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  • 1

    Universidade Federal de Pernambuco

    Centro de Filosofia e Cincias Humanas Programa de Ps-Graduao em Sociologia

    A REESTRUTURAO DO MUNDO DO TRABALHO E A CONSTITUIO DO SUJEITO EMPREENDEDOR:

    O caso do Porto Digital

    por

    Nelson da Cruz Monteiro Fernandes

    Orientador: Prof. Dr. Jonatas Ferreira

    Recife, Fevereiro de 2009.

  • 2

    Universidade Federal de Pernambuco

    Centro de Filosofia e Cincias Humanas Programa de Ps-Graduao em Sociologia

    A REESTRUTURAO DO MUNDO DO TRABALHO E A

    CONSTITUIO DO SUJEITO EMPREENDEDOR: O caso do Porto Digital

    Nelson da Cruz Monteiro Fernandes Dissertao apresentada como requisito para obteno do grau de Mestre em Sociologia, sob orientao do Prof. Dr. Jonatas Ferreira.

    Recife, Fevereiro de 2009.

  • 3

    Fernandes, Nelson da Cruz Monteiro A reestruturao do mundo do trabalho e a constituio do sujeito empreendedor : o caso do Porto Digital / Nelson da Cruz Monteiro Fernandes. Recife: O Autor, 2009. 114 folhas. Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Sociologia, 2009.

    Inclui: bibliografia.

    1. Sociologia. 2. Tecnologia da Informao Porto Digital (Recife-PE). 3. Trabalho Poltica governamental. 4. Empreendedores. I. Ttulo.

    316 301

    CDU (2. ed.) CDD (22. ed.)

    UFPE BCFCH2009/73

  • 4

  • 5

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo especialmente ao professor Jonatas Ferreira, por ter aceitado a orientao

    desta dissertao e pelos questionamentos preciosos e cruciais para a realizao deste

    trabalho.

    Ao Professor. Dr. Fernando Paiva por sua responsabilidade no meu ingresso no mundo

    acadmico strictu senso, alm da sua generosidade, seu esprito verdadeiramente

    docente e pelas decisivas orientaes durante a trajetria.

    Aos docentes do PPGS responsveis pelo meu ingresso no universo na Sociologia. A minha me Maria que tanto se empenhou em me ajudar e torceu pela realizao dos

    meus estudos, juntamente com o meu pai Manuel pela pacincia, amor, carinho e

    alegria.

    Devo um agradecimento todo especial minha av Fausta, e ao meu querido av

    Avelino pelos conselhos que tiveram papel fundamental nas minhas escolhas feitas at

    hoje.

    Aos meus amados padrinhos que so exemplos de vida e de conduta que me esforo em

    seguir.

    s minhas lindas e meigas irmzinhas Raquel e ngela e meus queridos irmos Pedro,

    Carlos e o sobrinho Yannick, pela experincia de crescer ao lado de pessoas to

    especiais.

    minha fonte inesgotvel de alegria, Dandara Maria, a qual pretendo devolver

    integralmente o tempo e a ateno que indevidamente deixei de dedicar nessa fase da

    minha vida.

    minha linda e amada Cleonice Maria, que me suportou nos momentos difceis e

    tambm nos fceis, com quem construo minha vida, renovando cotidianamente meu

    amor e admirao.

    Aos colegas de sala de aula, pela descontrao e o esprito de grupo que nos uniu durante todo o perodo. Ao Prof. Srgio Bencio e aos colegas Roberto, Marcos, Denis, Simone, Maria Ira, Larissa, Halana, Fabiana, Chico, Carlos Rocha, Chris, Angela, e todos aqueles que tm se unido em torno do Ncleo, este espao acolhedor Ao programa da CAPES, que nos proporcionou a bolsa de estudos durante os ltimos

    15 meses da dissertao.

  • 6

    No h nada no mundo que esteja melhor repartido do que a razo: toda a

    gente est convencida de que a tem de sobra. Ren Descartes

  • 7

    RESUMO

    A proposta deste estudo discutir e analisar as caractersticas do trabalho vigente no cenrio contemporneo em uma situao social marcada pela reestruturao das atividades produtivas, que requerem mudanas tanto no tipo de conhecimento quanto no tipo de comportamento para enfrentar essa nova conjuntura. Com uma anlise contextualizada das particularidades regionais do Plo de Tecnologia da Informao e Comunicao pernambucano Porto Digital -, pretendemos aprofundar a compreenso sobre a formao desse novo trabalhador, saber como administra a carreira e as condies de trabalho. A partir dos estudos tericos que apontam o surgimento de um novo perfil de trabalhador na virada do sculo XXI, aliado ao discurso empreendedor propalado de forma quase que apologtica desde os anos 80, deram origem s problematizaes que nos levaram ao desenvolvimento desta pesquisa. Se faz-se necessrio um novo trabalhador, de que maneira isso se d na prtica? Ser que podemos denomin-lo realmente de um trabalhador empreendedor? Como os fatores locais afetam isso? Ser que esse trabalhador empreendedor seria o alvorecer de uma nova qualidade de vida para os profissionais ou seria simplesmente para atender as necessidades dos empregadores? Os resultados mostram uma variedade de elementos que condicionam as relaes de trabalho nas empresas inseridas num contexto perifrico, sugerindo assim que as grandes homogeneidades da poca taylorista aqui deram lugar a mltiplas formas de organizao e uso da fora de trabalho. Ento a reestruturao produtiva pode ser pensada como um processo conflitante, onde a contradio se encontra em novas formas de explorao e de composio das relaes de trabalho. Palavras-Chaves: Sociologia. Tecnologia da Informao. Porto Digital. Trabalho. Poltica Governamental. Empreendedores.

  • 8

    ABSTRACT

    The purpose of this work is to discuss and analyze the characteristics of the labor force in the contemporary scene in a social situation marked by the restructuring of productive activities, which require changes both in the types of knowledge than in the type of conduct to face this new situation. With an specific analysis of regional peculiarities of the Technology Cluster of Information and Communication from Pernambuco Porto Digital -, we want to deepen the understanding about the formation of the "new" employee, to know how he administers the career and working conditions. From the theoretical studies that suggest the emergence of a worker's new profile at the turn of the twenty-first century, and the discourse of entrepreneur advertising almost in a apologetic way since the'80s, take to the problems that led us to develop this research. If there is made necessary a new employee, how this happens in practice? Can we really call it a worker entrepreneur? How do the local factors affect that? Does the entrepreneur worker would be the arise of a new quality of life for the professionals, or would simply be to attend the needs of employers? The results show a variety of factors that affect the employment relations in firms included in a peripheral context, suggesting that the great homogeneity of the Taylor's period here gave rise to multiple forms of organization and use of the workforce. Then, the productive restructuring can be thought as a conflicting process, where the contradiction lives in new forms of exploitation and composition of the relations force. Key-Words: Sociology. Information Technology. Porto Digital. Work. Government Policy. Entrepreneurs.

  • 9

    FIGURA Pag.

    Figura 1: Etapas do Desenvolvimento do Software .......................................................... 70

  • 10

    SUMRIO

    RESUMO ............................................................................................................ 7

    1. INTRODUO ................................................................................................ 11

    1.1 Estruturao da dissertao ................................................................................. 18

    2. A REESTRUTURAO PRODUTIVA E A CONSTITUIO DO NOVO TRABALHADOR ................................................................................

    22

    2.1 Mudanas no mundo do trabalho ........................................................................ 22

    2.2 A reestruturao produtiva no contexto nacional ................................................ 32

    2.3 A emergncia da temtica empreendedora .......................................................... 38

    3. PROCEDIMENTOS METODOLGICOS .................................................... 43

    4. CAMPO DE ESTUDO....................................................................................... 54

    4.1 O Porto Digital no contexto das transformaes globais ..................................... 54

    4.2 As condies locais para o surgimento do Porto Digital .................................... 60

    4.3 O Porto Digital hoje ............................................................................................ 65

    4.4 A natureza especfica do software e seus desdobramentos sobre o mundo do trabalho ................................................................................................................

    68

    5 RESULTADOS DE CAMPO ........................................................................... 73

    5.1 Os desenvolvedores ............................................................................................. 74

    5.2 Os gerentes .......................................................................................................... 87

    5.3 Executivos e Presidentes ..................................................................................... 99

    6. RETOMANDO A NOSSA INDAGAO ORIGINAL ................................ 107

    6.1 Consideraes Finais ........................................................................................... 107

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................ 117

    ANEXOS ............................................................................................................ 122

  • 11

    Captulo 1

    INTRODUO

    O rpido processo de reestruturao produtiva por que vem passando a economia

    global e as profundas transformaes que, raiz desse processo, vm atingindo o

    trabalho desde o incio dos anos 80 do sculo passado fazem com que estudiosos se

    debrucem sobre suas vrias manifestaes e implicaes para a sociedade.

    Neste trabalho procura-se discutir aspectos relativos reestruturao do mundo

    do trabalho e a constituio de um novo trabalhador. com caractersticas diferenciadas

    do profissional do incio do sculo passado. A reestruturao produtiva e os fenmenos

    que a ela se seguiram - novas formas de gesto, introduo acelerada de novas

    tecnologias, reduo dos nveis de emprego, trabalho precarizado e terceirizado e

    aumento do nvel de escolaridade do trabalhador, entre outros - requerem mudanas

    tanto no tipo de conhecimento quanto no tipo de comportamento para enfrentar esse

    novo cenrio. Ento, o surgimento de um novo perfil de trabalhador na virada do sculo

    XXI, aliado ao discurso empreendedor propalado de forma quase que apologtica desde

    os anos 80 (FILION, 1999) deram origem s problematizaes que nos levaram ao

    desenvolvimento desta pesquisa. Se faz-se necessrio um novo trabalhador, de que

    maneira isso se d na prtica? Ser que podemos denomin-lo realmente de um novo

    trabalhador, ou um trabalhador empreendedor? Como os fatores locais afetam isso?

    Ser que esse trabalhador empreendedor seria o incio de uma nova qualidade de vida

    para os profissionais ou seria simplesmente para atender as necessidades dos

    empregadores? Portanto, o caminho percorrido para se chegar s questes norteadoras

    da nossa pesquisa partiu da aliana entre as mudanas no mundo do trabalho e o

  • 12

    aumento da freqncia do uso do termo empreendedorismo como resposta a um

    contexto de diminuio dos postos de trabalho formais e aumento do auto-emprego. A

    descrio da realidade por que passa o mercado de trabalho com expresses de efeito

    como fim do emprego, downsizing, flexibilidade, e reengenharia fizeram surgir o

    empreendedorismo como uma alternativa de empregabilidade e gerao de negcios, e

    como base para novas relaes de trabalho. Tomamos, ento, o desafio de compreender

    a formao desse trabalhador com caractersticas empreendedoras no mundo do

    trabalho.

