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0 UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS - FAFIDAM FACULDADE DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL - FECLESC MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO E ENSINO - MAIE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - NÍVEL MESTRADO GABRIELLE NASCIMENTO LOPES PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: REFLEXÕES TEÓRICO- METODOLÓGICAS SOBRE A PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO E AS INTERFERÊNCIAS NA PRÁTICA DOCENTE LIMOEIRO DO NORTE CEARÁ 2015

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0

UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

FACULDADE DE FILOSOFIA DOM AURELIANO MATOS - FAFIDAM

FACULDADE DE EDUCAÇÃO CIÊNCIAS E LETRAS DO SERTÃO CENTRAL - FECLESC

MESTRADO ACADÊMICO INTERCAMPI EM EDUCAÇÃO E ENSINO - MAIE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO - NÍVEL MESTRADO

GABRIELLE NASCIMENTO LOPES

PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: REFLEXÕES TEÓRICO-

METODOLÓGICAS SOBRE A PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO E AS

INTERFERÊNCIAS NA PRÁTICA DOCENTE

LIMOEIRO DO NORTE – CEARÁ

2015

1

GABRIELLE NASCIMENTO LOPES

PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: REFLEXÕES TEÓRICO-

METODOLÓGICAS SOBRE A PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO E AS

INTERFERÊNCIAS NA PRÁTICA DOCENTE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino

da Universidade Estadual do Ceará, como

requisito parcial à obtenção do título de mestre

em Educação. Área de Concentração:

Educação, Ensino, Escola e Formação docente.

Orientadora: Profº. Drª. Maria Gilvanise de

Oliveira Pontes.

Co-orientadora: Profº. Drª. Suzana Maria

Capelo Borges.

LIMOEIRO DO NORTE - CEARÁ

2015

2

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação

Universidade Estadual do Ceará

Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho

Lopes, Gabrielle Nascimento. Programa de Alfabetização na Idade Certa: reflexões teórico-

metodológicas sobre a proposta de alfabetização e as interferências na prática docente./ Gabrielle Nascimento Lopes. – 2015

1 CD-ROM. 141 f. : il (algumas coloridas) 4 ¾

“CD-ROM Contendo o arquivo no formato PDF do trabalho acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7 mm)”

Dissertação (Mestrado Acadêmico) – Universidade Estadual do Ceará, Faculdade de Filosofia Dom Aureliano Matos, Faculdade de Educação Ciências e Letras do Sertão Central, Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino, Limoeiro, 2015.

Área de concentração: Educação, Ensino, Escola e Formação Docente. Orientação: Profº. Drª. Maria Gilvanise de Oliveira Pontes. Co-orientação: Profº. Drª. Suzana Maria Capelo Borges. 1. PAIC 2. Alfabetização 3. Docente. I. Título.

3

GABRIELLE NASCIMENTO LOPES

PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: REFLEXÕES TEÓRICO-

METODOLÓGICAS SOBRE A PROPOSTA DE ALFABETIZAÇÃO E AS

INTERFERÊNCIAS NA PRÁTICA DOCENTE

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado

Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino

da Universidade Estadual do Ceará, como

requisito parcial à obtenção do título de mestre

em Educação. Área de Concentração:

Educação, Ensino, Escola e Formação docente.

Aprovada em: 17 de março de 2015.

BANCA EXAMINADORA

4

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, pela minha vida, pela oportunidade de ser quem sou e por ter

me dado forças pra continuar mesmo nos momentos em que pensei em desistir.

Agradeço também a minha família pelo o apoio e, principalmente, a minha mãe Selma Regina

do Nascimento e ao meu marido Júnior de Oliveira, por terem sempre apoiado minhas

decisões profissionais.

Aos meus caros amigos e companheiros de mestrado Antônio Oziêlton, George Amaral,

Ivania Maria, Joyce Santana, Leiliana Freire, Maria Edleuza, Paulo Pio, Raquel Lima e

Ozirene Maia, pela amizade e conversas sinceras, pelos sorrisos e alegrias de estarmos juntos,

sempre compartilhando as experiências e os sonhos. E também a meu maior incentivador,

João Paulo Guerreiro, por sua paciência e amizade.

Aos professores do curso que contribuíram com nossa formação e possibilitaram a aquisição

de novos conhecimentos para melhorar nossa prática docente e todos que fazem parte do

MAIE.

Um agradecimento especial à professora Suzana Maria Capelo Borges, que sempre esteve

presente em minha vida acadêmica, incentivando-me a ser uma pessoa e uma profissional

melhor. Obrigada pelo carinho e sua amizade sincera, um espelho para mim e para todos os

seus demais alunos.

A minha orientadora Dra. Maria Gilvanise de Oliveira Pontes, pelo incentivo e apoio para a

concretização desse trabalho.

A professora Sylvie Ghislaine Delacours Soares Lins pelas muitas contribuições realizadas e

pela participação na minha defesa em Limoeiro do Norte.

A todos os membros da Secretária de Educação do município de Limoeiro do Norte e aos

coordenadores do Programa Alfabetização na Idade Certa – PAIC, que se mostraram

receptivos as minhas dúvidas e me apoiaram na concretização do meu projeto.

Às professoras, gestoras, coordenadoras e alunos das escolas acompanhadas, por terem sido

tão prestativos e atenciosos.

E finalmente, à Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico, pela concessão

da bolsa que possibilitou a minha dedicação exclusiva a este trabalho.

5

“Mestre não é quem sempre ensina, mas quem

de repente aprende.”

(João Guimarães Rosa)

6

RESUMO

A alfabetização é um processo básico para o progresso dos sujeitos e sua inclusão no meio

social. A aquisição desse processo depende de vários fatores, como: as ações metodológicas,

materiais didáticos, ambiente de aprendizado e atuação docente. Nessa perspectiva, o objetivo

desse estudo é analisar como o PAIC e sua proposta teórico-metodológica influencia na

atuação docente de professoras de duas escolas do município de Limoeiro do Norte, Ceará.

Verificamos também, o impacto do Programa no aprendizado dos alunos das turmas

investigadas. Participaram da pesquisa duas professoras e sessenta e quatro alunos.

Realizamos observação participante em uma turma de 1º ano do ensino fundamental de cada

escola para registrar como ocorre o processo de alfabetização proposto pelo Programa e como

o professor faz uso dele. Com as duas professoras realizamos entrevistas semiestruturadas

para, a partir de seus discursos, tentarmos identificar como o PAIC influencia em sua atuação

docente. Por fim, realizamos pré e pós-testes com os alunos para analisar as habilidades de

leitura e escrita no decorrer do ano letivo. A pesquisa apresentou como resultados os seguintes

pontos: (1) O PAIC é visto como positivo para a aprendizagem dos alunos, tanto na visão das

professoras entrevistadas, quanto na análise dos pré e pós-testes dos alunos realizados pela

pesquisadora; (2) O Programa mudou a atuação dos professores alfabetizadores, pois

modificou a escolha dos materiais, as ações metodológicas, a rotina didática e a forma de

elaborar os planos de aula; (3) Apesar de ser visto como positivo para a aprendizagem, as

professoras também acham que o Programa causa sobrecarga no trabalho docente pelo

excesso de atividades; (4) A rotina do Programa é rígida e inflexível; (5) O PAIC faz com que

o professor tenha sua autonomia didática comprometida, e muitas vezes o professor se torna

um mero executor de uma dada técnica, pois este tem que se adequar ao perfil profissional

que o Programa necessita. Esse perfil se caracteriza por fatores como: alguém que obedecerá a

rotina; que esteja apto a utilizar o material proposto e executá-la como estabelece a proposta;

que seja também capaz de atingir os objetivos de aprendizagem, mesmo que esses não tenham

sido desenvolvidos por eles. Enfim, de fato o Programa melhorou os resultados de

aprendizagem dos alunos e a maneira de como se alfabetizar, no entanto, ainda são muitos os

questionamentos levantados a respeito da autonomia docente e da formação do professor

alfabetizador, de modo que este seja capaz de refletir criticamente sobre sua atuação e os

fatores que influenciam nos processos de ensino e de aprendizagem.

Palavras-chave: PAIC. Alfabetização. Atuação docente.

7

ABSTRACT

Literacy is a basic process for the progress of the subjects and their inclusion in the social

environment. The acquisition of this process depends on several factors, such as:

methodological actions, learning materials, learning environment and teaching practice. From

this perspective, the objective of this study is to analyze how the PAIC and its theoretical and

methodological proposal affects the educational performance of teachers from two schools in

the North Lemon Tree municipality, Ceará. We also studied the impact of the program on

student learning of the investigated groups. The participants were two teachers and sixty-four

students. We conducted participant observation in a class of 1st year of elementary school in

each school to register as is the process of literacy proposed by the program and how the

teacher makes use of it. With the two teachers conducted semi-structured interviews, from his

speeches, try to identify how the PAIC influences in their teaching practice. Finally, we

conducted pre- and post-tests with students to analyze the reading and writing skills

throughout the school year. The research presented as the following results: (1) PAIC is seen

as positive for student learning, both in view of the interviewed teachers, and in the analysis

of pre- and post-testing of students conducted by the researcher; (2) The program has changed

the role of literacy teachers, as modified the choice of materials, methodological actions, the

teaching routine and how to develop lesson plans; (3) Despite being seen as positive for

learning, the teachers also find that the program causes overload in teaching by excessive

activities; (4) The routine of the program is rigid and inflexible; (5) The PAIC makes the

teacher has committed his teaching autonomy, and often the teacher becomes a mere executor

of a given technique, because this has to fit the professional profile that the program needs.

This profile is characterized by factors such as: someone who will follow the routine; that is

able to use the material offered and run it as established by the proposal; it is also able to

achieve the learning objectives, even if these have not been developed for them. Anyway, in

fact the program has improved the results of student learning and the way how to become

literate, however, there are still many questions raised about the teaching autonomy and

teacher education teacher, so this is able to reflect critically about his performance and the

factors that influence the teaching and learning processes.

Key-words: PAIC. Literacy. Teaching performance.

