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Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Filosofia e Cincias Humanas Programa de Ps-Graduao em Sociologia
A REESTRUTURAO DO MUNDO DO TRABALHO E A CONSTITUIO DO SUJEITO EMPREENDEDOR:
O caso do Porto Digital
por
Nelson da Cruz Monteiro Fernandes
Orientador: Prof. Dr. Jonatas Ferreira
Recife, Fevereiro de 2009.
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Universidade Federal de Pernambuco
Centro de Filosofia e Cincias Humanas Programa de Ps-Graduao em Sociologia
A REESTRUTURAO DO MUNDO DO TRABALHO E A
CONSTITUIO DO SUJEITO EMPREENDEDOR: O caso do Porto Digital
Nelson da Cruz Monteiro Fernandes Dissertao apresentada como requisito para obteno do grau de Mestre em Sociologia, sob orientao do Prof. Dr. Jonatas Ferreira.
Recife, Fevereiro de 2009.
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Fernandes, Nelson da Cruz Monteiro A reestruturao do mundo do trabalho e a constituio do sujeito empreendedor : o caso do Porto Digital / Nelson da Cruz Monteiro Fernandes. Recife: O Autor, 2009. 114 folhas. Dissertao (mestrado) Universidade Federal de Pernambuco. CFCH. Sociologia, 2009.
Inclui: bibliografia.
1. Sociologia. 2. Tecnologia da Informao Porto Digital (Recife-PE). 3. Trabalho Poltica governamental. 4. Empreendedores. I. Ttulo.
316 301
CDU (2. ed.) CDD (22. ed.)
UFPE BCFCH2009/73
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AGRADECIMENTOS
Agradeo especialmente ao professor Jonatas Ferreira, por ter aceitado a orientao
desta dissertao e pelos questionamentos preciosos e cruciais para a realizao deste
trabalho.
Ao Professor. Dr. Fernando Paiva por sua responsabilidade no meu ingresso no mundo
acadmico strictu senso, alm da sua generosidade, seu esprito verdadeiramente
docente e pelas decisivas orientaes durante a trajetria.
Aos docentes do PPGS responsveis pelo meu ingresso no universo na Sociologia. A minha me Maria que tanto se empenhou em me ajudar e torceu pela realizao dos
meus estudos, juntamente com o meu pai Manuel pela pacincia, amor, carinho e
alegria.
Devo um agradecimento todo especial minha av Fausta, e ao meu querido av
Avelino pelos conselhos que tiveram papel fundamental nas minhas escolhas feitas at
hoje.
Aos meus amados padrinhos que so exemplos de vida e de conduta que me esforo em
seguir.
s minhas lindas e meigas irmzinhas Raquel e ngela e meus queridos irmos Pedro,
Carlos e o sobrinho Yannick, pela experincia de crescer ao lado de pessoas to
especiais.
minha fonte inesgotvel de alegria, Dandara Maria, a qual pretendo devolver
integralmente o tempo e a ateno que indevidamente deixei de dedicar nessa fase da
minha vida.
minha linda e amada Cleonice Maria, que me suportou nos momentos difceis e
tambm nos fceis, com quem construo minha vida, renovando cotidianamente meu
amor e admirao.
Aos colegas de sala de aula, pela descontrao e o esprito de grupo que nos uniu durante todo o perodo. Ao Prof. Srgio Bencio e aos colegas Roberto, Marcos, Denis, Simone, Maria Ira, Larissa, Halana, Fabiana, Chico, Carlos Rocha, Chris, Angela, e todos aqueles que tm se unido em torno do Ncleo, este espao acolhedor Ao programa da CAPES, que nos proporcionou a bolsa de estudos durante os ltimos
15 meses da dissertao.
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No h nada no mundo que esteja melhor repartido do que a razo: toda a
gente est convencida de que a tem de sobra. Ren Descartes
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RESUMO
A proposta deste estudo discutir e analisar as caractersticas do trabalho vigente no cenrio contemporneo em uma situao social marcada pela reestruturao das atividades produtivas, que requerem mudanas tanto no tipo de conhecimento quanto no tipo de comportamento para enfrentar essa nova conjuntura. Com uma anlise contextualizada das particularidades regionais do Plo de Tecnologia da Informao e Comunicao pernambucano Porto Digital -, pretendemos aprofundar a compreenso sobre a formao desse novo trabalhador, saber como administra a carreira e as condies de trabalho. A partir dos estudos tericos que apontam o surgimento de um novo perfil de trabalhador na virada do sculo XXI, aliado ao discurso empreendedor propalado de forma quase que apologtica desde os anos 80, deram origem s problematizaes que nos levaram ao desenvolvimento desta pesquisa. Se faz-se necessrio um novo trabalhador, de que maneira isso se d na prtica? Ser que podemos denomin-lo realmente de um trabalhador empreendedor? Como os fatores locais afetam isso? Ser que esse trabalhador empreendedor seria o alvorecer de uma nova qualidade de vida para os profissionais ou seria simplesmente para atender as necessidades dos empregadores? Os resultados mostram uma variedade de elementos que condicionam as relaes de trabalho nas empresas inseridas num contexto perifrico, sugerindo assim que as grandes homogeneidades da poca taylorista aqui deram lugar a mltiplas formas de organizao e uso da fora de trabalho. Ento a reestruturao produtiva pode ser pensada como um processo conflitante, onde a contradio se encontra em novas formas de explorao e de composio das relaes de trabalho. Palavras-Chaves: Sociologia. Tecnologia da Informao. Porto Digital. Trabalho. Poltica Governamental. Empreendedores.
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ABSTRACT
The purpose of this work is to discuss and analyze the characteristics of the labor force in the contemporary scene in a social situation marked by the restructuring of productive activities, which require changes both in the types of knowledge than in the type of conduct to face this new situation. With an specific analysis of regional peculiarities of the Technology Cluster of Information and Communication from Pernambuco Porto Digital -, we want to deepen the understanding about the formation of the "new" employee, to know how he administers the career and working conditions. From the theoretical studies that suggest the emergence of a worker's new profile at the turn of the twenty-first century, and the discourse of entrepreneur advertising almost in a apologetic way since the'80s, take to the problems that led us to develop this research. If there is made necessary a new employee, how this happens in practice? Can we really call it a worker entrepreneur? How do the local factors affect that? Does the entrepreneur worker would be the arise of a new quality of life for the professionals, or would simply be to attend the needs of employers? The results show a variety of factors that affect the employment relations in firms included in a peripheral context, suggesting that the great homogeneity of the Taylor's period here gave rise to multiple forms of organization and use of the workforce. Then, the productive restructuring can be thought as a conflicting process, where the contradiction lives in new forms of exploitation and composition of the relations force. Key-Words: Sociology. Information Technology. Porto Digital. Work. Government Policy. Entrepreneurs.
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FIGURA Pag.
Figura 1: Etapas do Desenvolvimento do Software .......................................................... 70
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SUMRIO
RESUMO ............................................................................................................ 7
1. INTRODUO ................................................................................................ 11
1.1 Estruturao da dissertao ................................................................................. 18
2. A REESTRUTURAO PRODUTIVA E A CONSTITUIO DO NOVO TRABALHADOR ................................................................................
22
2.1 Mudanas no mundo do trabalho ........................................................................ 22
2.2 A reestruturao produtiva no contexto nacional ................................................ 32
2.3 A emergncia da temtica empreendedora .......................................................... 38
3. PROCEDIMENTOS METODOLGICOS .................................................... 43
4. CAMPO DE ESTUDO....................................................................................... 54
4.1 O Porto Digital no contexto das transformaes globais ..................................... 54
4.2 As condies locais para o surgimento do Porto Digital .................................... 60
4.3 O Porto Digital hoje ............................................................................................ 65
4.4 A natureza especfica do software e seus desdobramentos sobre o mundo do trabalho ................................................................................................................
68
5 RESULTADOS DE CAMPO ........................................................................... 73
5.1 Os desenvolvedores ............................................................................................. 74
5.2 Os gerentes .......................................................................................................... 87
5.3 Executivos e Presidentes ..................................................................................... 99
6. RETOMANDO A NOSSA INDAGAO ORIGINAL ................................ 107
6.1 Consideraes Finais ........................................................................................... 107
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ............................................................ 117
ANEXOS ............................................................................................................ 122
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Captulo 1
INTRODUO
O rpido processo de reestruturao produtiva por que vem passando a economia
global e as profundas transformaes que, raiz desse processo, vm atingindo o
trabalho desde o incio dos anos 80 do sculo passado fazem com que estudiosos se
debrucem sobre suas vrias manifestaes e implicaes para a sociedade.
Neste trabalho procura-se discutir aspectos relativos reestruturao do mundo
do trabalho e a constituio de um novo trabalhador. com caractersticas diferenciadas
do profissional do incio do sculo passado. A reestruturao produtiva e os fenmenos
que a ela se seguiram - novas formas de gesto, introduo acelerada de novas
tecnologias, reduo dos nveis de emprego, trabalho precarizado e terceirizado e
aumento do nvel de escolaridade do trabalhador, entre outros - requerem mudanas
tanto no tipo de conhecimento quanto no tipo de comportamento para enfrentar esse
novo cenrio. Ento, o surgimento de um novo perfil de trabalhador na virada do sculo
XXI, aliado ao discurso empreendedor propalado de forma quase que apologtica desde
os anos 80 (FILION, 1999) deram origem s problematizaes que nos levaram ao
desenvolvimento desta pesquisa. Se faz-se necessrio um novo trabalhador, de que
maneira isso se d na prtica? Ser que podemos denomin-lo realmente de um novo
trabalhador, ou um trabalhador empreendedor? Como os fatores locais afetam isso?
Ser que esse trabalhador empreendedor seria o incio de uma nova qualidade de vida
para os profissionais ou seria simplesmente para atender as necessidades dos
empregadores? Portanto, o caminho percorrido para se chegar s questes norteadoras
da nossa pesquisa partiu da aliana entre as mudanas no mundo do trabalho e o
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aumento da freqncia do uso do termo empreendedorismo como resposta a um
contexto de diminuio dos postos de trabalho formais e aumento do auto-emprego. A
descrio da realidade por que passa o mercado de trabalho com expresses de efeito
como fim do emprego, downsizing, flexibilidade, e reengenharia fizeram surgir o
empreendedorismo como uma alternativa de empregabilidade e gerao de negcios, e
como base para novas relaes de trabalho. Tomamos, ento, o desafio de compreender
a formao desse trabalhador com caractersticas empreendedoras no mundo do
trabalho.
