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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS - FAFIDAM
FACULDADE DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL - FECLESC
MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO E ENSINO - MAIE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - NÍVEL MESTRADO
GABRIELLE NASCIMENTO LOPES
PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: REFLEXÕES TEÓRICO-
METODOLÓGICAS SOBRE A PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO E AS
INTERFERÊNCIAS NA PRÁTICA DOCENTE
LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ
2015
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GABRIELLE NASCIMENTO LOPES
PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: REFLEXÕES TEÓRICO-
METODOLÓGICAS SOBRE A PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO E AS
INTERFERÊNCIAS NA PRÁTICA DOCENTE
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
da Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do título de mestre
em Educação. Área de Concentração:
Educação, Ensino, Escola e Formação docente.
Orientadora: Profº. Drª. Maria Gilvanise de
Oliveira Pontes.
Co-orientadora: Profº. Drª. Suzana Maria
Capelo Borges.
LIMOEIRO DO NORTE - CEARÁ
2015
2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho
Lopes, Gabrielle Nascimento. Programa de Alfabetização na Idade Certa: reflexões teórico-
metodológicas sobre a proposta de alfabetização e as interferências na prática docente./ Gabrielle Nascimento Lopes. – 2015
1 CD-ROM. 141 f. : il (algumas coloridas) 4 ¾
“CD-ROM Contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”
Dissertação (Mestrado Acadêmico) – Universidade Estadual do Ceará, Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, Faculdade de Educação Ciências e Letras do Sertão Central, Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino, Limoeiro, 2015.
Área de concentração: Educação, Ensino, Escola e Formação Docente. Orientação: Profº. Drª. Maria Gilvanise de Oliveira Pontes. Co-orientação: Profº. Drª. Suzana Maria Capelo Borges. 1. PAIC 2. Alfabetização 3. Docente. I. Título.
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GABRIELLE NASCIMENTO LOPES
PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: REFLEXÕES TEÓRICO-
METODOLÓGICAS SOBRE A PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO E AS
INTERFERÊNCIAS NA PRÁTICA DOCENTE
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino
da Universidade Estadual do Ceará, como
requisito parcial à obtenção do título de mestre
em Educação. Área de Concentração:
Educação, Ensino, Escola e Formação docente.
Aprovada em: 17 de março de 2015.
BANCA EXAMINADORA
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AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço a Deus, pela minha vida, pela oportunidade de ser quem sou e por ter
me dado forças pra continuar mesmo nos momentos em que pensei em desistir.
Agradeço também a minha família pelo o apoio e, principalmente, a minha mãe Selma Regina
do Nascimento e ao meu marido Júnior de Oliveira, por terem sempre apoiado minhas
decisões profissionais.
Aos meus caros amigos e companheiros de mestrado Antônio Oziêlton, George Amaral,
Ivania Maria, Joyce Santana, Leiliana Freire, Maria Edleuza, Paulo Pio, Raquel Lima e
Ozirene Maia, pela amizade e conversas sinceras, pelos sorrisos e alegrias de estarmos juntos,
sempre compartilhando as experiências e os sonhos. E também a meu maior incentivador,
João Paulo Guerreiro, por sua paciência e amizade.
Aos professores do curso que contribuíram com nossa formação e possibilitaram a aquisição
de novos conhecimentos para melhorar nossa prática docente e todos que fazem parte do
MAIE.
Um agradecimento especial à professora Suzana Maria Capelo Borges, que sempre esteve
presente em minha vida acadêmica, incentivando-me a ser uma pessoa e uma profissional
melhor. Obrigada pelo carinho e sua amizade sincera, um espelho para mim e para todos os
seus demais alunos.
A minha orientadora Dra. Maria Gilvanise de Oliveira Pontes, pelo incentivo e apoio para a
concretização desse trabalho.
A professora Sylvie Ghislaine Delacours Soares Lins pelas muitas contribuições realizadas e
pela participação na minha defesa em Limoeiro do Norte.
A todos os membros da Secretária de Educação do município de Limoeiro do Norte e aos
coordenadores do Programa Alfabetização na Idade Certa – PAIC, que se mostraram
receptivos as minhas dúvidas e me apoiaram na concretização do meu projeto.
Às professoras, gestoras, coordenadoras e alunos das escolas acompanhadas, por terem sido
tão prestativos e atenciosos.
E finalmente, à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico, pela concessão
da bolsa que possibilitou a minha dedicação exclusiva a este trabalho.
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RESUMO
A alfabetização é um processo básico para o progresso dos sujeitos e sua inclusão no meio
social. A aquisição desse processo depende de vários fatores, como: as ações metodológicas,
materiais didáticos, ambiente de aprendizado e atuação docente. Nessa perspectiva, o objetivo
desse estudo é analisar como o PAIC e sua proposta teórico-metodológica influencia na
atuação docente de professoras de duas escolas do município de Limoeiro do Norte, Ceará.
Verificamos também, o impacto do Programa no aprendizado dos alunos das turmas
investigadas. Participaram da pesquisa duas professoras e sessenta e quatro alunos.
Realizamos observação participante em uma turma de 1º ano do ensino fundamental de cada
escola para registrar como ocorre o processo de alfabetização proposto pelo Programa e como
o professor faz uso dele. Com as duas professoras realizamos entrevistas semiestruturadas
para, a partir de seus discursos, tentarmos identificar como o PAIC influencia em sua atuação
docente. Por fim, realizamos pré e pós-testes com os alunos para analisar as habilidades de
leitura e escrita no decorrer do ano letivo. A pesquisa apresentou como resultados os seguintes
pontos: (1) O PAIC é visto como positivo para a aprendizagem dos alunos, tanto na visão das
professoras entrevistadas, quanto na análise dos pré e pós-testes dos alunos realizados pela
pesquisadora; (2) O Programa mudou a atuação dos professores alfabetizadores, pois
modificou a escolha dos materiais, as ações metodológicas, a rotina didática e a forma de
elaborar os planos de aula; (3) Apesar de ser visto como positivo para a aprendizagem, as
professoras também acham que o Programa causa sobrecarga no trabalho docente pelo
excesso de atividades; (4) A rotina do Programa é rígida e inflexível; (5) O PAIC faz com que
o professor tenha sua autonomia didática comprometida, e muitas vezes o professor se torna
um mero executor de uma dada técnica, pois este tem que se adequar ao perfil profissional
que o Programa necessita. Esse perfil se caracteriza por fatores como: alguém que obedecerá a
rotina; que esteja apto a utilizar o material proposto e executá-la como estabelece a proposta;
que seja também capaz de atingir os objetivos de aprendizagem, mesmo que esses não tenham
sido desenvolvidos por eles. Enfim, de fato o Programa melhorou os resultados de
aprendizagem dos alunos e a maneira de como se alfabetizar, no entanto, ainda são muitos os
questionamentos levantados a respeito da autonomia docente e da formação do professor
alfabetizador, de modo que este seja capaz de refletir criticamente sobre sua atuação e os
fatores que influenciam nos processos de ensino e de aprendizagem.
Palavras-chave: PAIC. Alfabetização. Atuação docente.
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ABSTRACT
Literacy is a basic process for the progress of the subjects and their inclusion in the social
environment. The acquisition of this process depends on several factors, such as:
methodological actions, learning materials, learning environment and teaching practice. From
this perspective, the objective of this study is to analyze how the PAIC and its theoretical and
methodological proposal affects the educational performance of teachers from two schools in
the North Lemon Tree municipality, Ceará. We also studied the impact of the program on
student learning of the investigated groups. The participants were two teachers and sixty-four
students. We conducted participant observation in a class of 1st year of elementary school in
each school to register as is the process of literacy proposed by the program and how the
teacher makes use of it. With the two teachers conducted semi-structured interviews, from his
speeches, try to identify how the PAIC influences in their teaching practice. Finally, we
conducted pre- and post-tests with students to analyze the reading and writing skills
throughout the school year. The research presented as the following results: (1) PAIC is seen
as positive for student learning, both in view of the interviewed teachers, and in the analysis
of pre- and post-testing of students conducted by the researcher; (2) The program has changed
the role of literacy teachers, as modified the choice of materials, methodological actions, the
teaching routine and how to develop lesson plans; (3) Despite being seen as positive for
learning, the teachers also find that the program causes overload in teaching by excessive
activities; (4) The routine of the program is rigid and inflexible; (5) The PAIC makes the
teacher has committed his teaching autonomy, and often the teacher becomes a mere executor
of a given technique, because this has to fit the professional profile that the program needs.
This profile is characterized by factors such as: someone who will follow the routine; that is
able to use the material offered and run it as established by the proposal; it is also able to
achieve the learning objectives, even if these have not been developed for them. Anyway, in
fact the program has improved the results of student learning and the way how to become
literate, however, there are still many questions raised about the teaching autonomy and
teacher education teacher, so this is able to reflect critically about his performance and the
factors that influence the teaching and learning processes.
Key-words: PAIC. Literacy. Teaching performance.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2007. ...... 58
Figura 2 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2008 ....... 59
Figura 3 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2009. ...... 60
Figura 4 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2010. ...... 60
Figura 5 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2011. ...... 62
Figura 6 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2012. ...... 63
Figura 7 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2013. ...... 64
Figura 8 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com o aluno Pa da escola A. ....... 102
Figura 9 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com a aluna La da escola A. ........ 103
Figura 10 - Teste de frase realizado pela pesquisadora com a aluna An da escola A. .......... 103
Figura 11 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com a aluna Le da escola B. ...... 105
Figura 12 - Teste de frase realizado pela pesquisadora com a aluna Vi da escola B. ........... 106
9
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Comparação entre diagnóstico de fevereiro e abril na escola A. ........................ 101
Quadro 2 - Diagnóstico do nível de escrita dos alunos da escola A, realizados pela
pesquisadora. ..................................................................................................................... 102
Quadro 3 - Comparação entre diagnóstico de fevereiro e abril na escola B. ........................ 104
Quadro 4 - Diagnóstico do nível de escrita dos alunos da escola B, realizados pela
pesquisadora. ..................................................................................................................... 105
Quadro 5 - Diagnóstico de leitura dos alunos da escola A, realizados pela pesquisadora. .... 107
Quadro 6 - Diagnóstico de leitura dos alunos da escola B, realizados pela pesquisador........108
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11
2 ALFABETIZAÇÃO: MAIS QUE A APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA
ESCRITA, UM PROCESSO PARA EXERCER AS PRÁTICAS SOCIAIS .................. 18
2.1 ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO BRASILEIRO: MÉTODOS DE
ALFABETIZAÇÃO ............................................................................................................ 21
2.2 ALFABETIZAÇÃO NO SÉCULO XXI: NOVAS CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS
............................................................................................................................................ 27
2.2.1 Letramento: a leitura e a escrita como instrumentos para o exercício das práticas
sociais .................................................................................................................................. 31
3 PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PAIC) .......................... 39
3.1 EIXOS E METAS QUE FUNDAMENTAM O PAIC .................................................... 41
3.2 A PROPOSTA DIDÁTICA DO PAIC: ALFABETIZAR LETRANDO ......................... 46
3.3 A CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR ......................................... 51
3.4 METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO: PROVA PAIC E SPAECE-ALFA ................... 54
4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................... 66
4.1 OS INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS ...................................................... 67
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ................................................................................... 70
5.1 CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS ......................................................................... 70
5.1.1 Perfis das Professoras e dos alunos ........................................................................... 72
5.2 ANÁLISE DA PROPOSTA, ROTINA E PLANOS DO PAIC ....................................... 73
5.2.1 Rotina e planos de aula ............................................................................................. 77
5.3 ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO ...................................................................... 79
5.3.1 Observações na escola A ........................................................................................... 79
5.4 OBSERVAÇÕES NA ESCOLA B ................................................................................. 83
5.5 AS TÉCNICAS METODOLÓGICAS DE ALFABETIZAÇÃO DO PAIC ..................... 84
5.6 FORMAÇÃO OFERECIDA AOS PROFESSORES DO PAIC ...................................... 88
5.7 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS. ....................................... 93
5.8 OS RESULTADOS DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA ..............................................102
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 111
REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 115
APÊNDICES .................................................................................................................... 119
11
1 INTRODUÇÃO
A alfabetização é um processo fundamental para que os sujeitos interpretem a
realidade e se insiram de maneira participativa no meio social. Nessa perspectiva, existem
diversos fatores que são responsáveis pelo processo de aquisição da leitura e da escrita, como
por exemplo, as ações metodológicas, o ambiente de aprendizado, os materiais didáticos e a
ação do professor alfabetizador. Contudo, ela não deve ser vista somente como um processo
que irá possibilitar a codificação e decodificação do sistema escrito. Mais do que um processo
que irá possibilitar o progresso do aluno na vida escolar, a alfabetização permite que os
sujeitos se reconheçam como seres representativos e participantes da sociedade.
Conforme Freire e Macedo (1990), a alfabetização é o desenvolvimento de uma
consciência crítica e um dos instrumentos primordiais para a emancipação do homem, sendo
um processo que se faz por meio de uma prática social, intencional e planejada. Neste
contexto, a formação da consciência popular deve estar ligada à vivência da democracia,
incentivando a responsabilidade social do homem e a integração deste no desenvolvimento
político, econômico e social da nação.
Essa reflexão reforça a ideia que a alfabetização é um processo que possibilita a
inclusão social e o progresso dos sujeitos. Surgiu assim, a necessidade de se buscar
metodologias que facilitem o processo de aquisição de leitura e de escrita, principalmente
pelos países em desenvolvimento, que sofreram com fatores ligados à sistematização tardia, à
precarização do ensino e ao uso de métodos inadequados. Vale afirmar que as dificuldades em
se alfabetizar também estão ligadas a fatores políticos, econômicos, sociais e culturais.
De acordo com Soares (2013), etimologicamente, o termo alfabetização se refere à
aquisição do código escrito e das habilidades de leitura e de escrita. No entanto, a
alfabetização “(...) é também um processo de compreensão/ expressão de significados por
meio do código escrito” (SOARES, 2013, p. 16), que depende de características sociais,
culturais, econômicas e tecnológicas.
Diante da necessidade de buscar caminhos que auxiliem o processo de aquisição
do código escrito e das habilidades de leitura e escrita, pesquisas vêm sendo desenvolvidas
com o intuito de criar meios que colaborem na compreensão de como ocorre esse processo e o
que pode ser usado para facilitá-lo. No Brasil, os estudos que mais vêm sendo utilizados pelas
escolas foram desenvolvidos pelas pesquisadoras Ferreiro e Teberosky (1999), e tomaram
uma grande proporção na década de 1980. Essas autoras realizaram um mapeamento do
12
progresso de aquisição da escrita, utilizando conhecimentos da teoria cognitivista de Jean
Piaget. A partir das observações e do acompanhamento a crianças que estavam iniciando sua
vida escolar essas autoras conseguiram observar que etapas a criança vivencia para chegar ao
nível de escrita ortográfica. Assim, elas criaram a teoria “psicogênese da língua escrita1”.
Paralelamente à criação da teoria da língua escrita, surgiu a concepção de
letramento, com o intuito de complementar o processo de alfabetização. O letramento diz
respeito ao papel que a leitura e a escrita têm no meio social e o uso dessas habilidades nas
práticas sociais. Soares (2003) afirma que mesmo a alfabetização e o letramento sendo
processos distintos, eles não devem ser dissociados.
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais
concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a
entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá
simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse
sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua
escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e
indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas
sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por
sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das
relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização (SOARES, 2003,
p. 19).
Em vista disso, surgiu uma nova concepção de como devemos ser alfabetizados
através do processo de alfabetização e letramento. O objetivo dessa metodologia é
desenvolver não só a aquisição do código escrito como também o uso desse novo saber nas
práticas sociais, em que leva-se em consideração não só os aspectos psicológicos da criança,
como também, as dimensões culturais, sociais e linguísticas do contexto em que se está
inserido. A experiência e a vivência fatores são que influenciam na maneira como os sujeitos
aprendem e exercem seu conhecimento.
A partir dessas reflexões sobre alfabetização e letramento, resolvemos analisar
uma política pública de educação criada pelo estado do Ceará, o Programa de Alfabetização
na Idade Certa (PAIC), que tem como proposta o uso da metodologia do alfabetizar letrando.
Além disso, o Programa visa diminuir as altas taxas de analfabetismo no estado, auxiliando os
municípios e oferecendo apoio técnico-pedagógico às turmas de 1º e 2º anos do Ensino
Fundamental.
1 Teoria que descreve o processo de aquisição da língua escrita, criada por Emília Ferreiro na década de 1980.
13
De acordo com Marques; Aguiar; Campos (2008), os resultados de avaliações
nacionais, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb); Exame
Nacional do Ensino Médio (Enem); Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade);
mostraram que muitos alunos passam por todo o Ensino Fundamental com baixo nível de
leitura e de escrita, estendendo-se até mesmo ao Ensino Médio, em quase todo estado do
Ceará. Diante desses resultados, em 2005 foi criado um comitê para tentar desenvolver
soluções para diminuir esses altos índices de analfabetismo, surgindo assim, o Programa de
Alfabetização na Idade Certa (PAIC). O Programa se iniciou nas escolas em 2007, dando
assistência técnica e pedagógica ao 1° e 2° anos do Ensino Fundamental de todos os
municípios do estado do Ceará, sobre o qual a Secretária de Educação do Estado do Ceará
(SEDUC) tornou-se a principal responsável.
O Programa PAIC defende a ideia da formação de leitores, estimulando o prazer
pela leitura e estruturado no pressuposto de que a alfabetização e o letramento devem ser
promovidos de forma integrada e indissociável. De acordo com a SEDUC (2012), a
aprendizagem da leitura representa a aquisição de uma nova linguagem, que permite o acesso
a conhecimentos e informações, ampliação de horizontes, desenvolvimento de capacidade
crítica e exercício da cidadania.
[...] a finalidade do letramento na escola é possibilitar aos alunos práticas de leitura e
de escrita com sentido e significado. O letramento ou inserção na cultura escrita não
acontece de modo espontâneo. Exige mediação pedagógica [...]. Para tanto, é preciso que o(a) professor (a), como o mediador e responsável pelo letramento, de modo
intencional insira a criança na cultura letrada, o que não significa disponibilizar
livros na sala, cartazes, fichas de nomes, letreiros etc. Letrar é usar a leitura e a
escrita como prática social no cotidiano da sala de aula: a prática de leituras
significativas dos livros de literatura infantil, jornais, revistas (SIMONETTI, 2009,
p. 21).
Portanto, há um grande desafio em alfabetizar letrando, daí a importância de uma
boa formação para o professor alfabetizador, que deve estar apto às novas necessidades de
aprendizado do aluno. O professor como mediador do processo deve saber que para que o
aluno se alfabetize, ele tem que continuar com as técnicas básicas de alfabetização, como por
exemplo, ensinar as crianças que se deve escrever de cima para baixo, da esquerda para
direita, havendo espaços entre as palavras, dentre outras. A novidade é que para que o aluno
se aproprie do código escrito, o professor deve lhe apresentar a linguagem a partir de
diferentes gêneros textuais, para que ele já tenha contato com esses diferentes textos,
inserindo-os em uma cultura letrada.
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O PAIC oferece um material pronto para alunos e professores, que devem seguir o
cronograma de atividades propostas, obedecendo a rotina didática. Além disso, disponibiliza
um acervo de livros infantis para que a criança tenha acesso à leituras diversificadas.
Mensalmente, os professores que atuam no Programa recebem uma formação para aprender a
executar o material na sala de aula, adotando a rotina didática proposta.
Ao refletir sobre essa percepção de metodologia e de como o Programa propõe o
aprendizado, surgem diversos questionamentos, como: Quais são as perspectivas teórico-
metodológicas do PAIC? Quais são seus pilares epistemológicos? Como ocorrem os
processos de ensino e de aprendizagem? Quais são as contribuições que a formação do
programa oferece para a atuação dos professores alfabetizadores? Que recursos a formação
oferece para a ampliação do conhecimento do professor? Como está a autonomia docente
diante de uma rotina e de materiais prontos? Qual é a importância do professor na atuação do
programa? Que tipo de acompanhamento o professor recebe na prática escolar? Como é
realizado o diagnóstico para avaliar a qualidade do ensino nas turmas de 1º e 2º anos do
Ensino Fundamental?
A necessidade de discutir e investigar o PAIC surgiu pela grande relevância que o
Programa vem tomando, não só no estado do Ceará, como também em todo País.
Recentemente, o PAIC inspirou a criação de uma nova política pública educacional que atuará
em todos os estados brasileiros, conhecido como Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa (PNAIC). Essa política tem o objetivo de oferecer suporte teórico-metodológico aos
estados e municípios para reduzir os índices de analfabetismo e melhorar a qualidade da
formação dos professores alfabetizadores.
Vale ressaltar que resolvemos analisar o PAIC e não o PNAIC, porque o Pacto
Nacional começou a ser inserido nas escolas muito recentemente e não oferece materiais pré-
estabelecidos para uso em sala de aula. A principal finalidade do PNAIC é oferecer formações
mensais aos professores, visando desenvolver a capacidade do docente. Enquanto que o PAIC
se diferencia ao apresentar uma proposta pronta, a qual o professor irá executá-la de acordo
com a rotina dada, aproximando-se, assim, de um método de alfabetização.
Outro fator que influenciou na escolha do tema foi a necessidade de pedagogos
compreenderem como ocorre a aquisição da leitura e da escrita por parte da criança e buscar
meios que facilitem os processos de ensino e de aprendizagem. Entender o PAIC se tornou
essencial para a formação de todos os pedagogos, como também para os professores que
atuam nas séries iniciais.
15
Esse Programa é utilizado por todos os municípios do estado do Ceará, é deve
haver interesse em avaliar se realmente há impactos positivos nas escolas e na alfabetização
dos alunos. Entendemos que os professores formados no curso de pedagogia serão os
principais educadores atuantes nas turmas de alfabetização e, consequentemente, serão os
professores atuantes do Programa. Portanto, é necessário um estudo de aprofundamento de
seus fundamentos para que haja compreensão de como é realizado o processo de alfabetização
e de letramento por esse Programa.
Como professora que já atuou no PAIC, vimos que ele tende a auxiliar a prática
do professor, propondo ferramentas que facilitem o processo de aquisição de leitura e de
escrita. Porém, existem fatores que devem ser compreendidos e analisados para avaliar a
metodologia e os materiais como sendo os mais adequados para assegurar a aprendizagem dos
alunos. Há diversas dúvidas sobre seu funcionamento, como por exemplo, o perfil que o
professor do Programa deve apresentar; sobre a questão da autonomia docente e as exigências
do cumprimento do cronograma de atividade, mesmo diante da heterogeneidade dos alunos; e
quais são as implicações caso o professor não siga perfeitamente a rotina.
Tendo em vista esse fatores, propomos os seguintes OBJETIVOS:
Geral:
Analisar como o PAIC e sua proposta teórico-metodológica influencia na atuação
docente de professoras de duas escolas do município de Limoeiro do Norte, Ceará.
Específicos:
Compreender os pressupostos, as metas e os eixos que fundamentam o PAIC;
Analisar como ocorre o processo de alfabetização e letramento através do PAIC;
Verificar o impacto do Programa na aprendizagem dos alunos, através de pré e pós-
testes;
Averiguar a percepção de professores do 1º ano a respeito da utilização da
metodologia e rotina do PAIC em seu trabalho cotidiano.
A metodologia da pesquisa será do tipo qualitativo, tendo em vista a necessidade
de analisar os processos de ensino e de aprendizagem na sala de aula a partir de observação
participante. A pesquisa também se utiliza da metodologia descritiva para identificar, registrar
16
e analisar as características, fatores e variáveis que se relacionam com o processo de
alfabetização.
Os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em
pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo
tratamento estatístico. As questões a investigar não se estabelecem mediante a
operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formulada como objetivo de
investigar os fenômenos em toda sua complexidade e em contexto natural (BORGAN e BIKLEN, 1994, p. 16).
Os instrumentos para coleta de material da pesquisa de campo no lócus a ser
investigado, realizou entrevistas semiestruturadas a um professor de cada turma; além da
observação participante e o preenchimento de diário de observação. Conforme Chizzotti
(1995), as observações podem se dar de duas formas: a observação participante, que é obtida
por meio do contato do pesquisador com o fenômeno observado, para recolher as ações dos
atores em seu contexto natural, a partir de sua perspectiva e seus pontos de vista; ou a
observação compreensiva, onde se descrevem suas ações no contexto natural de seus atores.
A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da perspectiva dos sujeitos, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida
em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode
tentar aprender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à
realidade que os cerca e às suas próprias ações (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 26).
Será analisado o desempenho dos alunos a partir dos dados dos pré e pós-testes,
além da análise das entrevistas individuais realizadas com as professoras e das anotações
obtidas a partir da observação participante nas duas escolas. A finalidade é propor uma
exposição dos dados reunidos a partir de uma investigação da realidade percebida ou
observada.
Para a fundamentação teórica, partimos de autores como Ferreiro e Teberosky
(1999), Soares (2003; 2012) e Freire (1989; 1987), que discutem como ocorre o processo de
alfabetização. Piaget (1976; 1996) defende a teoria interacionista em que a criança é capaz de
construir seu conhecimento a partir da interação com o meio. Ainda Saviani (2008) realiza um
mapeamento da educação no Brasil. Além desses autores, também serão utilizados
pesquisadores que fazem parte do comitê da criação do Programa de Alfabetização na Idade
Certa (PAIC), como Simonetti (2009) e a Secretária de Educação do Estado do Ceará (Seduc)
(2012), dentre outros pesquisadores, a fim de se esclarecer as perspectivas e fundamentação
do PAIC.
17
Acreditamos que esta pesquisa terá grande relevância não apenas para o meio
acadêmico, como também para os professores atuantes nas séries iniciais, ajudando-os na
compreensão do processo de alfabetização e melhorando os seus conhecimentos a respeito do
PAIC.
O trabalho está estruturado em quatro capítulos. O primeiro é denominado
“Alfabetização: mais que a aprendizagem da leitura e da escrita, um processo para exercer as
práticas sociais”, que propõe uma contextualização da história da alfabetização e de como
ocorre a aquisição da leitura e da escrita nos dias atuais. O segundo capítulo, “Programa de
Alfabetização na Idade Certa (PAIC)”, aborda a criação, a metodologia, as metas e os eixos
do programa para promover a alfabetização das crianças e melhorar os índices de
alfabetização no estado do Ceará. O terceiro capítulo, “Procedimentos metodológicos”,
explica quais foram os caminhos metodológicos utilizados para a concretização do trabalho. E
por fim, o último capítulo, “Resultados e Discussões”, levantam a descrição e a análise dos
dados coletados, almejando satisfazer os objetivos e questionamentos propostos.
18
2 ALFABETIZAÇÃO: MAIS QUE A APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA
ESCRITA, UM PROCESSO PARA EXERCER AS PRÁTICAS SOCIAIS
Aprender a ler e a escrever é aprender a ler o mundo,
compreender o seu contexto numa relação dinâmica
vinculando linguagem e realidade. E ser alfabetizado é
tornar-se capaz de usar a leitura e a escrita como meio
de tomar consciência da realidade e de transformá-la.
Paulo Freire
Partindo do pressuposto que a alfabetização é um processo complexo que pode ser
sinteticamente definido pela aquisição do código escrito e das técnicas de leitura e de escrita,
ao longo da história da humanidade, essa aprendizagem tornou-se cada vez mais importante
para a ascensão dos indivíduos ao meio social.
Através de uma breve análise do contexto em que se deu a generalização do
ensino da leitura e da escrita, é possível afirmar que sua expansão se iniciou no século XVIII,
na Europa, a partir da Revolução Industrial. Essa revolução se caracterizou pela substituição
do trabalho artesanal pelo trabalho assalariado por meio do uso das máquinas. Assim, as
transformações nos meios de produção gerou a necessidade de se oferecer algum tipo de
escolarização, mesmo que mínima, para capacitar os trabalhadores. O ensino se restringia as
técnicas de leitura e escrita, cuja aprendizagem implicava em alfabetizar as camadas
populares e prepará-las para o comando das máquinas.
Em vista disso, o Estado teve que assumir a responsabilidade de oferecer às
camadas populares uma escolarização básica para atender às necessidades de produção.
Anteriormente a esse período, poucos tinham acesso à educação e a principal instituição
responsável por oferecê-la era a Igreja católica. A proposta da igreja era que o ensino seria um
caminho para se chegar à salvação, utilizando-o, não obstante, como um instrumento de
manutenção de poder. Isso fez com que durante muito tempo a educação se restringisse
àqueles que podiam pagar, aos presbíteros e aos demais indivíduos ligados à congregação
católica.
Conforme Manacorda (1992), com a Revolução Industrial a percepção de
educação começou a mudar. Iniciou-se a busca pela universalidade, gratuidade, estatalidade e
renovação cultural, com o intuito de formar o indivíduo para que ele desenvolvesse as
habilidades profissionais e os valores culturais para exercer sua participação no meio social.
19
Neste sentido, o marco que implicou na disseminação da alfabetização foi a
Revolução Industrial que transformou as condições e as exigências da formação humana,
gerando a necessidade de criar um sistema estruturado de ensino com meios didáticos
aprimorados e que possibilitassem a alfabetização das massas. Foram desenvolvidas
diferentes técnicas e metodologias que auxiliariam na aquisição da leitura. As técnicas
inicialmente criadas tornaram-se conhecidas como “técnicas tradicionais de ensino”, e elas se
espalharam não só pela Europa, berço da Revolução Industrial, como por todos os outros
continentes.