    Embora no tenhamos encontrado nenhuma conceituao de trabalhador

    empreendedor, e, portanto, usaremos essa expresso quase que de forma clandestina,

    procuramos aliar as caractersticas demandadas do trabalhador no contexto de

    reestruturao produtiva com as do sujeito empreendedor. Permeando esse contexto,

    vislumbramos o trabalhador empreendedor como ser dotado de livre arbtrio, capaz de

    tratar questes complexas, inventar e engajar-se em um trabalho coletivo e evolutivo.

    Na ao empreendedora h a negao e superao de um estado passivo no qual servo

    de um processo rgido, executor de gestos preestabelecidos, repetitivos, isolados,

    estritamente prescritos, planejados e controlados. importante frisar que a origem da

    inovao, tida hoje como um diferencial competitivo das empresas, reside na

    criatividade dos indivduos, e esta influenciada tanto positiva quanto negativamente

    pelo ambiente criado pela prpria organizao. Portanto, espera-se que uma ateno

    especial deva ser atribuda ao trabalhador. E para que haja renovao na organizao do

    trabalho e a criao de uma condio necessria para a ao empreendedora ser

    necessria a criao de um espao facilitador do desenvolvimento do homem e de sua

    capacidade criativa, no qual haja transparncia, compartilhamento e a preocupao em

    formar e valorizar o homem.

  • 13

    Assim, entendemos que o contexto atual, onde predominam mercados instveis,

    demandas por personalizao e encurtamento da vida til dos produtos, exigncia de

    flexibilidade quer seja tcnica, humana ou organizacional, avano da automao e

    competitividade, leva a que trabalhadores adotem na sua ao cotidiana uma

    predisposio empreendedora para superar essas exigncias. Tal disposio funcionaria

    por assim dizer, como mola propulsora da ao inovadora dos indivduos em suas

    organizaes. Partimos do principio de que na nova configurao do mundo do

    trabalho, instigado pelas empresas, o profissional tende cada vez mais a se mobilizar

    para acessar os conhecimentos e competncias dos quais ele no dispe, buscar

    informaes teis e confiveis, muitas vezes exclusivas, o que possibilita o

    reconhecimento e desenvolvimento de oportunidades. Para fins do nosso estudo

    conceituamos o trabalhador empreendedor como o profissional voltado para responder

    as novas demandas do mundo do trabalho e que lida e aprende com incertezas. A

    suposio inicial que essas caractersticas marcam a dinmica tecnolgica e as

    relaes de trabalho no Porto Digital. Este estudo, portanto, se prope tambm a

    contribuir para a compreenso das relaes de trabalho em um setor dinmico da

    economia pernambucana.

    Com vista a identificar os impactos da nova conjuntura no mbito local,

    definimos como campo de pesquisa o Porto Digital, tanto pela fcil acessibilidade s

    suas instalaes e funcionrios, como pela disponibilidade em coletar contedos que

    pudessem constituir dados para a nossa pesquisa. Ademais, o Porto Digital se

    consolidou como um dos maiores parques tecnolgicos do pas, contando com mais de

    4000 trabalhadores, alm de ser considerado como um setor que est na vanguarda do

    processo de transformao das foras produtivas. Dentro do cluster de TI tivemos

    oportunidade de entrevistar desenvolvedores, analistas de sistemas, gerentes, executivos

  • 14

    e os chefes de associao, ou seja, toda a cadeia que agrega valor para o setor de

    software. Definimos que esses profissionais de TI deveriam constituir o sujeito da nossa

    pesquisa, sendo eles responsveis pela maioria das informaes coletadas a respeito

    desse cluster e com as condies de trabalho existentes. Assim, buscamos aprender com

    eles tanto a sua viso sobre o universo de trabalho, como sua atuao nesse cotidiano,

    bem como as relaes que se estabelecem entre os vrios estratos no sentido de analisar

    as caractersticas desse trabalhador e as suas relaes de trabalho. Corresponderia ele

    (ela) ao perfil do novo trabalhador?

    O Porto Digital surgiu como um cluster com profissionais envolvidos com a

    criao de software1 na cidade do Recife e se enquadra perfeitamente nesse novo

    formato de rede de negcio que compete num ambiente globalizado, rivalizando em

    iguais condies com empresas do mundo inteiro. Aqui so teis os estudos de Porter

    (1998) que afirma que a estruturao em redes ou associaes de empresas com grande

    capacidade empreendedora e inovativa passa a exercer uma importncia central na

    obteno de vantagens competitivas significativas, tendo em vista a possibilidade de

    ganhos inerentes otimizao de recursos, permitindo aumento da capacidade de

    produo, acesso tecnologia, obteno de crdito, penetrao em novos mercados e

    diferenciao de produtos, reduzindo os riscos inerentes ao negcio em conseqncia do

    compartilhamento de oportunidades e dificuldades vividas em um processo de inter-

    relao empresarial.

    E nesse sentido, os processos de trabalho nas unidades de software so

    marcados pela forte necessidade de atualizao do conhecimento (COSTA JNIOR,

    2005, LARANJEIRA, 2004, p. 19), o contedo e a natureza dos trabalhos tornaram-se

    1Destacam-se as produes de softwares para gesto, solues para o sistema financeiro e de sade, games, softwares para o setor de segurana, sistemas para gerenciamento de trfego e transporte, usabilidade de software e solues integradas para desenvolvimento de portais, extranets e intranets (informaes tiradas do site www.portodigital.org em 28/02/2008).

  • 15

    mais ricos, dada uma maior demanda de investimento subjetivo e de mobilizao da

    inteligncia. Existe tambm um esforo de tornar as unidades produtivas em fbricas

    de software, hoje muito difundido na ndia2 e usado pelas grandes empresas de

    software, que seria um conjunto empacotado de processos, ferramentas e outros ativos

    integrados usados para acelerar as tarefas de ciclo de vida de um tipo especfico de

    componente, aplicativo ou sistema de software. A acelerao alcanada fornecendo

    aos profissionais diretrizes que os ajudam a saber o que fazer, quando fazer, por que

    fazer e como fazer3. Os esforos de tornar as unidades produtoras de software em

    fbricas de software uma tentativa do capital de aperfeioar a qualidade,

    previsibilidade e a produtividade. Tanto nas unidades produtivas, como nas fbricas de

    software a reduo dos custos da mo-de-obra buscada atravs do empowerment de

    seus empregados, ampliando o escopo de suas atribuies, reduzindo os nveis

    hierrquicos, transferindo responsabilidades at ento atribudas a gerentes e/ou

    supervisores aos trabalhadores do cho de fbrica (LARANJEIRA, 2004, p. 19). Alm

    disso, a responsabilidade com a qualificao que tem recado sobre os trabalhadores,

    individualmente. Isso torna mais dramtico os setores envolvidos com tecnologia de

    informao, em que a qualificao torna-se facilmente obsoleta, reduzindo o seu valor

    no mercado e o risco de ver sua qualificao desvalorizar-se rapidamente.

    (LARANJEIRA, 2004 p. 19).

    justamente aqui que surgem mais alguns elementos que acabaram

    consolidando os rumos desse projeto, j que nesse cenrio o trabalhador levado a

    cuidar da sua prpria carreira e da sua qualificao, tendo que se comprometer mais

    com sua trajetria do que com a empresa em que trabalha e fazendo com que seu

    trabalho esteja recheado de elementos caractersticos dos empreendedores. As novas 2Onde as empresas beneficiaram-se do excesso de mo-de-obra qualificada e de baixo custo, apresentando elevadas taxas de crescimento nos ltimos anos. 3Informao tirada do blog meira.com

  • 16

    tecnologias estariam exigindo, portanto, um trabalhador com formao mais abrangente

    para lidar com diversas tarefas cada vez mais abstratas, complexas e imprevisveis; no

    mais um trabalhador especializado em uma profisso, mas sim polivalente, para atuar

    em situaes especificas. Claro que isso leva as empresas de TICs (Tecnologias de

    Informao e Comunicao) a se desdobrarem e recorrerem a uma srie de estratgias

    para atrair e reter a mo-de-obra altamente qualificada, que especialmente requisitada

    tanto a nvel nacional (migrando para o centro financeiro do no sul pas) como

    internacional (quando captado pelas multinacionais do setor). Isso permite constatar a

    relevncia ou pertinncia do tema para o Estado de Pernambuco e a complexidade do

    mesmo, levando em conta dificuldades ou obstculos no acesso a trabalhos cientficos

    que versem sobre a escassez de mo-de-obra com competncias empreendedoras e em

    TICs em regies fora do eixo central do desenvolvimento capitalista.

    As transformaes no mundo do trabalho tambm fizeram com que, cada vez

    mais, fossem requisitados dos trabalhadores sua inteligncia, sua imaginao, sua

    criatividade, sua conectividade, sua afetividade toda uma dimenso subjetiva e extra-

    econmica, antes relegada ao domnio exclusivamente pessoal e privado (PELBART,

    2003, p.24). Podemos acrescentar ainda a capacidade de solucionar problemas,

    divergir, questionar, trabalhar em equipe e de tomar decises. Esses elementos passaram

    a corresponder s competncias ditas subjetivas, que juntamente com o conhecimento

    tcnico e as habilidades, completam o conceito de competncias para um posto de

    trabalho. Nesse sentido, a qualificao do trabalhador, que antes representava um

    aglomerar de conhecimentos e experincias adquiridos ao longo de uma da vida

    profissional (MANFREDI, 1999), tomou nova dimenso ao inserir elementos

    comportamentais como caractersticas demandadas pelo mercado de trabalho. Ento, ao

    examinar a realidade do trabalho, hoje, h que reconhecer que estamos diante de

  • 17

    transformaes que exigem reviso de conceitos, recriao de alternativas e imaginao

    sociolgica (LARANJEIRA, 2004, p.16). Mas longe de uma literatura focada em

    exemplos extrados da vida econmica dos centros dinmicos do capitalismo,

    procuramos saber como essas relaes de trabalho, como esse novo trabalhador pode ser

    caracterizado em situaes perifricas. Nosso estudo tem essa pergunta como algo

    central.

