, diante do júri da terra
do comandante Magalhães Almeida? Parece-nos que não. Tudo está
consumado. Notificaram-se na Matta 4 mortes. Morreu mais alguém?
Mistério insondável velou os túmulos. Os mandatários estão soltos. Os
mandantes confundiram-se no mistério, e tudo ficou como dantes.
Amanhã – ninguém mais falará nisso371.
Em termos de considerações finais em relação à leitura que Nascimento Moraes
fizera acerca do julgamento dos envolvidos nos fuzilamentos dos quatro homens
vitimados, poderíamos dar a palavra novamente ao jornalista para compreendermos o
desfecho de tais julgamentos praticados por correligionários do governador Urbano
Santos. A partir de um texto escrito por esse jornalista quase um ano antes dos
acontecimentos na Mata, cujo título sugestivamente é “O Favor Oficial”, no qual o tema
básico era a atuação dos partidos políticos da época bem como das questões partidárias,
podemos ter uma noção dos fatores que levaram às absolvições acima. Esse editorial fala
também do que seria o surgimento de uma “criatura”: o favor oficial. Ao descrever a
função dessa criatura, Nascimento Moraes nos apresenta uma questão muito corriqueira
na cultura política de sua época (e bem atual) e que pode explicar o julgamento:
É por intermédio deste figurão que os partidos adquirem as graças do
governo, que se conseguem prebendas, que defendem interesses, que se
encaminham aspirações, que se protegem simpatias, que se perseguem
desafetos, que se adquirem empregos, que promovem demissões, que
aproximam canhestros, que se afastam competições, que se infamam
caracteres, que se absolvem criminosos, que se forgicam (sic)
prevenções, que se enfraquecem resistências, que se cometem absurdos,
que se praticam iniquidades372.
Portanto, esse possivelmente fora alguns dos fatores que, senão o principal fator,
contribuíram para que os crimes de fuzilamentos praticadas pelas tropas policiais do
Estado ficassem impunes, entrando, apenas, para as páginas dos jornais da época como
(mais) um dos acontecimentos cujo desfecho resultaram em mais um dos massacres do
período republicano praticados com a conivência dos poderes públicos. E, como bem
ressaltou Giniomar Ferreira Almeida (2010), os criminosos além de saírem impunes ainda
tiveram suas promoções: o tenente Henrique Dias fora alçado a um posto mais alto na
371DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 3 de novembro de 1921, p. 1. 372DIÁRIO DE SÃO LUIZ, 11 de dezembro de 1921, p. 1.
170
hierarquia militar, e o então governador Urbano Santos ainda sairia vitorioso nas eleições
presidenciais de 1922, não ocupando o cargo porque falecera em maio daquele ano.
171
Considerações finais... dois “maranhões”: um dos discursos situacionistas e o outro
da oposição...
Ao longo de nossa pesquisa para o presente trabalho que agora damos publicidade
ao leitor, o contato com as fontes, as leituras de textos sobre a política brasileira na
Primeira República, bem como de textos de teoria da História e orientações para pesquisa
historiográfica, tentamos evitar na medida do possível alguns pecados capitais na escrita
historiográfica, com destaque aqui para um específico: o anacronismo. Contudo,
percebemos que estudar a política maranhense na Primeira República, pelo viés da escrita
de um jornalista que fazia oposição ao governador Urbano Santos, então chefe da política
maranhense, parece ter me colocado em alguns momentos numa situação “terrível” de
“síndrome da observação participante”, dadas as permanências que vigoram nos dias de
hoje de vários aspectos da “cultura política” daquela época.
Por outro lado, percebemos que a História Política e as atuações dos intelectuais
na Primeira República podem se configurar como temas inesgotáveis para as pesquisas
na área da historiografia maranhense. Nesse sentido, nosso trabalho se apresenta como
uma possível contribuição para historiografia local quanto aos estudos da atuação desses
intelectuais (em nosso caso Nascimento Moraes) e suas análises da política de seu tempo.