No ponto de vista de Saviani (2008), os métodos tradicionais se caracterizavam
por técnicas de memorização. O ensino se iniciava por elementos mais simples para
progressivamente atingir o conhecimento mais complexo. Desse modo, gradativamente o
aluno iria adquirindo novos elementos de acordo com o ensino dado pelo professor. Esses
métodos tradicionais não consideravam o nível de maturidade dos alunos, cujo objetivo era
fazer com que o máximo de alunos adquirisse a leitura e a escrita, não importando suas
particularidades. O resultado desses métodos era que poucos conseguiam atingir o
conhecimento necessário para possibilitar a leitura e a escrita. Consequentemente, a busca por
metodologias foram evoluindo de acordo com as novas exigências sociais e um dos fatores
que influenciou nessas mudanças consistiu no reconhecimento da necessidade de um ensino
direcionado à criança e ao seu nível de maturidade.
Jean Jacques Rousseau (1712-1778) foi um dos filósofos que mais contribuiu para
criação de uma nova concepção de infância. Ele criou a obra “Emílio ou da Educação”, que
descrevia a vida de um menino chamado Emílio, mostrando como deveria ocorrer o
desenvolvimento do personagem com base em uma nova percepção de infância. O principal
intuito de Rousseau (1995) ao desenvolver essa obra foi criar uma espécie de ensaio
pedagógico como meio de reformular e dar um novo sentido à vida da criança, respeitando
suas necessidades específicas. Após a divulgação dessa nova concepção de infância, a ideia de
“adulto em miniatura” começou a desaparecer. Na história, o personagem Emílio é usado
como modelo para mostrar como se deve desenvolver a vida e o aprendizado infantil.
A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens. [...] A
infância tem maneiras de ver, de pensar e de sentir que lhes são próprias; nada é
menos sensato do que querer substituir essas maneiras pelas nossas, e para mim seria
a mesma coisa exigir que uma criança tivesse cinco pés de altura e que tivesse juízo
aos dez anos (ROUSSEAU, 1995, p. 86).
20
Portanto, Rousseau (1995) despertou na sociedade da época a importância de se
pensar na formação dos indivíduos a partir de sua infância, refletindo que a criança de hoje
será o adulto de amanhã e, consequentemente, sua formação implicará em sua atuação no
meio social, político, econômico e cultural no futuro. O filósofo afirma que o “tempo
pedagógico” nada mais é que utilizar o tempo a favor da criança, pois se ela precisa brincar,
que brinque, e que cada coisa deve vir a seu tempo e é importante que se respeite isso. Dessa
maneira, as contribuições de Rousseau para a educação e para o conceito de infância foram
muitas, mas, fundamentalmente, destacam-se os seguintes aspectos:
A descoberta da infância como idade autônoma e dotada de características e finalidades especificas, bem diversas das que são próprias da idade adulta; [...] O elo
entre motivação e aprendizagem colocado no centro da formação intelectual e moral
de Emílio e que exige partir sempre, no ensino de qualquer noção, da sua utilidade
para a criança e de uma referência precisa a sua experiência concreta; [...] a atenção
dedicada a antinomia e a contraditoriedade da relação educativa, vista por Rousseau
ora como orientada decididamente para a antinomia ora como necessariamente
condicionada pela heteronímia; entre liberdade e autoridade não há exclusão, mas
apenas uma sutil e também paradoxal dialética (CAMBI, 1999, p. 346).
Essas reflexões permitiram que houvesse a criação de uma educação que
facilitasse o desenvolvimento infantil. Em vista disso, Rousseau (1995) foi muito importante
para a criação de novos planejamentos e metodologias de ensino, influenciando o pensamento
e as práticas escolares sobre a importância de se desenvolver uma didática que leve em conta
como e para quem ensinar. Por conseguinte, a didática passou a estar subordinada às questões
psicológicas das crianças e de suas etapas de desenvolvimento. Baseado nesse entendimento,
a escolha dos instrumentos de ensino tornou-se fundamental. Posteriormente, com essas novas
concepções, de infância e de didática e o surgimento da Psicologia Genética, houve um
grande aumento nos estudos relacionados à compreensão de como o conhecimento é
construído pela criança.
De tal modo, por volta de 1920, o pesquisador Jean Piaget (1896-1980)(1976)
desenvolveu a teoria cognitivista2 com o intuito de delinear como ocorre o aprendizado
infantil. Através de experimentos e observações com crianças em plena fase de
desenvolvimento, o pesquisador tentou compreender como a criança adquire novos
conhecimentos, explicando como a inteligência humana se desenvolve a partir do princípio da
interação entre sujeito e objeto. Essa teoria, apesar de não ser pedagógica, e sim
psicogenética, possibilitou a compreensão de como as crianças aprendem, auxiliando também
2 Alguns autores utilizam o termo construtivista, epistemológica para se referir a teoria de Jean Piaget.
21
na ação pedagógica. Os professores costumam utilizar o conhecimento sobre a teoria
cognitivista para desenvolver estratégias e estímulos que possibilitem maiores oportunidades
de aprendizado. Além disso, o conhecimento dessa teoria contribui para a criação de novas
metodologias que respeitem o nível de desenvolvimento dos alunos.
Perante o que foi discutido, resolvemos analisar como se deu a origem e as
influências dos métodos de alfabetização no Brasil e quais são as atuais metodologias
utilizadas para possibilitar a aquisição da leitura e da escrita e o uso desse aprendizado nas
práticas sociais.
1.1 ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO BRASILEIRO: MÉTODOS DE
ALFABETIZAÇÃO
Para compreender como se deu a expansão dos métodos de alfabetização no Brasil
e seus reflexos para nossas atuais metodologias, realizamos uma cartografia sobre a inserção e
a evolução dos métodos usados. Vale ressaltar que a escolarização no Brasil ocorreu
tardiamente, implicando numa maior dificuldade em alfabetizar a população. Ademais, não
houve qualquer preparação pedagógica ou sistema educacional estruturado que possibilitasse
a universalidade e a qualidade do ensino. Como consequência, a oferta da alfabetização se deu
de forma precária e, os resquícios dessa precariedade, ainda refletem-se nos dias atuais.
De acordo com Saviani (2008), no contexto brasileiro, são diversos os fatores
apontados como causas da má educação e dos altos índices de analfabetismo no país, tais
como: a estrutura tardia de um sistema educacional organizado; a importação de métodos e
técnicas de alfabetização de outros países com outros contextos sociais; a mistura de
tendências educativas; a falta de um plano que atenda às necessidades educacionais de nossa
população, dentre outros.
Discutiremos a seguir quais foram os métodos utilizados por nossas escolas no
período de expansão do ensino. Vale dizer, que nesse período, havia poucas escolas no Brasil.
Inicialmente, o primeiro método de alfabetização começou a ser utilizado por volta de 1875,
conhecido como método de soletração ou sintético, que se baseava no uso de cartilhas de
ABC. Essas primeiras cartilhas foram criadas por professores paulistas e fluminenses.
Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha sintética (da
parte para o todo): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico
22
(partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons),
partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a
apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético), ou de seus
sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método da silabação), sempre de
acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Posteriormente, reunidas as letras
ou os sons em sílabas, ou conhecidas às famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras
formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim, ensinavam-se frases
isoladas ou agrupadas. Quanto à escrita, esta se restringia à caligrafia e ortografia, e
seu ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto
das letras (MORTATTI, 2000, p. 12).
O caminho sintético correspondia ao ensino do simples para o complexo, no qual
a criança aprende as letras, depois as sílabas, as palavras, frases e, finalmente, o texto
completo. Esse método não era considerado a metodologia adequada para a aprendizagem da
criança, que muitas vezes, prosseguia sem compreender as instruções. Caracterizava-se por
procedimentos técnicos e de memorização sem fazer relação com os sons da fala, tornando o
aprendizado sem sentido.
O método sintético foi subdividido em: soletração, o aluno aprendia inicialmente
as letras, depois as juntava para formar as sílabas, depois as palavras e o texto; fônico ou
fonético, o aluno partia do som das letras, unindo os sons de consoantes e vogais para
pronunciar as sílabas; e, por fim, o silábico, que caracterizava-se pela aprendizagem inicial
das sílabas para formar as palavras.
[...] o objetivo básico é ensinar a criança o código mediante o qual nossos sons são
convertidos em letras ou grafemas e vice-versa. A principal vantagem do método é
que, uma vez adquirido o código fonográfico, é possível interpretar todas as palavras
escritas das que tenhamos conhecimento oral, e as rigorosamente novas podem ser decifradas e seu significado indagado posteriormente. No entanto, este método
separa, inicialmente, e durante um tempo variável, a leitura e o significado, um
problema que sempre causou preocupação (COLL, PALACIOS, MARCHESI, 1995,
p. 117).
Em 1883, sob influência de Portugal, a Escola Normal de São Paulo adotou a
Cartilha Maternal criada pelo poeta português João de Deus. Para Mortatti (2000), esse foi um
marco para a história da alfabetização no Brasil. A Cartilha Maternal, consistia no ensino da
leitura pela palavra, para depois analisá-la segundo os valores fonéticos das letras, conhecido
também como método da palavração. O uso dessas cartilhas serviu de referência para a
criação de várias outras cartilhas, gerando uma disputa entre o método sintético (soletração,
fônico e silabação) e o método João de Deus (ensino da leitura a partir da palavra).
Esse período ocorreu após o final do império, quando o ensino era bastante
desorganizado. Uma minoria da população tinha acesso à escolarização e, os que tinham
23
acesso apresentavam muitas dificuldades em se alfabetizar pela falta de condições materiais,
estruturais e de pessoas capacitadas a ensinar. As turmas eram numerosas, compostas por
alunos de faixa etária diferente, tornando o processo de aprendizagem ainda mais difícil de ser
alcançado.
Por volta de 1900, surgiu na Europa um novo método de alfabetização, o método
analítico. Frade (2007) assegura que esse método consistia no ensino da leitura a partir de
palavras, frases e textos, no qual o objetivo seria promover nos alunos a compreensão de
como ocorre essa aprendizagem. No Brasil, o método analítico, juntamente com a reforma
positivista, influenciou a disseminação do ensino público no estado de São Paulo, com uma
proposta de educação moderna, em que os professores teriam maior autonomia didática, com
a distribuição de livros nas escolas públicas.
Para utilizar as técnicas de leitura e de escrita na perspectiva do método analítico,
foram introduzidas no Brasil as historietas, que são pequenos textos em forma de contos ou
poemas, que pretendiam chamar a atenção das crianças e despertar o interesse pelo universo
da leitura, e assim, facilitar a compreensão da escrita. A utilização das historietas envolvia a
compreensão global do texto, primeiro fazendo uma leitura de compreensão, para então serem
analisadas as sentenças, orações, palavras e sílabas.
O caminho sintético tem seu ponto de partida no estudo dos elementos da língua –
letra, fonema, silaba. E considera o processo da leitura como esquema somatório:
pela soma dos elementos mínimos – fonema ou silaba -, o aprendiz aprende a palavra. Pela somatória das palavras, a frase e o texto. O caminho analítico parte dos
elementos de significação da língua – palavra, frase, conto. E por uma operação de
analise, a palavra é segmentada em seus elementos mínimos: fonema ou a silaba. As
duas abordagens se opõem nitidamente quanto ás operações básicas que envolvem:
síntese e analise. Mas as duas tem um acordo em comum: para aprender a ler, a
criança tem de estabelecer uma correspondência entre som e grafia. Tanto para uma
como para a outra, esta correspondência é a chave da leitura. Ou seja, a criança
aprende a ler oralizando a escrita (BARBOSA, 2013, p. 53).
Barbosa (2013) ainda afirma que, no Brasil, por muito tempo houve uma
discussão entre partidários do método sintético e partidários do método analítico. Em um
determinado período, o estado de São Paulo determinou a obrigatoriedade do método analítico
nas escolas, mas como os professores tiveram grandes dificuldades em aplica-lo em sua
prática cotidiana, ficou determinado, em 1920, que haveria liberdade na escolha e no uso do
método.
De tal modo, iniciou-se uma verdadeira miscelânea entre os métodos analíticos e
sintéticos, como forma de criar uma maneira harmônica no processo de aquisição de leitura e
24
de escrita. O método misto ou eclético que mesclava as duas tendências, analíticas e
sintéticas, passou a ser utilizado como a principal forma de alfabetizar, a partir da
decomposição de palavras e letras, com base vivencial, explorando o significado das palavras.
O professor-alfabetizador poderia, com base na palavra, compor frases e finalmente formar os
textos, para novamente decompô-lo em frases, palavras e sílabas, destacando partes, palavras
e sílabas importantes. Portanto, o aprendizado por meio do método eclético se dava da
seguinte forma: a escrita e as habilidades caligráficas e ortográficas deveriam ser aprendidas
pela aquisição da habilidade de leitura. O ensino era dado basicamente através do uso de
cartilhas, que ensinavam letras, sílabas, palavras e continham pequenos textos.
No método eclético, as cartilhas apresentavam orientações tanto do método
analítico quanto do sintético, partindo de palavras-chave que seriam decompostas em sílabas,
formando-se novas palavras com essas sílabas decompostas. As cartilhas passaram a ser o
principal instrumento de ensino e de orientação metodológica para o professor e não eram
ainda elaboradas conforme o nível de desenvolvimento dos alunos, o que continuava a
implicar nas dificuldades de aquisição.
De acordo com Barbosa (2013, p. 73), “o ensino era repetitivo, cumulativo e
homogêneo e o único objetivo das cartilhas era colocar em evidência a estrutura da língua
escrita sem muitos significados”. Ele explica que nos países desenvolvidos não há dúvida que
essas técnicas tradicionais de ensino alfabetizaram. Entretanto, nos países de economia
periférica, os problemas de analfabetismo não foram solucionados com essas mesmas
técnicas. Comprovadamente, o analfabetismo está intrinsicamente ligado à pobreza, à miséria.
A escola, quase sempre, atua com seletividade, não proporcionando a todos um ensino de
qualidade, o que aumenta a evasão escolar e a má formação da população.
Após 1950, vários educadores brasileiros se colocaram contra o uso dos métodos
tradicionais. Um dos principais críticos foi o educador Paulo Freire (1921-1997). No período
de 1960, ele propôs um método de alfabetização que partia das particularidades de nosso país
e das vivências dos educandos. A criação desse método surgiu como forma de tentar
revolucionar a alfabetização e diminuir os altos índices de analfabetismo. Sua proposta era
deixar de lado as cartilhas descontextualizadas que em nada contribuíam para a formação do
sujeito.
Assim, Freire (1987a) colaborou para a criação de uma identidade educativa no
Brasil através de uma proposta inovadora de alfabetização que partia do contexto, da vida
prática dos sujeitos e da sua experiência, propondo uma reflexão sobre o valor desse processo
para nossa liberdade e emancipação. Para este educador, a educação deve possibilitar ao
25
homem a discussão corajosa de sua problemática e de sua inserção nesta problemática, “a
educação deve ser, acima de tudo, uma tentativa constante de mudanças de atitude” (FREIRE,
1987a, p. 94).
O processo de alfabetização não diz respeito somente à aquisição do alfabeto e à
codificação e decodificação de palavras. Vai muito além, devendo ser visto como
possibilidade de libertação do homem, no qual a capacidade de interpretar, compreender e
produzir conhecimento devem ser as principais finalidades.
Como todo bom método pedagógico, não pretende ser método de ensino, mas sim de
aprendizagem; como ele, o homem não cria sua possibilidade de ser livre, mas
aprende a efetivá-la e exercê-la. A pedagogia aceita a sugestão da antropologia,
impõem-se, pensa e vive a educação como prática da liberdade (FREIRE, 1987A,
p 18).
Logo, a alfabetização deixa de ser apenas um processo pedagógico para tornar-se
um ato de conscientizar, e foi, a partir desse pressuposto, que ele criou o “método de
conscientização”, que tem o objetivo de promover a alfabetização e a conscientização dos
sujeitos. Os conteúdos devem ser retirados do contexto dos educandos com a proposta de
investigar e criar temas geradores que envolvam problemas e situações presentes na
sociedade, através de uma metodologia dialógica e conscientizada, na qual será possível
propor soluções plausíveis para os problemas vivenciados, conscientizando os educandos
sobre sua existência, humanização, história e relações existentes na sociedade.
A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como
sujeito de seu pensar. E seu pensar é magico ou ingênuo, será pensado o seu pensar,
na ação, que ele mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de consumir
ideias, mas no de produzi-las e de transforma-las na ação e na comunicação (FREIRE,
1987a; p. 101).
A proposta de Freire (1987a) se fundamenta em três etapas que se complementam
para se tornar um todo conscientizado. Primeiro, deve-se iniciar a etapa da investigação em
que alunos e professores devem buscar no contexto dos alunos, palavras e temas de suas
experiências. Posteriormente, começar a etapa da tematização, na qual codificam e
decodificam esses temas, buscando seu significado social, tomando consciência do mundo
vivido. Por fim, a etapa da problematização, em que os alunos e professores devem superar e
buscar soluções para os problemas refletidos, tomando um posicionamento crítico de modo a
mudar suas ações para tentar transformar a sociedade. Depois dessas etapas, as palavras são
codificadas e decodificadas de modo que as sílabas formem novas palavras.
26
A metodologia de Freire (1987a) adota o aprendizado pelo uso de palavras e
temas geradores e que estão presentes na vida dos educandos. Por isso, sua prática é tão
importante para a alfabetização de jovens e adultos, pois sai da esfera descontextualizada de
propostas metodológicas tradicionais, para entrar na discussão das experiências e da vida dos
próprios sujeitos. O principal interesse do educador é despertar nas camadas populares a
iniciativa em participar da sociedade, reconhecendo-se como sujeito que faz parte do meio,
com deveres e direitos, a fim de atingir o nível da consciência crítica.
Segundo Freire e Macedo (1990), a grande dificuldade para alfabetizar as pessoas
está nas instituições educadoras, que oferecem programas de alfabetização predeterminados e
preestabelecidos, calando a voz dos sujeitos e não levando em consideração suas experiências
e seu ambiente cultural. Desse modo, eles propõem a conscientização e a quebra desses
programas de alfabetização preestabelecidos, que priorizam o modelo de alfabetização
mecânica, menosprezando a cultura e o discurso popular.
Freire (1987b) estabelece que a educação tornou-se um ato de depositar, em que
os educandos são os depositários e o educador, o depositante. Na visão “bancária” da
educação, o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação
que se funda numa manifestação instrumental da ideologia da opressão – absolutização da
ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se
encontrará sempre no outro.
Ao contrário da bancária, a educação problematizadora, respondendo à essência do
ser da consciência, que é sua intencionalidade, nega os comunicados e existência a
comunicação. Identifica-se com o próprio da consciência que é sempre ser
consciência não apenas quando se intenciona a objetos, mas também quando se volta
sobre si mesma, no que Jaspers chama de cisão. Cisão que a consciência é
consciência de consciência (FREIRE, 1987b, p. 67).
Consequentemente, o ato de educar deixaria de ser um ato de depositar para ser
um ato consciente de problematizar e libertar, através do diálogo entre o educador e o
educando. “O educador não é apenas o que educa, mas o que enquanto educa, é educado, em
diálogo com o educando. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem
juntos” (FREIRE, 1987b, p. 68). Assim, o educador deve ser um humanista, revolucionário e
sua ação deve se identificar com a dos educandos, orientando-se na humanização de ambos.
Soares (2013) garante que Freire criou muito além de um método. Ele criou
uma concepção de alfabetização, que gerou também uma nova concepção de educação, a
educação como prática de liberdade, como conscientização. Uma concepção de alfabetização
27
que democratiza a cultura e que reflete o mundo em que vive o homem e suas relações
sociais. Esse processo dialógico tem o dever de transformar as relações sociais em que se
alfabetiza, tornando alunos e professores iguais para refletir a sociedade como um todo.
Apesar de suas pesquisas e seu método de alfabetização se direcionar mais à alfabetização de
jovens e adultos, ele inovou a concepção de alfabetização, auxiliando também na criação de
metodologias que possibilite à criança aprender a partir de suas experiências e socialização.
De tal modo, compreender o método de Paulo Freire e seus processos de ensino e de
aprendizagem é importante para que estes também se insiram nas atuais práticas de educação.
No tópico seguinte veremos quais são as principais concepções que influenciam
as novas metodologias de alfabetização, considerando pesquisas desenvolvidas no final do
século XX, que ainda são usadas por nossos programas educacionais para, compreender como
ocorre o aprendizado da criança, e o que pode ser feito para facilitar o processo de aquisição
de leitura e de escrita.
1.2 ALFABETIZAÇÃO NO SÉCULO XXI: NOVAS CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS
Diante das críticas, as técnicas tradicionais de ensino, dos altos índices de
analfabetismo e das novas transformações tecnológicas impostas pelo mundo globalizado, o
final do século XX foi marcado pelo desenvolvimento de diversas pesquisas na área da
educação. O intuito era encontrar meios para facilitar a aquisição da leitura e da escrita, e
assim, diminuir as altas taxas de analfabetismo que atinge não só o Brasil, como também,
outros países. Desse modo, para compreendermos as atuais metodologias de aquisição de
leitura e de escrita, é necessário entendermos as pesquisas iniciadas no final do século XX,
que em muito contribuíram para a construção das ações pedagógicas utilizadas atualmente.
Como vimos, a maior parte das técnicas utilizadas no século XX esteve ligada aos
métodos tradicionais que se fundamentam na epistemologia associacionista3, teoria que
propõe que as crianças aprendem a partir de estímulos e a cada nova etapa elas apresentam
determinados resultados de aprendizagem como respostas aos estímulos recebidos. O ensino
se baseava em progressão, em que a criança ia superando etapas até conseguir chegar ao
aprendizado esperado. Contudo, após o surgimento da Psicologia Genética e as contribuições
de Jean Piaget, a aprendizagem ganhou um novo sentido, na qual a criança passou a ser vista
3 O associacionismo foi criado por Edward Lee Thorndike e é resultante de um processo de associação de ideias,
das mais simples às mais complexas, resultando assim nas diversas ações humanas.
28
como sujeito de sua aprendizagem, sendo capaz de construir e organizar seu conhecimento. A
partir dessa nova perspectiva, houve uma revolução e uma diferenciação entre o método de
ensino e o processo de aprendizagem, tendo a pedagogia o dever de reestruturar o método de
ensino com base no processo de aprendizagem.
[...] o aprendiz é sujeito da aprendizagem, não mais objeto de ensino, pois é da
interação entre processos internos (do sujeito) e processos externos (do ensino) que ocorre a aprendizagem (e não pelo acréscimo mecânico de uma nova informação
fornecida pelo ensino). [...] No caso da aprendizagem da leitura e da escrita, a teoria
cognitivista permite recolocar o problema do método, pois a aprendizagem é vista
não mais como uma aquisição mecânica de capacidade perceptiva, mas como uma
atividade cognitiva, centrada na construção de um conhecimento. Enquanto nas
teorias associonistas o sujeito da aprendizagem é um sujeito passivo, que recebe o
ensino e aprende, nas abordagens cognitivas é um sujeito ativo que age sobre o
conhecimento, apropriando-se do objeto a ser aprendido (BARBOSA, 2013, p. 87).
As pesquisadoras Ferreiro e Teberosky (1999), inspiradas pela teoria de Piaget,
criaram uma nova concepção de como as crianças adquirem a escrita. Elas apresentaram a
teoria “Psicogênese da língua escrita”, que descreve como a criança adquire as habilidades de
leitura e de escrita em níveis de desenvolvimento. Essa abordagem linguística influencia
ativamente nas atuais práticas de ensino e na ação pedagógica, reconhece a criança como
sujeito capaz de construir seu conhecimento a partir das interações sociais e experiências
práticas. Através de um processo dinâmico, ativo e reflexivo que a alfabetização deixa de ser
vista como uma técnica a ser dominada para tornar-se um processo contínuo de
aprendizagem, em que o próprio sujeito organiza seu conhecimento com base nas suas
interações com o meio.
De acordo com Ferreiro e Teberosky (1999), o modelo tradicional de ensino
possui propostas mecânicas e voltadas para a aquisição de técnicas de codificação e
decodificação de palavras, tirando da leitura seu significado social. As pesquisadoras mostram
que essas práticas pedagógicas estão fundamentadas em concepções psicológicas
associacionistas. Elas defendem a proposta cognitivista, pois acreditam que a criança pode
estruturar seu conhecimento partindo da interação. Portanto, a proposta da Psicogênese é
totalmente contrária ao modelo tradicional. Ao invés da criança esperar passivamente pelo
estímulo externo, ela passa a ser ativa, formulando hipóteses, agindo e estruturando seu
conhecimento, e não apenas imitando o modelo adulto.
Ferreiro (2011) afirma que a alfabetização é um processo que evolui
historicamente, não devendo apenas estar centrado na codificação e decodificação do sistema
escrito, deve-se respeitar o processo de simbolização que a escrita representa, tomando
29
consciência que a criança é capaz de perceber e produzir conhecimento sobre a leitura e a
escrita a partir de sua interação. Contudo, vale esclarecer que o construtivismo não é um
método de ensino, pois alguns educadores têm essa concepção equivocada sobre o
construtivismo no ambiente escolar. O construtivismo não deve ser visto como um método e
sim como uma teoria sobre o conhecimento, que auxilia na compreensão de como ocorre o
desenvolvimento cognitivo da criança e quais processos ela é capaz de efetuar para realizar
sua aprendizagem, auxiliando, assim, a prática pedagógica.
Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de
aprendizagem da criança (sujeito cognoscente), o construtivismo se apresenta não
como um método novo, mais como uma revolução conceitual, demandando, dentre
outros aspectos, abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o
processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas (MORTATTI,
2006, p. 10).
Por consequência, essa teoria possibilitou o reconhecimento de que a escrita é um
objeto de conhecimento na qual a criança é o sujeito cognoscente, tornando o método um
instrumento que pode facilitar e auxiliar na aprendizagem, mas não pode criá-lo, pois o
próprio sujeito é quem constrói sua aprendizagem, com base na sua interação. Mediante isto, a
aquisição da leitura e da escrita não pode se restringir ao uso de um método eficaz. Amplia-se
para a compreensão de como a criança estrutura e desenvolve o conhecimento; as condições
necessárias para que haja a aprendizagem, como: um ambiente favorável, a diversificação dos
materiais, os estímulos recebidos, a interação com os objetos e a mediação do professor.
Essa informação possibilitou que Ferreiro e Teberosky (1999) realizassem um
mapeamento da aprendizagem e do sistema escrito com o intuito de melhorar a compreensão
do processo que leva à alfabetização, através de concepções de hipóteses de escrita. Com base
no acompanhamento as crianças que estavam desenvolvendo o processo de alfabetização,
Ferreiro e Teberosky (1999) concluíram que para alfabetizar a criança, passa-se por níveis de
escrita, descrevendo-os da seguinte forma:
- Nível Pré-Silábico: nível em que a criança não faz nenhum tipo de
correspondência sonora entre grafema e fonema. “Escrever é reproduzir os trações típicos da
escrita que a criança identifica como a forma básica da mesma” (FERREIRO e
TEBEROSKY, 1999, p. 193). Nesta etapa, é característica que a escrita se assemelhe, mesmo
que a criança as considere como sendo diferentes. É comum também que a criança associe o
tamanho da escrita com o tamanho do objeto, ou seja, quanto maior o objeto, maior será a
escrita que corresponde a seu nome.
30
De acordo com Kato (2010), Ferreiro dividiu o nível pré-silábico em quatro
categorias: a categoria “A” abrange as seguintes subcategorias: grafismo primitivo, escrita
unigráfica e escrita sem controle de quantidade; a categoria “B” corresponde às “escritas
fixas”, que consiste em uma mesma série de letras numa mesma ordem e que podem
representar diferentes palavras; a categoria “C” representa “escritas diferenciadas”, que tem
como subcategoria: repertório fixo com quantidades diferentes; quantidade constante com
repertorio fixo parcial; quantidade variável com repertório fixo parcial; quantidade constante
com repertório variável; quantidade variável e repertório variável; a categoria “D” representa
“escrita diferenciada com valor sonoro inicial”.
- Nível Silábico: a criança já começa a perceber a correspondência da palavra com
o som. Ao ouvir a palavra, ela reconhece o som de algumas letras, geralmente as vogais,
escrevendo a palavra. Ex.: ao pedir que a criança escreva a palavra gato, normalmente ela
escreverá AO.
Este nível está caracterizado pela tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a escrita. Nesta tentativa, a criança passa por um período de
maior importância evolutiva: cada letra vale por uma sílaba. E o surgimento do que
chamaremos a hipótese silábica (FERREIRO E TEBEROSKY, 1999, p. 209).
- Nível silábico-alfabético: neste estágio, cada sílaba corresponde a um som, mas
ainda há erros e falhas ortográficas. Ferreiro e Teberosky (1999) afirmam que esse estágio
representa a passagem da hipótese silábica para a alfabética, pois:
[...] a criança abandona a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma
analise que vá mais além da silaba pelo conflito entre a hipótese silábica e a
exigência de quantidade mínima de granas (ambas exigências puramente internas, no
sentido de serem hipóteses originais da criança) e o conflito entre formas gráficas que o meio lhe propõe e a leitura dessas formas em termos de hipóteses silábica
(conflito entre uma exigência interna e uma realidade exterior ao próprio sujeito)
(FERREIRO E TEBEROSKY, 1999, p. 214).
- Nível Alfabético: a escrita passa a ser organizada conforme a correspondência
grafema e fonema, portanto, a criança compreende que a sílaba não pode ser uma unidade e
que a escrita necessita de uma análise fonética das palavras. “A partir desse momento, a
criança se defrontará com as dificuldades próprias da ortografia, mas não terá problemas de
escrita no sentido estrito” (FERREIRO e TEBEROSKY 1999, p. 219).
