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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS – CECEN
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA
YANNA ARRAIS ALBUQUERQUE
O DOTE NA SOCIEDADE MARANHENSE:
usos, significados e declínio
São Luís
2012
YANNA ARRAIS ALBUQUERQUE
O DOTE NA SOCIEDADE MARANHENSE:
usos, significados e declínio
Monografia apresentada ao Curso de História da
Universidade Estadual do Maranhão como requisito
parcial para a obtenção do grau de Licenciatura Plena em
História.
Orientadora: Profª. Drª. Elizabeth Sousa Abrantes
São Luís
2012
Albuquerque, Yanna Arrais.
O dote na sociedade maranhense: Dote. Maranhão. Usos.Significados.
Declínio. / Yanna Arrais Albuquerque.– São Luís, 2012.
51f. :
Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual do
Maranhão, 2012.
Orientador: Profa. Dra. Elizabeth Sousa Abrantes
1.Dote. 2.Colônia. 3.Declínio. I.Título
CDU: 392.547(812.1)
O DOTE NA SOCIEDADE MARANHENSE:
usos, significados e declínio
Yanna Arrais Albuquerque
Monografia apresentada ao Curso de História da
Universidade Estadual do Maranhão, como requisito
parcial para obtenção do grau de Licenciatura em
História.
Orientadora: Profª. Drª. Elizabeth Sousa Abrantes
Aprovada em ____/____/____
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Profª. Drª. Elizabeth Sousa Abrantes (Orientadora)
Universidade Estadual do Maranhão
________________________________________________________
Profª. Drª. Júlia Constança Pereira Camêlo
_______________________________________________________
Profª. Drª. Adriana Maria de Souza Zierer
AGRADECIMENTOS
Ao criador do universo pela força constante de continuar a aproveitar a felicidade que é
apresentada todos os dias.
A minha família pelo apoio que tenho recebido, em especial, minha irmã Ramayana e a meus
irmãos: Teodorico, Sócrates, Alex.
Á professora Elizabeth Abrantes pela oportunidade e compromisso que conduziu no trabalho
de iniciação científica e neste de conclusão de curso.
Aos meus amigos e amigas, que por serem muitos não quero correr o risco de esquecer algum,
por isso citarei quatro fundamentais na caminhada do curso de história: Jani Kerly pelas
conversas amigas e pelo apoio que me deu em todos os momentos do curso, Gustavo Araújo
pela companhia sincera. A Emily por suas contribuições diárias para o desenvolvimento das
aulas e a Raíssa pelos empréstimos de textos e avisos.
A toda a equipe que encontra – se por trás para o funcionamento do curso de História e da
biblioteca setorial e central, em especial ao Willian e Roberta, Gil, Geni, Neudene, Claudia,
Américo, Raimundo, Camilla, Daniel, Leonel, Soraia.
E o meu carinho especial a todos os professores, tanto do Departamento de História e
Geografia, quanto aos de outros departamentos, que se fizeram presente na minha formação
acadêmica.
Á FAPEMA pela oportunidade de patrocinar a bolsa de iniciação científica.
Ao DCE da UEMA, pelas companhias, conversas e viagens.
“Para a ajuda de seus dotes”. Esta era a expressão corrente
nos testamentos do período colonial quando os testadores e
testadoras manifestavam sua vontade de fazer doações às
jovens de sua família e também a moças pobres que viviam em
recolhimentos ou sob proteção das Santas Casas de
Misericórdia”.
Elizabeth Abrantes (2012).
RESUMO
A presente pesquisa analisa a prática dotal na sociedade maranhense, seus usos, significados e
declínio. Aponta-se o auge das doações dotais efetivadas para casamentos no período colonial, quando
esses dotes eram compostos, principalmente, por bens de produção como escravos, cavalos, éguas,
bois, bem como sua importância para a mulher arranjar um “bom casamento”. Apresentam-se as
críticas à prática do dote no Maranhão oitocentista, seu processo de declínio e os novos discursos que
defendiam a livre escolha do cônjuge motivada pelo sentimento amoroso e não por interesses
materiais.
Palavras-chave: Dote. Maranhão. Usos. Significados. Declínio.
ABSTRACT
Thisresearch analyzes theculmination of the processofgivingeffectdowryfor weddingsin the
colonial periodas well asdecline inthe practice of dowryand its importancefor womento get
a"good marriage". The endowmentconsistedmainly ofcapital goodsas slaves, horses, mares,
oxen. Sincethe declineof this practiceinMaranhãoassociates-whether the newcentury XIX
demandsof the period.We present thecriticism of thepractice of dowryin the nineteenth
centuryand the newarrangementswhich includedmainly thegiving ofthe bride and groom.
Keywords: dowry. Maranhão. Uses. Meanings. Decline.
Sumário
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9
PARTE I: DOTE NA COLÔNIA
1. O DOTE COMO OBRIGAÇÃO NOS ARRANJOS MATRIMONIAIS ............................ 12
2. O DOTE COMO REGULADOR DAS RELAÇÕES SOCIAIS .......................................... 17
3. DOTE COMO UMA AJUDA PARA O CASAMENTO DAS MOÇAS POBRES ........... 26
PARTE II: DOTE NO SÉCULO XIX
4. NOVAS SOCIABILIDADES NO SÉCULO XIX .............................................................. 31
5. NOVAS EXPERIÊNCIAS AMOROSAS E DECLÍNIO DO DOTE .................................. 40
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 47
REFÊRENCIAS ....................................................................................................................... 49
9
INTRODUÇÃO
O dote1 é um pratica e costume antigos, mas ainda em vigor em algumas regiões
do mundo. Consiste na doação de uma quantia de bens oferecida ao noivo pela família da
noiva, para acertar o casamento entre os dois. Embora bem mais raro, também há culturas
onde o noivo entrega o dote à família da noiva ou a própria noiva.
A prática e o costume do dote na sociedade maranhense marcaram a profunda
polarização das vivências que construiu a imagem feminina dependente da tutela de um
marido. Na prática, o dote representou uma obrigação social dos familiares da noiva, pois era
uma premissa básica para facilitar o casamento entre “iguais” e garantir o amparo das
mulheres.
A análise dos mecanismos de doação do dote e os discursos elaborados para a
recebedora do bem dotal permitiu detectar as estratégias culturais da sociedade maranhense
no período colonial, e ao mesmo tempo perceber a reatualização dessa prática no final do
século XIX, apresentando significados próprios do contexto histórico da época.
A presente pesquisa monográfica encontra-se estruturada em duas partes: na primeira
aborda-se o uso e o significado do dote no período colonial, e na segunda aborda-se o declínio
desse costume no século XIX, com novos elementos compondo o ideal para o arranjo das
moças no casamento, com destaque para as experiências amorosas que almejavam o
sentimento em vez do interesse material no dote.
Os capítulos que compõem a primeira parte analisam a importância do dote, seus
usos, significados na sociedade maranhense colonial, considerado um dever das famílias de
posses. Apresenta-se o dote como elemento imprescindível nos arranjos matrimoniais entre
famílias e a tentativa das famílias de posses, a partir do viés da doação de bens para os
casamentos, para fazer do mesmo um mercado matrimonial sob o comando do pater familias.
Apresentam-se as da prática do dote, desde quando era constituído por bens de produção, até
1Dote, do latim dote, declinação de dos, do verbo dare, dar. Designa o bem ou os bens que a noiva ou noivo leva
para a vida em comum iniciada com o casamento. Ver SILVA, Deonísio. De Onde Vêm as Palavras14. ed. São
Paulo: A Girafa.
10
suas novas composições com bens de consumo. Para as moças pobres, apresentam-se as
instituições e irmandades que concediam dotes “para ajuda nos casamento”.
Os capítulos da segunda parte apresentam as críticas tecidas à prática dotal,
enquanto doações de bens materiais para compor a nova aliança matrimonial. Apresenta-se a
idealização do amor dito verdadeiro e as críticas tecidas ao amor fundado no interesse
financeiro mostrando como muitos contemporâneos teciam suas críticas ao casamento
arranjado e defendiam a realização amorosa. A sociedade do Maranhão oitocentista começava
a ser influenciada pelo discurso do sentimento da realização encontrada no parceiro, o qual se
contrapunha ao casamento arranjado, levando a queda e desuso do dote, sendo que as
mulheres da classe alta e média começaram a ir para o casamento de “mãos abanando”.
Apresentam-se as mudanças urbanas no século XIX, com novos espaços de socializações,
conquistas feminina de sair do ambiente interno do lar, a moda conectada com as
transformações do período e o ideal de civilização almejado pelas elites maranhenses.
Destacam-se as transformações pelas quais a prática do dote estava passando e a busca pelos
pais da noiva para impor outros atrativos para as suas filhas.
12
1. O DOTE COMO OBRIGAÇÃO NOS ARRANJOS MATRIMONIAIS
No Brasil, o dote representou uma antiga prática de fazer doações para
casamentos, herdada dos portugueses, sendo esse costume retratado em diversos registros, a
exemplo da literatura e dos documentos relativos a heranças, inventários, insinuação de dotes.
O estudo do costume de doar bens para filhas, afilhados e até mesmo para
mulheres desconhecidas, a exemplo do que fazia as instituições como as Irmandades e Santas
Casas da Misericórdia, demonstra quanto o dote foi parte da construção de vivências e
representações de diferentes épocas.
Os valores e comportamentos presentes na prática do dote na sociedade
maranhense tem sua base na sociedade portuguesa que ganhou prosseguimento aqui na
colônia brasileira. Foi a cristalização da transmutação de uma prática social hierárquica e de
uma mentalidade patriarcal.
Para explicar a dinâmica da prática do dote na sociedade maranhense colonial,
foram analisados os testamentos contidos na obra Cripto Maranhense e seu Legado. Os
testamentos falam sobre os diversos aspectos da sociedade maranhense, e neles são
perceptíveis experiências de práticas dotais, além de aspectos relacionados à escravidão,
comércio, sobrevivências e relações familiares. Neles também foi possível perceber que os
dotes desempenharam mecanismos de alianças de famílias proprietárias de terra, gado,
escravos, famílias que detinham o poder econômico, com fortunas centradas principalmente
na atividade agroexportadora.
Os testamenteiros descritos na obra Cripto Maranhense deixavam expressa a
preocupação com casamentos de suas futuras herdeiras e moças pobres, bem como a conduta
moral que deveriam seguir, ditando como deveriam portar-se perante uma sociedade regida
por preceitos cristãos, e até delegavam esse papel para conventos, irmandades, já que uma das
propostas das Santas Casas de Misericórdia, Recolhimentos e Irmandades era servir de
preparo para um bom casamento das jovens. Os testamentos maranhenses encontrados
referentes aos séculos XVIII e XIX iniciam - se com um prólogo, que incluía a identificação
do testador (nome, estado civil, cidade, ribeira, residência oficial e os outros possíveis locais
de moradia), dando continuidade com o preâmbulo religioso, onde encontramos
recomendações, o estado de saúde do testador e outras considerações sobre o objetivo do
testamento. Em seguida determinam as condições espirituais, o número de mulheres ou
pobres que deveriam acompanhar o enterro, a mortalha que deveria ser usada, o número de
ofícios, missas. Logo após a parte religiosa inicia- se a parte referente a heranças,
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pagamentos, dívidas, adiantamentos de bens, doções dotais, as doações às irmandades e
igrejas, para terminar, as possíveis assinaturas dos testemunhos. Outro enfoque de análise dos
bens doados para ajuda nos casamentos refere-se à presença dos cativos nos testamentos, o
que é interessante para esboçar um panorama do valor econômico e social dos escravos.
Os testamentos permitiram visualizar o dote enquanto elemento importante para
investigar as estratégias familiares, percebendo a configuração e distribuição da manutenção
de seu patrimônio e a administração de seus bens, a partir do viés da doação de bens para os
casamentos na província do Maranhão.
Em referência aos doadores dos dotes, podemos identificar casos em que nem
sempre era o pai ou a mãe que faziam “a ajuda para o casamento”, terceiros também faziam
doações (irmãos, padrinhos, tios, desconhecidos). As constituições desses dotes
apresentavam-se de forma bastante variadas, ora se tratando de bens de produção como
cavalos, éguas, índios, vacas, escravos; ora dinheiro, brincos, pulseiras, roupas e utensílios
domésticos.