    Observa-se, assim, uma alterao profunda nos modos de trabalhar que passou a

    requerer um novo comportamento e engajamento por parte do novo trabalhador, e uma

    nova concepo das relaes de produo. Diante deste contexto, o empreendedorismo

    e o trabalho flexvel convergem para uma nova forma de se conceber o trabalhador e

    sua relao com o trabalho.

    De tal problematizao emerge a seguinte proposta de pesquisa: como a

    reestruturao do mundo do trabalho constitui a figura do trabalhador

    empreendedor? Ou para ser mais especifico, quem o trabalhador que atua no

    Porto Digital, um cluster tecnolgico perifrico, formado por uma rede de

    empresas que atuam num mercado globalizado, competitivo e flexvel?

    Nesta perspectiva, as hipteses que norteiam este trabalho so:

    O novo trabalhador teria caractersticas diferenciadas do profissional do incio

    do sculo passado. Aqui partimos do princpio que a reestruturao produtiva e

    os fenmenos que a ela se seguiram - novas formas de gesto, introduo

    acelerada de novas tecnologias, reduo dos nveis de emprego, trabalho

    precarizado e terceirizado e aumento do nvel de escolaridade do trabalhador,

    entre outros - requerem mudanas tanto no tipo de conhecimento quanto no tipo

    de comportamento para enfrentar esse novo cenrio.

    A descrio da realidade por que passa o mercado de trabalho, com expresses

  • 18

    de efeito como fim do emprego, downsizing, flexibilidade, e reengenharia

    fizeram surgir o empreendedorismo como uma alternativa de empregabilidade,

    gerao de negcios e como base para novas relaes de trabalho.

    Vislumbramos o trabalhador empreendedor como ser dotado de livre arbtrio,

    capaz de tratar com questes complexas, inventar e engajar-se em um trabalho

    coletivo e evolutivo. Na ao empreendedora h a negao e superao de um

    estado passivo no qual servo de um processo rgido, executor de gestos

    preestabelecidos, repetitivos, isolados, estritamente prescritos, planejados e

    controlados.

    Assim, entendemos que o contexto atual onde predominam mercados instveis,

    demandas por personalizao e encurtamento da vida til dos produtos,

    exigncia de flexibilidade quer seja tcnica, humana ou organizacional e avano

    da automao e competitividade, leva a que trabalhadores adotem na sua ao

    cotidiana uma predisposio empreendedora para superar essas exigncias.

    Partimos do principio de que na nova configurao do mundo do trabalho,

    instigado pelas empresas, o profissional tende cada vez mais a se mobilizar para

    acessar os conhecimentos e competncias dos quais ele no dispe, buscar

    informaes teis e confiveis, muitas vezes exclusivas, o que possibilita o

    reconhecimento e desenvolvimento de oportunidades.

    1.1 Estruturao da Dissertao

    Em busca de apresentar os resultados coletados nesta pesquisa, dividimos o

    presente trabalho em 6 captulos. Na introduo apresentamos o tema de estudo da

    dissertao, as principais perguntas que impulsionaram a pesquisa e algumas hipteses

    que nortearam o estudo, bem como a forma como ele est estruturado.

  • 19

    No intuito de relacionar as caractersticas do ambiente de trabalho com a

    formao do trabalhador, apresentamos em breves linhas, no captulo 2, o modo de

    produo fordista/taylorista, as crises desencadeadas em meados da dcada de 70 que

    provocaram a reestruturao produtiva e o novo quadro que optamos por denominar de

    regime de acumulao flexvel. Esse cenrio em que os profissionais de software

    (engenheiros, programadores, analistas de sistemas, designers, administradores) atuam

    caracterizado pelo capitalismo globalizado, extensamente discutido por autores como

    Kumar, Castells, e Harvey. Para completar a nossa fundamentao terica que embasou a

    nossa investigao, discutimos a emergncia da temtica empreendedora, recorrendo a

    autores que discorreram de forma crtica sobre a questo. Por fim discutimos as

    transformaes produtivas, detendo-nos um pouco sobre as particularidades do Brasil,

    colocando a experincia vivenciada em territrio nacional de reestruturao produtiva; a

    abertura de mercado a partir dos anos 90 e seus impactos sobre a formao desse novo

    trabalhador.

    O terceiro capitulo dedicado metodologia utilizada para a coleta e anlise

    dos dados. Tivemos como objetivo expor caractersticas detalhadas a respeito do nosso

    campo e amostra da pesquisa: as caractersticas do trabalho no Porto Digital a partir da

    perspectiva dos seus atores principais, seguindo-se a esse item nossa problematizao e

    hipteses. Pela dinamicidade e rapidez das mudanas, esse ambiente parece exigir

    trabalhadores com caractersticas empreendedoras. A coleta de dados foi feita a partir de

    entrevistas semi-estruturadas, cujas categorias orientadoras foram como se trabalha,

    sob que condies trabalha e quem trabalha, que so questes centrais para se ter

    um entendimento de quem o trabalhador do Porto Digital. A anlise das entrevistas foi

    feita de maneira analtica e interpretativista, por meio da utilizao da anlise de contedo,

    que conforme Bardin (2004) consiste em um processo em trs etapas bsicas que foram

    seguidas neste estudo: pr-anlise, descrio analtica e interpretao referencial.

  • 20

    Na anlise dos dados que constituem o quarto captulo deste trabalho

    apresentamos o cluster Porto Digital, as caractersticas globais que favoreceram a

    criao de cluster de TI em vrios locais, suas particularidades histricas,

    funcionamento e o perfil dos profissionais que ali trabalham. No captulo 5

    apresentamos os resultados de pesquisa, em que se mostram algumas caractersticas das

    empresas, como a adoo do modelo de fbricas de software, que a semelhana das

    fbricas industriais utiliza a racionalizao e a especializao das funes como

    estratgia de aumento de produtividade com atividades prescritivas. Essa configurao

    no permite uma atuao plena do trabalhador utilizando as suas capacidades tcnicas e

    intelectuais. Esse resultado, por exemplo, que vai de encontro nossa proposio inicial

    de um trabalhador empreendedor. As relaes de trabalho so permeadas por tenses,

    tais como a sobreposio de competncias tcnicas s competncias subjetivas; o

    relacionamento dos desenvolvedores com os gerentes ainda tem caractersticas da

    administrao industrial; e a subutilizao do profissional por parte do empresrio, entre

    outros elementos que precarizam as condies de trabalho dos desenvolvedores. Mas ao

    mesmo tempo tivemos constataes de trabalhadores multifuncionais, sujeitos ou

    expostos a imprevisibilidade, trabalhando com autonomia e criatividade, com formao

    acadmica superior, entre outros elementos contraditrios ou de diferena, que

    finalizam o captulo. Encontramos no campo uma realidade mais complexa do que

    poderamos esperar, caso nos ativssemos a um estudo da literatura consolidada sobre o

    tema, isto , focada em uma realidade no perifrica.

    No nosso ltimo captulo apresentamos as contradies finais sobre a relao

    entre o mundo do trabalho e a constituio do novo trabalhador inserido no Porto

    Digital. A constatao e a problematizao do novo trabalhador ou as inmeras

    interpretaes que lhes so dadas, possibilitam a identificao de elementos

  • 21

    contraditrios nas relaes de trabalho no Porto Digital, e consequentemente sobre as

    caractersticas do trabalhador. Isso porque, dependendo da estratgia de

    desenvolvimento de softwares (em fbricas de software ou em pequenas unidades de

    produo de software que no adotam a metodologia de desenvolvimento de fbrica de

    software), isso pode favorecer tanto a emergncia de um trabalhador com caractersticas

    empreendedoras, como trabalhadores com caractersticas do modelo fordista.

    A tentativa de compreender a realidade atravs de suas inmeras e diferentes

    manifestaes, da qual faz parte a busca do dilogo com outras disciplinas que estudam

    o trabalho, vem permitindo Sociologia do Trabalho o abandono da viso generalista

    que marcou os primeiros estudos sobre o tema, ao mesmo tempo em que vem apontando

    para uma maior compreenso da complexidade da realidade do trabalho nos dias atuais.

    Ao invs das vises quase sempre polares e unidimensionais que marcaram os primeiros

    estudos sobre o tema, o nosso estudo foi evoluindo para um quadro muito mais rico e

    complexo, capaz de captar tanto as tendncias de enriquecimento do trabalho, presentes

    em pontos localizados das cadeias produtivas e do mercado de trabalho, como as de

    precarizao do emprego e do trabalho, que afetam o cluster Porto Digital.

    Foi fundamental, nesse sentido, alargar o olhar para captar o novo, colocando-se

    numa postura aberta a novas experincias que no estavam previstas, seja pelas teorias

    que no conseguem apreender as transformaes sociais que se insinuam por caminhos

    diferentes daqueles traados aprioristicamente, seja por aquelas que consideram que as

    transformaes sociais j esto todas definidas porque j teramos chegado ao fim da

    Histria (Leite, 2000).

  • 22

    Captulo 2

    A REESTRUTURAO PRODUTIVA E A CONSTITUIO DO NOVO

    TRABALHADOR.

    Este captulo aborda como a estrutura ocupacional e do emprego tem sido

    descrita nos diferentes contextos histricos. Para tal sero identificadas as relaes entre

    as demandas do mercado de trabalho e as caractersticas do trabalhador ao longo da

    histria do processo de industrializao. Essas transformaes vm sendo analisadas por

    diversos autores nas ltimas dcadas, e a contribuio desses pensadores criou um

    contexto terico e sociolgico que deve levado em considerao.

    2.1 Mudanas no mundo do Trabalho

    Do trabalho escravo ao trabalho assalariado, da posse dos meios de produo

    venda da fora de trabalho, do emprego ao trabalho autnomo, cada transio

    representou transformaes na forma de produo e, conseqentemente, na concepo e

    construo da identidade do trabalhador. Para Leontiev (1972) o trabalho uma

    atividade especificamente humana que se efetua em condies coletivas, de modo que o

    papel do homem no seio deste processo no determinado apenas pela sua relao com

    a natureza, mas com outros homens. A evoluo histrica do emprego, no mago da

    estrutura social, foi dominada pela tendncia secular para o aumento da produtividade

    do trabalho humano. Conforme as inovaes tecnolgicas e organizacionais foram

    permitindo que homens e mulheres aumentassem a produo de mercadorias com mais

    qualidade e menos esforo e recursos, o trabalho e os trabalhadores mudaram da

  • 23

    produo direta para a indireta, do cultivo, extrao e fabricao para o consumo de

    servios e trabalho administrativo e de uma estreita gama de atividades econmicas para

    um universo profissional cada vez mais diverso (Castells, 1999, p. 292).