Logo, as contribuições de Ferreiro e Teberosky (1999) permitiram refletir sobre
como a criança desenvolve sua escrita, possibilitando também, a criação de novos estudos
31
sobre a compreensão do processo de aquisição da leitura e da escrita, criando novas
concepções metodológicas que possam facilitar a aquisição da alfabetização.
No mesmo período em que as pesquisas de Ferreiro começaram a influenciar os
pesquisadores brasileiros, também se iniciaram estudos a respeito da aquisição da
alfabetização vinculadas ao exercício das práticas sociais. Surgindo, assim, o Letramento,
termo este que está muito presente nas propostas curriculares de alfabetização do Brasil. A
seguir, veremos a definição, o surgimento e a necessidade de aliar o processo de alfabetização
ao letramento.
1.2.1 Letramento: a leitura e a escrita como instrumentos para o exercício das práticas
sociais
As atuais demandas sociais exigem dos indivíduos uma maior formação e
compreensão atualizada da realidade. Essas novas exigências necessitam constantemente de
metodologias de alfabetização para que, desde a infância, o indivíduo tenha uma formação
eficaz, de modo a exercer seu conhecimento. Neste sentido, a sociedade de hoje tem as
habilidades de leitura e de escrita como um instrumento de obtenção de conhecimento para
exercer as práticas sociais e dominar os meios de informação necessários ao êxito do homem
contemporâneo.
Para acompanhar as constantes transformações tecnológicas que influenciam
diretamente nas mudanças da sociedade, é necessário ter um conhecimento relevante sobre
práticas de leitura e de escrita, que nos torna mais aptos a compreender, interpretar e produzir
conhecimento. Assim, podemos afirmar que essas transformações fizeram com que a
alfabetização ganhasse uma maior relevância, tanto na dimensão individual quanto na
dimensão social, fazendo com que o processo de alfabetização não se limitasse à aquisição do
código escrito e às habilidades de codificação e decodificação de palavras. Estendendo esse
conhecimento a um vasto conjunto de novos saberes ligados à linguística, à cognição e à
metacognição, o uso das habilidades motoras, intelectuais e sociais.
Com o intuito de acompanhar as inovações tecnológicas e o processo de
globalização, países buscaram, a partir de políticas públicas, ampliar e melhorar a educação,
de modo a garantir a alfabetização das camadas populares, para que assim eles pudessem
acompanhar as transformações tecnológicas e colaborar com o desenvolvimento social.
32
No Brasil, a necessidade de melhorar a educação foi marcada principalmente
pelos altos índices de analfabetismo, pois boa parte da população era considerada analfabeta,
impossibilitada de exercer seus deveres e direitos de cidadão, sem acesso ao conhecimento e
aos bens culturais. Dessa maneira, o analfabetismo impede que os sujeitos se apropriem das
informações, limitando a comunicação com o mundo e criando barreiras profissionais, pois
impede que o sujeito compreenda e produza conhecimentos necessários para facilitar o
exercício das práticas sociais. Diante disso, houve o surgimento de pesquisas que colaboraram
não só para questão da aquisição da técnica da escrita como da inserção das habilidades da
leitura e da escrita nas práticas sociais. Inicialmente, foi criado um conceito contrário ao
termo analfabetismo, o alfabetismo, que quer dizer condição de se estar alfabetizado.
Do ponto de vista social, o alfabetismo não é apenas, essencialmente, um estado ou
condição pessoal; é, sobretudo, uma prática social: o alfabetismo é o que as pessoas
fazem com as habilidades e conhecimentos de leitura e escrita, em determinado
contexto, e é a relação estabelecida entre essas habilidades e conhecimentos e as
necessidades, os valores e as práticas sociais. Em outras palavras, o alfabetismo não se
limita pura e simplesmente à posse individual de habilidades e conhecimentos;
implica também, e talvez principalmente, em um conjunto de práticas sociais associadas com a leitura e a escrita, efetivamente exercidas pelas pessoas em um
contexto social especifico (SOARES, 2013, p. 33).
Para tanto, esse termo pouco é utilizado no meio social, principalmente após o
surgimento do termo “letramento”, que vem da palavra inglesa literacy, e que tem a mesma
conotação da palavra alfabetismo. Para Tfouni (1995), a necessidade de se falar em
letramento surgiu pela tomada de consciência de pesquisadores, principalmente linguistas, de
que havia algo além da alfabetização, mais amplo. A autora defende o letramento como um
processo sócio-histórico, embora atualmente exista uma polissemia de conceitos relacionados
a esse termo.
Para a realização de nosso estudo, resolvemos utilizar o conceito de letramento
proposto por Soares (2012), que afirma que a palavra letramento é tradução da inglesa
literacy, que por sua vez vem do latim, littera (letra), com o sufixo -cy, que significa
qualidade, condição. Portanto, “literacy é o estado que assume aquele que aprende a ler e a
escrever. Implícito nesse conceito está a ideia de que a escrita traz consequências sociais,
culturais, políticas, econômicas, cognitivas e linguísticas para o grupo social em que seja
introduzido” (SOARES, 2012, p. 17).
Soares (2004) defende que a concepção de letramento na língua portuguesa é
resultado da ação do ensino da leitura e da escrita e a nova condição que o indivíduo ou grupo
33
social passa a ter ao se apropriar desse conhecimento. Desse modo, a palavra letramento
passou a ser usada para se referir à condição de se estar alfabetizado (alfabetismo), que
contraria o conceito expresso na palavra analfabetismo, representado por aqueles que não
dominam o uso da leitura e da escrita. A compreensão de pesquisadores e linguistas sobre o
letramento concluiu que a concepção de letramento vai além da alfabetização. Kleiman (2008,
p. 15) afirma que “o letramento passou a ser usado nos meios acadêmicos como tentativa de
superar os estudos sobre o impacto da escrita dos estudos sobre a alfabetização, cujas
conotações destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita”.
Logo, para o letramento não basta apenas saber ler e escrever, é necessário saber
utilizar corretamente as habilidades da leitura e da escrita na contemporaneidade,
compreendo-o como um processo sócio-histórico que se transforma junto com a sociedade.
Entretanto, Soares (2012) assevera que é preciso haver condições para o letramento, pois este
está relacionado diretamente com as condições sociais, culturais e econômicas de um país.
Segundo a autora, faz-se necessário uma escolarização real e efetiva da população. Os
projetos educacionais não podem se restringir ao ensino do ler e escrever, isso seria apenas
alfabetizar, sobretudo, é fundamental fazer com que os indivíduos façam uso de suas
habilidades em suas práticas sociais, oferecendo-lhes oportunidades e materiais de leitura para
isso.
Nessa conjectura, a escola torna-se um importante instrumento para promover o
letramento e o uso dessas habilidades. De acordo com Kleiman (2008), a escola é uma das
agências de letramento que deve possibilitar os saberes necessários para que os sujeitos se
introduzam formalmente no mundo da escrita, tornando o letramento um conjunto de práticas
com objetivos específicos e em contextos específicos.
Para Soares (2012), a escola passou a ser a principal responsável em oferecer as
habilidades de alfabetização, de letramento, de conhecimento, das crenças e dos valores
necessários à formação dos cidadãos. Porém, a concepção de letramento dada pela escola está
longe da concepção real que essa palavra expressa. Esse conceito foi fragmentado e reduzido
pela escola, submetendo-o a um sistema burocratizado que torna o processo
descontextualizado das práticas reais da escola.
Em vista disso, é necessário que a escola defina o letramento, aproximando-o o
máximo de seu significado real, contextualizando com a realidade dos alunos e daqueles que
fazem parte dela. Soares (2003) propõe que as escolas utilizem os seguintes objetivos para
promover o letramento:
34
Promover práticas de oralidade e de escrita de forma integrada, levando os alunos a
identificar as relações entre oralidade e escrita; Desenvolver as habilidades de uso da
língua escrita em situações discursivas diversificadas em que haja: - motivação e
objetivo para ler textos de diferentes tipos e gêneros e com diferentes funções; -
motivação e objetivo para produzir textos de diferentes tipos e gêneros, para
diferentes interlocutores, em diferentes situações de produção; Desenvolver as
habilidades de produzir e ouvir textos orais de diferentes gêneros e com diferentes
funções, conforme os interlocutores, os seus objetivos, a natureza do assunto sobre o
qual falam ou escrevem, o contexto, enfim, as condições de produção do texto oral
ou escrito; Criar situações em que os alunos tenham oportunidades de refletir sobre
os textos que lêem, escrevem, falam ou ouvem, intuindo, de forma contextualizada, a gramatica da língua, as características de cada gênero e tipo de texto, o efeito das
condições de produção do discurso na construção do texto e de seu sentido;
Desenvolver as habilidades de interação oral e escrita em função e a partir do grau
de letramento que o aluno traz de seu grupo familiar e cultural, uma vez que há uma
grande diversidade nas práticas de oralidade e no grau de letramento entre os grupos
sociais a que os alunos pertencem – diversidade na natureza das interações orais e na
maior ou menor presença de praticas de leitura e de escrita no cotidiano familiar e
cultural dos alunos (SOARES, 2003, p.15).
A autora sugere que a escola utilize atividades que possam consolidar esses
objetivos, incentivando o desenvolvimento dos alunos e o uso de suas habilidades, fazendo-os
refletir sobre aquilo que eles leem e produzem. Essas atividades podem ser iniciadas em
processos simples, mas que sejam contínuas até atingir maior nível de complexidade.
Segundo Soares (2012), para promover atividades que envolvam alfabetização e
letramento é indispensável reconhecer que há diferenças entre os dois processos. A
alfabetização diz respeito à aquisição do sistema convencional de escrita, e o letramento deve
ser entendido como o uso e o desenvolvimento das habilidades competentes de leitura e de
escrita em práticas sociais. Eles se diferem tanto no objeto do conhecimento, quanto na
relação dos processos cognitivos e linguísticos de aprendizagem.
Todavia, não se pode negar que mesmo tendo conceitos distintos, os dois
processos devem ocorrer conjuntamente por serem indissociáveis.
A alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de
leitura e de escrita e por meio dessas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e
por meio de atividades de letramento, este, por sua vez, só pode desenvolver-se na
dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita (SOARES, 2004, p.
97).
Assim, a autora mostra-se a favor da metodologia do alfabetizar letrando e garante
que esta pode ser uma saída para a superação dos problemas do analfabetismo, pois essa
metodologia integra e articula os diferentes aprendizados da língua escrita.
É evidente que uma boa metodologia alfabetizadora, aliada a um ambiente rico em
estímulos, com materiais didáticos e diferentes gêneros textuais, como livros, jornais, revistas,
35
cartazes e propagandas que podem auxiliar no processo de alfabetização, envolvendo, ao
mesmo tempo, um ambiente letrado ao facilitar a conquista do aprendizado pelos alunos, de
modo que eles se familiarizem, interajam e experimentem o mundo da escrita, tendo a
oportunidade de exercer seu conhecimento nas práticas sociais. Não é apenas um método que
faz com que a criança aprenda, é necessário oferecer condições favoráveis para que ela
desenvolva seu aprendizado.
Contudo, não se pode supor que a criança alcance a aquisição da escrita e da
leitura somente através da interação com uma cultura letrada. É necessário que haja uma
mediação e o auxílio do professor juntamente com uma intervenção sistêmica de ensino,
proporcionando uma consolidação do conhecimento. A escola deve oferecer, além de
condições materiais, um corpo gestor empenhado e um quadro de professores qualificados,
que tenham o conhecimento de como ocorre o processo de alfabetização.
Os professores devem abandonar os métodos tradicionais e buscar novos meios
para criar uma didática dinâmica que, ao mesmo tempo, respeite a heterogeneidade e faça
com que as crianças tenham interesse pelo saber e o conhecimento, devendo ser instigadas a
organizar seu aprendizado a partir dos estímulos recebidos. São novas estratégias, novas
propostas pedagógicas e novos meios avaliativos que poderão originar melhores resultados na
aprendizagem dos alunos.
Segundo Solé (1988), os problemas do ensino da leitura e da escrita não se
restringem propriamente ao método, mas sim ao conceito da leitura, ao papel que ela ocupa no
Projeto Curricular da Escola, as propostas metodológicas utilizadas, a forma como elas são
avaliadas pelos professores.
É necessário criar oportunidades para implementação de novas propostas de
alfabetização, com um desenvolvimento mais criativo e coerente com o contexto para que se
possam gerar mudanças consideráveis. Por isso, é fundamental rever como a leitura e a escrita
são trabalhadas pela escola, que intervenções são imprescindíveis para que elas deixem de ser
apenas um produto a ser avaliado para torna-se um processo contínuo que se desenvolve a
partir da experiência, do contexto e das práticas em que se está inserido.
Além disso, devem-se propor políticas educacionais com novas propostas
didáticas; condições materiais; formação profissional e humana para quem faz parte da escola;
participação da comunidade no meio escolar, criando meios que os envolva mais com a
educação de seus filhos.
36
A mudança do sistema escolar, da prática pedagógica não vem apenas de melhorias de
teorias, de materiais mais adequados, ou de informações mais acessíveis aos
professores. Melhorar a pedagogia da leitura é, ao longo prazo, uma questão política,
vinculada a um desejo de mudança. Mesmo que o professor não possa mudar o
mundo, poderá realizar o trabalho melhor se compreender o que é a leitura e como as
crianças aprendem a ler (BARBOSA, 2013, p. 178).
As políticas públicas precisam garantir essas condições materiais à escola, para
que esta ofereça aos alunos um ambiente propício para o desenvolvimento da aprendizagem.
E investir também na formação docente, a fim de que os professores tenham oportunidade de
formação, mantendo sua formação atualizada para garantir o conhecimento de novas
estratégias de alfabetização aliadas ao letramento, para que possam acompanhar as
transformações tecnológicas e sociais sem abrir mão do ensino dos valores e de bens culturais
da humanidade.
Outro fato que deve ser considerado por essas políticas educacionais é o papel que
a família representa no desenvolvimento da criança. O incentivo à matrícula dos filhos na
idade correta e o acompanhamento dos pais ou responsáveis na vida escolar dos alunos
oferecem maiores possibilidades para que essa criança se desenvolva melhor e com mais
facilidade. Quanto mais cedo elas interagirem com um ambiente socializador com
oportunidades de uso de diversos materiais de leitura, mais cedo elas poderão ser
alfabetizadas.
A família também pode auxiliar na ampliação do conhecimento de seus filhos em
seu próprio lar, através de estímulos diários que promovam a independência e o interesse da
criança pela leitura. A convivência das crianças com sua parentela influenciam na formação
de sua personalidade. Assim, se os pais se mostram interessados pela leitura e oferecem
possibilidades de leitura e materiais adequados, essa criança terá mais chances de ser um bom
leitor em comparação àquelas que não têm a oportunidade de conviver em um ambiente
letrado. Ainda assim, para que as famílias estimulem mais a leitura a seus filhos é
indispensável mudar a concepção que elas têm dessa prática, fazendo com que ela não esteja
ligada apenas às experiências de obrigação, como é realizado muitas vezes na escola. A
leitura tem que ser objeto de prazer, de acesso à informação e de inserção social, visto como
algo positivo e enriquecedor à formação humana.
A maioria das dificuldades ligadas ao processo de aquisição de leitura ocorre
porque escolas, professores e os próprios projetos educacionais não atribuem as verdadeiras
possibilidades que a leitura pode oferecer. E apesar de que nos últimos anos programas e
projetos tenham mostrado um maior interesse em mudar as experiências que as pessoas têm
37
com essa prática, inclusive após a inserção do letramento, ainda não foi possível fazer com
que a maior parte da população melhore sua relação não só com a leitura como também com a
escrita.
É justamente a questão do letramento que possibilita mudanças em como a leitura
é exercida e vista pela população. A maioria das pessoas não tem interesse maior em ler
porque sua alfabetização se restringe à decodificação, sem realmente interpretar e
compreender aquilo que se lê. O papel dessas políticas educacionais, e também da escola, é
incentivar o ato de ler para que o torne um hábito prazeroso, e não somente considerar a
leitura como um produto a ser avaliado, medido, pois são esses fatores que implicam na
disseminação do mal uso e da falta de interesse pela leitura.
Essas reflexões permitem considerar que o letramento está ligado não só à questão
do conhecimento das habilidades de leitura e de escrita e à aplicação desse conhecimento no
cotidiano, como também às questões sociais, políticas e econômicas de um país que é o
grande responsável em atribuir a importância que a leitura representa para sua sociedade.
Dessa maneira, o letramento deve acompanhar as transformações sociais e seu valor é
atribuído de acordo com essas questões sociais e educacionais. Dificilmente, o letramento será
prioridade em uma comunidade com altas taxas de analfabetismo e grande evasão escolar, em
que a grande maioria da população domina as habilidades mínimas de leitura e de escrita.
Conforme Soares (2013), a leitura e a escrita podem ter significados diferentes,
dependendo do contexto em que se está inserido. A autora ressalta que as atribuições e a
utilização dada a esse processo pelas classes populares são diferentes das atribuições das
classes mais favorecidas e, na verdade, qualquer sistema de comunicação escrita está marcado
pelas atitudes, valores culturais, contexto social e econômico em que é usado.
O educador Paulo Freire refletiu sobre as questões socioculturais ao propor uma
alfabetização problematizadora em que os educandos devem aprender a partir de suas próprias
experiências e de acordo com o contexto no qual estão inseridos, tomando a alfabetização
como um processo de alcance da consciência que também diz respeito à ação política. Nessa
perspectiva, a escola não pode se colocar em posicionamento neutro, ela deve conscientizar a
população de sua participação e valor no meio social. Soares (2013) propõe que a escola
analise os aspectos sociais e culturais, pois:
Acrescente-se que, nesse contexto de falsos pressupostos sociais, culturais e
linguísticos, a escola atua, na área da alfabetização, como se esta fosse uma
aprendizagem neutra, despida de qualquer caráter politico. Aprender a ler e escrever,
para a escola, parece significar a aquisição de um instrumento para futura obtenção
de conhecimentos; a escola desconhece a alfabetização como forma de pensamento,
38
processo de construção do saber e meio de conquista de poder politico (SOARES,
2013, p. 22).
Consequentemente, a escola deve assumir sua responsabilidade social e facilitar o
desenvolvimento dos alunos para que eles possam ter uma maior participação social. Assim, é
possível afirmar que a alfabetização está subordinada não apenas a questões linguísticas e
psicológicas como também, a questões socioculturais e socioeconômicas. Reconhecemos que
é preciso pensar nos problemas enfrentados na escola, resolvendo os problemas ligados à
aquisição da leitura e da escrita e do uso dessas habilidades; as causas que dificultam a
permanência e progresso do aluno no ambiente escolar, os fatores que impedem que a criança
ou jovem tenham baixo aprendizado mesmo estando presente na escola. Somente a partir da
identificação dos problemas é que será possível estabelecer soluções que garantam não só a
alfabetização de todos como o uso desse aprendizado de modo a favorecê-los socialmente.
Dados mostram que apesar do maior acesso das camadas populares aos bens
culturais e ao conhecimento das tecnologias, com a maior inserção na educação escolar, o
problema do analfabetismo ainda se faz presente na atualidade. De acordo com a UNESCO
(2014), 19% da população mundial é analfabeta, ou seja, cerca de 750 milhões de pessoas não
sabem ler e escrever. No Brasil, estima-se que há 13 milhões de analfabetos, ficando como 8º
país do mundo com maior taxa de analfabetos e, a maior parte desse número reside. na região
nordeste do país. Portanto, há uma série de questões sociais e culturais que influenciam na
aquisição da alfabetização, e em países como o Brasil, que tiveram uma formação e uma
sistematização educacional tardia, ainda há muitos aspectos a serem desenvolvidos e
melhorados, tanto no que se refere às condições de vida da população, quanto o acesso à
educação de qualidade, em que todos tenham direito a uma boa formação.
Enquanto houver dificuldades de acesso e permanência, má qualidade de ensino,
profissionais desqualificados e ambiente desfavorável, dificilmente as crianças terão um
melhor desenvolvimento. Com base nisso, a primeira condição para que a população tenha
oportunidade de ser alfabetizada e letrada é oferecer um sistema educacional bem estruturado,
com garantia de acesso universal e ensino de qualidade, na qual todos tenham a oportunidade
e a disponibilidade para estudar e aprimorar seu conhecimento, sem passar por dificuldades
físicas, sociais e psicológicas. Essas e outras questões só podem ser garantidas se houver
mudanças políticas, econômicas e sociais, em que fatores como a educação e a saúde sejam
estabelecidos como prioridade.
39
3 PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PAIC)
O analfabetismo é um problema presente em todo o Brasil, contudo os estados
localizados na região norte e nordeste sofrem mais ainda com as dificuldades para garantir o
acesso e a permanência na escola. Os estados dessas regiões enfrentam uma maior
precariedade no ensino e nas condições escolares, fazendo com que a possibilidade de
formação da população seja inferior quando comparadas às outras regiões do Brasil.
Consequentemente, os maiores índices de analfabetismo se concentram nas regiões norte e
nordeste.
Em vista disso, o estado do Ceará por muito tempo permaneceu nos ranques de
analfabetismo do Brasil. Avaliações nacionais externas como: o Sistema Nacional de
Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
(Ideb) apontaram que muitos alunos passavam por todo o Ensino Fundamental com baixo
nível de leitura e escrita, apresentando nível insatisfatório de aprendizado. Diante desses
dados, o Governo do Ceará viu a necessidade de criar soluções para melhorar a qualidade da
alfabetização nas escolas públicas.
Foi precisamente no ano de 2004 que se iniciou um verdadeiro movimento de
combate ao analfabetismo no Ceará. A Assembleia Legislativa do Estado criou um encontro
para discutir os altos índices de analfabetismos e buscar possíveis soluções para melhorar a
qualidade do ensino. Assim surgiu o Comitê Cearense de Eliminação do Analfabetismo
Escolar, que teve como parceiros o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), União
dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime/CE), Secretária de Educação do Estado do
Ceará (Seduc) e também as principais universidades do estado do Ceará, como Universidade
Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Universidade de
Fortaleza (UNIFOR).
De acordo com Marques, Aguiar e Campos (2008), o Comitê de Eliminação do
Analfabetismo realizou pesquisas para detectar os principais problemas que influenciavam na
má qualidade da alfabetização no Ceará. Para isso, foi necessário realizar uma avaliação do
nível de aprendizagem, relacionada à leitura e à escrita, dos alunos da rede municipal que
estavam no 2° ano do Ensino Fundamental. Houve também uma investigação em relação à
formação dos professores alfabetizadores, avaliando se a formação estava atendendo às
necessidades para o exercício da alfabetização e à grade curricular proposta pelas
40
universidades. Também foram analisadas as condições de trabalho dos professores e sua
prática docente.
Segundo a SEDUC (2012), as pesquisas realizadas pelo Comitê Cearense de
Eliminação do Analfabetismo Escolar apontaram:
A avaliação amostral dos níveis de leitura, escrita e compreensão de texto de 8 mil
alunos da 2º série do EF (atual 3º ano), matriculados nas redes de 48 municípios, 39% não leram o texto; 15% leram muito mal, soletrando e sem compreender; 31%
leram com dificuldade e compreenderam parcialmente; e 15% leram e
compreenderam. A maioria das universidades não possuía estrutura curricular
adequada para formar o professor alfabetizador. 3. A maior parte dos professores
não tinha metodologia para alfabetizar, abusava de cópias na lousa e usava muito
mal o tempo de aula (SEDUC, 2012, p .12).
Esse diagnóstico permitiu verificar o nível de aprendizado dos alunos, apontando
que esses estavam bem abaixo do nível desejado. A maioria das crianças analisadas não
apresentaram habilidades para ler e compreender o que estava exposto no texto, assim como
não mostraram habilidades para escrever. Em relação à formação dos professores, foi
verificado que a grade curricular das universidades não possuía estrutura adequada para a
formação do professor, de modo que eles não estariam capacitados a alfabetizar. E que grande
parte dos professores não tinha uma metodologia eficiente para ministrar as aulas,
apresentando-se repetitivos em sua prática e desperdiçando o tempo de aula, não satisfazendo
as necessidades de aprendizado dos alunos.
Para Ceará (2006), diante desses resultados, foi necessário realizar uma
intervenção no âmbito das políticas educacionais, focando no combate radical ao
analfabetismo escolar. O Comitê se propôs a lutar pela escolarização que possibilite a
inclusão educacional de crianças e adolescentes no mundo letrado, para então criar condições
de cidadania dentro da sociedade.
[...] uma das premissas do trabalho do Comitê é a defesa da alfabetização de crianças
na idade certa, ou seja, independente da metodologia empregada, é imprescindível que
as crianças cearenses, para obterem um razoável sucesso em sua vida pessoal e
profissional, terminem a 1º série do ensino fundamental lendo e escrevendo. Dominando a leitura e a escrita no tempo certo, essas crianças estarão melhor
preparadas para a aquisição de outros e novos conhecimentos (CEARÁ, 2006, p. 26).
Dessa maneira, de forma autônoma, o governo do estado do Ceará criou esse
comitê contra o analfabetismo, mobilizando autoridades políticas, instituições educacionais de
41
Ensino Superior e entidades governamentais. A partir do relatório final do comitê foi possível
estabelecer ações para tentar superar o analfabetismo e melhorar a qualidade do ensino.
Um dos resultados dessas ações foi a criação do Programa de Alfabetização na
Idade Certa (PAIC), uma política pública de estado direcionado para as turmas das séries
iniciais do Ensino Fundamental. A Secretária de Educação do Ceará (Seduc) concordou em
apoiar e dar suporte ao programa, tornando uma política pública educacional com parceria
entre estado e municípios. A Seduc auxiliaria os municípios na administração dos recursos,
com maior apoio técnico-pedagógico para favorecer a expansão de vagas e melhorar a
qualidade do processo de alfabetização.
A proposta é que o município crie equipes do PAIC em suas sedes para
planejarem ações que tentem garantir a aprendizagem dos alunos. Para tentar mobilizar os
municípios na priorização da alfabetização foi arquitetada a vinculação dos critérios de
distribuição da cota-parte dos municípios no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços (ICMS), submetendo esse repasse aos indicadores da educação, que seriam obtidos a
partir dos resultados de avaliações externas4 criadas pelo governo do estado. Essas avaliações
são realizadas anualmente em turmas do 2º ano do Ensino Fundamental, quanto melhor os
resultados obtidos pelos alunos, mais os municípios receberão na distribuição do ICMS.
Consequentemente, a articulação entre as ações do estado e dos municípios
firmam-se na colaboração e na política de cooperação. Essa medida de colaboração para
diminuir as taxas de analfabetismo atende à proposta do Plano Nacional de Educação (PNE-
2011/2020), que tem como principal diretriz a erradicação do analfabetismo. Além disso, o
PNE também sugere a criação de um Sistema Nacional Articulado de Educação, na qual
deverão ser criadas estratégias em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios (Art. 7º PNE - 2011/2020).
Enfim, o surgimento do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC) se deu
mediante os altos índices de analfabetismo no estado do Ceará e a baixa qualificação dos
professores para alfabetizar, tornando-se necessário mobilizar a sociedade política e
acadêmica para buscar soluções e enfrentar o desafio de erradicar o analfabetismo no Ceará.
2.1 EIXOS E METAS QUE FUNDAMENTAM O PAIC
A proposta do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC) é alfabetizar os
alunos das redes públicas de ensino dos municípios, preferencialmente até os sete anos de 4 A palavra externa é utilizada para designar que a avaliação é desenvolvida por agentes externos à escola.
42
idade. O Programa iniciou sua ação como política pública em 2007, passando a oferecer
assistência pedagógica ao 1° e 2° anos do Ensino Fundamental em todos os municípios
cearenses.
Segundo a SEDUC (2012), a expressão “alfabetização na idade certa”, que é
utilizada para nomear o programa, recebeu várias críticas da sociedade, pois muitos defendem
que não existe uma idade certa para aprender e que o aprendizado está em constante
construção.
O uso da expressão alfabetização na idade certa encontrou algumas resistências.
Algumas pessoas questionaram o termo, alegando que sempre é tempo de aprender:
o uso da nomenclatura poderia excluir aqueles que por ventura não conseguiriam ou
não puderam ser alfabetizados na idade especificada. O programa expressa a
compreensão de que o processo de aprender a ler e a escrever começa antes e vai
além do 2º ano. Considera que, sem dúvida, sempre é tempo de aprender, e que
todos os que não foram alfabetizados nos anos iniciais devem ter outras
oportunidades de aprendizado. Entretanto, o PAIC estima que para o bom
desenvolvimento escolar da criança é recomendável que esteja alfabetizada, no
máximo, até os sete anos (SEDUC, 2012, p. 65).
Logo, o PAIC propõe que para que a criança tenha um melhor percurso escolar,
que permita a aquisição de novos conhecimentos e melhore seu aprendizado, é necessário que
ela se alfabetize no 1º e 2º anos do Ensino Fundamental. O Programa defende que a criança
nessa idade tem capacidade de adquirir as habilidades de leitura e escrita, devendo a escola
ser a principal responsável em oferecer o desenvolvimento dessa aquisição.
Para Marques, Aguiar e Campos (2008), o Programa foi idealizado com o intuito
de apoiar os municípios do estado do Ceará, no sentido de elevar a qualidade do ensino
ministrado nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Vale destacar que o PAIC tem como
meta principal promover a autonomia e a competência técnica dos municípios nas áreas de
avaliação, acompanhamento pedagógico, educação infantil, literatura infantil e gestão
municipal, pois somente com autonomia e competência técnica os municípios conseguirão
oferecer um ensino de qualidade.