Esses bens dotais algumas vezes eram doados com imposições de cláusula por
parte do testamenteiro, principalmente no período colonial, quando essa prática trazia uma
obrigação moral, sendo assim, alguns dos dotes doados a Irmandades, por exemplo, estava
ligada a permanência da jovem em um padrão de enclausuramento e honra. O doador, por
vezes, exigia das beneficiárias dos dotes o recebimento de certas quantidades de missas e a
permanência da virgindade e de um casamento que tivesse o consentimento dos tutores da
herança. Foi o caso de João Theofilo de Barros (1751), que explicitou numa cláusula do
testamento que caso a recebedora do dote não casasse com pessoa de bem ou cassasse sem o
consentimento do tutor, não deveria levar a ajuda dotal. (MOTA, SILVA, MANTOVANI,
2001, p.74)
Alguns testadores também deixavam cláusulas referentes à posição do futuro
administrador do dote, querendo saber a procedência do noivo, pois o dote não deveria ser
objeto de “qualquer pessoa”. O dote tenderia a manter o padrão de vida que a noiva já vinha
usufruindo com os seus familiares.
Outro fator relevante na análise do dote, é que embora o doador do dote já
estivesse morto, o tutor da herança deixada pelo testador teria que regulamentar o casamento,
e caso a futura recebedora do dote não cumprisse as diretrizes que constavam no testamento,
teria punição como a perda de “seu dote”, portanto, o casamento era algo extremamente
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controlado, o que implicava na impossibilidade dos casais escolherem livremente seus
parceiros.
Na parte referente à partilha entre os herdeiros, o Código Filipino dizia que o
homem casado, ou sua mulher, quando viesse a falecer, devia o que ficasse vivo, dar partilha
aos filhos do morto, se os tivesse, podendo ser filhos de ambos, ou então da pessoa falecida,
se forem legítimos. Mas, se não houvesse filhos, a partilha era destinada aos netos, ou outros
descendentes do falecido, ou então aos seus ascendentes, ou descendentes, do mesmo grau.
Mas, havendo diferença de graus, herdaria o ascendente mais próximo, por exemplo: se uma
pessoa morresse sem descendentes, e tivesse uma mãe viva, mais o avô e avó (pai, ou mãe de
seu pai), em tal caso sucederia a mãe, e não o avô ou a avó por parte de seu pai. Não havendo
herdeiros descendentes, ou ascendentes por linha direta, herdaria quem estivesse vivo, a
herança de quem o falecido destinasse em seu testamento (CODIGO PHILIPINO, 1870).
É perceptível que em algumas doações para a composição do dote houve uma
opulência de bens de produção como escravos, cavalos, éguas, bois e, em outros, apenas
alguns adereços como panos, guardanapos. Em alguns casos, grandes quantidades de
escravos, índios e, em outros, apenas uma “lembrança” para a ajuda nos dotes.
Foi o caso do bem móvel deixado por Lourença de Távora, em 1752, à sua
sobrinha e afilhada Leonarda, filha de seu compadre Andrade, no valor de vinte mil reis em
dinheiro que seria posto para o seu dote. Também foi deixado a sua afilhada, filha de Diogo
Rodrigues, trinta mil reis para que se pusesse a juros de seu dote, ou de qualquer outra forma
que quisesse usar o que lhe foi deixado. Quanto a bens de produção, temos o exemplo do
testamento de João da Cunha (1745), que deixou dez éguas a sua afilhada. Neste sentido, o
dote era formado tanto por capital móvel, que era o dinheiro, quanto por bens de produção
que poderia representar o início para o surgimento de uma propriedade para o jovem casal que
acabara de se formar, na qual a doação era composta por gados, escravos e os símbolos de
prestígio que constituíam os fundamentos da sociedade colonial (MOTA, SILVA,
MONTOVANI, 2001, p.83).
Na época colonial, em que menores de 25 anos precisavam de autorização por
parte de seus responsáveis, e os casamentos com mulheres menores de idade era algo mais
frequente do que no século XIX, não seguir as orientações que seus familiares e tutores
ordenassem implicaria em cancelamento do bem dotal.
O dote “feminino”, de certa forma, ajudava na manutenção de certo padrão de
vida para o futuro casal, por isso, ele estava como um bem legalmente protegido, o que
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regulamentava como um meio de assegurar estabilidade à mulher, sendo considerado, de
acordo com essa ótica, uma proteção ao patrimônio feminino.
Casamento e morte caminhavam em conjunto no Maranhão colonial. Na tentativa
de deixar encaminhadas as suas filhas, para a formação de novos núcleos familiares, à beira
da morte, ou próximo dela, era o momento de pensar na partilha dos bens para seus futuros
herdeiros e recebedoras de dotes, resultado geralmente de anos de lutas para conseguir
acumulação de bens. “O casamento implicava em muitos interesses materiais, como herança e
administração dos bens do casal, entre os quais estava o dote, por isso, entre as famílias de
posses, o casamento era considerado primeiro como um negócio e, secundariamente, como
um assunto sentimental” (ABRANTES, 2012, p.36). O dote do período colonial foi fruto de
constantes acordos matrimoniais relacionados às condições históricas. Diante de tal fato, o
dote para o casamento desenvolveu as alianças familiares.
A sociedade maranhense fazia, também, grandes doações para igrejas, conventos,
moças pobres, instituições de irmandades, casas de recolhimento e capelas. Foi o caso de
Gaspar dos Reys, que em seu testamento de 1744 explicou que deveriam ser dadas esmolas de
dez mil réis a cada uma das trinta capelas, e fossem distribuído igualmente quatrocentos mil
réis em dinheiro entre quatro moças pobres, brancas, donzelas, para ajudá-la nos casamentos.
Declarou ainda deixava três mil cruzados em dinheiro para a fundação do Recolhimento que
estava sendo criado em São Luís, a saber, o Recolhimento de Nossa Senhora de Anunciação e
Remédio (MOTA, SILVA, MANTOVANI, 2001, p.91).
Segundo a historiadora Elizabeth Abrantes (2012), o dote era um bem levado
para a sociedade conjugal e integrados aos bens do casal, a não ser que os noivos assinassem
um acordo pré-nupcial que resguardasse o bem feminino levado para o casamento. As
Ordenações Filipinas estabeleciam que os dotes da mulher fossem absorvidos no conjunto de
bens do casal, era o chamado casamento “carta de a metade2”.
No entanto, quando a mulher se casava com o acordo pré-nupcial, chamado
sistema de casamento por dotes e arras, era uma forma legal que a mulher encontrava para
proteger os bens advindos das doações dos pais, ficando assim com esse bem protegido em
caso de separação ou viuvez. Esse acordo foi menos utilizado que o casamento de comunhão
2Sistema de comunhão de bens onde os cônjuges são meeiros.
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de bens, mas o contrato pré-nupcial foi importante na medida em que conservava o que era
pertencente a cada um dos futuros casados e seus respectivos bens advindos das doações.3
Para o novo casal que se formava com a união conjugal no sistema de meação, o
dote não era somente o adiantamento da legítima, mas todas as doações recebidas eram
incorporados aos bens do casal. As Ordenações Filipinas consideravam como dote somente
os casamentos efetuados sobre efeito da escritura de dotes e arras. Apesar desses significados
acerca das discussões formais presentes na legislação, o dote pode ser entendido no Maranhão
colonial como as doações feitas para mulheres com o objetivo de auxilio para a formação da
nova aliança familiar.
Assim, independente da forma de união dos bens, o objetivo a ser conquistado por
qualquer mulher naquele momento era encontrar um bom casamento. O galanteio, quando
havia, partia dos homens, mas o dote era advindo, normalmente, da família noiva, e esse bem
vantajoso poderia ser o sustento para o casal. “Os enamorados não deveriam ser deixados a
sós para que não houvesse contatos sexuais, posto que as moças, por sua vez, deveriam
aceitar, resignadamente, essa forma de arranjo matrimonial” (CARDOSO, 2007, p.85).
A articulação para escolha do marido era feita pelos pais dos futuros casados. Em
algumas vezes o futuro esposo era até alguém pertencente à mesma família da noiva, o
chamado casamento endogâmico. “O futuro marido poderia ser um primo sem grandes
atrativos, um tio velho ou, às vezes, um jovem estudante de Direito ou de Medicina. O certo é
que o rapaz desejado como marido nem sempre era aquele imposto pela família. No entanto
caberia às futuras esposas aceitarem”(CARDOSO, 2007, p.86).
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2. O DOTE COMO REGULADOR DAS RELAÇÕES SOCIAIS
O dote era um bem para ser entregue no “tempo de seus casamentos”
desempenhou um significado imprescindível para as moças arrumarem um “bom partido”, no
entanto, para a moça receber ela tinha como cláusula a manutenção de sua honra até o
casamento. Ora, as meninas estavam levando para os seus casamentos, em termos de bens,
aquilo que na época colonial constituía o de maior valor econômico: gado, terra, escravos.
Mas nem todos os dotes eram tão valiosos. O testamento de Gaspar dos Reys, de
1744, dizia que deixava quatrocentos mil reis em dinheiro contado, para que fosse distribuído,
igualmente, entre quatro moças brancas, donzelas e pobres, que vivessem naquela cidade,
para ajudar em seus dotes. A distribuição se faria na presença do padre da freguesia, e o
dinheiro, que cada uma viesse a herdar, deveria ser posto a juros para ser entregue na época
do casamento (MOTA, SILVA, MONTOVANI, 2001, p.48).
O dote serviu também para manutenção de padrões de moralidade. A honra da
mulher estava diretamente relacionada com a questão da sexualidade, com isso, a prática do
dote apresentava - se como garantia de um bom casamento e devia influenciar na orientação
da conduta feminina. Como Gaspar Reis explicitou no seu testamento, qualquer desvio desse
padrão se traduziria na perda do dote. Esse era um preceito ético - moral da sociedade colonial
maranhense, no qual as condutas femininas estavam diretamente controladas pelos pais ou
parentes, antes do casamento, e na posterioridade, pelo marido.
A sociedade colonial maranhense ergueu-se sobre o ideal da mulher honrada,
assim ela deveria ser: pura, branca, fiel e respeitável. Nos testamentos dessa época fica bem
claro que o patriarca defendia, por meio das condições da dotação, o delineamento do
comportamento daquela que deveria receber o dote. Como cláusula para recebimento do dote
temos casos em que mulher poderia ser pobre, mas nunca desonrada.
O casamento com a prática do dote cumpriria ainda a função de preservação da
honra feminina. No entanto, o ideal de mulher honrada não se aplicava a todas elas, a honra
estava ligada principalmente à mulher livre e branca. As mulheres que ousassem ferir o
princípio da honra, além de perder o dote, ficariam manchadas perante os olhos vigilantes
dessa sociedade e ficariam expostas ao sofrimento. Uma mulher que perdesse sua honra
diminuía sua possibilidade de entrar no mercado matrimonial. “Um homem prudente deveria,
antes de escolher uma moça que desejava tomar como esposa, verificar se havia algo a ser
dito a seu respeito, e, se nada fosse dito sobre sua honra, poderia tomar sua mão”. (ALMEIDA,
2005, p. 89).
18
O testamenteiro Manoel Gonçalves Torres, em 1751, declarou ser solteiro,
deixando, mas deixava a uma menina negra, Albina, que ele havia alforriado, um dote de
quarenta mil réis. Deixou a menina sob a tutela do padre Antônio Garro, e mandou que
tomasse conta dela e cuidasse de sua educação. Essa quantia deveria ser colocada a juros para
que o tutor pudesse lucrar e sustentá-la, conservando o que lhe pertenceria pela doação, mais
os juros, e no tempo de seu casamento fosse entregue o valor doado. O valor doado, caso a
mesma não casasse, mesmo assim deveria receber a quantia mais os juros da rentabilidade
(MOTA, SILVA, MANTOVANI, 2001, p.65).
