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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
MESTRADO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
RENATA JEANE DE SANTANA
ESCUTA, NELSON: representação e memória da cidade do Recife nas letras de
frevo do maestro Nelson Ferreira
Recife
2019
RENATA JEANE DE SANTANA
ESCUTA, NELSON: representação e memória da cidade do Recife nas letras de
frevo do maestro Nelson Ferreira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do título de Mestra em Ciência da Informação. Área de concentração: Informação, Memória e Tecnologia.
Orientador: Prof. Dr. Fabio Assis Pinho
Recife
2019
Catalogação na fonte
Bibliotecária Jéssica Pereira de Oliveira, CRB-4/2223
S232e Santana, Renata Jeane de Escuta, Nelson: representação e memória da cidade do Recife nas
letras de frevo do maestro Nelson Ferreira / Renata Jeane de Santana. – Recife, 2019.
96f.
Orientador: Fabio Assis Pinho. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco.
Centro de Artes e Comunicação. Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, 2019.
Inclui referências.
1. Memória social. 2. Memória afetiva. 3. Lugar de memória. 4.
Neodocumentação. 5. Música popular – Frevo. I. Pinho, Fabio Assis (Orientador). II. Título.
020 CDD (22. ed.) UFPE (CAC 2019-88)
RENATA JEANE DE SANTANA
ESCUTA, NELSON: representação e memória da cidade do Recife nas letras de
frevo do maestro Nelson Ferreira
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, da Universidade Federal de Pernambuco, como requisito parcial para obtenção do título de Mestra em Ciência da Informação.
Aprovada em: 28/02/2019
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Dr. Fabio Assis Pinho (Orientador)
Universidade Federal de Pernambuco
_______________________________________
Prof. Dr. Marcos Galindo Lima (Examinador interno)
Universidade Federal de Pernambuco
_______________________________________
Profa. Dra. Bernardina Maria Juvenal Freire de Oliveira (Examinador externo)
Universidade Federal da Paraíba
Para papai, é claro.
AGRADECIMENTOS
Em um trabalho que fala sobre a memória, esquecer de alguém nesta página
seria um irônico lapso. Assim, redobro os cuidados e tento fazer neste espaço a
minha particular “Evocação”. Desta forma, para agradecer imensamente, evoco
esses nomes:
Meu pai, Genivaldo, ouvinte atento e fiel das canções populares no rádio que,
num papo informal comigo, numa tarde abafada e úmida de domingo, inspirou-me a
escrever este trabalho e minha mãe Elivane, foliã da vida, que já se foi, mas deixou
em mim o seu generoso grão de alegria. Ambos, pai e mãe, gente comum,
habitantes da cidade do Recife, e por isso mesmo, extraordinários e únicos, como as
gentes comuns.
Meus irmãos Adriana, Simonne e Daniel, por saberem de mim, meus ouvintes
desde o tempo em que eu ainda não sabia falar, meus ouvintes até quando eu não
paro de falar mais nunca.
Meu companheiro, Ricardo Wanderley, folião dos meus dias e noites, leal às
minhas febres, alegrias e angústias, enquanto escrevia este trabalho, consumida em
minhas obsessões. Querido, agora já pode fazer barulho na sala (não muito).
Minha família de mulheres sempre entusiastas das minhas ideias malucas,
das minhas abstrações e que tanto me fortalecem ao demonstrarem (entre
gargalhadas e batons vermelhos, claro...) confiança em mim. Assim como também
fazem os meus queridos amigos - e sobretudo por me perdoarem deserta de praias
e copos de gim.
Uma chamada à lembrança para a, como ficou conhecida, “Turma do Amor”,
minha turma do mestrado, inesquecível e apaixonante, um grupo de estudantes
parceiro e leve, uma seleção de ouro, uma coletânea dos bons. Que o caminho de
cada um dessa turma se ilumine. Sempre.
Os professores que aos poucos vão se tornando queridas lembranças,
especialmente a musa Leilah Bufrem, por todas as inspirações pra academia e pra
vida e, também, as professoras Gilda Whitaker Verri, Majory Miranda e os
professores Raimundo Nonato, Marcos Galindo e Lourival Pereira Pinto, este último,
por me aceitar como estagiária docente ao seu lado.
O meu orientador, professor Fábio Pinho, por confiar em meus silêncios, na
reclusão de minha escrita e por ter aceito (pela segunda vez) guiar os meus
excessos com o seu olhar científico (e ariano).
Obrigada às instituições de salva-guarda da memória, como a Fundaj –
Apipucos (Villa Digital e Fonoteca), ao pesquisador Renato Phaelante, o radialista
Hugo Martins, ao Instituto de Documentação Maestro Guerra-Peixe, no Paço do
Frevo, à Rádio Universitária FM e ao Memorial Denis Bernardes.
E, finalmente, à todos os funcionários da Universidade Federal de
Pernambuco que me ajudaram indiretamente e à Universidade Federal de Campina
Grande que me licenciou por dois anos para que esta pesquisa fosse desenvolvida
no Recife.
Se eu esqueci alguém, dissertaremos no trabalho a seguir sobre as
características fugidias e inconclusas da memória.
Obrigada!
A rosa da memória
abre-se tênue
desigual.
Não oferece sua corola
não desabrocha no ciclo
dos fenômenos naturais.
É ambígua, alheia
a quem a quer
por completo.
Escapa, morre
arde em suas feridas
e súbito, retorna:
clarão que redime.
“Eu lembro”
- e as pétalas
os móveis antigos, os laços
se dissolvem
na infinita margem da infância
que fugiu há pouco.
Nos vãos
nos acenos que se apagaram
nos vasos formidáveis
vindos da China
nas raízes úmidas
que os mortos deixaram
tudo se dissolve
A rosa da memória
vegetal e inconclusa
murmura um segredo
que mal ouvimos
(e nunca esquecemos).
E repetimos, incansáveis
Em nossa fome de tê-la
(A rosa da memória - Samarone Lima1)
1 LIMA, S. O aquário desenterrado. Rio de Janeiro: Confraria do Vento, 2015.
RESUMO
Apresenta uma pesquisa de caráter exploratório e documental cujo objetivo
principal foi analisar, a partir das letras de frevo do maestro pernambucano Nelson
Ferreira, a relevância da informação musical para a reconstituição da memória da
cidade do Recife. Para tanto, estabeleceu como corpus as letras de frevo-canção e
frevo de bloco do músico, gravadas nas duas coletâneas da extinta fábrica de discos
Rozenblit - as “O que eu fiz e você gostou...” (1959) e “O que faltou e você pediu...”
(1968) -, adotando como método a avaliação qualitativa da Análise de Conteúdo.
Assim, o trabalho problematiza a incipiência de estudos na Ciência da Informação
que relacionem informação musical e memória, ressalta a importância dos registros
fonográficos e traça um referencial teórico acerca de documento, música e memória
coletiva nos espaços urbanos.
Palavras-chave: Memória social. Memória afetiva. Lugar de memória.
Neodocumentação. Música popular - Frevo.
ABSTRACT
This paper presents an exploratory and documentary research, whose main
objective was to analyze, from the frevo lyrics of the Pernambuco’s maestro Nelson
Ferreira, the relevance of the musical information for the reconstitution of Recife’s
memory. In order to do so, it established as its corpus the frevo song and
frevo orchestra lyrics of the musician, recorded in two collections of the extinct
Rozenblit records factory: O que eu fiz e você gostou... (1959) and O que faltou e
você pediu... (1968), adopting the qualitative evaluation of Content Analysis method.
Thus, the work problematizes the incipience of studies in Information Science that
relate musical information and memory, emphasizes the importance of the
phonographic records and traces a theoretical reference about document, music and
collective memory in urban spaces.
Keywords: Social memory. Emotional memory. Place of memory. Neo-
documentation. Popular music - Frevo
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Capa do LP “O que eu fiz e você gostou...” (1959) 49
Figura 2 - Capa do LP “O que faltou e você pediu...” (1968) 53
Figura 3 - Mapa dos elementos da categoria Cenário 58
Figura 4 - Mapa dos elementos da categoria Personagens 62
Figura 5 - Mapa dos elementos da categoria Costumes 67
Figura 6 - Mapa dos elementos da categoria Afeto 72
Figura 7 - Proporção final da categorização de conteúdo 82
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Demonstração dos objetivos e planejamentos das etapas 43
Quadro 2 - Representação da distribuição das microestruturas presentes
nas letras do LP “O que eu fiz e você gostou” de Nelson
Ferreira
49
Quadro 3 - Representação da distribuição das microestruturas presentes
nas letras do LP “O que faltou... e você pediu” de Nelson
Ferreira
53
Quadro 4 - Proposta de categorização temática simples 57
Quadro 5 - Letras da década de 20 74
Quadro 6 - Letras da década de 30 75
Quadro 7 - Letras da década de 40 79
Quadro 8 - Letras da década de 50 81
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 13
1.1 OBJETIVOS 18
1.1.1 Objetivo geral 18
1.1.2 Objetivo específico 18
2 DOCUMENTO E INFORMAÇÃO MUSICAL 20
2.1 O DOCUMENTO NO COMPASSO DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO 20
2.2 OBJETOS NÃO CONVENCIONAIS NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: A
INFORMAÇÃO MUSICAL
25
3 A MEMÓRIA E SEUS LUGARES: O FREVO E AS NARRATIVAS DA
CIDADE
28
3.1 MEMÓRIA E SOCIEDADE 28
3.2 LEMBRAR E ESQUECER NA CIDADE 33
3.3 NELSON FERREIRA E A CIDADE DO RECIFE 37
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 39
4.1 MATERIAIS E MÉTODOS 46
5 ANÁLISES E DISCUSSÕES 58
5.1 CATEGORIZAÇÃO TEMÁTICA DA MEMÓRIA DA CIDADE DO RECIFE
NAS LETRAS DE NELSON FERREIRA
58
5.2 REPRESENTAÇÃO DAS DÉCADAS NO RECIFE E NA MEMÓRIA DO
FREVO
74
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 83
REFERÊNCIAS 88
13
1 INTRODUÇÃO
No carnaval de 1977, a loja de tecidos e confecções pernambucana “Casas
José Araújo” estreava nas rádios e televisões da época mais uma propaganda para
aquele período momesco. A chamada, no entanto, não exibia os produtos da loja
com seus tecidos coloridos, como era de costume, mas um frevo-canção
acompanhado de um vocativo que viria a se tornar conhecido até os dias de hoje, o
“escuta, Nelson, o teu frevo está no ar”2. A canção registrava não somente a morte
do maestro Nelson Ferreira, em dezembro de 1976, mas, também, a permanência
expressiva de suas letras e melodias no imaginário popular daqueles tempos, algo
que se apresenta até os dias atuais3.
A homenagem não era à tôa. Nelson Ferreira tinha partido depois de deixar
um extenso legado à cultura brasileira por meio de sua carreira como compositor,
músico, diretor musical e maestro de orquestras, desde o cinema mudo,
acompanhando e registrando as transformações urbanas e culturais de sua época
em suas letras e canções, um papel que acabou lhe conferindo o título de “o dono
da música”, como poderemos acompanhar, com mais detalhes, no item 3.3 deste
trabalho. Assim, em que pesem os mais de 40 anos de sua morte, as composições
do maestro Nelson Ferreira, sobretudo os frevos, nunca deixaram de ser
reproduzidas, tendo alcançado, inclusive, as várias gerações que vieram depois,
como que confirmando o prenúncio do famoso jingle que anunciava: “o teu frevo
está no ar”.
Desta forma, a reprodução amiúde das letras de frevo do maestro, sempre
“no ar”, é também a reprodução das narrativas construídas por Nelson, contando e
recontando aquilo que o músico procurou registrar em sua época e cuja execução
massiva não somente impediu o apagamento, como acabou por diluir essas
narrativas nas chamadas memórias coletiva, social e afetiva da cidade do Recife -
como veremos na seção 3 - demonstrando, com isso, o caráter documental da
informação musical. Ao que pretendemos explorar neste trabalho.
2 O jingle criado pela agência de publicidade Itaity, do publicitário Carol Fernandes, que também era responsável por outros comerciais das Casas José Araújo, é executado até os dias de hoje no carnaval pernambucano. Disponível em :https://www.youtube.com/watch?v=df8C1c-2PI0 3 Em 2016 o jingle-canção compôs a trilha-sonora de encerramento do longa-metragem “Aquarius”, do cineasta recifense Kléber Mendonça Filho.
14
Contudo, atestar dentro da Ciência da Informação (CI) que essas músicas se
transformaram em documentos e as relacionar a lugares de memória nos levou a um
problema de pesquisa, visto que, de acordo com Café e Barros (2016) e Bezerra et
al. (2016), ainda são incipientes os estudos em Ciência da Informação que
relacionem a informação musical e a memória, sobretudo com um olhar menos
pragmático e mais humanístico, como podemos acompanhar nos resultados obtidos
por ambos autores, no item 1.1.
Para tanto, o problema de pesquisa que orienta este trabalho versa sobre a
falta de uma observação das músicas populares como documento e, por assim ser,
um lugar de memória, em face da escassez de estudos, resultando na seguinte
questão de pesquisa: a informação musical que constitui as letras dos frevos do
compositor pernambucano Nelson Ferreira podem ser consideradas lugar de
memória?
Neste sentido, esta pesquisa tem como objetivo principal analisar, a partir das
letras de frevo do maestro Nelson Ferreira, a relevância da informação musical para
a reconstituição da memória da cidade do Recife. Para cumprirmos este objetivo,
bem como os objetivos subsequentes ou específicos, listados em 1.2.2, será
adotado o método da Análise de Conteúdo, de Laurence Bardin (2009), cujos
procedimentos sobre o caráter exploratório e documental aplicados nesta pesquisa
nos permitiram uma avaliação qualitativa, como podemos acompanhar na descrição
das etapas demonstradas no item 1.3, por meio do Quadro 1.
Visto isso, a presente pesquisa tem por relevância proporcionar um
aprofundamento teórico para permitir contribuições à área de conhecimento da
Ciência da Informação (CI), ampliando os estudos que relacionem a informação
musical como documento e memória, o que podemos acompanhar nos referenciais
dos capítulos 2 e 3. Além disto, acaba também por valorizar o papel dos registros
fonográficos e, ainda, por revisitar a obra do maestro Nelson Ferreira, ou, de outro
modo, demonstrar que é a obra do maestro que nos revisita.
O presente trabalho surgiu a partir de uma intuição, lugar de onde partem as
ideias pré-científicas (BARDIN, 2009). O meu pai, um ouvinte fiel ao rádio, sempre
sintonizava a frequência de suas escutas às músicas populares, divulgadas há meio
século em rádios locais, como a Rádio Universitária do Recife, por exemplo. Vê-lo se
emocionar com narrativas que nem sempre eram “do seu tempo”, muitas vezes me
contando, a partir das canções, sobre uma cidade do Recife perdida nas dobras da
15
sua memória, fez-me crer, com o passar dos tempos, que eu também havia
conhecido esta cidade, tal como ele me contava, e com isso, pude flagrar a memória
afetiva do meu pai ser transferida para mim como uma herança, um jeito de
permanecer.
Trabalhando como jornalista e bibliotecária, senti a necessidade de explorar
esta observação, visto que ela envolvia narrativas e documentos, além da
investigação sobre a performance da informação nesses dois lugares, ou a partir
desses dois lugares, para depois permear os imaginários coletivos e individuais nos
espaços urbanos. No entanto, entender como as músicas populares reconstroem a
memória de uma cidade não é uma tarefa fácil, haja visto que o objeto “música” é
composto de muitas subjetivações. E não somente isto, mas investigar se as letras
dessas canções, por meio de suas narrativas, estabelecem conexões com a
memória social e afetiva dessa cidade, apontando, com isto, o caráter documental
da informação musical, também não é um simples passeio no bosque.
E é por isto que esta pesquisa está sediada no âmbito da Ciência da
Informação, uma área em que os desafios científicos acerca do conceito de
“documento” - e de “informação”, naturalmente – encontram esteio e agito, numa
relação dialética tão particular aos saberes. Assim, argumentamos que o tema da
informação musical relacionado à memória, como abordado neste trabalho, sustenta
um lugar de relevância à Ciência da Informação, como podemos acompanhar a
seguir.
Em 2016, as pesquisadoras Ligia Café e Camila Barros (2016) buscaram
montar um panorama da produção nacional e internacional sobre informação
musical no âmbito da Ciência da Informação, levantando, para isto, o número de
estudos publicados relativos ao tema, os autores, bem como os métodos mais
usados e as limitações mais frequentes. Analisando os resultados da pesquisa, as
autoras (2016, p. 113-114) concluíram, a partir do panorama geral, que se percebe
uma “forte interlocução dos estudos da informação musical com a área da
computação” e também que “mesmo as pesquisas de cunho qualitativo não
apresentam, necessariamente, viés de discussão teórica/conceitual, mas descritivo e
relativo a sistemas de informação”.
Ainda de acordo com esse panorama, entre os países cujo tema “informação
musical” está presente na produção científica da área de Ciência da Informação, o
Brasil aparece nos resultados representando o segundo lugar, ficando atrás somente
16
dos Estados Unidos. Ou seja, talvez por conta da expressiva tradição musical do
país, podemos afirmar que a Ciência da Informação desenvolvida no Brasil já
descobriu o tema em questão e sobre ele se debruça, inclusive, destacando-se. No
entanto, de acordo com Bezerra et al. (2016), ainda é incipiente no país o número de
estudos que investiguem especificamente as relações entre informação musical e
memória.
Nos estudos de Bezerra et al. (2016, p. 3), cujo objetivo foi mapear a música
enquanto objeto de pesquisa nos trabalhos desenvolvidos em Ciência da Informação
no Brasil, os autores são categóricos ao afirmar que “o processo de reconstrução
memorial por meio da produção científica da área evidencia que a CI tem se voltado
a estudos de questões técnicas e processos, indicando um olhar pragmático em
contrapartida a uma visão sociocognitiva e humanística”. Ainda sobre isto, os
autores Bezerra et al. (2016, p. 2), ao analisarem os resultados da pesquisa,
destacam que “observou-se nos dados coletados um padrão conservador, visto que
as discussões apresentavam uma abordagem documental, técnica ou estudos em
OI”.
Desta forma, os trabalhos citados nos ajudam a verificar o estado da arte
sobre o tratamento da informação musical na produção científica em Ciência da
Informação. Assim, por meio de ambos os panoramas, podemos observar que a
abordagem que esta pesquisa propõe está em consonância com a reivindicação de
Bezerra et al. (2016), cuja argumentação se posiciona a favor de uma Ciência da
Informação com um olhar mais humanístico, de modo que, neste sentido, a música e
suas vertentes, enquanto recurso informacional, segundo os autores, representam
uma possível e bem-vinda abertura àquilo que eles classificam como os “objetos não
convencionais na CI”, sendo o estudo desses objetos, como a música de frevo, tal
como propomos neste trabalho, uma contribuição a um possível amadurecimento da
área.
É neste sentido que a presente pesquisa pretende situar-se na produção
científica da Ciência da Informação no Brasil, tendo por relevância um maior
aprofundamento teórico para permitir contribuições à área, ampliando também, por
seu turno, os estudos que relacionem a informação musical e a memória, visto que,
como aponta Bezerra et al. (2016), num recorte de 25 anos, foram poucos os
estudos que surgiram com essa abordagem.
17
Sem perder de vista este percurso, acrescentamos ainda que este trabalho,
ao relacionar a informação musical a uma perspectiva documental, aproximando-a
da questão da memória coletiva nos espaços urbanos, também está ampliando os
estudos conceituais sobre o valor do documento na Ciência da Informação,
buscando demonstrar outros olhares sobre a performance dos registros ao nosso
redor - registros estes que muitas vezes nos são, até mesmo, banais de tão íntimos,
como as músicas populares, por exemplo, contudo, não menos potencialmente
informativos, históricos e afetivos, ao ponto de querermos demonstrar neste trabalho
a relevância da informação musical para a reconstituição da memória da cidade do
Recife.
Além disso, é importante acrescentar que a presente pesquisa também
demonstrou o valor dos registros fonográficos para a salva-guarda da memória, visto
que, como retratado no item 1.3, não fosse a fábrica de discos pernambucana
Rozenblit, possivelmente os registros das canções regionais do Nordeste, da
primeira metade do século XX (como o frevo), não teriam tido a oportunidade de
serem gravadas, distribuídas e agrupadas, sobretudo em coletâneas, o que as
impediria de serem reproduzidas amiúde até os dias de hoje, tendo chegado,
inclusive, às plataformas digitais dos últimos tempos, de tal forma que este aspecto
foi fundamental para decidirmos, neste trabalho, a escolha do corpus.