Como forma de priorizar a alfabetização e oferecer maior assistência aos
municípios, a Seduc criou a Coordenadoria de Cooperação com os Municípios (Copem), que
disponibiliza uma equipe para coordenar os cinco eixos propostos pelo Programa, que são:
Eixo Gestão Municipal; Eixo Avaliação Externa; Eixo Alfabetização; Eixo Formação do
Leitor e Eixo Educação Infantil. A Copem oferece assessoria às Coordenadorias Regionais de
Desenvolvimento da Educação (Crede) que estão localizadas nas diferentes regiões do estado,
que, por sua vez, coordena o Núcleo Regional de Cooperação com os Municípios (NRCOM)
43
que conduzem as equipes municipais do PAIC, ou seja, é um conjunto de coordenadorias
lideradas pela SEDUC, que conjuntamente administram as ações e os eixos do PAIC.
A criação dos cinco eixos do Programa pretende oferecer apoio técnico,
administrativo e pedagógico aos municípios com a disponibilização de materiais e
instrumentos, que têm o objetivo de possibilitar uma formação permanente do professor
alfabetizador. O PAIC acompanha o planejamento e os resultados dos investimentos através
do eixo de avaliação que averigua as ações implementadas para analisar se realmente elas
estão gerando um resultado satisfatório. Assim, cada eixo ficou responsabilizado em garantir
e acompanhar determinadas ações e metas que norteiam o Programa.
A função do Eixo de Gestão Municipal é oferecer assessoria técnica aos
municípios para que eles tenham um melhor desempenho na administração dos recursos
financeiros e materiais didáticos de modo que não haja desigualdade entre as escolas. Para a
realização desse processo de aplicação do PAIC, primeiramente a Seduc, em colaboração com
as Credes e os municípios, realiza um diagnóstico para avaliar como está o quadro
educacional de cada município e, a partir desses resultados, cada município planeja e elabora
suas metas e ações para a ampliação de vagas e a melhoria na qualidade do ensino.
Para a SEDUC (2012), o município é orientado a realizar o diagnóstico a partir
dos seguintes indicadores municipais: dados quantitativos relativos ao atendimento da
educação básica; fonte de financiamento da educação municipal. Após o conhecimento das
fontes de financiamento, das vagas necessárias para atender à demanda da educação básica, é
realizada a quantificação das metas de acordo com as referências propostas pela SEDUC, em
que o secretário de educação e o prefeito do município devem participar da elaboração dessas
ações.
Ainda na posição de SEDUC (2012), após a criação das metas é elaborado o
Plano de Trabalho Anual (PTA), que orienta as ações, dando prioridade à alfabetização dos
alunos até o 2º ano do Ensino Fundamental. O PTA também norteia o trabalho do PAIC nos
municípios. Concluída a construção do PTA, há um acompanhamento e monitoramento para
saber se as ações estão sendo realizadas de modo a atingir as metas. A Copem se
responsabiliza em acompanhar as Credes, que, por sua vez, monitora os municípios que
acompanham o desempenho das escolas de sua região.
O objetivo da Seduc é fortalecer a gestão dos municípios, proporcionando maior
autonomia e melhor desenvolvimento educativo. Por isso, regularmente há encontros e
formações que capacitam coordenadores e formadores para estarem atentos à execução das
ações e das metas de modo a conseguir alfabetizar o máximo de alunos matriculados.
44
[...] por meio de formações e promoção de encontros para a troca de experiências, a
Seduc coopera tecnicamente com os municípios para adotarem os seguintes processos: nucleação das escolas; cumprimento do calendário legal de 200 dias
letivos e 800 horas-aulas. Fortalecimento da autonomia das escolas; elaboração de
politica de acompanhamento das escolas da rede municipal; definição de critérios
para o processo de seleção de gestores escolares, com priorização do mérito; revisão
dos planos de cargos, carreira e remuneração do magistério municipal;
estabelecimento de politica de formação de professores; e definição de critérios
focados no mérito para a contratação de professores (SEDUC, 2012, p. 109).
Logo, o Eixo de Gestão Municipal tem o objetivo não só de fortalecer a
autonomia dos municípios como também diminuir a evasão escolar, melhorando toda a
educação básica, não se restringindo apenas às turmas de 1º e 2º anos. Propõe também uma
revisão no Plano de Cargos e Carreira e remuneração docente.
O Eixo de Alfabetização é considerado o mais importante do Programa,
oferecendo uma assessoria técnico-pedagógica com a implantação de propostas didáticas de
alfabetização para facilitar a aprendizagem e assim garantir a alfabetização dos alunos até o 2º
ano do Ensino Fundamental. Conforme a SEDUC (2012), o PAIC disponibiliza materiais
didáticos para professores e alunos chamados de “materiais estruturados”, que permitem uma
rotina diária a ser seguida pelo professor. O Programa oferece uma formação mensal para que
o professor esteja apto a usar e aplicar o material proposto. Essas formações também
possibilitam que o educador realize um estudo teórico para compreender e reconhecer como
ocorre o desenvolvimento da escrita da criança.
A metodologia seguida pelo PAIC é inspirada em pesquisas que defendem que a
melhor forma de garantir o aprendizado da criança é através do alfabetizar letrando. Essa
metodologia foi desenvolvida por pesquisas que têm como objetivo compreender como a
criança desenvolve o aprendizado da leitura e da escrita a partir de sua interação e práticas
sociais.
O Eixo de Avaliação Externa tem o objetivo de diagnosticar o nível de leitura e de
escrita dos alunos, para acompanhar o desempenho das ações estabelecidas e verificar quais
foram às melhorias e as falhas do processo educativo. São avaliadas as habilidades de leitura e
de compreensão, apropriação da escrita e seu uso e as provas são criadas de acordo com os
níveis de aprendizado dos alunos em suas respectivas turmas.
As equipes desse eixo, juntamente com os municípios, aplicam provas no início
do ano letivo nas turmas de 1º, 2,º 3, 4º e 5º anos. A Prova PAIC tem o intuito de realizar um
diagnóstico inicial para a criação das ações que atendam às necessidades de aprendizado dos
alunos. Conforme Marques, Ribeiro e Ciasca (2008), a finalidade desse eixo é possibilitar
45
autonomia aos municípios, para que eles desenvolvam avaliações diagnósticas para verificar
como está o ensino em suas escolas, visando um fortalecimento técnico-pedagógico dos
municípios. Para assegurar esse fortalecimento, a SEDUC elaborou e divulgou manuais de
procedimentos através de palestras e oficinas com os técnicos das secretarias municipais a fim
de instruir como as provas devem ser aplicadas e analisadas.
O Eixo de Formação do Leitor propõe que o aluno tenha possibilidade de ser um
bom leitor com uma formação pautada na cultura letrada e na inclusão social. Esse eixo
sugere a criação de ambientes ricos em materiais de leitura e de escrita, com diferentes
gêneros textuais, de modo que os alunos tenham acesso e possam interagir com esses
materiais na hora que quiserem, criando hábitos de leitura.
O PAIC oferece uma coleção de livros que abrange diversos temas e gêneros
textuais. O Programa criou sua própria coleção de livros, a coleção Prosa e Poesia, que
contem 24 títulos com diferentes histórias baseadas na cultura e no regionalismo do estado do
Ceará. Cada turma do PAIC de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental ganha sua coleção para
utilizar na hora que quiser. Vale destacar que esse acervo também é dado às turmas de
Educação Infantil. O Eixo Formação do Leitor recomenda que o professor crie um ambiente
lúdico com os materiais oferecidos pelo Programa, incentivando a leitura do aluno mesmo que
ele não domine as técnicas de leitura e escrita. De tal modo, a criança poderá interagir e se
familiarizar com o universo da leitura, despertando um maior interesse pelos livros e pela
leitura.
O PAIC apoia e acredita que é fundamental que a criança tenha acesso à Educação
Infantil, pois assim terá maior possibilidade de se alfabetizar aos sete anos. Dessa forma, criou
o Eixo de Educação Infantil, que incentiva a expansão de vagas na Educação Infantil e a
elaboração de uma proposta metodológica direcionada ao nível de desenvolvimento das
crianças, para que elas interajam no espaço escolar e desenvolvam o interesse pelo
aprendizado através de um ambiente lúdico e agradável.
Para estimular uma melhor condição na Educação Infantil, o PAIC oferece uma
formação para técnicos pedagógicos dos municípios ligados a essa modalidade, a fim de que
eles possam orientar os professores que atuam nessa área. De acordo com a SEDUC (2012),
essa formação orienta o uso de determinados conteúdos, brincadeiras e projetos direcionados
à faixa etária das crianças. O Programa defende que quanto mais elas interagirem no ambiente
escolar, mais cedo elas poderão ser alfabetizadas.
Consequentemente, o PAIC não diz respeito apenas à inserção de uma proposta e
materiais didáticos. Há uma série de eixos que têm o intuito de melhorar a capacidade dos
46
municípios em administrar e investir seus recursos nas series iniciais, oferecendo uma
formação ao professor alfabetizador e implantando uma proposta metodológica que insira o
aluno nas práticas sociais e auxilia também a Educação Infantil, para que os alunos cheguem
ao ensino fundamental com maior bagagem de aprendizado.
A análise da proposta e dos eixos do Programa nos leva a afirmar que ele auxilia
tanto na assistência pedagógica dos municípios quanto contribui para um direcionamento
metodológico da alfabetização. Entretanto, é necessário investigar se na prática de sala de
aula, essa proposta facilita realmente o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos e na
atuação dos professores, de modo a oferecer meios para que haja uma equidade na
alfabetização, diante das desigualdades regionais e da heterogeneidade existentes.
2.2 A PROPOSTA DIDÁTICA DO PAIC: ALFABETIZAR LETRANDO
Um dos pontos relevantes do PAIC foi a inserção de uma proposta didática
comum a todos os professores alfabetizadores, pois antes da criação do Programa, a maneira
utilizada para se alfabetizar ficava retida à atuação do professor e do material didático
escolhido pela escola, dificultando uma articulação entre professores, escolas e municípios.
Para a criação da metodologia utilizada pelo Programa, a SEDUC contratou uma equipe de
professores acadêmicos para desenvolver uma proposta baseada nas necessidades e
particularidades do estado do Ceará. Coordenados pela professora Amália Simonetti, eles
criaram uma proposta para a formação de leitores, promovendo o prazer e o interesse pela
leitura, partindo da concepção em que a alfabetização e o letramento são processos integrados
e indissociáveis de aprendizagem.
Em vista disso, a proposta do PAIC é inspirada na metodologia do alfabetizar
letrando, que tem o objetivo de formar leitores para o exercício das práticas sociais,
possibilitando a aquisição de uma nova linguagem que permita o acesso aos conhecimentos e
às informações; a ampliação de horizontes; o desenvolvimento da capacidade crítica e o
exercício da cidadania. O intuito é fazer com que a criança desperte seu interesse pela leitura
por meio de um ambiente lúdico, rico em materiais e gêneros textuais.
As escolas devem oferecer um ensino de qualidade, incentivando a formação do
aluno leitor, capaz de identificar os diferentes tipos de texto e fazer uso deles em suas
atividades cotidianas. Então, ao mesmo tempo em que o aluno estiver sendo alfabetizado, ele
também será letrado.
47
O PAIC procura pautar suas ações pedagógicas pela integração da alfabetização e do
letramento, compreendendo-os como dois processos específicos e interligados. Busca
proporcionar o ensino e a aprendizagem da codificação e decodificação do sistema
alfabético e a interação constante dos alunos com gêneros e portadores de textos
diversos, zelando por atividades que facilitem a construção de sentido e significado
aos estudantes (SEDUC, 2012, p.126).
Nesse sentido, é fundamental que os processos de alfabetização e de letramento
ocorram conjuntamente, pois os dois se complementam e facilitam o desenvolvimento e o
aprendizado das crianças, embora existam algumas técnicas de alfabetização que acabam
sendo ensinadas separadamente do processo de letramento.
Conforme Simonetti (2007), pesquisadores como Morais, Ferreiro, Soares
afirmam que o processo de alfabetização ocorre a partir da decifração de fonemas em
grafemas e grafemas em fonemas. Os fonemas estão relacionados aos sons da fala e à leitura.
Já os grafemas relacionam-se com as letras e a escrita, signos gráficos, ou seja, a alfabetização
refere-se à aquisição do alfabeto, ao ensino das habilidades de ler e escrever, aos processos de
aquisição do código escrito e às habilidades de leitura e de escrita.
Soares (2003) afirma que o processo de alfabetização também envolve aprender a
segurar num lápis, aprender que se escreve de cima para baixo e da esquerda para direita;
enfim, uma série de aspectos técnicos. Nesta fase em que o aluno começa a se apropriar do
código escrito é importante que o professor o auxilie, de forma que torne o processo
compreensível para ele, agindo como mediador do conhecimento.
Tomando conhecimento da visão dos autores citados, o PAIC propõe o
aprendizado dessas técnicas a partir da inserção do aluno em uma cultura letrada.
[...] a finalidade do letramento na escola é possibilitar aos alunos práticas de leitura e
de escrita com sentido e significado. O letramento ou inserção na cultura escrita não
acontece de modo espontâneo. Exige mediação pedagógica [...]. Para tanto, é preciso que o(a) professor (a), como o mediador e responsável pelo letramento, de modo
intencional insira a criança na cultura letrada, o que não significa disponibilizar
livros na sala, cartazes, fichas de nomes, letreiros etc. Letrar é usar a leitura e a
escrita como prática social no cotidiano da sala de aula: a prática de leituras
significativas dos livros de literatura infantil, jornais, revistas e etc (SIMONETTI,
2009, p. 21).
O letramento, antes de tudo, deve ser compreendido como algo que deve fazer
parte da vida do aluno na sociedade. Ele deve utilizar suas habilidades de leitura e de escrita
em sua vida social, e é no ambiente escolar que ele vai interagir e aprender a utilizar seus
conhecimentos em suas práticas cotidianas. Para os criadores da proposta, existe um grande
48
desafio em se alfabetizar e letrar. Por isso, as escolas devem oferecer materiais adequados,
com professores que estejam aptos a corresponder a essa metodologia e a agir como
mediadores da aprendizagem, oferecendo às crianças possibilidades de apropriação do código
escrito a partir de diferentes gêneros textuais, o que revela a importância da proposta
pedagógica para auxiliar a ação do professor.
É necessário reconhecer que não existe um método único e eficaz para se
alfabetizar e letrar. As condições da escola, a formação dos professores, a heterogeneidade
dos alunos são alguns dos diversos fatores que interferem no processo de aprendizado.
Portanto, é importante que o professor esteja inserido no contexto social de seus alunos, que
conheça as peculiaridades da comunidade em que a escola está inserida, para então refletir
sobre ação pedagógica e criar caminhos que facilitem o aprendizado dos alunos. No entanto,
Simonetti (2007) assegura que há sim a busca de um método eficaz que facilite a ação do
professor alfabetizador.
É preciso não ter medo do método; diante do assustador fracasso escolar, na área da
alfabetização, e considerando as condições atuais de formação do professor
alfabetizador, em nosso país, estamos, sim, em busca de um método, tenhamos a
coragem de afirmá-lo. Mas de um método no conceito verdadeiro desse termo: método que seja o resultado da determinação clara de objetivos definidores dos
conceitos, habilidades, atitudes que caracterizem a pessoa alfabetizada, numa
perspectiva psicológica, linguística e também (e talvez, sobretudo) social e política;
que seja ainda resultado da opção pelos paradigmas conceituais (psicológico,
linguístico, pedagógico) que trouxeram uma nova concepção dos processos de
aprendizagem da língua escrita pela criança, compreendendo esta como sujeito ativo
que constrói o conhecimento, e não ser passivo que responde a estímulos externos;
que sejam, enfim, o resultado da definição de ações, procedimentos, técnicas
compatíveis com esses objetivos e com essa opção teórica (SOARES, 2003, p. 95).
Desse modo, afirmar se existe ou não um método de alfabetização eficaz que
possibilite igualmente a aprendizagem dos alunos é muito discutido pelos pesquisadores em
educação e isso provoca um certo receio na busca de um método único e eficaz. Porém,
compreender como se dá o processo de aquisição da escrita pode auxiliar na melhor atuação
do professor, independentemente da realidade do aluno. O PAIC sugere uma fundamentação
teórica baseada na nova compreensão de como as crianças evoluem na aquisição da leitura e
da escrita.
De acordo com Simonetti (2009), como fundamentação teórica para Alfabetizar
Letrando, a proposta do PAIC se estrutura no seguinte tripé: o construtivismo como teoria
epistemológica, a linguística como ciência da língua e a didática como práxis pedagógica.
49
O construtivismo tem sido utilizado como teoria epistemológica, pois o Programa
defende a concepção sociointeracionista, acreditando que a criança seja capaz de construir seu
aprendizado a partir da interação com o ambiente e a estimulação. A escola deve promover as
relações entre alunos, professores, funcionários, além de garantir a interação, com os
conteúdos escolares e o ambiente cultural. Por meio dessa interação, os alunos poderão
desenvolver novos estágios de conhecimento. O professor deve agir como facilitador da
aquisição do conhecimento, estimulando o aluno à curiosidade, permitindo que ele manifeste
seu pensamento e suas indagações. É importante que, no ambiente escolar, a criança também
aprenda com seus erros.
[...] os alunos são protagonistas da sua aprendizagem; os alunos formulam hipóteses
sobre leitura e escrita passando por diferentes níveis de construção e com erros
produtivos; os alunos aprendem a ler lendo e a escrever escrevendo; os alunos
aprendem refletindo e dialogando na interação com os colegas e com o(a) professor(a); o papel do(a) professor(a) é fundamental como mediador, dando
condições e propiciando desafios significativos para que o aluno aprenda
(SIMONETTI, 2009, p.16).
O uso da linguística é fator importante para o aprendizado, pois ela traz
conhecimentos para que a criança aprenda a ler e a escrever. Por meio da linguística é
possível aprender as estruturas da fala e da escrita como: fonologia, morfologia e análise
estrutural das palavras, que são essenciais para se chegar ao aprendizado da leitura e da
escrita.
Vale destacar que o PAIC também utiliza a psicogênese da língua escrita para
fundamentar sua metodologia. A teoria sobre a língua escrita criada por Emília Ferreiro em
colaboração com Ana Teberosky defende que a alfabetização é um processo em construção,
que se inicia antes mesmo da criança entrar na escola. Assim, a teoria demonstra como ocorre
o desenvolvimento da escrita.
As autoras Ferreiro e Teberosky (1999) defendem que a criança precisa pensar
sobre a escrita para que possa chegar ao nível de alfabetização, daí a importância de ela
conviver com uma diversidade de textos; para conhecer as letras, as sílabas, as palavras,
desenvolvendo assim a escrita. Dessa forma, conhecer como ocorre o desenvolvimento da
aquisição da escrita é fundamental para que o professor alfabetizador possibilite condições de
aprendizagem à criança e saiba acompanhar seu avanço até que ela esteja alfabetizada.
Portanto, é importante que o professor aprofunde seus conhecimentos na área da
linguística, da psicolinguística e da cultura da língua. As formações oferecidas incentivam o
50
estudo e o aprofundamento desses novos saberes para que os professores os articulem em sua
atuação. Além disso, há também um aprofundamento na didática, compreendida como os
meios e as técnicas de ensino que o professor utilizará para fundamentar sua prática. Mas a
didática não se baseia apenas em métodos e técnicas, ela se utiliza do contexto social para
designar uma educação que une escola e sociedade, teoria e prática.
Segundo Pimenta e Lima (2006), a didática investiga fundamentos e condições
não apenas para criar regras e métodos de ensino válidos para qualquer tempo e lugar, mas
para ampliar nossos conhecimentos sobre os saberes acumulados, aprendendo com eles a
encontrar respostas de como ampliar e melhorar a educação, não apenas nos espaços
escolares, como também no contexto de sociedade. O professor deve se utilizar da didática
também como prática reflexiva, pois a partir de sua reflexão é possível que ele reveja os erros
e as falhas de sua prática, podendo modificar seus métodos, para que o aprendizado abranja
todos os alunos.
É importante esclarecer que, embora o Programa proponha que o professor reflita
e repense seu exercício cotidianamente, analisando se os objetivos propostos foram
alcançados, o professor não poderá mudar ou sair da rotina proposta pelo programa, mesmo se
ele perceber que as metas de aprendizagem não estão sendo alcançadas pela maioria dos
alunos. Essa é uma das inquietações geradas por essa política, que defende que o professor
reflita sobre sua ação cotidianamente, mas o limita a uma rotina didática rigorosa, na qual não
se pode deixar de seguir o planejamento e os conteúdos traçados por ele. Isso nos leva a
pensar sobre a falta de autonomia do professor, que muitas vezes acaba se restringindo a um
papel de mero executor de um material dado.
Reconhecemos que a didática proposta pelo PAIC traz sugestões e atividades
diversificadas e que tem o intuito de criar aulas dinâmicas e atrativas aos olhos dos alunos.
Porém, o professor, como mediador do aprendizado, deve ter autonomia no processo de
ensino para respeitar o tempo de aprendizado dos alunos, estando consciente de seu papel de
criar e desenvolver maneiras que facilitem a aprendizagem dos jovens; e saber da importância
de rever diariamente os resultados de suas atividades e das necessidades didáticas para lidar
com a heterogeneidade.
O Programa orienta que em conjunto os professores elaborem o plano de aula,
dando autonomia ao professor. A função desse planejamento conjunto é nortear a prática dos
professores de modo que eles elaborem os objetivos e as ações conforme a proposta didática e
a realidade dos alunos. No entanto, o plano se limita a execuções técnicas que não
possibilitam uma reflexão mais significativa que gere ação-reflexão-ação, pois o professor
51
fica detido à execução de comandos, que o aluno deve acompanhar e aprender a executar de
acordo com o que lhe é orientado, transformando a maioria das atividades, ditas
alimentadoras, em atividades mecânicas e de memorização.
Não há duvidas que alfabetizar e letrar é um processo complexo, e que a proposta
didática fará uma grande diferença para facilitar a metodologia dos professores e a
aprendizagem dos alunos. Contudo, além de uma boa proposta, o professor deve ter domínio
sobre o nível de desenvolvimento de seus alunos, considerando o conhecimento que eles já
possuem. É necessário haver também um acompanhamento pedagógico ao professor e
formações que orientem sua prática, e que, principalmente, ampliem e estimulem sua
autonomia docente, permitindo, assim, que ele desenvolva melhores ações de aprendizado,
condizentes com as necessidades e a realidade de seus alunos.
Adiante veremos como o PAIC contribui para a qualificação do professor
alfabetizador para que este acompanhe as atuais exigências de ensino e esteja capacitado a
alfabetizar e letrar.
2.3 A CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR
Uma das principais finalidades do PAIC é capacitar os professores para que eles
se tornem aptos a trabalhar com a proposta do Programa e utilizar os materiais didáticos. Em
vista disso, o PAIC oferece uma formação mensal aos professores alfabetizadores. Cada
encontro tem duração de oito horas com o objetivo de fazer com que os professores interajam
mais uns com outros, discutam novas ideias e ações para melhorar o aprendizado dos alunos.
São nesses encontros que os professores também elaboram conjuntamente os planos de aulas
conforme as sugestões da proposta didática alfabetizar letrando, proposta esta que o professor
recebe junto com os materiais didáticos.
Ao analisar a proposta de formação do Programa, podemos afirmar que esse
modelo tem semelhanças com outros programas de capacitação do governo oferecidos pelo
MEC, como o PROFA e PRÓ-LETRAMENTO, que tem o mesmo intuito de qualificar
professores de alfabetização, levando conhecimentos sobre a estrutura da leitura e da escrita
na perspectiva do letramento, desenvolvendo no professor habilidades para alfabetizar e letrar.
De acordo com os eixos do PAIC, um dos objetivos da formação é fazer com que
os professores ampliem o conhecimento teórico sobre língua portuguesa, conhecendo sua
estrutura e sua funcionalidade, e assim compreender como se dá a aquisição da escrita pela
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criança nos seus diferentes níveis de desenvolvimento. Os professores aprendem a
acompanhar o desenvolvimento da escrita da criança conforme os pressupostos da teoria da
psicogênese da língua escrita, criada por Ferreiro e Teberosky (1999).
Além disso, a formação também deseja despertar no professor a criatividade e o
incremento de uma didática dinâmica e atrativa, que desperte o interesse da criança pelo
aprendizado. Com uma metodologia voltada para melhorar as condições da prática docente,
de modo que possa melhorar a relação entre professores e alunos, criando um vínculo
interativo.
A nossa didática tem como alicerce o tripé: professor (a)-aluno–conteúdo. Essa base interliga-se com todo um sistema didático que comporta outros elementos
essenciais, como concepção de aluno e de aprendizagem, metodologia de ensino,
planejamento, objetivos didáticos, recursos didáticos e instrumentos de avaliação,
sem esquecer também elementos políticos, econômicos e administrativos, internos e
externos á escola, que se complementaram e relacionam-se influenciando no
cotidiano da sala de aula (SIMONETTI, 2009, p. 20).
Essa relação visa fortalecer o processo pedagógico, mobilizando todos os
componentes da escola para favorecer o processo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, que
a formação busca envolver e ampliar o interesse de todos por ações que possibilitem melhores
condições de trabalho, incluindo uma interação docente e uma atualização contínua de novas
atividades. Para isso, conta com o apoio de formadores, que devem conduzir os professores à
discursão de sua prática e da realidade de seus alunos.
A função do formador é levar novos conhecimentos ao grupo docente, mediando e
possibilitando a pesquisa para que eles mesmos possam se atualizar mediante as exigências de
ensino, e desse modo acompanhar as transformações sociais e tecnológicas. O formador é
quem também sugere ideias, incluindo jogos e brincadeiras, que possam facilitar a ação do
professor. É importante que esse seja um momento de distanciamento das antigas técnicas
tradicionais abrindo novos caminhos metodológicos, que libertem os professores do
tradicionalismo habitual.Vejamos o que afirma Frade (2010) sobre o papel de programas de
formação:
Ao assumir oficinas, encontros ou mesmo programas de formação continuada,
muitas vezes os pesquisadores ou formadores desejam que aqueles docentes com
quem trabalham abandonem, muito rapidamente, seus saberes e crenças, e aceitem -
passiva ou pacificamente - concepções e propostas de ensino de alfabetização com
as quais nem sempre estavam familiarizados. Noutras palavras, para não sermos
contraditórios, em lugar de simplesmente atribuir resistências aos alfabetizadores e
demais docentes, temos que considerar que, tal como todos os aprendizes, eles
vivem singulares processos de apropriação ou reconstrução do saber (FRADE, 2010,
p. 31).
53
Diante disso, é necessário considerar a formação inicial do professor para analisar
se essa formação ainda está pautada no uso de técnicas tradicionais. A pesquisa torna-se um
importante instrumento de atualização da ação pedagógica e é a formação que deve oferecê-
la, para que o professor aprofunde seus conhecimentos e rompa com o tradicionalismo. É
fundamental que o próprio professor se torne pesquisador, pois assim, ele se tornará avaliador
da sua prática, buscando caminhos que enriqueçam a sua atuação.
O Programa propõe que a formação seja também um momento de aprender a
avaliar. No início do ano letivo, o professor recebe junto com o material um caderno de
registro onde ele irá anotar a aprendizagem do aluno, de forma que ele possa mapear o
desenvolvimento do aluno durante o percurso do ano. Para o PAIC, o momento da avaliação é
sumariamente importante, pois é parte integrante do processo de ensino e aprendizagem.
Não existe ensino sem avaliação. Avaliando, você terá dados concretos das aprendizagens dos alunos, ou seja, do processo de alfabetização dos seus alunos, de
como eles estão se apropriando do sistema alfabético, como estão lendo e escrevendo (SIMONETTI, 2009, p.5).
Assim, a avaliação é um importante instrumento de acompanhamento pedagógico.
É na formação que o professor irá aprender a utilizar o caderno de registro para avaliar o nível
de aprendizado dos alunos conforme os descritores de cada etapa didática, dispostas na
proposta do alfabetizar letrando. O papel do formador é auxiliar nesse processo para que o
professor preencha corretamente o caderno de registro e possa utilizá-lo para também avaliar
suas ações metodológicas.
Portanto, consideramos que a formação é um importante momento para o
enriquecimento do professor, momento este que pode ser utilizado para tirar dúvidas; partilhar
experiências em sala de aula; contribuir na prática pedagógica, possibilitar discussão de
soluções que possam melhorar o processo de ensino e de aprendizagem, e principalmente, de
possibilidade de pesquisa e de aquisição de novos conhecimentos.
Vale salientar, que colaborar com o processo de formação do professor vai além
de desenvolver suas capacidades técnicas, funcionalistas e metodológicas. A formação deve
estar pautada no desenvolvimento intelectual e autônomo desses profissionais, para que
colaborem de uma maneira crítica e reflexiva na formação de seus alunos e não apenas como
transmissores e reprodutores de conhecimentos. A ação docente deve estar vinculada à relação
54
teoria e prática, não se afastando dos problemas sociais, políticos, econômicos e culturais que
circulam o cotidiano dos sujeitos do processo.
2.4 METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO: PROVA PAIC E SPAECE-ALFA
A avaliação é um momento ímpar para acompanhar as ações desenvolvidas pelas
políticas públicas, escolas e professores. É através da avaliação que o sistema consegue
comprovar se os objetivos e as metas de aprendizagem foram alcançados, permitindo avaliar
os êxitos, as falhas e as dificuldades de aprendizagem.