Embora no tenhamos encontrado nenhuma conceituao de trabalhador
empreendedor, e, portanto, usaremos essa expresso quase que de forma clandestina,
procuramos aliar as caractersticas demandadas do trabalhador no contexto de
reestruturao produtiva com as do sujeito empreendedor. Permeando esse contexto,
vislumbramos o trabalhador empreendedor como ser dotado de livre arbtrio, capaz de
tratar questes complexas, inventar e engajar-se em um trabalho coletivo e evolutivo.
Na ao empreendedora h a negao e superao de um estado passivo no qual servo
de um processo rgido, executor de gestos preestabelecidos, repetitivos, isolados,
estritamente prescritos, planejados e controlados. importante frisar que a origem da
inovao, tida hoje como um diferencial competitivo das empresas, reside na
criatividade dos indivduos, e esta influenciada tanto positiva quanto negativamente
pelo ambiente criado pela prpria organizao. Portanto, espera-se que uma ateno
especial deva ser atribuda ao trabalhador. E para que haja renovao na organizao do
trabalho e a criao de uma condio necessria para a ao empreendedora ser
necessria a criao de um espao facilitador do desenvolvimento do homem e de sua
capacidade criativa, no qual haja transparncia, compartilhamento e a preocupao em
formar e valorizar o homem.
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Assim, entendemos que o contexto atual, onde predominam mercados instveis,
demandas por personalizao e encurtamento da vida til dos produtos, exigncia de
flexibilidade quer seja tcnica, humana ou organizacional, avano da automao e
competitividade, leva a que trabalhadores adotem na sua ao cotidiana uma
predisposio empreendedora para superar essas exigncias. Tal disposio funcionaria
por assim dizer, como mola propulsora da ao inovadora dos indivduos em suas
organizaes. Partimos do principio de que na nova configurao do mundo do
trabalho, instigado pelas empresas, o profissional tende cada vez mais a se mobilizar
para acessar os conhecimentos e competncias dos quais ele no dispe, buscar
informaes teis e confiveis, muitas vezes exclusivas, o que possibilita o
reconhecimento e desenvolvimento de oportunidades. Para fins do nosso estudo
conceituamos o trabalhador empreendedor como o profissional voltado para responder
as novas demandas do mundo do trabalho e que lida e aprende com incertezas. A
suposio inicial que essas caractersticas marcam a dinmica tecnolgica e as
relaes de trabalho no Porto Digital. Este estudo, portanto, se prope tambm a
contribuir para a compreenso das relaes de trabalho em um setor dinmico da
economia pernambucana.
Com vista a identificar os impactos da nova conjuntura no mbito local,
definimos como campo de pesquisa o Porto Digital, tanto pela fcil acessibilidade s
suas instalaes e funcionrios, como pela disponibilidade em coletar contedos que
pudessem constituir dados para a nossa pesquisa. Ademais, o Porto Digital se
consolidou como um dos maiores parques tecnolgicos do pas, contando com mais de
4000 trabalhadores, alm de ser considerado como um setor que est na vanguarda do
processo de transformao das foras produtivas. Dentro do cluster de TI tivemos
oportunidade de entrevistar desenvolvedores, analistas de sistemas, gerentes, executivos
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e os chefes de associao, ou seja, toda a cadeia que agrega valor para o setor de
software. Definimos que esses profissionais de TI deveriam constituir o sujeito da nossa
pesquisa, sendo eles responsveis pela maioria das informaes coletadas a respeito
desse cluster e com as condies de trabalho existentes. Assim, buscamos aprender com
eles tanto a sua viso sobre o universo de trabalho, como sua atuao nesse cotidiano,
bem como as relaes que se estabelecem entre os vrios estratos no sentido de analisar
as caractersticas desse trabalhador e as suas relaes de trabalho. Corresponderia ele
(ela) ao perfil do novo trabalhador?
O Porto Digital surgiu como um cluster com profissionais envolvidos com a
criao de software1 na cidade do Recife e se enquadra perfeitamente nesse novo
formato de rede de negcio que compete num ambiente globalizado, rivalizando em
iguais condies com empresas do mundo inteiro. Aqui so teis os estudos de Porter
(1998) que afirma que a estruturao em redes ou associaes de empresas com grande
capacidade empreendedora e inovativa passa a exercer uma importncia central na
obteno de vantagens competitivas significativas, tendo em vista a possibilidade de
ganhos inerentes otimizao de recursos, permitindo aumento da capacidade de
produo, acesso tecnologia, obteno de crdito, penetrao em novos mercados e
diferenciao de produtos, reduzindo os riscos inerentes ao negcio em conseqncia do
compartilhamento de oportunidades e dificuldades vividas em um processo de inter-
relao empresarial.
E nesse sentido, os processos de trabalho nas unidades de software so
marcados pela forte necessidade de atualizao do conhecimento (COSTA JNIOR,
2005, LARANJEIRA, 2004, p. 19), o contedo e a natureza dos trabalhos tornaram-se
1Destacam-se as produes de softwares para gesto, solues para o sistema financeiro e de sade, games, softwares para o setor de segurana, sistemas para gerenciamento de trfego e transporte, usabilidade de software e solues integradas para desenvolvimento de portais, extranets e intranets (informaes tiradas do site www.portodigital.org em 28/02/2008).
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mais ricos, dada uma maior demanda de investimento subjetivo e de mobilizao da
inteligncia. Existe tambm um esforo de tornar as unidades produtivas em fbricas
de software, hoje muito difundido na ndia2 e usado pelas grandes empresas de
software, que seria um conjunto empacotado de processos, ferramentas e outros ativos
integrados usados para acelerar as tarefas de ciclo de vida de um tipo especfico de
componente, aplicativo ou sistema de software. A acelerao alcanada fornecendo
aos profissionais diretrizes que os ajudam a saber o que fazer, quando fazer, por que
fazer e como fazer3. Os esforos de tornar as unidades produtoras de software em
fbricas de software uma tentativa do capital de aperfeioar a qualidade,
previsibilidade e a produtividade. Tanto nas unidades produtivas, como nas fbricas de
software a reduo dos custos da mo-de-obra buscada atravs do empowerment de
seus empregados, ampliando o escopo de suas atribuies, reduzindo os nveis
hierrquicos, transferindo responsabilidades at ento atribudas a gerentes e/ou
supervisores aos trabalhadores do cho de fbrica (LARANJEIRA, 2004, p. 19). Alm
disso, a responsabilidade com a qualificao que tem recado sobre os trabalhadores,
individualmente. Isso torna mais dramtico os setores envolvidos com tecnologia de
informao, em que a qualificao torna-se facilmente obsoleta, reduzindo o seu valor
no mercado e o risco de ver sua qualificao desvalorizar-se rapidamente.
(LARANJEIRA, 2004 p. 19).
justamente aqui que surgem mais alguns elementos que acabaram
consolidando os rumos desse projeto, j que nesse cenrio o trabalhador levado a
cuidar da sua prpria carreira e da sua qualificao, tendo que se comprometer mais
com sua trajetria do que com a empresa em que trabalha e fazendo com que seu
trabalho esteja recheado de elementos caractersticos dos empreendedores. As novas 2Onde as empresas beneficiaram-se do excesso de mo-de-obra qualificada e de baixo custo, apresentando elevadas taxas de crescimento nos ltimos anos. 3Informao tirada do blog meira.com
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tecnologias estariam exigindo, portanto, um trabalhador com formao mais abrangente
para lidar com diversas tarefas cada vez mais abstratas, complexas e imprevisveis; no
mais um trabalhador especializado em uma profisso, mas sim polivalente, para atuar
em situaes especificas. Claro que isso leva as empresas de TICs (Tecnologias de
Informao e Comunicao) a se desdobrarem e recorrerem a uma srie de estratgias
para atrair e reter a mo-de-obra altamente qualificada, que especialmente requisitada
tanto a nvel nacional (migrando para o centro financeiro do no sul pas) como
internacional (quando captado pelas multinacionais do setor). Isso permite constatar a
relevncia ou pertinncia do tema para o Estado de Pernambuco e a complexidade do
mesmo, levando em conta dificuldades ou obstculos no acesso a trabalhos cientficos
que versem sobre a escassez de mo-de-obra com competncias empreendedoras e em
TICs em regies fora do eixo central do desenvolvimento capitalista.
As transformaes no mundo do trabalho tambm fizeram com que, cada vez
mais, fossem requisitados dos trabalhadores sua inteligncia, sua imaginao, sua
criatividade, sua conectividade, sua afetividade toda uma dimenso subjetiva e extra-
econmica, antes relegada ao domnio exclusivamente pessoal e privado (PELBART,
2003, p.24). Podemos acrescentar ainda a capacidade de solucionar problemas,
divergir, questionar, trabalhar em equipe e de tomar decises. Esses elementos passaram
a corresponder s competncias ditas subjetivas, que juntamente com o conhecimento
tcnico e as habilidades, completam o conceito de competncias para um posto de
trabalho. Nesse sentido, a qualificao do trabalhador, que antes representava um
aglomerar de conhecimentos e experincias adquiridos ao longo de uma da vida
profissional (MANFREDI, 1999), tomou nova dimenso ao inserir elementos
comportamentais como caractersticas demandadas pelo mercado de trabalho. Ento, ao
examinar a realidade do trabalho, hoje, h que reconhecer que estamos diante de
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transformaes que exigem reviso de conceitos, recriao de alternativas e imaginao
sociolgica (LARANJEIRA, 2004, p.16). Mas longe de uma literatura focada em
exemplos extrados da vida econmica dos centros dinmicos do capitalismo,
procuramos saber como essas relaes de trabalho, como esse novo trabalhador pode ser
caracterizado em situaes perifricas. Nosso estudo tem essa pergunta como algo
central.