8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2007. ...... 58

Figura 2 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2008 ....... 59

Figura 3 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2009. ...... 60

Figura 4 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2010. ...... 60

Figura 5 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2011. ...... 62

Figura 6 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2012. ...... 63

Figura 7 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2013. ...... 64

Figura 8 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com o aluno Pa da escola A. ....... 102

Figura 9 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com a aluna La da escola A. ........ 103

Figura 10 - Teste de frase realizado pela pesquisadora com a aluna An da escola A. .......... 103

Figura 11 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com a aluna Le da escola B. ...... 105

Figura 12 - Teste de frase realizado pela pesquisadora com a aluna Vi da escola B. ........... 106

9

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Comparação entre diagnóstico de fevereiro e abril na escola A. ........................ 101

Quadro 2 - Diagnóstico do nível de escrita dos alunos da escola A, realizados pela

pesquisadora. ..................................................................................................................... 102

Quadro 3 - Comparação entre diagnóstico de fevereiro e abril na escola B. ........................ 104

Quadro 4 - Diagnóstico do nível de escrita dos alunos da escola B, realizados pela

pesquisadora. ..................................................................................................................... 105

Quadro 5 - Diagnóstico de leitura dos alunos da escola A, realizados pela pesquisadora. .... 107

Quadro 6 - Diagnóstico de leitura dos alunos da escola B, realizados pela pesquisador........108

10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 11

2 ALFABETIZAÇÃO: MAIS QUE A APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA

ESCRITA, UM PROCESSO PARA EXERCER AS PRÁTICAS SOCIAIS .................. 18

2.1 ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO BRASILEIRO: MÉTODOS DE

ALFABETIZAÇÃO ............................................................................................................ 21

2.2 ALFABETIZAÇÃO NO SÉCULO XXI: NOVAS CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS

............................................................................................................................................ 27

2.2.1 Letramento: a leitura e a escrita como instrumentos para o exercício das práticas

sociais .................................................................................................................................. 31

3 PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PAIC) .......................... 39

3.1 EIXOS E METAS QUE FUNDAMENTAM O PAIC .................................................... 41

3.2 A PROPOSTA DIDÁTICA DO PAIC: ALFABETIZAR LETRANDO ......................... 46

3.3 A CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR ......................................... 51

3.4 METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO: PROVA PAIC E SPAECE-ALFA ................... 54

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ................................................................... 66

4.1 OS INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS ...................................................... 67

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES ................................................................................... 70

5.1 CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS ......................................................................... 70

5.1.1 Perfis das Professoras e dos alunos ........................................................................... 72

5.2 ANÁLISE DA PROPOSTA, ROTINA E PLANOS DO PAIC ....................................... 73

5.2.1 Rotina e planos de aula ............................................................................................. 77

5.3 ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO ...................................................................... 79

5.3.1 Observações na escola A ........................................................................................... 79

5.4 OBSERVAÇÕES NA ESCOLA B ................................................................................. 83

5.5 AS TÉCNICAS METODOLÓGICAS DE ALFABETIZAÇÃO DO PAIC ..................... 84

5.6 FORMAÇÃO OFERECIDA AOS PROFESSORES DO PAIC ...................................... 88

5.7 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS. ....................................... 93

5.8 OS RESULTADOS DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA ..............................................102

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 111

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 115

APÊNDICES .................................................................................................................... 119

11

1 INTRODUÇÃO

A alfabetização é um processo fundamental para que os sujeitos interpretem a

realidade e se insiram de maneira participativa no meio social. Nessa perspectiva, existem

diversos fatores que são responsáveis pelo processo de aquisição da leitura e da escrita, como

por exemplo, as ações metodológicas, o ambiente de aprendizado, os materiais didáticos e a

ação do professor alfabetizador. Contudo, ela não deve ser vista somente como um processo

que irá possibilitar a codificação e decodificação do sistema escrito. Mais do que um processo

que irá possibilitar o progresso do aluno na vida escolar, a alfabetização permite que os

sujeitos se reconheçam como seres representativos e participantes da sociedade.

Conforme Freire e Macedo (1990), a alfabetização é o desenvolvimento de uma

consciência crítica e um dos instrumentos primordiais para a emancipação do homem, sendo

um processo que se faz por meio de uma prática social, intencional e planejada. Neste

contexto, a formação da consciência popular deve estar ligada à vivência da democracia,

incentivando a responsabilidade social do homem e a integração deste no desenvolvimento

político, econômico e social da nação.

Essa reflexão reforça a ideia que a alfabetização é um processo que possibilita a

inclusão social e o progresso dos sujeitos. Surgiu assim, a necessidade de se buscar

metodologias que facilitem o processo de aquisição de leitura e de escrita, principalmente

pelos países em desenvolvimento, que sofreram com fatores ligados à sistematização tardia, à

precarização do ensino e ao uso de métodos inadequados. Vale afirmar que as dificuldades em

se alfabetizar também estão ligadas a fatores políticos, econômicos, sociais e culturais.

De acordo com Soares (2013), etimologicamente, o termo alfabetização se refere à

aquisição do código escrito e das habilidades de leitura e de escrita. No entanto, a

alfabetização “(...) é também um processo de compreensão/ expressão de significados por

meio do código escrito” (SOARES, 2013, p. 16), que depende de características sociais,

culturais, econômicas e tecnológicas.

Diante da necessidade de buscar caminhos que auxiliem o processo de aquisição

do código escrito e das habilidades de leitura e escrita, pesquisas vêm sendo desenvolvidas

com o intuito de criar meios que colaborem na compreensão de como ocorre esse processo e o

que pode ser usado para facilitá-lo. No Brasil, os estudos que mais vêm sendo utilizados pelas

escolas foram desenvolvidos pelas pesquisadoras Ferreiro e Teberosky (1999), e tomaram

uma grande proporção na década de 1980. Essas autoras realizaram um mapeamento do

12

progresso de aquisição da escrita, utilizando conhecimentos da teoria cognitivista de Jean

Piaget. A partir das observações e do acompanhamento a crianças que estavam iniciando sua

vida escolar essas autoras conseguiram observar que etapas a criança vivencia para chegar ao

nível de escrita ortográfica. Assim, elas criaram a teoria “psicogênese da língua escrita1”.

Paralelamente à criação da teoria da língua escrita, surgiu a concepção de

letramento, com o intuito de complementar o processo de alfabetização. O letramento diz

respeito ao papel que a leitura e a escrita têm no meio social e o uso dessas habilidades nas

práticas sociais. Soares (2003) afirma que mesmo a alfabetização e o letramento sendo

processos distintos, eles não devem ser dissociados.

Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais

concepções psicológicas, linguísticas e psicolinguísticas de leitura e escrita, a

entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá

simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse

sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua

escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e

indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas

sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por

sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das

relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização (SOARES, 2003,

p. 19).

Em vista disso, surgiu uma nova concepção de como devemos ser alfabetizados

através do processo de alfabetização e letramento. O objetivo dessa metodologia é

desenvolver não só a aquisição do código escrito como também o uso desse novo saber nas

práticas sociais, em que leva-se em consideração não só os aspectos psicológicos da criança,

como também, as dimensões culturais, sociais e linguísticas do contexto em que se está

inserido. A experiência e a vivência fatores são que influenciam na maneira como os sujeitos

aprendem e exercem seu conhecimento.

A partir dessas reflexões sobre alfabetização e letramento, resolvemos analisar

uma política pública de educação criada pelo estado do Ceará, o Programa de Alfabetização

na Idade Certa (PAIC), que tem como proposta o uso da metodologia do alfabetizar letrando.

Além disso, o Programa visa diminuir as altas taxas de analfabetismo no estado, auxiliando os

municípios e oferecendo apoio técnico-pedagógico às turmas de 1º e 2º anos do Ensino

Fundamental.

1 Teoria que descreve o processo de aquisição da língua escrita, criada por Emília Ferreiro na década de 1980.

13

De acordo com Marques; Aguiar; Campos (2008), os resultados de avaliações

nacionais, como o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb); Exame

Nacional do Ensino Médio (Enem); Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade);

mostraram que muitos alunos passam por todo o Ensino Fundamental com baixo nível de

leitura e de escrita, estendendo-se até mesmo ao Ensino Médio, em quase todo estado do

Ceará. Diante desses resultados, em 2005 foi criado um comitê para tentar desenvolver

soluções para diminuir esses altos índices de analfabetismo, surgindo assim, o Programa de

Alfabetização na Idade Certa (PAIC). O Programa se iniciou nas escolas em 2007, dando

assistência técnica e pedagógica ao 1° e 2° anos do Ensino Fundamental de todos os

municípios do estado do Ceará, sobre o qual a Secretária de Educação do Estado do Ceará

(SEDUC) tornou-se a principal responsável.

O Programa PAIC defende a ideia da formação de leitores, estimulando o prazer

pela leitura e estruturado no pressuposto de que a alfabetização e o letramento devem ser

promovidos de forma integrada e indissociável. De acordo com a SEDUC (2012), a

aprendizagem da leitura representa a aquisição de uma nova linguagem, que permite o acesso

a conhecimentos e informações, ampliação de horizontes, desenvolvimento de capacidade

crítica e exercício da cidadania.

[...] a finalidade do letramento na escola é possibilitar aos alunos práticas de leitura e

de escrita com sentido e significado. O letramento ou inserção na cultura escrita não

acontece de modo espontâneo. Exige mediação pedagógica [...]. Para tanto, é preciso que o(a) professor (a), como o mediador e responsável pelo letramento, de modo

intencional insira a criança na cultura letrada, o que não significa disponibilizar

livros na sala, cartazes, fichas de nomes, letreiros etc. Letrar é usar a leitura e a

escrita como prática social no cotidiano da sala de aula: a prática de leituras

significativas dos livros de literatura infantil, jornais, revistas (SIMONETTI, 2009,

p. 21).

Portanto, há um grande desafio em alfabetizar letrando, daí a importância de uma

boa formação para o professor alfabetizador, que deve estar apto às novas necessidades de

aprendizado do aluno. O professor como mediador do processo deve saber que para que o

aluno se alfabetize, ele tem que continuar com as técnicas básicas de alfabetização, como por

exemplo, ensinar as crianças que se deve escrever de cima para baixo, da esquerda para

direita, havendo espaços entre as palavras, dentre outras. A novidade é que para que o aluno

se aproprie do código escrito, o professor deve lhe apresentar a linguagem a partir de

diferentes gêneros textuais, para que ele já tenha contato com esses diferentes textos,

inserindo-os em uma cultura letrada.

14

O PAIC oferece um material pronto para alunos e professores, que devem seguir o

cronograma de atividades propostas, obedecendo a rotina didática. Além disso, disponibiliza

um acervo de livros infantis para que a criança tenha acesso à leituras diversificadas.

Mensalmente, os professores que atuam no Programa recebem uma formação para aprender a

executar o material na sala de aula, adotando a rotina didática proposta.

Ao refletir sobre essa percepção de metodologia e de como o Programa propõe o

aprendizado, surgem diversos questionamentos, como: Quais são as perspectivas teórico-

metodológicas do PAIC? Quais são seus pilares epistemológicos? Como ocorrem os

processos de ensino e de aprendizagem? Quais são as contribuições que a formação do

programa oferece para a atuação dos professores alfabetizadores? Que recursos a formação

oferece para a ampliação do conhecimento do professor? Como está a autonomia docente

diante de uma rotina e de materiais prontos? Qual é a importância do professor na atuação do

programa? Que tipo de acompanhamento o professor recebe na prática escolar? Como é

realizado o diagnóstico para avaliar a qualidade do ensino nas turmas de 1º e 2º anos do

Ensino Fundamental?