Afinal, como pudemos constatar no item 1.3.1, tendo Nelson Ferreira
começado a compor e a gravar no início do século XX, sendo seu primeiro registro
fonográfico um frevo de 1923, infelizmente muitas composições do maestro se
perderam com o tempo. No entanto, a partir do momento em que a Rozenblit inicia
seus trabalhos na região, os frevos mais expressivos da carreira do músico
pernambucano começam a ser agrupados e distribuídos, podendo, com isto, serem
executados e preservados até os dias de hoje. Assim, justificamos a escolha pelas
letras presentes nos 384 frevos do maestro Nelson Ferreira, gravadas nas
coletâneas da Rozenblit, as “O que eu fiz e você gostou...” (1959), com 23 canções,
e “O que faltou e você pediu...” (1968) também com 23 canções, sendo ambas as
coletâneas um registro da produção de Nelson Ferreira de várias décadas
diferentes.
4 Inicialmente, o corpus eram 46 canções, mas durante a análise percebeu-se que oito frevos presentes nas duas coletâneas em questão eram “frevos de rua”, ou seja, só continham o instrumental.
18
Com isso, podemos reforçar que este trabalho também se torna valoroso ao
revisitar a obra do Maestro Nelson Ferreira, um dos artistas pernambucanos mais
expressivos de sua época e, de certo modo, ainda presente até os dias de hoje, por
meio de suas canções - as quais muitas vezes até mesmo os mais jovens podem vir
a conhecer, embora não saibam ou não lhe atribuam a autoria -, num movimento
híbrido da memória que muito interessa a esta pesquisa.
Assim, é nessa perspectiva que este trabalho também apontou a importância
da informação musical como fonte alternativa histórica, demonstrando a relação
sensível entre o apagamento versus a execução massiva5, neste caso, das letras de
frevo do maestro Nelson Ferreira, comprovando que o trajeto teórico traçado, bem
como a análise inferida e os resultados obtidos se tornaram relevantes para ampliar
os construtos científicos da Ciência da Informação, subsidiando, inclusive, estudos
posteriores.
1.1 OBJETIVOS
1.1.1 Objetivo Geral
Analisar, a partir das letras de frevo do maestro Nelson Ferreira, a relevância
da informação musical para a reconstituição da memória da cidade do Recife.
1.1.2 Objetivos Específicos
• Mapear as letras de frevo escritas pelo maestro Nelson Ferreira, num
recorte de 1923 a 1976;
• Verificar quais letras foram gravadas nas coletâneas - da extinta
gravadora pernambucana Rozenblit - “O que eu fiz... e você gostou”
(1959) e “O que faltou... e você pediu” (1968), estabelecendo o corpus;
• Identificar nas letras das canções de frevo, presentes nas duas
coletâneas citadas, a existência de elementos que reconstituam a
memória da cidade do Recife
5 Lembramos aqui que os frevos de Nelson Ferreira – juntamente com os de outros compositores - são veiculados há 50 anos por meio do programa de rádio “O Tema é Frevo”, que é transmitido de maneira ininterrupta pela Rádio Universitária do Recife, inicialmente com a frequência AM, depois pela FM, até os dias atuais.
19
• Estabelecer conexões entre as letras das canções analisadas e a
memória social e afetiva da cidade do Recife.
20
2 DOCUMENTO E INFORMAÇÃO MUSICAL
Esta seção percorre o caminho do conceito de documento na Ciência da
Informação para demonstrar a abertura teórica que nos permitirá relacionar a
informação musical como um documento.
2.1 O DOCUMENTO NO COMPASSO DA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Como num passo de dança que rodopia sobre o próprio eixo, mas cujo corpo
se desloca em diferentes direções, inclusive em torno de outros eixos menos ou
mais dispostos, movimenta-se o conceito de Documento na Ciência da Informação
(CI). À luz dessa dança caleidoscópica, aquilo que gira, em qualquer rotação que
seja, recolhe cacos e redesenha assertivas, embora dentro de um contínuo pulsante.
O compasso que se apresenta neste capítulo recorre à coreografia invisível inscrita
pela - e para - noção de documento na sociedade moderna, em busca de encontrar,
nos timbres e nos gestos, o salto que sustente a posição dos objetos não
convencionais como documento, como é o caso da informação musical.
É certo que a música é íntima da humanidade há muito mais tempo que a
noção de documento - essa que nos cerca hoje e com a qual nos acostumamos, ao
menos em suas características mais simples. No entanto, a noção de que a música,
como som e palavra cantada, configura-se também como documento, podendo
assim subsidiar estudos sobre a memória, esta é uma validação recente na CI e
ainda pouco usual Bezerra et al. (2016), o que revela uma noção própria do
amadurecimento desta disciplina no século XX. Sendo, a CI, personagem do
percurso onde a modernidade cliva o entendimento sobre a sua própria expansão
informacional, seus desdobramentos, práticas e subjetivações.
As percepções em torno do que se configura documento inauguram a
modernidade naquele crepúsculo entre a passagem dos séculos XIX e XX, na
Europa de Paul Otlet. A clássica concepção de Otlet e La Fontaine sustenta
importantes dimensões sobre o documento, ainda que eivada pelo pensamento
positivista.
Ainda assim, Otlet descortina e revela a potência que repousa nos objetos, a
partir do momento em que sinaliza para o século XX que tudo pode se tornar um
documento. Demonstrando-nos que todos os objetos a nossa volta possuem o grão
21
para tal, basta que flagremos seus pontos de significação, de forma que o objeto em
questão não precise mais ser necessariamente observado sob a dicotomia presente
versus passado, mas numa perspectiva sincrônica Escarpit (1976), como uma
contribuição do olhar estruturalista, bem como da Escola dos Annales (BURKE,
1997; MURGUIA, 2011), tão contemporâneos à Otlet e ao surgimento de disciplinas
como a documentação.
Ora, se todo objeto é um documento em potencial, então, já não interessaria
tanto definir o que é um documento, mas sim, o que faz um documento (FOCAULT,
2014; SALDANHA, 2013), ou antes, como se torna um documento Frohmann (2006).
Visto que somente lançamos o nosso olhar em busca da fagulha que se nos indica
essa potência, se dela já não vimos se não um vulto. Seja para obter informação,
seja para obter informação sobre a informação. No entanto, concordamos com
Martinez-Coneche (2000) quando alega que tudo pode ser um documento, como
bem colocaram Otlet e Briet, porém, nada é documento até ser considerado como
tal, estabelecendo assim uma dialética que agita e repousa as coisas em seus
processos contínuos de significação.
Destarte, importa então a chamada Informatividade Frohmann (2006), ou
seja, os fatores que devem ser levados em conta na caracterização de um
documento: como atuam suas práticas sociais, suas representações, quem o
descortina e depois faz uso, a quem alimenta, sob qual autoridade, se coletivo ou
periférico. Na medida em que Briet (1951, p. 7) menciona que, “concreto ou
simbólico, preservado ou registrado para fins de representação, de reconstituição ou
de prova de um fenômeno físico ou intelectual”, ou como reforça Ortega (2009, p.
62), “importando sua função menos que a sua morfologia”, relacionando esta função
à expressão do conhecimento humano.
São estas as inferências que buscam fazer os chamados
neodocumentalistas, quando da retomada dos estudos Otletianos no período pós-
guerra (BUCKLAND, 1991; SALDANHA, 2013), as quais sediam e interessam à
investigação desta pesquisa.
Sobre isto, Saldanha (2013, p. 84) comenta que:
A retomada do pensamento de Paul Otlet (1934) e de Suzanne Briet (1951) realizada por autores como Bradford e Rayward, seguidos por Buckland, Frohmann, Day e Lund, dentre outros, revela, muito mais do que uma revisão histórico-conceitual, a possibilidade de identificação da força dos estudos da linguagem no âmbito da OS, bem como a fundamentação da
22
relevância de noções como materialidade e simbolismo dentro dos saberes arcaicos e hodiernos do campo. Reconhecemos, pois, que o papel do conceito de “documento” hoje, cumpre diferentes funções epistemológicas, como crítica historiográfica, torção filosófica, revisão da práxis e estratégia discursiva teórica.
À revelia dos aspectos excessivamente morfológicos (não que esses não
sejam importantes, como veremos mais à frente), mas buscando retomar uma leitura
mais ampla sobre o documento, ensaiando um tímido retorno ao pensamento
complexo Morin (2015), encontramos nos últimos 40 anos uma linha do tempo com
valorosas contribuições nesse sentido. Bem como o amadurecimento de um campo
disciplinar específico para esses olhares, afinal, nas palavras de Rabello (2011), é
na Ciência da Informação que o conceito de documento é configurado a uma
categoria.
Ainda segundo o autor (2011, p.20), “todo conceito ao assumir a condição de
categoria adquirirá também uma dimensão abstrata e transcendente capaz de
sintetizar ‘em si’ diferentes fenômenos e de ajudar a explicá-los”. E isto, vale
lembrar, tanto dentro da CI, quanto no embate conceitual interdisciplinar a qual a
categoria foi e é exposta. Destarte, as noções de documento na Ciência da
Informação e nas disciplinas que se avizinharam não perderam de vista os
fundamentos Otletianos e se desenvolveram semelhante à definição de Capurro;
Capurro e Hjorland (2007), cuja argumentação afirma que a história de um conceito
vai crescendo de modo consoante a sua teoria.
Dessa forma, o efeito pós-Segunda Guerra aduziu à continuidade dos estudos
acerca do documento. A própria reformulação do conceito desenvolvido por
Suzanne Briet, nos anos 50, pode ser considerada mais completa do que o seu
primeiro ensaio ainda na década de 30, vista a bem recebida inclusão dos aspectos
simbólicos e intelectuais. Para Escarpit (1976), o documento é um meio de
constituição do saber, porém, que não é mais restrito à linearidade dos eventos.
Esta definição se torna valorosa à medida que ilustra a independência interna da
mensagem, como algo que rompe, inclusive, com as antigas visões que
contemplavam o “é documento” em detrimento do “vir a ser”, posto que somos
simultâneos ao documento e ele nos cerca. Embora concordemos com a visão
pragmática de Estivals (1978), este objeto somente torna-se documento quando
encontra o seu usuário.
23
É por conta disso que Meyriat (1981, p. 241) nos acrescenta que o conceito
de documento “não se impõe como uma evidência inicial, ele depende de pontos de
vista”. Os espanhóis Sagredo Fernándes e Izquierdo Arroyo (1982) também
reforçam as ideias de Estivals e Meyriat na medida em que enfatizam a importância
do papel tanto do contexto, quanto do uso/usuário, embora, como nos lembra Hayle
(2003 apud LUND, 2009), é possível que o documento venha a ter um significado
distinto para cada usuário e, devido a sua permanência, uma variedade de uso
também.
Percebe-se, então, que tanto a recepção quanto o contexto são
imprescindíveis para esses estudos (LUND, 2009), pois ambos os elementos tanto
podem estar envolvidos no processo de elaboração do documento, como no de
validação deste, uma vez que tudo se realiza em sociedade. Tanto que na
percepção de Hjorland (2001) é irrelevante esmiuçar-se em cima da primeira
essência do objeto, o porquê do seu valor de documento só é validado à medida que
assume valor informativo para uma coletividade ou domínio. Buckland (1991) pode
concordar com esse aspecto a partir da sua definição de informação como coisa, já
que alarga as possibilidades das propriedades informativas.
Ante esse “vir a ser” documento, algumas questões emergem
simultaneamente, como as propriedades conteudísticas e também morfológicas. De
acordo com Ortega e Lara (2010, p. 378) “por representar o registro (instância física)
e a informação (instância simbólica), o termo ‘documento’ melhor caracteriza os
diversos tipos de informações, registradas em qualquer suporte, e abordadas
segundo os mais variados contextos de produção e uso.
Para Meyrat (1981 apud ORTEGA, 2009) essas dimensões de natureza
material (o objeto que serve de suporte) e conceitual (o conteúdo, a informação)
operam de forma conjunta e inseparável uma da outra. Sendo assim, uma entidade
de duas faces, como um signo. Neste sentido, Lara e Ortega (2011, p. 382) destaca
que “as características do signo permitem confirmar que o documento é uma
construção, uma leitura do ‘real’ sob determinada perspectiva”, ao que podemos
resgatar, para este sentido de “determinada perspectiva”, a noção de Prática
Documentária de Frohmann (2006) pela qual o autor estabelece uma perspectiva
relacional do documento para demonstrar as relações entre a sociedade e os
documentos nela produzidos.
24
Assim, entre as propriedades que marcam o caráter relacional dos
documentos, segundo Frohmann (2006) (à saber, 1-as relações institucionais, 2-a
disciplina social 3-a historicidade e 4- a materialidade), vamos destacar aqui a
materialidade, visto que, para o autor, é a materialidade documental que estabelece
as práticas documentárias. Segundo Frohmann (2006), estudar a documentação é
estudar as consequências e os efeitos da materialidade da informação, em outras
palavras, os efeitos do documento.
Contudo, a materialidade em Frohmann, de sentido Focaultiano, não se
confunde com o aspecto físico do documento, mas antes, aproveita as ideias de
“peso, massa, inércia, resistência e estabilidade” do autor de Arqueologia dos
Saberes¸ quando este se refere à materialidade dos enunciados. Ao transpor a
compreensão Foucaltiana para o documento na Ciência da Informação, Frohmann
não somente objetiva investigar as fontes de poder na sociedade que vão garantir
“massa” e “peso” aos documentos (bem como a resistência às mudanças), como
acaba por resvalar numa axial dicotomia para a CI, a materialidade versus a
imaterialidade.
Bem, se todo conteúdo documental pode apresentar materialidade, podemos
afirmar, nos termos de Frohmann, que o imaterial também possui a sua
materialidade. Neste sentido, afiançamos que alguns tipos de documentos podem
ser classificados como tangíveis e intangíveis e ainda apresentarem materialidade,
como nos coloca Ocampo (1991 apud DODEBEI, 2011, p. 3):
Existem documentos registrados nos mais diferentes suportes (o que dá origem ao conceito de bem cultural tangível), por outro lado existem também documentos que não se encontram registrados em suportes materiais e que nem por isso deixam de ser resultado de manifestações culturais significativas, tais como mitos de criação, lendas, supertições, músicas (bens culturais intangíveis).
Particularmente, a música, enquanto documento, interessa-nos aqui por seu
caráter efetivamente simbólico e, ao mesmo tempo, intangível (o som), material (no
sentido Focaltiano trazido por Frohmann, o peso das letras das canções), tangível (o
suporte, como o disco, o cd, a partitura), imaterial (como indicador cultural) e,
simultaneamente, potencialmente informativa, subjetiva, produto social e cultural que
preserva a memória social Rojas (2005).
Como nos acrescenta Dodebei (2011, p. 4),“todo suporte material da
informação deve ser revisto, uma vez que não encontraremos seu sentido e seu
25
significado tomando, apenas, sua forma e seu potencial informativo, sem considerar
a interlocução e, mais especificamente, a intenção de preservação no âmbito da
memória social”.
Contudo, a noção de informação musical como documento ainda é um
aspecto pouco explorado na Ciência da Informação (CAFÉ; BARROS, 2016;
BEZERRA et al., 2016), fazendo parte do que Bezerra et al. (2016) agrupou no
termo “objetos não convencionais da CI”, como veremos a seguir.
2.2 OBJETOS NÃO CONVENCIONAIS NA CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO: A
INFORMAÇÃO MUSICAL
Meneses (1998) nos questiona sobre a natureza do objeto material como
documento e onde está a sua capacidade documental, posto que os documentos
são constituídos de propriedades como cor, peso, textura, elementos que, segundo
o autor, nos permitem fazer uma série de outras leituras e inferências.
Afinal, como nos lembra Moran (1994, p. 233), “o conhecimento não pode ser
reduzido unicamente ao racional”, visto que, de acordo com ele, “não podemos
desconsiderar da informação o seu percentual de afetividade e subjetividade,
exaltando apenas o seu caráter exclusivamente objetivo, isento ou, no pior dos
delírios, imparcial”.
Ao que como nos recorda Ginzburg (2006, p. 16) “o fato de uma fonte não ser
‘objetiva’ (mas nem mesmo um inventário é ‘objetivo’) não significa que seja
inutilizável”, e ainda acrescenta que “uma crônica hostil pode fornecer testemunhos
preciosos sobre o comportamento de uma comunidade camponesa em revolta. A
análise do ‘carnaval de Romans’ realizada por Emmanuel Le Roy Ladurie6 é
exemplar nesse sentido”. Entendemos, deste modo, que mesmo uma mensagem a
qual consideramos subjetiva pode conter informações potencialmente informativas e,
assim, de caráter documental, mesmo que esta segunda função não tenha sido a
intenção inicial do seu autor.
Ainda sobre esse aspecto, mas abordando especificamente o caso da música
popular enquanto documento, Moraes (2000, p. 212) nos lembra que:
6 Referência do autor ao historiador francês, um dos expoentes da Escola dos Annales e da Nova História.
26
A revolução documental permitiu a ampliação do conceito de documento e retirou sua pesada pretensão objetiva positivista. Assim, música/canção popular não deve injustamente ser nomeada como uma fonte excessivamente subjetiva e, conseqüentemente, desprezada como documento.
Este entendimento trazido por Moraes nos é valoroso, mas também pode ser
questionado à medida que demarca a compreensão histórica sobre o que foi essa
“revolução documental” em cima do olhar objetivista. Aqui, entendemos que as
considerações sobre os aspectos subjetivos do documento já haviam sido
contempladas por Otlet, mesmo em meio ao olhar positivista da história de sua
época. Ademais, concordamos com a ampliação do conceito de documento, mas
não que a pretensão objetivista (no sentido positivista) sobre o mesmo tenha sido
retirada, assim, como peças de encaixe. Quando, na realidade, o que observamos
no percurso do conceito de documento é, na verdade, uma justaposição entre esses
olhares. E, de certa forma, eles ainda convivem, haja vista a persistência nas ideias
de autoridade e prova tão arraigadas até hoje.
É por isso que se debruçar sobre os recursos informacionais da música
dentro da Ciência da Informação demanda uma sutil tessitura sobre esses aspectos
objetivos e subjetivos, uma observação severa sobre a significação de cada um e os
elementos relacionados, bem como a busca pela desconstrução de seus excessos.
Barros, Café e Almeida (2013, p. 1) nos dão uma importante pista sobre este objeto:
O conceito de música, do ponto de vista da etnomusicologia, carrega em si aspectos exteriores à própria estrutura musical. Assim, o significado do que é música deve estar, necessariamente, contextualizado em um âmbito cultural. Fato que caracteriza possibilidades significativas e, por conseguinte, potencial informativo, isto é, algum conteúdo semântico que não pode ser desconsiderado do ponto de vista da ciência. Este conteúdo semântico relativo à música compõe a noção de informação musical e interessa, portanto, aos estudos da Ciência da Informação.
Assim, percebemos que as autoras destacam a importância dos aspectos
exteriores à estrutura musical, como o âmbito cultural (potencialmente significativo e
informativo) e trazem esta compreensão como parte constituinte da informação
musical que será objeto da CI. Outro aspecto que coaduna com este levantado pelas
autoras é sustentado por Morigi e Bonotto (2004), quando afirma que a informação
musical, ao expressar os sentimentos coletivos por meio de uma linguagem poética
e metafórica, faz parte da história e da cultura de um povo. Ou seja, sem o aspecto
coletivo, social e cultural não podemos investigar a informação musical.
27
Contudo, outra compreensão sobre este objeto também nos é valorosa à
revelia de uma possível dicotomização excessiva entre os elementos objetivos
versus subjetivos, ou, ainda, material versus imaterial. Entendendo, pois, que todos
esses elementos podem se apresentar num mesmo objeto, mudando apenas suas
posições - como num girar de um caleidoscópio – concordamos com Smiraglia
(2001) quando este autor nos diz que na música a instância física funciona como um
“pacote” da instância intelectual, configurando o documento e complementando seu
significado o contexto social de sua produção e uso.
Dito isto, podemos prosseguir entendendo que a informação musical, como
recurso informacional registrado, portanto, um documento, não pode ser isolada em
seus atributos e contextos. Pois como nos complementa Byrd (2002 apud CAFÉ;
BARROS, 2016) a segmentação dos elementos de uma música não é uma
estratégia eficiente, pois sua significação ocorre somente quando da relação de
todos os elementos, incluindo aqueles estruturais, culturais, subjetivos.
Assim, entendemos que o conjunto desses elementos na informação musical
não somente vai expandi-la como documento e uma possível fonte histórica, mas
também - e concomitantemente - poderá funcionar como processo de reconstrução
da memória coletiva por meio de narrativas apresentadas pelas letras e pelo
contexto de seu autor, desenhando paisagens invisíveis por meio de sua
reprodutibilidade e permanecendo no imaginário afetivo, social (MAFFESOLI, 1998;
MORIGI, 2004, 2012).