No caso apresentado acima, demonstrou que o dote além de ajudar no casamento
dos noivos, representava uma proteção para essa ex-escrava, que provavelmente era filha do
testamenteiro. Esse dote demonstrou a preocupação social do testador , pois a doação estava
se efetivando para uma ex-escrava, alguém já estigmatizada e que dificilmente encontraria um
bom casamento com alguém considerado etnicamente e socialmente superior. A simbologia
da doação era semelhante às outras doações efetuadas para mulheres brancas: manter a honra
e ajudar ao seu casamento. No entanto, esse testamento apresenta um diferencial quando se
analisa outros testamentos do período colonial maranhense, devido à exceção aberta em
relação ao casamento, ou seja, mesmo a moça não casando deveria receber a doação.
Os dotes também eram postos para ajudar o casamento de moças desamparadas,
como foi o caso de João Theofilo de Barros, que declarou em seu testamento no ano de 1751,
que em sua casa havia criado três moças com todo o amor e caridade, as quais se chamavam
Arsenia, Ana Luzia e Cosma. Pedia pelo amor de Deus que, casando a moça Ana com uma
pessoa de bem, deveria ser dada uma escrava; para Arsênia deveria ser dada uma negra que
lhe pertencera, chamada Brigda, e também um cabloco, mais seis colheres e uma dúzia de
guardanapos de algodão, e meia dúzia de toalhas e quatro lençóis, cinco rolos. Para Ana Luzia
deveria ser dada seis colheres de prata, seis guardanapos, seis toalhas e quatro lençóis, e cinco
rolos de pano para seu vestuário. Caso fossem desonradas, não receberiam coisa alguma (
MOTA,SILVA, MANTOVANI, 2001, p.74).
Essa doação de Theófilo mostrou a preocupação do testamenteiro em deixar o
escravo, como um bem dotal, o que na época colonial era de extrema importância para a
própria geração de riquezas, quanto para as atividades domésticas. Dependendo da pessoa
com que ela se cassasse, o escravo poderia ser utilizado para proporcionar e gerar lucros, já
que essa mão de obra podia ser utilizada para as mais diversas atividades.
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Outro testamento de importância para a compreensão dos bens doados para o
casamento é o de Manoel Paes da Fonseca (1676). Este declarou que era natural da Ribeira do
Mearim, batizado, casado na igreja com Antonia do Vale, já falecida, de cujo matrimônio
tivera um filho, o qual logo falecera. Declarou que fora casado pela segunda vez, na igreja,
com Providência de Oliveira, já defunta sendo, de cujo matrimônio havia ficado quatro filhos,
a saber Romana, João, José e Lionerio, sendo seus herdeiros forçados. Declarou que tivera
uma filha antes de ser casado, que se chamava Josefa da Conceição, e que se achava casada
com João do Vale, e lhe foi dado um dote de vinte e três cabeças de gado e mais uma polda.
Declarou que a dita sua filha não deveria herdar da fazenda, pois já havia levado o quinhão,
correspondente á parte da herança, e caso esta quisesse herdar da fazenda junto aos outros
herdeiros deveria ser obrigada a entrar na colação com o que levou, que eram as ditas vinte e
três cabeças de gado e a dita polda.
Caso interessante, primeiramente, em relação à composição do dote, pois vinte e
três cabeças de gado demonstraram certa riqueza do fazendeiro. Depois, o fato de a filha ser
fruto de relação ilícita, mesmo assim recebeu a doação. Mas, para a filha receber da herança
final deveria levar o seu dote para a colação. Essa era uma cláusula que geralmente acontecia
quando a moça levava um dote para o casamento inferior á legítima, pois do contrário não
havia interesse em fazer a colação. Como o testador explicitou, por ocasião de seu
falecimento, caso a sua filha quisesse herdar da herança, deveria levar o dote para descontar
do montante da herança a ser recebida e, desse modo, deveria herdar valores iguais a seus
irmãos. Por meio da colação, pode-se dizer, a filha dotada poderia receber a diferença de sua
herança se seu dote tivesse sido menor que a herança a que teria direito. No entanto, caso
recorresse à colação e seu dote fosse maior do que a herança de seus irmãos, a estes ela teria
de devolver a diferença.
O dote simbolizou, principalmente, para a mulher branca do período colonial, um
meio para viabilizar a união conjugal estável, ao modelo das leis eclesiásticas, preservando a
honra da família. Esse ideal de honra que existiu junto com as cláusulas das doações do dote
revelou uma imagem projetada sobre o ideal de família portuguesa transplantada para o Brasil
colônia. O dote era considerado um futuro certo para as moças, além de atrativo para um
casamento legal, sendo inúmeras doações dotais também feitas por Irmandades para moças
pobres, ou seja, esse costume fazia parte do cotidiano maranhense.
O dote esteve aliado com a constituição familiar, por meio das relações de casamentos
efetuadas de forma legal, sendo a estabilidade para o desenvolvimento das famílias. O
20
casamento de forma legalizada no Brasil colonial representava para as famílias de posses uma
prática e um costume a ser seguido. Para ser respeitado nessa sociedade exigia-se o casamento
como ritual para a formação da nova constituição familiar. A mulher de grupo hegemônico
deveria arrumar um bom partido e o dote era a forma mais viável para agilizar um “bom
casamento”.
Para a historiadora Sheila Faria (1998, p. 43), o conceito de família “extrapola os
limites consangüíneos, a coabitação e as relações rituais, podendo ser tudo ao mesmo tempo,
o que não só pressupõe como também impõe que a história da família, no Brasil, inclua em
suas análises as demais relações além da consangüinidade e da coabitação”. O próprio desafio
de se constituir, desenvolver e perpetuar uma elite econômica no poder, enquanto grupo
detentor do poder social, econômica e político, fez da família um verdadeiro locus de acordos
matrimoniais.
Para Antônia Mota ( 2006), as atividades produtivas no Maranhão, até meados do
século XVIII, eram bastante reduzidas, quando comparadas a outras áreas no Brasil, e o
patrimônio dos moradores era mínimo, possuindo as seguintes formas de riqueza: a terra e
uma pequena quantidade de escravos e, ainda assim, estava ligada a alianças familiares.
Diante desse fato, as alianças familiares era uma maneira que estes proprietários
buscavam dirigir seus bens, de modo a tentar preservar a família em bom nível econômico,
com a preservação da fortuna acumulada e, ao mesmo tempo, garantir o sucesso de seus filhos
e filhas através das doações para os casamentos. A Companhia de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão, criada em 1755, viabilizou a produção e comercialização no Estado colonial,
organizando a estrutura produtiva voltada para a grande propriedade rural e consolidando
como mão- de-obra o escravo africano, tendo em vista o engajamento da economia colonial
na economia mercantil da metrópole (COSTA, 2007, p.18).
Assim, o casamento aliado à prática e costume do dote, batismos, reuniões,
tornaram-se redes de simbologias para a manutenção de certos mecanismos de determinado
grupo no poder, sejam eles de natureza econômica ou social. É importante destacar que de
acordo com os testamentos maranhenses do período colonial, as famílias mais afortunadas no
Maranhão nesse período se concentravam principalmente em São Luís, Alcântara e nas
ribeiras do rio Itapecuru, Mearim, Pindaré e Grajaú.
Assim como em outras regiões do país, o dote no Maranhão colonial representou a
tendência das famílias de elite conservarem a riqueza em seu grupo social. O historiador
Carlos Bacellar (1997), na obra Senhores da Terra, desenha o retrato da elite paulista e
21
comenta as estratégias de casamento e alianças familiares usadas no incremento de suas
fortunas. Mostra a tendência do grupo social hegemônico em manter a herança restrita a um
grupo social, detentor de renda em terras, escravos, mobílias e imóveis.
A Companhia do Grão Pará e Maranhão (1755) representou um aumento do grau
de mercantilização da região e a formação de uma sociedade maranhense mais rigidamente
hierarquizada. Essa elite concentrou em suas mãos terras, escravos, produção agrícola, criação
de gado e comércio e que através das relações patrimonialistas eram repassados para ajuda
nos casamentos consolidando arranjados familiares.
Para a historiadora Antônia Mota, os comerciantes maranhenses passaram a
exercer influência nas relações de poder no final do século XVIII, como um grupo social
diferenciado. A partir de então os laços matrimonias desse período vão envolver relações
familiares estabelecidas no meio do grupo mercantil emergente (MOTA, 2006, p.64).
Para os homens, havia maior interesse quando o dote se fazia presente nos
arranjos do casamento, já que o dote compreendia bens materiais que dariam sustentabilidade
para a nova família. Para as mulheres, a união conjugal era apresentada como idealização e a
realização de vida. O dote era um meio de viabilizar a união conjugal, sendo raro uma moça
com dote nesse período colonial que não se casasse. O casamento servia para ampliar os bens,
desenvolver parentesco, além de ser um dispositivo de alianças. “O dispositivo de aliança se
estrutura em torno de um sistema de regras que define o que é permitido e o proibido, o
prescrito e o ilícito (...) conta entre seus objetivos principais, o de reproduzir a trama de
relações e manter a lei que as rege (...) [e para este dispositivo] o que é pertinente é o vínculo
entre parceiros com status definido” (FOUCAULT, 1997, p.101).
A prática do dote no Maranhão colonial estava ligada com as necessidades da elite
local ou regional controlar e determinar a endogamia social. O costume da vida colonial
maranhense era rigorosamente vigiado pelos patriarcas, favorecendo a restrição e a criação
das clausulas para o firmamento de casamentos, que raramente se davam fora do círculo de
parentes, principalmente quando havia o dote.
Em meados do século XVIII, a inserção do Maranhão no mercado internacional
de exportação algodoeira, com a criação da Companhia do Grão Pará e Maranhão, permitiu à
elite maranhense concentrar em suas mãos terras, escravos, produção agrícola, criação de
gado e comércio, que uma vez doados para o casamento, através das relações dotais,
caracterizavam os bens de produção da nova unidade familiar.
22
A virada para o século XIX representou uma época de crescimento
econômico para o Maranhão. O algodão cultivado na região do Itapecuru
começou a ser comercializado com a Inglaterra, gerando lucros para
fazendeiros e comerciantes e colocando o Maranhão entre as quatro
províncias com melhor economia do Brasil, mudando a paisagem do norte
da colônia (COSTA, 2007, p.18).
O ideal a ser alcançado na colônia brasileira era o de ter a possibilidade de
enriquecer, ser obedecido, e o dote, composto por bem material de produção, sinalizava o
ideal de prestigio advindo dos bens. Mesmo nas áreas com menos desenvolvimento
econômico da colônia brasileira imperava o mesmo ideal.
Dessa forma, o século XVIII evidencia uma produção interna voltada para o
mercado internacional e uma comunicação maior da área interiorana com o litoral através do
transporte de mercadoria para o porto de São Luís, acentuando uma base escravista e
comercial que originou uma formação social com hierarquia, com grau de concentração de
riquezas nas mãos de uma elite produtora e mercantil, o que fez com que a quantidade de bens
doados “para ajudas nos casamentos” crescesse.
A prática do dote no maranhão existiu mesmo antes do período de inserção no
mercado agroexportador, no entanto, nesse período observa-se nos testamentos um aumento
dessa prática. Em vários testamentos maranhenses do século XVIII, mesmo anteriores ao
período de apogeu da economia agroexportadora, é comum encontrarmos dotes
principalmente em forma de gado, dinheiro e jóias, assim como doações menores compostas
de enxovais (roupas pessoais, de cama e mesa), alguns já usados, e utensílios domésticos.
Somente tendo acumulado bens como terras, escravos, cavalos, éguas era possível
a viabilidade das doações para ajudar na composição do dote, compondo os fundamentos da
distinção social de um casamento entre pessoas que possuíam boa situação financeira. Essa
doação para ajuda no casamento de uma jovem donzela, no Maranhão colonial, era uma
forma de incrementar as alianças familiares, pois a doação mostrava a origem diferencial da
moça portadora do dote:
Formas de tratamento diferenciadas conforme a camada social, privilégios
nas vestimentas e no porte de armas, preocupação com a manutenção da
linhagem (envolvendo uma política de casamentos quase que endogâmicos),
reforço do parentesco e cristalização do patriarcalismo eram alguns dos
traços que caracterizavam o comportamento de nossa elite colonial e
norteavam sua visão de mundo ( BLAJ, 2000, p.252).
O sentido da prática do dote advém da importância que a posse da terra, escravos
e de outros bens móveis representava para a sociedade. O ideal de ser doador era a prova do
23
pater família mostrar seu monopólio sobre a terra e os cativos, além de ser provedor da
construção da nova unidade familiar.