A necessidade de discutir e investigar o PAIC surgiu pela grande relevância que o

Programa vem tomando, não só no estado do Ceará, como também em todo País.

Recentemente, o PAIC inspirou a criação de uma nova política pública educacional que atuará

em todos os estados brasileiros, conhecido como Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade

Certa (PNAIC). Essa política tem o objetivo de oferecer suporte teórico-metodológico aos

estados e municípios para reduzir os índices de analfabetismo e melhorar a qualidade da

formação dos professores alfabetizadores.

Vale ressaltar que resolvemos analisar o PAIC e não o PNAIC, porque o Pacto

Nacional começou a ser inserido nas escolas muito recentemente e não oferece materiais pré-

estabelecidos para uso em sala de aula. A principal finalidade do PNAIC é oferecer formações

mensais aos professores, visando desenvolver a capacidade do docente. Enquanto que o PAIC

se diferencia ao apresentar uma proposta pronta, a qual o professor irá executá-la de acordo

com a rotina dada, aproximando-se, assim, de um método de alfabetização.

Outro fator que influenciou na escolha do tema foi a necessidade de pedagogos

compreenderem como ocorre a aquisição da leitura e da escrita por parte da criança e buscar

meios que facilitem os processos de ensino e de aprendizagem. Entender o PAIC se tornou

essencial para a formação de todos os pedagogos, como também para os professores que

atuam nas séries iniciais.

15

Esse Programa é utilizado por todos os municípios do estado do Ceará, é deve

haver interesse em avaliar se realmente há impactos positivos nas escolas e na alfabetização

dos alunos. Entendemos que os professores formados no curso de pedagogia serão os

principais educadores atuantes nas turmas de alfabetização e, consequentemente, serão os

professores atuantes do Programa. Portanto, é necessário um estudo de aprofundamento de

seus fundamentos para que haja compreensão de como é realizado o processo de alfabetização

e de letramento por esse Programa.

Como professora que já atuou no PAIC, vimos que ele tende a auxiliar a prática

do professor, propondo ferramentas que facilitem o processo de aquisição de leitura e de

escrita. Porém, existem fatores que devem ser compreendidos e analisados para avaliar a

metodologia e os materiais como sendo os mais adequados para assegurar a aprendizagem dos

alunos. Há diversas dúvidas sobre seu funcionamento, como por exemplo, o perfil que o

professor do Programa deve apresentar; sobre a questão da autonomia docente e as exigências

do cumprimento do cronograma de atividade, mesmo diante da heterogeneidade dos alunos; e

quais são as implicações caso o professor não siga perfeitamente a rotina.

Tendo em vista esse fatores, propomos os seguintes OBJETIVOS:

Geral:

Analisar como o PAIC e sua proposta teórico-metodológica influencia na atuação

docente de professoras de duas escolas do município de Limoeiro do Norte, Ceará.

Específicos:

Compreender os pressupostos, as metas e os eixos que fundamentam o PAIC;

Analisar como ocorre o processo de alfabetização e letramento através do PAIC;

Verificar o impacto do Programa na aprendizagem dos alunos, através de pré e pós-

testes;

Averiguar a percepção de professores do 1º ano a respeito da utilização da

metodologia e rotina do PAIC em seu trabalho cotidiano.

A metodologia da pesquisa será do tipo qualitativo, tendo em vista a necessidade

de analisar os processos de ensino e de aprendizagem na sala de aula a partir de observação

participante. A pesquisa também se utiliza da metodologia descritiva para identificar, registrar

16

e analisar as características, fatores e variáveis que se relacionam com o processo de

alfabetização.

Os dados recolhidos são designados por qualitativos, o que significa ricos em

pormenores descritivos relativamente a pessoas, locais e conversas, e de complexo

tratamento estatístico. As questões a investigar não se estabelecem mediante a

operacionalização de variáveis, sendo, outrossim, formulada como objetivo de

investigar os fenômenos em toda sua complexidade e em contexto natural (BORGAN e BIKLEN, 1994, p. 16).

Os instrumentos para coleta de material da pesquisa de campo no lócus a ser

investigado, realizou entrevistas semiestruturadas a um professor de cada turma; além da

observação participante e o preenchimento de diário de observação. Conforme Chizzotti

(1995), as observações podem se dar de duas formas: a observação participante, que é obtida

por meio do contato do pesquisador com o fenômeno observado, para recolher as ações dos

atores em seu contexto natural, a partir de sua perspectiva e seus pontos de vista; ou a

observação compreensiva, onde se descrevem suas ações no contexto natural de seus atores.

A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da perspectiva dos sujeitos, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida

em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode

tentar aprender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à

realidade que os cerca e às suas próprias ações (LUDKE; ANDRÉ, 1986, p. 26).

Será analisado o desempenho dos alunos a partir dos dados dos pré e pós-testes,

além da análise das entrevistas individuais realizadas com as professoras e das anotações

obtidas a partir da observação participante nas duas escolas. A finalidade é propor uma

exposição dos dados reunidos a partir de uma investigação da realidade percebida ou

observada.

Para a fundamentação teórica, partimos de autores como Ferreiro e Teberosky

(1999), Soares (2003; 2012) e Freire (1989; 1987), que discutem como ocorre o processo de

alfabetização. Piaget (1976; 1996) defende a teoria interacionista em que a criança é capaz de

construir seu conhecimento a partir da interação com o meio. Ainda Saviani (2008) realiza um

mapeamento da educação no Brasil. Além desses autores, também serão utilizados

pesquisadores que fazem parte do comitê da criação do Programa de Alfabetização na Idade

Certa (PAIC), como Simonetti (2009) e a Secretária de Educação do Estado do Ceará (Seduc)

(2012), dentre outros pesquisadores, a fim de se esclarecer as perspectivas e fundamentação

do PAIC.

17

Acreditamos que esta pesquisa terá grande relevância não apenas para o meio

acadêmico, como também para os professores atuantes nas séries iniciais, ajudando-os na

compreensão do processo de alfabetização e melhorando os seus conhecimentos a respeito do

PAIC.

O trabalho está estruturado em quatro capítulos. O primeiro é denominado

“Alfabetização: mais que a aprendizagem da leitura e da escrita, um processo para exercer as

práticas sociais”, que propõe uma contextualização da história da alfabetização e de como

ocorre a aquisição da leitura e da escrita nos dias atuais. O segundo capítulo, “Programa de

Alfabetização na Idade Certa (PAIC)”, aborda a criação, a metodologia, as metas e os eixos

do programa para promover a alfabetização das crianças e melhorar os índices de

alfabetização no estado do Ceará. O terceiro capítulo, “Procedimentos metodológicos”,

explica quais foram os caminhos metodológicos utilizados para a concretização do trabalho. E

por fim, o último capítulo, “Resultados e Discussões”, levantam a descrição e a análise dos

dados coletados, almejando satisfazer os objetivos e questionamentos propostos.

18

2 ALFABETIZAÇÃO: MAIS QUE A APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA

ESCRITA, UM PROCESSO PARA EXERCER AS PRÁTICAS SOCIAIS

Aprender a ler e a escrever é aprender a ler o mundo,

compreender o seu contexto numa relação dinâmica

vinculando linguagem e realidade. E ser alfabetizado é

tornar-se capaz de usar a leitura e a escrita como meio

de tomar consciência da realidade e de transformá-la.

Paulo Freire

Partindo do pressuposto que a alfabetização é um processo complexo que pode ser

sinteticamente definido pela aquisição do código escrito e das técnicas de leitura e de escrita,

ao longo da história da humanidade, essa aprendizagem tornou-se cada vez mais importante

para a ascensão dos indivíduos ao meio social.

Através de uma breve análise do contexto em que se deu a generalização do

ensino da leitura e da escrita, é possível afirmar que sua expansão se iniciou no século XVIII,

na Europa, a partir da Revolução Industrial. Essa revolução se caracterizou pela substituição

do trabalho artesanal pelo trabalho assalariado por meio do uso das máquinas. Assim, as

transformações nos meios de produção gerou a necessidade de se oferecer algum tipo de

escolarização, mesmo que mínima, para capacitar os trabalhadores. O ensino se restringia as

técnicas de leitura e escrita, cuja aprendizagem implicava em alfabetizar as camadas

populares e prepará-las para o comando das máquinas.

Em vista disso, o Estado teve que assumir a responsabilidade de oferecer às

camadas populares uma escolarização básica para atender às necessidades de produção.

Anteriormente a esse período, poucos tinham acesso à educação e a principal instituição

responsável por oferecê-la era a Igreja católica. A proposta da igreja era que o ensino seria um

caminho para se chegar à salvação, utilizando-o, não obstante, como um instrumento de

manutenção de poder. Isso fez com que durante muito tempo a educação se restringisse

àqueles que podiam pagar, aos presbíteros e aos demais indivíduos ligados à congregação

católica.

Conforme Manacorda (1992), com a Revolução Industrial a percepção de

educação começou a mudar. Iniciou-se a busca pela universalidade, gratuidade, estatalidade e

renovação cultural, com o intuito de formar o indivíduo para que ele desenvolvesse as

habilidades profissionais e os valores culturais para exercer sua participação no meio social.

19

Neste sentido, o marco que implicou na disseminação da alfabetização foi a

Revolução Industrial que transformou as condições e as exigências da formação humana,

gerando a necessidade de criar um sistema estruturado de ensino com meios didáticos

aprimorados e que possibilitassem a alfabetização das massas. Foram desenvolvidas

diferentes técnicas e metodologias que auxiliariam na aquisição da leitura. As técnicas

inicialmente criadas tornaram-se conhecidas como “técnicas tradicionais de ensino”, e elas se

espalharam não só pela Europa, berço da Revolução Industrial, como por todos os outros

continentes.

No ponto de vista de Saviani (2008), os métodos tradicionais se caracterizavam

por técnicas de memorização. O ensino se iniciava por elementos mais simples para

progressivamente atingir o conhecimento mais complexo. Desse modo, gradativamente o

aluno iria adquirindo novos elementos de acordo com o ensino dado pelo professor. Esses

métodos tradicionais não consideravam o nível de maturidade dos alunos, cujo objetivo era

fazer com que o máximo de alunos adquirisse a leitura e a escrita, não importando suas

particularidades. O resultado desses métodos era que poucos conseguiam atingir o

conhecimento necessário para possibilitar a leitura e a escrita. Consequentemente, a busca por

metodologias foram evoluindo de acordo com as novas exigências sociais e um dos fatores

que influenciou nessas mudanças consistiu no reconhecimento da necessidade de um ensino

direcionado à criança e ao seu nível de maturidade.