De tal maneira que não podemos falar de informação musical como
documento e possível reconstituidor da memória no âmbito urbano, como propõe
este trabalho, sem adentrarmos pelas veredas das chamadas memória social e
coletiva no espaço citadino, esse espaço polifônico e palimpséstico onde o contar e
o recontar, o lembrar e o esquecer, estão imbricados com as trajetórias pessoais dos
indivíduos, como veremos no próximo capítulo.
28
3 A MEMÓRIA E SEUS LUGARES: O FREVO E AS NARRATIVAS DA CIDADE
Nesta seção serão demonstradas as relações entre a memória e os espaços
urbanos, relacionando a informação musical, especialmente o frevo, como um ponto
de rememoração das narrativas individuais e coletivas nas cidades.
3.1 MEMÓRIA E SOCIEDADE
No final do século XIX, em Paris, o filósofo francês Henri Bergson determinou
um marco para os estudos da memória. Propondo a superação da dualidade entre
espírito e matéria e estabelecendo uma relação entre eles a partir da memória,
Bergson (1999, p. 176) cria a distinção entre o que ele chama de “memória hábito” e
a “memória pura”, a primeira, orgânica, seria a memória adquirida pelo homem,
automaticamente, por meio da repetição contínua de uma atividade, sendo desta
maneira “mais hábito do que memória”. A segunda, por sua vez, refere-se ao ato de
recordar as imagens do passado, ato que independe da necessidade de repetição
cotidiana. No entanto, apesar de diferenciá-las, Bergson (1999) estabelece que entre
os dois tipos de memória não existe uma relação de exclusão, mas de apoio mútuo.
Assim, embora fulgure importante avanço para o campo, a abordagem de
Bergson (1999) estava limitada ao indivíduo, ou à memória individual. Ao que tal
limitação já não condizia com a tônica do início do século XX, ante à evolução de
disciplinas como a linguística e a sociologia, no bojo das transformações urbanas, da
formação das metrópoles, do advento dos veículos de comunicação de massa, do
próprio homem-massa Ortega y Gasset (2016) e dos estudos acerca dos fenômenos
sociais.
É nesse contexto que o sociólogo francês Maurice Halbwachs7 publica o seu
“Os quadros sociais da memória”, em 1925, estabelecendo, nas primeiras décadas
do século XX, as bases teóricas que nos permitem rejeitar com maestria a
separação rígida entre memória e sociedade, o que possibilitará definir a memória
como sendo uma construção social, ou, em termos gerais, demonstrar que a
memória fazia parte de um processo social fruto da interação dos indivíduos a partir
de estruturas sociais determinadas.
7 Publicada postumamente em 1950 a obra de Halbwachs “A Memória Coletiva” também virá a reforçar os estudos da memória como uma construção social.
29
Embora reconhecesse a existência de uma memória dita individual, segundo
Oliveira (2009, p. 222), Halbwachs “sustentava que a memória deve ser entendida,
sobretudo, como um fenômeno coletivo ou social uma vez que a memória individual
contém também aspectos da memória do grupo social ao qual o indivíduo pertence,
e está em constante interação com a sociedade”. Assim, para a autora, a memória
em Halbwachs reforça a coesão social pela “adesão afetiva” ao proporcionar ao
indivíduo o sentimento de pertencimento a um determinado grupo que compartilha
memórias, a “comunidade afetiva”, sendo essa coesão obtida através de “quadros
sociais da memória”.
Os tais quadros sociais da memória coletiva, construídos por elementos como
a família, a cultura, a religião ou a classe social, não são, no entanto, estruturas
estanques e podem se transmutar no decorrer das interações sociais dos indivíduos,
numa espécie de retroalimentação. É neste sentido que Halbwachs (1990, p. 47) nos
alerta: “nós não percebemos que não somos senão um eco” e utiliza a sua própria
trajetória para sustentar que certo número de acontecimentos, dos quais diz se
recordar, não conheceu senão pelos jornais ou depoimentos daqueles que
participaram diretamente, compreendendo, assim, que a sua memória individual
existe a partir da memória coletiva, sendo esta última um fenômeno social.
Para o historiador francês Jacques Le Goff (2003) a memória coletiva
designaria a memória dos povos sem escrita (de tradição oral), aplicando o termo
memória social às sociedades onde a escrita já tenha se instalado. No entanto, o
historiador francês Roger Chartier (2007) defende que esta oposição entre a
memória coletiva e a memória social levantada por Le Goff não dá conta das
situações entre os séculos XVI e XVIII, vislumbrado por Gondar (2008, p. 3),
mencionando o “período no qual a memória oral convive e imbrica-se com a
memória escrita, promovendo práticas múltiplas, onde ora o texto retoma à
oralidade, ora a escrita se articula ao gesto”.
No entanto, para o historiador francês Pierre Nora (1978, 1993) esta
imbricação ganha um contorno dicotômico – e polêmico. Nora defende como
memória somente a memória oral, espontânea e ancestral, a “arte de lembrar”
reverenciada pelos antigos, as narrativas que eram passadas de pai para filho. Nora
(1993, p. 9) relata que os registros, a memória escrita, seriam como uma história-
memória: “a memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno
presente, a história, uma representação do passado”. Neste aspecto, concordamos
30
com Assmann (2011) quando assinala que a história e a memória não precisam
excluir-se, nem se recalcar mutualmente. A autora considera as duas como forma de
recordação.
Dito isto, em que pese compactuarmos com Assmann (2011) sobre sua crítica
à este aspecto levantando por Pierre Nora, destacamos também que a teoria de
Nora é importante para inaugurar um conceito com o qual iremos trabalhar, os
lugares de memória. Conceito este o qual validamos à revelia das noções
apocalípticas trazidas por Nora (1993, p. 7): “há locais de memória porque não há
mais meios de memória”, ou como explica Oliveira (2010, p. 41): “nas sociedades
tradicionais, a memória estava incorporada ao cotidiano através da tradição e dos
costumes. No mundo moderno, ela precisa ser incorporada a lugares socialmente
instituídos para ser produzida e reproduzida”.
Em que pesem as noções de memória apresentadas por Nora, convocamos,
mais uma vez, Assmann (2011) para assinalar que se há o desaparecimento da
memória, isto é verdade apenas na medida em que há o descrédito de algumas
formas de recordar, posto que as diversas formas de recordar são definidas
culturalmente e variam ao longo do tempo, assim como variam os próprios lugares
de memória e seus sentidos material, simbólico e funcional, visto que, para Nora, os
lugares são, numa simplificação simbólica, uma chamada concentrada da lembrança
e esta, nos termos de Sarlo (2007, p. 10) “precisa do presente”, ou como reforça
Thiesen (2017, p. 372) é “um fenômeno do passado no presente”.
Em outros termos, ainda que Nora defenda a aniquilação do homem-memória
em si mesmo, argumentamos que este homem tipificado não se desgarra da
memória, mas inaugura outros e novos lugares residuais e sociais, coletivos,
afetivos, individuais, materiais, intangíveis que se estabelecem dialeticamente na
sociedade.
O sociólogo austríaco Michael Pollak (1992, p. 2), por seu turno, retoma
Halbwachs e divide os elementos constitutivos da memória em os acontecimentos
vividos pessoalmente e os acontecimentos que ele chama de “vividos por tabela”, ou
seja:
[...] acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa se sente pertencer. São acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre participou mas que, no imaginário, tomaram tamanho relevo que, no fim das contas, é quase impossível que ela consiga saber se participou ou não.
31
Neste sentido, Halbwachs (1990) afirma que o sujeito da memória é coabitado
por diferentes pontos de vista. O confronto entre estes pontos de vista constitui a
própria matéria da memória, pois como nos lembra Jeudy (1990, p. 13) “uma
memória não se molda necessariamente a uma ordem cronológica, que ela pode ser
irruptiva, projetiva, confusa, contraditória [...]”, em sua negociação com diversos
agentes.
Deste modo, este sujeito da memória necessariamente habita um espaço e
nele ora vive os acontecimentos ora “pensa que viveu” (por tabela) aquela matéria
que já é passado, ou presente-passado, no sentido Agostiniano, como uma memória
de segundo grau Sarlo (2007). Estes são tão somente os pontos de vista
institucionalizados, de peso (no sentido Foucaltiano), lugares de memória validados,
testemunhos pessoais contados e recontados, registrados, documentados e ainda
em fluxo no espaço contemporâneo.
Sarlo (2007) nos traz uma interessante contribuição sobre este ponto em que
chegamos. A autora nos lembra da importância do testemunho e da narração da
experiência, como um renascimento do Sujeito, que morreu (SARLO, 2007;
HUYSSEN, 2000), mas voltou a protagonizar (assombrar?) pesquisas quando do
recente boom da memória nos últimos tempos (SILVA, 2002; HUYSSEN, 2000).
Para a autora, esta é a guinada subjetiva.
Nesses termos, a contribuição de Sarlo em nos lembrar do caráter do
testemunho como gerador de documento e memória coaduna com as colocações de
Pollak e Halbwachs, visto que a força e a permanência de um determinado
testemunho/relato, que, em realidade, é um ponto de vista, tanto pode se dar de
maneira marginalizada (ou até mesmo silenciada), como pode encontrar sua
estrutura material nas inúmeras formas de discurso urbano nas metrópoles, ainda
por cima, no contexto mundializado de uma sociedade midiatizada. De forma que a
repetição desse testemunho, imbuído de memórias de primeiro grau e experiências,
traz ao presente o passado. Num continuun. Como se ele nunca tivesse passado. E
tais memórias também fossem nossas.
Sobre isso, Sarlo (2007, p. 15-17) comenta que:
O passado volta como quadro de costumes em que se valorizam os detalhes, as originalidades, a exceção à regra, as curiosidades que já não se encontram no presente [...] Esses sujeitos marginais, que teriam sido relativamente ignorados em outros modos de narração do passado,
32
demandam novas experiências de método e tendem à escuta sistemática dos “discursos de memória”: diários, cartas, conselhos, orações.
Ao que neste trabalho acrescentamos a informação musical, as narrativas
registradas por um músico em meio a sua época, documento reproduzido amiúde,
de caráter simbólico e afetivo, como vimos no item 2.1. Sobre isto, Sarlo (2007, p.
24-25) ainda nos dá outra pista: “a narração da experiência está unida ao corpo e à
voz, a uma presença real do sujeito na cena do passado”, posto que “a linguagem
liberta o aspecto mudo da experiência, redime-a de seu imediatismo ou do seu
esquecimento e a transforma no comunicável, isto é, no comum”.
Assim, para a autora Sarlo (2007, p. 24-25), essa narração “funda uma
temporalidade que, a cada repetição e a cada variante torna a se atualizar”. Esta
noção coaduna com a percepção do documento apresentada por Saldanha (2013),
cuja argumentação sustenta que os documentos são entidades sociais vivas,
inseridos em redes socais, portanto, inesgotáveis.
O efeito da reprodutibilidade do documento - neste caso, a informação
musical - e o seu caráter inesgotável expandiu a sensação (e as possibilidades) da
experiência, não a aniquilando, como havia preconizado Walter Benjamin. Embora,
como nos alerta Sarlo (2007), toda reconstituição do passado é hipermediada,
exceto a experiência que coube ao corpo e à sensibilidade de um sujeito, o autor
das letras das canções, por exemplo.
Mesmo assim, os efeitos dessa reprodutibilidade expandem no tempo e no
espaço a experiência primeira. Sarlo (2007, p. 93) descreve que está posto que não
é mais a mesma, mas outra, coletiva e vicária: “toda experiência do passado é
vicária, pois implica sujeitos que procuram entender alguma coisa colocando-se,
pela imaginação ou pelo conhecimento, no lugar dos que viveram os fatos”, o que é
muito diferente de afirmar que a experiência foi aniquilada em tempos de
reprodutibilidade (talvez, em seu aspecto aurático), mas não como memória (social e
coletiva) e, portanto, fonte de informação e reconstituição do passado.
Sobretudo, num contexto onde todas as experiências e testemunhos do
tempo passado chegam ao indivíduo contemporâneo por meio das reproduções,
seja pela imprensa clássica, seja pelas mídias de massa ou digitais, seja - inclusive -
pela experiência de seus ancestrais vivos que, por sua vez, também se viram
inseridos num contexto de intensa reprodução, qual a tônica do século XX. O
conceito de “Pós-memória” desenvolvido por Marianne Hirsch (2008) tenta dialogar
33
com esta dimensão, onde, para a autora, a Pós-memória seria a “memória” dos
filhos sobre a memória dos pais.
Nas palavras de Hirsch (2008, p. 103), a Pós-memória “aponta para a relação
da segunda geração com experiências marcantes, muitas vezes traumáticas, que
são anteriores ao seu nascimento, mas que, não obstante, lhes foram transmitidas
de modo tão profundo que parecem constituir memórias em si mesmas”.
Sarlo (2007) faz críticas contundentes ao conceito de Pós-memória, tal como
apresentado por Hirsch. Para Sarlo, toda essa descrição não é nada mais do que
uma memória de segundo grau, no que concordamos. No entanto, a esta
abordagem específica acentuada pela Pós-memória acerca da experiência do
trauma - que consegue ser compartilhada com os atores do presente - ressaltamos
que nos é muito pertinente, pois coaduna com o conceito de Ferida Coletiva,
desenvolvido por Paul Ricoeur (2007), no qual se verifica que às feridas coletivas
(de natureza simbólica) se avizinha a violência efetiva. Para Ricour, esta memória
coletiva não é tão externa como vimos em Halbwachs, mas antes, atualizada pelos
sujeitos. Aqui, a memória deixa a ferida aberta.
Nesse sentido, podemos afirmar que a atualização desta memória é realizada
nas práticas sociais desses sujeitos. Assim, concordamos com Huyssen (2000, p.
21) quando este autor expõe que “não podemos discutir memória pessoal,
geracional ou pública sem considerar a enorme influência das novas tecnologias de
mídia como veículos para todas as formas de memória”. Como se a lógica midiática
onde toda a sociedade está inserida (e exposta, ou se expondo – ao mesmo tempo),
não deixasse o tempo passado aquietar-se, mas, sim, encantar-se, numa possível
autoficção. Segundo Sarlo (2007, p. 93) “Jornais, televisão, vídeo, fotografia são
meios de um passado tão forte e persuasivo como a lembrança da experiência
vivida, e muitas vezes se confundem com ela”.
Por isso, ressaltamos que a experiência da memória nos centros urbanos não
pode ser isolada acusticamente. As cidades modernas se tornaram algo perto do
videoclíptico, em que seus sujeitos, ansiosos-retrô, constituem suas identidades,
seus registros documentais (seu passado) entre o lembrar e o esquecer, o individual
e o coletivo.
3.2 LEMBRAR E ESQUECER NA CIDADE
34
Massoni (2017, p. 148) sustenta que podemos pensar a memória social como
“um organismo vivo, formado por diferentes grupos e dinâmicas sociais, que têm a
cidade como um dos pontos de contato e rememoração”. Desta forma, as cidades
serão, aqui, o palco dessas relações, em que nos termos de Dodebei e Storino
(2007, p. 276) “são espaços urbanos reais, mas são, sobretudo, espaços
imaginados por cada um de nós na revolução criadora da nossa memória”.
É na cidade que o indivíduo contemporâneo exerce cotidianamente a
“memória hábito” de Bergson e é nesse mesmo espaço que o indivíduo acessa não
somente a sua memória individual/pessoal, mas também e, sobretudo, a memória
coletiva - a narrativa não somente dos seus pares de indivíduos, como as narrativas
da própria cidade, dos acontecimentos e personagens dessa cidade, como vimos
em Pollak. De forma que, ao fim, as narrativas internas do indivíduo (uma festa de
aniversário, o falecimento de um familiar) já está sobremaneira imbricada com as
narrativas externas (a demolição de um casario do século XIX, a mudança da
paisagem urbana, a patrimonialização de uma rua).
Desse modo, dissociar o individual do coletivo nas cidades além de uma
tarefa hercúlea, atingiria noções de pertencimento e identidade, o que resvalaria
quase numa aporia, nesses termos. Ademais, o que restaria do indivíduo sem as
marcas do coletivo? Ter-se-íamos ainda o gentílico ou até mesmo o sotaque e seus
ritmos apontando para o quanto de litoral, agreste ou de sertão temos em nós?
Mesmo que mudemos de cidade (de país), ainda outra cidade nos habitaria em
nossa lembrança alegórica.
Assim, coloca Massoni (2017, p. 148) “as lembranças e esquecimentos, as
ruínas e locais de uma cidade podem estabelecer um diálogo próximo, bem como
um silêncio distanciado, com seus habitantes”, visto que as cidades são o que
Corboz (2001) chama de “territórios-palimpsestos”, ou seja, um lugar onde as
narrativas e as paisagens são sobrepostas no tempo e no espaço, coexistindo
simultaneamente o novo e os rastros, os vestígios do passado, formando um borrão
de memórias.
A ideia da superposição de tempos em um mesmo espaço, que caracteriza a
ideia do palimpsesto como conhecemos, e o que permite essa alegoria, encontra
fundamento também no que diz Calvino (1990), ao defender que uma cidade abriga
muitas outras cidades. Desta maneira, entendemos que há a cidade como a vemos,
a cidade que está desperta, e outras, ocultas, em eco, mas cujas representações e
35
reconstituições ainda são evocadas por algumas chamadas à lembrança, alguns
lugares de memória, como a informação musical, as canções populares urbanas.
Canevacci (2004, p. 18) observa que esse território é palimpséstico também
sonoramente. Para o autor, as cidades são aglomerações polifônicas, caracterizadas
“pela sobreposição de melodias e harmonias, ruídos e sons, regras e
improvisações”. Neste sentido, Lima Filho (2007, p. 336) completa que a cidade
forma “uma matéria, histórica, cultural, polissêmica que emoldura um quadro de
meta narrativas, imagens, lembranças e sociabilidades”. Contextualmente, o
indivíduo urbano habita este espaço e interage com ele criando e absorvendo as
informações sonoras em uma Paisagem Sonora8 Schafer (2001) termo referente a
este - sempre presente - ambiente de sons ao nosso redor.
Observando este viés, é até difícil isolar acusticamente a experiência humana
nos centros urbanos, visto que a polifonia diária (desde sirenes, buzinas, de apitos à
vinhetas de programas televisivos, radiofônicos ou som de fogos de artifício) sempre
vai indicar algo e, naturalmente, inspirar sensações. Para Menezes (2016), essa
experiência ruidosa nas cidades vai criar no homem uma espécie de Vínculo
Sonoro, uma concepção de comunicação como atividade vinculadora, isto é,
geradora de ambientes de afetividade.
Os vínculos sonoros são constituídos por uma complexa trama de matizes
afetivos Menezes (2016). Assim, estamos vinculados à nossa paisagem sonora e
aos seus elementos, não somente pelo que o som nos indica (como as badaladas
de um sino de igreja às 18h), mas, também, pelo que nos contam (e recontam) as
suas narrativas, como as letras das músicas populares. Tais narrativas, ao
ensejarem reconstituir o passado da cidade do Recife - por meio de sua presença
efetiva e justaposição no espaço-tempo - sua memória, seus costumes, histórias,
personagens, contextos, bordões, conduzem o flâneur (aqui, os sujeitos ouvintes ou
leitores) em direção a um tempo que desapareceu, mas cujas esquinas - ou dobras -
da cidade-palimpsesto podemos tentar reconstituir.
Sobre isto, Maia (2005, p. 80), analisando os percursos de Michel Maffesoli,
sobre a experiência compartilhada nas cidades, comenta que “Maffesoli mostra a
nossa capacidade de produzir um ‘curto-circuito’ no tempo e no espaço através da
comunicação” posto que “ocupamos um espaço material (ruas, monumentos,
8 No original, Soundscape, um neologismo criado pelo autor na década de 70 e que tem sido consensualmente traduzido nos países latinos por paisagem sonora.
36
trânsito) e também imaterial a partir das imagens de diversas ordens”, sobretudo a
cartografia simbólica do passado evocada pelas narrativas da informação musical,
no caso das músicas populares urbanas.
Essa ambiguidade assinalada por Maffesoli é demonstrada também por
Gonçalves (2005) e Freitas (2014), ao nos lembrar que a ambiguidade é justamente
a marca central daquilo que entendemos hoje como patrimônio. Para os autores, o
patrimônio, situado entre o passado e o presente, entre a história e a memória, entre
o material e o imaterial, enseja uma capacidade de ser instrumento mediador entre
essas várias esferas e campos. É neste sentido que não podemos perder de vista,
neste trabalho, que a música popular urbana denominada frevo, não somente letra e
música, mas também o conjunto cultural contemplado nesse termo, tal como dança,
coreografia, festa, foi declarado, em 2012, Patrimônio Cultural Imaterial da
Humanidade, como podemos acompanhar nos termos do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, o Iphan (2018, p. 1):
O Frevo - inscrito no Livro de Registro das Formas de Expressão, em 2007 - é uma forma de expressão musical, coreográfica e poética densamente enraizada em Recife e Olinda, no Estado de Pernambuco. Surgiu no final do século XIX, no Carnaval, em um momento de transição e efervescência social, como expressão das classes populares na configuração dos espaços públicos e das relações sociais nessas cidades. Em 2012, o Frevo: expressão artística do Carnaval de Recife foi incluído na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade da Unesco.