A escolha do cônjuge na sociedade colonial tem suas regras que são melhores
compreendidas quando se analisa a instituição do dote e os manuais de casamentos. Foi um
processo de regulação e funcionou como um sistema de mercado, em que a riqueza da mulher
era um atrativo para o futuro casamento:
Os manuais de casamento dos séculos XVI e XVII mencionados
recomendavam várias atitudes e comportamentos em relação a essa escolha,
para que os casamentos dessem certo e fossem "bons", estimulando
preferencialmente os casamentos intraclasses e afastando os interclasses com
penalidade (apud LEVY, 1988, p.89).
Para Muriel Nazzari (2001), autora do livro O Desaparecimento do Dote, o
casamento no período colonial era uma questão de propriedade e eram arranjados, não só pelo
pai, mas por ambos os genitores. Assim, as filhas de posses jamais iam para o casamento de
“mãos abanando”. A maioria delas recebia um dote, normalmente em bens de produção como
engenhos, índios, escravos, terras, portanto, bens que assegurariam o sustento daquela nova
família.
Os arranjos de casamento proporcionados pelas relações dotais eram uma
questão de âmbito familiar, especialmente porque se concentravam entre as famílias
abastadas, e no geral independiam da vontade dos nubentes, que sequer eram consultados,
principalmente quando o valor que compunha o dote era alto. As moças eram controladas
pelos pais e mães, pelos padrinhos, tios, devido à importância dada ao casamento. Esses
arranjos eram tão fortemente condicionados que, caso os interessados se casassem sem
autorização paterna ou materna, segundo as Ordenações Filipinas, podiam ser deserdados, só
não sofrendo penalidade se o pretendente fosse de melhor condição do que o escolhido pelos
pais.
Se havia uma norma que deveria ser seguida a risca na sociedade colonial era a
das regras de casamento. “Os discursos de religiosos ressaltavam que as qualidades femininas
eram a virtude, a honestidade, a honra e a discrição” (NASCIMENTO, 2007, p.67). Os
padrões de honra era um requisito na hora da doação de um bem para a composição do dote, e
deveriam estar presentes todas as diretrizes da organização da nova aliança conjugal:
Denominam-se regras do casamento os critérios e as normas, derivados da
organização social, dos sistemas de parentesco e dos tabus de incesto, que
determinam a escolha dos cônjuges e a ratificação das uniões conjugais (...) a
24
constituição da família é mediada por certas regras ritualizadas segundo
determinados padrões válidos em cada cultura (...). Todo casamento é,
assim, precedido necessariamente de ajustes e entendimentos entre os
futuros cônjuges ou entre suas famílias, e ainda entre intermediários
socialmente definidos (Apud, LEVY 1986, p.70)
No Brasil, o casamento apresentou-se como questão de família e foi “arranjado,”
pelos mesmos como prática hegemônica, até o final do século XIX. Fazia-se pela
intermediação da procura do noivo com a instituição do dote:
Sob o regime patriarcal e familista do Brasil colonial, a escolha de cônjuges
nas classes abastadas, tanto para as filhas como para os filhos, era um
privilégio quase exclusivo do pater familias, pois o casamento interessava à
solidariedade e à integridade dos grandes grupos de parentesco nos quais se
apoiavam a ordem social, a economia, a política, e a própria realização
pessoal dos indivíduos. As crônicas históricas, o folclore, a literatura de
ficção, a documentação judiciária não deixam dúvidas a respeito, muito
embora também registrem as resistências e as insubmissões que o amor
romântico sempre ofereceu ao casamento arranjado pelos pais sem a
anuência prévia dos futuros cônjuges. (apud, LEVY, 1986, p. 7)
Para a elite econômica no Brasil colonial o casamento era uma imposição familiar,
não havia a possibilidade da livre escolha, a jovem moça de imediato era apresentada ao
futuro esposo, tendo ela que aceitar ou ser criticada pela sociedade. “Nas classes socialmente
privilegiadas do período colonial no Nordeste, raramente a escolha do pretendente quanto ao
casamento era prerrogativa da moça de pouco mais de 13 anos” (LEVY, 2009, p.118). O amor
romântico poderia até acontecer, no entanto não era antes do casamento e sim depois do
mesmo:
Gilberto Freyre conta como um viajante estrangeiro relata o pedido de
casamento: "certo dia o pai entra na sala de visitas, acompanhado por um
cavalheiro desconhecido, às vezes já quase velho ou já maduro. - Minha
filha, adverte ele, este é seu futuro esposo". Às vezes o "futuro esposo" era
uma surpresa agradável para uma menina de 14 ou 15 anos por se tratar de
um jovem pálido de 23 a 25 anos, e o amor romântico se desenvolvia entre
os noivos; mas, outras vezes, o "futuro esposo" era "um nouveau riche
português, gordo, nédio, lá de meia idade - para uma menina igualmente de
quatorze ou quinze anos - pescoço curto e mãos grosseiras" (apud, LEVY,
1986, p.6)
O dote, de modo indireto, também coibia que um rapaz sedutor burlasse os
cuidados dos pais da noiva, pelo menos até o momento do casamento:
Sedução era um artifício enganoso empregado para seduzir mulher virgem,
agravado se for menor de 17 anos, quando o sedutor consegue um
ajuntamento carnal ilícito, do qual resultam a gravidez e o parto; para o rapto
é necessário que a mulher seja levada para outro local que não a própria
25
casa. Ambas as situações eram crimes, embora mais grave quando
acumulava estupro e rapto, sendo os infratores punidos, senão com o
casamento, pelo menos por uma indenização arbitrada pelo julgador e paga
pelo sedutor, que, caso ele ou seu pai não tivessem bens, seria degredado
para a África e também açoitado se fosse peão. O Concílio de Trento
determina que "o que rouba a mulher, ou a receba ou não por esposa, seja
obrigado a dotá-la decentemente, a arbítrio do juíz" (LEVY, 2009, p. 119).
Tratava se de sustentar uma lei que já existia em Portugal de 1775 que punia
aqueles que corrompiam as filhas de família, pois a lei assegurava os direitos dos pais de
decidir os destinos dos filhos e filhas. O dote para o casamento representou um contrato que
impedia a livre celebração do casamento por parte de duas pessoas. O estado foi o legitimador
desse tipo de iniciativa. A lei de 1775 era clara àqueles que corrompiam as moças bem
dotadas.
D. José, rei de Portugal, conjugando suas Leis de 19 de junho de 1775 com a
de 29 de novembro do mesmo ano, pune aqueles que corrompiam as filhas-
famílias bem dotadas abusando da amizade e parentesco, assim como certos
pais e outros parentes que eram cúmplices em "aliciar filhos alheios para
entrarem em suas cazas e nellas ter comunicação com as filhas ao fim de (...)
os obrigarem a esposar as ditas filhas" e que, ao se provar legalmente a
corrupção, "sendo peões sejam condennados em dez annos de degredo para
as gales: e sendo nobres em outros dez annos para Angola" (LEVY, 2009, p.
119 ).
O casamento era uma prática tão controlada que penalidades eram impostas
àqueles que tentassem fugir com as moças de famílias nobres. Indenizações eram previstas
para punir sedutores e raptadores, como consta nas Ordenações Filipinas:
Quando os próprios interessados resolviam fugir, estavam sujeitos a castigos.
Eram previstas penas e indenizações aos sedutores ou raptores nas
Ordenações, livro V, título XXIII, quando trata "do que dorme com mulher
virgem", estabelecendo uma diferença se essa perda foi por sedução ou pela
força (LEVY, 2009, p.119).
O desejo de arrumar um pretendente era mostrado para as mulheres no período
colonial como a contemplação de uma vida dentro das regras da sociedade colonial, e o dote
poderia possuir um efeito de controle sobre a mulher, pois representava uma imposição dos
familiares que se figurava na materialidade dos bens doados para a noiva (objetos materiais).
26
3. DOTE COMO UMA AJUDA PARA O CASAMENTO DAS MOÇAS POBRES
A mulher pobre vivia sobre o clima constante da insegurança, pois a violência
simbólica imposta pelo dote não se traduzia na concretude da violência direta, mas na crença
da incerteza do casamento, caso não possuíssem o dote. Se por um lado o dote ajudava na
realização do casamento para a mulher de elite, por outro representava uma desvantagem para
a mulher pobre, pois estava fora da lógica de arrumar um parceiro o mais rápido possível. Isso
não significaria que elas não casariam, mas que não apresentariam um chamativo para
arrumar um esposo, em relação às que possuíssem dotes:
O casamento era apresentado às mulheres como a grande realização das suas
vidas, devendo ser sustentadas e “protegidas” pelo homem. O dote era um
meio de viabilizar a união conjugal, sendo raro a moça rica e com dote que
não se casasse. Sob a aparência de proteção e amparo, o costume do dote
expressava também uma forma sutil de dominação e “violência simbólica”,
fazendo com que fosse interiorizado pelas mulheres os dispositivos que
asseguravam sua submissão, mantendo-as em permanente estado de
insegurança econômica, corporal e moral caso não estivessem sob a tutela
masculina (ABRANTES, 2012, p.17).
Os discursos e as normatizações relativas à sexualidade e à religiosidade que
regulavam a vida das moças também estiveram presentes nos testamentos de doações para
casamentos. O dote viabilizava os casamentos para as moças cujas famílias possuiam posses,
e por outro lado, sua falta inviabilizava para as moças pobres:
A falta do dote inviabilizava o casamento daquelas que não tinham posses,
além dessa “cesta da noiva” revelar a desigualdade de gênero que permeava
as relações sociais, onde a sobrevivência da mulher dependia de um
patrimônio produzido e gerenciado por outros, primeiro o pai e depois o
marido. O casamento legal, por sua vez, mesmo não sendo uma prática
seguida pela maioria da população colonial, havendo várias formas de se
constituir uma família, era uma norma que trazia prestígio social e, portanto,
fortemente desejada pelas mulheres para obterem reconhecimento e respeito
(ABRANTES, 2012, p.57).
A viabilização do casamento por meio do dote, por exemplo, pode ser vista no
testamento de Bartolomeu Pereira de Lemos, de 1676, senhor de engenho e fazendeiro,
solteiro, o qual deixava para sua afilhada Úrsula, filha do capitão Rezende, trinta e três mil
reis, e dez cabeças de gado para Catharina, filha de Lázaro Pereira, para “ajudar no seu dote”.
Aqui o dote poderia desempenhar um papel primordial para a moça conseguir um casamento.
( MOTA, SILVA, MANTOVANI, 2001, p.31)
27
Já Gabriel Costa Quental, em 1741, morador da ribeira do Rio Mearim, declarou
que criou duas meninas enjeitadas, e pediu que as mesmas recebessem a terça de sua herança
e mais terras, a cada uma, que deveriam ser entregues por seus testamenteiros no tempo de
seus casamentos (MOTA, SILVA, MONTOVANI, 2001, p.44).
Crianças enjeitadas representavam um perigo na mentalidade da sociedade
colonial, pois eram filhos de pais incertos. É provável que essas meninas fossem filhas de
Gabriel Quental. Sem a ajuda desses bens, possivelmente ocasionaria a rejeição delas pela
sociedade colonial, colocando as jovens em situações precárias. A herança serviu de ajuda e,
como dote, representava uma segurança futura para as órfãs conseguirem marido, pois,
provavelmente, se não tivessem algo a oferecer para o marido elas permaneceriam solteiras.
O dote também era utilizado para a manutenção de conventos e casas de recolhimento.
Segundo Leila Mezan Algranti (1993), na obra A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia
do Rio de Janeiro, dos propósitos dessa Irmandade era a preservação da moral e condução de
moças para um casamento digno. No Maranhão houve grandes doações para manutenção da
Irmandade e conventos, com o propósito de ajudar nos dotes e casamentos de futuras noivas.
Enquanto as mulheres pertencentes à elite estavam condicionadas a casamentos
arranjados, as pobres desfrutavam de maior liberdade na hora de escolher o futuro esposo ou
companheiro. Já que a moça pobre não apresentava dotes materiais, esperava-se que seu
futuro pretendente tivesse pelo menos o básico para viverem juntos:
Diferentemente das mulheres de elite, as mulheres pobres tinham maior
liberdade de escolha, pois o casamento nem envolvia dote, nem era
arranjado. Nesse universo, o que se esperava era que o pretendente, antes de
pedir a moça em casamento, tivesse pelo menos um cavalo e uma modesta
casa de palha, para iniciar a vida a dois (apud, CARDOSO, p.117).