Embora saibamos que as fontes para esse tipo de pesquisa podem ser as mais variadas,
entendemos que os jornais são fundamentais em tais pesquisas principalmente aqueles
diretamente relacionados aos partidos políticos, pois expressam discursos políticos e
oferecem um arsenal de informações quer seja sobre seus partidários ou mesmo contra
seus opositores. Ressalte-se ainda que, como vimos no primeiro capítulo, os jornais se
tornaram um espaço de atuação para os intelectuais maranhenses divulgarem suas
produções literárias, para exporem seus posicionamentos políticos (pró ou contra os
grupos políticos da época), enfim, um espaço de sociabilidade e divulgação de ideias.
Nesses termos, Nascimento Moraes através de sua escrita foi nosso principal
informante das práticas políticas de seu tempo. Os discursos desse jornalista (professor e
literato) sobre os acontecimentos na Mata colocados em circulação pelo jornal Diário de
São Luiz serviram para nós como evidências documentais para analisarmos como esse
jornalista compreendia esses acontecimentos à luz do domínio oligárquico chefiado por
Urbano Santos, a partir é claro de seus princípios político-partidários. Percebemos que os
fuzilamentos na Mata praticados pelas tropas policiais contra agentes sociais ligados ao
lavrador Manoel Bernardino de Oliveira e que não haviam praticado crime algum a não
172
ser serem amigos desse lavrador e por isso se tornarem alvo do mesmo ódio que os
desafetos de Bernardino nutriam por este lavrador, pelas razões já apresentadas, e todo
desdobramento desse acontecimento no contexto político em questão, nos pareceu um
ponto de destaque na campanha de oposição praticada por Nascimento Moraes.
O governador Urbano Santos já vinha sendo alvo das críticas desse jornalista,
sendo assim, os acontecimentos na Mata nos pareceu um dos momentos de maior
destaque naquele ano (1921) para um jornalista que cotidianamente denunciava em seus
artigos jornalísticos um governo que a seu ver seria um dos mais desastrosos em termos
econômicos e sociais para o Maranhão até aquele período da República. Desse modo, ao
compararmos o Maranhão dos discursos situacionistas com o Maranhão descrito nas
páginas jornalísticas de Nascimento Moraes percebemos uma discrepância significativa.
Notamos que os constantes elogios dos jornais situacionistas apresentavam o
governador como um político ilustre, administrador competente, como poucos que o
Maranhão tivera até então, some-se a isso também, o fato de ser pela segunda vez
escolhido pela chapa oficial para ser o candidato à vice-presidência, após os acordos
estabelecidos pelas oligarquias hegemônicas de São Paulo e Minas Gerais que escolheram
o mineiro Artur Bernardes para concorrer à presidência nas eleições de março de 1922.
Nesse sentido, conforme os discursos dos situacionistas, esse agente político (Urbano
Santos) jamais deveria ser responsabilizado pelos fuzilamentos praticados pelas tropas
policiais, como propagava caluniosamente a oposição.
Para não repetirmos alguns pontos das matérias dos jornais situacionistas sobre o
governo de Urbano Santos (1918-22), deixamos para essas considerações finais uma ideia
que o próprio governador apresentou sobre seu governo e da situação do Maranhão da
época de sua administração. O jornal A Pacotilha publicou outra entrevista que dera o
governador maranhense, então candidato à vice-presidência, dessa vez para o jornal a
Folha do Rio de Janeiro cujo principal assunto era o momento político e as eleições de
março (1922). Após afirmar sua certeza da vitória de sua chapa (Artur Bernardes-Urbano
Santos), considerando que os votos no Maranhão seriam esmagadoramente para sua
chapa, ao governador maranhense é feita a indagação para que fale de seu projeto de
governo colocado em execução no Maranhão, ao que o governador responde:
173
Tenho prazer em poder afirmar que parte desse programa, e não
pequena, está realizada. A outra parte tem sua realização já iniciada. O
governo está felizmente aparelhado para a execução dos demais. Nestes
dois anos em que tenho exercido o governo tem sido minhas principais
preocupações a rápida e regular arrecadação das rendas, a severa
aplicação dos dinheiros públicos, o aparelhamento dos elementos
necessários à perfeita manutenção da ordem, o desenvolvimento da
agricultura e pecuária, a valorização dos nossos produtos de exportação,
a facilidade das comunicações, a higiene, a instrução pública373 [...]