Ainda nas palavras do Iphan (2018, p. 1), a história do frevo está registrada
na memória coletiva do povo pernambucano:
[...] A riqueza melódica, criatividade e originalidade proveniente da grande mescla com gêneros diversos, somadas à inventividade e capacidade criadora dos seus compositores, engrandecem e legitimam as múltiplas identidades, assim como a diversidade cultural do povo brasileiro [...] Do repertório eclético das bandas de música, composto por variados estilos musicais, resultaram suas três modalidades, ainda vigentes: frevo de rua, frevo de bloco e frevo-canção [...] Produto desse contexto sociohistórico singular, desde suas origens, o Frevo expressa um protesto político e uma crítica social em forma de música, de dança e de poesia.
Assim, este percurso nos permite inferir, sobre essas expressões musicais e
suas narrativas na cidade do Recife – e muitas vezes sobre a cidade do Recife,
como veremos mais à frente-, que elas ocupam, nos termos vistos acima, uma
capacidade mediadora entre o presente e o passado, o material e o imaterial, a
história e a memória. Esta dimensão é observada também por Crippa (2011, p. 247),
37
quando afiança que “não faz sentido uma separação entre patrimônio tangível e
intangível ou objeto e processo, pois ele só se explica nesta relação”.
Ainda segundo Crippa (2011, p. 247), uma vez essa dimensão constatada,
“obriga qualquer ato documentário ir além da descrição dos produtos ou documentos
originais de uma manifestação cultural e considerar os processos que garantiram
sua produção”. É neste sentido que Crippa (2009) alega que a discussão sobre o
patrimônio documental permitiu repensarmos o conceito de documento, o que é
essencial dentro das dinâmicas da Ciência da Informação.
Assim, em última análise, colocamos que essa informação musical, popular e
urbana, o frevo – documento e patrimônio – executado/encenado amiúde, vai contar
e recontar as narrativas sobre a própria cidade, como é o caso das narrativas
apresentadas nas letras dos frevos do maestro Nelson Ferreira, um dos autores
mais populares e influentes da história do ritmo no Brasil (SALDANHA, 2008;
TELES, 2008; BELFORT, 2009).
3.3 NELSON FERREIRA E A CIDADE DO RECIFE
Nascido em Bonito, no interior de Pernambuco, no início do século XX,
Nelson Ferreira foi um importante músico e compositor brasileiro. Aos 13 anos já se
apresentava ao piano em pensões e cafés noturnos da zona boêmia da cidade do
Recife, depois passou para o cinema mudo e pela primeira gravadora de discos do
Nordeste, a Rozenblit. Belfort (2009).
Embora tenha iniciado sua carreira musical como exímio compositor de
polcas e valsinhas, o reconhecimento profissional veio com as suas composições de
marcha carnavalesca, o frevo, um ritmo ainda recente nas primeiras décadas do
século XX e genuinamente pernambucano, resultante a partir da mistura do dobrado
e da polca-marcha e com influências do maxixe, na dança, do jogo de capoeira,
Saldanha (2008). Sobre as variações do gênero frevo e a fim de entendermos
melhor o que será analisado, convocamos Vila Nova (2006, p. 100), que nos
descreve:
[...] a partir da década de 30, com a popularização do ritmo pelas gravações em disco e pela difusão radiofônica, convencionou-se dividir o frevo em Frevo de Rua (quando puramente instrumental), Frevo Canção (variação cantada do frevo com uma introdução orquestral e andamento melódico, típico dos Frevos de Rua) e o Frevo de Bloco (executado por um coro de
38
vozes femininas, com um andamento mais lento, que se faz acompanhar de uma orquestra de pau e corda, isto é, formada por violões, banjos, clarinetes, contrabaixos e percussão.
Assim, inserido nesse contexto, Nelson Ferreira, como nos alude Saldanha (2008, p. 105):
[...] viveu intensamente a todos os acontecimentos e momentos que agitaram o Recife desses primeiros tempos do século XX. Viu a cidade se transformar rapidamente no período Pós Primeira Guerra Mundial, bem como passar a usufruir os avanços tecnológicos advindos do Pós Segunda Grande Guerra. Este cenário, através dos seus personagens e da cidade em si mesma, foi a grande fonte de inspiração para as suas composições.
Saldanha (2008) nos relata que Nelson Ferreira foi, a partir da década de
1930, a figura mais importante do setor artístico dentro da Rádio Clube do Recife.
Lá, foi diretor artístico, produtor, animador de auditório, noticiarista, locutor, e se
preciso, até rádio-ator. Esta intensa participação de Nelson Ferreira nos espaços
artísticos lhe concedeu a fama de “o dono da música”, um papel de prestígio que,
segundo Belfort (2009, p. 33), ele exerceu por mais de 50 anos.
Tanto Saldanha (2008) como Belfort (2009) sinalizam para o impacto que a
cidade do Recife exerce nas composições do garoto vindo do interior, “cidade esta
que se tornaria o palco de toda a sua trajetória musical” Saldanha (2008, p. 104), de
forma que, como podemos observar em Belfort (2009), Nelson Ferreira está tão
presente no cotidiano dos pernambucanos que, por vezes, nem nos damos conta
que é de sua autoria inúmeros jingles publicitários, políticos e até os “hinos” não-
oficiais do Sport Clube do Recife (Casá, Casá..), do Clube Náutico Capibaribe e do
Santa Cruz Futebol Clube. Para Saldanha (2008), Nelson foi, talvez, a maior
expressão local da cultura popular urbana em seu tempo, sendo ainda hoje um dos
mais significativos.
Assim, em última análise, destacamos que como um indivíduo do seu tempo e
interagindo dentro do ambiente urbano da cidade, residindo em seu centro,
acompanhando as transformações da paisagem urbana e também as da festa do
carnaval de rua, frequentando tanto a vida noturna da região portuária, como as
antessalas da burguesia, Nelson Ferreira vai registrar diversas representações da
cidade do Recife nas letras de seus frevo-canção e frevo-de-bloco.
39
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, tendo caráter exploratório e
documental. Para alguns autores (GIL, 2002; CERVO; BERVIAN; SILVA, 2007),
recomenda-se a pesquisa exploratória quando há pouco conhecimento sobre o
problema a ser estudado. Assim, compreendemos que esta orientação está em
consonância não só com o problema apresentado anteriormente, a incipiência de
trabalhos na Ciência da Informação que tenham investigado a informação musical
para subsidiar estudos sobre a memória, mas também no tocante ao próprio
universo desta pesquisa, uma vez que este é o primeiro contato mais amplo com as
letras de frevo do maestro Nelson Ferreira.
Ainda nesse sentido, os métodos também buscaram alcançar os objetivos
propostos, precisando para isso estarem alinhados entre si. Para tanto, foi adotado o
método de Análise de Conteúdo de Bardin (2009), autora amplamente discutida no
Brasil e cuja argumentação teórica defende, entre outras coisas, que alcançar os
objetivos numa pesquisa só é possível em função dos documentos disponíveis. E é
por isto que este trabalho se debruçou sobre a obra do maestro Nelson Ferreira, no
intuito de explorar o vasto material deixado pelo músico, afim de, com isso, compor
um corpus documental homogêneo e coerente.
Oriunda das ciências sociais como uma técnica para investigar o conteúdo
das comunicações, a análise de conteúdo é definida por Bardin (2009 apud
CHIZZOTI, 2018, p. 98) como “o conjunto das técnicas de análise de comunicação
que contém informação sobre o comportamento humano atestado por uma fonte
documental”. Chizzotti (2018, p. 98) nos acrescenta que “a análise de conteúdo é um
método de tratamento e análise de informações, colhidas por meio de técnicas de
coleta de dados, consubstanciadas em um documento”, ainda segundo o autor, esta
técnica “se aplica à análise de textos escritos ou de qualquer comunicação (oral,
visual, gestual) reduzida a um texto ou documento”.
Dessa forma, Bardin (2009, p. 134) nos esclarece ainda que a análise de
conteúdo é uma técnica que visa revelar o que está escondido ou subentendido, e
que por isso, segundo a autora, a mensagem pode ser submetida a uma ou várias
dimensões de análise, posto que “o estudo da mensagem poderá fornecer
informações relativas ao receptor ou ao público”. Ainda sobre isso, Bardin (2009, p.
40
134) afiança que “qualquer análise de conteúdo passa pela análise da própria
mensagem. Esta constitui o material, o ponto de partida, o indicador”.
Para isso, a análise desta mensagem/conteúdo organiza-se em torno de três
polos cronológicos definidos por Bardin (2009) como: 1) Pré-análise, 2) Exploração
do material e 3) Tratamento dos resultados obtidos. Em cada fase, agrupam-se
outras fases, as quais são permeadas por algumas etapas e regras que buscarão
viabilizar a pesquisa.
De acordo com Bardin (2009), a Pré-análise é a fase de organização
propriamente dita, onde tudo começa, de onde tudo parte. Esta fase tem por objetivo
tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, limpando as arestas da intuição
primeira, posto que a autora nos reforça que a escolha dos documentos depende
dos objetivos e que, também o objetivo, só é possível em função dos documentos
disponíveis.
Destarte, geralmente a pré-análise é caracterizada por cinco importantes
missões, a chamada leitura flutuante dos documentos, a escolha dos documentos a
serem submetidos à análise, a formulação das hipóteses e dos objetivos e a
elaboração de indicadores que fundamentem a interpretação final. A autora nos
lembra que estes fatores não se sucedem, obrigatoriamente, segundo uma ordem
cronológica, embora se mantenham estreitamente ligados uns aos outros, de forma
que a pré-análise, mesmo tendo como objetivo a organização, ela própria, é
composta por atividades não estruturadas.
Como primeira atividade, a leitura flutuante estabelece o contato inicial com
os documentos que serão analisados, numa atividade que, segundo Bardin (2009),
vai aos poucos se tornando mais sólida em função das hipóteses emergentes,
estruturando assim o corpus da pesquisa. Para Bauer (2002), a construção de um
corpus garante a eficiência que se ganha na seleção de algum material para
caracterizar o todo, ao que o autor (2002, p. 41) questiona e sentencia “como pode o
estudo de uma parte fornecer um referencial seguro do todo? A chave pra decifrar
esse enigma é a representatividade”. Neste sentido, naturalmente, a constituição de
um corpus vai implicar não somente escolhas, mas também algumas regras.
Bardin (2009) classifica um conjunto de regras para a escolha dos
documentos e as define como: a regra da exaustividade, referindo-se à junta
exaustiva dos documentos que compõem o corpus, bem como a devida justificativa,
no plano do rigor, daquilo que será deixado de fora. No entanto, admitindo que o
41
êxito de uma pesquisa não se dá necessariamente por conta do volume do corpus, a
regra da representatividade garante que a análise pode se realizar numa amostra
desde que o material a isso se preste e sendo a amostra uma parte representativa
do universo inicial.
A regra da homogeneidade também nos orienta quanto à seleção dos
documentos, pois aponta a importância de montar um corpus com documentos
homogêneos, ou seja, que não apresentem demasiada singularidade fora dos
critérios de escolha, como por exemplo, documentos de texto e de imagem
submetidos a uma mesma análise. Além disto, a regra da pertinência corrobora com
este último aspecto, pois nos lembra que o corpus precisa ser coerente e se alinhar
aos objetivos que suscitam a análise.
Selecionados os documentos, a formulação das hipóteses e dos objetivos
dará o contorno em torno do qual a análise seguirá. Bardin (2009) ressalta que o
objetivo é a finalidade geral do pesquisador, contudo, a autora nos lembra que não é
obrigatório ter como guia um corpus de hipóteses para se proceder a análise, pois
algumas análises efetuam-se sem ideias pré-concebidas, ainda assim, a autora nos
alerta que o trabalho do analista é orientado, muitas vezes, por hipóteses implícitas,
ao que é preciso estar atento. Diante disto, referenciar os índices e elaborar os
indicadores consistirá na etapa em que o corpus é percorrido e a comunicação dos
documentos transformada em indício daquilo que se quer investigar.
Contudo, como estamos tratando de uma análise, essa comunicação
precisará ser decomposta ainda mais para que todas as suas partes sejam
submetidas ao exame. Assim, na segunda fase do polo cronológico, encarrega-se
disto a etapa da exploração do material, por meio da codificação e da categorização
dos dados. Nos termos de Bardin (2009), tratar o material é codificá-lo. Para a
autora, a codificação corresponde a uma transformação dos dados brutos do texto, o
que permite atingir uma representação do conteúdo, ou da sua expressão, a fim de
fornecer ao analista as características do texto que podem servir de índices.
Ainda nesse sentido, esta etapa é marcada também pela transformação
sistemática dos dados brutos em unidades de análise, as quais permitem uma
descrição exata das características pertinentes ao conteúdo. Tais unidades,
classificadas por Bardin como unidades de registro e unidades de contexto devem
responder aos objetivos da análise. Buscando uma definição para ambas as
unidades, podemos ressaltar primeiramente que a unidade de registro é, nos termos
42
estabelecidos por Bardin, um segmento mínimo de conteúdo, ou seja, uma palavra,
frase, personagem ou unidade semântica como, como um tema.
Já as unidades de contexto, por seu turno, seriam um tipo de segmento mais
longo de conteúdo o qual o pesquisador consideraria para entender melhor a
unidade de registro, de forma que se a palavra for a unidade de registro em questão,
a frase pode ser a unidade de contexto, como algo mais amplo, que vem
complementar, posto que, com efeito, acaba-se tornando necessário, na maioria dos
casos, fazer referência ao contexto próximo ou longínquo das unidades de registro,
bem como de outras unidades que também são referenciadas, como a unidade
“personagem” e a unidade “acontecimento”.
Desta forma, escolher as unidades nos encaminha à próxima etapa, a
categorização, a qual precede a definição propriamente dita de quais categorias
serão utilizadas. Em suma, a categorização é a passagem dos dados brutos a dados
organizados, fornecendo-lhes uma representação simplificada. Bardin (2009, p. 118)
afirma que “a partir do momento em que a análise de conteúdo decide codificar o
seu material, deve produzir um sistema de categorias”. Para a autora, classificar
elementos em categorias impõe a investigação do que cada um deles tem em
comum com outros. Assim, o que vai permitir o seu agrupamento é a parte comum
existente entre eles.
Ainda de acordo com a autora, a categorização comporta duas importantes
etapas: “o inventário: isolar os elementos; a classificação: repartir os elementos
procurando uma certa organização às mensagens”. Nos termos de Bardin, existem
boas e más categorias, no entanto, um conjunto de boas categorias deve possuir
qualidades como: 1) exclusão mútua; 2) homogeneidade; 3) pertinência; 4)
objetividade e fidelidade; 5) produtividade. Demonstrando, assim, que o processo de
categorização vai influenciar diretamente no tratamento dos resultados obtidos, a
terceira fase da análise de conteúdo, por meio da inferência.
Sobre esta última etapa, Bardin (2009, p. 101) nos garante que “o analista,
tendo à sua disposição resultados significativos e fiéis, pode então propor
inferências e adiantar interpretações a propósito dos objetivos previstos, ou que
digam respeito a outras descobertas inesperadas”. Assim, são estes processos que
esta pesquisa pretende adotar em seu percurso metodológico.
Neste sentido, com o intuito de visualizar as escolhas tomadas pela presente
pesquisa, vamos acompanhar o seguinte quadro que busca ilustrar,
43
esquematicamente, como este estudo foi enquadrado com seus objetivos dentro da
proposta metodológica de Bardin.
Quadro 1 – Demonstração dos objetivos e planejamento das etapas
ETAPAS DA PESQUISA
✓ Objetivo
Mapear as letras de frevo escritas pelo maestro Nelson
Ferreira, num recorte de 1923 a 1976;
▪ Etapa
Para mapearmos as composições com este recorte (1923,
o ano da primeira gravação em vinil de um frevo do
maestro Nelson Ferreira, e 1976, ano de sua morte)
percorremos os acervos das seguintes instituições de
pesquisa: Fundação Joaquim Nabuco
(Fundaj/Massangana), o Memorial Denis Bernardes
(UFPE) e o Centro de Documentação e Memória Maestro
Guerra-Peixe (Paço do Frevo). Todos estes espaços são
reconhecidos pela salva-guarda da memória do frevo
pernambucano e possuem em seus acervos alguns
registros em áudio, vídeo, texto e partitura dessa
expressão musical. Além desses órgãos oficiais, foram
acessados também os sites www.letras.mus.br,
www.spotfy.com.br e www.deezer.com.br. O primeiro
endereço, por se tratar de um grande site de conteúdo
colaborativo, foi utilizado para que comparemos as letras
postadas pelos internautas com as letras recolhidas em
audição por meio dos LPs encontrados nas instituições
citadas, numa tentativa de observar possíveis corruptelas
nas letras. Já os dois últimos sites foram utilizados para
acessarmos as playlists da Rozenblit, que estão
disponíveis em ambas as plataformas, a fim de nos
cercarmos exaustivamente do que há disponível hoje.
44
Estas estratégias de audição também foram tomadas
porque as duas coletâneas analisadas não possuem o
chamado “encarte interno” do álbum, o que era muito
comum à época.
Esta etapa faz parte da Pré-análise, onde é estabelecido o
primeiro contato com os documentos, deixando-se invadir
por impressões e orientações, por meio da leitura
flutuante, observando inclusive as limitações desse
conjunto de documentos por meio das regras da
exaustividade, representatividade, homogeneidade e
pertinência, já podendo com isso vislumbrarmos a
escolha dos documentos.
✓ Objetivo
Verificar quais letras de Nelson Ferreira foram gravadas
nas coletâneas da extinta gravadora pernambucana
Rozenblit- “O que eu fiz... e você gostou” (1959) e “O que
faltou... e você pediu” (1968) - estabelecendo um corpus
▪ Etapa
Encontramos as coletâneas, realizamos a audição de
todas as faixas dos dois LPs citados, transcrevemos o
conteúdo de áudio e anotamos o nome de todas as faixas
que aparecem na contracapa dos dois vinis e as possíveis
informações técnicas, como o ano da composição.
Ainda na Pré-análise, ante a exploração dos materiais,
temos aqui a formulação de uma possível hipótese que
nos leva a verificar as letras que foram gravadas nestas
coletâneas, visto que muitas das músicas, como vimos em
1.1*, não foram gravadas ou se perderam com o tempo.
✓ Objetivo
Identificar nas letras das canções de frevo, presentes nas
duas coletâneas citadas, a existência de elementos que
45
reconstituam a memória da cidade do Recife
▪ Etapa
Para isso, percorremos minuciosamente as letras
coletadas na etapa anterior buscando identificar as
unidades de análise (registro, contexto) que foram
isoladas, examinadas e categorizadas.
Finalizando a primeira fase, este objetivo tenta alcançar a
referenciação dos índices, a elaboração de indicadores
e a interpretação, buscando no exame das letras o indício
daquilo que se quer investigar. Contudo, este objetivo já
contém também o olhar da segunda fase, pois já
estaremos, com isso, realizando a exploração do
material e, consequentemente, a codificação dos dados
brutos em unidades, bem como a definição das principais
categorias, por meio do processo de categorização.
✓ Objetivo
Estabelecer conexões entre as letras das canções
analisadas e a memória histórica e afetiva da cidade do
Recife.
▪ Etapa
Após isoladas e categorizadas as unidades de análise,
examinamos também as subcategorias e com isso a
frequência temática dos conceitos dentro de quadros
comparativos, para a partir disso e com o suporte da
pesquisa documental, interpretarmos e estabelecermos as
conexões entre os resultados, ou seja, as categorias foram
conectadas com publicações exógenas a fim de
contextualizá-las à memória da cidade.
Nesta terceira fase, o tratamento dos resultados
obtidos, desempenha-se o que Bardin considera analisar
os dados isolados, categorizados e transformados no que
46
a autora (2009, p. 101) classifica como “dados
significativos (falantes) e válidos” com os quais o analista
pode adiantar interpretações a propósito dos objetivos
previstos – ou que digam respeito a outras descobertas
inesperadas, buscando realizar a inferência, por meio da
criação de quadros comparativos, fundamentados e
contextualizados.
Fonte: A autora (2018)
4.1 MATERIAIS E MÉTODOS
Gil (2006) nos lembra que o importante na Análise de Conteúdo é que fique
claro como os dados foram obtidos. O autor acrescenta também que na
categorização dos dados, o que deve ou não ser incluído é uma decisão do
pesquisador. Neste ponto, podemos perceber então uma certa autonomia do
pesquisador, o que está em consonância com o objetivo metodológico deste
trabalho de atender a uma razão cordial, em detrimento de esquemas
quantitativos/estatísticos fechados.