As irmandades das Santas Casas e de Misericórdia desenvolveram - se com a
prática de dotar órfãs. O dote simbolizou a possibilidade de a mulher arranjar um suposto
casamento. Com o dote a esperança surgia, principalmente para as órfãs, pois havia mais
possibilidade delas encontrarem um “bom partido”. Possivelmente sem o apoio das
irmandades permaneceriam solteiras.
O dote, quando doado para moças pobres, servia para reserva- lá dos perigos da
vida “amoral”. No Rio de Janeiro, a existência da Irmandade da Santa Casa se comprometia
de dotar as moças pobres no momento do casamento. O dote, presente nos testamentos
maranhenses, além de ter um papel normatizador para a mulher, tinha um significado de
28
caridade. O testador deixava especificado que moça pobre deveria herdar o dote ou poderia
deixar diretamente nas mãos das instituições de caridade.
No Maranhão, o Recolhimento de Nossa Senhora de Anunciação e Remédios
proporcionou educação com a finalidade de passar uma conduta moral para que as futuras
esposas desempenhassem bom papel de mães, esposas e mantivessem sempre os rigorosos
preceitos religiosos da sociedade colonial. “A finalidade do Recolhimento do Maranhão era
proporcionar uma educação pautada nos princípios morais e religiosos que preparasse essas
jovens para seus papéis de esposas e mães, por isso a disciplina e a vigilância eram rigorosas,
elementos imprescindíveis para uma boa reputação”, (ABRANTES, 2012, p.62).
Segundo Leila Mezan Algrant (1993), na obra A Irmandade da Santa Casa de
Misericórdia do Rio de Janeiro e a Concessão de Dotes (1808-1822), essas instituições de
caridade estavam preocupadas com a honra feminina e ainda se preocupavam com a
legitimidade da filiação das moças que concorriam ao dote. As moças faziam seus pedidos
com o argumento de ser muito pobre e para não se perderem na vida de prostituição. Nesse
estrato social de moças pobres, a ajuda financeira imprimiu um padrão de conduta ética
condizente com aquilo que a igreja católica divulgava, e a mulher que houvesse perdido sua
virgindade e não conseguisse manter isso em segredo restariam poucas saídas para uma vida
dentro dos padrões da ética cristã.
Nos procedimentos para a seleção das moças pelas instituições de caridade dava-
se prioridade à requerente que se achava com maior dificuldade, ou seja, reduzida a pobreza,
normalmente órfã de pai e mãe, mas filha legítima.
Para Algrant (1993), a orfandade, pobreza, virtude e castidade eram os requisitos
fundamentais que as candidata aos dotes da Santa Casa deveria apresentar. A chance de ser
beneficiada estava relacionada diretamente com as suas relações cotidianas de prática
consideradas como condizentes com os princípios éticos. O dote envolvia regras, para aquela
que viesse a receber a doação. As irmandades exerciam a administração financeira para a
futura moça que viesse receber o dote. O casamento apresentava se como a saída para ter uma
vida dentro dos padrões morais da ética cristã. Para as jovens carentes o dote era a
possibilidade de conseguir status de mulher casada:
Os registros da Santa Casa revelam que os dotes eram concedidos
primordialmente para jovens órfãs, quer fossem habitantes do Recolhimento,
da Casa dos Expostos, ou externas. Apenas um dote dos 56 foi dado a uma
viúva. Desconhece-se, porém, a condição de 8 das mulheres beneficiadas.
Por outro lado, se orfandade era um requisito, ser órfã de pai, ou de ambos
os genitores, oferecia certa vantagem à candidata enquanto que ser órfã
29
apenas de mãe diminuía suas chances, pois temia-se mais pela honra das
mulheres que não dispunham de uma proteção masculina (ALGRANTI,
1993, p.56).
O dote doado para as órfãs ultrapassava a questão simplesmente econômica e
estava relacionado à manutenção de uma ordem de proteção para que as mulheres não
aderissem a uma vida de prostituição. A instituição do casamento era algo que toda mulher
desejava desde as mais simples até a pertencente à elite econômica, pois indicava uma
proteção moral para o sexo feminino. No entanto, a futura recebedora do dote deveria
apresentar uma série de características, especialmente ligados à sua honra.
Segundo Algranti, apesar de modesto, o dote doado pelas Irmandades e
instituições atraiu futuros esposos. As jovens casavam-se, provavelmente, num estrato
intermediário da sociedade, ou seja, com homens a quem o dote poderia exercer algum
atrativo.
O dote representou a conservação do que a elite e a igreja católica difundiram no
novo mundo: valores ligados à monogamia e reprodução do modelo de casamento europeu.
Os dotes doados pelas Irmandades e Santas Casas de Misericórdia eram para as moças
humildes terem acesso á cultura católica de povoar o Brasil através de casamentos legítimos,
respeitando a conduta cristã. Os dotes efetuados estavam envolvidos numa série de preceitos e
aquelas que recebiam a doação poderiam ter a chance de conquistar respeitabilidade da
sociedade.
31
4. NOVAS SOCIABILIDADES NO SÉCULO XIX
No Maranhão oitocentista, embora crescesse a crítica à prática do dote, enquanto bem
material doado para o casamento, as uniões entre famílias de elite continuaram objetivando
além da riqueza, prestígio social e econômico.
A possibilidade de casar com pessoas de linhagem nobre também foi uma
característica mantida no século XIX, para conter a mistura de sangue com pessoas que não
fossem da elite. No entanto, pelo menos no plano da ideia começaram a ser tecidas críticas
aos casamentos arranjados.
O casamento realizado dentro da mesma família representava a tentativa de não
dissipar o patrimônio familiar e, até mesmo, se manter no poder político. A perspectiva
oitocentista da nova união não se restringia a ganhar bens de produção para o sustento da
nova família e sim em constituir estratégias de se manter no poder político.
A sociedade maranhense do século XIX passou por inúmeras mudanças, com
maiores participações femininas em espaços que anteriormente só pertenciam ao homem, isso
alterou a lógica organizacional vigente. “O século XIX foi marcado por transformações na
sociedade brasileira, com consequências na organização das famílias e do pacto matrimonial”
(ABRANTES, 2012, p.77).
A educação foi outro elemento que começou a ganhar expressividade no século
XIX. Para as moças ricas e das camadas médias, seria a reconfiguração do dote, o dote
intelectual4. A educação não deixava de ser um investimento, feito pelos pais da noiva, no
entanto, o fruto advindo desse investimento não seria administrado pelo homem, muito pelo
contrário, o dote intelectual seria um bem inalienável da mulher, embora em alguns momentos
assemelhasse ao dote tradicional no sentido que também tinha como objetivo valorizar a
mulher para que ela realizasse um bom casamento:
Era a mudança de mentalidade que lentamente fazia da educação um dote
simbólico. Para as moças ricas, a instrução como dote representava um
atributo para valorizá-la no mercado matrimonial, especialmente quando os
noivos desse meio social se destacavam por suas carreiras liberais e
atividades econômicas e profissionais que lhes garantiam independência
financeira. Para as moças pobres, a instrução era vista como uma garantia de
4Sobre esse tema da educação feminina como dote simbólico, ver a tese de Elizabeth Abrantes. O Dote é a Moça
Educada: mulher, dote e instrução na Primeira República, apresentada originalmente no Programa de Pós-
Graduação da Universidade Federal Fluminense, em 2010, e atualmente publicada em livro pela editora UEMA.
32
sustento honesto para que não caíssem na prostituição e não ficassem na
dependência de encontrar um marido a qualquer custo (ABRANTES, 2012,
p.67).
São Luís no século XIX era a mais urbana das cidades do Maranhão. Surgiam
novos espaços de sociabilidade tanto para a mulher da elite, quanto para a classe pobre,
embora para mulher pobre também fosse local de trabalho. “A cidade de São Luís era o ponto
de intercessão entre os diversos segmentos da sociedade, um espaço de sociabilidade, um
local privilegiado de relações sociais onde se observava a movimentação de homens e
mulheres na luta diária dos trabalhadores urbanos” (SILVEIRA, 2008, p.33).
Para as mulheres pobres a cidade era um local propício ao desenvolvimento de
atividades informais. “As pobres obtinham sua renda como autônomas, faziam o comércio
mais popular e considerado menos produtivo que era o dos gêneros alimentícios, hortaliças,
toucinhos, trabalhavam como lavadeiras, cozinheiras, costureiras, peixeiras, floristas,
doceiras, ama-de-leite, etc.” (SILVEIRA, 2008, p.33). Para as mulheres da camada mais
favorecida e da camada média a educação como estratégia das famílias, desempenhou a nova
composição do dote, que começou a se desenvolver e ganhar importância no final do século
XIX:
Por outro lado, a nova realidade social, com mudanças na organização das
famílias, no mercado de trabalho, na oferta educacional, nas políticas
públicas, foi fortalecendo um discurso que vinha se constituindo desde o
final do século XIX, de que a educação feminina seria seu dote moderno. O
aumento da oportunidade de estudo e emprego para as mulheres das camadas
médias e altas, mesmo que em muitos casos estivesse voltada para a
manutenção do status quo, ou seja, como preparação para o casamento ou
garantia de subsistência digna na falta de amparo familiar, foi possibilitando
lentamente a conquista de espaços públicos e tornando a educação um fator
de conscientização dessas mulheres, de segurança econômica, status social e
emancipação (ABRANTES, 2010, p.230).
Outro elemento que indicou transformação da sociedade oitocentista foi a
vestimenta. A proteção que o homem desenvolveu perante o contratempo da vida diária, ao
longo dos séculos transformou-se em símbolo cultural, expressão de uma época, distinção
cultural. O escolher uma roupa passou do ato de se proteger para representar o status cultural
de um contexto histórico da época moderna O vestir é interpretado pela sociedade como
símbolo de um determinado grupo social:
A vestimenta é definida comumente como proteção que o homem criou
contra as intempéries. Esse pode ser o motivo pelo qual a humanidade veio a
cobrir-se pela primeira vez, porém, o ato de cobrir o corpo — seja com pele
animal ou tecidos rústicos — tornou-se um fator de diferenciação
33
sociocultural. O ato de vestir-se vai além do ato simples e mecânico de
proteção do corpo, o ser humano veste e adorna sua corporalidade com
símbolos que ele sabe que os outros de sua sociedade saberão ler.
Ele escolhe o que vestir. É uma seleção da imagem da pessoa como ser
social, conformando uma construção visual frente à sociedade, pois fala aos
iguais, aos que pertencem ao mesmo grupo e suas diferenças frente aos
outros. O vestuário pode comunicar a respeito de diferentes assuntos
culturais, desde a religiosidade até padrões de beleza, passando por preceitos
morais, tradições, distinções de gênero, o que possibilita uma gama infinita
de leituras (SANT'ANNA, 2009, p.50).
Tem-se um objeto de constante transformação e renovação é a vestimenta ocidental,
marcada pelo novo e pela novidade. A roupa nos fala a que ambiente pertencemos, ideologia
que defendemos, indica a composição da trajetória de vida. E essa lógica de composição de
vestimenta que acompanha nossa vida chama-se moda. A moda pode ser interpretada como
forma de expressar qualidades de pertencer ou não a elite:
Nas sociedades complexas essa "segunda pele" é escolhida e trocada
constantemente. Isso porque a escolha no vocabulário vestimentar ocidental
é ampla, abrangente e maleável, construída a partir da idéia de novidade.
Esta última impulsiona a produção de um imenso espectro de opções de
peças, que possam construir composições, as quais suscitam interpretações
das mais diversas. O vestuário ocidental possui uma lógica própria que é
nomeada como moda. (SANT'ANNA, 2009, p. 50)
Em São Luís circulava revistas especializadas tanto em moda feminina quanto para
moda masculina. Na Revista Elegante, por exemplo, especializada em moda masculina, o
modelo europeu era atualizado de forma rotineira para que os homens se trajassem sempre na
moda:
Assim como na Europa, havia em São Luís revistas especializadas em moda,
sejam produzidas por editores locais, seja importada de outros países. Para a
moda masculina havia a Revista Elegante (1892-1903). Era uma obra
literária e recreativa, porém preocupada com a arte de trajar, contendo
diversas colunas tratando de elegância dos homens e da moda masculina.