Feitos esses esclarecimentos ao entrevistador, este, não sabemos se em tom de
incredulidade ou mesmo para fixar o discurso do governador maranhense, indaga
novamente:
Folha: O Maranhão, portanto, progride a olhos vistos?
Urbano Santos: Posso ter orgulho de afirma-lo, orgulho que não é
somente meu, mas de todos os maranhenses. Temos feito muito, em
tempo relativamente curto [...] O meu ilustre sucessor no governo, o dr.
Godofredo Viana, cujo nome foi sagrado pelos votos a simpatia do
estado inteiro, vai assumir a administração sob os melhores auspícios e
continuará a obra que temos executado, obra esta que colocará o
Maranhão, em futuro próximo, entre os mais adiantados estados da
república374.
Esse, portanto, é o Maranhão propagandeado pelo chefe do executivo: um Estado
nas trilhas do progresso e com um encontro marcado com o futuro375.
Por outro lado, a ideia de Maranhão que notamos expressa por José do Nascimento
Moraes pelas páginas do Diário de São Luiz, é a de um Estado marcado pelas seguintes
características: violências de todos os tipos possíveis denunciadas não só por esse jornal,
pois até nos jornais situacionistas encontramos com frequência relatos de violências
provenientes dos mais variados cantos do Estado, no qual os fuzilamentos na Mata era o
exemplo do momento, desses frequentes ajuste violentos; a banalidade dos crimes, a
impunidade dos assassinos, um governador que diz categoricamente que com “bandido”
(cangaceiros, desordeiros) o Estado só deveria tratar à base da bala; a conivência das
autoridades estaduais com crimes não raro sendo os próprios praticantes dos mesmos; os
jogos políticos caracterizados por fraudes eleitorais, descaso com a administração
373FOLHA (Rio), apud A PACOTILHA, 31 de outubro de 1921, p.1. 374Ibid. 375Nos apropriamos aqui dessa ideia de “encontro marcado com o futuro”, a partir do que escreve Paulo
Eduardo Arantes em relação ao Brasil, citemos: “UM DOS MITOS FUNDADORES DE UMA
NACIONALIDADE periférica como o Brasil é o do encontro marcado com o futuro. Tudo se passa como
se desde sempre a história corresse a nosso favor. Um país, por assim dizer, condenado a dar certo”.
ARANTES, Paulo Eduardo. A FRATURA BRASILEIRA DO MUNDO – Visões do laboratório
brasileiro da mundialização. In: Zero à esquerda. – São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004. – (Coleção
Baderna). P.25.
174
pública, grupos políticos que só defendiam os próprios interesses, faltas de investimentos
na instrução pública, daí o enorme contingente de analfabetos; discursos de partidos
opositores clamando por moralização política, mas sendo agentes políticos cuja
subjetividade construía-se a partir dos mesmos parâmetros de uma cultura política
oligárquica e da qual diziam-se críticos.
Nesses termos, esperamos com esse trabalho, além é claro de cumprir obrigações
acadêmicas, e de certa forma satisfazer meus desejos de saber, contribuir na medida do
possível para novas pesquisas do tema, servindo nosso trabalho como ponto de apoio quer
seja para ser questionado em suas conclusões e percepções do tema apresentado ou
mesmo para servir como forma de diálogo com novas pesquisas que tiverem parecer
próximo dos apresentados por nós. Mas, também, que sirva para tentar evitar na medida
do possível que se cumpra por completo o diagnóstico de José do Nascimento Moraes (a
nosso ver sincero e muito lúcido) de que tais fuzilamentos praticados sob a égide dos
domínios oligárquicos maranhenses entrariam para o “rol dos esquecimentos”.
175
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