Jean Jacques Rousseau (1712-1778) foi um dos filósofos que mais contribuiu para

criação de uma nova concepção de infância. Ele criou a obra “Emílio ou da Educação”, que

descrevia a vida de um menino chamado Emílio, mostrando como deveria ocorrer o

desenvolvimento do personagem com base em uma nova percepção de infância. O principal

intuito de Rousseau (1995) ao desenvolver essa obra foi criar uma espécie de ensaio

pedagógico como meio de reformular e dar um novo sentido à vida da criança, respeitando

suas necessidades específicas. Após a divulgação dessa nova concepção de infância, a ideia de

“adulto em miniatura” começou a desaparecer. Na história, o personagem Emílio é usado

como modelo para mostrar como se deve desenvolver a vida e o aprendizado infantil.

A natureza quer que as crianças sejam crianças antes de serem homens. [...] A

infância tem maneiras de ver, de pensar e de sentir que lhes são próprias; nada é

menos sensato do que querer substituir essas maneiras pelas nossas, e para mim seria

a mesma coisa exigir que uma criança tivesse cinco pés de altura e que tivesse juízo

aos dez anos (ROUSSEAU, 1995, p. 86).

20

Portanto, Rousseau (1995) despertou na sociedade da época a importância de se

pensar na formação dos indivíduos a partir de sua infância, refletindo que a criança de hoje

será o adulto de amanhã e, consequentemente, sua formação implicará em sua atuação no

meio social, político, econômico e cultural no futuro. O filósofo afirma que o “tempo

pedagógico” nada mais é que utilizar o tempo a favor da criança, pois se ela precisa brincar,

que brinque, e que cada coisa deve vir a seu tempo e é importante que se respeite isso. Dessa

maneira, as contribuições de Rousseau para a educação e para o conceito de infância foram

muitas, mas, fundamentalmente, destacam-se os seguintes aspectos:

A descoberta da infância como idade autônoma e dotada de características e finalidades especificas, bem diversas das que são próprias da idade adulta; [...] O elo

entre motivação e aprendizagem colocado no centro da formação intelectual e moral

de Emílio e que exige partir sempre, no ensino de qualquer noção, da sua utilidade

para a criança e de uma referência precisa a sua experiência concreta; [...] a atenção

dedicada a antinomia e a contraditoriedade da relação educativa, vista por Rousseau

ora como orientada decididamente para a antinomia ora como necessariamente

condicionada pela heteronímia; entre liberdade e autoridade não há exclusão, mas

apenas uma sutil e também paradoxal dialética (CAMBI, 1999, p. 346).

Essas reflexões permitiram que houvesse a criação de uma educação que

facilitasse o desenvolvimento infantil. Em vista disso, Rousseau (1995) foi muito importante

para a criação de novos planejamentos e metodologias de ensino, influenciando o pensamento

e as práticas escolares sobre a importância de se desenvolver uma didática que leve em conta

como e para quem ensinar. Por conseguinte, a didática passou a estar subordinada às questões

psicológicas das crianças e de suas etapas de desenvolvimento. Baseado nesse entendimento,

a escolha dos instrumentos de ensino tornou-se fundamental. Posteriormente, com essas novas

concepções, de infância e de didática e o surgimento da Psicologia Genética, houve um

grande aumento nos estudos relacionados à compreensão de como o conhecimento é

construído pela criança.

De tal modo, por volta de 1920, o pesquisador Jean Piaget (1896-1980)(1976)

desenvolveu a teoria cognitivista2 com o intuito de delinear como ocorre o aprendizado

infantil. Através de experimentos e observações com crianças em plena fase de

desenvolvimento, o pesquisador tentou compreender como a criança adquire novos

conhecimentos, explicando como a inteligência humana se desenvolve a partir do princípio da

interação entre sujeito e objeto. Essa teoria, apesar de não ser pedagógica, e sim

psicogenética, possibilitou a compreensão de como as crianças aprendem, auxiliando também

2 Alguns autores utilizam o termo construtivista, epistemológica para se referir a teoria de Jean Piaget.

21

na ação pedagógica. Os professores costumam utilizar o conhecimento sobre a teoria

cognitivista para desenvolver estratégias e estímulos que possibilitem maiores oportunidades

de aprendizado. Além disso, o conhecimento dessa teoria contribui para a criação de novas

metodologias que respeitem o nível de desenvolvimento dos alunos.

Perante o que foi discutido, resolvemos analisar como se deu a origem e as

influências dos métodos de alfabetização no Brasil e quais são as atuais metodologias

utilizadas para possibilitar a aquisição da leitura e da escrita e o uso desse aprendizado nas

práticas sociais.

1.1 ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO BRASILEIRO: MÉTODOS DE

ALFABETIZAÇÃO

Para compreender como se deu a expansão dos métodos de alfabetização no Brasil

e seus reflexos para nossas atuais metodologias, realizamos uma cartografia sobre a inserção e

a evolução dos métodos usados. Vale ressaltar que a escolarização no Brasil ocorreu

tardiamente, implicando numa maior dificuldade em alfabetizar a população. Ademais, não

houve qualquer preparação pedagógica ou sistema educacional estruturado que possibilitasse

a universalidade e a qualidade do ensino. Como consequência, a oferta da alfabetização se deu

de forma precária e, os resquícios dessa precariedade, ainda refletem-se nos dias atuais.

De acordo com Saviani (2008), no contexto brasileiro, são diversos os fatores

apontados como causas da má educação e dos altos índices de analfabetismo no país, tais

como: a estrutura tardia de um sistema educacional organizado; a importação de métodos e

técnicas de alfabetização de outros países com outros contextos sociais; a mistura de

tendências educativas; a falta de um plano que atenda às necessidades educacionais de nossa

população, dentre outros.

Discutiremos a seguir quais foram os métodos utilizados por nossas escolas no

período de expansão do ensino. Vale dizer, que nesse período, havia poucas escolas no Brasil.

Inicialmente, o primeiro método de alfabetização começou a ser utilizado por volta de 1875,

conhecido como método de soletração ou sintético, que se baseava no uso de cartilhas de

ABC. Essas primeiras cartilhas foram criadas por professores paulistas e fluminenses.

Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha sintética (da

parte para o todo): da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico

22

(partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de sons),

partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a

apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético), ou de seus

sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método da silabação), sempre de

acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Posteriormente, reunidas as letras

ou os sons em sílabas, ou conhecidas às famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras

formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim, ensinavam-se frases

isoladas ou agrupadas. Quanto à escrita, esta se restringia à caligrafia e ortografia, e

seu ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto

das letras (MORTATTI, 2000, p. 12).

O caminho sintético correspondia ao ensino do simples para o complexo, no qual

a criança aprende as letras, depois as sílabas, as palavras, frases e, finalmente, o texto

completo. Esse método não era considerado a metodologia adequada para a aprendizagem da

criança, que muitas vezes, prosseguia sem compreender as instruções. Caracterizava-se por

procedimentos técnicos e de memorização sem fazer relação com os sons da fala, tornando o

aprendizado sem sentido.

O método sintético foi subdividido em: soletração, o aluno aprendia inicialmente

as letras, depois as juntava para formar as sílabas, depois as palavras e o texto; fônico ou

fonético, o aluno partia do som das letras, unindo os sons de consoantes e vogais para

pronunciar as sílabas; e, por fim, o silábico, que caracterizava-se pela aprendizagem inicial

das sílabas para formar as palavras.

[...] o objetivo básico é ensinar a criança o código mediante o qual nossos sons são

convertidos em letras ou grafemas e vice-versa. A principal vantagem do método é

que, uma vez adquirido o código fonográfico, é possível interpretar todas as palavras

escritas das que tenhamos conhecimento oral, e as rigorosamente novas podem ser decifradas e seu significado indagado posteriormente. No entanto, este método

separa, inicialmente, e durante um tempo variável, a leitura e o significado, um

problema que sempre causou preocupação (COLL, PALACIOS, MARCHESI, 1995,

p. 117).

Em 1883, sob influência de Portugal, a Escola Normal de São Paulo adotou a

Cartilha Maternal criada pelo poeta português João de Deus. Para Mortatti (2000), esse foi um

marco para a história da alfabetização no Brasil. A Cartilha Maternal, consistia no ensino da

leitura pela palavra, para depois analisá-la segundo os valores fonéticos das letras, conhecido

também como método da palavração. O uso dessas cartilhas serviu de referência para a

criação de várias outras cartilhas, gerando uma disputa entre o método sintético (soletração,

fônico e silabação) e o método João de Deus (ensino da leitura a partir da palavra).

Esse período ocorreu após o final do império, quando o ensino era bastante

desorganizado. Uma minoria da população tinha acesso à escolarização e, os que tinham

23

acesso apresentavam muitas dificuldades em se alfabetizar pela falta de condições materiais,

estruturais e de pessoas capacitadas a ensinar. As turmas eram numerosas, compostas por

alunos de faixa etária diferente, tornando o processo de aprendizagem ainda mais difícil de ser

alcançado.

Por volta de 1900, surgiu na Europa um novo método de alfabetização, o método

analítico. Frade (2007) assegura que esse método consistia no ensino da leitura a partir de

palavras, frases e textos, no qual o objetivo seria promover nos alunos a compreensão de

como ocorre essa aprendizagem. No Brasil, o método analítico, juntamente com a reforma

positivista, influenciou a disseminação do ensino público no estado de São Paulo, com uma

proposta de educação moderna, em que os professores teriam maior autonomia didática, com

a distribuição de livros nas escolas públicas.

Para utilizar as técnicas de leitura e de escrita na perspectiva do método analítico,

foram introduzidas no Brasil as historietas, que são pequenos textos em forma de contos ou

poemas, que pretendiam chamar a atenção das crianças e despertar o interesse pelo universo

da leitura, e assim, facilitar a compreensão da escrita. A utilização das historietas envolvia a

compreensão global do texto, primeiro fazendo uma leitura de compreensão, para então serem

analisadas as sentenças, orações, palavras e sílabas.