Observa-se, assim, uma alterao profunda nos modos de trabalhar que passou a
requerer um novo comportamento e engajamento por parte do novo trabalhador, e uma
nova concepo das relaes de produo. Diante deste contexto, o empreendedorismo
e o trabalho flexvel convergem para uma nova forma de se conceber o trabalhador e
sua relao com o trabalho.
De tal problematizao emerge a seguinte proposta de pesquisa: como a
reestruturao do mundo do trabalho constitui a figura do trabalhador
empreendedor? Ou para ser mais especifico, quem o trabalhador que atua no
Porto Digital, um cluster tecnolgico perifrico, formado por uma rede de
empresas que atuam num mercado globalizado, competitivo e flexvel?
Nesta perspectiva, as hipteses que norteiam este trabalho so:
O novo trabalhador teria caractersticas diferenciadas do profissional do incio
do sculo passado. Aqui partimos do princpio que a reestruturao produtiva e
os fenmenos que a ela se seguiram - novas formas de gesto, introduo
acelerada de novas tecnologias, reduo dos nveis de emprego, trabalho
precarizado e terceirizado e aumento do nvel de escolaridade do trabalhador,
entre outros - requerem mudanas tanto no tipo de conhecimento quanto no tipo
de comportamento para enfrentar esse novo cenrio.
A descrio da realidade por que passa o mercado de trabalho, com expresses
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de efeito como fim do emprego, downsizing, flexibilidade, e reengenharia
fizeram surgir o empreendedorismo como uma alternativa de empregabilidade,
gerao de negcios e como base para novas relaes de trabalho.
Vislumbramos o trabalhador empreendedor como ser dotado de livre arbtrio,
capaz de tratar com questes complexas, inventar e engajar-se em um trabalho
coletivo e evolutivo. Na ao empreendedora h a negao e superao de um
estado passivo no qual servo de um processo rgido, executor de gestos
preestabelecidos, repetitivos, isolados, estritamente prescritos, planejados e
controlados.
Assim, entendemos que o contexto atual onde predominam mercados instveis,
demandas por personalizao e encurtamento da vida til dos produtos,
exigncia de flexibilidade quer seja tcnica, humana ou organizacional e avano
da automao e competitividade, leva a que trabalhadores adotem na sua ao
cotidiana uma predisposio empreendedora para superar essas exigncias.
Partimos do principio de que na nova configurao do mundo do trabalho,
instigado pelas empresas, o profissional tende cada vez mais a se mobilizar para
acessar os conhecimentos e competncias dos quais ele no dispe, buscar
informaes teis e confiveis, muitas vezes exclusivas, o que possibilita o
reconhecimento e desenvolvimento de oportunidades.
1.1 Estruturao da Dissertao
Em busca de apresentar os resultados coletados nesta pesquisa, dividimos o
presente trabalho em 6 captulos. Na introduo apresentamos o tema de estudo da
dissertao, as principais perguntas que impulsionaram a pesquisa e algumas hipteses
que nortearam o estudo, bem como a forma como ele est estruturado.
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No intuito de relacionar as caractersticas do ambiente de trabalho com a
formao do trabalhador, apresentamos em breves linhas, no captulo 2, o modo de
produo fordista/taylorista, as crises desencadeadas em meados da dcada de 70 que
provocaram a reestruturao produtiva e o novo quadro que optamos por denominar de
regime de acumulao flexvel. Esse cenrio em que os profissionais de software
(engenheiros, programadores, analistas de sistemas, designers, administradores) atuam
caracterizado pelo capitalismo globalizado, extensamente discutido por autores como
Kumar, Castells, e Harvey. Para completar a nossa fundamentao terica que embasou a
nossa investigao, discutimos a emergncia da temtica empreendedora, recorrendo a
autores que discorreram de forma crtica sobre a questo. Por fim discutimos as
transformaes produtivas, detendo-nos um pouco sobre as particularidades do Brasil,
colocando a experincia vivenciada em territrio nacional de reestruturao produtiva; a
abertura de mercado a partir dos anos 90 e seus impactos sobre a formao desse novo
trabalhador.
O terceiro capitulo dedicado metodologia utilizada para a coleta e anlise
dos dados. Tivemos como objetivo expor caractersticas detalhadas a respeito do nosso
campo e amostra da pesquisa: as caractersticas do trabalho no Porto Digital a partir da
perspectiva dos seus atores principais, seguindo-se a esse item nossa problematizao e
hipteses. Pela dinamicidade e rapidez das mudanas, esse ambiente parece exigir
trabalhadores com caractersticas empreendedoras. A coleta de dados foi feita a partir de
entrevistas semi-estruturadas, cujas categorias orientadoras foram como se trabalha,
sob que condies trabalha e quem trabalha, que so questes centrais para se ter
um entendimento de quem o trabalhador do Porto Digital. A anlise das entrevistas foi
feita de maneira analtica e interpretativista, por meio da utilizao da anlise de contedo,
que conforme Bardin (2004) consiste em um processo em trs etapas bsicas que foram
seguidas neste estudo: pr-anlise, descrio analtica e interpretao referencial.
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Na anlise dos dados que constituem o quarto captulo deste trabalho
apresentamos o cluster Porto Digital, as caractersticas globais que favoreceram a
criao de cluster de TI em vrios locais, suas particularidades histricas,
funcionamento e o perfil dos profissionais que ali trabalham. No captulo 5
apresentamos os resultados de pesquisa, em que se mostram algumas caractersticas das
empresas, como a adoo do modelo de fbricas de software, que a semelhana das
fbricas industriais utiliza a racionalizao e a especializao das funes como
estratgia de aumento de produtividade com atividades prescritivas. Essa configurao
no permite uma atuao plena do trabalhador utilizando as suas capacidades tcnicas e
intelectuais. Esse resultado, por exemplo, que vai de encontro nossa proposio inicial
de um trabalhador empreendedor. As relaes de trabalho so permeadas por tenses,
tais como a sobreposio de competncias tcnicas s competncias subjetivas; o
relacionamento dos desenvolvedores com os gerentes ainda tem caractersticas da
administrao industrial; e a subutilizao do profissional por parte do empresrio, entre
outros elementos que precarizam as condies de trabalho dos desenvolvedores. Mas ao
mesmo tempo tivemos constataes de trabalhadores multifuncionais, sujeitos ou
expostos a imprevisibilidade, trabalhando com autonomia e criatividade, com formao
acadmica superior, entre outros elementos contraditrios ou de diferena, que
finalizam o captulo. Encontramos no campo uma realidade mais complexa do que
poderamos esperar, caso nos ativssemos a um estudo da literatura consolidada sobre o
tema, isto , focada em uma realidade no perifrica.
No nosso ltimo captulo apresentamos as contradies finais sobre a relao
entre o mundo do trabalho e a constituio do novo trabalhador inserido no Porto
Digital. A constatao e a problematizao do novo trabalhador ou as inmeras
interpretaes que lhes so dadas, possibilitam a identificao de elementos
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contraditrios nas relaes de trabalho no Porto Digital, e consequentemente sobre as
caractersticas do trabalhador. Isso porque, dependendo da estratgia de
desenvolvimento de softwares (em fbricas de software ou em pequenas unidades de
produo de software que no adotam a metodologia de desenvolvimento de fbrica de
software), isso pode favorecer tanto a emergncia de um trabalhador com caractersticas
empreendedoras, como trabalhadores com caractersticas do modelo fordista.
A tentativa de compreender a realidade atravs de suas inmeras e diferentes
manifestaes, da qual faz parte a busca do dilogo com outras disciplinas que estudam
o trabalho, vem permitindo Sociologia do Trabalho o abandono da viso generalista
que marcou os primeiros estudos sobre o tema, ao mesmo tempo em que vem apontando
para uma maior compreenso da complexidade da realidade do trabalho nos dias atuais.
Ao invs das vises quase sempre polares e unidimensionais que marcaram os primeiros
estudos sobre o tema, o nosso estudo foi evoluindo para um quadro muito mais rico e
complexo, capaz de captar tanto as tendncias de enriquecimento do trabalho, presentes
em pontos localizados das cadeias produtivas e do mercado de trabalho, como as de
precarizao do emprego e do trabalho, que afetam o cluster Porto Digital.
Foi fundamental, nesse sentido, alargar o olhar para captar o novo, colocando-se
numa postura aberta a novas experincias que no estavam previstas, seja pelas teorias
que no conseguem apreender as transformaes sociais que se insinuam por caminhos
diferentes daqueles traados aprioristicamente, seja por aquelas que consideram que as
transformaes sociais j esto todas definidas porque j teramos chegado ao fim da
Histria (Leite, 2000).
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Captulo 2
A REESTRUTURAO PRODUTIVA E A CONSTITUIO DO NOVO
TRABALHADOR.
Este captulo aborda como a estrutura ocupacional e do emprego tem sido
descrita nos diferentes contextos histricos. Para tal sero identificadas as relaes entre
as demandas do mercado de trabalho e as caractersticas do trabalhador ao longo da
histria do processo de industrializao. Essas transformaes vm sendo analisadas por
diversos autores nas ltimas dcadas, e a contribuio desses pensadores criou um
contexto terico e sociolgico que deve levado em considerao.
2.1 Mudanas no mundo do Trabalho
Do trabalho escravo ao trabalho assalariado, da posse dos meios de produo
venda da fora de trabalho, do emprego ao trabalho autnomo, cada transio
representou transformaes na forma de produo e, conseqentemente, na concepo e
construo da identidade do trabalhador. Para Leontiev (1972) o trabalho uma
atividade especificamente humana que se efetua em condies coletivas, de modo que o
papel do homem no seio deste processo no determinado apenas pela sua relao com
a natureza, mas com outros homens. A evoluo histrica do emprego, no mago da
estrutura social, foi dominada pela tendncia secular para o aumento da produtividade
do trabalho humano. Conforme as inovaes tecnolgicas e organizacionais foram
permitindo que homens e mulheres aumentassem a produo de mercadorias com mais
qualidade e menos esforo e recursos, o trabalho e os trabalhadores mudaram da
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produo direta para a indireta, do cultivo, extrao e fabricao para o consumo de
servios e trabalho administrativo e de uma estreita gama de atividades econmicas para
um universo profissional cada vez mais diverso (Castells, 1999, p. 292).