Entretanto, como vimos, as decisões do pesquisador, em que pese sua
autonomia, serão sustentadas por orientações e algumas regras, as quais
viabilizarão a coerência do corpus. Desta forma, podemos afirmar que o conjunto
dos materiais e métodos é o resultado da liberdade (intuição) do pesquisador com a
guiança (rigor) do esquema metodológico adotado, como se este dirigisse o espírito
da investigação.
Nesses termos, podemos então dissertar um pouco sobre o universo desta
pesquisa e antecipar algumas propostas de análise. Como foi visto no item 1.2, o
corpus em questão será composto pelas letras de frevo do maestro Nelson Ferreira
que foram gravadas em duas coletâneas “O que eu fiz e você gostou...” de 1959 e
“O que faltou e você pediu..”, de 1960, ambas, pela fábrica de vinil e gravadora de
discos pernambucana Rozenblit.
O maestro Nelson Ferreira compôs em torno de 600 músicas Belfort (2009)
entre frevos, valsas, marchinhas, polcas, jingles políticos e até canções temáticas
47
para festas de 15 anos, como podemos ver no Anexo 1 deste trabalho,
apresentando ao longo da vida uma carreira versátil e requisitada, como veremos no
item 3.3. Contudo, tendo sido as suas composições de frevo, tanto as letradas como
as instrumentais sua obra mais expressiva e, consequentemente, executada até os
dias de hoje, decidimos analisar a reconstituição da memória da cidade do Recife
nas letras de seus frevos canção e de bloco.
No entanto, percebemos que optar pela totalidade resvalaria em um problema
à análise, pois nem todos os frevos escritos pelo maestro foram gravados, tendo
muitos se perdido com o tempo, como podemos acompanhar neste trecho da
biografia “Nelson Ferreira: o dono da música”, escrita pela jornalista Belfort (2009, p.
147):
Uma obra tão vasta quanto significativa. Assim podemos descrever a produção autoral de Nelson Ferreira. Mesmo não se dispondo de números concretos, o compositor seguramente superou as 600 músicas compostas. Ainda em 1957 estimava ter escrito cerca de 500 canções. O certo é que muita coisa deve ter se perdido ao longo de sua vida, a exemplo da que deve ter sido a sua última criação, o frevo Vamos amar mais o Recife, uma das muitas homenagens que prestou à cidade. Numa matéria publicada em fevereiro de 1961, o músico confessou uma certa falta de precisão com o registro de suas obras, motivado principalmente pela urgência com que atendia às encomendas.
No entanto, o motivo acima apresentado pelo maestro no início da década de
60, confessando imprecisões de ordem pessoal, não era o principal empecilho, pois
algo muito maior envolvia o artista regional: a sua própria época e suas limitações
tecnológicas, política, cultural e até mesmo geográfica. Elementos os quais muitas
vezes somente com o distanciamento possibilitado pelo avanço dos anos é possível
identificarmos como protagonistas da movimentação da memória de uma época, de
seus registros e escombros.
Nelson estava geograficamente fora do eixo centro-sul, em sua época, o
principal centro artístico brasileiro, mas ainda assim, conseguiu registrar inúmeras
produções fonográficas a partir de 1923 Belfort (2009). Contudo, ainda segundo
Belfort, essas gravações de Nelson faziam sucesso nos carnavais, mas depois
morriam, sobre isso, a autora (2009, p. 150) nos lembra ainda que “grande parte da
sua produção foi registrada em discos de 78 Rotações por Minuto (RPM), formato
que possibilitava a inclusão de apenas duas músicas por disco e que reinou absoluto
48
até 1948, quando surgiu o Long Play (LP), que permitiu a gravação de múltiplas
faixas”.
No entanto, foi somente com o surgimento da fábrica de discos
pernambucana Rozenblit (1954-1983), inaugurada pelo empresário José Rozenblit,
que a música regional de Pernambuco passou a ter outro tratamento fonográfico,
como nos recorda Valadares (2007, p. 17):
A fábrica de discos Rozenblit (1954-1983), instalada em Recife, foi a única grande gravadora fora do eixo centro-sul do país, tendo se dedicado à gravação de ritmos regionais [...] mas foi mesmo o frevo o gênero musical amplamente reproduzido pela gravadora. Seu papel como indústria cultural foi fundamental no registro e produção em série dessa expressão cultural.
Nas palavras de Teles (2008, p. 48), “com a Rozenblit o frevo viveria seu
período de fausto”. Ainda segundo o autor, “mesmo com o samba tendo se tornado
a música da nacionalidade, as escolas invadindo o carnaval pernambucano, o frevo
passou a ser divulgado fora do estado, com uma competente rede de distribuição
que o fez chegar ao sudeste”. Assim, investindo neste mercado e também buscando
valorizar os artistas regionais, muitos sucessos de outrora são coletaneados pela
Rozenblit e registrados em LPs, numa iniciativa que, como defende Teles (2008), foi
decisiva para que muitas expressões musicais regionais não sumissem com o
tempo. Pois como nos alude Bauer (2002, p. 368) “a música é primariamente um
evento sonoro temporal, por isso devemos conservar um registro dele, se o
quisermos analisar”. Incluindo aí o frevo.
Nasce, com isso, a constatação que deu a proposição a esta pesquisa:
analisar as letras de frevo do maestro Nelson Ferreira que foram gravadas em
coletâneas de LPs pela Rozenblit será uma forma de sobressairmos à questão da
evasão das letras.
Assim, Belfort (2009, p. 44) nos coloca que o primeiro LP do maestro, a
coletânea “O que eu fiz e você gostou...” (1959) é “um dos mais bem sucedidos de
sua carreira”, reunindo 23 canções das décadas de 20, 30 e 40, ao lado do LP “O
que faltou e você pediu...” (1968), que também teve como característica a inclusão
de 24 músicas escritas em várias fases da carreira do maestro, somando assim,
para este estudo, um corpus com 47 letras.
Nesse sentido, após a realização da escuta de todas as faixas das
coletâneas, foi realizado o processo de transcrição dos áudios e, posteriormente,
49
seleção das microestruturas em unidades de registro e de contexto, conforme
demonstram as figuras 1 e 2 e seus respectivos quadros a seguir:
Figura 1 - Capa do LP “O que eu fiz e você gostou...” (1959)
Fonte: Memorial Denis Bernardes (UFPE)
Quadro 2 - Representação da distribuição das microestruturas presentes nas letras do LP “O que eu
fiz e você gostou” de Nelson Ferreira
Nº Música Letra Microestruturas
1 Borboleta não é ave
(1923)
Borboleta não é ave / borboleta ave é / borboleta só é ave na cabeça da muié / borboleta, borboleta / de voar nunca se cansa / menina de perna fina / de socó tem semelhança / borboleta quando fores / lá pras bandas do Norte / da coruja minha sogra / leva o gênio de má sorte...
Borboleta, ave, muié, menina, perna fina, socó, norte, coruja, sogra, gênio, má sorte
2 Não puxa Maroca
(1929)
Maroca o teu gato é um bicho gaiato / é um bicho bonito / é um bicho bonito / tu puxas Maroca no rabo / mas olha o diabo / que rabo de gato não é pirulito / Maroca o teu ganso / é um bicho até manso /que nunca estrebucha / tu puxa Maroca o pescoço / mas mesmo sem osso / pescoço de ganso não é puxa puxa
Maroca, gato, bicho,
gaiato, bonito, rabo,
diabo, pirulito, ganso,
estrebucha, puxa puxa
3 Dedé
(1930)
Comprei um bonde pra nós dois morar /comprei um trem pra nós dois viajar / mandei fazer um pierrot de novo / bem bonito pra nós dois brincar de carnaval / Dedé, Dedé você diz que me quer / mas você me enganou / e deu a outro o seu amor / um dia desse indo eu a passear / vi uns terreno escrito “à prestação” arranjei um assim desse tamanho / e pra nós dois eu vou fazer um lindo “arranha-chão” / deixe ta Dedé você muié malvada / gastei meu coração só com você / Dadá Dedé Didi Dodó Dudu / Dessas muié mais deste mundo eu não quero saber
Bonde, morar, trem,
viajar, pierrot, brincar,
carnaval, Dedé, passear,
terreno, “à
prestação”,“arranha-
chão”, muié, malvada,
coração
50
4 O dia vem
raiando
(1933)
O dia vem raiando por de trás do mar / e o meu amor só diz que vai me deixar / meu coração coitado vai ficar penando / por tua causa vou ficar sempre chorando / no meu quintal uma semente eu vou prantar / pra ver se nasce uma mulher pra me adorar
Dia, mar, amor,
coração, coitado,
penando, chorando,
quintal, semente,
prantar, mulher
5 Oia a virada
(1960)
1, 2 e 3! Vira, vira, óia virada, ô! / vem cair no passo moreninha do amô (olha a curva / tira o cisco do olho morena) não respeito nem o cão quando chega o carnavá / saio de casa no domingo / só na cinza vô vortá / lá em casa todo mundo vira pó no carnavá / até mesmo minha sogra se esfarinha de pulá / carnavá só tem três dias / valha-me são salvadô / carnavá nasceu no céu / foi os anjos que inventou
virada, passo,
moreninha, carnavá,
sogra, esfarinha, pulá,
são sarvadô, céu, anjos,
domingo, cinzas, vortá
6 Coração, ocupa
teu posto
(1960)
Coração ocupa teu posto / elege um amor / que dê no meu gosto / com a loirinha e a moreninha, faz frente única com paciência / estou de acordo com qualquer das duas / o melhor da vida é não haver dissidência / mas se preferes a monarquia e ao rei momo te escravizar / integralmente a princesa folia em qualquer dos turnos terá que arrastar
Coração, posto, amor,
gosto, loirinha,
moreninha, paciência,
dissidência, monarquia,
rei momo, escravizar,
princesa folia, arrastar
7 Pare.. olhe..
escute.. e goste!
(1936)
Papapapa pare olhe escute e goste um bocadinho de mim / nem que seja um pedacinho assim /quando eu lhe vi confesso francamente /parei olhei gostei nem sei porque / e agora escute o que venho lhe afirmar / já gosto loucamente de você /não posso parar de tanto querer bem /olhe escute nem sei como vai ser / eu você você e eu / nós dois e mais ninguém que vida tão gostosa vamos ter
Bocadinho, querer bem,
vida gostosa
8 Arlequim
(1937)
Arlequim / que fizeram com você, Arlequim / pra você estar triste assim?! / se foi o seu amor que lhe deixou, não faz mal! / chegou o Carnaval! /eu tenho um recadinho pra você / de Pierrot, Pierretê e Colombina /dizendo que o frevo está na rua e estão esperando por você lá na esquina / Arlequim, que fizeram com você, Arlequim / Se toda essa tristeza, Arlequim, É por um amor que a você abandonou / Não chore por uma coisa tão banal! / Foi mais uma ilusão que o ether carregou.
Arlequim, triste, carnaval, Pierrot, Pierretê, Colombina, frevo, rua, esquina, abandonou, ilusão, ether
9 Que fim você
levou
(1937)
Olá como vai você? / nunca mais lhe vi / que fim levou? a última vez que falei com você / foi na terça feira do carnaval que passou / eu bem me lembro / como se hoje fosse era de cor verde a sua fantasia / tão bonita como a esperança que em meu coração vive / de você ser minha um dia / agora volta louco carnaval /o seu ruído já domina o espaço
Nunca, fim, última,
carnaval, passou, verde,
fantasia, esperança,
coração, ser minha, um
dia, louco carnaval,
ruído, domina, espaço,
ilusão, frevo, passo
51
vamos unir os nossos corações / e de braços com a ilusão amar com o frevo e com o passo
10 Corre, Faustina
(1938)
Faustina corre aqui, depressa / vem do Rio de Janeiro / agora a vez é tua / Faustina corre aqui, depressa / vem ver meu carnaval / o frevo está na rua / só faço questão de uma coisa / é que tragas a sogra / a dona fininha / eu quero ver a velha se acabar / meter-se no grudo / no chão de barriguinha / la vem vassourinhas / pão duro / la vem lenhadores / vem tudo rasgando / Faustina / minha nega / olha a onda / cai logo no passo / que eu já estou me acabando
Faustina, vem, Rio de
Janeiro, aqui, carnaval,
frevo, rua, sogra, Dona
Fininha, Vassourinhas,
Pão Duro Lenhadoras,
nega, passo
11 Chora, Palhaço
(1939)
Chora, palhaço / grande é a tua dor / eu também estou triste, oh palhaço / pois morreu o meu amor / parecem dois confetes vermelhos os teus olhos tão tristonhos / como serpentinas multicores / voaram os teus sonhos / chorando como tu, meu palhaço / também está meu coração / pois num dia assim de carnaval / que morreu a minha ilusão
Chora, palhaço, dor,
triste, morreu, amor,
confetes vermelhos,
olhos tristonhos,
serpentinas, sonhos,
coração, carnaval, ilusão
12 Boca de forno
(1939)
Boca de forno, forno / tirando bolo, bolo / se o rei mandou dizer, vocês vão / e será muito feliz se roubar meu coração / quem roubar meu coração / nunca mais há de sofrer / tudo / tudo nele é carnaval / carnaval até morrer / se você não acredita eu não vou fazer questão / fico / fico / mesmo no Brasil e você... vá pro Japão!
Boca de forno, bolo, rei,
feliz, coração, sofrer,
carnaval, morrer, fico,
Brasil, vá, Japão
13 Minha fantasia
(1940)
Maria oh Maria me responde já / Maria onde está a minha fantasia? / A minha fantasia é uma coisa louca / De um lado ela é palhaço do outro é arlequim / Metade é de seda o resto é algodão / Não é rica nem é pobre / Mas serve pra mim
Maria, fantasia, palhaço,
arlequim, seda, algodão,
rica, pobre
14 Juro!
(1940)
Comecei meu carnaval / com a alma e o coração cantando / mas você maldosamente fez com que eu acabasse chorando / chorei demasiadamente, confesso / por amor ao meu amor oh destino como fostes cruel / és o grande culpado da minha dor / ao mundo agora faço a minha promessa / ei de cumpri-la afinal / aos pés do rei momo / eu juro / que jamais ei de amar pelo carnaval
Carnaval, alma, coração,
cantando,
maldosamente,
chorando, amor, destino,
cruel, culpado, dor,
promessa, rei momo,
juro, jamais, amar,
carnaval
15 Vamos começar
de novo!
(1940)
Vamos começar de novo, meu povo / Momo voltou a reinar / Até o touro Ferdinando, tão brando / no frevo também quer entrar / A tirolesa vai queixar-se ao papai / e a jardineira diz que nasceu em Paris / todo mundo quer cair neste cordão / A Dona Estela, a Florisbela e o Salomão
Povo, Momo, voltou,
reinar, Touro
Ferdinando, frevo,
tirolesa, jardineira,
cordão, Dona Estela,
Florisbela, Salomão
16 Peixe boi Ela saiu de casa e nunca mais voltou / quem foi que a roubou? quem foi? quem foi? / você vai
Ela, saiu de casa, nunca
52
(1940) responder por que o mundo anda a dizer: foi foi foi foi, foi o peixe-boi / o peixe-boi, porém, vive tão feliz / que às vezes fora d’água só põe o nariz / no entanto eu estou vendo que desse jeito / o coitado está levando fama sem proveito
mais, peixe-boi, feliz,
coitado, levando fama
17 O passo do
Caroá
(1942)
No passo do Caroá aaaah / eu quero ver como é, éeeee / é muito fácil menina / nada tem de encrencado / é só na ponta do pé, do pé do pé do pé / repare bem / que não tem nada de Capote / nem de Fox / Minueto / nem Quadrilha / nem Lançeiro Pá de Quatro / pois é / pra dançar o passo do Caroá / basta um mexido no corpo e um trançado no pé / sim, senhor / muito bem
Passo, Caroá, menina,
ponta do pé, dançar,
Capote, Fox, Minueto,
Quadrilha, Lançeiro, Pá
de Quatro, mexido
18 Sorri, Pierrot
(1940)
Pierrot, onde está teu amor? / o veludo negro da tua fantasia / traduz a tua dor / basta de tanto sofrer / basta de tanto chorar/ sorri sorri sorri / pois afinal / a vida não é mais que um carnaval
Pierrot, amor, veludo
negro, fantasia, dor,
sofrer, chorar, sorrir,
carnaval
19 O coelho sai
(1942)
O coelho sai / não sai / segura o coelho / que esse coelho é ladrão / brincando de coelho sai na minha vida você entrou / brincando de coelho sai meu coração você roubou
Coelho sai
20 Bemtevi
(1947)
Bemtevi está cantando / bem te vi / bem te vi ele está anunciando / que eu gosto só de ti / bem te vi meu passarinho / vai levar a ela o meu carinho depois traz notícias / dela / cantando de novo na minha janela
Bemtevi, passarinho
21 Bye Bye, my baby
(1943)
Amor eu vou me embora / aí vem o teu papai / só te vejo amanhã / my baby, bye bye /atualmente só se fala o inglês / está tudo diferente / diferente pra xuxu / é “yes” “kissme” “ok” / até eu só sei dizer “i love you”
Amor, papai,
atualmente, só se fala o
inglês, tudo diferente
22 Pernambuco,
você é meu
(1955)
Terra boa meu Pernambuco, que paz / frevo bom e maracatu, tem mais / banho em Beberibe cachaça gostosa mangaba cheirosa, aiaiai / tudo isso minha terra tem / tem rede macia pra gente sonhar / buchada peixada bate bate pra enganchar / vem morena, formosa / que o seu coração não me deu / mas, por isso, não choro porque / Pernambuco você é meu
Terra, Pernambuco, paz,
frevo, maracatu, banho,
Beberibe, cachaça,
mangaba, rede macia,
buchada, peixada,
morena formosa
23 Evocação n.1
(1957)
Felinto / Pedro Salgado / Guilherme / Fenelon /
cadê teus blocos famosos? / bloco das flores /
andaluzas / pirilampos / apôs-fum / os carnavais
saudosos / na alta madrugada / o coro entoava /
o bloco a marcha-regresso
e era um sucesso / dos tempos ideais / do velho
Felinto, Pedro Salgado,
Guilherme, Fenelon,
bloco das flores,
andaluzas, pirilampos,
apôis fum, carnavais,
saudosos, madrugada,
53
raul moraes
Adeus adeus minha gente / que já cantamos
bastante
e recife adormecia / ficava a sonhar / ao som da
triste melodia
coro, marcha regresso,
sucesso, tempos ideais,
velho Raul Moraes,
adeus, recife, triste
melodia
Fonte: A autora (2019)
Figura 2 - Capa do LP “O que faltou e você pediu...” (1968)
Fonte: Memorial Denis Bernardes (UFPE)
Quadro 3 - Representação da distribuição das microestruturas presentes nas letras do LP “O que
faltou... e você pediu” de Nelson Ferreira
Nº Música Letra Microestruturas
1 “Cavalo do cão” não é “reoplano”
(1961)
Voadô qui vôa tanto / é homem de devoção / pruquê vai perto dos santo / anda aqui e em todo canto e faz das tripa coração / mas quem foi que dixe prá mostrá ser puritano / que tomate é maxixe e cavalo do cão não é “reoplano”? / um passeio nas altura além dos cimo e das serra / quer seja na “Saca...dura”, ou num pinto de bravura é coisa que a gente aterra. Mais quem foi que dixe etc / quem vôa muito se arrisca pois se atira contra a morte “Banca” a piaba na isca ou mostra ser bôa fisca ou então é bicho forte. Mais quem foi que dixe
Voadô, vôa, homem de devoção, santo, puritano, tomate, maxixe, cavalo do cão, reoplano, “Saca dura”, “Pinto”, “aterra”, piaba,
2 Josefina
(1961)
Morena, morena / de olhar tão sedutor / não me *****(?) assim não me faça um sedutor você é rainha, rainha da formosura nós somos escravos a quem seu olhar tortura Josefina, Josefina nos jardins de Pernambuco é você a flor mais fina
Morena, rainha, Josefina
3 Evohé
(1949)
Tudo alegre ninguém triste / tudo pulando que a tristeza não existe / do ré mi ré dó si lá / é chegado o carnavá /
Evoeh, Alegre, triste,
pulando, carnavá,
54
to me enroscando / to me acabando / tudo contente que essa vida é mesmo suco / Evoeh / na dobradiça é carnavá em Pernambuco
enroscando, contente,
dobradiça
4 Vamo se acaba
(1931)
Chegou o carnavá / veio rasgando / tudo é mocidade e felicidade / saudemo sua entrada triunfal cantando / lalallaa / veio o rei momo com a deusa folia / Vamos se acabar / vamo se emborrachar, tudo é alegria / são só três dias de prazer sem igual / Bum zig bum bum bum / Viva o carnaval
Mocidade, felicidade, rei
momo, emborrachar
5 Veio rasgando
(1960)
Frevo de rua (instrumental)
6 Dobradiça
(1934)
Dobra dobra, vem pra dobradiça / caboclinha do amor é o frevo quem atiça / quando chega a folia a gente fica que nem ioiô / pra ca pra la /e sobe e desce / e se atrapaia / e se embaraça todo nos cordões do carnavá / caboclinha doutro mundo pra la do céu / oia pra mim, não ser tão má e pelo menos no carnavá dá pro teu corta jaca um pouquinho desse olhar