O caminho sintético tem seu ponto de partida no estudo dos elementos da língua –

letra, fonema, silaba. E considera o processo da leitura como esquema somatório:

pela soma dos elementos mínimos – fonema ou silaba -, o aprendiz aprende a palavra. Pela somatória das palavras, a frase e o texto. O caminho analítico parte dos

elementos de significação da língua – palavra, frase, conto. E por uma operação de

analise, a palavra é segmentada em seus elementos mínimos: fonema ou a silaba. As

duas abordagens se opõem nitidamente quanto ás operações básicas que envolvem:

síntese e analise. Mas as duas tem um acordo em comum: para aprender a ler, a

criança tem de estabelecer uma correspondência entre som e grafia. Tanto para uma

como para a outra, esta correspondência é a chave da leitura. Ou seja, a criança

aprende a ler oralizando a escrita (BARBOSA, 2013, p. 53).

Barbosa (2013) ainda afirma que, no Brasil, por muito tempo houve uma

discussão entre partidários do método sintético e partidários do método analítico. Em um

determinado período, o estado de São Paulo determinou a obrigatoriedade do método analítico

nas escolas, mas como os professores tiveram grandes dificuldades em aplica-lo em sua

prática cotidiana, ficou determinado, em 1920, que haveria liberdade na escolha e no uso do

método.

De tal modo, iniciou-se uma verdadeira miscelânea entre os métodos analíticos e

sintéticos, como forma de criar uma maneira harmônica no processo de aquisição de leitura e

24

de escrita. O método misto ou eclético que mesclava as duas tendências, analíticas e

sintéticas, passou a ser utilizado como a principal forma de alfabetizar, a partir da

decomposição de palavras e letras, com base vivencial, explorando o significado das palavras.

O professor-alfabetizador poderia, com base na palavra, compor frases e finalmente formar os

textos, para novamente decompô-lo em frases, palavras e sílabas, destacando partes, palavras

e sílabas importantes. Portanto, o aprendizado por meio do método eclético se dava da

seguinte forma: a escrita e as habilidades caligráficas e ortográficas deveriam ser aprendidas

pela aquisição da habilidade de leitura. O ensino era dado basicamente através do uso de

cartilhas, que ensinavam letras, sílabas, palavras e continham pequenos textos.

No método eclético, as cartilhas apresentavam orientações tanto do método

analítico quanto do sintético, partindo de palavras-chave que seriam decompostas em sílabas,

formando-se novas palavras com essas sílabas decompostas. As cartilhas passaram a ser o

principal instrumento de ensino e de orientação metodológica para o professor e não eram

ainda elaboradas conforme o nível de desenvolvimento dos alunos, o que continuava a

implicar nas dificuldades de aquisição.

De acordo com Barbosa (2013, p. 73), “o ensino era repetitivo, cumulativo e

homogêneo e o único objetivo das cartilhas era colocar em evidência a estrutura da língua

escrita sem muitos significados”. Ele explica que nos países desenvolvidos não há dúvida que

essas técnicas tradicionais de ensino alfabetizaram. Entretanto, nos países de economia

periférica, os problemas de analfabetismo não foram solucionados com essas mesmas

técnicas. Comprovadamente, o analfabetismo está intrinsicamente ligado à pobreza, à miséria.

A escola, quase sempre, atua com seletividade, não proporcionando a todos um ensino de

qualidade, o que aumenta a evasão escolar e a má formação da população.

Após 1950, vários educadores brasileiros se colocaram contra o uso dos métodos

tradicionais. Um dos principais críticos foi o educador Paulo Freire (1921-1997). No período

de 1960, ele propôs um método de alfabetização que partia das particularidades de nosso país

e das vivências dos educandos. A criação desse método surgiu como forma de tentar

revolucionar a alfabetização e diminuir os altos índices de analfabetismo. Sua proposta era

deixar de lado as cartilhas descontextualizadas que em nada contribuíam para a formação do

sujeito.

Assim, Freire (1987a) colaborou para a criação de uma identidade educativa no

Brasil através de uma proposta inovadora de alfabetização que partia do contexto, da vida

prática dos sujeitos e da sua experiência, propondo uma reflexão sobre o valor desse processo

para nossa liberdade e emancipação. Para este educador, a educação deve possibilitar ao

25

homem a discussão corajosa de sua problemática e de sua inserção nesta problemática, “a

educação deve ser, acima de tudo, uma tentativa constante de mudanças de atitude” (FREIRE,

1987a, p. 94).

O processo de alfabetização não diz respeito somente à aquisição do alfabeto e à

codificação e decodificação de palavras. Vai muito além, devendo ser visto como

possibilidade de libertação do homem, no qual a capacidade de interpretar, compreender e

produzir conhecimento devem ser as principais finalidades.

Como todo bom método pedagógico, não pretende ser método de ensino, mas sim de

aprendizagem; como ele, o homem não cria sua possibilidade de ser livre, mas

aprende a efetivá-la e exercê-la. A pedagogia aceita a sugestão da antropologia,

impõem-se, pensa e vive a educação como prática da liberdade (FREIRE, 1987A,

p 18).

Logo, a alfabetização deixa de ser apenas um processo pedagógico para tornar-se

um ato de conscientizar, e foi, a partir desse pressuposto, que ele criou o “método de

conscientização”, que tem o objetivo de promover a alfabetização e a conscientização dos

sujeitos. Os conteúdos devem ser retirados do contexto dos educandos com a proposta de

investigar e criar temas geradores que envolvam problemas e situações presentes na

sociedade, através de uma metodologia dialógica e conscientizada, na qual será possível

propor soluções plausíveis para os problemas vivenciados, conscientizando os educandos

sobre sua existência, humanização, história e relações existentes na sociedade.

A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o povo, mas com ele, como

sujeito de seu pensar. E seu pensar é magico ou ingênuo, será pensado o seu pensar,

na ação, que ele mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de consumir

ideias, mas no de produzi-las e de transforma-las na ação e na comunicação (FREIRE,

1987a; p. 101).

A proposta de Freire (1987a) se fundamenta em três etapas que se complementam

para se tornar um todo conscientizado. Primeiro, deve-se iniciar a etapa da investigação em

que alunos e professores devem buscar no contexto dos alunos, palavras e temas de suas

experiências. Posteriormente, começar a etapa da tematização, na qual codificam e

decodificam esses temas, buscando seu significado social, tomando consciência do mundo

vivido. Por fim, a etapa da problematização, em que os alunos e professores devem superar e

buscar soluções para os problemas refletidos, tomando um posicionamento crítico de modo a

mudar suas ações para tentar transformar a sociedade. Depois dessas etapas, as palavras são

codificadas e decodificadas de modo que as sílabas formem novas palavras.

26

A metodologia de Freire (1987a) adota o aprendizado pelo uso de palavras e

temas geradores e que estão presentes na vida dos educandos. Por isso, sua prática é tão

importante para a alfabetização de jovens e adultos, pois sai da esfera descontextualizada de

propostas metodológicas tradicionais, para entrar na discussão das experiências e da vida dos

próprios sujeitos. O principal interesse do educador é despertar nas camadas populares a

iniciativa em participar da sociedade, reconhecendo-se como sujeito que faz parte do meio,

com deveres e direitos, a fim de atingir o nível da consciência crítica.

Segundo Freire e Macedo (1990), a grande dificuldade para alfabetizar as pessoas

está nas instituições educadoras, que oferecem programas de alfabetização predeterminados e

preestabelecidos, calando a voz dos sujeitos e não levando em consideração suas experiências

e seu ambiente cultural. Desse modo, eles propõem a conscientização e a quebra desses

programas de alfabetização preestabelecidos, que priorizam o modelo de alfabetização

mecânica, menosprezando a cultura e o discurso popular.

Freire (1987b) estabelece que a educação tornou-se um ato de depositar, em que

os educandos são os depositários e o educador, o depositante. Na visão “bancária” da

educação, o saber é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação

que se funda numa manifestação instrumental da ideologia da opressão – absolutização da

ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se

encontrará sempre no outro.

Ao contrário da bancária, a educação problematizadora, respondendo à essência do

ser da consciência, que é sua intencionalidade, nega os comunicados e existência a

comunicação. Identifica-se com o próprio da consciência que é sempre ser

consciência não apenas quando se intenciona a objetos, mas também quando se volta

sobre si mesma, no que Jaspers chama de cisão. Cisão que a consciência é

consciência de consciência (FREIRE, 1987b, p. 67).

Consequentemente, o ato de educar deixaria de ser um ato de depositar para ser

um ato consciente de problematizar e libertar, através do diálogo entre o educador e o

educando. “O educador não é apenas o que educa, mas o que enquanto educa, é educado, em

diálogo com o educando. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem

juntos” (FREIRE, 1987b, p. 68). Assim, o educador deve ser um humanista, revolucionário e

sua ação deve se identificar com a dos educandos, orientando-se na humanização de ambos.

Soares (2013) garante que Freire criou muito além de um método. Ele criou

uma concepção de alfabetização, que gerou também uma nova concepção de educação, a

educação como prática de liberdade, como conscientização. Uma concepção de alfabetização

27

que democratiza a cultura e que reflete o mundo em que vive o homem e suas relações

sociais. Esse processo dialógico tem o dever de transformar as relações sociais em que se

alfabetiza, tornando alunos e professores iguais para refletir a sociedade como um todo.

Apesar de suas pesquisas e seu método de alfabetização se direcionar mais à alfabetização de

jovens e adultos, ele inovou a concepção de alfabetização, auxiliando também na criação de

metodologias que possibilite à criança aprender a partir de suas experiências e socialização.

De tal modo, compreender o método de Paulo Freire e seus processos de ensino e de

aprendizagem é importante para que estes também se insiram nas atuais práticas de educação.

No tópico seguinte veremos quais são as principais concepções que influenciam

as novas metodologias de alfabetização, considerando pesquisas desenvolvidas no final do

século XX, que ainda são usadas por nossos programas educacionais para, compreender como

ocorre o aprendizado da criança, e o que pode ser feito para facilitar o processo de aquisição

de leitura e de escrita.

1.2 ALFABETIZAÇÃO NO SÉCULO XXI: NOVAS CONCEPÇÕES METODOLÓGICAS

Diante das críticas, as técnicas tradicionais de ensino, dos altos índices de

analfabetismo e das novas transformações tecnológicas impostas pelo mundo globalizado, o

final do século XX foi marcado pelo desenvolvimento de diversas pesquisas na área da

educação. O intuito era encontrar meios para facilitar a aquisição da leitura e da escrita, e

assim, diminuir as altas taxas de analfabetismo que atinge não só o Brasil, como também,

outros países. Desse modo, para compreendermos as atuais metodologias de aquisição de

leitura e de escrita, é necessário entendermos as pesquisas iniciadas no final do século XX,

que em muito contribuíram para a construção das ações pedagógicas utilizadas atualmente.