A avaliação, para muitos, é vista como oportunidade para melhorar a ação escolar,
outros, no entanto, temem a avaliação como se ela fosse um instrumento de inquisição na qual
as escolas e professores serão julgados pelos resultados obtidos por seus alunos. Podemos
dizer que esse temor à avaliação é histórico-cultural, pois durante muito tempo ela esteve
ligada ao ato de examinar, classificar, selecionar e excluir os sujeitos.
Atualmente, há uma tentativa de fugir da avaliação excludente, atribuindo uma
nova função à avaliação que possibilite a inclusão ao invés da exclusão, tornando-a um
instrumento diagnóstico. A avaliação como instrumento diagnóstico irá permitir que, a partir
dos resultados obtidos, haja a criação de meios e ações para melhorar a qualidade do ensino.
Para Menezes e Santos (2002), a ideia de avaliação diagnóstica surgiu a partir da abolição da
repetência no ensino fundamental nas escolas públicas, com a chamada progressão
continuada, implantada com base nas recomendações contidas na Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) de 1996.
Contudo, Luckesi (2002) assegura que mesmo diante das tentativas de mudar o
papel da avaliação, ela ainda vem sendo utilizada para mensurar e quantificar o saber,
deixando de diagnosticar e pensar a prática pedagógica para julgá-la, constituindo-se, assim,
num instrumento estático que impede o processo de crescimento, limitando-se a ser um
instrumento disciplinador. O autor afirma que os professores, ao utilizar a avaliação como
meio de controle e critério para aprovação dos alunos, está disciplinando-os e retirando sua
criatividade, criticidade, espontaneidade, transformando-os em reféns de um sistema
antipedagógico. Ele defende a necessidade de se utilizar a avaliação diagnóstica, de modo que
o professor, a partir dela, busque melhoria no ensino reorientando sua prática, agindo como
um mediador através de um processo dialógico e problematizador.
Diante da necessidade de buscar caminhos que melhorem a educação, as políticas
públicas vêm utilizando a essência da avaliação diagnóstica para analisar o conhecimento dos
55
alunos através de avaliações externas, que verificam o desempenho de alunos em larga escala.
O objetivo ao utilizar essas estimativas é de acompanhar as ações desenvolvidas pelas
políticas educacionais e seus investimentos que visam a melhoria na qualidade de ensino.
Hoje, os instrumentos que avaliam o nível de conhecimentos dos alunos são o
Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), Prova Brasil e Provinha Brasil, avaliações
essas realizadas pelo governo federal, que tem o objetivo de verificar nacionalmente os
sistemas de ensino da educação básica. Os três juntos compõem o Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica (IDEB).
Conforme Marques, Ribeiro e Ciasca (2008), no estado do Ceará, além dessas
avaliações realizadas pelo governo federal, também é utilizada uma avaliação do estado, o
Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE), que tem como
principal foco avaliar os alunos que estão finalizando o ciclo do 5º e 9º anos do Ensino
Fundamental e o 3º ano do Ensino Médio. A criação dessa avaliação se deu na tentativa de
agilizar os resultados para promover intervenções pedagógicas, visando a superação dos
problemas desvelados pela avaliação.
Trata-se de um complexo sistema que engloba, dentre outras dimensões, a aplicação
de uma avaliação externa em larga escala para alunos da rede publica de ensino do
estado do Ceará, a cada final de ano letivo, para a identificação do nível de
proficiência em leitura dos estudantes, com a finalidade de fornecer subsídios para a
formulação, reformulação e monitoramento das politicas educacionais, incentivando
a melhoria da educação ofertada e, como consequência, subsidiando políticas de
incentivo e redistribuição dos recursos financeiros entre municípios e escolas
(RIBEIRO, 2011, p. 56)
Para avaliar as ações do Programa PAIC, o governo estadual resolveu criar uma
vertente ao SPAECE, o SPAECE-alfa, que é uma avaliação direcionada às séries iniciais do
ensino público, precisamente as turmas de 2º ano do Ensino Fundamental. O SPAECE-alfa
tem como finalidade avaliar o desenvolvimento da leitura e da escrita dos alunos. Além do
SPAECE-alfa, existe também a Prova PAIC, que é aplicada nas turmas de 1º, 2º, 3º, 4º e 5º
ano do Ensino Fundamental. Segundo Ribeiro (2011), essa avaliação tem fins diagnósticos e
formativos pautados na viabilidade, na precisão e na ética, apresentando com o propósito de
melhorar a qualidade do processo de aprendizagem. Os resultados da Prova PAIC são um
norte para as intervenções pedagógicas a serem conduzidas pelos professores.
56
[...] a Prova PAIC é aplicada sempre no inicio do primeiro semestre letivo, a fim de
propiciar tempo para que ocorram as intervenções pedagógicas planejada para sanar as
dificuldades. O teste de Língua Portuguesa é composto por 20 itens de múltipla
escolha e quatro itens abertos, construídos a partir de uma matriz de referencia
dividida em três eixos: apropriação do sistema de escrita, leitura e escrita. Para cada
eixo, a matriz prevê conjuntos de habilidades expressas por descritores,
correspondentes ao ano dos alunos avaliados nos testes, e cada item avalia uma
habilidade (SEDUC, 2012, p. 114).
Nas turmas de 3º ao 5º anos, além da prova de Língua Portuguesa também são
avaliados as habilidades matemáticas. Após o resultado das provas individuais é feito um
balanço por escola, resultando no diagnóstico final de como se encontra a educação nos
municípios. Por ter uma função diagnóstica, os resultados não são divulgados. Cada
município recebe seu diagnóstico para criar ações e melhorias na qualidade dos processos de
ensino e de aprendizagem. O acompanhamento dos resultados é feito por um sistema on-line
disponibilizado pela SEDUC.
Neste sentido, a ideia de avaliação proposta pelo PAIC se fundamenta na visão de
Cardinet, 1989, (apud MARQUES; RIBEIRO; CIASCA, 2008, p. 439):
[...] mais do que medir ou julgar uma experiência de aprendizagem, a avaliação
permite intervir a tempo para assegurar que as estratégias e os meios utilizados na formação respondam aos objetivos propostos, ás características dos alunos e ao
contexto no qual ocorre a aprendizagem, para que a experiência seja bem sucedida.
De acordo com a SEDUC (2012), a Prova PAIC envolve os municípios em sua
aplicação, porém o SPAECE-alfa é de responsabilidade da secretaria de educação do estado.
Para realizar essa avaliação em larga escala, a SEDUC, por meio de licitação pública,
contratou o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Universidade Federal de Juiz de Fora
(Caed/UFJF) que planeja, elabora, aplica, consolida os resultados e produz os boletins de
resultados da proficiência das escolas e dos alunos. Vale destacar que o SPAECE-alfa é uma
avaliação censitária e diagnóstica que avalia o nível de proficiência das escolas e dos alunos,
constatando os esforços do estado e dos municípios na execução das ações.
A prova é baseada na Teoria de Resposta ao Item5 e avalia somente o nível de
proficiência de leitura e de escrita. “As provas são realizadas ao final do ano letivo para servir
de parâmetro de avaliação dos esforços do estado e dos municípios para com a alfabetização
dos alunos” (SEDUC, p. 118, 2012). Seus resultados são amplamente divulgados como um
meio de prestação de contas à sociedade.
5 É uma Teoria Clássica de testes que estatisticamente avaliam as habilidades e os conhecimentos.
57
Além disso, o SPAECE-alfa também é utilizado pelo governo do estado para
calcular os índices que balizam a distribuição da cota-parte do ICMS6, essa ação é feita para
estimular os municípios a investir mais na alfabetização dos alunos e terem um retorno
financeiro no repasse dos recursos feitos pelo estado. Existe ainda o Prêmio Escola Nota Dez,
destinado às escolas públicas que obtém melhor resultado de alfabetização expressos do
Índice de Desempenho Escolar – Alfabetização (IDE-Alfa), em que as escolas premiadas
recebem um bônus financeiro. É a partir dos resultados dessa avaliação que a SEDUC pode
realizar uma intervenção técnico-pedagógica, disponibilizando maior auxílio aos municípios
que não apresentaram o desempenho esperado. Essa mediação conta com maior intensificação
nas formações dos técnicos e professores, além do maior acompanhamento nas ações
pedagógicas. Assim, a Seduc (2012) assegura que o PAIC tem melhorado consideravelmente
os índices de alfabetização em todo o estado.
Entretanto, apenas observando os mapas dos resultados do IDE-alfa,
disponibilizados no site do programa, percebemos nos últimos dois anos está havendo uma
considerável queda ou estagnação na proficiência de alguns municípios, como Fortaleza,
Camocim, Morada Nova, Icó, dentre outros. Muitos municípios que já estiveram no nível de
proficiência desejado estão caindo para níveis inferiores. A seguir, iremos observar os mapas
demonstrativos do IDE-alfa que deixam claro o diagnóstico dos níveis de proficiência dos
municípios de 2007, anos de início do programa PAIC, até 2013, últimos resultados
divulgados pelo sistema.
6 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.
58
Figura 1 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2007
Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.
59
Figura 2 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2008
Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.
60
Figura 3 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2009
Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.
61
Figura 4 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2010
Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.
62
Figura 5 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2011
Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.
63
Figura 6 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2012
Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.
64
Figura 7 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2013
Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.
65
Portanto, ao analisarmos os mapas e os níveis de proficiência de cada município,
percebemos que o programa foi importante para a diminuição do número de crianças não
alfabetizadas ou com alfabetização incompleta. Contudo, a estagnação de alguns municípios e
a queda no nível desejável para o nível suficiente nos anos 2012 e 2013, geram alguns
questionamentos sobre a atual eficiência do Programa, principalmente das ações que estão
sendo desenvolvidas nos municípios e nas escolas. É necessário investigar porque está
havendo a queda dos níveis dos municípios e o que pode ser feito para continuar incentivando
o combate ao analfabetismo.
Vale deixar claro também que não podemos avaliar a qualidade da alfabetização
nas escolas com base apenas em avaliações externas que visam quantificar o aprendizado do
aluno. Deve haver uma avaliação da assistência pedagógica; da ação dos professores em sala
de aula; das dificuldades materiais e da gestão escolar. Se não houver um acompanhamento
do processo que ocorre na sala de aula, da prática do alfabetizar e letrar, não poderão ser feitas
melhorias que realmente melhorem a qualidade do ensino.
Diante disso, é necessário repensar algumas ações do Programa, incluindo a
capacitação que está sendo oferecida aos professores para que eles saibam desenvolver meios
que facilitem o aprendizado da criança, e principalmente, da formação que está sendo
oferecida aos alunos, analisando se ela é capaz de propor o desenvolvimento dos aspectos
cognitivos, psicomotores, sociais, e não apenas se pautando em uma formação baseada no
treinamento e em técnicas de memorização, como existe em outros programas
preestabelecidos.
66
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Entendemos que os procedimentos científicos de coleta de dados, inscritos na
discussão sobre “como” desenvolver uma investigação, não tem valor por si próprio,
ganhando sentido somente quando situados em um quadro de referencias teóricas
que lhes conceda sustentação, ou dito de outra forma, em um marco teórico
argumentativo que lhes atribua credibilidade (FARIAS; NUNES; NOBREGA).
Com base nesse pressuposto, compreendemos que a maneira pela qual
desenvolvemos uma pesquisa não a qualifica até que a fundamentemos em um pilar teórico-
metodológico que possa lhe atribuir valor científico. Portanto, os procedimentos
metodológicos que embasam essa investigação contam com um aparato teórico-científico bem
estruturado que irá subsidiar caminhos para se alcançar os objetivos propostos.
A questão central dessa investigação foi analisar como o PAIC e sua proposta
teórico-metodológica implicam na atuação docente de professoras de duas escolas do
município de Limoeiro do Norte, Ceará. Com a concretização da questão central houve a
necessidade de descrever o programa a partir da realidade da sala de aula, analisando o
ambiente e os discursos dos sujeitos participantes para avaliar como ocorre a aprendizagem.
Para sua realização, a pesquisa buscou se estruturar em uma abordagem qualitativa,
utilizando-se da observação e da descrição da prática cotidiana.
De acordo com BOGDAN e BIKLEN (1994, p. 47), “[...] na investigação
qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo-se o investigador o
instrumento principal”. Assim, a partir da investigação da realidade é possível entender as
ações dos sujeitos e seu contexto, possibilitando sua compreensão.
[...] o caráter qualitativo da pesquisa assim efetuada advém das vivencias percebidas e
expressas, as quais carregam consigo, já em sua estrutura, a hermenêutica, na medida
em que se autointerpreta e dá-se, pela linguagem, à interpretação. [...] as vivencias nos
são dadas pelas expressões daquele que experiência e por isso a descrição torna-se
ponto chave da pesquisa qualitativa (BICUDO, 2011, pp. 37 e 38).
Desse modo, a pesquisa descritiva possibilita caminhos para a concretização da
abordagem qualitativa. A investigação descritiva tem como finalidade identificar, registrar e
analisar as características, fatores e variáveis que se relacionam com o processo investigativo.
Na seguinte pesquisa, a descrição explicitou como ocorre a aprendizagem a partir da
metodologia do PAIC, analisando os fatores que interferem ou condicionam o processo de
alfabetização e a atuação dos professores nas referidas escolas.
67
A descrição descreve o movimento dos atos da consciência. Ela se limita a relatar o
visto, o sentido, ou seja, a experiência como vivida pelo seu sujeito. Não admite
avaliações e interpretações, apenas exposição do vivido como sentido percebido.
Porém, a preocupação não é se deter na descrição da experiência focando as nuanças
da sua individualidade, mas visa mostrar as estruturas em que a experiência relatada se
dá, deixando transparecer, nessa descrição, as suas estruturas universais (BICUDO,
2011, pp. 45 e 46).
A descrição foi feita a partir de notas de campos diárias com o intuito de registrar
e narrar os acontecimentos, analisando-os e buscando compreender o sentido e os significados
dados pela vivência e pelos comportamentos dos sujeitos. Essas notas retrataram a descrição
das atividades ocorridas, o comportamento dos sujeitos, a descrição do espaço físico, os
diálogos e a participação do observador nas atividades.
3.1 OS INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS
A coleta de dados ocorreu em duas turmas de 1º ano do Ensino Fundamental, em
duas escolas municipais de Limoeiro do Norte, Ceará. O objetivo de acompanhar duas escolas
foi de investigar como ocorre o processo de aprendizagem em ambientes distintos,
observando como as professoras trabalham com a proposta didática do PAIC e como os
alunos interagem com o material didático. As escolas foram escolhidas a partir da análise dos
resultados da avaliação SPAECE-alfa de 2013. Embora as escolas estejam localizadas no
mesmo bairro e receba a mesma clientela, os resultados do SPAECE-alfa 2013 mostram que a
Escola A tem proficiência média de 151,2, índice menor que a Escola B que apresenta
proficiência média de 173,4. Os resultados dessa avaliação é sumariamente importante para
que o governo tenha controle das ações desenvolvidas e do processo de ensino e de
aprendizagem.
Para a realização do trabalho utilizamos como instrumento de coleta de dados a
observação participante que permite realizar uma descrição do campo estudado, permitindo,
assim, delinear como ocorre a prática do PAIC nas escolas. Durante o período de seis semanas
essas escolas foram acompanhadas, com um total de dez encontros em cada turma.
A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da
perspectiva dos sujeitos, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida
em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode
tentar aprender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à
realidade que os cerca e às suas próprias ações (LUDKE E ANDRÉ, 1986, p. 26).
68
Para Chizzotti (1995), a observação participante é obtida por meio do contato do
pesquisador com o que é observado, para recolher as ações dos atores em seu contexto
natural, com base em sua perspectiva e seus pontos de vista.
Para compreender o comportamento é necessário compreender as definições e o
processo que está subjacente à construção desta. [...] as pessoas não agem com base
em resposta predeterminada a objetos predefinidos, mas sim como animais
simbólicos que interpretam e definem, cujo comportamento só pode ser
compreendido pelo investigador que se introduza no processo de definição através
de métodos como a observação participante (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 55).
Portanto, a intenção de utilizar a observação participante foi compreender como
ocorre o dia a dia nas turmas de alfabetização que utilizam a proposta do PAIC, observando o
comportamento das professoras diante dos conteúdos, planos de aula e a rotina didática do
Programa. Acompanhar também, o desenvolvimento dos alunos, suas relações com os
materiais e as professoras, percebendo os estímulos recebidos e os conhecimentos construídos
a partir dessas interações. Todas as observações foram descritas em um diário de campo para
que fossem registradas as ações ocorridas dentro do ambiente pesquisado.
Além da observação, foi realizada uma avaliação diagnóstica com alguns alunos
que apresentaram diferentes níveis de escrita. A escolha dos alunos se deu pelo diagnóstico
inicial feito no começo do ano letivo pela escola e das observações do comportamento destes
na sala de aula. Essa avaliação diagnóstica teve o objetivo de realizar uma análise dos
conhecimentos dos alunos, através de pré e pós-testes, que serviram como fontes de
verificação do avanço da aprendizagem nos aspectos de leitura e de escrita. Esses testes
permitiram concretizar um dos objetivos da pesquisa, que é verificar o impacto do processo de
alfabetização proposta pelo PAIC na aprendizagem dos alunos. Os testes foram aplicados a
dez alunos de cada turma e consistiram na escrita de três palavras e uma frase de acordo com
a orientação da pesquisadora, examinando também a leitura de três palavras, uma frase e um
texto.
Com as professoras foram realizadas entrevistas semiestruturadas e o
acompanhamento na formação continuada oferecida pelo Programa, com enfoque nas
disciplinas de português e matemática. A necessidade de acompanhar as professoras nas
formações oferecidas pelo PAIC se deu para avaliar que tipo de formação é oferecida ao
professor alfabetizador, analisando os estudos discutidos, as metodologias aplicadas, as ideias
sugeridas e a construção do plano de aula. Utilizamos também da observação e da descrição
para explicitar os acontecimentos e as ações dos sujeitos participantes.
69
As entrevistas semiestruturadas com as professoras tiveram como intuito o
registro e a análise de seus posicionamentos sobre o PAIC, sobre o processo de alfabetização
e sobre sua prática docente. Para a realização dessas entrevistas foi utilizado um roteiro para
orientar as perguntas de modo a não perder os objetivos. Entretanto, buscamos também
contemplar uma abordagem mais livre e que melhorasse a opinião das professoras.
A preferência por esse tipo de entrevista foi para que o entrevistador tivesse uma
orientação sobre as perguntas, mas com possibilidades de novas indagações, de acordo com a
fala das entrevistadas. “A entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem
do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a
maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.
134).
70
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES
Com base nos dados coletados na pesquisa de campo e na análise da proposta do
Programa em estudo, realizaremos uma discussão sobre o desenvolvimento do processo
metodológico de alfabetização realizado pelo PAIC. Averiguamos também a opinião das
professoras a respeito do Programa e da implicação de seu uso na atuação docente. Mediante
a essas considerações, tentaremos abrir caminhos que nos levem à concretização dos objetivos
e dos questionamentos levantados pela pesquisa.
Inicialmente, apresentaremos o perfil das escolas investigadas e dos sujeitos que
fazem parte dela; prezando pelo anonimato, resolvemos nomeá-las de escola A e de escola B.
Posteriormente nos propomos a analisar a Proposta de Alfabetização do PAIC, sua
metodologia, seus materiais de aprendizagem e sua rotina didática. Também realizamos uma
descrição do acompanhamento pedagógico nas duas escolas para averiguar como é a atuação
das professoras que utilizam o PAIC.
Após essa descrição, fizemos a análise das entrevistas com as professoras para
obter informações sobre como percebem e trabalham com essa metodologia, rotinas e
materiais do PAIC para alfabetizar os alunos e a implicação do Programa em sua prática
docente. Por fim, verificamos como se deu o desenvolvimento do processo de alfabetização
dos alunos no decorrer do ano letivo, a partir de pré e pós-testes, realizados em dois
momentos distintos, abril e outubro.
4.1 CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS
A pesquisa se realizou em duas escolas municipais localizadas no centro do
município de Limoeiro do Norte, Ceará. Nas duas escolas funcionam turmas da Educação
Infantil ao 5º ano do Ensino Fundamental.
A escola A tem um amplo espaço de recreação, com parquinho e campinho de
futebol, pátio interno e externo. Todo o ambiente é pintado e decorado com personagens
infantis. Ao todo existem 7 salas de aula e funcionam 14 turmas, 7 no período da manhã e 7 à
tarde. As salas são amplas e arejadas, com dois ventiladores e janelões que permitem uma boa
ventilação. A escola tem banheiros adaptados para as crianças e outro para os funcionários.
71
Além dos espaços mencionados, ela também possui sala dos gestores, da secretária e dos
professores, uma sala de informática para os alunos e, infelizmente, não há biblioteca.
Essa escola é administrada por uma diretora e uma coordenadora pedagógica,
ambas formadas em Pedagogia, e nela trabalham um total de 19 professores, 12 funcionários e
430 alunos. Durante a pesquisa foi notório o acompanhamento da gestão no processo de
ensino e na assistência às professoras. A escola passa por um período de preocupação sobre a
avaliação, embora ainda se mantenha no padrão desejável nessa avaliação. Em 2013, houve
uma queda de 5,2% nos índices apontados pelo SPAECE-alfa 2013, avaliação que avalia o
nível de escrita e leitura dos alunos do 2º ano. Por esse motivo, as gestoras intensificaram o
acompanhamento às turmas de alfabetização de 1º e 2º ano do Ensino Fundamental.
A escola B é uma instituição pequena e, consequentemente, sem espaços amplos.
Antes de se tornar escola, o prédio era utilizado como Secretária de Educação do Município, e
por esse motivo, as salas são pequenas e pouco arejadas. Não houve nenhuma reforma para o
aumento do tamanho das salas devido ao pouco espaço do terreno. O pátio se localiza em uma
parte coberta, como se fosse um salão interno. Não há parquinho e as atividades de recreação
são pouco diversificadas.
O ambiente escolar é enfeitado com pinturas e desenhos infantis. Existem 10 salas
e funcionam 20 turmas divididas no período da manhã e da tarde. Há uma sala de informática
para os alunos e uma pequena biblioteca climatizada, porém oferece um acervo de livros
consideravelmente pequeno. Os banheiros não são adaptados para o tamanho das crianças. O
lanche é servido nas salas, pois a cantina é usada como sala para os professores.
O grupo gestor, composto por uma diretora e uma coordenadora, fica em uma sala
muito pequena. Na escola há 25 professores (entre os professores titulares e os professores
que substituem os titulares para que estes realizem seu planejamento) e aproximadamente 10
funcionários, e um total de 520 alunos. Durante as visitas não ficou nítido o acompanhamento
por parte da coordenação, embora a escola tenha ótimos índices no padrão de desempenho
divulgado pela avaliação SPAECE-alfa. Os últimos resultados apontam o aumento de 6,1%
nos índices em 2013, mantendo a escola em um padrão desejável.
Vale ressaltar, que ambas as escolas se dispuseram a contribuir com a pesquisa,
não apresentando dificuldades em aceitar o acompanhamento de seis semanas nas escolas.
72
Tanto as gestoras como as professoras se mostraram hospitaleiras, ajudando sempre que foi
necessário, revelando, assim, a importância destas para a concretização deste trabalho.
4.1.1 Perfis das Professoras e dos alunos
Participaram da pesquisa duas professoras concursadas, com 200 horas-aula de
carga horária divididas em 8 horas diárias de trabalho. Portanto, além de trabalhar no 1º ano,
elas também lecionam em outras turmas do Ensino Fundamental. Quanto à remuneração, as
duas ganham em média de 2 a 3 salários mínimos.
A professora da escola A tem 45 anos, possui nível superior em Letras e Pós-
graduação em Linguística e está exercendo o magistério há 22 anos. Na escola investigada já
trabalha há cinco anos. No entanto, é a primeira vez que trabalha no 1º ano e com a
metodologia do PAIC, porque sempre gostou mais de ensinar turmas da Educação Infantil.
Foi mediante uma necessidade da escola que ela teve que ser remanejada para o 1º ano.
A professora da escola B tem 39 anos e sua formação inicial é o magistério
pedagógico. Atualmente, está cursando o terceiro semestre do curso de Pedagogia. Trabalha
na escola há três anos, com turmas do 1º ano. Porém, admite que sempre teve preferência por
ensinar turmas de 3º a 4º anos do Ensino Fundamental, pois os alunos são mais autônomos.
Quanto aos alunos, participaram da pesquisa sessenta e quatro, dos quais trinta e
seis são meninos e vinte e oito meninas. Os alunos são da mesma faixa etária, entre seis e sete
anos de idade. A maioria deles reside nos bairros próximos às escolas e fez a educação infantil
na própria instituição onde estudam.
De acordo com os dados fornecidos pelas escolas, as famílias das crianças, em sua
maioria, têm baixa renda e muitas sobrevivem dos programas do Governo Federal. Em alguns
casos há pais que trabalham em fábricas ou no comércio local.
Embora exista uma grande proximidade entre as escolas, notamos que o
comportamento dos alunos é um pouco diferente. Na escola A, eles são mais disciplinados e
temem mais a professora, e isso faz com que o processo de ensino seja mais organizado, pois
não presenciamos cenas de violência e nem de agressões entre eles. Na escola B, os alunos
são mais inquietos e dispersos, conversam bastante e em alguns momentos foram agressivos
73
uns com os outros, fazendo com que a professora tivesse que chamar a atenção deles inúmeras
vezes, para que prestassem atenção à aula.
4.2 ANÁLISE DA PROPOSTA, ROTINA E PLANOS DO PAIC
Para compreendermos como ocorre o processo de alfabetização proposto pelo
PAIC é fundamental examinar o material e a rotina didática que deve ser seguida pelos
professores. Nos capítulos anteriores já informamos que a proposta e o material foram
elaborados por uma equipe de professores coordenados por Maria Amália Simonetti Gomes
de Andrade7 em parceria com a SEDUC.
Inicialmente, o material criado foi destinado às turmas de 1º ano, constituído pela
proposta didática “alfabetizar letrando”. Essa proposta traz uma reflexão teórica sobre o que é
cada etapa, envolve temáticas e objetivos de aprendizagem diferentes e obedecem a um
seguimento de rotinas diárias.
O material do 2º ano ficaria a cargo de editoras privadas, que desenvolveriam
livros didáticos com base na proposta utilizada pelo 1º ano. Contudo, no ano de 2014, a Seduc
resolveu também criar um material para o 2º ano. Acreditamos que essa é uma medida para
tentar baratear os gastos municipais com o uso de editoras e tentar superar uma queda
verificada no nível de proficiência dos últimos dois anos.
Informamos que o plano inicial da pesquisa era de acompanhar tanto turmas do 1º
ano quanto turmas do 2º ano do Ensino Fundamental. Contudo, com a mudança na produção
do material para o 2º ano, houve atraso na entrega, o que implicou na desistência de
acompanharmos essas turmas, pela falta de material de análise.
Os materiais do 1º ano chegaram ao início do final do mês de março, quase dois
meses após o início do ano letivo. Entretanto, o material do 2º ano até o final de maio ainda
não havia sido entregue às escolas. Diante desse impasse, procuramos a secretaria de
Educação do município de Limoeiro do Norte em busca de uma justificativa para o atraso dos
materiais. Conforme a secretaria municipal de Limoeiro do Norte, houve um problema na
produção e no fornecimento desses materiais, o que ocasionou o atraso na entrega.
7 Professora da Universidade Federal do Ceará, estuda os seguintes temas: educação infantil, educação
matemática, letramento e alfabetização.
74
Segundo informações dadas pelas escolas, o material do 2º ano chegou somente
no mês de junho, faltando poucos dias para o final do primeiro semestre letivo. Isso nos leva
a refletir sobre a eficiência do Programa PAIC, que não realiza a entrega dos materiais no
início do ano letivo. As coordenadoras das escolas admitem que todos os anos os livros
somente são entregues após as aulas terem iniciado e cerca de dois meses de andamento das
aulas. Enquanto esse material não chega, o professor acaba utilizando cópia xerografada dos
materiais dos anos anteriores para realizar as atividades com os alunos.
Essa é uma ocorrência que deve ser repensada pelos gestores das secretarias
municipais e também do estado, que são aqueles que fornecem o material. O que nos parece é
que para a coordenação do PAIC, este atraso não incide negativamente na alfabetização dos
alunos, pois é visto como algo permissível e natural. Não percebemos que havia
questionamentos de nossas autoridades e nem mesmo das secretárias municipais sobre esse
atraso e o que importava era mostrar dados estatísticos com excelentes resultados. Na
verdade, nossa educação básica ainda sofre com o descaso público e, consequentemente, com
a falta de qualidade. Enquanto isso, escolas e professores devem “aprender” a lidar com as
dificuldades e a falta de condições necessárias à aprendizagem dos alunos.
Quanto a analisar o material fornecido pelo PAIC do 1º ano, cada professor recebe
uma Proposta Didática para Alfabetizar e Letrar e um conjunto de 18 cartazes para expor na
sala, conforme as etapas estudadas. Já os alunos, recebem um caderno de atividades que
delimita a atividade a ser feita a cada dia da semana, obedecendo à rotina proposta pelo PAIC.
O caderno vem com as cartelas didáticas de análise estrutural e fonológica e fichas com
numerais, letras do alfabeto, palavras que servirão para o preenchimento dessas cartelas. Vale
destacar que esses materiais são destacáveis e individuais. Os alunos também recebem um
livro de histórias, Parece...mas não é, que será usado por todo o ano letivo. Esse livro é rico
em gravuras e pequenos textos e tem o objetivo de despertar o interesse do aluno pela leitura.