Dobradiça, caboclinha,
ioiô, carnavá, corta-jaca
7 Que que há?
(1933)
Que é que há meu bem? / por que você com essa carinha tão fechada / não há razão pra você estar zangada / amor estou tristonho por ver você assim / isso é ingratidão que você faz a mim / pura ruindade / há de chegar o dia e eu de me vingar / então terei prazer de viver a chorar
Zangada, triste,
ingratidão, ruindade,
vingança, prazer, chorar
8 To te oiando
(1936)
Shiu, to te oiando viu?! / cuidado / esse teu amor está exagerado / quando por mim você passou e perguntou / você me conhece / lembrei o carnaval que você me enganou / nem todo mal a gente esquece / hoje estou muito escolado e por você eu não vou chorar / agora sou do frevo que é bom como o quê / e não me atrevo mais amar / você fez do meu coração palhaço pra brincar o carnaval e depois tudo em cinzas transformou e o pobre do palhaço chorou, chorou ele chorando continuará até que um dia chegue a ser vingado não há nada como um ano após o outro e um carnaval imprensado o meu coração vingado então não deixará meu bem de ser palhaço mas palhaço que não será de você sinto o frevo da tesoura e do passo
oiando, escolado,
cinzas, tesoura
9 Palhaço no passo
(1960)
Palhaço no passo eu passo tu passas ele passa todos nós passamos a cair no passo a vida passa o tempo passa tudo passa é por isso que no passo eu me esbagaço dobradiça chã de barriguinha tudo isso é canja pra mim é besteira seja com morena loira ou mulata no frevo e na tesoura eu levo a vida inteira carnaval só o de Pernambuco é mesmo um horror não há outro igual e quem quer q seja vindo de onde for caindo na frevança não sai mais da dança
Palhaço, passo,
dobradiça, chã de
barriguinha, canja,
tesoura, frevança
10 Veneza
Americana
Veneza americana é Veneza americana / linda terra original / tudo nela se engalana / quando chegar o
Veneza americana,
engalana, Rio
55
(1938) carnaval / já o céu fantasiado tem estrelas rendilhado / derramando claridade cooperar para beleza essa cidade, Veneza, ninho de felicidade / Rio Capibaribe a rir / vai no seu curso a seguir / namorando / deslumbrando / na cadência majestosa da folia tão gostosa / deste torrão encantado
Capibaribe,
11 Nada faz mal
(1938)
No primeiro dia de carnaval / no segundo dia de carnaval no terceiro dia de carnaval / podemos fazer tudo / que nada faz mal / depois na quarta-feira de cinzas / tiramos a máscara, está tudo acabado / vem logo então a seriedade / você me conhece? não estou bem lembrado.. e aqueles beijos que foram dados que foram trocados, cheinhos de amor passou o carnaval logo se esquece você me beijou? não beijei não senhor
Máscara,
12 Dança do
carrapicho
(1942)
Morena eu já sei / me largue me solta / deixa eu me espalhar / Ei, no carnaval / eu quero virar bicho / uh uh / agora eu vou mostrar pra você aprender a dança do carrapicho / um passo pra frente / e outro pra trás / a mão na cabeça / o dedo na boca e depois que começar a confusão / você vai ver que coisa louca
Dança do carrapicho
13 Sabe lá o que é
isso
(1944)
Frevo de rua (instrumental)
14 Amar... e nada
mais
(1944)
Eu amo / tu amas ele ama nós amamos vós amais eles amam por isso é que a vida reclama, amar e nada mais / dizem que o amor é um bichinho que roi, roi roi que roi, como o quê / mas meu benzinho pouco estou me incomodando quanto mais ele roer, mas eu gosto de você
Amor
15 Pelo Sport tudo!
(1955)
Moreninha que estais dominando / desacatando / agora pelo entrudo / chegou a hora de gritares loucamente / hip hip hurra pelo Sport tudo / vejo o batom nos teus lábios / e no teu cabelo ondulado / as cores que dominam altaneiras/ oh morena / o meu glorioso estado / e passado o carnaval Pra que não te falte a boa sorte / irás na minha vida me fazer eternamente tudo tudo pelo sport
Entrudo, Sport, Pelo
Sport tudo,
16 O frevo é assim
(1945)
Eu danço tango / danço ponga / e danço samba / danço boogue oogue e danço até na corda bamba / mas o tal frevo original de Pernambuco/ fui tentar dançar e fiquei maluco / é uma dança bem quente / hei / Que remexe com a gente / oi / e faz a cintura girar / Joga as pernas pra frente / mexe feito serpente / e a cabeça fica fora do lugar
Tango, ponga, samba,
boogue oogue,
17 Vamos cantar a
vitória
O nosso bloco é ideal nasceu neste carnaval por isso é que estamos a gritar e a cantar vitória vitória vitória vamos correr as ruas da cidade
Venturas, amarguras,
56
(1960) com o amor da nossa mocidade nesses três dias tão cheios de venturas até a gente esquece da vida às amarguras brinquemos, cantemos assim cheios de glória o carnaval da vitória
18 Gostosão
(1950)
Frevo de rua (instrumental)
19 Gostosinho
(1950)
Frevo de rua (instrumental)
20 Come e dorme
(1953)
Frevo de rua (instrumental)
21 Carro chefe
(1955)
Frevo de rua (instrumental)
22 Isquenta muié
(1954)
Frevo de rua (instrumental)
23 Maroca só qué
“seu” Freitas
(1931)
Frevo de rua (instrumental)
24 Veio rasgando
(1960)
Frevo de rua (instrumental)
Fonte: A autora (2019)
Segundo Bauer (2002, p. 200) “diversas considerações entram em jogo na
construção de um referencial ou sistema de categorias: a natureza das categorias,
os tipos de variáveis de códigos, os princípios organizadores do referencial de
codificação, o processo de codificação...”. Neste caso, propomos um conjunto de
categorias temáticas que derivem de um mesmo princípio classificatório e estejam
adaptadas ao conteúdo em questão, podendo estabelecer a ordem dos conceitos,
como podemos ver no quadro a seguir:
57
Quadro 4 – Proposta de categorização temática simples
Fonte: A autora (2018).
A proposta apresentada compreende-se como uma categorização temática
simples, pois foi percebida a necessidade de criação de outras subcategorias
(categorias secundárias) que se abriram para receber os diversos elementos que
foram encontrados nas narrativas de Nelson Ferreira, visto que, como nos alude
Bauer (2002, p. 203), “a análise de conteúdo é uma construção social”, e como tal,
precisa se ampliar para dar conta de nossas complexidades e vicissitudes, como
poderemos acompanhar nos mapas à seguir.
58
5 ANÁLISES E DISCUSSÕES
Esta seção apresenta o resultado da categorização temática desenvolvida a
partir da análise de conteúdo, bem como as discussões e inferências sobre o
material analisado
5.1 CATEGORIZAÇÃO TEMÁTICA DA MEMÓRIA DA CIDADE DO RECIFE NAS
LETRAS DE NELSON FERREIRA
Figura 3 – Mapa dos elementos da categoria Cenário
Fonte: A autora (2019).
Assim, como podemos acompanhar, os termos referentes ao Cenário se
distribuem em quatro subgrupos e, por meio deles, podemos enxergar o conjunto de
59
elementos que compõe o espaço citadino onde se decorre a ação (ou parte dela),
tanto no plano do real, como na atmosfera metafórica da criação artística do
maestro. O termo “dia”, por exemplo, aparece em sete canções, representando tanto
a possibilidade quimérica na expressão “um dia”, quanto o período diurno onde
brinca-se normalmente as festas de carnaval na cidade do Recife, festa que aparece
de forma recorrente nas canções analisadas.
No primeiro dia de carnaval
no segundo dia de carnaval
no terceiro dia de carnaval
podemos fazer tudo
que nada faz mal
depois na quarta-feira de cinzas
tiramos a máscara, está tudo acabado
vem logo então a seriedade
você me conhece?
não estou bem lembrado..
(Nada faz mal – 1938)
Embora cite elementos importantes da paisagem urbana, como trens, bondes,
“arranha-chão” (em ironia aos primeiros “arranha-céis” ou edifícios), o termo mais
reincidente dessa paisagem é “rua”, espaço tradicional e afetivo das ações
carnavalescas e também dos encontros e desencontros do narrador, dos
personagens, das passagens históricas. Como nos versos do frevo-de-bloco
“Carnaval da Vitória” escrita pelo maestro Nelson Ferreira e seu parceiro Sebastião
Lopes, em 1946, para comemorar a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial
(1945), mas que, mesmo tendo sido um sucesso nas rádios, só foi gravada pela
Rozenblit em 1960. Dessa forma, a rua, aqui, aparece como cenário ideal para este
espírito de júbilo e alívio do cenário pós-guerra.
O nosso bloco é ideal
nasceu neste carnaval
por isso é que estamos
a gritar e a cantar
vitória vitória vitória
vamos correr as ruas da cidade
com o amor da nossa mocidade
60
nesses três dias tão cheios de venturas
até a gente esquece da vida às amarguras
brinquemos, cantemos assim
cheios de glória o carnaval da vitória
(Carnaval da Vitória – 1960)
O termo mais recorrente no subgrupo “geográfico” é “Pernambuco” constando
cinco vezes nas letras e, em todas, envolvido por expressões que denotam uma
certa idealização deste espaço geográfico, uma necessidade de reafirmar seus
valores, como em “O frevo é assim” (1945) onde se diz “...o tal frevo original de
Pernambuco”, ou em “Palhaço no passo” (1960), que canta “...carnaval só o de
Pernambuco, é mesmo um horror, não há outro igual”. Nesse sentido, podemos
observar o desejo de, no primeiro exemplo, reivindicar a criação do ritmo, numa
forma de sobressair e exaltar o próprio Estado, e no segundo exemplo, escrito 15
anos depois do primeiro, reforçar que, além de inventarmos o frevo, também
continuamos desbancando as festas de carnaval para além de nossas barreiras
geográficas. Ao que, desse modo, essa é uma ideia um tanto bairrista (em seu
absolutismo) que se percebe reverberar até os dias atuais. Podemos acompanhar
essa idealização nos versos a seguir, o frevo-canção “Pernambuco, você é meu”
escrita em parceria com o poeta e radialista Ademar Paiva para o programa
homônimo da Rádio Clube, à época, apresentado por Paiva:
Terra boa meu Pernambuco, que paz
frevo bom e maracatu, tem mais
banho em Beberibe
cachaça gostosa
mangaba cheirosa, aiaiai
tudo isso minha terra tem
tem rede macia pra gente sonhar
buchada peixada bate bate pra enganchar
vem morena, formosa
que o seu coração não me deu
mas, por isso, não choro porque
Pernambuco você é meu
(Pernambuco, você é meu - 1955)
61
Ainda compondo o cenário, agrupamos no subgrupo “animais” todos os 10
tipos de bichos que foram citados nas letras, pois, observamos que este dado pode
ser uma referência ao cenário recifense do passado, onde, com menos edifícios e
mais casas com quintais, era possível conviver com mais árvores, plantas e animais.
Isto não somente nas casas particulares, mas também nos espaços públicos, como
é o caso do peixe-boi citado no frevo-canção “Peixe-boi” (1940) que de fato existiu e
era cutivado em um tanque no Parque Amorim9 até a década de 70 e depois na
praça do Derby, sendo uma cotidiana atração da cidade do Recife até ser removido
do local por causa dos maus tratos da população. Nesse mesmo sentido, podemos
observar a presença de gatos e gansos na letra de “Não puxa, Maroca”, por
exemplo.
No entanto, além de aparecerem em seu sentido real, os animais também
fuguram nas letras enquanto “mascotes” para alguma ideia implícita, como é o caso
do “touro Ferdinando” citado no frevo-canção “Vamos começar de novo” (1940), que
diz “vamos começar de novo, meu povo, Momo voltou a reinar, até o touro
Ferdinando, tão brando, no frevo também quer entrar”. O touro em questão é uma
referência ao curta-metragem “O Touro Ferdinando” (1938), realizado pela Walt
Disney Pictures, um desenho que, à época, fez grande sucesso, faturando, inclusive,
o Oscar de melhor curta-metragem de animação no ano de 1939. Na história,
Ferdinando se recusa a participar das tradicionais touradas espanholas, posto que
prefere ficar sentado na grama sentindo o aroma das flores. No entanto, para o eu-
lírico do frevo-canção, nem este personagem, tão ameno, resistiria ao reinado de
Momo na cidade do Recife e cairia no frevo.
Ainda enquanto “mascotes”, observemos também o frevo-canção “Bemtevi”. A
canção, como coloca o pesquisador pernambucano Samuel Valente, em texto para a
coletânea “Nelson Ferreira: carnaval, sua história, sua glória v.27” da gravadora
Revivendo, este Bemtevi que anuncia, que canta carinhos e traz lembranças
também serve de sutil publicidade para os amigos do maestro Alimonda & irmãos,
empresários, criadores da marca de sabão pernambucana “Bemtevi” que depois se
tornou famosa marca de margarina, em atividade até os dias atuais.
Bemtevi está cantando
Bem te vi
9 Praça da cidade do Recife, à época, repleta de árvores e eucaliptos.
62
Bem te vi
ele está anunciando
que eu gosto só de ti
bem te vi meu passarinho
vai levar a ela o meu carinho
depois traz notícias dela
cantando de novo na minha janela
(Bemtevi – 1947)
Figura 4 - Mapa dos elementos da categoria Personagens
Fonte: A autora (2019).
Como vimos, os termos dessa categoria foram distribuídos em quatro
subgrupos que, juntos, caracterizam os personagens das letras de Nelson
63
analisadas. Quanto ao gênero, observa-se que é mais comum o narrador ou eu-lírico
se referir ao público feminino ouvinte. Assim, vemos uma maior recorrência de
“menina”, “muié”, “mulher”, sobre “homem” que só aparece uma vez. Na letra de
“Borboleta não é ave” (1923), a primeira música carnavalesca de pernambuco
gravada, podemos incluir uma observação de gênero também, visto que na letra da
canção conta-se que, uma obviedade, a de que a borboleta não é uma espécie de
ave, mas um inseto, só a cabeça de uma mulher pra não saber:
Borboleta não é ave
borboleta ave é
borboleta só é ave
na cabeça da muié
borboleta, borboleta
de voar nunca se cansa
menina de perna fina
de socó tem semelhança
borboleta quando fores
lá pras bandas do norte
da coruja minha sogra
leva o gênio de má sorte
(Borboleta não é ave – 1923)
A partir desta mesma narrativa, podemos seguir para o subgrupo do
Parentesco, uma vez que a figura da sogra aparece em questão, reforçando o
imaginário coletivo sobre esse familiar como sendo “pessoas difíceis” de lidar, ou
“um gênio de má sorte”. Ao lado desta, somente a figura do pai aparecerá mais uma
vez indicando parentesco, como nas letras de “Bye bye, my baby” (1943): “amor eu
vou me embora aí vem o teu papai” e em “Vamos começar de novo” (1943): “a
tirolesa vai queixar-se ao papai”. Em ambas, percebe-se a figura masculina em um
lugar de autoridade.
Quanto aos Predicativos, a forma “moreninha” é a mais reincidente,
aparecendo tanto para descrever, quanto como vocativo. Interessante analisar essa
questão sob o ponto de vista étnico, posto que a mulher negra, assim colocada, não
aparece em nenhuma das letras analisadas. A forma “nêga” chega a se apresentar
na canção “Corre, Faustina” (1938), mas com o que parece ser uma expressão
popular: “Faustina, minha nega, olha a onda, cai logo no passo”. Ao que parece,
64
ainda existe nas letras analisadas um “tabu” em relação à raça negra, o que não é
difícil de se presumir, visto o ano de criação e gravação das canções10.
Inclusive, o próprio maestro Nelson Ferreira, como podemos ver na Figura 1,
era um homem negro e de cabelos crespos, mas que, no entanto, era conhecido no
meio artístico como “Nelson, o moreno bom”. Ressaltando, assim, a declarada
dificuldade em valorizarmos o negro(a) como negro(a). E, nesse sentido, as letras
dos frevos analisados acabam por assinalar isso, pois levam ao imaginário as
figuras das mulatas, morenas, caboclinhas. Como se a mulher negra não existisse.
No plano linguístico, destacamos ainda nesta categoria a figura do “corta-jaca”,
expressão popular antiga que se refere à pessoa “puxa saco”, como podemos ver no
trecho a seguir:
[...] oia pra mim
não ser tão má
e pelo menos no carnavá
dá pro teu corta-jaca
um pouquinho desse olhar.
(Dobradiça – 1934)
No último subgrupo da categoria Personagens, 15 termos foram distribuídos
em torno dos Nomes Próprios. Desse número, apenas o personagem Maroca é
citado duas vezes11. Uma, como personagem principal da canção de 1929 que leva
seu nome “Não puxa, Maroca” e também no título do frevo-de-rua de 1931 “Maroca
só qué “seu” Freitas”. De acordo com o pesquisador Samuel Valente, a Maroca em
questão era uma antiga prostituta muito conhecida no Recife no início do século XX,
mas que, àquela altura, já não estava em seus melhores dias, tornando-se alvo de
brincadeiras e gozações entre poetas, boêmios e compositores. Ainda segundo
Valente, quando o maestro estava irritado costumava dizer “menino, vá tirar a sua
donzelice com Maroca lá no Baile dos Solteiros”12. Escrita em parceria com o poeta
10 Podemos observar isto também no plano das marchinhas cariocas, onde em 1965 a primeira mulher negra a participar do concurso Miss Brasil recebeu uma homenagem do compositor João Roberto Kelly, mas com uma canção de título “Mulata iêiêiê”. 11 Na obra completa de Nelson Ferreira o maestro dedica uma série de canções satíricas a este personagem, canções que não entraram nas duas coletâneas estudadas neste trabalho, tais como “Maroca só qué puxar” (1930) e “Maroca só qué sortero” (1930). 12 VALENTE, S. Carnaval, sua História, Sua Glória. Curitiba: gravadora, 2002. v. 25. n. 3, p. 10.
65
Samuel Campello, de acordo com Oliveira (1985, p. 59), é nesta letra que a então
marcha pernambucana “abandonou a linguagem matuta que a caracterizava para se
tornar gaiata, irônica, lírica e até romântica”. Como podemos ver nos versos a seguir,
onde a personagem Maroca aparece envolta a um cenário lúdico:
Maroca o teu gato
é um bicho gaiato
é um bicho bonito [bis]
tu puxas Maroca no rabo
mas olha o diabo
que rabo de gato não é pirulito [bis]
Maroca o teu ganso
é um bicho até manso
que nunca estrebucha
tu puxa Maroca o pescoço
mas mesmo sem osso
pescoço de ganso não é puxa puxa [bis]
(Maroca, não puxa – 1929)
Outros personagens que registramos aqui são os cinco homens citados na
canção Evocação nº1. Esse frevo-canção, considerado o maior sucesso nacional de
Nelson Ferreira (BELFORT, 2009; TELES, 2008; OLIVEIRA, 1985), foi escrito pelo
maestro em 1955 com o objetivo de prestar uma homenagem aos antigos blocos,
personagens e foliões que o maestro conhecera na década de 20 no Recife, mas
que sumiram com o tempo. Dessa forma, Nelson lista nomes ilustres em sua
memória, mas esquecidos do grande público, como vemos nos versos:
Felinto, Pedro Salgado
Guilherme, Fenelon
cadê teus blocos famosos?
[...] na alta madrugada
o coro entoava
o bloco a marcha-regresso
e era um sucesso
dos tempos ideais
do velho Raul Moraes
(Evocação nº1 – 1957)
66
Nas palavras de Nelson13:
[...] sinto mais pura e mais elevada homenagem que prestei a estes grandes
baluartes do Carnaval Pernambucano, que foram Felinto de Moraes, grande
violinista, Guilherme de Araújo, Fenelon Moreira, com sua velha rede de
balançar no Cordeiro e Pedro Salgado, gordão e bonachão, fazendo um
bate-bate como ninguém, cuja fórmula levou para o túmulo.... Eram estes os
grandes dos (blocos) Apôis Fum, Pirilampos, Andaluzas e Bloco das Flores
no tempo maravilhoso de 1922 a 1927, dos carnavais inesquecíveis, puros
e grandiosos.