Durante boa parte do sculo XX, o modo de produo que caracterizava a
racionalizao capitalista era a fuso do taylorismo e do fordismo, definido como a
produo eficiente de uma coisa, utilizando mo-de-obra especializada. A data inicial
simblica do fordismo deve por certo ser 1914, quando Henry Ford introduziu em sua
fbrica de automveis uma jornada de trabalho de 8 horas e 5 dlares como recompensa
para os trabalhadores da linha automtica de montagem (HARVEY, 1992, p. 121).
Segundo este, o propsito era em parte obrigar o trabalhador a adquirir a disciplina
necessria operao do sistema de linha de montagem de alta produtividade e dar aos
trabalhadores renda e tempo de lazer suficientes para que consumissem os produtos
produzidos em massa que as corporaes estavam por fabricar em quantidades cada vez
maiores.
Em muitos aspectos, as inovaes organizacionais e tecnolgicas de Ford eram
mera extenso de tendncias bem-estabelecidas. A forma corporativa de organizao de
negcios, por exemplo, tinha sido aperfeioada pelas estradas de ferro ao longo do
sculo XIX e os Princpios da Administrao Cientfica, de F. W. Taylor um
influente tratado que descrevia como a produtividade do trabalho podia ser radicalmente
aumentada atravs da decomposio de cada processo de trabalho em movimentos
componentes e da organizao de tarefas de trabalho fragmentadas segundo padres
rigorosos de tempo e estudo do movimento , tinham sido publicados (HARVEY,
1992, p. 121). O taylorismo previa a aplicao de mtodos cientficos de racionalizao
do trabalho com vistas a superar a resistncia dos trabalhadores de ofcios4 em aceitar a
4 Que nos remete s primeiras corporaes de oficio, onde os mestres que detinham o conhecimento sobre
o processo de trabalho, comunicavam aos seus aprendizes os conhecimentos necessrios para o exerccio
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destruio do seu modo de trabalhar, sua autonomia e sua mobilidade (CORIAT, 1994).
Assim, esse modelo pretendia no deixar ao trabalhador qualquer deciso sobre o modo
de executar o seu trabalho. Caberia gerncia cientfica a tarefa de prescrever e
controlar o modo concreto de execuo de qualquer atividade.
Nesse contexto, central a idia de um ser humano que nem sequer fala ou s
fala quando algo lhe perguntado. Ele aquele que apenas executa as tarefas
prescritivas. O trabalho pouco ou nada exige de mobilidade cognitiva ou subjetiva de
quem a desempenha (FRANA, 2004). Apesar do xito dos princpios de administrao
cientifica de Taylor nos EUA e Europa, neste ltimo a Administration industrielle et
gnrale, de Henri Fayol (publicado em 1916), mostrou-se um texto muito mais
influente do que o de Taylor. Com sua nfase nas estruturas organizacionais e na
ordenao hierrquica do fluxo de autoridade e de informao, o livro deu origem a uma
verso bem diferente da administrao racionalizada, em comparao com a
preocupao taylorista de simplificar o fluxo horizontal dos processos de produo. A
tecnologia de linha de montagem para produo de massa, implantada em muitos pontos
dos Estados Unidos, tinha um desenvolvimento muito fraco na Europa antes da metade
dos anos 1930 (HARVEY, 1992, p. 124). Depois de 1945 o fordismo chegou
maturidade como regime de acumulao plenamente acabado e distintivo.
Como tal, ele veio a formar a base de um longo perodo de expanso ps-guerra
que se manteve mais ou menos intacto at 1973. Ao longo desse perodo, a economia
nos pases capitalistas avanados alcanou taxas fortes, mas relativamente estveis de
crescimento, as tendncias de crise foram contidas, a democracia de massa preservada e
a ameaa de guerras, tornada remota: o fordismo se aliou firmemente ao keynesianismo,
e o capitalismo se dedicou a um surto de expanses internacionalista de alcance mundial
de seus trabalhos.
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que atraiu para a sua rede inmeras naes descolonizadas (HARVEY, 1992, p. 125).
Este padro produtivo, ainda presente nos dias atuais (SENNETT, 1999, p. 50),
tem como alicerce o trabalho fragmentado, que exige pouca reflexo ou julgamento por
parte dos trabalhadores, restringindo-os a atividades manuais e excessivamente
repetitivas, e com um ritmo de trabalho intenso, de acordo com os mtodos tradicionais
da administrao cientfica. O movimento fordista marcado pelo conflito capital-
trabalho, dominado pelas lutas por salrio e sindicatos relativamente fortes, e acontece
num momento histrico, concebido como a era do ouro, supondo a eliminao da
pobreza, do desemprego em massa, e da instabilidade econmica do capitalismo de
antes da guerra (HOBSBAWM, 1996). Mas segundo Harvey:
nem todos eram atingidos pelos benefcios do fordismo, havendo na verdade sinais abundantes de insatisfao mesmo no apogeu do sistema. Para comear, a negociao fordista de salrios estava confinada a certos setores da economia e a certas naes-Estado em que o crescimento estvel da demanda podia ser acompanhado por investimentos de larga escala na tecnologia de produo em massa. Outros setores de produo de alto risco ainda dependiam de baixos salrios e de fraca garantia de emprego [...] Sem acesso ao trabalho privilegiado da produo de massa, amplos segmentos da fora de trabalho tambm no tinham acesso s to louvadas alegrias do consumo de massa. Tratava-se de uma frmula segura para produzir insatisfao (1992, p132) .
Contudo, a despeito de todos os descontentamentos e de todas as tenses
manifestas, o ncleo essencial do regime fordista manteve-se firme, como j foi dito, ao
menos at 1973, tendo mesmo expandido no perodo ps-guerra. S quando a aguda
recesso de 19735 abalou esse quadro, um processo de transio rpido, mas que
segundo Harvey (1992, p. 134) ainda no bem entendido, do regime de acumulao teve
incio.
Ento os estudos acadmicos comeam a falar de uma nova linha divisria que
rompeu com a produo e consumo de massas (e com a rigidez dos contratos de
5Que entre as causas mais frequentemente apontadas estariam a deciso da OPEP de aumentar os preos do petrleo e a deciso rabe de embargar as exportaes de petrleo para o ocidente durante a guerra rabe-israelense de 1973 aliadas a produtividade decrescente por causa do aumento da alienao, falncia do Estado de Bem-Estar Social e resistncia do trabalhador (KUMAR, 1997, p. 68).
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trabalho), ou seja, o enfraquecimento do paradigma fordista de produo e de trabalho
dominante desde o princpio do sculo (ALVES, 2005, p. 2). Mas a complexidade
histrica dessa transio ou a falta de consenso sobre as reais causas e conseqncias
desse perodo tm trazido alguns desafios para as Cincias Sociais, que tem produzido
uma mirade de interpretaes para compreender essa nova ordem. Smith (1989)
caracterizou essa transio como uma parcial modificao do sistema de produo no
sentido de uma ampliao da diversidade de produtos, mas substancialmente dentro do
mesmo marco de estreito controle patronal, de especializao e mecanizao. Tambm
cauteloso, Harvey (1992) indaga se essas mudanas assinalaram o nascimento de um
novo regime de produo capaz de conter as contradies do capitalismo durante a
prxima gerao ou se marcam uma srie de reparos temporrios, constituindo assim
um momento transicional de dolorosa crise na configurao do capitalismo do final do
sculo XX. Talvez por isso Kumar (1997, p. 72) afirme que o que est sendo saudado
como ps-fordismo seja apenas a mais recente roupagem tecnolgica e organizacional
do fordismo.
Segundo Coriat6, (1985 p. 35) esse novo paradigma, ps-fordismo7, conservaria
os princpios do fordismo, como a disciplina essencial na cadeia de montagem, nos
postos e tarefas rotineiras, mas introduziu outros elementos como a segmentao das
cadeias em espaos distintos, cada um abastecido por sua prpria reserva de
componentes e ferramentas e a introduo do trabalho em equipe , em vez do principio
fordista de um homem/um posto/um emprego (CORIAT, 1985 p. 35-36).
Assim abriu-se o caminho para a chamada fase da produo flexvel que entra em
6Coriat (1985), crtico de ps-fordismo, via a passagem de fordismo para o neofordismo, como ele preferiu definir esse modelo de trabalho, no como uma ruptura, mas sim uma continuidade do controle, s que agora atrelada a uma maior racionalidade, e sem nenhum beneficio para o trabalhador.
7Tambm denominado de Toyotismo que refere-se a gesto e uso de trabalho em equipe de trabalho polivalente e multifuncional, bem como a terceirizao. O termo foi cunhado no Japo a partir da gesto utilizado na fbrica Toyota, que tinha por meta competir em p de igualdade com as montadoras norte-americanas no perodo ps-1945.
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conflito com a rigidez da burocracia e os males da rotina cega (SENNETT, 1999, p. 9)
do fordismo. A flexibilizao do mercado e das relaes de trabalho surgiu na mesma
onda neoliberal que trouxe tona questes como a desregulamentao da economia e a
privatizao. O objetivo restaurar a hegemonia do mercado e facilitar a insero da
economia em novos padres competitivos, tanto em nvel domstico quanto
internacional. A busca desta competitividade exige uma maior capacidade de resposta
da firma s contingncias da demanda e requer do mercado de trabalho uma maior
elasticidade diante dos choques internos e externos que este novo padro competitivo
dever impor economia. Criaram-se, assim, os conceitos de firma flexvel e o de
flexibilidade dos salrios e do emprego, embora este seja mais aplicado pelos
economistas para designar uma maior capacidade de ajustamento dos mercados via
preos do que via quantidade.