    Durante boa parte do sculo XX, o modo de produo que caracterizava a

    racionalizao capitalista era a fuso do taylorismo e do fordismo, definido como a

    produo eficiente de uma coisa, utilizando mo-de-obra especializada. A data inicial

    simblica do fordismo deve por certo ser 1914, quando Henry Ford introduziu em sua

    fbrica de automveis uma jornada de trabalho de 8 horas e 5 dlares como recompensa

    para os trabalhadores da linha automtica de montagem (HARVEY, 1992, p. 121).

    Segundo este, o propsito era em parte obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina

    necessria operao do sistema de linha de montagem de alta produtividade e dar aos

    trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos

    produzidos em massa que as corporaes estavam por fabricar em quantidades cada vez

    maiores.

    Em muitos aspectos, as inovaes organizacionais e tecnolgicas de Ford eram

    mera extenso de tendncias bem-estabelecidas. A forma corporativa de organizao de

    negcios, por exemplo, tinha sido aperfeioada pelas estradas de ferro ao longo do

    sculo XIX e os Princpios da Administrao Cientfica, de F. W. Taylor um

    influente tratado que descrevia como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente

    aumentada atravs da decomposio de cada processo de trabalho em movimentos

    componentes e da organizao de tarefas de trabalho fragmentadas segundo padres

    rigorosos de tempo e estudo do movimento , tinham sido publicados (HARVEY,

    1992, p. 121). O taylorismo previa a aplicao de mtodos cientficos de racionalizao

    do trabalho com vistas a superar a resistncia dos trabalhadores de ofcios4 em aceitar a

    4 Que nos remete s primeiras corporaes de oficio, onde os mestres que detinham o conhecimento sobre

    o processo de trabalho, comunicavam aos seus aprendizes os conhecimentos necessrios para o exerccio

  • 24

    destruio do seu modo de trabalhar, sua autonomia e sua mobilidade (CORIAT, 1994).

    Assim, esse modelo pretendia no deixar ao trabalhador qualquer deciso sobre o modo

    de executar o seu trabalho. Caberia gerncia cientfica a tarefa de prescrever e

    controlar o modo concreto de execuo de qualquer atividade.

    Nesse contexto, central a idia de um ser humano que nem sequer fala ou s

    fala quando algo lhe perguntado. Ele aquele que apenas executa as tarefas

    prescritivas. O trabalho pouco ou nada exige de mobilidade cognitiva ou subjetiva de

    quem a desempenha (FRANA, 2004). Apesar do xito dos princpios de administrao

    cientifica de Taylor nos EUA e Europa, neste ltimo a Administration industrielle et

    gnrale, de Henri Fayol (publicado em 1916), mostrou-se um texto muito mais

    influente do que o de Taylor. Com sua nfase nas estruturas organizacionais e na

    ordenao hierrquica do fluxo de autoridade e de informao, o livro deu origem a uma

    verso bem diferente da administrao racionalizada, em comparao com a

    preocupao taylorista de simplificar o fluxo horizontal dos processos de produo. A

    tecnologia de linha de montagem para produo de massa, implantada em muitos pontos

    dos Estados Unidos, tinha um desenvolvimento muito fraco na Europa antes da metade

    dos anos 1930 (HARVEY, 1992, p. 124). Depois de 1945 o fordismo chegou

    maturidade como regime de acumulao plenamente acabado e distintivo.

    Como tal, ele veio a formar a base de um longo perodo de expanso ps-guerra

    que se manteve mais ou menos intacto at 1973. Ao longo desse perodo, a economia

    nos pases capitalistas avanados alcanou taxas fortes, mas relativamente estveis de

    crescimento, as tendncias de crise foram contidas, a democracia de massa preservada e

    a ameaa de guerras, tornada remota: o fordismo se aliou firmemente ao keynesianismo,

    e o capitalismo se dedicou a um surto de expanses internacionalista de alcance mundial

    de seus trabalhos.

  • 25

    que atraiu para a sua rede inmeras naes descolonizadas (HARVEY, 1992, p. 125).

    Este padro produtivo, ainda presente nos dias atuais (SENNETT, 1999, p. 50),

    tem como alicerce o trabalho fragmentado, que exige pouca reflexo ou julgamento por

    parte dos trabalhadores, restringindo-os a atividades manuais e excessivamente

    repetitivas, e com um ritmo de trabalho intenso, de acordo com os mtodos tradicionais

    da administrao cientfica. O movimento fordista marcado pelo conflito capital-

    trabalho, dominado pelas lutas por salrio e sindicatos relativamente fortes, e acontece

    num momento histrico, concebido como a era do ouro, supondo a eliminao da

    pobreza, do desemprego em massa, e da instabilidade econmica do capitalismo de

    antes da guerra (HOBSBAWM, 1996). Mas segundo Harvey:

    nem todos eram atingidos pelos benefcios do fordismo, havendo na verdade sinais abundantes de insatisfao mesmo no apogeu do sistema. Para comear, a negociao fordista de salrios estava confinada a certos setores da economia e a certas naes-Estado em que o crescimento estvel da demanda podia ser acompanhado por investimentos de larga escala na tecnologia de produo em massa. Outros setores de produo de alto risco ainda dependiam de baixos salrios e de fraca garantia de emprego [...] Sem acesso ao trabalho privilegiado da produo de massa, amplos segmentos da fora de trabalho tambm no tinham acesso s to louvadas alegrias do consumo de massa. Tratava-se de uma frmula segura para produzir insatisfao (1992, p132) .

    Contudo, a despeito de todos os descontentamentos e de todas as tenses

    manifestas, o ncleo essencial do regime fordista manteve-se firme, como j foi dito, ao

    menos at 1973, tendo mesmo expandido no perodo ps-guerra. S quando a aguda

    recesso de 19735 abalou esse quadro, um processo de transio rpido, mas que

    segundo Harvey (1992, p. 134) ainda no bem entendido, do regime de acumulao teve

    incio.

    Ento os estudos acadmicos comeam a falar de uma nova linha divisria que

    rompeu com a produo e consumo de massas (e com a rigidez dos contratos de

    5Que entre as causas mais frequentemente apontadas estariam a deciso da OPEP de aumentar os preos do petrleo e a deciso rabe de embargar as exportaes de petrleo para o ocidente durante a guerra rabe-israelense de 1973 aliadas a produtividade decrescente por causa do aumento da alienao, falncia do Estado de Bem-Estar Social e resistncia do trabalhador (KUMAR, 1997, p. 68).

  • 26

    trabalho), ou seja, o enfraquecimento do paradigma fordista de produo e de trabalho

    dominante desde o princpio do sculo (ALVES, 2005, p. 2). Mas a complexidade

    histrica dessa transio ou a falta de consenso sobre as reais causas e conseqncias

    desse perodo tm trazido alguns desafios para as Cincias Sociais, que tem produzido

    uma mirade de interpretaes para compreender essa nova ordem. Smith (1989)

    caracterizou essa transio como uma parcial modificao do sistema de produo no

    sentido de uma ampliao da diversidade de produtos, mas substancialmente dentro do

    mesmo marco de estreito controle patronal, de especializao e mecanizao. Tambm

    cauteloso, Harvey (1992) indaga se essas mudanas assinalaram o nascimento de um

    novo regime de produo capaz de conter as contradies do capitalismo durante a

    prxima gerao ou se marcam uma srie de reparos temporrios, constituindo assim

    um momento transicional de dolorosa crise na configurao do capitalismo do final do

    sculo XX. Talvez por isso Kumar (1997, p. 72) afirme que o que est sendo saudado

    como ps-fordismo seja apenas a mais recente roupagem tecnolgica e organizacional

    do fordismo.

    Segundo Coriat6, (1985 p. 35) esse novo paradigma, ps-fordismo7, conservaria

    os princpios do fordismo, como a disciplina essencial na cadeia de montagem, nos

    postos e tarefas rotineiras, mas introduziu outros elementos como a segmentao das

    cadeias em espaos distintos, cada um abastecido por sua prpria reserva de

    componentes e ferramentas e a introduo do trabalho em equipe , em vez do principio

    fordista de um homem/um posto/um emprego (CORIAT, 1985 p. 35-36).

    Assim abriu-se o caminho para a chamada fase da produo flexvel que entra em

    6Coriat (1985), crtico de ps-fordismo, via a passagem de fordismo para o neofordismo, como ele preferiu definir esse modelo de trabalho, no como uma ruptura, mas sim uma continuidade do controle, s que agora atrelada a uma maior racionalidade, e sem nenhum beneficio para o trabalhador.

    7Tambm denominado de Toyotismo que refere-se a gesto e uso de trabalho em equipe de trabalho polivalente e multifuncional, bem como a terceirizao. O termo foi cunhado no Japo a partir da gesto utilizado na fbrica Toyota, que tinha por meta competir em p de igualdade com as montadoras norte-americanas no perodo ps-1945.

  • 27

    conflito com a rigidez da burocracia e os males da rotina cega (SENNETT, 1999, p. 9)

    do fordismo. A flexibilizao do mercado e das relaes de trabalho surgiu na mesma

    onda neoliberal que trouxe tona questes como a desregulamentao da economia e a

    privatizao. O objetivo restaurar a hegemonia do mercado e facilitar a insero da

    economia em novos padres competitivos, tanto em nvel domstico quanto

    internacional. A busca desta competitividade exige uma maior capacidade de resposta

    da firma s contingncias da demanda e requer do mercado de trabalho uma maior

    elasticidade diante dos choques internos e externos que este novo padro competitivo

    dever impor economia. Criaram-se, assim, os conceitos de firma flexvel e o de

    flexibilidade dos salrios e do emprego, embora este seja mais aplicado pelos

    economistas para designar uma maior capacidade de ajustamento dos mercados via

    preos do que via quantidade.