Homenageado também pelo maestro, registra-se na letra, ainda, a presença
de Raul Moraes, compositor, pianista e ensaiador do Bloco das Flores (BELFORT,
2009). Além destes personagens locais, outro termo que compõe o subgrupo é
“Sacadura”, personagem citado na letra de “Cavalo do cão não é reoplano”, escrita
em 1927 em parceria com Leonidas do Amaral e que, de acordo com Samuel
Valente14, faz uma alusão à primeira travessia aérea, em 1922, do Atlântico Sul
pelos portugueses Sacadura Cabral e Gago Coutinho. Na letra, “reoplano” refere-se
à “aeroplano”, como uma corruptela popular ao termo. À época da travessia, ambos
viajantes fizeram uma passagem por Pernambuco, na ilha de Fernando de Noronha.
Sacadura era o piloto:
Voadô qui vôa tanto
é homem de devoção
pruquê vai perto dos santo
anda aqui e em todo canto
e faz das tripa coração
mas quem foi que dixe
prá mostrá ser puritano
que tomate é maxixe
e cavalo do cão não é “reoplano”?
um passeio nas altura além dos cimo
e das serra
13 Carnaval de todos os tempos III. Diario de Pernambuco. Recife: 1957. p. 3. 14 VALENTE, S. Carnaval, sua História, Sua Glória. Curitiba: gravadora, 2002. v. 25.n. 3, p. 17.
67
quer seja na “Sacadura”,
ou num pinto de bravura
é coisa que a gente aterra.
(Cavalo do cão não é reoplano – 1927)
Figura 5 - Mapa dos elementos da categoria Costumes
Fonte: A autora (2019).
68
A categoria Costumes foi a que rendeu mais subgrupos, totalizando seis. Em
Carnaval, há um empate de citações entre “Rei Momo” e “Folia” e ambas, na maioria
das vezes, aparecem envolvidas em um imaginário virtuoso de realeza, apontando a
sagração desta festa para os carnavalescos pernambucanos, como nos versos de
“Vamo se acabá”, de 1931, que dizem “veio o Rei Momo com a deusa folia” ou ainda
a letra de “Coração ocupa teu posto”, como podemos ver a seguir:
Coração ocupa teu posto
elege um amor
que dê no meu gosto
com a loirinha e a moreninha
faz frente única com paciência
estou de acordo com qualquer das duas
o melhor da vida é não haver dissidência
mas se preferes a monarquia
e ao rei momo te escravizar
integralmente, a princesa folia
em qualquer dos turnos
terá que arrastar
(Coração ocupa teu posto – 1960)
Além do Rei Momo, registra-se também na categoria Carnaval o número de
blocos e agremiações carnavalescas citados nas letras de Nelson, tanto os já
apresentados nos versos de Evocação nº1, quanto os da canção Corre, Faustina,
que tem data de composição anterior:
“Ia vem vassourinhas
Pão duro, Ia vem Lenhadores
vem tudo rasgando
Faustinha minha nega
olha a onda
cai logo no passo
que eu já estou me acabando
69
(Corre, Faustina - 1938)
Os termos referentes ao universo da dança são os mais presentes nesta
categoria, rendendo 26 ao todo. As referências aparecem nas letras dando o nome
oficial de passos de frevo, como “tesoura” e “dobradiça”, de outras danças
populares, como o “tango” ou o “samba”, mas também de aspectos do próprio ato de
dançar, da ação, como “ponta do pé” ou “ioiô”. Para Samuel Valente15: “a Nelson
deve ser creditado o pioneirismo de ter desprendido o frevo da polca e do dobrado,
para rebentar em intricadas (sic) síncopes que apenas “tesouras”, “ferrolhos”,
“parafusos”, “dobradiças” e “chãs de barriguinha” podem compreender”.
De fato, a recorrência dos nomes das danças dentro das letras pode ser visto
como uma preocupação do maestro em registrar essa manifestação artística que
estava surgindo em sua terra e caracterizando o carnaval nas ruas do Recife. No
entanto, há duas letras que contemplam a dança e estão distribuídas aqui enquanto
costume (tradição) da cidade, mas que não o são, embora tenham passado por,
como é o caso dos frevos-canção “O passo do Caroá” e “Dança do carrapicho”,
ambos de 1942. Neste caso, as duas letras criadas pelo maestro em parceria com
Sebastião Lopes, sugerem a existência de uma nova dança, um novo passo de frevo
a ser apresentado aos ouvintes. Porém, nem Caroá, nem Carrapicho são um novo
tipo de dança criado na improvisação dos passos dançantes da festa de carnaval,
como procura sugerir as letras, pois ambos se referem, na verdade, ao produto de
uma fábrica de tecidos.
O pesquisador Samuel Valente16 comenta que os dois frevos foram feitos por
encomenda da TSAP (Tecelagem de Seda e Algodão de Pernambuco), tendo
embutida a propaganda do Caroá, brim forte e grosseiro. Valente comenta, ainda,
que os dois frevos acabaram se tornando um sucesso no carnaval de 1942:
No passo do Caroá aaah
eu quero ver como é, éee
é muito fácil menina
nada tem de encrencado
é só na ponta do pé,
15 VALENTE, S. Carnaval, sua História, Sua Glória. Curitiba: gravadora, 2002. v. 25.n. 3, p. 17. 16 VALENTE, S. Carnaval, sua História, Sua Glória. Curitiba: gravadora, 2002. v. 25.n. 3, p. 17.
70
do pé do pé do pé
repare bem
que não tem nada de Capote
nem de Fox
Minueto
nem Quadrilha
nem Lançeiro, Pá de Quatro
pois é, pra dançar o passo do Caroá
basta um mexido no corpo
e um trançado no pé
sim, senhor, muito bem
(No passo do Caroá – 1942)
Na letra de “Dança do Carrapicho” é possível ver que até uma coreografia é
criada objetivando diluir este Carrapicho entre as danças do carnaval:
Morena eu já sei
me largue, me solta
deixa eu me espalhar
ei! no carnaval
eu quero virar bicho, uh uh
agora eu vou mostrar
pra você aprender
a dança do carrapicho
um passo pra frente
e outro pra trás
a mão na cabeça
o dedo na boca
e depois que começar a confusão
você vai ver que coisa louca
(Dança do Carrapicho – 1942)
A categoria Fantasias/Vestuário registra uma maior reincidência da figura do
“palhaço” tanto na fantasia enquanto indumentária, quanto do imaginário alegórico
que ela possa vir a se referir, como “papel de bobo”, por exemplo. Depois do
palhaço, a figura do “Pierrot” é a mais citada. Além das fantasias masculinas, são
citadas também as femininas, como as presentes no verso de “Vamos começar de
71
novo!” (1940): “a tirolesa vai queixar-se ao papai e a jardineira diz que nasceu em
Paris”. Outros elementos que são registrados são os tecidos com os quais eram
confeccionadas as roupas, como seda, algodão, veludo, além do já citado brim
Caroá. Na letra de “Minha Fantasia” podemos acompanhar:
Maria oh Maria
me responde já
Maria onde está a minha fantasia?
a minha fantasia é uma coisa louca
de um lado ela é palhaço
do outro é arlequim
metade é de seda
o resto é algodão
não é rica nem é pobre
mas serve pra mim
(Minha Fantasia – 1940)
Dentro do subgrupo “Brincadeiras/Lazer”, encontramos além de práticas
antigas de lazer na cidade do Recife, como o banho no rio Beberibe, hoje
inapropriado, mas exaltado na letra de “Pernambuco, você é meu” (1955), algumas
brincadeiras infantis populares de rua, como as presentes nos versos do frevo-
canção escrito em parceria com Ziul Matos, “Boca de forno” (1939): “boca de forno,
forno, tirando bolo, bolo, se o rei mandou dizer, vocês vão, e será muito feliz se
roubar meu coração”. Ou ainda na letra do frevo-canção também escrito em parceria
com Ziul Matos, “Coelho sai” (1942)17: “o coelho sai, não sai, segura o coelho que
esse coelho é ladrão, brincando de coelho sai, na minha vida você entrou, brincando
de coelho sai, meu coração você roubou”. Dessa forma, o último subgrupo reúne as
“Comidas” típicas, onde encontramos termos como “buchada”, “peixada”, “cachaça”,
“mangaba”, “maxixe”.
17 A mesma brincadeira de rua já havia sido registrada pelo poeta Manuel Bandeira nos versos do famoso poema “Evocação do Recife”, escrito em 1925. BANDEIRA, M. Estrela da vida inteira. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1970.
72
Figura 6 - Mapa dos elementos da categoria Afeto
Fonte: A autora (2019).
73
A categoria “Afeto” distribui 17 termos no subgrupo “Sentimentos/Sensações”.
O termo que mais se repete nas letras é “amor”, aparecendo 15 vezes, e depois
dele, paradoxalmente, temos o sentimento/sensação “chorar”, reincidindo sete
vezes, seguido de “ilusão” e “dor”. O amor aparece nas letras atrelado às ilusões do
carnaval, relacionado aos encontros despretensiosos proporcionados pela festa,
como no frevo-canção “Nada faz mal” (1938): “...e aqueles beijos que foram dados,
que foram trocados, cheinhos de amor, passou o carnaval logo se esquece, você me
beijou? não beijei não senhor”. Ou ao contrário, reforçando a ideia de que é possível
esquecer um amor ingrato no carnaval, como na letra do frevo-canção “Arlequim”
(1937): “Arlequim, que fizeram com você, arlequim, pra você estar triste assim?!, se
foi o seu amor que lhe deixou, não faz mal! chegou o carnaval”.
Ainda no grupo das relações amorosas, a letra do frevo-canção de 1943 “Bye
bye, my baby” registra um emblema intercultural, narrando o início do processo de
aculturação por meio da Língua Inglesa na cidade do Recife. De acordo com o
pesquisador Samuel Valente18: “Recife era ponto estratégico da passagem dos
americanos para África e Europa durante a guerra [Segunda Guerra Mundial, 1939-
1945]. Os militares de Tio Sam aproveitavam para divertir-se numa Recife que
‘aprende’ a falar inglês”. Nesse sentido, não faltaram encontros amorosos (e
iludidos) entre os americanos e as moças solteiras recifenses19. Nesses termos,
acompanhamos nos versos:
Amor eu vou me embora
aí vem o teu papai
só te vejo amanhã
my baby, bye bye
atualmente só se fala o inglês
está tudo diferente
diferente pra xuxu
é “yes” “kissme” “ok”
até eu só sei dizer “i love you”
(Bye bye, my baby – 1943)
18 VALENTE, S. Carnaval, sua História, Sua Glória. Curitiba: gravadora, 2002. v. 25.n. 3, p. 17.
19 Esta passagem social e afetiva da cidade também pode ser conferida no poema “Boletim sentimental da Guerra no Recife” do poeta pernambucano Mauro Mota, publicado em sua obra Elegias em 1952. MOTA, M. Elegias. Rio de Janeiro: Jornal de Letras, 1952.
74
Para além das expressões idiomáticas estrangeiras, registra-se também
nessa categoria os sentimentos e sensações manifestados com expressões locais,
como “estrebuchar”, “esbagaço”, “emborrachar”.
5.2 REPRESENTAÇÃO DAS DÉCADAS NO RECIFE E NA MEMÓRIA DO FREVO
Com o intuito de analisar o contexto de criação das letras que foram
estudadas e categorizadas, discorreremos aqui sobre acontecimentos das quatro
primeiras décadas do século XX que incidiram sobre a atmosfera da cidade do
Recife e, consequentemente, na vida do autor em questão e da sua produção
artística.
Quadro 5 – Letras da década de 20
Nº Música Compositor Ano Categoria
1 Borboleta não é ave Nelson Ferreira
J. Borges Diniz
1923 Cenário; Personagens; Afeto
2 Não puxa, Maroca Nelson Ferreira
Samuel Campello
1929 Personagem; Cenário; Afeto
Fonte: A autora (2018).
As primeiras décadas na cidade do Recife presenciaram o surgimento de uma
nova expressão popular, o frevo. Silva (2009, p. 321) nos lembra que
Conforme a memória coletiva da cidade e diversos cronistas carnavalescos desde os anos 30, provavelmente a palavra Frevo nasceu nos usos do português popular falado no Recife entre os finais do século XIX e inícios do século XX. Nasceu como corruptela de “ferver” e não designava um gênero musical. Como já colocamos, designava, nas primeiras décadas de uso da palavra, o cortejo em ebulição formado pelas multidões carnavalizadas que se apertavam nas ruas do Recife ao acompanharem os “clubes pedestres”.
Ou nas palavras de Teles (2008, p. 18): “o termo ‘frevo’, até os anos 30,
designava a folia, o frege, não um estilo musical”. Tanto que a música “Borboleta
não é ave”, de 1923, é inicialmente creditada como “marcha nortista”, que depois
vem a ser considerada “marcha-frevo” e finalmente “frevo-canção”. Ainda nessa
época, a festa de carnaval, em substituição aos jogos de entrudo da época do
75
império, crescia cada vez mais forte na Primeira República e se destacava como
expressão/brincadeira das camadas mais pobres da cidade, que usavam de “mela
mela” com água, pó e depois outros líquidos mais fétidos para atirarem uns aos
outros (TELES, 2008).
Com o incentivo da imprensa local, a festa popular começa a chegar às elites
e ganhar o apoio dos intelectuais. No entanto, desde que algumas estruturas fossem
modificadas e estratégias fossem tomadas para que as classes mais nobres e suas
famílias não se misturassem ao poviléu que se espremia nas ruas. Dessa forma, o
clima de tensão esquentava entre o povo brincante dos chamados clubes de
pedestre e a polícia. Assim, a figura do delegado e chefe da milícia da época, José
Ramos de Freitas, o Beiçola, homem de confiança do então governador Estácio
Coimbra, começou a aparecer nas letras e títulos de frevos de rua de Nelson
Ferreira. O maestro criou uma série de canções onde satiriza o “seu Freitas” essa
figura que ficou conhecida por reprimir a brincadeira popular nas ruas da cidade.
Em “Borboleta não é ave”, primeiro frevo gravado da história, percebemos
que a letra é mais lúdica, brincando com figuras alegóricas do casamento, como a
sogra, ou com a menina moça que ainda não se tornou mulher e, por isso, traz as
pernas magrinhas de “socó”, como um gracejo fraterno que pode ser aproveitado
para temperar a briga entre irmãos, além de ser um refrão com uma construção fácil
de pegar. Porém, no final desse mesma década, Ferreira muda o tom e começa a
construir essas referências satíricas aos figurões da época.
A letra de “Não puxa, Maroca”, por exemplo, em que pese a letra igualmente
lúdica com rimas e repetições, traz na personagem título referência a uma prostituta
em decadência bastante conhecida à época. Além disso, Ferreira gosta de
relacionar a decadência dessa figura (ao que geralmente representa a decadência
de uma época em si) com a imagem de Freitas. Tanto que no frevo de rua “Maroca
só qué ‘seu’ Freitas”, de 1931, mesmo que a canção não tenha letra, o maestro
aproveita para fazer a gozação por meio do título. Contudo, algumas transformações
no início dos anos 30 vão fazer Nelson Ferreira mudar mais uma vez o rumo da sua
prosa.
Quadro 6 – Letras da Década de 30
Nº Música Compositor Ano Categoria
3 Dedé Nelson Ferreira 1930 Cenário; Personagens; Costumes; Afeto
76
Fonte: A autora (2018).
A consolidação do frevo enquanto música e o sucesso deste novo gênero
coroando Nelson como reconhecido compositor de frevos fez da década de 30 um
ano de notória produção para o maestro. Nelson começa já nos primeiros anos
satirizando a expansão urbana e a verticalização do Recife por meio da letra de
“Dedé”, de 1930. A oferta de um “arranha-chão” à sua amada vai de encontro à
tônica daqueles anos, onde os primeiros edifícios começavam a furar o céu da
cidade atendendo à polêmica premissa política da modernização do Recife. Sobre
isso, Silva (2009) nos lembra que nessa época o Recife recebeu muitas políticas
públicas, mas com o intuito de extirpar o que era considerado atrasado para que
finalmente atingíssemos o projeto de Recife Moderno. E para isso, é claro, muita
paisagem veio ao chão - inclusive os famosos mocambos - para que pudessem ser
construídos os arranha-céus que o enamorado de “Dedé” rejeita.
Assim, os anos 30 chegaram trazendo inúmeras transformações ao Brasil,
haja vista a Revolução de 30, que nos levou ao chamado Estado Novo, em 1937. O
4 O dia vem raiando 1933 Cenário; Afeto; Personagens
5 Oia a virada Nelson Ferreira 1933 Costumes; Personagens; Cenário;
Afeto
6 Coração, ocupa teu
posto
Nelson Ferreira 1933 Afeto; Personagens; Costumes
7 Pare.. olhe.. escute..
e goste!
1936 Afeto
8 Arlequim 1937 Costumes; Afeto; Cenário;
9 Que fim você levou 1937 Costumes; Afeto;
10 Corre, Faustina 1938 Personagens; Cenário; Costumes;
11 Chora, palhaço 1939 Afeto; Costumes;
12 Boca de forno 1939 Costumes; Afeto; Cenário
13 Vamo se acabá 1931 Personagens; Afeto;
14 Dobradiça 1934 Costumes; Afeto; Personagens
15 Que é que há? 1933 Afeto;
16 Maroca só qué “seu”
Freitas
1931 (Instrumental)
17 To te oiando 1936 Afeto; Costumes;
18 Veneza Americana 1938 Cenário; Afeto
19 Nada faz mal 1938 Cenário; Personagens; Afeto
77
início da primeira Era Vargas, seu governo provisório, acarretou, entre outras coisas,
a deposição do então governador de Pernambuco Estácio Coimbra e, por
conseguinte, a do “seu Freitas”, o que mais uma vez foi motivo de sátiras no meio
artístico. Nessa época, Nelson ainda vai compor outras sátiras como a já
mencionada “Maroca só qué ‘seu’ Freitas, em 1931, e também o frevo-canção
“Coração, ocupa teu posto”, em 1933, que traz sutil parodia com o nome da chapa
“Trabalhador, ocupa teu posto”, eleita por vereadores comunistas, mas impedida de
tomar posse por causa do endurecimento da insurreição em 1935 (GOMINHO,
2007). De acordo com Silva (2009), depois do levante do movimento armado
comunista – e de sua derrota – em 1935, a repressão das forças militares e
ideológicas dos aliados à Vargas se abateu contra todos considerados opositores do
regime.
Nesse sentido, a pesquisadora Zélia Gominho (2007, p. 57) chama atenção
para o fato de que, nos anos seguintes, Nelson Ferreira completaria a outra metade
dessa década escrevendo sobre temas mais amenos, “românticos, líricos, de
evocação e exaltação”, como de fato é demonstrado nas letras dos frevos escritos
após o ano de 1936, onde o imaginário do maestro é permeado por brincadeiras de
criança, canções amorosas, carnavais saudosos e sentimentais, como as letras,
respectivamente, de “Boca de forno”, “Chora, palhaço” e “Arlequim”. Além destes
temas, observa-se também nas letras escritas nessa segunda metade da década de
30, certo florescimento da pauta nacionalista (e bairrista), em busca da afirmação de
uma identidade cultural.
Esta observação também se evidencia por conta da fundação, no mesmo
1935, da Federação Carnavalesca de Pernambuco. Nas palavras de Silva (2009, p.
291)
O aparecimento da Federação Carnavalesca Pernambucana representou o esforço de criar uma entidade especialmente responsável pela busca da disciplinarização dos corpos brincantes e do domínio sobre a produção dos significados da folia. O novo regime, além de buscar controlar com eficácia crescente a produção de sentidos sobre o mundo social, instituiu novas práticas e novos discursos que instrumentalizavam o carnaval e as manifestações populares como aliados na produção do consenso e da aceitação do novo governo.
Fundada por políticos e intelectuais entusiastas do carnaval, a Federação
tecnicamente se propunha a incentivar à festa popular financiando com uma reserva
78
de dinheiro público as apresentações (confecção das fantasias, cachê dos músicos,
transporte) das agremiações e blocos20. No entanto, esse incentivo tinha um preço:
a normatização e o controle da festa. O carnaval, organizado pelo poder público de
tom Varguista, passa de expressão espontânea popular à vitrinização das ideias
patrióticas, com discurso cívico e nacionalista. Nos termos de Teles (2009, p. 25): “a
Federação, criada em pleno regime de exceção do Estado Novo, tinha claras
influências do fascismo”.
Nesse sentido, passou-se a defender o carnaval dito “de tradição”, evitando
influências externas, como o samba carioca e até mesmo contra toda a aceleração
ou improvisação das notas nos frevos de rua. Ao que se pode dizer que o carnaval e
suas expressões, como a dança, o frevo, as brincadeiras, as fantasias (vestuário), a
partir dessa época e com os sucessivos Leis-Decretos municipais que vieram
depois21, ficaram presos à pauta nacionalista, perdendo assim a elasticidade tão
cara à criação artística e aos movimentos dialéticos da vida em sociedade.