Nos pases desenvolvidos, especialmente da Europa Ocidental, a
desregulamentao do mercado e das relaes de trabalho est associada ao surgimento
de formas atpicas de emprego, consideradas como subpadro, tais como o emprego
eventual, temporrio e de tempo parcial em que o assalariamento situa-se margem do
aparato jurdico estabelecido, caracterizando-se mais como subemprego do que como
emprego regular [RODGERS e RODGERS (1989)]. Estes resultados tm afetado o
nvel e a estrutura do emprego e da renda do trabalho e, em conseqncia, a forma como
a distribuio da renda gerada no mercado de trabalho.
A flexibilizao implica uma diviso do trabalho que difere radicalmente daquela
herdada da organizao do trabalho fordista-taylorista. Ela busca valorizar e apropriar as
capacidades humanas de participao, criatividade, iniciativa, responsabilidade, e
autonomia, incentivando a formao, o crescimento profissional, o trabalho em equipe e
uma compreenso mais abrangente do trabalho. Ento surge a demanda por um
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trabalhador com capacidade de responder aos imprevistos provocados pela velocidade
dos sistemas automatizados, de trabalhar em equipe e de desenvolver habilidades e
competncias que atendam ao requisito de multifuncionalidade. A supresso de cargos
no ambiente fabril d origem a outro fenmeno que a terceirizao da mo-de-obra.
Neste contexto, seria necessrio a articulao entre as novas exigncias do mercado de
trabalho, por elevao da qualificao e das habilidades laborais, e o perfil ocupacional
do trabalhador, no mais condizente com aquele predominante no taylorismo-fordismo.
A descentralizao produtiva no s nacional, mas tambm no mbito
internacional chegou a regies de baixo salrio os pases recm industrializados do
leste da sia e da Amrica do Sul e certas partes da Europa meridional - e o trabalho
cada vez mais fragmentado faz com que tanto os sindicatos como trabalhadores percam
fora, alm de aliviar os encargos financeiros das empresas. (Kumar, 1997, p. 69). Nas
palavras de Castells (1996, p. 417),
dividido pela internacionalizao da produo e das finanas, incapaz de se adaptar formao de redes entre empresas e individualizao do trabalho, e desafiado pela degenerao do emprego, o movimento trabalhista perdeu sua fora como fonte de coeso social e representao dos trabalhadores.
Em contraposio a uma perspectiva apologtica do novo modelo de produo,
surgem reflexes sobre sua eficcia na superao das incertezas e da saturao e
instabilidade do mercado.
A flexibilidade e a mobilidade permite aos empregadores exercerem presses
mais fortes de controle sobre uma fora de trabalho (para impor contratos de trabalho
flexveis, como trabalho em tempo parcial, temporrio ou subcontratados) enfraquecida
pela dificuldade de organizaes por causa do surgimento de novos focos de produo
flexvel em regies que careciam de tradies industriais anteriores, alm de terem de
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que conviver com nveis relativamente altos de desemprego estrutural8, rpida
destruio e reconstruo de habilidades, ganhos modestos de salrio real e o retrocesso
do poder sindical (HARVEY, 1992, p. 141). E como assinala Kumar (1997) teramos
um quadro global em que elementos do ps-fordismo no primeiro mundo coexistem
ao lado do fordismo clssico e do fordismo perifrico9 no terceiro Mundo numa
tentativa de manter o dinamismo num perodo de instabilidade. Nesse contexto da
globalizao vigora a poltica neoliberal que preconiza a reestruturao produtiva10,
privatizao acelerada, enxugamento do Estado e desmonte do direito dos trabalhadores
(ANTUNES, 2002, p.189).
Hoje, entretanto, do sistema de produo industrial passou-se ao sistema de
produo informacionalizada11 caracterizada pela produo de informao, imagens e
servios. O nascimento da informao no s como conceito, mas tambm como
ideologia, est inextricavelmente ligado ao desenvolvimento do computador durante os
anos de guerra e no perodo imediatamente posterior. A transformao tecnolgica e
administrativa do trabalho e das relaes produtivas dentro e em torno da empresa
emergente em rede o principal instrumento por meio do qual o paradigma
informacional e o processo de globalizao afetam a sociedade em geral. A
produtividade e a competitividade dos agentes nessa economia dependem de sua
capacidade para gerar, processar e aplicar, de forma eficiente, informao baseada em
conhecimentos (CASTELLS, 1999, p 119). E para consolidar esse cenrio Kumar
(1997) diz que o trabalho e o capital, as variveis bsicas da sociedade industrial, so
substitudas por informao e conhecimento.
8Fruto de sucessivos processos de reengenharia nos anos 80 e 90 e com resultados duvidosos (SENNETT, 1999, p. 59) 9O "fordismo perifrico a fora de trabalho mal remunerada do Terceiro Mundo, Lipietz (1986) 10 A reestruturao produtiva um movimento de carter estrutural no plano da produo e do trabalho, que tem como objetivo central buscar novas prticas que dem continuidade ao funcionamento do sistema capitalista. 11 Global e em rede, acrescentaria Castells (1999, p.119)
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Nisso, o modelo de produo taylorista-fordista, a concepo do trabalhador
como um apndice da mquina, o fazer carreira numa nica empresa, a segurana e o
status proporcionados pelo emprego assalariado, parecem no mais alicerar as
demandas de uma realidade que se apresenta imprevisvel, autnoma e flexvel.
Segundo Castells, a difuso das tecnologias de informao12 no processo produtivo
levaria adoo de novas prticas organizacionais, com o objetivo de reestruturar os
processos de trabalho, as prticas de emprego, oferecendo supostamente ao trabalhador
maior capacidade de intervir nos processos decisrios. Assim j no haver uma
prescrio total.
Com a reduo do trabalho prescrito exige-se do trabalhador que tenha iniciativa
e que faa escolhas, o que o insere em uma certa zona de autonomia (ALVES, 2005,
p.4), o que no significa reduo do controle dos objetivos e dos resultados. Pelo
contrrio. A autora Rosenfield (2003), por exemplo, usa a expresso autonomia
outorgada aos trabalhadores que uma nova estratgia organizacional que visa reduzir
a margem de criao e de improvisao para dar lugar a um sistema de gesto
normativo, em que a autonomia real deve integrar-se institucionalizao da
autonomia. No caso de ocorrer, no processo produtivo, um fato imprevisto e
extraordinrio, o trabalhador toma uma iniciativa no sentido de contornar o problema e
garantir o fluxo e a qualidade da produo. Em se tratando de uma iniciativa bem-
sucedida, a hierarquia integra-a imediatamente regra, de maneira a difundir a
interveno e a indicar a todos os trabalhadores como reagir diante de tal imprevisto
(ROSENFIELD, 2003, p. 205). A leitura de Rosenfield denota que o extraordinrio
torna-se previsvel e a criao passa a se inscrever na regra, denotando assim uma
12As TICs fornecem a base tcnica para os novos modos de reproduo e valorizao do capital, seja o capital financeiro, transformado em pura informao, seja o capital produtivo, ao permitirem a flexibilizao do aparato tcnico e do trabalho e ao viabilizarem a produo e a circulao de um conjunto de bens informacionais de gil produo, comercializao e consumo. (Albagli e Maciel 2005)
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instrumentalizao da autonomia.
Diante destas condies, as organizaes tradicionais esto sendo demolidas, as
empresas se integram e se descaracterizam, passando a formar redes, cadeias,
conglomerados e alianas estratgicas, as denominadas organizaes ps-fordistas
(CLEGG e HARDY, 1999). A emergncia desse novo formato, a empresa em rede,
surge como resposta adaptativa s demandas por individualizao da mo-de-obra13,
agilidade, flexibilidade, mobilidade, capacidade de gerar conhecimento e processar
informaes com eficincia para atender as necessidades crescentes de lucro do capital.
A morfologia da rede parece estar bem adaptada crescente complexidade de interao
e aos modelos imprevisveis do desenvolvimento derivado do poder criativo dessa
interao (CASTELLS, 1999, p.108).
Tais aspectos, conseqentemente, acarretam novas vivncias sociais e
emocionais para todos os indivduos de modo geral, bem como novas experincias para
o trabalhador obrigado a uma abertura ao novo, configurado nas diversas tecnologias e
paradigmas. Pode-se inferir que as contradies e exigncias do mundo do trabalho
refletem e repercutem na vida dos sujeitos, abarcando, inclusive, a dimenso da
identidade e da subjetividade, j que estes necessitam estar o tempo todo se
preocupando e adequando-se para possurem os critrios de empregabilidade tais como:
disposio para arriscar-se, flexibilidade e capacidade de adaptao s novas funes,
atitude de zelo pelo crescimento pessoal, habilidade para utilizar conhecimentos novos,
curiosidade intelectual e inquietao permanente, habilidade para lidar com pessoas
(comunicabilidade), ser um generalista com reas de especializao, capacidade de
13Castells entende por individualizao da mo-de-obra o processo pelo qual o seu papel no processo produtivo definido de forma especifica para cada trabalhador, segundo o seu desempenho na forma do trabalho autnomo, ou como mo-de-obra contratada individualmente com base num mercado muito desregulamentado.
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equilibrar vida pessoal e profissional, habilidade para lidar com presso e a
concorrncia, numa eterna busca de aperfeioamento tanto tcnico quanto pessoal.
Ento, se no incio da revoluo industrial era requerido um trabalhador
obediente e integrado que pusesse disposio da empresa a sua fora fsica e um
mnimo de habilidades para a execuo eficiente de tarefas, a chamada sociedade ps-
industrial continua requerendo um trabalhador obediente, ainda que lhe exija a
capacidade de pensar, criar, desenvolver iniciativa para resolver problemas e outros
requisitos tcitos. Esses requisitos voltam-se manuteno da lgica do trabalho
alienado e no lgica da emancipao e da liberdade, como seria desejvel e muitos
querem defender.
No entanto, pretendemos situar o movimento de reestruturao produtiva no
contexto local e aprofundar o entendimento sobre as caractersticas do novo trabalhador
nesse cenrio, assim como identificar o impacto dessas mudanas globais na
composio da fora de trabalho. preciso considerar que as muitas situaes de
reestruturao se articulam a partir de lgicas distintas de acordo com a regio, com o
setor produtivo e com as prticas produtivas distintas.