    Nos pases desenvolvidos, especialmente da Europa Ocidental, a

    desregulamentao do mercado e das relaes de trabalho est associada ao surgimento

    de formas atpicas de emprego, consideradas como subpadro, tais como o emprego

    eventual, temporrio e de tempo parcial em que o assalariamento situa-se margem do

    aparato jurdico estabelecido, caracterizando-se mais como subemprego do que como

    emprego regular [RODGERS e RODGERS (1989)]. Estes resultados tm afetado o

    nvel e a estrutura do emprego e da renda do trabalho e, em conseqncia, a forma como

    a distribuio da renda gerada no mercado de trabalho.

    A flexibilizao implica uma diviso do trabalho que difere radicalmente daquela

    herdada da organizao do trabalho fordista-taylorista. Ela busca valorizar e apropriar as

    capacidades humanas de participao, criatividade, iniciativa, responsabilidade, e

    autonomia, incentivando a formao, o crescimento profissional, o trabalho em equipe e

    uma compreenso mais abrangente do trabalho. Ento surge a demanda por um

  • 28

    trabalhador com capacidade de responder aos imprevistos provocados pela velocidade

    dos sistemas automatizados, de trabalhar em equipe e de desenvolver habilidades e

    competncias que atendam ao requisito de multifuncionalidade. A supresso de cargos

    no ambiente fabril d origem a outro fenmeno que a terceirizao da mo-de-obra.

    Neste contexto, seria necessrio a articulao entre as novas exigncias do mercado de

    trabalho, por elevao da qualificao e das habilidades laborais, e o perfil ocupacional

    do trabalhador, no mais condizente com aquele predominante no taylorismo-fordismo.

    A descentralizao produtiva no s nacional, mas tambm no mbito

    internacional chegou a regies de baixo salrio os pases recm industrializados do

    leste da sia e da Amrica do Sul e certas partes da Europa meridional - e o trabalho

    cada vez mais fragmentado faz com que tanto os sindicatos como trabalhadores percam

    fora, alm de aliviar os encargos financeiros das empresas. (Kumar, 1997, p. 69). Nas

    palavras de Castells (1996, p. 417),

    dividido pela internacionalizao da produo e das finanas, incapaz de se adaptar formao de redes entre empresas e individualizao do trabalho, e desafiado pela degenerao do emprego, o movimento trabalhista perdeu sua fora como fonte de coeso social e representao dos trabalhadores.

    Em contraposio a uma perspectiva apologtica do novo modelo de produo,

    surgem reflexes sobre sua eficcia na superao das incertezas e da saturao e

    instabilidade do mercado.

    A flexibilidade e a mobilidade permite aos empregadores exercerem presses

    mais fortes de controle sobre uma fora de trabalho (para impor contratos de trabalho

    flexveis, como trabalho em tempo parcial, temporrio ou subcontratados) enfraquecida

    pela dificuldade de organizaes por causa do surgimento de novos focos de produo

    flexvel em regies que careciam de tradies industriais anteriores, alm de terem de

  • 29

    que conviver com nveis relativamente altos de desemprego estrutural8, rpida

    destruio e reconstruo de habilidades, ganhos modestos de salrio real e o retrocesso

    do poder sindical (HARVEY, 1992, p. 141). E como assinala Kumar (1997) teramos

    um quadro global em que elementos do ps-fordismo no primeiro mundo coexistem

    ao lado do fordismo clssico e do fordismo perifrico9 no terceiro Mundo numa

    tentativa de manter o dinamismo num perodo de instabilidade. Nesse contexto da

    globalizao vigora a poltica neoliberal que preconiza a reestruturao produtiva10,

    privatizao acelerada, enxugamento do Estado e desmonte do direito dos trabalhadores

    (ANTUNES, 2002, p.189).

    Hoje, entretanto, do sistema de produo industrial passou-se ao sistema de

    produo informacionalizada11 caracterizada pela produo de informao, imagens e

    servios. O nascimento da informao no s como conceito, mas tambm como

    ideologia, est inextricavelmente ligado ao desenvolvimento do computador durante os

    anos de guerra e no perodo imediatamente posterior. A transformao tecnolgica e

    administrativa do trabalho e das relaes produtivas dentro e em torno da empresa

    emergente em rede o principal instrumento por meio do qual o paradigma

    informacional e o processo de globalizao afetam a sociedade em geral. A

    produtividade e a competitividade dos agentes nessa economia dependem de sua

    capacidade para gerar, processar e aplicar, de forma eficiente, informao baseada em

    conhecimentos (CASTELLS, 1999, p 119). E para consolidar esse cenrio Kumar

    (1997) diz que o trabalho e o capital, as variveis bsicas da sociedade industrial, so

    substitudas por informao e conhecimento.

    8Fruto de sucessivos processos de reengenharia nos anos 80 e 90 e com resultados duvidosos (SENNETT, 1999, p. 59) 9O "fordismo perifrico a fora de trabalho mal remunerada do Terceiro Mundo, Lipietz (1986) 10 A reestruturao produtiva um movimento de carter estrutural no plano da produo e do trabalho, que tem como objetivo central buscar novas prticas que dem continuidade ao funcionamento do sistema capitalista. 11 Global e em rede, acrescentaria Castells (1999, p.119)

  • 30

    Nisso, o modelo de produo taylorista-fordista, a concepo do trabalhador

    como um apndice da mquina, o fazer carreira numa nica empresa, a segurana e o

    status proporcionados pelo emprego assalariado, parecem no mais alicerar as

    demandas de uma realidade que se apresenta imprevisvel, autnoma e flexvel.

    Segundo Castells, a difuso das tecnologias de informao12 no processo produtivo

    levaria adoo de novas prticas organizacionais, com o objetivo de reestruturar os

    processos de trabalho, as prticas de emprego, oferecendo supostamente ao trabalhador

    maior capacidade de intervir nos processos decisrios. Assim j no haver uma

    prescrio total.

    Com a reduo do trabalho prescrito exige-se do trabalhador que tenha iniciativa

    e que faa escolhas, o que o insere em uma certa zona de autonomia (ALVES, 2005,

    p.4), o que no significa reduo do controle dos objetivos e dos resultados. Pelo

    contrrio. A autora Rosenfield (2003), por exemplo, usa a expresso autonomia

    outorgada aos trabalhadores que uma nova estratgia organizacional que visa reduzir

    a margem de criao e de improvisao para dar lugar a um sistema de gesto

    normativo, em que a autonomia real deve integrar-se institucionalizao da

    autonomia. No caso de ocorrer, no processo produtivo, um fato imprevisto e

    extraordinrio, o trabalhador toma uma iniciativa no sentido de contornar o problema e

    garantir o fluxo e a qualidade da produo. Em se tratando de uma iniciativa bem-

    sucedida, a hierarquia integra-a imediatamente regra, de maneira a difundir a

    interveno e a indicar a todos os trabalhadores como reagir diante de tal imprevisto

    (ROSENFIELD, 2003, p. 205). A leitura de Rosenfield denota que o extraordinrio

    torna-se previsvel e a criao passa a se inscrever na regra, denotando assim uma

    12As TICs fornecem a base tcnica para os novos modos de reproduo e valorizao do capital, seja o capital financeiro, transformado em pura informao, seja o capital produtivo, ao permitirem a flexibilizao do aparato tcnico e do trabalho e ao viabilizarem a produo e a circulao de um conjunto de bens informacionais de gil produo, comercializao e consumo. (Albagli e Maciel 2005)

  • 31

    instrumentalizao da autonomia.

    Diante destas condies, as organizaes tradicionais esto sendo demolidas, as

    empresas se integram e se descaracterizam, passando a formar redes, cadeias,

    conglomerados e alianas estratgicas, as denominadas organizaes ps-fordistas

    (CLEGG e HARDY, 1999). A emergncia desse novo formato, a empresa em rede,

    surge como resposta adaptativa s demandas por individualizao da mo-de-obra13,

    agilidade, flexibilidade, mobilidade, capacidade de gerar conhecimento e processar

    informaes com eficincia para atender as necessidades crescentes de lucro do capital.

    A morfologia da rede parece estar bem adaptada crescente complexidade de interao

    e aos modelos imprevisveis do desenvolvimento derivado do poder criativo dessa

    interao (CASTELLS, 1999, p.108).

    Tais aspectos, conseqentemente, acarretam novas vivncias sociais e

    emocionais para todos os indivduos de modo geral, bem como novas experincias para

    o trabalhador obrigado a uma abertura ao novo, configurado nas diversas tecnologias e

    paradigmas. Pode-se inferir que as contradies e exigncias do mundo do trabalho

    refletem e repercutem na vida dos sujeitos, abarcando, inclusive, a dimenso da

    identidade e da subjetividade, j que estes necessitam estar o tempo todo se

    preocupando e adequando-se para possurem os critrios de empregabilidade tais como:

    disposio para arriscar-se, flexibilidade e capacidade de adaptao s novas funes,

    atitude de zelo pelo crescimento pessoal, habilidade para utilizar conhecimentos novos,

    curiosidade intelectual e inquietao permanente, habilidade para lidar com pessoas

    (comunicabilidade), ser um generalista com reas de especializao, capacidade de

    13Castells entende por individualizao da mo-de-obra o processo pelo qual o seu papel no processo produtivo definido de forma especifica para cada trabalhador, segundo o seu desempenho na forma do trabalho autnomo, ou como mo-de-obra contratada individualmente com base num mercado muito desregulamentado.

  • 32

    equilibrar vida pessoal e profissional, habilidade para lidar com presso e a

    concorrncia, numa eterna busca de aperfeioamento tanto tcnico quanto pessoal.

    Ento, se no incio da revoluo industrial era requerido um trabalhador

    obediente e integrado que pusesse disposio da empresa a sua fora fsica e um

    mnimo de habilidades para a execuo eficiente de tarefas, a chamada sociedade ps-

    industrial continua requerendo um trabalhador obediente, ainda que lhe exija a

    capacidade de pensar, criar, desenvolver iniciativa para resolver problemas e outros

    requisitos tcitos. Esses requisitos voltam-se manuteno da lgica do trabalho

    alienado e no lgica da emancipao e da liberdade, como seria desejvel e muitos

    querem defender.

    No entanto, pretendemos situar o movimento de reestruturao produtiva no

    contexto local e aprofundar o entendimento sobre as caractersticas do novo trabalhador

    nesse cenrio, assim como identificar o impacto dessas mudanas globais na

    composio da fora de trabalho. preciso considerar que as muitas situaes de

    reestruturao se articulam a partir de lgicas distintas de acordo com a regio, com o

    setor produtivo e com as prticas produtivas distintas.