Evidentemente que a intenção de preservar os costumes “em sua forma primitiva”
não é algo ruim, porém, torna-se, nesse caso, um tiro no pé, na medida em que
associa-se este cuidado à pauta nacionalista do Estado Novo (e depois, seus ecos,
nas décadas seguintes). Resultando no emblema que o pesquisador Silva e Souto-
Maior (1991) coloca como sendo a luta entre o carnaval da participação com o
carnaval da espetacularização.
Um exemplo desses tempos é a letra do frevo-canção “Veneza americana”,
escrita em 1938 por Nelson Ferreira que, em que pese a clara referência à cidade de
Veneza, situada no Nordeste da Itália, gaba-se, o autor, da originalidade da sua
“Veneza americana”. Ora, se a nossa, pela própria referência, já é então uma
“cópia”, como pode então ser o que ele chama de “linda terra original”? Ao que
parece, as referências à cidade do Recife começam a surgir permeadas deste bojo
20 Ressalta-se aqui que, nem sempre esse cachê era efetuado no prazo correto, o que acabava endividando os presidentes dos blocos o que, fatalmente, levou a falência e o sumiço de vários blocos por essa época. 21 Em 1955 a Lei nº. 3.346 / 55 oficializou o carnaval da cidade do Recife. Atentemos para o que diz o Art. 1º: “A Prefeitura Municipal do Recife, por intermédio do Departamento de Documentação e Cultura, organizará, patrocinará e promoverá os festejos carnavalescos do Município, a partir do ano de 1956, dentro dos moldes folclóricos, preservando sôbretudo: os clubes de frêvo; os maracatús, em sua forma primitiva e os clubes de caboclinhos.” Disponível em: http://www.legiscidade.recife.pe.gov.br/lei/03346/?keyword=carnaval. Acesso em: 02 dez. 2018. Depois, seguiram-se os Decretos-Lei 1.332 / 56 que modificou a lei 3.346 / 55; e as Leis nº 9.355 / 64 e nº 10.537 / 72.
79
identitário que contaminará os discursos e as festas populares. Sobretudo porque a
Federação Carnavalesca, junto a alguns órgãos da imprensa, como a Rádio Clube
do Recife, promoverão, sistematicamente, concursos para eleger a melhor canção
de frevo. Tendo, tais concursos, editais com especificações a cumprir ao sabor do
interesse do poder público vigente.
Quadro 7 – Letras da década de 40
Fonte: A autora (2018).
Dessa forma, a década de 40 chega permeada dessa intervenção do poder
público sobre as expressões artísticas da cidade. De acordo com Teles (2008),
poucos eram os discursos dissonantes que percebiam as alterações que a
Federação já estava fazendo às espontâneas manifestações musicais que surgiram
em torno da festa de fevereiro, entre os intelectuais da época, o sociólogo Gilberto
Freyre, que chegou a classificar essa prática como a “domesticação do carnaval”
(TELES, 2008, p. 30).
Nesse sentido, o reflexo dessa atmosfera sobre a cidade pode ser percebido
em algumas letras escritas durante essa época. No frevo-canção “O frevo é assim”,
por exemplo, escrito em 1945, percebe-se a mensagem de valorização do frevo à
Nº Música Compositor Ano Categoria
20 Minha fantasia Nelson Ferreira 1940 Cenário; Personagens; Costumes; Afeto
21 Juro! 1940 Afeto; Personagens
Vamos começar de
novo
1940 Personagens; Costumes
Peixe-boi 1940 Afeto; Cenário
O passo do Caroá 1942 Costumes; Personagens;
Sorri, Pierrot 1940 Costumes; Afeto;
Coelho sai 1942 Costumes;
Bem te vi 1947 Cenário; Afeto
Bye bye, my baby 1943 Afeto; Personagens;
Dança do
Carrapicho
1942 Cenário; Afeto; Costumes;
Personagens
Sabe lá o que é isso 1944 (Instrumental)
Amar.. e nada mais! 1944 Afeto
O frevo é assim 1945 Costumes; Cenário
80
revelia de outros ritmos, como o tango e o samba, além de reforçar que esse é “o tal
frevo original de Pernambuco”. Desde o início dos trabalhos da Federação, inúmeras
medidas locais foram tomadas para estancar a diluição das marchinhas e do samba
carioca no Recife. Ambos os ritmos chegavam com toda força ao Nordeste por meio
da Rádio Nacional e também dos discos de 78 rpm. Era difícil conter. Mas as
investidas da Federação lograram sucesso.
De acordo com Teles (2008), a Federação e seus dirigentes, como o político e
jornalista Mário Melo, bombardeavam os jornais com alertas sobre o perigo que
influências musicais do eixo Sul-Sudeste do Brasil poderiam significar à pureza e a
tradição do frevo pernambucano, podendo esse até mesmo ser subjugado ou
preterido, pouco a pouco, pelos ouvintes. Com isso, alguns clubes e blocos
carnavalescos do Recife passaram a não tocar mais uma marchinha sequer. Há
relatos, inclusive, como nos lembra Teles (2008), de cidadãos até mesmo vaiarem
os autofalantes do centro da cidade quando através deles irrompia um sambinha
qualquer.
Em outro plano, para além dos temas românticos ou da valorização das
tradições, Nelson Ferreira registra também nessa década alguns costumes e
passagens históricas. É o caso das letras já demonstradas em 5.1, como o frevo-
canção “Bye bye, my baby”, de 1943, que capta o início do processo de aculturação
norte-americana no Recife, bem como os frevos-jingles “O passo do Caroá” e
“Dança do Carrapicho”, que difundem na folia a moda, à época, de pular carnaval
usando as calças e brim Caroá. Além desses, a memória dos costumes dessa
década no Recife se revela também na letra do frevo-canção “Peixe- boi”. Escrito em
1940 em parceria com o poeta recifense Osvaldo Santiago, “Peixe-boi” traz em sua
narrativa uma sutil ironia sobre os costumes familiares. O peixe-boi da canção
realmente existiu (OLIVEIRA, 1985; BELFORT, 2009) e tinha como habitat até o final
dos anos 50, um tanque localizado no Parque Amorim.
À época, visitar o peixe-boi era uma atração popular na cidade, pois praças
como o Parque Amorim, arborizadas, estavam incluídas nos passeios pedestres de
uma cidade ainda sem tantos carros particulares. No entorno do Parque,
localizavam-se alguns bairros nobres de casas e famílias tradicionais, como o Derby
e Graças. Assim, a letra de “Peixe-boi” nos conta de um personagem feminino que
sai de casa e não volta nunca mais, certamente “roubada” por alguém, mas que
ninguém sabe responder “quem foi? quem foi?”. Diante do silêncio (provavelmente
81
da família, envergonhada e querendo evitar os males, como geralmente acontecia) o
narrador então, jocosamente, acusa o peixe-boi pelos desvios das moças, tal como
acontecia à figura do boto, nas regiões amazônicas.
Quadro 8 – Letras da década de 50
Fonte: A autora (2018).
Os percursos demonstrados nas décadas anteriores facilitam entendermos
que a letra de frevo mais conhecida de Nelson Ferreira (ao menos a mais tocada),
tenha sido composta em meados dos anos 50. Escrita em 1955 e lançada em 1957,
Evocação nº1 se tornou o maior sucesso do carnaval brasileiro daquele ano,
desbancando as marchinhas em número de vendas até mesmo no Rio de Janeiro
(BELFORT, 2009; TELES, 2008; OLIVEIRA, 1985) e estando presente até hoje no
imaginário popular.
Como vimos, a partir da década de 30 as investidas do poder público sobre a
festa de carnaval tiveram o intuito híbrido de, tanto manter as tradições com
discursos patrióticos, quanto realizar o controle e a repressão social, o que acabou
por descaracterizar a espontaneidade do carnaval de rua tão presente no início no
século XX. Assim, como Nelson havia acompanhado essas transformações, pois ele
mesmo era, no início dos anos 20, um jovem folião e também artista local, o maestro
procurou registrar em Evocação (ou evocar, como o próprio título sugere) a
atmosfera daqueles tempos - tão distante do carnaval organizado que se
experimentava nos anos 50, adaptado para ser visto de palanques, como em um
comício político.
Nº Música Compositor Ano Categoria
Pernambuco, você é meu
Nelson Ferreira 1955 Cenário; Afeto; Costumes;
Evocação nº1 1957 Personagens; Costumes; Afeto;
Cenário
Pelo “Sport” tudo 1955 Personagens; Costumes; Cenário;
Afeto
Gostosão 1950 (Instrumental)
Gostosinho 1950 (Instrumental)
Come e dorme 1953 (Instrumental)
Carro chefe 1955 (Instrumental)
Isquentamuié 1954 (Instrumental)
82
Para tanto, a letra de Evocação, na ideia de evocar os antigos carnavais,
realiza um inventário afetivo de nomes de blocos e personagens que faziam parte do
cenário carnavalesco da cidade do Recife nos anos 20, mas que sumiram com o
tempo. A pergunta “cadê teus blocos famosos?” surge na letra como uma pergunta
ao próprio passado, sem resposta. Como vimos em 5.2, os personagens citados
nesse frevo-canção eram pessoas próximas ao maestro e em que pese a letra não
vir com essa explicação, é provável referência a algo que a cidade tinha, mas que
perdeu. Noção essa que, não à tôa, é percebida na década de 50, época em que o
carnaval é oficializado pela Prefeitura do Recife, recebendo mais uma vez inúmeras
mudanças e reorganizações.
Assim, após este percurso podemos acompanhar por meio do Gráfico a
seguir a proporção entre as categorias:
Figura 7 - Proporção final da categorização de conteúdo
Fonte: A autora (2019)
Categorias
Cenário 24%
Personagens 20%
Costumes 38%
Afeto 18%
83
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os vestígios do passado se colocam para nós como os grãos de areia de uma
ampulheta que se espatifa ao chão. A metáfora da ampulheta, embora bastante
utilizada, nos é preciosa neste trabalho pois ela aponta para algo: todos os grãos
que representam o volume do tempo presente afunilam-se para representar o tempo
passado, no entanto, verte-se a estrutura, e tão logo passado e presente estão
juntos novamente, tentando dividir-se mais uma vez em duas matérias distintas.
Num continuum. Essa característica se assemelha com o que vimos nesta pesquisa,
cujos reflexos sobre as representações e memórias da cidade do Recife a partir das
letras de frevo do maestro Nelson Ferreira é o nosso grão, por assim dizer.
Juntar os grãos do passado e do presente, além de uma tarefa hercúlea, pode
resvalar em um trabalho de Sísifo, parece heroico, mas não é, posto que consome a
si mesmo em seu movimento unilateral - quando é preciso justamente considerar
esses grãos em um movimento dialético. Afinal, sob cada pedra que a Ciência
ergue, calcariza-se um dado, um lado do dado (ou somente as arestas) daquilo que
um dia foi. Nesse sentido, as considerações deste trabalho não podem ser feitas
sem antes nos lembrarmos disso.
Fugidia, plural (NORA, 1993) a memória coletiva, afetiva e social imbricada à
memória individual tanto soergue castelos de pedras de alfenim, doces e solúveis,
como também arrecifes capazes de aguentar as tempestades e as ressacas dos
tempos, ganhando apenas novas vagas e formas. Tanto que os estudos científicos
que se debruçam sobre essa matéria devem fazê-lo cientes de sua hibridez. Nesse
sentido, as relações entre a memória coletiva e os documentos não-convencionais
como a informação musical popular e urbana, por exemplo, foram o gatilho para este
trabalho.
A presente pesquisa surgiu a partir de uma observação, seguida de uma
intuição: como podemos nos relacionar afetivamente com personagens e paisagens
que não conhecemos pessoalmente, mas que nos são trazidas há anos a partir das
canções populares, como o frevo pernambucano, por exemplo? Sendo esta
informação musical um tipo de documento, como ele reconstitui a memória da
cidade do Recife? Ao que chegamos a nossa questão de pesquisa: As letras das
canções e suas narrativas podem ser consideradas um lugar de memória? Com
efeito, o que vimos a partir dos dois capítulos “Documentos e Informação Musical” e
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“A Memória e seus lugares: o frevo e as narrativas da cidade” nos deram valiosas
pistas sobre essas e outras preposições.
Nos históricos e apontamentos trazidos a partir da conversa entre os autores
referenciados, pudemos perceber que a informação musical, em que pese a
escassez de estudos em Ciência da Informação, como apontado por Bezerra et al.
(2016), acompanhou o percurso que envolveu o conceito de documento desde Otlet
e Briet, no início do século XX.
A informação musical como documento ainda foi retomada pelos
Neodocumentalistas, onde teve revisitada suas instâncias simbólicas e físicas,
tangíveis e intangíveis, bem como os aspectos apontados por Barros; Café e
Almeida (2013, p.1) como “exteriores à própria estrutura musical”, esses,
contextualizados em um âmbito cultural. Nesse sentido, essa compreensão sobre o
objeto em questão foi fundamental para este trabalho, sobretudo porque a premissa
versava sobre a memória de uma cidade em específico. Assim, entendemos com
isso que o documento não pode ser isolado em seus atributos e contextos.
De tal forma que, mesmo que este trabalho não trate de memória histórica,
fez-se necessário consultar e checar algumas informações oficiais sobre a história
contemporânea para entender, comparar e mapear o conteúdo trazido nas letras das
canções, visto que todas as composições podem conter – e contém – as metáforas
e licenças poéticas tão particulares à criação artística, bem como os próprios lapsos
da memória individual do autor em questão.
No entanto, o que se percebe é que à revelia das informações históricas e
seu caráter legalista de “prova oficial”, as narrativas apresentadas pelos 38 frevos22
do Maestro Nelson Ferreira demonstram que as letras são um produto de seu
tempo, mas que também e principalmente, são um produto do olhar e da experiência
de um homem em sua época. Experiência essa que a partir do fenômeno da
reprodutibilidade da informação, foi então massificada e perpetuada por quase 100
anos, repetindo-se por meio das narrativas das canções que ao serem tocadas
ativam essa memória, trazendo-a para o presente e se diluindo à memória individual
de cada um, criando vínculos sonoros.
22 Inicialmente, o corpus eram 46 canções, mas durante a análise percebe-se que oito frevos presentes nas duas coletâneas em questão eram “frevos de rua”, ou seja, só continham o instrumental.
85
Essa demonstração coaduna com o que vimos em 3.1, quando Halbwachs
(1990) nos sugere que há coesão social por meio da “adesão afetiva”, pois esta
proporciona ao indivíduo o sentimento de pertencimento a um determinado grupo
que compartilha memórias, a “comunidade afetiva”: como a cultura, a classe social, a
religião, a família. Nesse sentido, a resposta à questão de pesquisa é que, sim, a
informação musical que constitui as letras dos frevos do maestro Nelson Ferreira
podem ser consideradas um lugar de memória. O lugar das canções não é o lugar
trazido por Nora em seus estudos como o da cultura oral das sociedades
tradicionais, mas os lugares socialmente instituídos no mundo moderno para serem
produzidos e reproduzidos. De toda forma, as 38 letras analisadas podem ser
consideradas uma representação do passado, ou nos termos de Nora, uma
chamada concentrada à lembrança.
Como demonstrado em 5, as 38 composições do maestro são escritas a partir
de um lugar. Tanto que a análise do material terminou sugerindo a criação das
categorias “cenário”, “personagens”, “costumes” e “afeto”, depois de observar a
reincidência de temas nas composições, tais como carnaval, rua, Pernambuco,
saudade, blocos carnavalescos e inclusive pessoas e seus nomes próprios.
Nelson Ferreira, nas três décadas analisadas, tanto escreveu sobre a cidade
do Recife propriamente, como também sobre fatos e passagens do seu tempo que
tiveram impacto, como a Segunda Guerra Mundial no caso das canções “Vamos
cantar a vitória” (1960) e “Bye bye, my baby” (1943) e também, o que é interessante
ressaltarmos, sobre fatos não tão importantes para o cenário mundial ou nacional,
muito menos para a própria cidade. De forma que se não tivesse sido registrada pelo
compositor, possivelmente teria “passado batido”, como uma fofoca que corre ruas
estreitas e depois se perde no esquecimento, como é o caso do frevo-canção
“Peixe-boi”.
Porém, o que percebemos após a análise de todos os dados, é que as
representações da cidade do Recife não se dão apenas de forma descritiva, pois é
perceptível a criação, a partir das letras, de uma atmosfera, de algo que quer se
colocar como característico da cidade, como os sentimentos incontestáveis sobre a
posse do melhor e maior carnaval, sobre a própria beleza da cidade, sobre
sentimentos carnavalescos como amor, dor e saudade. Informações essas que são
repetidas amiúde e entre diferentes gerações, diluindo-se no coletivo, ganhando
notas de verdade.
86
Ainda sobre o sentimento “saudade”, destacamos aqui também a
performance da atmosfera saudosa criada pelo frevo “Evocação nº1” (1957), que ao
descrever e evocar os antigos personagens do carnaval recifense, tornou-se um
sucesso nacional. Nesse sentido, acrescentamos também que este trabalho sinaliza
para o caráter alteritário da memória, pois com esse exemplo podemos enxergar que
as discussões sobre a memória coletiva a partir da informação musical não se
encerram nas representações da cidade, mas rompem as barreiras geográficas e no
revelam que a alteridade também pode ser investigada como elemento de adesão
afetiva.
Um dos indícios é que a cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, onde
Evocação fez absoluto sucesso, também havia passado, no início do século XX, por
significativas transformações em suas festas populares, igualmente lideradas pela
elite carioca, o que acarretou em sucessivos apagamentos culturais (SOIHET,
1998). Ao que a letra de Evocação, embora paroquial, lamenta, em linhas gerais, por
algo que “tínhamos, mas perdemos”. Nesse sentido, a afirmação alteritária da
informação, como nos coloca Silva (2013), pode funcionar como uma
interpenetração entre os sujeitos, visando aproximar as diferenças entre o eu e o
outro. Um entendimento acerca desses processos nos levaria a outros e futuros
estudos na Ciência da Informação.
De outro modo, sobre as contribuições e os impactos deste trabalho à
sociedade e a Ciência da Informação, destacamos que:
a) Esta pesquisa ajudará a entendermos como a música popular urbana,
enquanto documento, reconstrói a memória de uma cidade,
contribuindo com o panorama nacional de trabalhos da área que ainda
aponta relativa escassez sobre o tema e, com isso, acaba por ampliar
e valorizar os estudos conceituais sobre o documento, demonstrando
outros olhares acerca da performance dos registros ao nosso redor, da
potência informativa contida nas canções populares, o documento
afetivo, tão perto de nós.
b) Este trabalho também se torna valoroso ao reforçar a importância dos
registros fonográficos, visto que, como acompanhamos, se não fosse a
gravadora de discos pernambucana Rozenblit, a maioria dos registros
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sonoros do maestro Nelson Ferreira teriam se perdido com o tempo,
posto que foi com as coletâneas produzidas pela gravadora que a obra
do maestro passou a ser reproduzida para além da festa de carnaval e
das orquestras, diluindo-se e permanecendo entre as memórias
geracionais, construindo espaços invisíveis, cidades palimpsésticas.
c) Ademais, este trabalho também se torna importante ao evidenciar em
seu percurso que as canções de frevo do maestro Nelson Ferreira
também são produtos das sistemáticas medidas de organização – e
repressão social – às manifestações populares, sobretudo da festa de
carnaval no Recife, atentadas pelos sucessivos governos
pernambucanos do início do século XX e cujos ecos, também por meio
das músicas, chegam até nós até os dias atuais. Nesse sentido,
percebe-se que tais ecos ressoam híbridos: ora na prosperidade,
reforçando ideias exageradas sobre a cidade por meio de uma
identidade cultural do Recife, do carnaval, sobre o folião recifense,
seja, de outro modo, por meio da escassez, da ausência, a falta, algo
que essa cidade costumava ter, mas que perdeu, restando apenas
evocarmos os tais “tempos ideais”.
d) Desse modo, acreditamos, em última análise, que esta pesquisa pode
vir a substanciar estudos sobre linguagens documentárias e indexação
de multimeios, uma vez que demonstra a potência informativa e
diversa contida nos registros musicais, o que inauguraria muitas
possibilidades de entradas e acessos, sobretudo a partir da
categorização construída na análise dos dados.
Diante do exposto, podemos concluir que este trabalho analisou a relevância
da informação musical para a reconstituição da memória da cidade do Recife, bem
como sinaliza pistas e proposições para outros estudos a partir deste, no futuro. E,
por enquanto, se encerra assim: entre passado e futuro, juntando grãos, invertendo
ampulhetas.
88
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