Como vimos, a maior parte das técnicas utilizadas no século XX esteve ligada aos

métodos tradicionais que se fundamentam na epistemologia associacionista3, teoria que

propõe que as crianças aprendem a partir de estímulos e a cada nova etapa elas apresentam

determinados resultados de aprendizagem como respostas aos estímulos recebidos. O ensino

se baseava em progressão, em que a criança ia superando etapas até conseguir chegar ao

aprendizado esperado. Contudo, após o surgimento da Psicologia Genética e as contribuições

de Jean Piaget, a aprendizagem ganhou um novo sentido, na qual a criança passou a ser vista

3 O associacionismo foi criado por Edward Lee Thorndike e é resultante de um processo de associação de ideias,

das mais simples às mais complexas, resultando assim nas diversas ações humanas.

28

como sujeito de sua aprendizagem, sendo capaz de construir e organizar seu conhecimento. A

partir dessa nova perspectiva, houve uma revolução e uma diferenciação entre o método de

ensino e o processo de aprendizagem, tendo a pedagogia o dever de reestruturar o método de

ensino com base no processo de aprendizagem.

[...] o aprendiz é sujeito da aprendizagem, não mais objeto de ensino, pois é da

interação entre processos internos (do sujeito) e processos externos (do ensino) que ocorre a aprendizagem (e não pelo acréscimo mecânico de uma nova informação

fornecida pelo ensino). [...] No caso da aprendizagem da leitura e da escrita, a teoria

cognitivista permite recolocar o problema do método, pois a aprendizagem é vista

não mais como uma aquisição mecânica de capacidade perceptiva, mas como uma

atividade cognitiva, centrada na construção de um conhecimento. Enquanto nas

teorias associonistas o sujeito da aprendizagem é um sujeito passivo, que recebe o

ensino e aprende, nas abordagens cognitivas é um sujeito ativo que age sobre o

conhecimento, apropriando-se do objeto a ser aprendido (BARBOSA, 2013, p. 87).

As pesquisadoras Ferreiro e Teberosky (1999), inspiradas pela teoria de Piaget,

criaram uma nova concepção de como as crianças adquirem a escrita. Elas apresentaram a

teoria “Psicogênese da língua escrita”, que descreve como a criança adquire as habilidades de

leitura e de escrita em níveis de desenvolvimento. Essa abordagem linguística influencia

ativamente nas atuais práticas de ensino e na ação pedagógica, reconhece a criança como

sujeito capaz de construir seu conhecimento a partir das interações sociais e experiências

práticas. Através de um processo dinâmico, ativo e reflexivo que a alfabetização deixa de ser

vista como uma técnica a ser dominada para tornar-se um processo contínuo de

aprendizagem, em que o próprio sujeito organiza seu conhecimento com base nas suas

interações com o meio.

De acordo com Ferreiro e Teberosky (1999), o modelo tradicional de ensino

possui propostas mecânicas e voltadas para a aquisição de técnicas de codificação e

decodificação de palavras, tirando da leitura seu significado social. As pesquisadoras mostram

que essas práticas pedagógicas estão fundamentadas em concepções psicológicas

associacionistas. Elas defendem a proposta cognitivista, pois acreditam que a criança pode

estruturar seu conhecimento partindo da interação. Portanto, a proposta da Psicogênese é

totalmente contrária ao modelo tradicional. Ao invés da criança esperar passivamente pelo

estímulo externo, ela passa a ser ativa, formulando hipóteses, agindo e estruturando seu

conhecimento, e não apenas imitando o modelo adulto.

Ferreiro (2011) afirma que a alfabetização é um processo que evolui

historicamente, não devendo apenas estar centrado na codificação e decodificação do sistema

escrito, deve-se respeitar o processo de simbolização que a escrita representa, tomando

29

consciência que a criança é capaz de perceber e produzir conhecimento sobre a leitura e a

escrita a partir de sua interação. Contudo, vale esclarecer que o construtivismo não é um

método de ensino, pois alguns educadores têm essa concepção equivocada sobre o

construtivismo no ambiente escolar. O construtivismo não deve ser visto como um método e

sim como uma teoria sobre o conhecimento, que auxilia na compreensão de como ocorre o

desenvolvimento cognitivo da criança e quais processos ela é capaz de efetuar para realizar

sua aprendizagem, auxiliando, assim, a prática pedagógica.

Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de

aprendizagem da criança (sujeito cognoscente), o construtivismo se apresenta não

como um método novo, mais como uma revolução conceitual, demandando, dentre

outros aspectos, abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o

processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas (MORTATTI,

2006, p. 10).

Por consequência, essa teoria possibilitou o reconhecimento de que a escrita é um

objeto de conhecimento na qual a criança é o sujeito cognoscente, tornando o método um

instrumento que pode facilitar e auxiliar na aprendizagem, mas não pode criá-lo, pois o

próprio sujeito é quem constrói sua aprendizagem, com base na sua interação. Mediante isto, a

aquisição da leitura e da escrita não pode se restringir ao uso de um método eficaz. Amplia-se

para a compreensão de como a criança estrutura e desenvolve o conhecimento; as condições

necessárias para que haja a aprendizagem, como: um ambiente favorável, a diversificação dos

materiais, os estímulos recebidos, a interação com os objetos e a mediação do professor.

Essa informação possibilitou que Ferreiro e Teberosky (1999) realizassem um

mapeamento da aprendizagem e do sistema escrito com o intuito de melhorar a compreensão

do processo que leva à alfabetização, através de concepções de hipóteses de escrita. Com base

no acompanhamento as crianças que estavam desenvolvendo o processo de alfabetização,

Ferreiro e Teberosky (1999) concluíram que para alfabetizar a criança, passa-se por níveis de

escrita, descrevendo-os da seguinte forma:

- Nível Pré-Silábico: nível em que a criança não faz nenhum tipo de

correspondência sonora entre grafema e fonema. “Escrever é reproduzir os trações típicos da

escrita que a criança identifica como a forma básica da mesma” (FERREIRO e

TEBEROSKY, 1999, p. 193). Nesta etapa, é característica que a escrita se assemelhe, mesmo

que a criança as considere como sendo diferentes. É comum também que a criança associe o

tamanho da escrita com o tamanho do objeto, ou seja, quanto maior o objeto, maior será a

escrita que corresponde a seu nome.

30

De acordo com Kato (2010), Ferreiro dividiu o nível pré-silábico em quatro

categorias: a categoria “A” abrange as seguintes subcategorias: grafismo primitivo, escrita

unigráfica e escrita sem controle de quantidade; a categoria “B” corresponde às “escritas

fixas”, que consiste em uma mesma série de letras numa mesma ordem e que podem

representar diferentes palavras; a categoria “C” representa “escritas diferenciadas”, que tem

como subcategoria: repertório fixo com quantidades diferentes; quantidade constante com

repertorio fixo parcial; quantidade variável com repertório fixo parcial; quantidade constante

com repertório variável; quantidade variável e repertório variável; a categoria “D” representa

“escrita diferenciada com valor sonoro inicial”.

- Nível Silábico: a criança já começa a perceber a correspondência da palavra com

o som. Ao ouvir a palavra, ela reconhece o som de algumas letras, geralmente as vogais,

escrevendo a palavra. Ex.: ao pedir que a criança escreva a palavra gato, normalmente ela

escreverá AO.

Este nível está caracterizado pela tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a escrita. Nesta tentativa, a criança passa por um período de

maior importância evolutiva: cada letra vale por uma sílaba. E o surgimento do que

chamaremos a hipótese silábica (FERREIRO E TEBEROSKY, 1999, p. 209).

- Nível silábico-alfabético: neste estágio, cada sílaba corresponde a um som, mas

ainda há erros e falhas ortográficas. Ferreiro e Teberosky (1999) afirmam que esse estágio

representa a passagem da hipótese silábica para a alfabética, pois:

[...] a criança abandona a hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma

analise que vá mais além da silaba pelo conflito entre a hipótese silábica e a

exigência de quantidade mínima de granas (ambas exigências puramente internas, no

sentido de serem hipóteses originais da criança) e o conflito entre formas gráficas que o meio lhe propõe e a leitura dessas formas em termos de hipóteses silábica

(conflito entre uma exigência interna e uma realidade exterior ao próprio sujeito)

(FERREIRO E TEBEROSKY, 1999, p. 214).

- Nível Alfabético: a escrita passa a ser organizada conforme a correspondência

grafema e fonema, portanto, a criança compreende que a sílaba não pode ser uma unidade e

que a escrita necessita de uma análise fonética das palavras. “A partir desse momento, a

criança se defrontará com as dificuldades próprias da ortografia, mas não terá problemas de

escrita no sentido estrito” (FERREIRO e TEBEROSKY 1999, p. 219).

Logo, as contribuições de Ferreiro e Teberosky (1999) permitiram refletir sobre

como a criança desenvolve sua escrita, possibilitando também, a criação de novos estudos

31

sobre a compreensão do processo de aquisição da leitura e da escrita, criando novas

concepções metodológicas que possam facilitar a aquisição da alfabetização.

No mesmo período em que as pesquisas de Ferreiro começaram a influenciar os

pesquisadores brasileiros, também se iniciaram estudos a respeito da aquisição da

alfabetização vinculadas ao exercício das práticas sociais. Surgindo, assim, o Letramento,

termo este que está muito presente nas propostas curriculares de alfabetização do Brasil. A

seguir, veremos a definição, o surgimento e a necessidade de aliar o processo de alfabetização

ao letramento.

1.2.1 Letramento: a leitura e a escrita como instrumentos para o exercício das práticas

sociais

As atuais demandas sociais exigem dos indivíduos uma maior formação e

compreensão atualizada da realidade. Essas novas exigências necessitam constantemente de

metodologias de alfabetização para que, desde a infância, o indivíduo tenha uma formação

eficaz, de modo a exercer seu conhecimento. Neste sentido, a sociedade de hoje tem as

habilidades de leitura e de escrita como um instrumento de obtenção de conhecimento para

exercer as práticas sociais e dominar os meios de informação necessários ao êxito do homem

contemporâneo.

Para acompanhar as constantes transformações tecnológicas que influenciam

diretamente nas mudanças da sociedade, é necessário ter um conhecimento relevante sobre

práticas de leitura e de escrita, que nos torna mais aptos a compreender, interpretar e produzir

conhecimento. Assim, podemos afirmar que essas transformações fizeram com que a

alfabetização ganhasse uma maior relevância, tanto na dimensão individual quanto na

dimensão social, fazendo com que o processo de alfabetização não se limitasse à aquisição do

código escrito e às habilidades de codificação e decodificação de palavras. Estendendo esse

conhecimento a um vasto conjunto de novos saberes ligados à linguística, à cognição e à

metacognição, o uso das habilidades motoras, intelectuais e sociais.