    2.2 A reestruturao produtiva no contexto nacional

    Analisando o desenvolvimento do mercado de trabalho brasileiro, podemos observar

    que o perodo compreendido entre os anos de 1930 e 1980 caracterizou-se pelo

    movimento de industrializao nacional e pela forte estruturao dos empregos

    assalariados formais. Tornaram-se intensas as intervenes do estado no sentido de

    estabelecer polticas que possibilitassem o desenvolvimento da indstria e

    institucionalizao das relaes de trabalho a ela vinculadas. Aps os anos 80, a

    insero ocupacional foi profundamente alterada pela estagnao econmica e

  • 33

    desestruturao do mercado de trabalho, cujos processos foram estabelecidos com mais

    clareza na dcada de 90 (POCHMANN, 1998). Nesse cenrio de estagnao as

    empresas brasileiras passaram a buscar alternativas de sobrevivncia no mercado. A

    incorporao de equipamentos de automao industrial como uma das estratgias

    adotadas antecipava o processo de reabertura comercial que seria implementado nos

    anos 90.

    A ltima dcada do sculo XX marcou uma poca de regresso nas taxas de

    crescimento do mercado de trabalho, com aumento do desemprego, maior competio e

    precarizao das relaes de trabalho, como contratos de trabalho fora dos marcos

    legais, extensas jornadas de trabalho, modificaes na legislao trabalhista, entre

    outros fatores, (DIEESE, 2001, p.7). O Brasil presencia a excluso de seus jovens que,

    sem qualificao necessria para atuar na indstria flexvel, ficam margem do

    mercado de trabalho. A to aclamada modernizao tecnolgica acabou sendo feita em

    meio a um cenrio de estagnao econmica e despreparo tcnico e cultural. Vrios

    estudos especficos apontam que, no caso brasileiro, as mudanas que foram sendo

    introduzidas nas empresas (de forma pontual ou de forma sistmica) implicaram

    alteraes substanciais nos modos de organizao tradicionais que, em muitos casos,

    mostraram-se incipientes e at contraditrios, em virtude da convivncia de elementos

    do velho e do novo modelo (ROGGERO, 2005; COSTA, 2003).

    ROGGERO (2005) ainda aponta a chegada dos programas de qualidade,

    iniciados e acompanhados, geralmente, com a ajuda de consultorias externas s

    empresas. Esses programas de qualidade visavam reviso de misso, valores, metas,

    objetivos e processos, com reorganizao orientada pelos princpios de um modelo que

    exigia medidas tais como: como a reduo dos nveis hierrquicos, a busca de cursos de

    capacitao dos mais diversos tipos, a mudana nas estruturas de remunerao, a

  • 34

    introduo de um processo de qualificao de fornecedores, devido ao movimento de

    terceirizao, o aumento da importncia atribuda gesto de recursos humanos e s

    polticas de treinamento e desenvolvimento e participao feminina no mercado de

    trabalho.

    A estratgia de terceirizao foi utilizada como elemento importante para o

    enxugamento das empresas, acentuando-se com os momentos de crise econmica e as

    presses por reduo de custos e aumento da produtividade e da competitividade. Esse

    movimento de externalizao das atividades, em busca de maior competitividade,

    percorreu duas trajetrias uma, representada pelo esforo articulado entre a grande e a

    pequena empresa, no sentido de qualificar fornecedores e melhorar a qualidade dos

    produtos; a outra, representada pela tentativa de reduo de custos (tornando precrias

    as condies de trabalho) e levou criao de redes de subcontratao e novas formas

    de relao entre as empresas, bem como entre empresas e trabalhadores, marcadas pela

    heterogeneidade. Tal quadro trouxe nova centralidade educao, em especial

    formao profissional, mas, ao mesmo tempo, tornou difcil identificar que mudanas se

    operavam, objetivamente, em relao ao contedo das qualificaes, uma vez que os

    novos requisitos apontavam, especialmente, para habilidades tcitas, como prioritrias

    para absorver e integrar as dimenses do novo paradigma de desenvolvimento.

    Esses fatores, juntamente com a acelerao do ritmo de entrada de novas

    tecnologias, foraram os trabalhadores a desenvolverem uma capacidade de mudana

    permanente nas suas habilidades; com isso a composio da fora do trabalho sofreu

    algumas modificaes. Muitas profisses tradicionais desapareceram ou tornaram-se

    escassas nessa ltima dcada, dando lugar a profisses que respondessem com mais

    eficincia ao mercado de trabalho informatizado.

    Dessa forma, as universidades e vrias agncias de formao profissional e

  • 35

    educacional tentaram acompanhar as mudanas fazendo modificaes na composio

    curricular de seus cursos, ou atravs da criao de novos cursos como aconteceu, por

    exemplo, no Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e Servio Nacional

    de Aprendizagem Comercial (SENAC)14, que procuraram investir na capacitao para a

    rea tecnolgica. A ttulo de exemplo, a PAER (Pesquisa de Atividade Econmica

    Regional), da Fundao SEADE15 traa o perfil profissional que as empresas do estado

    de So Paulo buscam no mercado de trabalho. Segundo a pesquisa, o setor de

    informtica um dos que exigem mais qualificaes. Alguns dos requisitos para a

    contratao de mo-de-obra so: ensino mdio completo, conhecimentos de matemtica

    e em diversos programas e aplicativos de computador e boa expresso verbal. Tais

    requisitos implicam um razovel investimento em cursos e em escolaridade formal.

    Tambm num estudo de acompanhamento atravs dos anncios de oferta de trabalho e

    emprego publicados nos classificados dos jornais das capitais dos estados do Brasil

    desenvolvido pelo SENAC nacional (2001) mostrou que os profissionais de TI esto

    entre as 10 ocupaes mais demandadas nos registros dos anncios, ficou na 80 posio

    a frente dos professores e costureiras. So solicitados para atuarem no atendimento ao

    usurio, no desenvolvimento de sistemas, na administrao de bancos de dados e, de

    forma geral, precisam ter conhecimentos de ingls, dinamismo, disponibilidade para

    viagens e iniciativa. A exigncia pelo nvel de escolaridade aumenta para esta ocupao

    34,4% pedem 3 grau completo ou em curso (GONZALEZ e PRADO, 2001). Aqui

    cabe lembrar tambm um estudo preliminar feito para este trabalho nos arquivos dos

    jornais locais, na tentativa de apreender as reais mudanas no perfil do trabalhadores

    demandados pelo mercado e nas relaes de trabalho nos ltimos anos. A anlise dos

    resultados indica a tese da polarizao das qualificaes, no que diz respeito

    14Instituies criadas por decretos-lei ainda no governo de Getlio Vargas, destinadas formao de mo-de-obra para a indstria brasileira. 15Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados.

  • 36

    qualificao mdia do trabalhador no capitalismo contemporneo, como a mais

    adequada realidade: exigncia de um pequeno nmero de trabalhadores, altamente

    qualificados, enquanto a grande maioria desqualificada. Mesmo dentro do setor de

    software esta polarizao fica por conta da discrepncia entre os trabalhadores

    altamente qualificados com Mestrado e Doutorado e trabalhadores de perfil mais

    tcnico que tm cursos tcnicos de dois anos de durao que so a grande maioria e

    enfrentam os maiores problemas em termos de atualizao, remunerao e condies de

    trabalho. Tambm, conforme observado na anlise das ocupaes mais procuradas nos

    classificados dos jornais nas dcadas de 50 e 70, verificamos que as exigncias de

    qualificao tcnicas eram mais valorizadas, enquanto que mais recentemente os

    aspectos comportamentais passaram a ter mais valor e as capacidades tcnicas

    minimizadas. importante observar que o que chama ateno em nossos resultados no

    apenas a valorizao de caractersticas pessoais, mas a vontade de trabalhar, o

    dinamismo, a facilidade de relacionamento pessoal.

    A PAEP16, realizada em 2001, confirma que mais do que carncias relacionadas

    formao tcnica, constatou-se uma grave deficincia quanto formao bsica e

    pessoal dos trabalhadores, seja na dificuldade em lidar com a linguagem e a

    comunicao, seja nos problemas de ajustamento aos novos padres de comportamento

    e relaes interpessoais no ambiente de trabalho. Poderamos dizer que esses problemas

    esto relacionados sociabilidade dos indivduos, pois, segundo essa pesquisa, os

    requisitos mais exigidos para a contratao de pessoal referem-se s relaes humanas.

    Mesmo nas ocupaes consideradas "semiqualificadas" h maiores exigncias quanto

    capacidade de trabalho em equipe (81,8% na indstria e 83,5% no setor de servios),

    responsabilidade e iniciativa (84,9% e 88,6% respectivamente), do que quanto

    16A PAEP - Pesquisa da Atividade Econmica Paulista uma das principais fontes de dados para o conhecimento do processo de reestruturao produtiva das empresas paulistas.

  • 37

    experincia profissional (59% e 67,2% respectivamente). Outra constatao dessa

    pesquisa foi de que a exigncia do nvel de escolaridade aumentou, mesmo para as

    ocupaes que no precisam de qualificao, sendo que o ensino fundamental completo

    exigido por 38,9% das empresas do setor industrial e 37% do setor de servios,

    enquanto que o ensino mdio completo requisito de 10,5% das indstrias e 21,1% dos

    servios. O conhecimento em informtica tambm vem sendo cada vez mais

    considerado requisito bsico para a contratao, sendo exigncia de 9,7% do setor

    industrial e 20,4% do setor de servios. Quando se trata de ocupaes de nvel superior

    essa exigncia ainda maior, sendo que 75,9% das indstrias e 76,7% do setor de

    servios exigem tais conhecimentos.

    Para corresponder a essas exigncias, o trabalhador brasileiro teve de investir em

    estudo formal, treinamento e atualizao constante no que diz respeito educao

    profissional e o acompanhamento das inovaes tecnolgicas, exigncias que muitas

    vezes tornam-se "entraves" insero de uma grande parcela da populao no mercado

    de trabalho, principalmente dos jovens das classes de baixa renda. Convm chamar

    ateno que a mdia de escolaridade do trabalhador brasileiro, comparada com os pases

    da Amrica do Sul, como Chile e Argentina, apresenta o menor tempo de escolaridade:

    3,8 anos contra 8,7 dos argentinos e 7,5 dos chilenos. Ademais o quadro scio-

    econmico, juntamente com a baixa qualidade do ensino pblico de nvel bsico

    dificulta o acesso e a preparao de pessoas para atuar no mercado de trabalho, que tem

    se configurado altamente competitivas (CAMPOS, 2006).