Ao examinar esse material do PAIC, aferimos que a “Proposta Didática para
Alfabetizar e Letrar” contém algumas reflexões teóricas sobre a alfabetização e o letramento;
sobre o uso da teoria construtivista como processo de compreensão do desenvolvimento da
aprendizagem da criança e o uso da linguística para a aquisição da leitura e da escrita. Porém,
esses textos são bem sintetizados e não oferecem um conhecimento mais amplo acerca das
teorias. A finalidade da proposta é a inserção da rotina didática a ser utilizada em sala de aula,
com sugestões de atividades, jogos e, principalmente, com orientações e objetivos de
75
aprendizagem a serem alcançados em cada aula. É a partir da inserção desses tempos
didáticos na rotina que o professor deve elaborar seus planos de aula.
A proposta é muito interessante na medida em que indica o uso de diferentes
temas e gêneros textuais, como o uso de travas-língua, adivinhas, charadas, parlendas,
músicas, receita, lendas, contos, fábulas e textos informativos. E também tem sugestão sobre
o uso de diversos jogos como bingo, boliche, baralho, dominó, jogo da memória, pescaria,
quebra-cabeça, trilhas, caça-palavras, o que poderá despertar maior interesse dos alunos pelo
conhecimento, fazendo com que eles se envolvam em atividades práticas socializadas.
Entretanto, a proposta poderia melhorar a questão da reflexão teórica
disponibilizada aos professores e criar melhores oportunidades de leitura para que eles tenham
uma maior compreensão do tripé que fundamenta a proposta: o construtivismo como teoria
epistemológica; a linguística como Ciência da Língua; a didática como práxis pedagógica.
Compreendemos que o professor é muito importante no processo de ensino e de
aprendizagem, e quanto mais preparado ele estiver para alfabetizar e letrar, melhor ele poderá
desempenhar seu papel de alfabetizador.
Em relação ao caderno de atividades do aluno, vimos que ele disponibiliza
atividades que devem acompanhar os tempos da rotina didática. Contudo, algumas dessas
atividades são repetitivas, seguem sempre o mesmo processo, chegando a ser técnicas e
mecanizadas. Embora possibilitem a construção da consciência fonológica e estrutural das
palavras, não são atividades que despertem maior interesse dos alunos.
Além disso, um fato bastante intrigante é que esse caderno de atividades
permanece praticamente o mesmo desde o início do Programa, em 2007. Ou seja, quase não
houve mudanças no padrão dessas atividades. Para o professor que trabalha há muito tempo
com o PAIC, realizar as mesmas atividades tem se tornado uma tarefa enfadonha e
desestimulante e faz com que ele também não tenha entusiasmo para tornar o material atrativo
às crianças. É interessante destacar que o Programa estimula que o professor reavalie sua
prática pedagógica para verificar se os objetivos da aula foram alcançados, no entanto, o
próprio Programa compromete essa prática de reavaliação quando não possibilita a renovação
dos materiais e das atividades propostas.
O Programa oferece um caderno de registro para que o professor acompanhe o
processo de desenvolvimento dos alunos e para que possa realizar as intervenções necessárias
76
e reorientar sua prática. Conforme Luckesi (2002), a concepção de utilizar a avaliação como
reorientação da prática pedagógica é fundamental, pois o professor poderá alterar a sua prática
e realizar as intervenções necessárias para melhorar a aprendizagem dos alunos.
O caderno de registro disponibiliza um mapeamento com atividades do caderno
do aluno que poderão ser utilizadas para avaliar os alunos conforme o seu desenvolvimento e
nível de aprendizagem. É um caderno bastante complexo que precisa do conhecimento do
professor sobre a teoria da Psicogênese da Língua Escrita, de Emília Ferreiro, e sem esse
conhecimento, dificilmente o professor terá êxito em avaliar a aprendizagem dos alunos.
Além da necessidade de conhecer a Psicogênese da Língua Escrita, o professor
também deve conhecer práticas ligadas à alfabetização e ao letramento. Desse modo, o
programa também oferece um acervo de livros paradidáticos, chamado de Coleção PAIC -
Prosa e Poesia, com 24 títulos diferentes. Anualmente existe a renovação desses livros com
novas histórias e que envolvem diferentes gêneros textuais e abrangem especificidades da
região nordeste. O intuito de utilizar gêneros diversificados é justamente inserir a criança no
ambiente letrado, com o objetivo de que elas possam conhecer e interagir com os diferentes
tipos de textos e narrativas. Os professores também são orientados a disponibilizar jornais,
revistas, gibis, receitas e outros tipos de gêneros textuais.
Esse provavelmente é um dos pontos mais positivos do Programa, pois muitas
escolas carecem de biblioteca e de livros paradidáticos, e os livros dessa coleção são atrativos,
cheios de gravuras, com peculiaridades do contexto dos alunos, sem deixar de abordar
elementos de outras regiões, proporcionando às crianças a capacidade de viajar através do
mundo da leitura.
Segundo Solé (1998), no período da alfabetização é fundamental que se motive os
alunos ao interesse pela leitura, fazendo com que eles compreendam que a leitura é um
processo de interação entre eles e o texto com finalidades próprias e objetivos que guiem sua
leitura, como obter informações, por exemplo.
Portanto, ao estudarmos a proposta e o material do PAIC, é possível concordar
que ele oferece uma gama de possibilidades de aprendizado; incentiva a aquisição da leitura e
da escrita; oferece o conhecimento de diferentes gêneros textuais; possibilita o uso de jogos e
do lúdico para enriquecer as atividades diárias. Todavia, é necessário que haja atualização e
revisão dos materiais e atividades em busca de facilitar e melhorar a atuação dos professores,
pois só assim eles poderão melhorar também o processo de ensino e de aprendizagem.
77
4.2.1 Rotina e planos de aula
O PAIC propõe uma rotina didática para alfabetizar e letrar e que deve ser
utilizada diariamente. Ela está dividida em tempos distintos e deve ser executada em 90
minutos (sugestão da proposta). Conforme Andrade (2009, p. 38), os tempos são:
Tempo para gostar de ler (15 min): o objetivo é formar o leitor. Esse é um momento
livre em que o professor deixará que os alunos interajam livremente com os livros para
que eles desenvolvam o prazer pela leitura. O professor deve oferecer uma diversidade
de livros e outros gêneros textuais deixando os alunos à vontade para manuseio e
leitura;
Roda de leitura e oralidade (15min): o objetivo é a aquisição da leitura e o
desenvolvimento da fala. Esse é o momento em que o professor irá interagir com os
alunos, indagando-os sobre os livros e gêneros, produzindo textos oralmente e
incentivando a leitura e a criatividade;
Lendo e compreendendo (30min): o objetivo é a reflexão e a compreensão da leitura.
Tempo que desenvolve a consciência fonológica e a compreensão dos textos
estudados;
Aquisição da escrita (30min); o objetivo é a aquisição da escrita e a formação do
produtor de textos (escrevendo do seu jeito). O professor deve incentivar a autonomia
do aluno na aprendizagem da escrita, auxiliando-os nessa produção espontânea.
Esses tempos pedagógicos funcionam como sequências didáticas para que os
professores tenham uma orientação sobre o que deve fazer em cada parte da aula, de modo a
evitar o desperdício de tempo. As contribuições das sequências didáticas para o ensino dos
gêneros textuais são muitas, conforme Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004, p. 55):
O procedimento sequência didática é um conjunto de atividades pedagógicas
organizadas, de maneira sistemática, com base em um gênero textual. Estas têm o
objetivo de dar acesso aos alunos as práticas de linguagens tipificadas, ou seja, de
ajudá-los a dominar os diversos gêneros textuais que permeiam nossa vida em
sociedade, preparando-os para saberem usar a língua nas mais variadas situações
sociais, oferecendo-lhes instrumentos eficazes para melhorar suas capacidades de ler
e escrever.
78
Segundo Zabala (1998), a sequência didática é “uma forma de encadear e articular
as diversas atividades didáticas ao longo da aprendizagem de um conceito”, na qual permite a
(re)construção dos conhecimentos ao articular os conhecimentos prévios aos novos
conhecimentos a adquirir. O autor defende que o uso das sequências didáticas podem ser
enriquecedoras para o processo de ensino, pois permitem uma ligação entre as diferentes
etapas da aprendizagem. Assim, o uso de sequência didática, proposta pelo programa,
contribui para o desenvolvimento do conhecimento dos alunos e para das ações dos
professores.
No entanto, a rigidez da rotina e das orientações metodológicas do PAIC
compromete a autonomia do professor, que mesmo diante das dificuldades e da
heterogeneidade dos alunos, não pode suspender as atividades da rotina, mesmo que seja por
pouco tempo. Esse rigor faz com que se ponha em dúvida o papel do professor em sala de
aula, pois ele passa a ser visto como um mero executor de uma rotina preestabelecida.
Freire e Macedo (1990) discutem esses programas de alfabetização
predeterminados e preestabelecidos, que tiram o significado real do aprendizado ao
menosprezar a cultura e a voz dos sujeitos que fazem parte do processo e torna a alfabetização
um processo mecanizado.
Diante dessa interposição, percebemos o quanto o PAIC pode limitar a autonomia
didática do professor, submetendo-o a técnicas de alfabetização prontas. Em vista disso, existe
uma falta de autonomia do professor em relação à execução da rotina e dos conteúdos
preestabelecidos a serem pensados. O professor deixa de utilizar outros meios, que poderiam
melhorar o rendimento dos alunos, para se restringir às orientações e recursos do PAIC.
Em relação aos planos de aula, há um modelo padronizado pelo Programa. O
plano delimita os tempos da rotina do PAIC, a aquisição da leitura e da escrita, que deve ser
cumprida no primeiro horário de aula (7h às 8h30min). O segundo tempo, após o intervalo
(9h às 11h), deve ser dedicado às outras disciplinas e necessidades de aprendizado dos alunos,
como matemática, história, geografia, artes e outras. Na maioria dos municípios os planos são
criados pelos professores conjuntamente, com base na proposta didática, nos encontros das
formações do Programa. No tópico em que analisamos a formação docente ficará mais claro
como ocorre o processo de elaboração dos planos de aula.
79
4.3 ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO
4.3.1 Observações na escola A
Antes de analisar como as professoras realizam a rotina didática e utilizam a
metodologia do Programa, resolvemos descrever um pouco sobre como ocorre o dia a dia das
turmas acompanhadas e a ação das professoras. Durante o período de seis semanas
acompanhamos as duas escolas, nos meses de março e abril, para verificar a prática das
professoras que utilizam a proposta do alfabetizar letrando e observar o ambiente de
aprendizagem, os planos de aula e o processo de ensino e de aprendizagem.
O acompanhamento às escolas foi sumariamente importante para analisar a
metodologia e a rotina do PAIC; as ações das professoras; o acompanhamento pedagógico por
parte da gestão; o processo de ensino e de aprendizagem; a disponibilidade de materiais e a
formação oferecida aos alunos. Nos tópicos seguintes ponderamos sobre alguns fatores
relevantes das observações e do diário de campo. Esclarecemos que nosso objetivo não é
comparar o uso do PAIC em escolas diferentes, no entanto, foi necessário descrever os pontos
de observações separadamente, conforme a experiência em cada escola.
Ambiente da sala de aula
Inicialmente, o primeiro passo da observação foi verificar o ambiente da sala de
aula e nós percebemos que era um espaço amplo, com janelões e boa ventilação. A sala estava
bem limpa e tinha bastante ornamentação com cartazes, gravuras, alfabetos, números, listas
do nome dos alunos, calendário e um pequeno espaço denominado “Cantinho da Leitura”,
com alguns livros à disposição dos alunos. Consideramos que esses recursos colaboram com a
proposta do programa ao envolver a criança em um ambiente letrado, no entanto, a professora
dessa sala pouco explorava esses materiais, utilizando-os muito mais como parte da decoração
do que como recurso para a aprendizagem.
Uso dos materiais didáticos
Durante as observações, a professora utilizou os materiais presentes e que vêm
no kit do aluno e também os materiais confeccionados por ela, como cartelas, fichas, cartazes,
jogos. Nas aulas de matemática o uso de material concreto era mais presente, entretanto,
80
presenciamos poucas aulas destinadas ao ensino das demais disciplinas. O tempo de aula era
mais dedicado às atividades de aquisição da leitura e da escrita.
Em relação ao uso de livros paradidáticos, a maioria dos livros usados em sala
era da coleção “PAIC Prosa e Poesia”. A escola não possuía biblioteca e tinha poucos livros
paradidáticos. Várias vezes ouvimos o relato da professora afirmando que no plano de aula, o
Tempo para Gostar de Ler trazia sugestões sobre o uso de histórias diversificadas, gibis,
revistas, jornais etc. Entretanto, a escola não tinha esses materiais e ela sempre acabava
utilizando a Coleção do PAIC. Isso é um aspecto negativo encontrado nessa escola, pois os
alunos não tinham um espaço destinado à interação com a leitura fora da sala de aula e, além
disso, a escola também oferecia poucos recursos e poucas variedades de portadores de texto.
Consequentemente, vimos que no decorrer da pesquisa os alunos perdiam o interesse pelos
livros da Coleção PAIC, por serem conhecidos e considerados sempre “iguais”.
Alguns alunos que tinham outras coleções de histórias em casa, levavam-nas
para a escola e pediam que a professora lesse, porém, ela dizia que aquele tempo era dedicado
para que eles ficassem à vontade com os livros e não para ela ler. Esse não foi o único
momento em que ela se recusou a realizar a leitura para os alunos. Várias vezes as crianças
pediam que ela lesse os cartazes expostos nas paredes, mas ela se recusava, afirmando “esse
não é o momento”, apesar de haver na sala um “cantinho da leitura” e vários cartazes que
poderiam ser utilizados para incentivar a leitura das crianças. A professora quase não interagia
e nem facilitava a interação das crianças com esses materiais.
Desse modo, é necessário que o professor reconheça sua importância para a
aquisição da aprendizagem, que incentive e intervenha para a construção de novos
conhecimentos pelo aluno. De acordo com Braggio (1992), a função do professor é observar o
educando, problematizar, intervindo sempre no sentido de possibilitar a reflexão de cada
aluno:
O professor como mediador da leitura ainda é um dos grandes desafios a ser
enfrentado, pois a alfabetização envolve um processo de elaboração de hipóteses sobre a
representação linguística e, durante décadas, a alfabetização foi entendida como
decodificação, aquisição de um código, associação de sons e letras para produzir palavras
suficientes para alfabetizar (FREIRE, 1991 apud KLEIMAN, 2008, p. 48).
Os planos de aula
81
Pedimos à professora cópias dos planos de aula utilizados e ela nos forneceu sem
nenhum impedimento. Verificamos que ela seguia corretamente as atividades do plano, com
algumas falhas no uso dos materiais, por não ter ou não saber usá-los corretamente. Quase
sempre a professora excedia o tempo dedicado à aquisição da leitura e da escrita e o uso dos
materiais do PAIC. Conforme o plano de aula, o tempo das atividades do PAIC devia ocorrer
de 7h às 8h30min, porém a aula nunca começava às 7h, iniciando por volta das 7h15min, isso
ocorria porque alguns alunos chegavam atrasados ou iam participar dos momentos coletivos
no pátio da escola. Por esses motivos, o tempo da rotina já iniciava com atraso e sempre
estendia o prazo estabelecido. Além da demora no início das aulas, atribuímos a extrapolação
no tempo de aula a diversos fatores, como o excesso de atividades para um único dia; as
necessidades de aprendizado individuais dos alunos; e o grande número de alunos para uma
única professora.
A prática docente
A professora nos recebeu muito bem e cooperou bastante com a pesquisa e em sua
ação pedagógica, por vezes, mostrou-se rígida e afeita à disciplina. Sempre ela procurava
chamar a atenção dos alunos para que eles se concentrassem na aula. Em alguns momentos
vimos que ela repreendia demais os alunos, principalmente quando alguns se adiantavam em
algumas atividades. Essas atitudes mostraram que ela não incentivava a autonomia dos alunos
no exercício das atividades
Notamos ainda que a professora não incentivava a construção das relações
afetivas entre as crianças e nem demonstrava carinho pelos alunos. Trabalhar e promover a
afetividade nessa idade é fundamental para o desenvolvimento das crianças, pois a afetividade
faz parte da formação e da humanização dos alunos e, assim como o aspecto cognitivo, o
aspecto afetivo também deve ser incentivado.
A vida afetiva, como a vida intelectual é uma adaptação contínua e as duas
adaptações são, não somente paralelas, mais interdependentes, pois os sentimentos
exprimem os interesses e os valores das ações, das quais a inteligência constitui a
estrutura (PIAGET, 1971, p. 271).
O afeto se desenvolve no mesmo sentido que a cognição ou a inteligência.
Segundo Wallon (1989), um importante teórico do desenvolvimento humano que centraliza
seus estudos no aspecto afetivo, a criança já chega ao mundo como um ser afetivo, sendo que
a afetividade e a inteligência estão imbricadas. Assim, através dos vínculos afetivos as
crianças serão capazes de fazer parte do meio social. A partir desse processo, segundo
82
Wallon, a pessoa vai-se construindo e se constituindo humana, através da sucessão pendular
de momentos afetivos e cognitivos. Isso implica em que a afetividade depende das conquistas
cognitivas e as aquisições cognitivas dependem do desenvolvimento afetivo. Desse modo, a
afetividade também é um importante aspecto para a aprendizagem da criança.
A respeito das metodologias utilizadas nas aulas, vimos que são bastante
diversificadas e atrativas, com materiais confeccionados pela própria professora e sugeridos
nos planos de aula. Sempre que necessário, a professora pedia o auxílio à coordenadora,
especialmente quando o plano continha atividades que a professora não conseguia realizar
sozinha com os alunos. Essa relação de reciprocidade entre professora e coordenadora foi
vista como algo bastante positivo.
Por ser a primeira vez que a professora trabalhava com o PAIC ela ainda não
dominava as técnicas metodológicas do programa, pois várias vezes mostrou-se atrapalhada
com o uso dos materiais, utilizando-os de forma incorreta, o que não favorecia a
aprendizagem dos alunos. Observamos que ela não sabia avaliar os alunos conforme os
pressupostos da Teoria da Psicogênese da Língua Escrita, teoria usada pelo programa para
fazer o diagnóstico do nível de aprendizado dos alunos. Por esse motivo, ela não preenchia o
caderno de registro disponibilizado para acompanhar as etapas de desenvolvimento dos
alunos.
Ao fazermos uma análise sobre o seu caderno de registro, vimos que ele era bem
complexo, necessitava de entendimento e tempo para o seu preenchimento. O ideal é que
houvesse uma intervenção por parte da equipe de formação do Programa para auxiliar os
professores que ainda não sabem preenchê-los para realizar o diagnóstico dos alunos. Faz
parte da formação do Programa o auxílio ao professor e de dar as instruções sobre como ele
pode utilizar esse caderno e não somente no preenchimento, mas principalmente em como
avaliar corretamente a aprendizagem dos alunos, pois os diagnósticos e os registros, poderão
facilitar a reflexão do professor sobre sua ação docente.
Mesmo diante desses impasses, a professora mostrou interesse em aprender a
técnica e conhecer melhor os materiais, mostrou-se aberta a sugestões e ao acompanhamento
da coordenação e, por vezes, também pediu a opinião da pesquisadora na busca de caminhos
que melhorassem suas ações pedagógicas.
83
4.4 OBSERVAÇÕES NA ESCOLA B
Ambiente da sala de aula
Na escola B, a sala de aula é muito pequena, quase não há espaços para que os
alunos e a professora se movimentem e o piso está praticamente todo solto. Além disso, a
turma é numerosa, tem 34 alunos, o que dificulta ainda mais o trabalho da professora. As
cadeiras também são velhas e ficam muito próximas umas das outras e são organizadas em
um círculo e com filas no centro, o que permite conversas paralelas na hora da aula. Há
cartazes espalhados pelas paredes com alfabeto, gravuras, listas de nomes.
Podemos dizer que o ambiente não é muito favorável ao aprendizado e, por ser
pequeno, o espaço não permite que a professora realize atividades em roda ou no chão, o que
é muito proposto pelas atividades do PAIC. Essa falta de espaço fez com que várias atividades
do programa não fossem realizadas como estava no plano de aula.
Uso dos materiais didáticos
A professora não utilizava todos os materiais do PAIC e não confeccionava todos
os materiais que o plano exigia, e ela pedia à coordenadora para fazer fichas e cartazes no
computador. A maioria das aulas era de execução do caderno de atividades. No entanto, ela
explorava todos os materiais expostos em sala, lia para os alunos e demonstrava tranquilidade
no uso da rotina do PAIC, mesmo não o seguindo corretamente. No tempo “Para Gostar de
Ler”, ela deixava que os alunos manipulassem os livros à vontade e, algumas vezes, ela
mesma escolhia algumas histórias e realizava a leitura e os alunos ficavam sempre
encantados.
Os planos de aula
Os planos de aula eram iguais aos da outra escola. Notamos que a professora, na
maioria das vezes, só lia o plano na hora que chegava à sala de aula e, só depois pedia que a
coordenadora confeccionasse os materiais no computador, o que causava atraso no início da
rotina. Algumas vezes, quando o uso dos materiais requeria maior complexidade, ela não
seguia o plano e realizava a leitura de livros paradidáticos do PAIC, lia o texto em cartaz,
explorava as palavras e realizava as atividades do caderno do aluno.
84
Vale destacar que muitas atividades do Programa deveriam ser realizadas em
círculo, duplas, grupos e necessita-se de espaço para isso. Como não havia na sala espaço
suficiente, a professora pulava algumas sugestões ou, quando era possível, levava os alunos
ao pátio da escola e realizava algumas atividades sugeridas. Em seus relatos, a professora
esclareceu-nos que se obrigava a não realizar algumas atividades porque não havia espaço
suficiente na sala para executá-las.
Prática docente
As aulas dessa professora nos despertaram uma postura de dualidade. Observamos
algumas aulas atrativas e lúdicas que despertavam o interesse dos alunos, com metodologias
que nem mesmo havia nos planos de aula, principalmente às segundas e sextas-feiras, dias em
que deveriam ser trabalhados trava-línguas, parlendas e advinhas. Contudo, ela também
ministrou aulas sem nenhuma preparação e em alguns momentos a aula simplesmente não
fluía, pois ela ficava o tempo todo chamando a atenção dos alunos para que eles ficassem em
silêncio, e em outras vezes ela os deixava conversar e agia como se nada estivesse
acontecendo.
A demora na execução das atividades foi o que mais chamou nossa atenção, pois
ela desperdiçava muito tempo de aula. Ela também não confeccionava todos os materiais
necessários para estar de acordo com os planos de aula, e ela alegava que não havia tido
tempo para preparar. Não notamos nenhum tipo de acompanhamento ou auxílio pedagógico,
sendo dado à professora por parte da coordenação, a não ser quando a professora pedia para
confeccionar algum material no computador.
Para nossa surpresa, ao averiguarmos seu caderno de registro, notamos que ele
também não havia sido preenchido. Indagamos a ela por qual motivo ela não estava
preenchendo o caderno de registro, e ela explicou que ainda não havia tido oportunidade de
realizar os diagnósticos dos alunos e que o caderno era muito minucioso e exigia grande
disponibilidade. Não ficou claro se ela sabia ou não avaliar os níveis de aprendizado dos
alunos, segundo a Teoria da Psicogênese da Língua Escrita.
4.5 AS TÉCNICAS METODOLÓGICAS DE ALFABETIZAÇÃO DO PAIC
A partir do acompanhamento das aulas, averiguamos como ocorre a aquisição da
leitura e da escrita pela criança e percebemos que todos os objetivos de aprendizado giram em
85
torno de cada “tempo da rotina”. Anteriormente já analisamos a proposta do PAIC e o que ele
almeja em cada “tempo didático”. Agora veremos como ele ocorre na prática. Lembramos que
não queremos generalizar para o uso do Programa em todo o estado, entretanto, teremos que
conhecer como é proposta a sua metodologia.
Tempo para gostar de ler
Esse é um tempo exclusivo para que a criança interaja livremente com livros e
textos. Ela pode manusear e escolher os livros à vontade e interagir com diferentes gêneros
textuais, participar de leituras coletivas, brincadeiras, dramatizações etc.
Nas duas turmas investigadas vimos que o uso desse tempo, na maioria das vezes,
era monótono e pouco produtivo. As duas turmas só utilizavam os livros da Coleção do PAIC
- Prosa e Poesia, mesmo que nos planos de aula e na proposta didática do Programa existam
diversas sugestões como o uso de gibis, revistas, jornais etc. Como elas usavam sempre os
mesmos livros, alguns alunos não se interessavam pela leitura repetida e diziam “de novo
esses livros, tia?”.
De acordo com a proposta do PAIC, esse é um momento livre de leitura das
crianças, porém nada impede que o professor participe, incentive e leia junto com elas. O
PAIC propõe algumas sugestões para serem trabalhadas nesse tempo, como o uso de materiais
diversificados de leitura (revistas, jornais etc.), utilizando estratégias para tornar o momento
mais atrativo à criança com o uso de tapete, de almofadas, de caixa mágica, de maneira que
esses materiais chamem a atenção da criança e incentivem o interesse pela leitura. Mas
durante nossas observações, não presenciamos tal uso, nem mesmo o empenho das
professoras em tornar esse momento interessante e criativo.
Reconhecemos que além do pouco empenho e criatividade das professoras, as
escolas oferecem poucas condições para que haja uma diversificação nesse tempo didático.
Por essa razão, não podemos julgar as professoras pelo desinteresse, pois acreditamos que as
escolas também deveriam proporcionar a elas uma maior diversidade desses materiais de
leitura.
Roda de leitura e oralidade
Esse é o tempo em que a professora deve apresentar o material e os conteúdos que
vão ser trabalhados na aula. Durante as observações houve o uso dos seguintes gêneros:
86
música, parlendas, trava-língua, advinhas, cartelas de alfabeto dos animais e textos
informativos. Os gêneros eram apresentados em forma de texto, em cartaz, e as professoras
apresentavam esses textos aos alunos. Nesse momento, as professoras realizavam leituras do
escrito através de formas diferentes: leitura apontada, pausada, rápida, cantada. Depois de ler
o texto pelo menos duas vezes, elas faziam questionamentos aos alunos sobre que tipo de
texto era aquele e o que eles haviam aprendido sobre o conteúdo. Algumas vezes elas
instigavam o pensamento da criança, em outros momentos, elas apenas realizavam a leitura.
O PAIC recomenda que as etapas seguintes devam ser realizadas com os alunos
acompanhando o caderno de atividades e a professora dando as orientações. Entretanto,
observamos que as duas professoras trabalhavam de forma diferenciada. A professora da
escola A fazia todo o processo metodológico na lousa com os alunos participando, e só depois
realizava as atividades do caderno do aluno. Em contrapartida, a professora da escola B já
pedia inicialmente que eles abrissem o caderno de atividades e fossem acompanhando as
atividades.
Lendo e compreendendo
Essa é a sequência da rotina que permite que a criança leia e compreenda o texto
com o auxilio do professor. Nesse tempo, quase todas as atividades ou as orientações
didáticas da proposta, incentivam os alunos para que possam enumerar as linhas e parágrafos;
procurar, circular e pintar palavras, a partir do comando do professor.
A professora da escola A pedia que os alunos a acompanhassem em uma nova
leitura coletiva do texto, às vezes duas ou três vezes, e depois escolhia alunos para ir até a
lousa para procurar, grifar e pintar palavras. A professora da escola B pedia que os alunos
realizassem uma leitura coletiva, com ela acompanhando no caderno de atividades, depois ia
sugerindo palavras que eles deveriam circular ou pintar já no caderno de atividades.
Ambas copiavam as palavras sugeridas pelo plano de aula na lousa e faziam a
análise estrutural e fonológica dessas palavras destacadas com a ajuda dos alunos. No aspecto
estrutural elas indagavam aos alunos o seguinte: Quantas letras têm ao todo? Qual a primeira
e a última letra da palavra? Quantas letras repetidas? Quais?
No aspecto fonológico elas realizavam as seguintes perguntas: Quantas vezes eu
preciso abrir a boca para falar está palavra? Quantas palmas? Quantas sílabas tem a palavra?
87
Quais palavras iniciam com o mesmo som? Quase todas as atividades do PAIC exigem que as
professoras façam a análise estrutural e fonológica das palavras.
Aquisição da escrita
Nessa etapa da sequência os alunos irão realizar atividades para desenvolver sua
escrita. Essas atividades envolvem: escrever palavras com a mediação da professora,
completar frases, completar quadros de análise estrutural e fonológica de palavras.
A proposta sugere o uso das cartelas didáticas, com o uso das fichas dos numerais,
de letras do alfabeto e gravuras das boquinhas (gravuras que são utilizadas para que a criança
diga quantas sílabas há na palavra, cada gravura de boca representa uma sílaba) que
acompanham o material do aluno. Assim, ao mesmo tempo em que o aluno preenche a cartela
com as fichinhas, eles devem ir escrevendo no caderno de atividades. Essa é uma das
sugestões mais complicadas da proposta do PAIC, pois é muito difícil trabalhar essas cartelas
com os alunos, porque requer muita paciência e interesse por parte das professoras.
Ao tentar utilizar essas cartelas com os alunos, percebemos certo
descontentamento das professoras e o fracasso em tal tentativa. A professora da escola A não
sabia usar as cartelas e teve que pedir ajuda à coordenadora e, mesmo assim, as duas não
conseguiram realizar o procedimento corretamente.