Com o intuito de acompanhar as inovações tecnológicas e o processo de

globalização, países buscaram, a partir de políticas públicas, ampliar e melhorar a educação,

de modo a garantir a alfabetização das camadas populares, para que assim eles pudessem

acompanhar as transformações tecnológicas e colaborar com o desenvolvimento social.

32

No Brasil, a necessidade de melhorar a educação foi marcada principalmente

pelos altos índices de analfabetismo, pois boa parte da população era considerada analfabeta,

impossibilitada de exercer seus deveres e direitos de cidadão, sem acesso ao conhecimento e

aos bens culturais. Dessa maneira, o analfabetismo impede que os sujeitos se apropriem das

informações, limitando a comunicação com o mundo e criando barreiras profissionais, pois

impede que o sujeito compreenda e produza conhecimentos necessários para facilitar o

exercício das práticas sociais. Diante disso, houve o surgimento de pesquisas que colaboraram

não só para questão da aquisição da técnica da escrita como da inserção das habilidades da

leitura e da escrita nas práticas sociais. Inicialmente, foi criado um conceito contrário ao

termo analfabetismo, o alfabetismo, que quer dizer condição de se estar alfabetizado.

Do ponto de vista social, o alfabetismo não é apenas, essencialmente, um estado ou

condição pessoal; é, sobretudo, uma prática social: o alfabetismo é o que as pessoas

fazem com as habilidades e conhecimentos de leitura e escrita, em determinado

contexto, e é a relação estabelecida entre essas habilidades e conhecimentos e as

necessidades, os valores e as práticas sociais. Em outras palavras, o alfabetismo não se

limita pura e simplesmente à posse individual de habilidades e conhecimentos;

implica também, e talvez principalmente, em um conjunto de práticas sociais associadas com a leitura e a escrita, efetivamente exercidas pelas pessoas em um

contexto social especifico (SOARES, 2013, p. 33).

Para tanto, esse termo pouco é utilizado no meio social, principalmente após o

surgimento do termo “letramento”, que vem da palavra inglesa literacy, e que tem a mesma

conotação da palavra alfabetismo. Para Tfouni (1995), a necessidade de se falar em

letramento surgiu pela tomada de consciência de pesquisadores, principalmente linguistas, de

que havia algo além da alfabetização, mais amplo. A autora defende o letramento como um

processo sócio-histórico, embora atualmente exista uma polissemia de conceitos relacionados

a esse termo.

Para a realização de nosso estudo, resolvemos utilizar o conceito de letramento

proposto por Soares (2012), que afirma que a palavra letramento é tradução da inglesa

literacy, que por sua vez vem do latim, littera (letra), com o sufixo -cy, que significa

qualidade, condição. Portanto, “literacy é o estado que assume aquele que aprende a ler e a

escrever. Implícito nesse conceito está a ideia de que a escrita traz consequências sociais,

culturais, políticas, econômicas, cognitivas e linguísticas para o grupo social em que seja

introduzido” (SOARES, 2012, p. 17).

Soares (2004) defende que a concepção de letramento na língua portuguesa é

resultado da ação do ensino da leitura e da escrita e a nova condição que o indivíduo ou grupo

33

social passa a ter ao se apropriar desse conhecimento. Desse modo, a palavra letramento

passou a ser usada para se referir à condição de se estar alfabetizado (alfabetismo), que

contraria o conceito expresso na palavra analfabetismo, representado por aqueles que não

dominam o uso da leitura e da escrita. A compreensão de pesquisadores e linguistas sobre o

letramento concluiu que a concepção de letramento vai além da alfabetização. Kleiman (2008,

p. 15) afirma que “o letramento passou a ser usado nos meios acadêmicos como tentativa de

superar os estudos sobre o impacto da escrita dos estudos sobre a alfabetização, cujas

conotações destacam as competências individuais no uso e na prática da escrita”.

Logo, para o letramento não basta apenas saber ler e escrever, é necessário saber

utilizar corretamente as habilidades da leitura e da escrita na contemporaneidade,

compreendo-o como um processo sócio-histórico que se transforma junto com a sociedade.

Entretanto, Soares (2012) assevera que é preciso haver condições para o letramento, pois este

está relacionado diretamente com as condições sociais, culturais e econômicas de um país.

Segundo a autora, faz-se necessário uma escolarização real e efetiva da população. Os

projetos educacionais não podem se restringir ao ensino do ler e escrever, isso seria apenas

alfabetizar, sobretudo, é fundamental fazer com que os indivíduos façam uso de suas

habilidades em suas práticas sociais, oferecendo-lhes oportunidades e materiais de leitura para

isso.

Nessa conjectura, a escola torna-se um importante instrumento para promover o

letramento e o uso dessas habilidades. De acordo com Kleiman (2008), a escola é uma das

agências de letramento que deve possibilitar os saberes necessários para que os sujeitos se

introduzam formalmente no mundo da escrita, tornando o letramento um conjunto de práticas

com objetivos específicos e em contextos específicos.

Para Soares (2012), a escola passou a ser a principal responsável em oferecer as

habilidades de alfabetização, de letramento, de conhecimento, das crenças e dos valores

necessários à formação dos cidadãos. Porém, a concepção de letramento dada pela escola está

longe da concepção real que essa palavra expressa. Esse conceito foi fragmentado e reduzido

pela escola, submetendo-o a um sistema burocratizado que torna o processo

descontextualizado das práticas reais da escola.

Em vista disso, é necessário que a escola defina o letramento, aproximando-o o

máximo de seu significado real, contextualizando com a realidade dos alunos e daqueles que

fazem parte dela. Soares (2003) propõe que as escolas utilizem os seguintes objetivos para

promover o letramento:

34

Promover práticas de oralidade e de escrita de forma integrada, levando os alunos a

identificar as relações entre oralidade e escrita; Desenvolver as habilidades de uso da

língua escrita em situações discursivas diversificadas em que haja: - motivação e

objetivo para ler textos de diferentes tipos e gêneros e com diferentes funções; -

motivação e objetivo para produzir textos de diferentes tipos e gêneros, para

diferentes interlocutores, em diferentes situações de produção; Desenvolver as

habilidades de produzir e ouvir textos orais de diferentes gêneros e com diferentes

funções, conforme os interlocutores, os seus objetivos, a natureza do assunto sobre o

qual falam ou escrevem, o contexto, enfim, as condições de produção do texto oral

ou escrito; Criar situações em que os alunos tenham oportunidades de refletir sobre

os textos que lêem, escrevem, falam ou ouvem, intuindo, de forma contextualizada, a gramatica da língua, as características de cada gênero e tipo de texto, o efeito das

condições de produção do discurso na construção do texto e de seu sentido;

Desenvolver as habilidades de interação oral e escrita em função e a partir do grau

de letramento que o aluno traz de seu grupo familiar e cultural, uma vez que há uma

grande diversidade nas práticas de oralidade e no grau de letramento entre os grupos

sociais a que os alunos pertencem – diversidade na natureza das interações orais e na

maior ou menor presença de praticas de leitura e de escrita no cotidiano familiar e

cultural dos alunos (SOARES, 2003, p.15).

A autora sugere que a escola utilize atividades que possam consolidar esses

objetivos, incentivando o desenvolvimento dos alunos e o uso de suas habilidades, fazendo-os

refletir sobre aquilo que eles leem e produzem. Essas atividades podem ser iniciadas em

processos simples, mas que sejam contínuas até atingir maior nível de complexidade.

Segundo Soares (2012), para promover atividades que envolvam alfabetização e

letramento é indispensável reconhecer que há diferenças entre os dois processos. A

alfabetização diz respeito à aquisição do sistema convencional de escrita, e o letramento deve

ser entendido como o uso e o desenvolvimento das habilidades competentes de leitura e de

escrita em práticas sociais. Eles se diferem tanto no objeto do conhecimento, quanto na

relação dos processos cognitivos e linguísticos de aprendizagem.

Todavia, não se pode negar que mesmo tendo conceitos distintos, os dois

processos devem ocorrer conjuntamente por serem indissociáveis.

A alfabetização só tem sentido quando desenvolvida no contexto de práticas sociais de

leitura e de escrita e por meio dessas práticas, ou seja, em um contexto de letramento e

por meio de atividades de letramento, este, por sua vez, só pode desenvolver-se na

dependência da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita (SOARES, 2004, p.

97).

Assim, a autora mostra-se a favor da metodologia do alfabetizar letrando e garante

que esta pode ser uma saída para a superação dos problemas do analfabetismo, pois essa

metodologia integra e articula os diferentes aprendizados da língua escrita.

É evidente que uma boa metodologia alfabetizadora, aliada a um ambiente rico em

estímulos, com materiais didáticos e diferentes gêneros textuais, como livros, jornais, revistas,

35

cartazes e propagandas que podem auxiliar no processo de alfabetização, envolvendo, ao

mesmo tempo, um ambiente letrado ao facilitar a conquista do aprendizado pelos alunos, de

modo que eles se familiarizem, interajam e experimentem o mundo da escrita, tendo a

oportunidade de exercer seu conhecimento nas práticas sociais. Não é apenas um método que

faz com que a criança aprenda, é necessário oferecer condições favoráveis para que ela

desenvolva seu aprendizado.

Contudo, não se pode supor que a criança alcance a aquisição da escrita e da

leitura somente através da interação com uma cultura letrada. É necessário que haja uma

mediação e o auxílio do professor juntamente com uma intervenção sistêmica de ensino,

proporcionando uma consolidação do conhecimento. A escola deve oferecer, além de

condições materiais, um corpo gestor empenhado e um quadro de professores qualificados,

que tenham o conhecimento de como ocorre o processo de alfabetização.

Os professores devem abandonar os métodos tradicionais e buscar novos meios

para criar uma didática dinâmica que, ao mesmo tempo, respeite a heterogeneidade e faça

com que as crianças tenham interesse pelo saber e o conhecimento, devendo ser instigadas a

organizar seu aprendizado a partir dos estímulos recebidos. São novas estratégias, novas

propostas pedagógicas e novos meios avaliativos que poderão originar melhores resultados na

aprendizagem dos alunos.

Segundo Solé (1988), os problemas do ensino da leitura e da escrita não se

restringem propriamente ao método, mas sim ao conceito da leitura, ao papel que ela ocupa no

Projeto Curricular da Escola, as propostas metodológicas utilizadas, a forma como elas são

avaliadas pelos professores.

É necessário criar oportunidades para implementação de novas propostas de

alfabetização, com um desenvolvimento mais criativo e coerente com o contexto para que se

possam gerar mudanças consideráveis. Por isso, é fundamental rever como a leitura e a escrita

são trabalhadas pela escola, que intervenções são imprescindíveis para que elas deixem de ser

apenas um produto a ser avaliado para torna-se um processo contínuo que se desenvolve a

partir da experiência, do contexto e das práticas em que se está inserido.