    Nesse contexto, as novas exigncias por qualificaes que, por um lado

    colaboram para aumentar o tempo de permanncia dos jovens na escola, por outro,

    acabam contribuindo para excluir uma grande parcela da populao mais pobre das

    oportunidades de boa qualificao para o mercado de trabalho nacional. Isso pode ser

  • 38

    observado a partir de uma observao superficial das deficincias do sistema

    educacional e profissionalizante, principalmente: a) nos cursos das escolas tcnicas

    pblicas, que no conseguiram acompanhar o aumento da demanda e as inovaes

    tecnolgicas; b) nos cursos de capacitao profissional em informtica, criados por

    rgos governamentais e no-governamentais para atender populao mais carente,

    mas que so ineficientes por falta de continuidade na formao e; c) pela criao de

    cursos de nvel superior "rpidos" e de baixa qualidade, direcionados ao mercado de

    trabalho, que se tornou cada vez mais segmentado e especializado. Essa movimentao

    da formao profissional de acordo com as demandas econmicas configura um quadro

    em que o capital o fator dominante no ajustamento dos trabalhadores ao mercado de

    trabalho, na escolha por uma profisso, e na composio de seu estilo de vida.

    2.3 A emergncia da temtica empreendedora

    As preocupaes que tm embasado os estudos sobre o trabalho nos ltimos anos

    parecem indicar um movimento que busca cada vez mais a compreenso deste fenmeno

    a partir de perspectivas mais abrangentes. Tentando vincul-lo crescentemente a

    questes mais amplas, esse estudo procurou relacion-lo a outras esferas de anlise, que

    se abrem dentro do espao empresarial como indica a emergncia da temtica

    empreendedora que entendemos que ir auxiliar melhor compreenso da intrincada

    realidade do mundo do trabalho, bem como ajudar a compreender as lgicas do processo

    produtivo e da organizao do trabalho.

    Num passado recente da histria do trabalho relacionava-se diretamente o

    destino dos trabalhadores ao destino da relao salarial (COCCO, 2001; FERREIRA,

    1999). Entretanto, na ltima dcada alguns autores passaram a anunciar o fim dos

    empregos e, em contrapartida, o estmulo carreira por conta prpria (RIFKIN, 1995),

  • 39

    realidade esta que refora a responsabilidade do trabalhador em administrar as

    transies em sua carreira e em sua vida. E aqui que comea a ganhar visibilidade a

    cultura do empreendedorismo, que engendra um cdigo de valores e condutas no

    sentido de orientar a organizao das atividades para garantir controle, eficincia e

    competitividade mximos. O que se tem, ento, a partir da, o desenvolvimento de um

    novo imaginrio organizacional e social: a cultura do management, afirmam Wood Jr.

    e Paes de Paula (2002).

    Mas esse fenmeno possui em seu bojo um conjunto de pressupostos

    compartilhados nas empresas e, em larga medida, no tecido social, alertam Wood Jr. e

    Paes de Paula (2002). Estes pressupostos envolvem: 1) a crena numa sociedade de

    mercado livre; 2) a viso do indivduo como auto-empreendedor; 3) o culto da

    excelncia como forma de aperfeioamento individual e coletivo; 4) o culto de smbolos

    e figuras emblemticas, com palavras de efeito (inovao, sucesso, excelncia) e

    gerentes heris e 5) a crena em tecnologias gerenciais que permitem racionalizar as

    atividades organizadas nos grupos. De fato, mais at do que a mudana em uma direo

    especfica ou a adoo de uma nova tcnica, a mudana em si envolve estar preparado

    para ela, aceit-la sem conflitos, com rapidez, agilidade, manipul-la como algo natural

    sem o desgaste do poder, enfim, tudo que envolve fazer a mudana, tornando-a ao e

    prtica social dentro da empresa, incorporando-a cultura, constitui ponto central na

    gesto moderna. A substituio de ordens por regras, nesse processo, vai sofisticando

    os enunciados do poder, cujo objetivo est na imposio de um quadro de referncias a

    ser absorvido como um conjunto de valores que identificam o indivduo com a empresa,

    garantindo a adeso, no apenas aos objetivos formulados, mas habilidade de alter-

    los em funo de resultados desejveis.

    Antunes e Sotelo (2003, p. 111) anunciam que, o que temos, na verdade, uma

  • 40

    nova configurao do mundo do trabalho onde o trabalho assalariado estvel, com

    direitos jurdicos, reconhecidos na legislao trabalhista, mantm uma forte tendncia

    para a sua reduo quantitativa, em funo da extenso de novos proletrios, que

    trabalham em tempo parcial, terceirizados ou precarizados.

    Sendo assim, pode-se supor que o trabalho assalariado, de fato se reconfigura em

    outras possibilidades de ao produtiva tais como exemplifica a prtica empreendedora.

    O sujeito empreendedor considerado emblemtico como modalidade de emprego e de

    trabalho justamente porque nele esto fortemente presentes as tendncias

    contemporneas mais marcantes (convvio com a incerteza, flexibilidade,

    individualizao, uso de TICs), ao ponto de muitos gestores tornarem o

    empreendedorismo uma espcie de modelo do trabalho na sociedade informacional.

    Paiva e Cordeiro (2002) observam que existe uma idia geral de que

    empreendedores desempenham a funo social de identificar oportunidades e convert-

    las em valores econmicos. Essa linha de pensamento concebe o empreendedorismo

    como um processo que ocorre em diferentes cenrios e que causa mudanas no sistema

    econmico por intermdio da introduo de inovaes que criam valor para os

    indivduos empreendedores e para a sociedade. Procurar-se- tratar a figura do

    trabalhador empreendedor para alm do heri mitificado neoliberal (OGBOR,

    2000). Diferentemente do mito do trabalhador atomizado, isolado e a perspectiva do

    trabalho como uma atividade cada vez menos coletiva, em nossa concepo esse

    tambm pode ser um ator social, como outro qualquer, capaz de tomar decises, com

    habilidades no gerenciamento e mobilizao de recursos, comunicao e na resoluo

    de problemas. Paiva (2004) elucida a natureza do fenmeno empreendedor como sendo

    coletiva quando, como extrato de sua pesquisa, nos apresenta o empreendedor

    relacional, o qual tem no outro seu ponto de fortalecimento para a inovao. O

  • 41

    empreendedor busca na sua rede atores confiveis para ajud-lo no reconhecimento das

    oportunidades com seus estoques de experincia, assim como procura relaes

    complementares em outros empreendedores para estabelecer parcerias e aproveitar as

    oportunidades. Ento partiremos da viso empreendedora do indivduo que na sua ao

    engloba a viso estratgica, a reflexividade e a aprendizagem (PAIVA, 2004). A

    conotao do empreendedor como um ser auto-suficiente parece no atender ao perfil

    exigido para trabalhar em empreendimentos competitivos imersos no capitalismo

    flexvel e globalizado. A iniciativa e a autonomia tm de conviver em paralelo com a

    dependncia da funo, evoluo e comportamentos de outros segmentos da

    organizao. Adaptam-se aos ambientes de apoio e s estruturas de mercado, de acesso

    a informaes, as estratgias dos outros membros da organizao, mudando no mesmo

    ritmo e seguindo as transformaes organizacionais e culturais das unidades da

    produo. Aqui a rede especialmente apropriada, j que representa uma configurao

    social que fomenta a gerao de laos fracos mltiplos. Os laos fracos so teis porque

    conectam os indivduos a uma maior gama de informaes, conhecimentos e abertura de

    novas oportunidades a baixo custo. (GRANOVETTER, 1995, p. 148).

    Ela se torna uma fora concreta porque informa e permite que se ponham em

    prtica decises a todo momento no ambiente das redes, numa rea que se quer

    inovadora (CASTELLS, 1999, p. 258). A natureza do trabalho em setores de ponta em

    TIC, segundo Castells (1999), exige cooperao, trabalho em equipe, autonomia e

    responsabilidade dos trabalhadores, interao constante e processamento de informao

    entre trabalhadores, entre trabalhadores e administrao e entre seres humanos e a

    maquina. Os trabalhadores que estabelecem conexes por iniciativa prpria, uma

    tendncia para a crescente interdependncia da fora de trabalho que lida com um novo

    mtodo de gerenciamento flexvel que torna indispensvel as conexes entre os

  • 42

    diferentes ns da rede, na comunicao de sugestes mutuas ou conhecimento tcito. O

    conhecimento tcito (SCHON, 1987) em particular, geralmente encontra-se associado a

    contextos organizacionais e territoriais especficos, sendo transmitido e desenvolvido

    por meio de rede de interaes, troca de experincias pessoais e considerado

    diferencial bsico de competitividade, assim como uma das principais fontes de

    inovao. Os estudos desenvolvidos por Albagli e Maciel (2005) mostram que as

    interaes locais na produo e a difuso do conhecimento tcito fonte

    potencializadora de inovao e competitividade nos arranjos e sistemas produtivos e

    inovativos locais.

    Ento, no mbito das transformaes nas relaes produtivas no mercado de

    trabalho, surgem mudanas na natureza das relaes e, conseqentemente, nas

    competncias exigidas dos trabalhadores inseridos nesse contexto. Observa-se a

    emergncia de atividades que requerem autonomia, iniciativa, responsabilidade,

    comunicao ou intercompreenso (HIRATA, 1998, p. 48). Neste contexto complexo,

    de simples recursos, homens e mulheres passam a ser considerados atores principais na

    construo e funcionamento da nova realidade organizacional, especialmente nos

    clusters de TICs, que so intensivos em mo-de-obra. Suas mentes e emoes so

    postas a trabalhar (COCCO, 2000; LAZZARATO & NEGRI, 2001; PELBART, 2003).

    Pede-se que sejam geis, estejam abertos a mudanas a curto prazo, assumam riscos

    continuamente, dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais (SENNETT,

    1999, p. 9).

  • 43

    Capitulo 3

    PROCEDIMENTOS METODOLGICOS

    De acordo com Bruyne, Herman e Schoutheete (1991), a metodologia em um

    trabalho de pesquisa cumpre a responsabilidade no apenas de considerar os produtos

    da investigao cientfica, mas principalmente seu prprio processo. Neste aspecto, este

    tpico visa a apontar os procedimentos utilizados para a realizao desta pesquisa.