Nela a moda masculina estava sempre atualizada com a Europa, qualquer
alteração por menor que fosse no trajar masculino aparecia em suas páginas,
para que os alfaiates se mantivessem informados das novidades e os
consumidores não ficassem “fora da moda” europeia. (SILVA, 2008, p.60)
A roupa desenvolvida no século XIX sinalizou para as mudanças que aquela
sociedade estava passando. Tantos os homens quanto às mulheres incorporaram novas
vestimentas ao seu cotidiano, expressando através da vestimenta o novo momento histórico
vivido. Era uma forma de mensagem do novo instrumento para indicar os novos tempos que a
sociedade do século oitocentista queria alcançar:
34
Para nós, as roupas e seus ornamentos, são importantes comunicadores de
nossas crenças e ideais a respeito do mundo. Pois, a partir da maneira que
um indivíduo manipula essa cultura material, ele expressa o que deseja que a
sociedade reconheça nele, os lugares que frequenta; a música que ouve,
enfim, seu comportamento. É uma linguagem que — como em qualquer
outra sociedade — aloca-o em uma posição sociocultural. Trata-se de uma
mensagem para todo mundo, ao mesmo tempo em que é uma mensagem
particular do indivíduo para a sociedade, sem esquecer que é esta última
quem produz o instrumental pelo qual o primeiro irá falar (SANT'ANNA,
2009, p.50).
A moda apresentou-se para mulher como algo inerente ao seu cotidiano e essa
popularidade, conforme conhecemos hoje, ganhou destaque no século XIX. A mulher
burguesa jamais deixaria de estar na moda, seguindo, principalmente, a moda francesa, assim
como um homem da elite jamais abandonaria um bom terno. “Nessa época, a liberdade
individual torna-se "modo de vida", ou seja, existe uma ideologia e uma prática social que
caminham em direção à queda das leis discriminatórias com relação às classes, tornando todos
potencialmente consumidores” (SANT’ANNA, 2009, p. 51). O vestuário significou o status
para ambos os sexos, sendo para a mulher uma forma simbólica de mostrar que pertencia a
família “nobre”. A moda foi uma expressão da revolução industrial. Foi a revolução industrial
que levou a moda francesa para todo o mundo. Com desenvolvimento das máquinas de
tecelagem o processo produtivo de fabricação de roupas expandiu-se:
A moda é conectada, historicamente, ao universo industrial. A própria
Revolução Industrial é profundamente ligada à moda, pois foi a partir das
máquinas de tecelagem e das conquistas técnicas ligadas ao desenvolvimento
de todo o processo produtivo que ela se estabeleceu e desenhou a vida
urbana moderna, com sua intensa concentração de pessoas (multidão) e,
mesmo novas técnicas de vendas (os grandsmagazins). A moda é um
fenômeno cultural que, como a fotografia e o cinema, pertence ao ambiente
urbano da modernidade (SANT'ANNA, 2009, p.51).
Em São Luís, a influência da moda pode ser visualizada a partir de jornais,
revistas, anúncios do século XIX que veiculam a moda européia, principalmente a francesa.
Símbolos do moderno e indicativo de civilização, portanto, deveriam ser consumidos
(SILVA, 2008, p.33). A elite tinha o costume de apresentar seus novos aprendizados
escrevendo nos jornais palavras, poesias e frases em francês. Essa era comprovação pela elite
de que a civilização estava chegando a São Luís. “O vocabulário da elite ludovicense também
sofreu alterações após a explosão da cultura francesa pelo mundo” (SILVA, 2008, p.33).
A moda representou para a sociedade de São Luís vários significados.
Apresentavam código próprio de cada camada social. A principal influencia era francesa, no
35
entanto, a moda era ressignificada para adaptar ao contexto local. A dinâmica da renovação
era vinda da França e da Inglaterra e rearticulada para corresponder às expectativas das
classes burguesas. “A moda é uma linguagem baseada em um código simbólico aberto, onde
o significado é dado, em princípio, pelos produtores (estilistas, indústria de moda, jornalismo
especializado), mas onde os consumidores possuem uma enorme possibilidade de
remanejamento” (SANT'ANNA, 2009, p.52).
Acompanhando o ritmo da mudança do século XIX, a vestimenta foi inovadora,
pois representou mais uma forma de tentar ser moderno. Sobre a moda, as revistas e jornais
exerceram influencias em São Luís e em algumas áreas da província do Maranhão. As
revistas e jornais imprimiam nos leitores estilos de vida da época moderna e informavam a
população local os padrões da moda europeia.
As modas e etiquetas começaram a fazer parte da parcela da sociedade
pertencente à elite. Esses grupos passaram a ditar normas, no entanto, o diálogo era
estabelecido entre os mesmos, pois nem toda a parcela da população tinha a possibilidade de
aderir ao que a elite pregava. A ilusão de espalhar o progresso a sociedade era barrada diante
das desigualdades que havia no seio da população maranhense.
Os jornais maranhenses exerceram um papel de influenciador da elite no século
XIX para imprimir os novos tempos. Os periódicos noticiavam as novidades da Europa, os
discursos sobre os novos tempos.
Os novos espaços que surgiram no Maranhão oitocentista interagiram com as
pessoas e apresentaram novos espaços de sociabilidade. A mulher conquistou novos espaços
para circular em público, alterando o cerco de sua vida colonial. O espaço ocupado pela
mulher a partir do século XIX funcionou como novos marcadores das vivências culturais.
As fábricas chegaram a São Luís como prenúncios de progresso e conforto para os
ludovicenses, sendo pelo menos isso a tônica dos discursos, referentes às promessas dos
políticos e empresários. A ideia era fazer com que a vida ficasse mais interessante com os
objetos advindos das fábricas. Mas o benefício do ideal de civilização restringia-se a uma
pequena minoria. “O imaginário fabril em São Luís da segunda metade do século XIX estava
associado às idéias de “civilização” e “progresso”, sendo utilizado nos discursos dos
dirigentes políticos, intelectuais e da elite econômica, potencialmente investidora desse setor”
(SILVEIRA, 2008, p.19). A população menos favorecida acreditava que poderia usufruir do
mundo moderno, no entanto, isso não passou de uma idealização.
36
As transformações se davam em todos os setores da vida social e econômica. Era
o avanço do capitalismo:
A segunda metade do século XIX foi marcada pelos avanços do capitalismo
na sociedade escravista brasileira em vias de desagregação, com a melhoria
dos meios de transporte e comunicação, a maior circulação de mercadorias,
especialmente os produtos de luxo para o público das camadas sociais
privilegiadas, criação de novos espaços de sociabilidades característicos dos
ambientes urbanos (...) (ABRANTES, 2012, p.80).
As transformações empreendidas no século XIX em São Luís tinham como
objetivo a redefinição e ampliação dos espaços públicos, a difusão de novas sociabilidades,
que estava relacionada com o padrão estabelecido para a vida moderna. Apresentava
investimentos na estrutura física da cidade:
O crescimento econômico da província do Maranhão, resultante de sua
inserção no mercado internacional como exportador de algodão, matéria-
prima para as indústrias têxteis européias, podia ser observado no aumento
das fortunas de fazendeiros e comerciantes. Apesar das crises constantes ao
longo do século XIX, muitos investimentos urbanos foram feitos na capital
São Luís, onde fazendeiros e comerciantes se estabeleciam em ricos
casarões, assim como igrejas, prédios públicos e as moradias ganhavam
construções mais sólidas, de pedra e cal (ABRANTES, 2012, p.111).
A cidade de São Luís apresentava novos espaços de sociabilidade como praças,
teatros e a remodelação das áreas urbanas, com ruas organizadas para o tráfico de carruagem,
carros e os trilhos para a circulação de bonde:
Outra forma de transporte que se desenvolveu na segunda metade do século
XIX foi o bonde puxado a burro instalado em São Luís em 1872. A
Companhia Ferro-Carris foi a empresa responsável pelas obras de instalação
dos trilhos de ferro em que foram assentados os trilhos para o tráfego do
bonde. A saída do bonde era do Largo do Palácio, passando pelo caminho
Grande, até o Cutim (PALHANO, 1988, p. 300).
As praças ganharam especial destaque nas cidades brasileiras, era o ponto de
encontro para homens e mulheres para se conhecerem melhor, contrapondo ao ambiente do
período colonial, como é o caso de São Luís. As praças construídas na cidade do século XIX
eram espaços que representaram para a elite os novos desfrutes da cidade que chamavam
atenção da vida moderna e para convivência nas áreas centrais.
A áurea da modernidade no início do século XIX impulsionou a elite urbana da
cidade, e os intelectuais na busca pelo ideal de modernização, no entanto, esse
37
desenvolvimento material era restrito a poucos e pretendidos por muitos. A modernidade
criou experiências inéditas para a elite.
Em todo o território nacional, a modernidade foi um ideal a ser alcançado, desejo
perseguido por homens, moças, crianças, que inventaram a partir do modo de vida europeu
uma adaptação ao contexto brasileiro. A elite ditou normas. A busca pelo progresso fez parte
do cotidiano maranhense. Essa corrida foi um ideal alimentado pela elite ludovicense com
seus os desejos de modernidade.
O espaço citadino foi pensado de acordo com o ideal de médicos, sanitaristas,
arquitetos, que desenvolveram códigos para ordenar o ambiente urbano e impedir a
proliferação do ambiente sujo e propício ao desenvolvimento de doenças.
Os Códigos de postura do século XIX instituíram normas com o objetivo impor a
higiene, bem-estar público, indicar onde deveriam ficar a localização e o funcionamento de
estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviços, bem como corresponder
aos anseios da elite de controlara expansão da população pobre nas áreas centrais.
No século XIX, São Luís desenvolveu importante centro comercial e a
preocupação com higienização do espaço público cresceu. A cidade era um ambiente propício
ao desenvolvimento de doenças. Diante dessa desordem os códigos de posturas foram a forma
encontrada para regulamentar o perímetro citadino, além da intervenção de médicos
sanitaristas. Era também uma preocupação da elite maranhense que impunha um ideal de bons
costumes em busca da moral e boas condutas.
A elite tinha como objetivo determinar novos padrões de comportamento
considerados adequados ao contexto histórico-cultural do século XIX. A sociedade disciplinar
começou a surgir em São Luís oitocentista. A população pobre deveria ser controlada de
forma a conter o modo grosseiro com que havia sido estabelecida suas relações sociais. Os
códigos representaram a tentativa de enquadrar hábitos que deveriam ser incorporados no
cotidiano das pessoas.
Nesse contexto de profundas transformações surgiu o novo perfil burguês da
família e da mulher que começa a ganhar novos espaços de sociabilidade, redefinindo os
papeis sociais de homens e mulheres. “Os papéis definiam bem o lugar de homens e mulheres
nas transformações na sociedade, num contexto em que civilização e progresso moldavam o
tom dos discursos sobre as mulheres das diversas classes sociais” (SILVEIRA, 2008, p.8).
Uma dinâmica nova foi imposta para a sociedade, juntamente com discurso de
modernização. As práticas do período colonial foram alvo de crítica e uma dessas foram as
38
doações feitas para ajuda nos casamentos, uma vez que a sintonia era aderir a tudo o que era
apresentado como civilizado pela Europa.
A elite ludovicense proclamava o ideal de civilização e se autodenominava como
portadora de progresso. As transformações na parte física da cidade indicavam a concretude
do progresso. A cidade era o local de transformações: prédios, alargamento e criação de ruas,
aterramento de manges, foram algumas das transformações que a cidade passou.