Na escola B, a única vez em que a professora tentou utilizar as cartelas também
não deu muito certo, porque não havia espaço suficiente na sala para que a professora
acompanhasse o que os alunos estavam produzindo. O resultado gerou grande confusão. pois
os alunos misturaram as fichas de uns com as dos outros, rasgaram-nas e alguns até as
perderam. Em vista dessa dificuldade, as professoras não utilizavam regularmente esses
materiais, embora fosse sugestão da proposta e constasse do plano de aula.
A parte final e de aquisição da escrita é “Escrevendo do seu jeito”, na qual o
aluno, com a mediação da professora, deve escrever palavras e textos espontaneamente. Nessa
atividade, observamos que as professoras realizaram ditados e a criação de textos coletivos,
que constavam da sugestão nos planos de aula.
Porém, por vezes, elas escreviam na lousa para que os alunos fizessem a cópia no
caderno de atividades. Sentimos que havia pouco incentivo por parte das professoras, no que
diz respeito ao estímulo dos alunos, para que eles pudessem desenvolver sua escrita.
88
4.6 FORMAÇÃO OFERECIDA AOS PROFESSORES DO PAIC
Ao pensarmos sobre as propostas de capacitação de professores, imaginamos que
esses cursos devem contribuir de forma significativa para a formação crít ico-reflexiva desses
profissionais, de modo a possibilitar e estimular a apropriação de novos conhecimentos; de
autonomia didática; e incentivar a discussão das experiências vividas na escola e das atuais
práticas pedagógicas. Silva (2007) propõe que a função da formação continuada é possibilitar
ao professor a construção de uma prática crítico-reflexiva, abrangendo a vida cotidiana da
escola e o saber derivado da experiência docente.
Dessa maneira, durante a pesquisa, resolvemos acompanhar duas formações do
PAIC, direcionados a professores do 1º ano do Ensino Fundamental, para observar como
ocorre o processo de qualificação dos professores alfabetizadores e como ela pode auxiliar na
atuação desses educadores. Nos encontros que acompanhamos, observamos que a formação
foi dirigida por uma formadora do município de Limoeiro do Norte que trabalha na
coordenação do Programa nessa cidade. Existem casos em que a formadora é enviada pela
Secretaria de Educação e Cultura - SEDUC, como, por exemplo, quando o município está
com um nível de proficiência abaixo do esperado.
Assim como a proposta de alfabetização do PAIC, a formação também segue um
roteiro de execução. Logo no início do encontro, a primeira função da formadora é de sugerir
ideias sobre como trabalhar os livros da Coleção PAIC Poesia e Prosa (coleção de livros
paradidáticos do Programa). Em um dos encontros ela fez o uso de slides, apresentando um
dos livros e sugerindo atividades que as professoras poderiam realizar com os alunos no
“tempo para gostar de ler”. Essa primeira parte da formação deixa claro que as professoras
devem sim interferir no “tempo para gostar de ler” e podem desenvolver metodologias que
despertem o interesse dos alunos pela leitura. Essa visão é diferente do que pudemos ver em
sala de aula, nas quais as professoras observadas demonstraram pouco interesse em tornar
esse tempo atrativo, deixando que as crianças manuseassem os livros de qualquer jeito, sem
nenhuma orientação.
Destacamos, assim, a importância do professor como mediador e facilitador de
práticas de leitura. Conforme Carvalho e Mendonça (2006, p. 180), ao professor, cabe tornar o
hábito de leitura uma prática prazerosa no dia a dia da criança. E esse é um dos maiores
desafios, que é tornar a criança um leitor ativo. Por isso, é fundamental ter recursos didáticos
89
e criar estratégias que possibilitem transformar essas atividades de leitura em momentos de
fruição, de alegria e de prazer.
A forma na qual observamos as professoras utilizarem o momento didático
dedicado à exploração de livros e diferentes gêneros textuais não condiz com o que é
necessário para tornar a prática de leitura um momento prazeroso. Assim, não basta apenas
disponibilizar os materiais, pois a intervenção e o incentivo do professor são importantes
instrumentos de facilitação para que os alunos tornem-se leitores ativos. Para Simonetti
(2009), não basta disponibilizar de livros, textos e recursos. E acreditamos, enquanto
educadores, que é preciso fazer uso da leitura e da escrita práticas cotidianas na sala de aula,
para que as crianças aprendam a ler e a gostar de ler.
Após o momento inicial, com sugestões de como as professoras podem utilizar o
“tempo para gostar de ler” e incentivar o interesse dos alunos pela leitura, a formadora realiza
junto com as professoras estudos sobre reflexões teóricas de autores que contribuem com a
perspectiva de alfabetização e letramento. Em um dos encontros ela dividiu as professoras em
grupos para estudar a teoria da Psicogênese da Língua Escrita e cada grupo ficou responsável
em compreender um nível de escrita para apresentar aos demais colegas. Todas as professoras
receberam o mesmo texto com os conceitos sobre cada nível e com exemplos de como
identificá-los. Cada grupo deveria ler todo o texto e aprofundar seu nível de escrita estudado e
que fora determinado pela formadora.
Observamos que, apesar do texto ser curto, a atividade demorou bastante. Em vez
de iniciar a leitura, vários grupos ficaram conversando sobre assuntos secundários e
demoraram a iniciar a atividade. Presenciamos a falta de interesse das professoras em
participar do momento de estudo oferecido pelo programa e que poderia melhorar sua atuação
docente e facilitar a compreensão delas sobre o nível de desenvolvimento da escrita dos
alunos.
Na hora da apresentação do texto pelas professoras notamos a falta de empenho de
algumas delas, pois algumas apenas citaram partes do texto sem fazer uma reflexão crítica.
Diante disso, a formadora teve que intervir para incentivá-las a falarem sobre as concepções
da escrita a partir do contexto da sala de aula e do nível de seus alunos. A formadora sugeriu
então que elas fizessem intervenções individuais com os alunos que estão no nível pré-
silábico para que eles possam superar esse estágio mais rapidamente. Porém, as professoras
90
afirmaram que é quase impossível realizar intervenções individuais, pois o número de alunos
em sala de aula era muito alto.
Um dos grupos apresentou bem o seu nível de escrita, levantando
questionamentos e respondendo-os junto ao grupo. Também demonstraram, através de
exemplos e brincadeiras, o que todas as colegas poderiam realizar para diagnosticar o nível
dos alunos. Após a apresentação dos grupos, a formadora também explicou com maior
profundidade os conceitos sobre os níveis de leitura e escrita e deu exemplos na lousa de
como poderiam identificá-los.
Além do estudo da psicogênese da língua escrita, também houve a discussão sobre
alfabetização, letramento, atividades estruturantes, portadores de texto, consciência
fonológica, consciência estrutural, recorrendo à perspectiva de Amália Simonetti, uma das
autoras do material do Programa. O estudo desses conceitos se deu por meio de um jogo da
memória, no qual a formadora escolheu algumas professoras para participar do jogo no centro
da sala enquanto que as outras professoras iriam ajudar quem estava jogando a encontrar seus
pares, palavra e conceito. A atividade foi interessante, muitas professoras participaram, houve
o levantamento de questões e o posicionamento de algumas professoras.
Entre os debates, houve um sobre o ensino da letra cursiva e bastão e algumas
professoras não concordavam com a sugestão da proposta didática do PAIC, que orienta as
professoras a priorizarem o uso da letra bastão para ensinar aos alunos. A formadora utilizou
um texto da proposta didática do PAIC que explica porque é melhor iniciar a alfabetização
dos alunos com letra bastão ao invés da cursiva. Mesmo assim, uma das professoras afirmou
que a proposta “sugere” o uso da letra bastão e que elas não são obrigadas a ensinar com esse
tipo de letra.
As professoras iniciaram uma discussão sobre o assunto, mas a formadora
resolveu finalizá-la, afirmando apenas que elas deveriam sim usar a letra bastão. Antes de
finalizar essa discussão, a formadora poderia ter explicado melhor porque defendia o uso da
letra bastão para a alfabetização dos alunos, mas nos pareceu que ela também não sabia
justificar porque o programa recomendava que as professoras alfabetizassem os alunos
começando com a letra bastão.
A formadora também não explicou como se deve preencher o caderno de registro
que avalia o desenvolvimento dos alunos. Na hora de explicar o uso desse caderno
91
novamente, ela dividiu a turma em grupos e pediu que as professoras preenchessem
conjuntamente alguns aspectos, tomando por base alguns alunos sobre os quais se lembravam.
Essa atividade deixou muito a desejar, principalmente pela falta de posicionamento da
formadora, que não soube orientar as professoras no preenchimento do caderno. Acreditamos
que essa falta fez com que as próprias professoras não tivessem interesse ou não soubessem
registrar o desenvolvimento dos alunos para analisar o progresso individual de cada um deles
e nem conseguissem avaliar a sua própria ação pedagógica.
Simonetti (2012) afirma que não existe ensino sem avaliação e é através desse
processo que o professor terá dados concretos de como está a apropriação do sistema
alfabético pelos alunos e o desenvolvimento da leitura e da escrita. Quando as professoras se
abstêm de acompanhar, registrar e analisar o conhecimento do aluno, elas também deixam de
refletir sobre a sua própria prática.
Nesses encontros, a parte da manhã foi dedicada ao estudo de textos e
aprendizagem dos conceitos. Após o horário do almoço, observamos que o tempo seria
dedicado à criação dos planos de aula. Novamente divididas em grupos, as professoras
tiveram que elaborar os planos para o período de uma semana e a formadora separou uma
etapa do mês para os quatros grupos e cada grupo ficou responsável em criar os planos para
uma semana. Nos grupos, as professoras ainda se dividiram para a elaboração de cada dia
separadamente, o que causou ainda maior fragmentação na colaboração e na discussão de
metodologias que poderiam ampliar as possibilidades de promoção da aquisição da leitura e
da escrita, dentro do contexto do letramento.
De acordo com a proposta do PAIC, as professoras devem elaborar os planos de
aula conjuntamente, a fim de que possam discutir metodologias que melhorem a sua prática
pedagógica e sejam condizentes à realidade das escolas, mas estabelecendo conteúdos,
objetivos e atividades a serem executadas. Assim, cada plano deve conter os objetivos de
aprendizagem e os conteúdos que serão trabalhados com a metodologia e os materiais a serem
usados em cada tempo didático, com base na proposta “alfabetizar letrando”.
Além da criação do plano para a aquisição da escrita e da leitura, as professoras
também deveriam criam os planos das demais disciplinas, que deverão ser dadas no segundo
horário de aula. Atualmente, o Programa também oferece sugestões para a elaboração do
plano de matemática e, depois que os planos forem feitos, a Secretaria de Educação do
município ficaria responsável em digitar e enviar os planos padronizados a todas as escolas.
92
Ao analisarmos o contexto dessa elaboração, notamos que a formadora não
contribuiu para a criação dos planos e chegou a afirmar que a elaboração do plano implicaria
em uma forma das professoras terem autonomia. Entretanto, já discutimos a questão da
autonomia do professor no Programa e vimos que deixa a desejar, devido à imposição de que
uma rotina programada seja seguida pela professora. E nos perguntamos: como elas poderão
ter autonomia se devem seguir orientações pragmáticas e preestabelecidas sobre a proposta
didática quando não podem ao menos modificar conteúdos ou se afastar da rotina
programada?
É necessário repensarmos como estão sendo realizadas as elaborações dos planos
e se realmente as professoras estão contribuindo ou apenas transcrevendo as orientações
didáticas. Luckesi (2002) defende que o ato de planejar em nossas escolas ainda está preso a
um ato sem muitos significados. A maior preocupação ainda gira em torno da produção de um
roteiro técnico e bem elaborado, sem o levantamento de questões sobre o tipo de cidadão que
se pretende formar e sobre a análise do contexto social na qual alunos e professores estão
inseridos.
Para Moretto (2007), o ato de planejar é o momento de organizar as ideias e
facilitar ações tanto do professor quanto do aluno. O autor afirma que só a experiência como
professor não assegura competência para ministrar as aulas e é necessário refletir sobre o
contexto social e cultural da comunidade escolar, bem como suas necessidades.
Portanto, não adianta desenvolver os planos tomando como base somente a
proposta didática; é necessário inseri-los à realidade da escola. Os planos devem ser vistos
como um meio que pode subsidiar instrumentos à prática docente, orientando ações que
possibilitem a concretização dos objetivos e das necessidades de aprendizado dos alunos.
Embora o Programa proponha ao professor a reflexão sobre a sua prática, vimos o processo de
criação de planos sendo feito como um ato mecânico e fragmentado, no qual as professoras
apenas seguem orientações didáticas sem discutir ou contextualizar as metodologias por eles
utilizadas.
Enfim, a capacitação do professor no PAIC ainda necessita de modificações e
melhorias que possibilitem uma melhor formação e o bom desempenho do professor
alfabetizador. É indispensável buscar avanços no que diz respeito à preparação do próprio
formador para que ele esteja apto a desenvolver maneiras de integrar e aumentar o interesse
dos professores durante o processo de capacitação docente, pois a falta de interesse das
93
professoras em participar e colaborar para o enriquecimento da própria formação ficou
patente e claro durante nossas observações.
Entendemos o professor como o principal sujeito que pode transformar as
condições de aprendizado dos alunos, e deveria ser do seu interesse a busca por melhorias em
sua prática. É fundamental que eles não só participem, mas também apresentem e imponham
suas visões durante as formações, e que mostrem o que está dando certo, o que não está indo
bem, pois somente assim será possível aprimorar os momentos de capacitação e o
acompanhamento pedagógico por parte dos gestores públicos.
4.7 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS.
Através de entrevistas semiestruturadas, averiguamos a opinião das professoras a
respeito da proposta do PAIC e da implicação do Programa em sua atuação docente. Usamos
tópicos relacionados à metodologia, à rotina, à alfabetização, ao letramento e aos materiais
didáticos. Iniciamos as perguntas indagando-as sobre a formação inicial obtida por elas. A
resposta de uma das professoras chamou nossa atenção.
Eu estou cursando Pedagogia, mas tive que trancar porque estou muito sobrecarregada, não estava dando conta das minhas duas turmas (1º e 4º anos do
E.F), da faculdade e da minha vida familiar. Por isso, optei em parar a faculdade por
um tempo, mas se Deus quiser em janeiro retomarei ao curso porque pretendo sair
do PAIC (Professora da escola B).
A partir desse relato perguntamos à professora ao que ela atribuía essa sobrecarga.
Vejamos o que ela nos disse:
Em partes ao trabalho com o PAIC porque requer muito tempo para a confecção dos materiais, e também, é uma pressão psicológica muito grande para que as crianças
saiam alfabetizadas. Com o número de alunos que eu tenho isso é uma tarefa muito
difícil. E apesar dos avanços de alguns deles, me sinto culpada, pois acho que eu
poderia fazer mais, só que não estou dando conta (Professora da escola B).
Percebemos, pela voz da professora, o sentimento de angústia por não poder
contribuir melhor com o aprendizado dos alunos que não estão acompanhando. Conforme
Gasparini, Barreto e Assunção (2005), as condições de trabalho fazem com que os professores
mobilizem todas suas capacidades físicas, cognitivas e afetivas para atingir os objetivos de
produção escolar, causando-lhes grande esforço ou solicitação de suas funções
psicofisiológicas. Além disso, a falta de preparo dos profissionais docentes para lidar com as
94
novas demandas sociais e problemas ligados ao grande número de alunos por sala, a
heterogeneidade e a indisciplina tornam-se fatores de maior causa de estresse nesses
profissionais, o que poderia implicar negativamente nos processos de ensino e aprendizagem.
Vejamos a posição da outra professora a respeito das atividades exigidas pelo
PAIC, que, segundo ela, causam uma sobrecarga no trabalho docente:
O PAIC puxa muito do professor, principalmente a confecção de materiais. Se eu
quiser seguir o plano e as orientações metodológicas que tem na proposta, todos os
dias tenho que levar material para criar, cortar e confeccionar em casa. Temos que
estar sempre nos esforçando para acompanhar os conteúdos e a rotina, para fazer
aquilo que está na proposta (Professora da escola A).
De fato, a confecção e o uso de materiais diversos é um dos pontos chaves do
Programa, principalmente materiais ligados à diversidade dos gêneros textuais, já que uma
das funções do PAIC é possibilitar o letramento. Ao analisarmos a “Proposta didática para
Alfabetizar Letrando” do PAIC do 1º ano, criada por Amália Simonetti, observamos que no
percurso do ano letivo o professor terá que confeccionar diversos materiais, como bingos,
dominós, baralhos, trilhas, caça-palavras, quebra-cabeças, dentre outros jogos. O uso desses
materiais pretende possibilitar, de forma lúdica e interativa, a alfabetização e o letramento das
crianças.
No entanto, as professoras atribuem sua sobrecarga de trabalho à preparação e a
confecção desses materiais. Perguntamos a elas se o tempo de planejamento não é suficiente
para produzi-los e ambas responderam que não é, principalmente porque elas têm que utilizar
o tempo de planejamento para as duas turmas que ministram, daí uma das turmas sair
prejudicada.
De acordo com o parecer do CNE/CBE nº 9/2009, em relação
à constitucionalidade do § 4º do artigo 2º da Lei Federal n°11.738/2008, na composição da
jornada de trabalho, será observado o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para
o desempenho das atividades de interação com os educandos. Ou seja, 1/3 (um terço) do
restante da carga horária do professor deve ser dedicado ao planejamento das atividades em
sala. Mesmo diante da lei que favorece a categoria dos profissionais da educação,
constatamos, através da fala das professoras entrevistadas, que esse período de tempo ainda
não é suficiente para quem tem carga horária de 200 horas mensais e ministra duas turmas que
utilizam o PAIC.
95
É necessário, portanto, repensar essa questão, verificando como está sendo
realizada a confecção desses materiais e se as professoras disponibilizam de tempo para
produzi-los. Durante o período em que acompanhamos as duas escolas, percebemos em
algumas situações que uma das professoras não estava utilizando os materiais sugeridos pelo
plano, exatamente os materiais que deveriam ter sido confeccionados por ela.
Entendemos que o uso de materiais de leitura e jogos é importante para inserir os
alunos em práticas de alfabetização e letramento, fazendo com que eles se apropriem da
leitura e da escrita de forma lúdica e atrativa. Soares (2012) defende que o letramento é a
participação das crianças em experiências variadas com a leitura e a escrita. É através do
conhecimento e da interação com diferentes tipos e gêneros textuais de materiais escritos que
o aluno aprenderá a utilizar esses materiais tornando-se alfabetizado e letrado.
Nessa perspectiva, indagamos às professoras como elas fazem para promover a
alfabetização e o letramento das crianças e tentam superar as dificuldades dos alunos na
aquisição da leitura, para que estejam aptos a exercer esse conhecimento em suas práticas
cotidianas. De acordo com a professora da escola B:
O PAIC oferece muitos caminhos para inserir as crianças em um espaço de
letramento. Temos os livros da coleção Prosa e Poesia, que são livros muito
enriquecedores e que chamam a atenção das crianças. Nós costumamos usá-los
dentro da rotina no tempo para gostar de ler, aí eles escolhem os livros e leem, seja
pelo próprio texto ou pelas imagens. [...] também sugere que nós utilizemos vários
gêneros como jornais, revistas, gibis, receitas. No decorrer do ano a proposta dispõe do estudo de textos com diferentes gêneros textuais. E eu sempre falo para eles da
importância de saber ler, que a leitura possibilita adquirirmos novos conhecimentos,
conhecer características de outros lugares, obter informações, essas coisas
(Professora da escola B).
Diante do posicionamento da professora, consideramos que as principais ações de
letramento desenvolvidas em sala ocorrem de acordo com a sugestão da proposta do PAIC.
Para Simonetti (2009), a inserção do letramento exige mediação pedagógica e é preciso que o
professor seja capaz de inserir a criança na cultura letrada. Não basta apenas disponibilizar
livros, cartazes, fichas etc., pois é preciso fazer uso da leitura e da escrita como prática
cotidiana na sala de aula.
Compreendemos, pela afirmação da autora Simonetti (2009), que disponibilizar
materiais que possibilitem o letramento não é suficiente para que a criança se aproprie desse
conhecimento. É necessário que o professor faça a intervenção pedagógica, insira a criança
96
em práticas sociais de leitura e de escrita, para que este se torne um hábito prazeroso. Para
isso, é necessário também que haja transformação no significado social dado à leitura nos
próprios projetos educacionais e escolares, porque ainda não conseguem envolver a leitura nas
práticas sociais dos sujeitos.
Solé (1988) afirma que os problemas do ensino da leitura e da escrita não se
restringem propriamente ao método, mas sim ao conceito de leitura, ao papel que ela ocupa no
Projeto Curricular da Escola, às propostas metodológicas utilizadas e à forma como estas são
avaliadas pelos professores.
Portanto, o desafio do professor é conseguir promover mudanças significativas
sobre o papel da leitura no meio social e esse desafio perpassa as ações teórico-metodológicas
para concretizar-se no contexto social da escola ao inserir os alunos em práticas de leitura por
eles já vivenciadas, e assim ocorra a formação de leitores em uma perspectiva crítica e
reflexiva.
Um dos objetivos do PAIC é oferecer ao professor uma metodologia que
contribua para o desafio de tornar a leitura uma prática social significativa. Assim, indagamos
às professoras como elas avaliavam o Programa para a aprendizagem dos alunos. Elas nos
responderam que o programa contribui muito para o aprendizado das crianças, que ele
disponibiliza materiais e ideias atrativas, embora o tempo para a execução de algumas
atividades façam com que se tornem “repetitivas e enfadonhas”, não só para elas, como
também para os próprios alunos.
O PAIC contribui muito para a aprendizagem dos alunos, quando eles pegam o norte
do processo eles aprendem mesmo e eu nem preciso explicar algumas atividades,
eles fazem sozinhos. Mas eu acho que nós professoras deveríamos ter um momento
para usar outros conteúdos relacionados a linguagem e a oralidade, com nossas
próprias ideias, de modo a tentar enriquecer e possibilitar novas atividades, sem ficarmos tão presas ás orientações didáticas da proposta. Os próprios alunos se
cansam de algumas atividades e textos e dizem: de novo isso tia (Professora da
escola B).
Assim, percebemos certa insatisfação nas professoras em ter que seguir sempre o
que estabelece a proposta e as orientações didáticas, sem poder se afastar daquilo que já vem
predeterminado. No entanto, elas reconhecem que o programa possibilita a aprendizagem dos
alunos de maneira atrativa, contradizendo o que já tinham dito anteriormente. Durante toda a
entrevista percebemos certo posicionamento ambíguo das professoras, pois ora elas afirmam
97
que o programa é atrativo e possibilita o aprendizado dos alunos, ora falam que ele as
sobrecarrega e chega a ser repetitivo.
Dando continuidade às entrevistas, perguntamos sobre como elas vêm o uso de
uma rotina pré-determinada.
Por um lado é bom ter a rotina, porque você sabe o que irá fazer e como vai
desenvolver as atividades que promovam o aprendizado dos alunos. Mas, ela
também nos limita, pois não podemos trabalhar outras coisas. Nas segundas e sextas, que são os dias mais flexíveis, eu tento dar mais um pouco de mim nas aulas,
trocando os horários das disciplinas e usando materiais que não estão no plano, pra
ver se não fica tão monótono, mas não é sempre que faço isso, pois tenho medo de
chegar alguém para fiscalizar. Uma vez chegaram aqui na escola e pegaram uma
professora que não estava seguindo as orientações do plano de aula, e eles deram
uma bronca nela (Professora da escola A).
O uso de rotina é muito importante, pois ela orienta a prática do professor, de
modo que ele não desperdice o tempo de aula, e porque a rotina também faz com que as
crianças se adaptem às ações cotidianas na escola. De acordo com Mantagute (2008), a rotina
faz com que a repetição de determinadas práticas dê estabilidade e segurança aos sujeitos.
Saber que depois de determinada tarefa ocorrerá outra, diminui a ansiedade das pessoas,
sejam elas grandes ou pequenas.
Entretanto, isso não significa que a rotina deverá ser rígida e inflexível. Não é
função dela limitar ou tirar a autonomia do professor na escolha de conteúdos, materiais e
atividades. Ao contrário, a rotina deve existir para auxiliar a prática docente e possibilitar
adequação ao ritmo das crianças e do próprio professor. Consequentemente, deve sofrer
modificações e inovações sempre que for necessário, para que seja modificado aquilo que não
está dando certo.
Soares (2003) defende que a rotina deve possibilitar ao professor a reflexão e a
criação dos objetivos da aprendizagem, definindo ações e procedimentos que devem facilitar a
alfabetização das crianças, e não estabelecer apenas prescrições de uma prática rotineira.
As professoras do PAIC afirmam que a rotina do Programa é muito rígida e com
muitas atividades a serem executadas em um único dia, o que ocasiona sua sobrecarga.
A rotina deveria ser mais flexível e ter menos ações para um único dia. Às vezes é
tanta coisa pra fazer que eu não consigo nem respirar e nem os alunos. Acaba que as
atividades do Paic se estendem até o segundo horário e quando eles terminam não
conseguem fazer mais nada em outras disciplinas. Eles vem da educação infantil né?
E lá eles não são acostumados a fazer tantas atividades, ai quando eles chegam aqui no 1º ano tem dificuldade de entrar nesse ritmo mais pesado e aqueles que tem mais
98
dificuldades no aprendizado acabam não acompanhando. Eu mesma não tenho como
fazer intervenções individuais porque não dá tempo (Professora da escola A).
Desse modo, é importante que algumas ações desenvolvidas pelo PAIC sejam
repensadas e também reformuladas, sem impor a execução de tantas atividades para uma
única aula. Modificar esse processo rotineiro, no que diz respeito à diversidade das ações
metodológicas, também faz parte da busca de meios que melhorem os processos de ensino e
aprendizagem.
Nesse sentido, indagamos as professoras sobre como elas avaliam as ações
metodológicas desenvolvidas e acompanham a aprendizagem dos alunos:
Avalio as ações desenvolvidas quando reviso o plano para ver se consegui executar
corretamente os procedimentos metodológicos, tento me esforçar ao máximo para
corresponder minhas funções de educadora e contribuir para o conhecimento das
crianças. Já os alunos, acompanho no dia-dia, vejo se eles estão evoluindo na leitura,
mas os diagnósticos que o PAIC pede quem faz é a coordenadora, porque não
consigo diagnosticar direito os níveis de escrita (Professora escola A).
Notamos que a professora se preocupa muito em executar as aulas seguindo o que
está no plano de aula, isso nos leva a entender que embora ela esteja interessada na
aprendizagem dos alunos, o meio que ela utiliza para refletir sobre suas ações ainda está
muito ligado a técnicas tradicionais de ensino, ou seja, ela avalia suas ações com base na
execução correta daquilo que está estabelecido no plano de aula. A seguir, temos a posição da
professora da escola B:
Eu costumo avaliar as aulas a partir dos avanços dos alunos, se eles estão
aprendendo e melhorando é sinal que estou fazendo a coisa certa, se eles não tiverem
aprendendo tento rever minhas ações para identificar o que não está dando certo.
Mas eu reconheço quando consigo dar uma boa aula, mesmo sem avaliar o
desempenho deles, principalmente se eu tiver com problemas pessoais, eu sei que
isso acaba afetando meu trabalho (Professora escola B).
O posicionamento dessa professora vai ao encontro da visão de Libâneo (2004),
que afirma que a avaliação sempre deve ter caráter diagnóstico e processual, pois ela também
ajuda os professores a identificarem aspectos em que os alunos ainda têm dificuldades, para
então refletir sobre sua prática e buscar solucionar as dificuldades de aprendizagem. Luckesi
(2002) defende a necessidade de se utilizar a avaliação diagnóstica de modo que o professor, a
partir dela, busque melhoria no ensino, reorientando sua prática, agindo como um mediador
através de um processo dialógico e problematizador.
99
No PAIC, o momento da avaliação é sumariamente importante, pois é parte
integrante do processo de ensino e aprendizagem. Conforme Simonetti (2012), é a partir da
avaliação que os professores terão dados completos das aprendizagens dos alunos, para fazer
as intervenções necessárias. A avaliação se torna um importante instrumento de
acompanhamento pedagógico.
Finalizamos as entrevistas solicitando às professoras que fizessem uma avaliação
de como o PAIC influencia sua atuação docente.
Acho que o PAIC muda minha atuação, pois a partir dele todas as minhas aulas
ocorrem com base na sua proposta de alfabetização e nas orientações didáticas. Eu
acho que ele exige muito e impõe algo pronto, poderia ser mais livre para que eu também pudesse desenvolver ações com base no nível dos meus alunos, porque
algumas atividades tem o nível muito alto [...] eles poderiam dar mais apoio material
e pedagógico, ás vezes tenho que gastar do meu bolso para produzir os materiais,
porque não é sempre que a escola disponibiliza [...] a verdade é que ainda estou me
adaptando ao uso desses materiais e das orientações, por ser meu primeiro ano com
o PAIC, ainda não sei executar algumas técnicas e tenho que pedir apoio da
coordenação, mas estou me esforçando para dar certo (Professora escola A).
Acho que ele implica numa mudança na atuação de todas as professoras, pois nós
passamos a utilizar orientações padronizadas. Eu acho isso bom, pois assim umas
podem ajudar as outras. Antes de ter o PAIC eu já tinha trabalhado com turmas de
alfabetização e via que a gente ficava muito presa ao livro didático e as técnicas de
silabação B com A, BA; B com E, BE...Trabalhávamos do jeito que dava certo, sem
objetivos concretos [...] E hoje nós sabemos que essa não é a maneira correta de
alfabetizar. Com o programa nós temos um norte, e embora ainda necessite de
muitas mudanças como: modificar os textos, as atividades, algumas orientações didáticas e oferecer mais condições materiais a escola, eu o avalio como sendo
positivo (Professora escola B).