    Pode-se dizer que esta pesquisa caracteriza-se por ser predominantemente qualitativa

    quanto sua natureza. A priori o mtodo qualitativo difere do quantitativo medida que

    no emprega um instrumento estatstico como base do processo de anlise de um

    problema. No pretende numerar ou medir unidades ou categorias homogneas. Em

    princpio, pode-se afirmar que, em geral, as investigaes que se voltam para uma

    anlise qualitativa tm como objeto situaes complexas ou estritamente particulares.

    Segundo Good e Hatt apud Richardson (1999, p.38) a pesquisa moderna deve rejeitar

    como uma falsa dicotomia a separao entre estudos qualitativos e quantitativos, ou

    entre ponto de vista estatstico e no estatstico. Alm disso, no importa quo precisa

    sejam as medidas, o que medido continua a ser uma qualidade. E por estar orientada

    para a anlise de casos concretos, localizados num espao-tempo, partindo das

    expresses e atividades das pessoas em seus contextos, a pesquisa qualitativa, de acordo

    com Flick (2004), est em condies de responder a uma agenda contempornea, na

    qual as explicaes totalizantes apresentam-se em crise.

    Nisso, os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever

    a complexidade de determinado problema, analisar a interao de certas variveis,

    compreender e classificar processos dinmicos vividos por grupos sociais em maior

    nvel de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos

    indivduos. Ento, este estudo corresponde a uma pesquisa qualitativa bsica

  • 44

    (MERRIAM, 1998), realizada atravs de anlise de contedo clssica (BAUER, 2002) e

    a inteno foi a de compreender as caractersticas do trabalhado num cluster

    tecnolgico sediada na Regio Metropolitana de Recife, bem como aspectos relevantes

    para este, tais como o empreendedorismo, flexibilidade e precarizao a partir de um

    olhar indutivista. Apesar de no estar apoiado em informaes estatsticas, o estudo

    procurou manter sua objetividade e validade conceitual, contribuindo, desta forma, para

    o desenvolvimento cientfico (TRIVINOS, 1994).

    Vale ressaltar que o estudo em questo no tem a inteno de propor novas

    concepes de trabalho, to pouco elaborar teorias explicativas sobre, mas visa to

    somente refletir sobre o desdobramento das transformaes do mundo do trabalho num

    contexto local e perifrico. Com uma anlise contextualizada das particularidades

    regionais do cluster Porto Digital, pretendemos aprofundar a compreenso sobre a

    formao desse novo trabalhador, como administra a carreira, saber como ele equaliza

    as presses para ser um trabalhador atualizado e como se do as relaes de trabalho

    nessa conjuntura. O Porto Digital no se desenvolveu num vcuo social, est

    profundamente atrelado s instituies locais, cultura local e a um ambiente poltico

    especifico, portanto, tem uma composio de mo-de-obra especfica e os temores

    prprios de um contexto inovador perifrico. tido como um setor que est na

    vanguarda do processo de transformao das foras produtivas por demandar um tipo de

    trabalhador com formao mais ampla e com capacidade de responder s exigncias de

    competitividade e s inmeras contingncias trazidas pela acelerao tecnolgica e

    mudanas de paradigma de desenvolvimento de software com autonomia, liderana e

    criatividade.

    Optou-se pelo tipo de pesquisa bibliogrfica que, de acordo com Marconi e

    Lakatos (2003), abrange bibliografias j tornadas pblicas em relao ao tema de

  • 45

    estudo, desde publicaes avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas,

    monografias e teses. A nossa pesquisa bibliogrfica consistiu no exame desse

    manancial, para levantamento e anlise do que j se produziu sobre o mundo do

    trabalho e os indivduos inseridos nas organizaes contemporneas. Sob este prisma, a

    pesquisa bibliogrfica propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem,

    podendo por meio da reflexo crtica, chegar a concluses inovadoras e relevantes.

    Como ser descrito mais frente os clusters digitais tm um conjunto de

    caractersticas e propriedades que os distinguem dos mais tradicionais. Uma dessas

    diferenas crucias prende-se, justamente, com o ritmo de mudana e inovao associado

    a este conjunto de atividades, atores e relacionamentos e que decorrem do fato dos

    efeitos da globalizao e competitividade serem mais agudas nesse setor. Procuraremos

    investigar aspectos relacionados ao como se trabalha17, sob que condies trabalha18,

    quem trabalha19, questes centrais para se ter um entendimento de quem o

    trabalhador do Porto Digital e como so as relaes de trabalho. A anlise das

    entrevistas foi feita de maneira analtica e interpretativista, por meio da utilizao da anlise

    de contedo, que conforme Bardin (2004) consiste em um processo em trs etapas bsicas

    que foram seguidas neste estudo: pr-anlise, descrio analtica e interpretao referencial

    Acreditamos que esse cluster representativo desse novo cenrio da

    globalizao, informatizao, da sociedade do conhecimento e demanda um tipo de

    trabalhador com formao mais ampla e com capacidade de responder s exigncias de

    competitividade internacional e s inmeras contingncias trazidas pela acelerao

    tecnolgica com autonomia, liderana e criatividade. Alm disso o Porto Digital tido

    17 Ritmo e repetitividade do trabalho, possibilidade de realizao de trabalho em equipe, controle do

    trabalho, contedo do trabalho e sript utilizado, grau de polivalncia da fora de trabalho. 18 Tipo de contrato e a jornada de trabalho, a remunerao, os benefcios, a taxa mdia de rotatividade da

    fora de trabalho, e a existncia de ligaes ou acordos entre a empresa e sindicato. 19 Aqui apresentam-se os perfis scio-ocupacionais predominantes observados entre os trabalhadores e

    dirigentes entrevistados nas empresas estudadas.

  • 46

    pelos mais entusiastas como porta-voz de uma nova elite econmica emergente em

    Pernambuco capaz de impulsionar o desenvolvimento local. Neste contexto, trouxemos

    a seguinte questo: Quem o trabalhador do Porto Digital? Como se do as relaes de

    trabalho nesse cenrio? Ser que encontraramos l o arqutipo do novo trabalhador,

    ou prevaleceriam ainda s caractersticas do trabalhador industrial?

    Alm disso, a importncia crescente que o estudo aprofundado e estruturado

    sobre a evoluo dos empregos, das qualificaes, competncias e correspondentes

    necessidades de formao na rea de tecnologia de software tem vindo a assumir

    diretamente proporcional ao peso e papel que elas tm vindo a ocupar nas sociedades

    atuais. Nisso se torna necessrio identificar as principais tendncias e foras motrizes

    que dinamizam a rea e refletir sobre o peso e papel que elas exercem nas economias e

    sociedades atuais. No nosso caso seriam as demandas que se fazem sentir sobre o

    trabalhador que tem de atuar nesse cenrio.

    Sabemos que as mudanas ocorridas no mundo do trabalho tm alterado,

    substancialmente, as relaes de trabalho, o perfil dos trabalhadores e,

    conseqentemente, impem aos indivduos novas percepes, novas formas de agir,

    pensar e sentir o seu fazer. A nova configurao do mundo do trabalho resgata valores

    como esforo e trabalho duro, motivao, ambio criativa, inovao, excelncia,

    independncia, flexibilidade e responsabilidade pessoal e passa a comandar as aes dos

    gerentes e trabalhadores, agora no mais via controle burocrtico, mas via

    internalizao desses princpios, que juntos promovem entre os indivduos uma imagem

    de autodeterminao no trabalho, induzindo-os a se tornarem empreendedores de si

    mesma.

    A escolha dos profissionais a serem entrevistados obedeceu a critrios cujo

    objetivo era representar o plo de desenvolvimento de softwares da cidade do Recife.

  • 47

    As empresas em que trabalham enfrentam concorrncia acirrada e, por isso, tm a

    necessidade de atualizao constante de conhecimento, a utilizao de processos de

    desenvolvimento de software baseados em normas internacionais de qualidade, o uso de

    computadores e softwares de ltima gerao e a contratao de profissionais com

    formao universitria. Dependendo da empresa, so estimulados a terem uma atuao

    empreendedora na busca de solues contingentes e efetivas, no cumprimento de

    prazos, na dedicao e flexibilidade de horrios e disponibilidade para o trabalho.

    A partir da utilizao da tcnica bola de neve o processo se iniciou a partir da

    entrevista com um alto dirigente do NGPD20 ao qual foi pedido que referenciasse

    dirigentes dentro do setor a quem ele reputasse como tendo caractersticas

    empreendedoras. Os dirigentes empreendedores referenciados foram procurados e a

    cada entrevista eram pedidas outras referncias. Com o estrato dos desenvolvedores foi

    adotado o mesmo procedimento. Os demais entrevistados foram procurados medida

    que foram citados. Vale lembrar que apesar de serem referenciados pelos seus colegas,

    no necessariamente apresentavam critrios que colaborassem com a investigao a que

    nos propusemos, mas no fim das contas veio a formar-se um material importante. De uma

    forma geral foi dada preferncia queles com formao superior completa e atuao em um

    dos estratos escolhidos: desenvolvimento de software, gerenciamento de projetos e outras

    atividades, alm dos cargos de executivos.

    Dessa forma, foram entrevistados engenheiros, analistas de sistemas, designers e

    programadores envolvidos diretamente com o trabalho de codificao de programas

    computacionais. Chamamos os profissionais desse estrato de desenvolvedores. Todos

    tm formao ou em engenharia da computao ou em cincia da computao. O

    segundo estrato, os gerentes, formado por analistas de negcios, administradores de

    empresas, economistas, que comandam equipes e projetos de desenvolvimento. Os

    20 Ncleo de Gesto do Porto Digital.

  • 48

    gerentes coordenam os profissionais envolvidos em projetos, fazem o controle de

    qualidade dos servios ou produtos em desenvolvimento, bem como dos processos

    utilizados, elaboram relatrios de desempenho e cumprimento de tarefas, fazem a

    previso e cobrana de prazos e so responsveis tambm pela interao entre diversos

    profissionais do estrato de desenvolvimento.

    O terceiro estrato formado por executivos, empresrios do setor e dirigentes

    dos rgos de gesto do Porto Digital e de associao ligados ao setor. Esse estrato de

    profissionais do software composto por pessoas formadas em diversas reas, no

    somente nas faculdades de computao ou engenharias, e j atuaram em diversas

    empresas de desenvolvimento de software. Os gerentes ou executivos com formao em

    computao tambm j atuaram na linha de frente de codificao, como

    desenvolvedores, e como gerentes. As