As cidades foram invadidas pelas ideias francesas. Havia a tentativa de imitar o
gosto francês na política, na língua, nas viagens nos anúncios de jornais. A França passou a
ser o modelo para o mundo: revistas, produtos de origem francesa, penetram, em larga escala,
nos meios brasileiros. O Maranhão não foi diferente do restante do Brasil, o modelo francês
foi a busca pelo afastamento da barbárie e a busca pela civilização:
Obras francesas inundam as livrarias. A língua é amplamente divulgada
entre nós. Multiplicam - se as viagens de turismo. Comerciantes de todos os
ramos, artesãos de todas as profissões, técnicos, professores, colégios de
religiosos franceses aqui fundados, sábios e viajantes, refugiados políticos,
que aqui aportaram em virtude das sucessivas agitações revolucionárias em
França, entram a influir poderosamente "com sua técnica, com seu gosto",
com os artigos que importam ou confeccionam, com sua maneira de viver e
de pensar, enfim, sobre a vida, os costumes e as idéias da França. (COSTA,
2007, p.282).
A abertura dos portos em 1808 beneficiou atividade comercial em São Luís, sendo
o bairro da Praia Grande o centro principal da expansão do comércio. Juntamente com o
crescimento do comercio veio à iluminação publica provocando transformações no cotidiano
da vida das pessoas. De modo que a vida noturna passou a fazer parte do cotidiano, embora a
implantação se desse de forma lenta. “A partir desse momento cresceu ainda mais o poder e
influência desse segmento social, a classe comercial, maior beneficiária com o aumento dos
negócios, com influência direta no desenvolvimento da região”. (SILVA, 2008, p.13)
No entanto, grande parte de São Luís durante o século XIX continuava com
deficiência de iluminação publica, assim como algumas das cidades brasileiras. De modo que
a elite comercial pressionava para o aumento dos espaços públicos iluminados com o objetivo
de aumentar os lucros. No entanto, muitas cidades brasileiras eram carentes quanto à estrutura
de iluminação.
São Luís estava passando por um processo de urbanização, no entanto,
apresentava os problemas de ordem infraestrutural, mas isso não impedia a busca pelo ideal
de modernidade pela sociedade, junto com o combate de práticas ligadas ao período colonial.
39
“O contato maior da colônia, e mais tarde do Império, com as idéias e costumes desses países
estrangeiros, muito modificou o panorama da antiga sociedade colonial, impondo-lhe novos
hábitos, criando-lhe novas necessidades” (COSTA, 2000, p.142).
O capitalismo havia imposto um parâmetro para o relacionamento social da área
urbana. A cidade do período oitocentista foi, acima de tudo, um local propício ao
desenvolvimento comercial juntamente com elementos considerados pela elite como
civilizado. Daí a necessidade de controlar as concentrações urbanas desordenadas, o lixo
despejado a céu aberto e proliferação desordenada de epidemias.
Esse avanço do processo de urbanização não foi sentido apenas no setor estrutural
das cidades, mas na parte cultural, com a geração de novas condutas nas pessoas, assim como
proporcionando aos homens e mulheres outros ambientes de convívio. Um novo padrão de
socialização foi instaurado na sociedade do século XIX proporcionado novas formas de
conforto, advindo com tudo isso uma preocupação em relação às novas condutas que
deveriam ser adotadas na modernidade.
Assim, a cidade passou a ser o local de controle social, desde a vida privada até os
espaços públicos. Todos os detalhes que impediam a simbologia da modernização deveriam
ser punidos ou corrigidos se fugissem a norma estabelecida para o controle social. A elite
vivia na possibilidade de imitar o modo de vida europeu, exigindo dos governantes mudanças
nas áreas do centro das cidades, levando, assim, a montagem de infraestrutura ao modelo
europeu, como é o caso do Rio de Janeiro que construiu largas avenidas.
Essas novas estruturas ao molde europeu geraram novo padrão organizacional da
sociedade, imprimindo uma nova forma de se relacionar com os membros familiares. Novas
demandas sociais surgiram com as mudanças socioeconômicas. “A vida parecia mudar com
ares de rapidez. A sensação era de que os espaços estavam se tornando cada vez mais
próximos com o desenvolvimento dos transportes (bondes) e comunicação (telégrafo e
telefone)” (COSTA, 2007, p.18).
Assim como o ideal da modernidade francesa foi um modelo para o Rio de
Janeiro, o mesmo foi um modelo para São Luís. Houve uma tentativa de reconfiguração dos
antigos hábitos rurais e novas experiências, juntamente com novos valores experienciados
pelos moradores da cidade.
40
5. NOVAS EXPERIÊNCIAS AMOROSAS E DECLÍNIO DO DOTE
No século XIX a família ganhou um cenário burguês e o fortalecimento da
vivência privada e nuclear desenvolveu-se. Novas formas dotais começaram a ser
desenvolvidos no contexto da sociedade urbana e os dotes inerentes às próprias
personalidades ética da mulher passaram a ser mais valorizados. O dever dos pais de doar
dote deixou de ser uma premissa básica e um dever social das famílias que pertenciam à elite
para arranjarem o casamento de suas filhas, proporcionando mudanças de comportamento na
constituição da família. A mulher conquistou uma maior participação na escolha do parceiro
amoroso.
Um novo valor na família foi instaurado diante da sociedade brasileira emergente
na modernidade. O Brasil passava por mudanças relacionadas à ascensão da economia
agroexportadora, com aplicação do padrão de infraestrutura de serviços e transportes aos
moldes europeus, apresentando construção de largas avenidas, investimento nos diferentes
tipos de transporte: navegação, ferroviário.
O dote do período colonial estabeleceu a relação inerente entre economia e
casamento na sociedade brasileira. No entanto, a procura amorosa no século XIX criou o ideal
do amor romântico como forma de romper e buscar superação dos acordos matrimoniais.
Assim, o que passou a definir a interação amorosa não foi apenas o acordo de pais ou
parentes, mas o sentido singular que os amantes conferiram à sua relação de conquista. O
costume do dote deixava aos poucos de ser um elemento principal para a efetivação do
casamento:
O declínio do costume do dote, deixando de ser entendido como uma
obrigação social das famílias ricas para promoverem o casamento de suas
filhas, implicou em mudanças de comportamento na constituição da família,
uma vez que o marido não dependia mais dos bens da esposa para começar
ou ampliar o patrimônio do novo casal, conquistando maior liberdade para
usar sua própria iniciativa. As mulheres também puderam ter uma
participação maior na escolha do cônjuge, uma vez que diminuía os poderes
do pai sobre sua prole adulta e crescia a demanda social pelos “dotes
pessoais” (ABRANTES, 2012, p.19).
A mulher no período colonial maranhense recebia o dote como adiantamento de
sua herança, no entanto, no século XIX essa prática começou a sofrer alterações levando a
uma maior igualdade entre as herdeiras e os herdeiros, em relação à herança a ser recebida. A
mulher teria que esperar o falecimento de algum dos genitores para ter direito de receber a
41
herança, contrariando a prática colonial, na qual a mulher poderia receber um dote superior
aos de seus irmãos e ainda de forma adiantada:
As mudanças no casamento e nas relações familiares internas também
tinham consequências sobre a prática do dote, gerando uma maior igualdade
entre os herdeiros no tocante à herança. Agora as mulheres também
precisavam esperar, juntamente com os irmãos, a divisão da herança, sem ter
a vantagem de um dote superior à sua legítima e o recebimento desse bem
antes da partilha maior do patrimônio. Em muitos casos as jovens passaram a
receber só a herança ou esta se tornava mais vantajosa que o dote, por isso
faziam questão de participar da partilha, levando o dote para a colação
(ABRANTES, 2012, p.113).
O século XIX instaurou no plano da idealização uma separação entre o amor
verdadeiro e o amor fundado no interesse financeiro. Os escritores românticos teciam suas
críticas ao amor fundado no interesse financeiro e proclamavam a ideologia da auto realização
amorosa. “As tensões entre um suposto "amor verdadeiro", movido por ideais nobres e
sentimentos sublimes, e o "amor interesseiro", fundado nas motivações egoísticas das partes,
não são fonte de inspiração apenas dos folhetins românticos” (STA, 2005, p.73). As esferas da
sociedade foram invadidas pelo discurso do sentimento da realização profunda encontrada em
parceiro e contrapondo ao amor interesseiro.
A modernidade teve como ideal, quando pensamos no plano do amor, estabelecer
uma separação entre a relação amorosa e os bens materiais que eram doados para mulher para
a ajuda no casamento. Diante desse fato, pelo menos nos discursos, que surgiram na
sociedade, o dote não caberia na nova lógica estabelecida na sociedade moderna.
Esperava-se do homem que ele obtivesse a competência social de conquistar a
mulher. Não que ele negasse o lado econômico, mas que conseguisse conquistar tanto no lado
profissional como o amoroso. “Nesse contexto o indivíduo torna-se ele próprio processador
de pressões de todas as ordens que caem sem anteparos sobre seu colo: espera-se dele não só
desempenho profissional e competência social, mas também um cultivo intelectual e estético
que o destaque em seu grupo social” (COSTA, 2005, p.112).
No plano ideal, as relações deveriam ser realizadas sem constrangimento, a esfera
da intimidade deveria pertencer só ao casal, que na hora da conquista, demonstraria a
capacidade de buscar pela realização amorosa. O amor surgiria da espontaneidade,
imprevisibilidade, tornando a pessoa amada única e insubstituível. Embora, na sociedade
moderna quase tudo pudesse ser comprado ou vendido, o amor aparecia como o refúgio as
relações mercantis:
42
Com o tempo, a argumentação se deslocou do campo fisiológico ou
biológico e do comercial, para o social, ou melhor, para o intelectual e
moral, predominando a ideia de que o casamento era mais uma união de
almas do que apenas de corpos, sendo necessária maturidade de espírito para
administrar o lar e educar a prole, além de ser a expressão de consentimento
dos nubentes e não da vontade dos pais (LEVY, 2009, p.125).
As mudanças também se fizeram presente por parte da recepção da herança.
Agora, em pleno século dezenove, as mulheres deveriam esperar a recepção da herança
juntamente com seus irmãos. Desaparecia a vantagem que era imposta pelo dote, já que o
adiantamento da herança praticado anteriormente poderia ser uma forma de vantagem para a
mulher, na medida em que o dote poderia ser superior à partilha final do patrimônio.
O amor burguês que começou a ser desenvolvido do século XIX foi entendido
como a idealização de ambos os parceiros, embora, em alguns casos continuasse a perspectiva
de ser como um arranjo familiar. Seria o refúgio da lógica mercantil, o amor romântico era
vivenciado como uma experiência de pureza:
O amor era apontado como a motivação para o casamento. Tornou-se mais
comum ao longo do século XIX a crítica aos casamentos por interesse
financeiros, com a disseminação de idéias como a de que “um homem que
casa com mulher pobre, faz muitas vezes melhor negócio do que aquele que
é guiado pelo interesse”, ou então, “quando o casamento não é um trato do
coração, representa o ato mais prosaico e mais triste do mundo, o contrato
celebrado não passa de um testamento de morte”(ABRANTES,2012, p.78).
Essa concepção de amor transcendental, que o amor deveria ser uma união sem
interesses, apresentou-se na ficção com uma abordagem interessante. A peça “O Dote”, de
Artur de Azevedo, utilizou da crítica à prática dotal como objeto de construir críticas às
relações íntimas que tinham bens materiais como premissa básica para a união de duas
pessoas. Demonstrava como os casamentos eram símbolos de dinheiro e não de amor.
O casamento passou a conviver com o conflito entre o ideal proclamado pelos meios
de comunicação, do amor como verdade única para a vida, e os familiares apegados ao
costume de gerir os destinos de suas filhas com a pretensão de arranjar um casamento ligado a
interesses financeiros.
A peça “O Dote”, encenada em 1907, baseada em uma crônica da escritora Júlia
Lopes, posicionou-se contra a estrutura da sociedade que estabelecia casamento com
interesses financeiros, de forma que disseminava um novo código para as relações amorosas,
43
criticando as relações de casamento com o intermédio do dote. O amor seria para superar as
dificuldades, representando o mais profundo sentimento verdadeiro, sendo inadmissível a
união conjugal com a finalidade única de ficar com o dinheiro dotal da moça.
O indivíduo do século XIX acreditou na possibilidade de independência e na
própria capacidade de conquistar seus objetivos, sendo assim, ele subverte a mentalidade do
período anterior e isso tem reflexo direto nas relações sociais. A negação do dote material
para o acordo matrimonial, portanto, seria uma expressão do próprio eu provedor da procura
amorosa.