2.2 A reestruturao produtiva no contexto nacional
Analisando o desenvolvimento do mercado de trabalho brasileiro, podemos observar
que o perodo compreendido entre os anos de 1930 e 1980 caracterizou-se pelo
movimento de industrializao nacional e pela forte estruturao dos empregos
assalariados formais. Tornaram-se intensas as intervenes do estado no sentido de
estabelecer polticas que possibilitassem o desenvolvimento da indstria e
institucionalizao das relaes de trabalho a ela vinculadas. Aps os anos 80, a
insero ocupacional foi profundamente alterada pela estagnao econmica e
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desestruturao do mercado de trabalho, cujos processos foram estabelecidos com mais
clareza na dcada de 90 (POCHMANN, 1998). Nesse cenrio de estagnao as
empresas brasileiras passaram a buscar alternativas de sobrevivncia no mercado. A
incorporao de equipamentos de automao industrial como uma das estratgias
adotadas antecipava o processo de reabertura comercial que seria implementado nos
anos 90.
A ltima dcada do sculo XX marcou uma poca de regresso nas taxas de
crescimento do mercado de trabalho, com aumento do desemprego, maior competio e
precarizao das relaes de trabalho, como contratos de trabalho fora dos marcos
legais, extensas jornadas de trabalho, modificaes na legislao trabalhista, entre
outros fatores, (DIEESE, 2001, p.7). O Brasil presencia a excluso de seus jovens que,
sem qualificao necessria para atuar na indstria flexvel, ficam margem do
mercado de trabalho. A to aclamada modernizao tecnolgica acabou sendo feita em
meio a um cenrio de estagnao econmica e despreparo tcnico e cultural. Vrios
estudos especficos apontam que, no caso brasileiro, as mudanas que foram sendo
introduzidas nas empresas (de forma pontual ou de forma sistmica) implicaram
alteraes substanciais nos modos de organizao tradicionais que, em muitos casos,
mostraram-se incipientes e at contraditrios, em virtude da convivncia de elementos
do velho e do novo modelo (ROGGERO, 2005; COSTA, 2003).
ROGGERO (2005) ainda aponta a chegada dos programas de qualidade,
iniciados e acompanhados, geralmente, com a ajuda de consultorias externas s
empresas. Esses programas de qualidade visavam reviso de misso, valores, metas,
objetivos e processos, com reorganizao orientada pelos princpios de um modelo que
exigia medidas tais como: como a reduo dos nveis hierrquicos, a busca de cursos de
capacitao dos mais diversos tipos, a mudana nas estruturas de remunerao, a
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introduo de um processo de qualificao de fornecedores, devido ao movimento de
terceirizao, o aumento da importncia atribuda gesto de recursos humanos e s
polticas de treinamento e desenvolvimento e participao feminina no mercado de
trabalho.
A estratgia de terceirizao foi utilizada como elemento importante para o
enxugamento das empresas, acentuando-se com os momentos de crise econmica e as
presses por reduo de custos e aumento da produtividade e da competitividade. Esse
movimento de externalizao das atividades, em busca de maior competitividade,
percorreu duas trajetrias uma, representada pelo esforo articulado entre a grande e a
pequena empresa, no sentido de qualificar fornecedores e melhorar a qualidade dos
produtos; a outra, representada pela tentativa de reduo de custos (tornando precrias
as condies de trabalho) e levou criao de redes de subcontratao e novas formas
de relao entre as empresas, bem como entre empresas e trabalhadores, marcadas pela
heterogeneidade. Tal quadro trouxe nova centralidade educao, em especial
formao profissional, mas, ao mesmo tempo, tornou difcil identificar que mudanas se
operavam, objetivamente, em relao ao contedo das qualificaes, uma vez que os
novos requisitos apontavam, especialmente, para habilidades tcitas, como prioritrias
para absorver e integrar as dimenses do novo paradigma de desenvolvimento.
Esses fatores, juntamente com a acelerao do ritmo de entrada de novas
tecnologias, foraram os trabalhadores a desenvolverem uma capacidade de mudana
permanente nas suas habilidades; com isso a composio da fora do trabalho sofreu
algumas modificaes. Muitas profisses tradicionais desapareceram ou tornaram-se
escassas nessa ltima dcada, dando lugar a profisses que respondessem com mais
eficincia ao mercado de trabalho informatizado.
Dessa forma, as universidades e vrias agncias de formao profissional e
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educacional tentaram acompanhar as mudanas fazendo modificaes na composio
curricular de seus cursos, ou atravs da criao de novos cursos como aconteceu, por
exemplo, no Servio Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e Servio Nacional
de Aprendizagem Comercial (SENAC)14, que procuraram investir na capacitao para a
rea tecnolgica. A ttulo de exemplo, a PAER (Pesquisa de Atividade Econmica
Regional), da Fundao SEADE15 traa o perfil profissional que as empresas do estado
de So Paulo buscam no mercado de trabalho. Segundo a pesquisa, o setor de
informtica um dos que exigem mais qualificaes. Alguns dos requisitos para a
contratao de mo-de-obra so: ensino mdio completo, conhecimentos de matemtica
e em diversos programas e aplicativos de computador e boa expresso verbal. Tais
requisitos implicam um razovel investimento em cursos e em escolaridade formal.
Tambm num estudo de acompanhamento atravs dos anncios de oferta de trabalho e
emprego publicados nos classificados dos jornais das capitais dos estados do Brasil
desenvolvido pelo SENAC nacional (2001) mostrou que os profissionais de TI esto
entre as 10 ocupaes mais demandadas nos registros dos anncios, ficou na 80 posio
a frente dos professores e costureiras. So solicitados para atuarem no atendimento ao
usurio, no desenvolvimento de sistemas, na administrao de bancos de dados e, de
forma geral, precisam ter conhecimentos de ingls, dinamismo, disponibilidade para
viagens e iniciativa. A exigncia pelo nvel de escolaridade aumenta para esta ocupao
34,4% pedem 3 grau completo ou em curso (GONZALEZ e PRADO, 2001). Aqui
cabe lembrar tambm um estudo preliminar feito para este trabalho nos arquivos dos
jornais locais, na tentativa de apreender as reais mudanas no perfil do trabalhadores
demandados pelo mercado e nas relaes de trabalho nos ltimos anos. A anlise dos
resultados indica a tese da polarizao das qualificaes, no que diz respeito
14Instituies criadas por decretos-lei ainda no governo de Getlio Vargas, destinadas formao de mo-de-obra para a indstria brasileira. 15Fundao Sistema Estadual de Anlise de Dados.
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qualificao mdia do trabalhador no capitalismo contemporneo, como a mais
adequada realidade: exigncia de um pequeno nmero de trabalhadores, altamente
qualificados, enquanto a grande maioria desqualificada. Mesmo dentro do setor de
software esta polarizao fica por conta da discrepncia entre os trabalhadores
altamente qualificados com Mestrado e Doutorado e trabalhadores de perfil mais
tcnico que tm cursos tcnicos de dois anos de durao que so a grande maioria e
enfrentam os maiores problemas em termos de atualizao, remunerao e condies de
trabalho. Tambm, conforme observado na anlise das ocupaes mais procuradas nos
classificados dos jornais nas dcadas de 50 e 70, verificamos que as exigncias de
qualificao tcnicas eram mais valorizadas, enquanto que mais recentemente os
aspectos comportamentais passaram a ter mais valor e as capacidades tcnicas
minimizadas. importante observar que o que chama ateno em nossos resultados no
apenas a valorizao de caractersticas pessoais, mas a vontade de trabalhar, o
dinamismo, a facilidade de relacionamento pessoal.
A PAEP16, realizada em 2001, confirma que mais do que carncias relacionadas
formao tcnica, constatou-se uma grave deficincia quanto formao bsica e
pessoal dos trabalhadores, seja na dificuldade em lidar com a linguagem e a
comunicao, seja nos problemas de ajustamento aos novos padres de comportamento
e relaes interpessoais no ambiente de trabalho. Poderamos dizer que esses problemas
esto relacionados sociabilidade dos indivduos, pois, segundo essa pesquisa, os
requisitos mais exigidos para a contratao de pessoal referem-se s relaes humanas.
Mesmo nas ocupaes consideradas "semiqualificadas" h maiores exigncias quanto
capacidade de trabalho em equipe (81,8% na indstria e 83,5% no setor de servios),
responsabilidade e iniciativa (84,9% e 88,6% respectivamente), do que quanto
16A PAEP - Pesquisa da Atividade Econmica Paulista uma das principais fontes de dados para o conhecimento do processo de reestruturao produtiva das empresas paulistas.
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experincia profissional (59% e 67,2% respectivamente). Outra constatao dessa
pesquisa foi de que a exigncia do nvel de escolaridade aumentou, mesmo para as
ocupaes que no precisam de qualificao, sendo que o ensino fundamental completo
exigido por 38,9% das empresas do setor industrial e 37% do setor de servios,
enquanto que o ensino mdio completo requisito de 10,5% das indstrias e 21,1% dos
servios. O conhecimento em informtica tambm vem sendo cada vez mais
considerado requisito bsico para a contratao, sendo exigncia de 9,7% do setor
industrial e 20,4% do setor de servios. Quando se trata de ocupaes de nvel superior
essa exigncia ainda maior, sendo que 75,9% das indstrias e 76,7% do setor de
servios exigem tais conhecimentos.
Para corresponder a essas exigncias, o trabalhador brasileiro teve de investir em
estudo formal, treinamento e atualizao constante no que diz respeito educao
profissional e o acompanhamento das inovaes tecnolgicas, exigncias que muitas
vezes tornam-se "entraves" insero de uma grande parcela da populao no mercado
de trabalho, principalmente dos jovens das classes de baixa renda. Convm chamar
ateno que a mdia de escolaridade do trabalhador brasileiro, comparada com os pases
da Amrica do Sul, como Chile e Argentina, apresenta o menor tempo de escolaridade:
3,8 anos contra 8,7 dos argentinos e 7,5 dos chilenos. Ademais o quadro scio-
econmico, juntamente com a baixa qualidade do ensino pblico de nvel bsico
dificulta o acesso e a preparao de pessoas para atuar no mercado de trabalho, que tem
se configurado altamente competitivas (CAMPOS, 2006).