Na avaliação do programa para a atuação docente, as professoras falaram que ele
modifica a maneira de como elas agem em sala de aula, pois elas passam a seguir as
orientações metodológicas da proposta didática do Programa, que são também padronizadas a
todas as professoras. Essa característica faz com que haja uma maior interação entre elas.
Além disso, uma das professoras afirma que o programa modificou a maneira de se
alfabetizar, porque antes elas ficavam presas ao livro didático e às técnicas de silabação.
Esse processo de mudança requer esforço do professor para que ele consiga
trabalhar dentro daquilo que o programa almeja, que é possibilitar a alfabetização a partir da
concepção do letramento. A professora A, ainda está se adaptando ao uso do programa por ser
o primeiro ano do PAIC, no entanto, ela gostaria que ele fosse mais livre para que ela pudesse
realizar ações que se encaixassem melhor com o perfil de seus alunos.
100
A partir da análise das entrevistas percebemos que as professoras apresentaram
posicionamentos parecidos em relação ao Programa, com pontos exitosos e fatores que
precisam ser melhorados. Cabe ao programa ouvir mais a opinião dos professores sobre as
ações desenvolvidas, os materiais pedagógicos necessários e as condições de aprendizado.
Através da posição dos que trabalham diariamente com o programa é que será possível
realizar melhorias que favoreçam o processo de ensino e de aprendizagem no contexto da sala
de aula, e não somente nos resultados das avaliações externas de larga escala.
4.8 OS RESULTADOS DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
Para tentar verificar o impacto do PAIC na aprendizagem dos alunos, realizamos
pré e pós-testes de leitura e escrita, nos meses de abril e outubro deste ano. Para isto,
escolhemos dez alunos de cada turma investigada, totalizando uma amostragem de vinte
alunos. A seleção dos alunos foi feita tendo como base preliminar o diagnóstico inicial
realizado pelas escolas no mês de fevereiro. O interesse em utilizar o diagnóstico das escolas
foi de escolher alunos que apresentassem diferentes níveis de escrita, categorizados na teoria
de Ferreiro e Teberosky (1999): pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético.
Desta forma, orientados pelos diagnósticos das escolas, realizados no início do
ano letivo, escolhemos alguns alunos que apresentaram níveis de escrita diferentes. Na escola
A, escolhemos dez alunos: cinco destes se encontravam no nível pré-silábico; dois no nível
silábico; dois silábico-alfabéticos e um alfabético. Na escola B, também elegemos dez alunos,
sendo cinco no nível pré-silábico; três silábicos e dois silábico-alfabéticos.
Posteriormente à escolha desses alunos, realizamos testes de escrita para
identificar o estágio de desenvolvimento em que se encontravam os alunos. Os testes foram
realizados nos meses de abril e outubro, visando comparar as possíveis evoluções
apresentadas pelos alunos. Para a concretização desses testes, solicitamos que os alunos
escrevessem as seguintes palavras8 Rosa, Janela, Boneca na respectiva ordem.
Testes realizados na escola A
Logo após realizarmos os testes com os alunos no mês de abril, constatamos que
na escola A, os resultados dos testes apresentaram divergências quando comparados com os
diagnósticos realizados pela escola no mês de fevereiro. Em vista disso, foi necessário fazer
8 Selecionamos as palavras com base em textos que os alunos estavam estudando durante a primeira semana de
observação.
101
um quadro demonstrando que alguns alunos tiveram um avanço considerável em relação ao
teste realizado pela escola em fevereiro, fazendo com que houvesse uma modificação no
quadro inicial da amostragem.
Na escolha dos alunos dessa escola, como apresentado no tópico anterior,
tínhamos cinco alunos em nível pré-silábico; dois silábicos; dois silábico-alfabéticos e um
alfabético. Após o diagnóstico feito em abril, evidenciamos cinco alunos pré-silábicos; um
aluno silábico e quatro alunos alfabéticos.
Quadro 1 - Comparação entre diagnóstico de fevereiro e abril na escola A
Aluno9
Nível de escrita com base
no diagnóstico da
coordenadora da escola A
(fevereiro)
Nível de escrita com base
no diagnóstico da
pesquisadora
(abril)
Pa Pré-silábico Pré-silábico
Jo Pré-silábico Pré-silábico
Ma Pré-silábico Pré-silábico
Al Pré-silábico Pré-silábico
Ka10
Silábico Pré-silábico
La Pré-silábico Silábico
Na Silábico Alfabético
Mar Silábico-alfabético Alfabético
Da Alfabético Alfabético
Já Silábico-alfabético Alfabético
Evidenciamos em negrito os alunos que tiveram uma modificação em seu nível de
escrita. No entanto, nosso propósito é apresentar as evoluções dos alunos comparando os
testes realizados pela pesquisa nos meses de abril e outubro. A seguir, veremos um quadro
comparativo com os diagnósticos realizados pela pesquisa:
9 Os nomes dos alunos participantes foram abreviados, com vistas a garantir a preservação de suas identidades.
10 De acordo com testes realizados pela escola em fevereiro, o aluno Ka estaria no nível silábico. No entanto, quando realizamos os testes de escrita no mês de abril, constatamos que ele apresentava o nível pré-silábico.
102
Quadro 2 - Diagnóstico do nível de escrita dos alunos da escola A, realizados pela
pesquisadora
Aluno Nível de escrita em abril
realizado pela
pesquisadora
Nível de escrita em
outubro realizado pela
pesquisadora
Pa Pré-silábico Silábico
Jo Pré-silábico Pré-silábico
Ma Pré-silábico Silábico
Al Pré-silábico Silábico
Ka Pré-silábico Silábico-alfabético
La Silábico-alfabético Alfabético
Na Alfabético Alfabético
Mar Alfabético Alfabético
Da Alfabético Alfabético
Já Alfabético Alfabético
Diante do quadro, podemos afirmar que durante o ano letivo, dos dez alunos
avaliados, cinco atingiram o nível alfabético; um aluno que se encontrava no nível pré-
silábico atingiu o nível silábico-alfabético; dois saltaram do nível pré-silábico para o silábico;
um saiu do nível pré-silábico para o silábico; um permaneceu no nível pré-silábico.
Vejamos os testes de palavras11
de alguns alunos.
Figura 8 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com o aluno Pa da escola A
Aluno Pa, Pré-silábico em Abril.
Aluno Pa, silábico em Outubro.
11 Rosa, janela e boneca respectivamente.
103
Notamos que esse aluno teve um pequeno avanço de estágio e existem diferenças
entre os dois testes. O teste realizado em abril não faz nenhuma correspondência entre fonema
e grafema, diferente do teste realizado em outubro, quando já há uma associação de som e
escrita. Ou seja, no teste de outubro, quando pedimos para que ele escrevesse rosa, ele
conseguiu identificar as duas vogais das palavras, assim como identificou a primeira sílaba da
palavra boneca e a sílaba final da palavra janela.
Figura 9 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com a aluna La da escola A
Aluna La, Silábico-alfabético em abril.
Aluna La, Alfabético em outubro.
O teste realizado com essa aluna em abril mostra que ela apresenta características
do nível silábico-alfabético. Neste estágio, cada sílaba corresponde a um som, mas ainda há
erros e falhas ortográficas. Ferreiro e Teberosky (1999, p. 214) afirmam que esse estágio
representa a passagem da hipótese silábica para a alfabética. No teste seguinte, realizado em
outubro, percebemos que houve um avanço na escrita, também com a mudança do estilo de
letra, de bastão para cursiva. No nível alfabético o aluno já escreve com base na oralidade,
compreendendo a necessidade de análise fonética para escrever a palavra.
Nos testes realizados também solicitamos que os alunos escrevessem a seguinte
frase “A casa é bonita”. Na figura seguinte observaremos como um dos alunos escreveu a
frase:
Figura 10 - Teste de frase realizado pela pesquisadora com a aluna An da escola A
Aluna An, Alfabético em abril.
Aluna An, Alfabético em outubro.
104
No teste realizado por An no mês de abril, verificamos que ela aglutinou as
palavras sem fazer a separação necessária, o mesmo aconteceu quando ela escreveu seu
próprio nome no teste. Isso mostra que a aluna ainda não possui o conceito estável da palavra
(BEVENISTE, 2003). O teste posterior realizado em outubro mostra que a mesma conseguiu
superar o problema de junção das palavras tendo consciência da necessidade de instaurar uma
segmentação conforme a oralidade da frase, possibilitando uma maior compreensão daquilo
que é escrito.
Testes da escola B
Na escola B não houve muitas diferenças entre o diagnóstico realizado pela escola
em fevereiro e o diagnóstico feito pelo pesquisador em abril. Apenas um dos alunos deixou o
nível silábico-alfabético e atingiu o nível alfabético.
Quadro 3 - Comparação entre diagnóstico de fevereiro e abril na escola B
Aluno
Nível de escrita com base
no diagnóstico da
coordenadora da escola A
(fevereiro)
Nível de escrita com base
no diagnóstico da
pesquisadora
(abril)
Fa Pré-silábico Pré-silábico
Jo Pré-silábico Pré-silábico
Luc Pré-silábico Pré-silábico
Ig Pré-silábico Pré-silábico
Le Pré-silábico Pré-silábico
As Silábico Silábico
Al Silábico Silábico
Luz Silábico Silábico
Já Silábico-alfabético Silábico-alfabético
Vi Silábico-alfabético Alfabético
Entretanto, fazendo uma análise entre os diagnósticos do mês de abril e de
outubro, observamos uma grande evolução dos alunos, totalizando seis alunos alfabéticos; um
aluno silábico-alfabético e três alunos permaneceram no nível pré-silábico. Vejamos esses
resultados:
105
Quadro 4 - Diagnóstico do nível de escrita dos alunos da escola B, realizados pela
pesquisadora
Aluno Nível de escrita em abril Nível de escrita em
outubro
Fa Pré-silábico Pré-silábico
Jo Pré-silábico Pré-silábico
Luc Pré-silábico Pré-silábico
Ig Pré-silábico Alfabético
Le Pré-silábico Alfabético
As Silábico Silábico-alfabético
Al Silábico Alfabético
Luz Silábico Alfabético
Já Alfabético Alfabético
Vi Alfabético Alfabético
Portanto, na escola B, os alunos avaliados apresentaram uma boa evolução no
desenvolvimento da escrita. A seguir listamos alguns exemplos:
Figura 11 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com a aluna Le da escola B
Aluna Le, pré-silábico em abril.
Aluna Le, Alfabético em outubro.
Nesse exemplo, notamos que o pré-teste realizado pela aluna Le não faz nenhuma
relação entre a palavra ditada e o que é escrito pela criança, ou seja, os símbolos não fazem
nenhuma relação com os sons da fala. Para esse nível de escrita, “Escrever é reproduzir os
trações típicos da escrita que a criança identifica como a forma básica da mesma”
(FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p. 193). No entanto, no pós-teste a aluna apresenta uma
grande evolução, atingindo o nível alfabético, compreendendo que a escrita passa a ser
organizada conforme a correspondência grafema e fonema.
106
Figura 12 - Teste de frase realizado pela pesquisadora com a aluna Vi da escola B
Aluno Vi, Alfabético em abril.
Aluno Vi, Alfabética em outubro
A avaliação dessa aluna apresenta uma evolução na escrita obedecendo às regras
de acentuação. Diante da escrita da aluna indagamos por que ela utilizou essa acentuação, ela
explicou que se o “e” não tiver o tracinho terá som de “i”. Conforme Simonetti (2007) na
escrita alfabética a criança procura escrever corretamente obedecendo ao sistema alfabético e
ortográfico. Portanto, a aluna já faz a correlação da sonorização não só das palavras como
também de frases, segmentando-as de forma correta e lhes atribuindo o valor sonoro
conforme as regras ortográficas.
Assim, concluímos que ao comparar os resultados do pré e pós-testes notamos que
os alunos apresentaram uma evolução positiva nos níveis de escrita, mostrando que no
decorrer do ano letivo alguns alunos das turmas das duas escolas conseguiram se apropriar do
código escrito.
Testes de leitura
Além dos testes de escrita também realizamos testes de leitura, para isso
utilizamos um pequeno texto chamado “A pipa e o pião”, desse mesmo texto destacamos
palavras para a leitura: Danilo, pião, roda. Também tiramos do texto a seguinte frase “A pipa
voa no céu”. Iniciamos os testes mostrando o texto aos alunos, alguns conseguiram ler
algumas palavras, outros leram o texto com dificuldade e pausadamente. À medida que vimos
as dificuldades de alguns alunos mostrávamos a frase e as palavras separadamente, para
verificar se eles conseguiam realizar a leitura em um contexto mais simples. Nos quadros
seguintes apresentaremos os diagnósticos de leitura da escola A e B:
107
Quadro 5 - Diagnóstico de leitura dos alunos da escola A, realizados pela pesquisadora
Aluno Estágio de leitura em
abril
Estágio de leitura em
outubro
Pa Não leitor Leitor de algumas sílabas
Jo Não leitor Não leitor
Ma Leitora de sílabas Leitora de palavras
Al Não leitor Leitor de sílabas
Ka Não leitor Leitor de palavras
La Leitora de sílabas Leitora de texto
Na Leitora de sílabas Leitora de texto sem
fluência
Mar Leitor de frase Leitora de texto
Da Leitor de texto sem
fluência.
Leitora de texto
Já Leitora de texto pausado Leitora de texto
Na escola A, boa parte dos alunos pesquisados não conseguiram ler palavras nos
pré-testes realizados em abril. Nos pós-testes, alguns alunos apresentaram uma evolução
passando de não leitores para leitores de sílabas e palavras. Também tivemos alunos que
melhoraram a leitura de texto, apresentando melhor fluência e compreensão
108
Quadro 6 - Diagnóstico de leitura dos alunos da escola B, realizados pela pesquisadora
Aluno Estágio de leitura em
abril
Estágio de leitura em
outubro
Fa Não leitora Não leitora
Jo Não leitor Não leitor
Luc Não leitor Não leitor
Ig Leitor de sílabas Leitor de texto
Le Leitora de sílabas Leitora de texto
As Leitora de palavras Leitora de frase
Al Leitor de palavras Leitor de texto
Luz Leitora de sílabas Leitora de texto pausado.
Já Leitora de frase Leitora de texto
Vi Leitora de texto Leitora de texto
Ao analisarmos o quadro da escola B, percebemos que a evolução dos alunos
dessa escola foi ainda melhor que na escola A. Mesmo diante das dificuldades encontradas no
ambiente da sala de aula, como a falta de espaço e de condições adequadas à aprendizagem,
alguns desses alunos tornaram-se leitores de texto.
Assim, concluímos uma importante etapa de nossa pesquisa, que de forma
qualitativa, analisou o desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita dos alunos que
realizaram os testes. Portanto, constatamos que a prática do Programa em sala de aula e a
atuação dos professores se mostraram positivas na aprendizagem dos alunos que fizeram parte
da amostragem.
Contudo, ressaltamos que apenas uma parte dos alunos de cada turma participou
dos testes e não houve um acompanhamento ao desenvolvimento dos demais alunos.
Destacamos ainda que não queremos generalizar esses resultados, pois os mesmos podem não
ocorrer em outras escolas nos diferentes municípios existentes no estado do Ceará. O ideal é
que os próprios gestores dessas políticas educacionais tenham o interesse em acompanhar as
ações desenvolvidas no ambiente escolar para verificar se estas estão mesmo contribuindo na
aprendizagem das crianças, e não apenas por basear em dados estatísticos obtidos de
avaliações externas em larga escala, que embora também sejam importantes, não conseguem
fazer uma análise qualitativa do que ocorre nas escolas
109
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A finalidade desse estudo foi analisar como o Programa PAIC e sua proposta de
alfabetização influencia na atuação dos professores que atuam em turmas de 1º ano do ensino
fundamental de Limoeiro do Norte, Ceará. A partir da análise do uso do Programa na sala de
aula e das entrevistas semiestruturadas realizadas com as professoras investigadas fizemos
considerações sobre como o PAIC transforma a prática de professores que passam a ensinar
conforme as orientações da proposta de alfabetização e letramento. Além desse objetivo,
traçamos também objetivos específicos: Compreender os pressupostos, as metas e os eixos
que fundamentam o PAIC; Analisar como ocorre o processo de alfabetização e letramento
através do PAIC; Verificar o impacto do Programa na aprendizagem dos alunos, através de
pré e pós-testes; Averiguar a percepção de professores do 1º ano à respeito da utilização da
metodologia e rotina do PAIC em seu trabalho cotidiano.
Os resultados alcançados foram organizados no último capítulo. Realizamos uma
análise descritiva da prática do Programa na sala de aula, analisamos o material e a rotina
didática do PAIC, apresentamos as escolas e o perfil dos sujeitos que participaram do
acompanhamento pedagógico. A partir desses resultados foi possível compreender alguns
questionamentos levantados pela pesquisa, como a perspectiva teórico-metodológica do
PAIC; o processo pelo qual ocorre a aquisição da leitura e da escrita; a autonomia docente
diante de um programa pré-estabelecido; os recursos formativos do Programa oferecidos aos
professores e também ao acompanhamento pedagógico oferecido ao professor na prática
escolar.
Nesta fase, levantamos alguns resultados importantes:
O Programa PAIC utiliza as seguintes conjecturas para fundamentar seu processo de
alfabetização: o uso do letramento e de diferentes gêneros textuais para alfabetizar e a
teoria “Psicogênese da Língua Escrita” como meio de compreender o processo de
aquisição das habilidades de leitura e escrita pela criança;
A utilização de uma rotina pré-determinada baseada numa proposta de alfabetização e
letramento, rotina essa que não pode ser interrompida e deve ser seguida, como
estabelece o Programa;
O aprendizado é gerado pela leitura de textos através de gêneros textuais diversos
determinados pelo Programa. A partir dessa leitura, o texto é explorado de diversas
110
formas, até se chegar ao estudo de estrofes, frases e palavras. Através do estudo das
palavras, os alunos conhecem a estrutura fonológica e estrutural destas (letra inicial,
som inicial, letra final, som final, quantidades de sílabas da palavra etc.);
Diante de conteúdos, materiais e rotina pré-estabelecidos, a autonomia do professor
fica comprometida, pois este não pode modificar ou parar essa rotina, mesmo que
alguns alunos não estejam obtendo êxito. Isso faz com que muitas vezes o professor se
torne apenas um mero executor de uma técnica dada;
A formação oferecida aos docentes pelo PAIC, ainda não possibilita recursos que
tornem os professores aptos a alfabetizar e letrar, nem diagnosticar o nível de escrita
dos alunos conforme a “Psicogênese da Língua Escrita”, que é indicada pelo referido
programa; também não os fazem refletir sobre a sua prática, de modo que essa
reflexão permita mudanças no processo de ensino e de aprendizagem.
A partir do acompanhamento às formações oferecidas ao PAIC, vimos que é possível
que as professoras opinem e contribuam na construção dos planos de aula. Elas podem
desenvolver estratégias para estimular a aquisição da leitura e da escrita de acordo
com a proposta de alfabetização e letramento. No entanto, durante as observações
dessa formação, percebemos que as professoras não discutem muitas ideias para
colocar no plano, em vez disso, elas apenas transcrevem para o plano as sugestões da
proposta.
O professor recebe acompanhamento ou auxílio na prática pedagógica apenas da
gestão da escola. As secretarias municipais e estaduais não oferecem esse apoio, a não
ser quando é para averiguar o uso do Programa na sala de aula como forma de
monitorar a execução da rotina pelos professores.
O acompanhamento pedagógico a partir das observações e do diário de campo
permitiu a reflexão dos pontos apresentados e a identificação de como a metodologia do PAIC
é trabalhada em sala de aula.
Também alcançamos resultados obtidos pelos depoimentos das professoras, que
mostraram como é o trabalho com o PAIC; como veem o Programa e sua metodologia; que
tipo de intervenções são realizadas para promover a alfabetização, o letramento e práticas de
leitura; como analisam sua prática pedagógica e como o Programa implica em sua atuação
docente. Portanto, a partir da análise das entrevistas concluímos que:
111
O PAIC contribui para a aprendizagem dos alunos, pois ele sugere ideias e materiais
atrativos;
Para promover a alfabetização e o letramento, as ações pedagógicas das professoras
seguem o que é pré-determinado pela proposta e os materiais do Programa. As
professoras não utilizam ideias próprias e não fazem parte dos planos de aula e daquilo
que é estabelecido;
Para estimular as práticas de leitura e inserir os alunos em uma cultura letrada, as
professoras utilizam os livros da coleção do PAIC Prosa e Poesia. Através desses
livros, “incentivam” os alunos a lerem e socializarem a leitura. O Programa também
sugere o uso de outros materiais, como revistas, gibis, jornais e outros. Entretanto, as
escolas, muitas vezes, não disponibilizam estes materiais, fazendo com que elas
sempre utilizem os livros da coleção do PAIC;
O Programa causa sobrecarga no trabalho docente, pois há um excesso de confecção
de materiais e atividades a serem trabalhadas em um único dia;
A rotina do PAIC é vista como sendo rígida e, muitas vezes, inflexível. Na opinião das
professoras, a rotina deveria ser menos rígida e mais livre, de modo que elas pudessem
também escolher os textos e os materiais a serem trabalhados. Embora, uma delas
também a veja como sendo importante, pois orienta como devem ocorrer as aulas;
As professoras avaliam suas ações pedagógicas a partir da revisão dos planos de aula e
do acompanhamento dos alunos. Para acompanhar a aprendizagem dos alunos são
realizados testes e avaliações diagnósticas que verificam as habilidades de leitura e
escrita dos alunos. Não obstante, uma das professoras não apresentou habilidades para
diagnosticar o nível de escrita dos alunos;
O PAIC e sua metodologia mudaram a atuação dos professores alfabetizadores,
modificando a maneira como elaboram as ações pedagógicas, a escolha dos materiais
e dos recursos didáticos, pois todos esses fatores passaram a ser padronizados e
orientados por uma proposta didática que insere os professores e os alunos em uma
rotina preestabelecida. Vale afirmar que uma das professoras vê o Programa como
sendo positivo à prática docente. Enquanto que a outra professora defende que o uso
do Programa deveria ser mais flexível e livre, sem impor e exigir tanto do professor;
Esses pontos nos deram margem para esclarecer o objetivo principal da pesquisa
que é como o PAIC e sua metodologia implicam na atuação docente das professoras
investigadas. Podemos afirmar que o Programa modificou de maneira positiva a atuação
112
dessas professoras, pois estas passaram a utilizar orientações padronizadas que estabelecem
conteúdos, materiais, objetivos de aprendizagem e ações metodológicas. Antes do uso do
PAIC não havia uma orientação de como as crianças deveriam ser alfabetizadas, por esse
motivo as professoras se limitavam ao uso do livro didático.
Ao mesmo tempo em que esses fatores podem ser vistos como sendo positivos ao
processo de ensino e de aprendizagem, pois orientam e organizam a prática pedagógica,
oferece ideias e recursos para um ensino atrativo, podemos também observar que podem
também causar uma limitação da ação docente, comprometer a autonomia do professor e
subordiná-lo a um programa preestabelecido. Em vista disso, o PAIC também é caracterizado
como um programa contraditório para a atuação docente, pois ora orienta e oferece recursos à
prática do professor, ora limita e transforma o professor em um simples executor de uma
técnica dada.
Vale afirmar que durante o acompanhamento às formações do PAIC constatamos
que os professores podem colaborar na criação dos planos de aula com a sugestão de
estratégias condizentes à proposta de alfabetização e letramento do Programa, e não apenas
transcrever aquilo que é sugerido por essa proposta. Porém, nos parece que há certo
comodismo por parte de alguns professores, que preferem apenas utilizar as técnicas e
sugestões dadas pela proposta que refletir e criar meios que melhorem o processo de ensino e
de aprendizagem.
É indiscutível afirmar que o PAIC conseguiu elevar as taxas de alfabetização no
Ceará, obtidas em avaliações externas e promovidas pelo Sistema de Avaliação da Educação
Básica (SAEB). Neste sentido, a fim de verificar o impacto do Programa na aquisição da
leitura e da escrita dos alunos, realizamos pré e pós-testes, nos meses de abril e outubro, com
dez alunos de cada turma acompanhada. A análise dos testes mostrou que no decorrer do ano
letivo, dos vinte alunos que realizaram a avaliação diagnóstica, dezesseis apresentaram
avanços nos níveis de escrita e quatro permaneceram no nível pré-silábico. Dos dezesseis
alunos que apresentaram evolução, onze deles se tornaram alfabetizados, os demais evoluíram
para o nível silábico ou silábico alfabético, conforme os conceitos da teoria da Psicogênese da
Língua Escrita. Portanto, concluímos que mais de 50% dos alunos que realizaram os testes
conseguiram se alfabetizar.
A partir da analise dos testes concluímos que muitos deles conseguiram escrever
palavras e frases corretamente e também tiveram a capacidade de ler textos com compreensão
113
daquilo que foi lido. Assim, constatamos que o PAIC pode ser eficiente na aprendizagem dos
alunos e que oferece meios para alfabetizá-los. A metodologia do Programa difere daquilo
que era anteriormente utilizado pelas escolas e deu também grande relevância às séries de
alfabetização das escolas dos municípios cearenses, oferecendo maior interação com o
universo da literatura infantil e o conhecimento de diferentes gêneros textuais.
Entretanto, ainda é necessário discutir a formação docente, a autonomia do
professor e as condições de trabalho em sala de aula. Os professores não podem se acomodar
ao uso do programa e se isentar da participação e da criação de meios que melhorem a
aprendizagem de seus alunos. Ele deve se posicionar diante do programa e não apenas
confirmar e aceitar uma função de mero executor de uma técnica dada. Por isso é fundamental
que o professor tenha uma formação de qualidade não só dentro do Programa PAIC, como
também na sua formação inicial.
É também necessário oferecer condições materiais à escola, pois, apesar das
melhorias dos últimos anos, ainda há escassez de materiais pedagógicos dentro da escola que
facilitem o letramento. Nas escolas acompanhadas, vimos diversos relatos das professoras
assegurando que os planos de aula sugerem o uso de diversos materiais simples como
revistas, jornais, gibis, os quais a escola não dispõe. Também alegaram que os planos de aula
indicam a confecção de diversos materiais que necessitam de cartolinas, E.V.A, pincéis e
outros materiais que nem sempre estão disponíveis, fazendo com que elas tenham que
comprá-los por conta própria.
Enfim, o Programa deve levar em consideração todos esses fatores, especialmente
a qualidade do ensino na sala de aula. Não podemos basear a qualidade do Programa apenas
pelos resultados obtidos nas avaliações externas. Neste sentido, deve haver um
acompanhamento do que está sendo feito na sala de aula, para que assim seja possível detectar
os principais problemas que dificultam o desenvolvimento de uma alfabetização eficaz e que
permita que a criança permaneça alfabetizada no seu percurso escolar, pois a análise de
resultados de avaliações externas tem mostrado que alguns alunos que passaram pelo PAIC e
que se alfabetizaram na “idade certa”, chegam ao 5º ano do ensino fundamental com baixas
habilidades na aprendizagem e com pouca compreensão daquilo que lê.
Esperamos que esse estudo possibilite novos conhecimentos e que incentive
outros trabalhos que se relacionem à alfabetização e ao letramento, às ações metodológicas, à
formação docente e também ao PAIC. Nosso intuito foi contribuir para a compreensão desse
115
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120
APÊNDICE A - Comparativo dos testes aplicados com as crianças nos meses de
abril e outubro, na escola A. 1º ANO (Escola A)
Aluno: Al
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
121
1º ANO (Escola A)
Aluno: AN
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
122
1º ANO (Escola A)
Aluno: Da
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
123
1º ANO (Escola A)
Aluno: Ja
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
124
1º ANO (Escola A)
Aluno: Jo
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
125
1º ANO (Escola A)
Aluno: Ka
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
126
1º ANO (Escola A)
Aluno: La
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
127
1º ANO (Escola A)
Aluno: Mar
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
128
1º ANO (Escola A)
Aluno: Ma
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
129
1º ANO (Escola A)
Aluno: Pa
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
APÊNDICE B - Comparativo dos testes aplicados com as crianças nos meses de
abril e outubro, na escola B.
130
1º ANO (Escola B)
Aluno: Al
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
131
1º ANO (Escola B)
Aluno: Vi
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
132
1º ANO (Escola B)
Aluno: Ig
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
133
1º ANO (Escola B)
Aluno: Ja
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
134
1º ANO (Escola B)
Aluno: Luc
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
135
1º ANO (Escola B)
Aluno: Jo
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
136
1º ANO (Escola B)
Aluno: Le
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
137
1º ANO (Escola B)
Aluno: Lu
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
138
1º ANO (Escola B)
Aluno: Sa
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
139
1º ANO (Escola B)
Aluno: Fa
TESTE DE PALAVRAS DITADAS:
ABRIL OUTUBRO
TESTE DA FRASE
ABRIL
OUTUBRO
140
APÊNDICE C - ORIENTAÇÃO PARA A ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA.
Formação inicial das professoras;
Como elas avaliam a proposta de alfabetização do Programa e como são realizadas as
atividades de alfabetização e letramento;
Opinião das mesmas, sobre os materiais e a rotina didática pré-estabelecida do PAIC;
Como ocorre o acompanhamento das ações realizadas e o desenvolvimento da
aprendizagem dos alunos?
Como as professoras refletem sua prática docente?
O programa implica (modifica, transformar) sua atuação docente?