Os homens começaram romper com a ideia de uma união estabelecida por
interesses entre famílias e redefiniram o casamento a partir do encanto amoroso, da ideia
romântica sobre a conquista amorosa. “Paralelamente, o casamento vai sendo redefinido, uma
vez que deixa de ser uma instituição cujo objetivo foi o sustento dos filhos e filhas, em que
contribuem mulheres e homens, para ser uma instituição igualmente voltada ao sustento das
esposas” (CARDOSO, 2007, p.86):
Consequentemente aumenta o poder de negociação do noivo em relação à
noiva e a sua família, bem como o controle do marido em relação à esposa.
Ademais, começam a se redefinir os lugares de homens e de mulheres na
dinâmica familiar. Por um lado, cresce o poder das mulheres na família, à
medida que se enaltece a mãe em detrimento do pai, em decorrência da
mudança de estatuto da infância, que passa a ser vista como uma idade
especifica da vida. No mesmo movimento, procura-se limitar o feminino aos
papéis de mãe, esposa e dona-de-casa. Por outro lado, reforça-se o papel do
homem como chefe de família e provedor familiar. A capacidade de prover,
portanto, passa a ser considerada um elemento fundamental na constituição
da masculinidade (CARDOSO,2007,p.86).
O modelo de família no século XIX era constituído pelas tríades de mãe, pai,
filhos e filhas, diferentemente do período colonial que a família era entendida no sentido
corporativo, agora ela assentava-se sobre a mãe amorosa e com bons filhos e filhas que
estavam se adaptando ao contexto de urbanização.
A família burguesa desenvolveu-se no Brasil no século XIX, juntamente com o
processo de desenvolvimento urbano e o surgimento de uma classe média urbana. No entanto,
ela atingiu de maneira desigual as diferentes áreas do Brasil.
As transformações efetivadas na prática do dote, nas mudanças da sociedade, fez
com que as famílias se abrissem para outras possibilidades de realizarem casamentos. A
sociedade mais individualista, que transportou para realização amorosa o ideal burguês da
conquista por mérito próprio. O novo modelo de acumulação capitalista desenvolveu a
44
competição tão proclamada no sistema capitalista e fez-se presente no cotidiano amoroso, pois
a conquista da esposa seria um mérito pessoal e não um arranjo dos pais da noiva como havia
sido no período colonial. Novos projetos de vivencias foram instaurados na sociedade do
século XIX.
A questão educacional que se desenvolveu, especialmente a partir de meados do
século XIX, representou mudança de mentalidade referente à nova forma dotal e ao mesmo
tempo o dote passou a ser contestado através de críticas do meio literário ou da imprensa, que
se referiam a esse costume como algo que deveria ser “banido” da sociedade do século XIX.
Contestavam que o dote era uma forma da mulher pagar pelo marido, em vez de lutar para
conquistar o “verdadeiro amor”. Proclamavam que as mulheres deveriam conquistar o amor
através de suas qualidades pessoais, no entanto nas famílias da elite a prática da doação
continuava persistindo:
A condenação do uso do dote nos arranjos matrimoniais das classes favorecidas
parecia ainda mais discursiva que efetiva, e essa nova forma de dotação por parte
dos noivos pode também ser vista como uma resistência dos valores conservadores
da sociedade, uma forma dos homens continuarem a tutelar suas esposas,
especialmente da classe média, para que não buscassem sua independência em uma
profissão, mas terem no casamento a garantia de sua subsistência sem a necessidade
de um trabalho fora de casa (ABRANTES, 2012, p.240).
O processo de urbanização e as novas demandas da sociedade implicaram numa
nova organização da família. Críticas ao mercado matrimonial foram tecidas, mas a sociedade
ainda tentava preservar as boas relações familiares para manter a riqueza e a pureza étnica ao
grupo socialmente privilegiado. “As novas ideias sobre o casamento, baseadas no ideal do
amor romântico, provocaram críticas a esses arranjos matrimoniais tradicionais, mesmo sem
provocar transformações radicais que abalassem totalmente o costume, especialmente no meio
da elite” (ABRANTES, 2012, p.77).
Na cidade as moças tiveram outras oportunidades que elas não possuíam no meio
rural. A instrução educacional permitiu as moças manterem contatos coma nova literatura que
criticava o amor baseado no interesse e proclamava o ideal de casamento por amor.
No século XIX aconteceu uma reconfiguração do público e do privado. As esferas
sociais foram ampliadas. No entanto, as mulheres continuariam inseridas numa ordem de
dominação e de maneira direta e indireta dependente do pai e depois do marido. O século XIX
reconfigurou a concepção mulher ficar restrita ao ambiente interno da casa, embora
continuasse a ser ensinada a ser mãe e esposa, sua educação não se limitava mais a tarefas
45
domésticas. Pouco a pouco combatia as teorias preconceituosas que tinha como objetivo
manter afastados do espaço público.
O dote educacional significava mais independência e acesso a novos espaços
públicos. “O objetivo da educação feminina não devia ser a de erudição, ciência, cultura, mas
obter conhecimentos pelas possibilidades de realização que proporcionavam” (ABRANTES,
2012, p.294). O novo dote feminino advindo da educação, além da função pessoal ligada à
questão da mulher conseguir ampliar seus estudos, apresentava a questão social da prática
pedagógica feminina na carreira do magistério.
Já para o homem, o magistério apareceu como um emprego desclassificatório,
devido às baixas remunerações. Para aqueles que haviam adquirido boa formação profissional
dificilmente entrariam para contribuir para o país através do ensino. Os homens que entravam
para a carreira do magistério, normalmente não haviam conseguido emprego melhor em outra
área.
Havia por parte de alguns intelectuais o temor da mulher adquirir conhecimentos
científicos, no entanto, as mulheres resistiram contra o conservadorismo lutando cada vez
mais para alcançar os diferentes níveis de conhecimento. “A resistência dos conservadores em
admitir a intelectualização da mulher era devido ao temor de que a maior dedicação aos
estudos científicos modificasse a imagem feminina associada à representação da beleza e dos
sentimentos” (ABRANTES, 2012, p.267).
A mulher com certo nível intelectual foi visto, por alguns estudiosos, como algo
temível, pois significava a negação das características inatas para qual era sua função, daí o
discurso em não admitir a intelectualização feminina como um avanço brasileiro rumo à
educação.
As novas conquistas femininas levaram a novas oportunidades de profissão para
as mulheres. No entanto, foi acompanhada de ideias conservadores que procuravam mostrar
que o local adequado para a mulher era o lar. A opinião da sociedade sobre a educação que
devia ser dada às mulheres estava polarizada entre conservadores e progressistas.
A educação feminina no Maranhão oitocentista decorreu, sobretudo, da
urbanização presente, principalmente em São Luís, e a presença de idéias civilizacionais
buscadas por grupos sociais que idealizavam a modernidade. A educação passou a ser vista
como elemento modernizador, um meio de adequar e impor um comportamento social
individual e coletivamente aceitável.
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A abertura de colégios para educação de moças levou a experiência de espaços
nunca antes frequentados pelas mulheres. Ela encontrou na escola a “desculpa” concreta para
atuar fora do âmbito privado. A educação escolar expandiu-se para a mulher. O magistério
adicionou características e finalidades de ser boa esposa, boa mãe e formar cidadãos
honrados.
A possibilidade da maior participação no espaço público, com saída de casa para
a escola formal, apresentou-se como um dote que adquiriu características de resistência e
enquanto justificativa para novas mudanças.
Tendo isso em vista, o dote intelectual abriu as portas do mercado de trabalho
para aquelas que queriam ultrapassar o ambiente restrito ao lar, tornando-se formadoras de
uma carreira, na qual elas próprias geriram seu trabalho intelectual, apresentando-se como
professoras. Essa nova forma dotal representou um passo na conquista do processo de
emancipação feminina. Porém a inserção da mulher nos espaços de sociabilidade apresentou
limites
As escolas normais apresentavam-se como empregos dignos que eram
preenchidos mais por moças que por rapazes, no entanto, esse novo dote intelectual, que
ampliava as oportunidades para as mulheres, foi alvo de inúmeras críticas devido aos fortes
preconceitos. Os argumentos baseavam-se na ideia de que a vocação feminina era unicamente
para a maternidade e as derivações da mesma.
A mulher do século XIX teve várias responsabilidades e oportunidades como
cuidadora do lar, dentre as quais o cuidado com o marido, filhos, filhas, manutenção da ordem
da casa, além de ter que amar seus filhos e seu esposo de modo incondicional:
A educação feminina ainda teria que promover os objetivos semelhantes aos
do passado. A diferença é que estava estruturada com novos discursos em
novas bases. Desta forma, ao retratar o processo educacional para as
mulheres, em fins do século XIX, a autora Constância Duarte aponta para o
fato que esta sociedade encontrava-se no limiar de uma política educacional
abrangente, destacando, sobretudo, as mulheres. Aos poucos criava-se quase
um consenso (perceptível nas opiniões veiculadas nos jornais) em torno da
idéia de que uma sociedade não evolui se não cuidar também da educação
feminina e se não habilitar a mulher para participar, junto com o homem, dos
progressos da técnica e das ciências (DUARTE, 2008, p. 108).
O declínio da prática do dote também tem sido analisado de acordo com a ótica
econômica, como fez Tereza Cristina Marques, concentrando sua pesquisa no período de
1850 a 1890, pensando a questão do direito de propriedade e as relações entre a legislação
comercial e a incompatibilidade do uso do dote.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prática do dote, no período colonial, esteve relacionada ao casamento arranjado.
No Maranhão esteve presente como guiador das relações econômicas e sociais, com fortes
traços morais baseados nos preceitos cristãos. O dote do período colonial representou um
meio de sobrevivência econômica para a nova unidade familiar que estava se formando, e
aquele que recebia os bens deveria ter a competência de conduzir apropriadamente a renda
advinda do dote. Os testamenteiros maranhenses deixavam o dote material para “ajuda nos
casamento”, juntamente com pedidos e mesmo obrigações impostas a tutores, parentes,
irmandades e conhecidos. Para a mulher com posses e com familiares de boas condições
econômicas, jamais ia para o casamento de “mãos abanando”. A prática do dote foi estendida
para mulheres pobres, através da caridade de homens e mulheres que doavam certa quantia
em dinheiro ou outros bens para as instituições religiosas, que faziam doações às moças com
dificuldades de arranjarem um marido. Os bens eram compostos principalmente de dinheiro,
roupas, jóias e outros objetos de uso pessoal como lençol, toalhas.
O dote material do período colonial, no plano ideal, tinha como objetivo
resguardar uma segurança econômica para o novo casal que estava a se formar e proteger a
mulher de um suposto abandono por parte do marido. No contexto do Maranhão Colonial, o
dote tinha importância crucial para a mulher arrumar um pretendente. No entanto, essa
prática, enquanto doações advindas dos pais da noiva estavam restritas principalmente as
mulheres da elite. Segundo as Ordenações Filipinas, as doações do bem pertencente à esposa
advinda da doação dos pais para os casamentos deviam ficar protegido dos abusos do futuro
esposo, sendo estabelecido o contrato de “dotes e arras”.
No século XIX, a sociedade e as famílias passaram por transformações. A família
ganhou um cenário burguês e o fortalecimento da vivência privada e nuclear desenvolveu- se.
Com as novas configurações da sociedade moderna o dote material sofreu declínio, enquanto
a mulher buscou uma valorização abstrata através da educação como símbolo de um dote
intelectual, no qual, assim como dote colonial, trazia uma perspectiva de manutenção delas
nas regras do que a sociedade considerava propícia para os padrões de moralidade. No
entanto, a busca pelo saber formal era mais restrita a camada média e alta da sociedade.
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O costume do dote esteve relacionado a práticas sociais das famílias ricas para
conduzirem o casamento de suas filhas. No século XIX, o esposo, no ambiente urbano, passou
a ser capaz de gerar sua própria riqueza. Nesse sentido ele não precisava dos bens advindos
dos familiares ou parentes da noiva, levando a uma maior autonomia masculina para escolher
a esposa. Também houve uma valorização do sentimento, com a defesa do amor romântico
como motivação para o casamento, com a livre escolha dos cônjuges. Embora na prática
social houvesse resistência a esse desejo e ainda uma forte influência da família nos “negócios
do coração”, surgia indícios de mudanças que afetariam a relação das famílias com o
casamento e o dote.
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