Nesse contexto, as novas exigncias por qualificaes que, por um lado
colaboram para aumentar o tempo de permanncia dos jovens na escola, por outro,
acabam contribuindo para excluir uma grande parcela da populao mais pobre das
oportunidades de boa qualificao para o mercado de trabalho nacional. Isso pode ser
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observado a partir de uma observao superficial das deficincias do sistema
educacional e profissionalizante, principalmente: a) nos cursos das escolas tcnicas
pblicas, que no conseguiram acompanhar o aumento da demanda e as inovaes
tecnolgicas; b) nos cursos de capacitao profissional em informtica, criados por
rgos governamentais e no-governamentais para atender populao mais carente,
mas que so ineficientes por falta de continuidade na formao e; c) pela criao de
cursos de nvel superior "rpidos" e de baixa qualidade, direcionados ao mercado de
trabalho, que se tornou cada vez mais segmentado e especializado. Essa movimentao
da formao profissional de acordo com as demandas econmicas configura um quadro
em que o capital o fator dominante no ajustamento dos trabalhadores ao mercado de
trabalho, na escolha por uma profisso, e na composio de seu estilo de vida.
2.3 A emergncia da temtica empreendedora
As preocupaes que tm embasado os estudos sobre o trabalho nos ltimos anos
parecem indicar um movimento que busca cada vez mais a compreenso deste fenmeno
a partir de perspectivas mais abrangentes. Tentando vincul-lo crescentemente a
questes mais amplas, esse estudo procurou relacion-lo a outras esferas de anlise, que
se abrem dentro do espao empresarial como indica a emergncia da temtica
empreendedora que entendemos que ir auxiliar melhor compreenso da intrincada
realidade do mundo do trabalho, bem como ajudar a compreender as lgicas do processo
produtivo e da organizao do trabalho.
Num passado recente da histria do trabalho relacionava-se diretamente o
destino dos trabalhadores ao destino da relao salarial (COCCO, 2001; FERREIRA,
1999). Entretanto, na ltima dcada alguns autores passaram a anunciar o fim dos
empregos e, em contrapartida, o estmulo carreira por conta prpria (RIFKIN, 1995),
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realidade esta que refora a responsabilidade do trabalhador em administrar as
transies em sua carreira e em sua vida. E aqui que comea a ganhar visibilidade a
cultura do empreendedorismo, que engendra um cdigo de valores e condutas no
sentido de orientar a organizao das atividades para garantir controle, eficincia e
competitividade mximos. O que se tem, ento, a partir da, o desenvolvimento de um
novo imaginrio organizacional e social: a cultura do management, afirmam Wood Jr.
e Paes de Paula (2002).
Mas esse fenmeno possui em seu bojo um conjunto de pressupostos
compartilhados nas empresas e, em larga medida, no tecido social, alertam Wood Jr. e
Paes de Paula (2002). Estes pressupostos envolvem: 1) a crena numa sociedade de
mercado livre; 2) a viso do indivduo como auto-empreendedor; 3) o culto da
excelncia como forma de aperfeioamento individual e coletivo; 4) o culto de smbolos
e figuras emblemticas, com palavras de efeito (inovao, sucesso, excelncia) e
gerentes heris e 5) a crena em tecnologias gerenciais que permitem racionalizar as
atividades organizadas nos grupos. De fato, mais at do que a mudana em uma direo
especfica ou a adoo de uma nova tcnica, a mudana em si envolve estar preparado
para ela, aceit-la sem conflitos, com rapidez, agilidade, manipul-la como algo natural
sem o desgaste do poder, enfim, tudo que envolve fazer a mudana, tornando-a ao e
prtica social dentro da empresa, incorporando-a cultura, constitui ponto central na
gesto moderna. A substituio de ordens por regras, nesse processo, vai sofisticando
os enunciados do poder, cujo objetivo est na imposio de um quadro de referncias a
ser absorvido como um conjunto de valores que identificam o indivduo com a empresa,
garantindo a adeso, no apenas aos objetivos formulados, mas habilidade de alter-
los em funo de resultados desejveis.
Antunes e Sotelo (2003, p. 111) anunciam que, o que temos, na verdade, uma
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nova configurao do mundo do trabalho onde o trabalho assalariado estvel, com
direitos jurdicos, reconhecidos na legislao trabalhista, mantm uma forte tendncia
para a sua reduo quantitativa, em funo da extenso de novos proletrios, que
trabalham em tempo parcial, terceirizados ou precarizados.
Sendo assim, pode-se supor que o trabalho assalariado, de fato se reconfigura em
outras possibilidades de ao produtiva tais como exemplifica a prtica empreendedora.
O sujeito empreendedor considerado emblemtico como modalidade de emprego e de
trabalho justamente porque nele esto fortemente presentes as tendncias
contemporneas mais marcantes (convvio com a incerteza, flexibilidade,
individualizao, uso de TICs), ao ponto de muitos gestores tornarem o
empreendedorismo uma espcie de modelo do trabalho na sociedade informacional.
Paiva e Cordeiro (2002) observam que existe uma idia geral de que
empreendedores desempenham a funo social de identificar oportunidades e convert-
las em valores econmicos. Essa linha de pensamento concebe o empreendedorismo
como um processo que ocorre em diferentes cenrios e que causa mudanas no sistema
econmico por intermdio da introduo de inovaes que criam valor para os
indivduos empreendedores e para a sociedade. Procurar-se- tratar a figura do
trabalhador empreendedor para alm do heri mitificado neoliberal (OGBOR,
2000). Diferentemente do mito do trabalhador atomizado, isolado e a perspectiva do
trabalho como uma atividade cada vez menos coletiva, em nossa concepo esse
tambm pode ser um ator social, como outro qualquer, capaz de tomar decises, com
habilidades no gerenciamento e mobilizao de recursos, comunicao e na resoluo
de problemas. Paiva (2004) elucida a natureza do fenmeno empreendedor como sendo
coletiva quando, como extrato de sua pesquisa, nos apresenta o empreendedor
relacional, o qual tem no outro seu ponto de fortalecimento para a inovao. O
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empreendedor busca na sua rede atores confiveis para ajud-lo no reconhecimento das
oportunidades com seus estoques de experincia, assim como procura relaes
complementares em outros empreendedores para estabelecer parcerias e aproveitar as
oportunidades. Ento partiremos da viso empreendedora do indivduo que na sua ao
engloba a viso estratgica, a reflexividade e a aprendizagem (PAIVA, 2004). A
conotao do empreendedor como um ser auto-suficiente parece no atender ao perfil
exigido para trabalhar em empreendimentos competitivos imersos no capitalismo
flexvel e globalizado. A iniciativa e a autonomia tm de conviver em paralelo com a
dependncia da funo, evoluo e comportamentos de outros segmentos da
organizao. Adaptam-se aos ambientes de apoio e s estruturas de mercado, de acesso
a informaes, as estratgias dos outros membros da organizao, mudando no mesmo
ritmo e seguindo as transformaes organizacionais e culturais das unidades da
produo. Aqui a rede especialmente apropriada, j que representa uma configurao
social que fomenta a gerao de laos fracos mltiplos. Os laos fracos so teis porque
conectam os indivduos a uma maior gama de informaes, conhecimentos e abertura de
novas oportunidades a baixo custo. (GRANOVETTER, 1995, p. 148).
Ela se torna uma fora concreta porque informa e permite que se ponham em
prtica decises a todo momento no ambiente das redes, numa rea que se quer
inovadora (CASTELLS, 1999, p. 258). A natureza do trabalho em setores de ponta em
TIC, segundo Castells (1999), exige cooperao, trabalho em equipe, autonomia e
responsabilidade dos trabalhadores, interao constante e processamento de informao
entre trabalhadores, entre trabalhadores e administrao e entre seres humanos e a
maquina. Os trabalhadores que estabelecem conexes por iniciativa prpria, uma
tendncia para a crescente interdependncia da fora de trabalho que lida com um novo
mtodo de gerenciamento flexvel que torna indispensvel as conexes entre os
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diferentes ns da rede, na comunicao de sugestes mutuas ou conhecimento tcito. O
conhecimento tcito (SCHON, 1987) em particular, geralmente encontra-se associado a
contextos organizacionais e territoriais especficos, sendo transmitido e desenvolvido
por meio de rede de interaes, troca de experincias pessoais e considerado
diferencial bsico de competitividade, assim como uma das principais fontes de
inovao. Os estudos desenvolvidos por Albagli e Maciel (2005) mostram que as
interaes locais na produo e a difuso do conhecimento tcito fonte
potencializadora de inovao e competitividade nos arranjos e sistemas produtivos e
inovativos locais.
Ento, no mbito das transformaes nas relaes produtivas no mercado de
trabalho, surgem mudanas na natureza das relaes e, conseqentemente, nas
competncias exigidas dos trabalhadores inseridos nesse contexto. Observa-se a
emergncia de atividades que requerem autonomia, iniciativa, responsabilidade,
comunicao ou intercompreenso (HIRATA, 1998, p. 48). Neste contexto complexo,
de simples recursos, homens e mulheres passam a ser considerados atores principais na
construo e funcionamento da nova realidade organizacional, especialmente nos
clusters de TICs, que so intensivos em mo-de-obra. Suas mentes e emoes so
postas a trabalhar (COCCO, 2000; LAZZARATO & NEGRI, 2001; PELBART, 2003).
Pede-se que sejam geis, estejam abertos a mudanas a curto prazo, assumam riscos
continuamente, dependam cada vez menos de leis e procedimentos formais (SENNETT,
1999, p. 9).
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Capitulo 3
PROCEDIMENTOS METODOLGICOS
De acordo com Bruyne, Herman e Schoutheete (1991), a metodologia em um
trabalho de pesquisa cumpre a responsabilidade no apenas de considerar os produtos
da investigao cientfica, mas principalmente seu prprio processo. Neste aspecto, este
tpico visa a apontar os procedimentos utilizados para a realizao desta pesquisa.
Pode-se dizer que esta pesquisa caracteriza-se por ser predominantemente qualitativa
quanto sua natureza. A priori o mtodo qualitativo difere do quantitativo medida que
no emprega um instrumento estatstico como base do processo de anlise de um
problema. No pretende numerar ou medir unidades ou categorias homogneas. Em
princpio, pode-se afirmar que, em geral, as investigaes que se voltam para uma
anlise qualitativa tm como objeto situaes complexas ou estritamente particulares.
Segundo Good e Hatt apud Richardson (1999, p.38) a pesquisa moderna deve rejeitar
como uma falsa dicotomia a separao entre estudos qualitativos e quantitativos, ou
entre ponto de vista estatstico e no estatstico. Alm disso, no importa quo precisa
sejam as medidas, o que medido continua a ser uma qualidade. E por estar orientada
para a anlise de casos concretos, localizados num espao-tempo, partindo das
expresses e atividades das pessoas em seus contextos, a pesquisa qualitativa, de acordo
com Flick (2004), est em condies de responder a uma agenda contempornea, na
qual as explicaes totalizantes apresentam-se em crise.
Nisso, os estudos que empregam uma metodologia qualitativa podem descrever
a complexidade de determinado problema, analisar a interao de certas variveis,
compreender e classificar processos dinmicos vividos por grupos sociais em maior
nvel de profundidade, o entendimento das particularidades do comportamento dos
indivduos. Ento, este estudo corresponde a uma pesquisa qualitativa bsica
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(MERRIAM, 1998), realizada atravs de anlise de contedo clssica (BAUER, 2002) e
a inteno foi a de compreender as caractersticas do trabalhado num cluster
tecnolgico sediada na Regio Metropolitana de Recife, bem como aspectos relevantes
para este, tais como o empreendedorismo, flexibilidade e precarizao a partir de um
olhar indutivista. Apesar de no estar apoiado em informaes estatsticas, o estudo
procurou manter sua objetividade e validade conceitual, contribuindo, desta forma, para
o desenvolvimento cientfico (TRIVINOS, 1994).
Vale ressaltar que o estudo em questo no tem a inteno de propor novas
concepes de trabalho, to pouco elaborar teorias explicativas sobre, mas visa to
somente refletir sobre o desdobramento das transformaes do mundo do trabalho num
contexto local e perifrico. Com uma anlise contextualizada das particularidades
regionais do cluster Porto Digital, pretendemos aprofundar a compreenso sobre a
formao desse novo trabalhador, como administra a carreira, saber como ele equaliza
as presses para ser um trabalhador atualizado e como se do as relaes de trabalho
nessa conjuntura. O Porto Digital no se desenvolveu num vcuo social, est
profundamente atrelado s instituies locais, cultura local e a um ambiente poltico
especifico, portanto, tem uma composio de mo-de-obra especfica e os temores
prprios de um contexto inovador perifrico. tido como um setor que est na
vanguarda do processo de transformao das foras produtivas por demandar um tipo de
trabalhador com formao mais ampla e com capacidade de responder s exigncias de
competitividade e s inmeras contingncias trazidas pela acelerao tecnolgica e
mudanas de paradigma de desenvolvimento de software com autonomia, liderana e
criatividade.
Optou-se pelo tipo de pesquisa bibliogrfica que, de acordo com Marconi e
Lakatos (2003), abrange bibliografias j tornadas pblicas em relao ao tema de
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estudo, desde publicaes avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas,
monografias e teses. A nossa pesquisa bibliogrfica consistiu no exame desse
manancial, para levantamento e anlise do que j se produziu sobre o mundo do
trabalho e os indivduos inseridos nas organizaes contemporneas. Sob este prisma, a
pesquisa bibliogrfica propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem,
podendo por meio da reflexo crtica, chegar a concluses inovadoras e relevantes.
Como ser descrito mais frente os clusters digitais tm um conjunto de
caractersticas e propriedades que os distinguem dos mais tradicionais. Uma dessas
diferenas crucias prende-se, justamente, com o ritmo de mudana e inovao associado
a este conjunto de atividades, atores e relacionamentos e que decorrem do fato dos
efeitos da globalizao e competitividade serem mais agudas nesse setor. Procuraremos
investigar aspectos relacionados ao como se trabalha17, sob que condies trabalha18,
quem trabalha19, questes centrais para se ter um entendimento de quem o
trabalhador do Porto Digital e como so as relaes de trabalho. A anlise das
entrevistas foi feita de maneira analtica e interpretativista, por meio da utilizao da anlise
de contedo, que conforme Bardin (2004) consiste em um processo em trs etapas bsicas
que foram seguidas neste estudo: pr-anlise, descrio analtica e interpretao referencial
Acreditamos que esse cluster representativo desse novo cenrio da
globalizao, informatizao, da sociedade do conhecimento e demanda um tipo de
trabalhador com formao mais ampla e com capacidade de responder s exigncias de
competitividade internacional e s inmeras contingncias trazidas pela acelerao
tecnolgica com autonomia, liderana e criatividade. Alm disso o Porto Digital tido
17 Ritmo e repetitividade do trabalho, possibilidade de realizao de trabalho em equipe, controle do
trabalho, contedo do trabalho e sript utilizado, grau de polivalncia da fora de trabalho. 18 Tipo de contrato e a jornada de trabalho, a remunerao, os benefcios, a taxa mdia de rotatividade da
fora de trabalho, e a existncia de ligaes ou acordos entre a empresa e sindicato. 19 Aqui apresentam-se os perfis scio-ocupacionais predominantes observados entre os trabalhadores e
dirigentes entrevistados nas empresas estudadas.
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pelos mais entusiastas como porta-voz de uma nova elite econmica emergente em
Pernambuco capaz de impulsionar o desenvolvimento local. Neste contexto, trouxemos
a seguinte questo: Quem o trabalhador do Porto Digital? Como se do as relaes de
trabalho nesse cenrio? Ser que encontraramos l o arqutipo do novo trabalhador,
ou prevaleceriam ainda s caractersticas do trabalhador industrial?
Alm disso, a importncia crescente que o estudo aprofundado e estruturado
sobre a evoluo dos empregos, das qualificaes, competncias e correspondentes
necessidades de formao na rea de tecnologia de software tem vindo a assumir
diretamente proporcional ao peso e papel que elas tm vindo a ocupar nas sociedades
atuais. Nisso se torna necessrio identificar as principais tendncias e foras motrizes
que dinamizam a rea e refletir sobre o peso e papel que elas exercem nas economias e
sociedades atuais. No nosso caso seriam as demandas que se fazem sentir sobre o
trabalhador que tem de atuar nesse cenrio.
Sabemos que as mudanas ocorridas no mundo do trabalho tm alterado,
substancialmente, as relaes de trabalho, o perfil dos trabalhadores e,
conseqentemente, impem aos indivduos novas percepes, novas formas de agir,
pensar e sentir o seu fazer. A nova configurao do mundo do trabalho resgata valores
como esforo e trabalho duro, motivao, ambio criativa, inovao, excelncia,
independncia, flexibilidade e responsabilidade pessoal e passa a comandar as aes dos
gerentes e trabalhadores, agora no mais via controle burocrtico, mas via
internalizao desses princpios, que juntos promovem entre os indivduos uma imagem
de autodeterminao no trabalho, induzindo-os a se tornarem empreendedores de si
mesma.
A escolha dos profissionais a serem entrevistados obedeceu a critrios cujo
objetivo era representar o plo de desenvolvimento de softwares da cidade do Recife.
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As empresas em que trabalham enfrentam concorrncia acirrada e, por isso, tm a
necessidade de atualizao constante de conhecimento, a utilizao de processos de
desenvolvimento de software baseados em normas internacionais de qualidade, o uso de
computadores e softwares de ltima gerao e a contratao de profissionais com
formao universitria. Dependendo da empresa, so estimulados a terem uma atuao
empreendedora na busca de solues contingentes e efetivas, no cumprimento de
prazos, na dedicao e flexibilidade de horrios e disponibilidade para o trabalho.
A partir da utilizao da tcnica bola de neve o processo se iniciou a partir da
entrevista com um alto dirigente do NGPD20 ao qual foi pedido que referenciasse
dirigentes dentro do setor a quem ele reputasse como tendo caractersticas
empreendedoras. Os dirigentes empreendedores referenciados foram procurados e a
cada entrevista eram pedidas outras referncias. Com o estrato dos desenvolvedores foi
adotado o mesmo procedimento. Os demais entrevistados foram procurados medida
que foram citados. Vale lembrar que apesar de serem referenciados pelos seus colegas,
no necessariamente apresentavam critrios que colaborassem com a investigao a que
nos propusemos, mas no fim das contas veio a formar-se um material importante. De uma
forma geral foi dada preferncia queles com formao superior completa e atuao em um
dos estratos escolhidos: desenvolvimento de software, gerenciamento de projetos e outras
atividades, alm dos cargos de executivos.
Dessa forma, foram entrevistados engenheiros, analistas de sistemas, designers e
programadores envolvidos diretamente com o trabalho de codificao de programas
computacionais. Chamamos os profissionais desse estrato de desenvolvedores. Todos
tm formao ou em engenharia da computao ou em cincia da computao. O
segundo estrato, os gerentes, formado por analistas de negcios, administradores de
empresas, economistas, que comandam equipes e projetos de desenvolvimento. Os
20 Ncleo de Gesto do Porto Digital.
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gerentes coordenam os profissionais envolvidos em projetos, fazem o controle de
qualidade dos servios ou produtos em desenvolvimento, bem como dos processos
utilizados, elaboram relatrios de desempenho e cumprimento de tarefas, fazem a
previso e cobrana de prazos e so responsveis tambm pela interao entre diversos
profissionais do estrato de desenvolvimento.
O terceiro estrato formado por executivos, empresrios do setor e dirigentes
dos rgos de gesto do Porto Digital e de associao ligados ao setor. Esse estrato de
profissionais do software composto por pessoas formadas em diversas reas, no
somente nas faculdades de computao ou engenharias, e j atuaram em diversas
empresas de desenvolvimento de software. Os gerentes ou executivos com formao em
computao tambm j atuaram na linha de frente de codificao, como
desenvolvedores, e como gerentes. As