Além disso, devem-se propor políticas educacionais com novas propostas

didáticas; condições materiais; formação profissional e humana para quem faz parte da escola;

participação da comunidade no meio escolar, criando meios que os envolva mais com a

educação de seus filhos.

36

A mudança do sistema escolar, da prática pedagógica não vem apenas de melhorias de

teorias, de materiais mais adequados, ou de informações mais acessíveis aos

professores. Melhorar a pedagogia da leitura é, ao longo prazo, uma questão política,

vinculada a um desejo de mudança. Mesmo que o professor não possa mudar o

mundo, poderá realizar o trabalho melhor se compreender o que é a leitura e como as

crianças aprendem a ler (BARBOSA, 2013, p. 178).

As políticas públicas precisam garantir essas condições materiais à escola, para

que esta ofereça aos alunos um ambiente propício para o desenvolvimento da aprendizagem.

E investir também na formação docente, a fim de que os professores tenham oportunidade de

formação, mantendo sua formação atualizada para garantir o conhecimento de novas

estratégias de alfabetização aliadas ao letramento, para que possam acompanhar as

transformações tecnológicas e sociais sem abrir mão do ensino dos valores e de bens culturais

da humanidade.

Outro fato que deve ser considerado por essas políticas educacionais é o papel que

a família representa no desenvolvimento da criança. O incentivo à matrícula dos filhos na

idade correta e o acompanhamento dos pais ou responsáveis na vida escolar dos alunos

oferecem maiores possibilidades para que essa criança se desenvolva melhor e com mais

facilidade. Quanto mais cedo elas interagirem com um ambiente socializador com

oportunidades de uso de diversos materiais de leitura, mais cedo elas poderão ser

alfabetizadas.

A família também pode auxiliar na ampliação do conhecimento de seus filhos em

seu próprio lar, através de estímulos diários que promovam a independência e o interesse da

criança pela leitura. A convivência das crianças com sua parentela influenciam na formação

de sua personalidade. Assim, se os pais se mostram interessados pela leitura e oferecem

possibilidades de leitura e materiais adequados, essa criança terá mais chances de ser um bom

leitor em comparação àquelas que não têm a oportunidade de conviver em um ambiente

letrado. Ainda assim, para que as famílias estimulem mais a leitura a seus filhos é

indispensável mudar a concepção que elas têm dessa prática, fazendo com que ela não esteja

ligada apenas às experiências de obrigação, como é realizado muitas vezes na escola. A

leitura tem que ser objeto de prazer, de acesso à informação e de inserção social, visto como

algo positivo e enriquecedor à formação humana.

A maioria das dificuldades ligadas ao processo de aquisição de leitura ocorre

porque escolas, professores e os próprios projetos educacionais não atribuem as verdadeiras

possibilidades que a leitura pode oferecer. E apesar de que nos últimos anos programas e

projetos tenham mostrado um maior interesse em mudar as experiências que as pessoas têm

37

com essa prática, inclusive após a inserção do letramento, ainda não foi possível fazer com

que a maior parte da população melhore sua relação não só com a leitura como também com a

escrita.

É justamente a questão do letramento que possibilita mudanças em como a leitura

é exercida e vista pela população. A maioria das pessoas não tem interesse maior em ler

porque sua alfabetização se restringe à decodificação, sem realmente interpretar e

compreender aquilo que se lê. O papel dessas políticas educacionais, e também da escola, é

incentivar o ato de ler para que o torne um hábito prazeroso, e não somente considerar a

leitura como um produto a ser avaliado, medido, pois são esses fatores que implicam na

disseminação do mal uso e da falta de interesse pela leitura.

Essas reflexões permitem considerar que o letramento está ligado não só à questão

do conhecimento das habilidades de leitura e de escrita e à aplicação desse conhecimento no

cotidiano, como também às questões sociais, políticas e econômicas de um país que é o

grande responsável em atribuir a importância que a leitura representa para sua sociedade.

Dessa maneira, o letramento deve acompanhar as transformações sociais e seu valor é

atribuído de acordo com essas questões sociais e educacionais. Dificilmente, o letramento será

prioridade em uma comunidade com altas taxas de analfabetismo e grande evasão escolar, em

que a grande maioria da população domina as habilidades mínimas de leitura e de escrita.

Conforme Soares (2013), a leitura e a escrita podem ter significados diferentes,

dependendo do contexto em que se está inserido. A autora ressalta que as atribuições e a

utilização dada a esse processo pelas classes populares são diferentes das atribuições das

classes mais favorecidas e, na verdade, qualquer sistema de comunicação escrita está marcado

pelas atitudes, valores culturais, contexto social e econômico em que é usado.

O educador Paulo Freire refletiu sobre as questões socioculturais ao propor uma

alfabetização problematizadora em que os educandos devem aprender a partir de suas próprias

experiências e de acordo com o contexto no qual estão inseridos, tomando a alfabetização

como um processo de alcance da consciência que também diz respeito à ação política. Nessa

perspectiva, a escola não pode se colocar em posicionamento neutro, ela deve conscientizar a

população de sua participação e valor no meio social. Soares (2013) propõe que a escola

analise os aspectos sociais e culturais, pois:

Acrescente-se que, nesse contexto de falsos pressupostos sociais, culturais e

linguísticos, a escola atua, na área da alfabetização, como se esta fosse uma

aprendizagem neutra, despida de qualquer caráter politico. Aprender a ler e escrever,

para a escola, parece significar a aquisição de um instrumento para futura obtenção

de conhecimentos; a escola desconhece a alfabetização como forma de pensamento,

38

processo de construção do saber e meio de conquista de poder politico (SOARES,

2013, p. 22).

Consequentemente, a escola deve assumir sua responsabilidade social e facilitar o

desenvolvimento dos alunos para que eles possam ter uma maior participação social. Assim, é

possível afirmar que a alfabetização está subordinada não apenas a questões linguísticas e

psicológicas como também, a questões socioculturais e socioeconômicas. Reconhecemos que

é preciso pensar nos problemas enfrentados na escola, resolvendo os problemas ligados à

aquisição da leitura e da escrita e do uso dessas habilidades; as causas que dificultam a

permanência e progresso do aluno no ambiente escolar, os fatores que impedem que a criança

ou jovem tenham baixo aprendizado mesmo estando presente na escola. Somente a partir da

identificação dos problemas é que será possível estabelecer soluções que garantam não só a

alfabetização de todos como o uso desse aprendizado de modo a favorecê-los socialmente.

Dados mostram que apesar do maior acesso das camadas populares aos bens

culturais e ao conhecimento das tecnologias, com a maior inserção na educação escolar, o

problema do analfabetismo ainda se faz presente na atualidade. De acordo com a UNESCO

(2014), 19% da população mundial é analfabeta, ou seja, cerca de 750 milhões de pessoas não

sabem ler e escrever. No Brasil, estima-se que há 13 milhões de analfabetos, ficando como 8º

país do mundo com maior taxa de analfabetos e, a maior parte desse número reside. na região

nordeste do país. Portanto, há uma série de questões sociais e culturais que influenciam na

aquisição da alfabetização, e em países como o Brasil, que tiveram uma formação e uma

sistematização educacional tardia, ainda há muitos aspectos a serem desenvolvidos e

melhorados, tanto no que se refere às condições de vida da população, quanto o acesso à

educação de qualidade, em que todos tenham direito a uma boa formação.

Enquanto houver dificuldades de acesso e permanência, má qualidade de ensino,

profissionais desqualificados e ambiente desfavorável, dificilmente as crianças terão um

melhor desenvolvimento. Com base nisso, a primeira condição para que a população tenha

oportunidade de ser alfabetizada e letrada é oferecer um sistema educacional bem estruturado,

com garantia de acesso universal e ensino de qualidade, na qual todos tenham a oportunidade

e a disponibilidade para estudar e aprimorar seu conhecimento, sem passar por dificuldades

físicas, sociais e psicológicas. Essas e outras questões só podem ser garantidas se houver

mudanças políticas, econômicas e sociais, em que fatores como a educação e a saúde sejam

estabelecidos como prioridade.

39

3 PROGRAMA DE ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA (PAIC)

O analfabetismo é um problema presente em todo o Brasil, contudo os estados

localizados na região norte e nordeste sofrem mais ainda com as dificuldades para garantir o

acesso e a permanência na escola. Os estados dessas regiões enfrentam uma maior

precariedade no ensino e nas condições escolares, fazendo com que a possibilidade de

formação da população seja inferior quando comparadas às outras regiões do Brasil.

Consequentemente, os maiores índices de analfabetismo se concentram nas regiões norte e

nordeste.

Em vista disso, o estado do Ceará por muito tempo permaneceu nos ranques de

analfabetismo do Brasil. Avaliações nacionais externas como: o Sistema Nacional de

Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

(Ideb) apontaram que muitos alunos passavam por todo o Ensino Fundamental com baixo

nível de leitura e escrita, apresentando nível insatisfatório de aprendizado. Diante desses

dados, o Governo do Ceará viu a necessidade de criar soluções para melhorar a qualidade da

alfabetização nas escolas públicas.

Foi precisamente no ano de 2004 que se iniciou um verdadeiro movimento de

combate ao analfabetismo no Ceará. A Assembleia Legislativa do Estado criou um encontro

para discutir os altos índices de analfabetismos e buscar possíveis soluções para melhorar a

qualidade do ensino. Assim surgiu o Comitê Cearense de Eliminação do Analfabetismo

Escolar, que teve como parceiros o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), União

dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime/CE), Secretária de Educação do Estado do

Ceará (Seduc) e também as principais universidades do estado do Ceará, como Universidade

Federal do Ceará (UFC), Universidade Estadual do Ceará (UECE) e Universidade de

Fortaleza (UNIFOR).

De acordo com Marques, Aguiar e Campos (2008), o Comitê de Eliminação do

Analfabetismo realizou pesquisas para detectar os principais problemas que influenciavam na

má qualidade da alfabetização no Ceará. Para isso, foi necessário realizar uma avaliação do

nível de aprendizagem, relacionada à leitura e à escrita, dos alunos da rede municipal que

estavam no 2° ano do Ensino Fundamental. Houve também uma investigação em relação à

formação dos professores alfabetizadores, avaliando se a formação estava atendendo às

necessidades para o exercício da alfabetização e à grade curricular proposta pelas

40

universidades. Também foram analisadas as condições de trabalho dos professores e sua

prática docente.

Segundo a SEDUC (2012), as pesquisas realizadas pelo Comitê Cearense de

Eliminação do Analfabetismo Escolar apontaram:

A avaliação amostral dos níveis de leitura, escrita e compreensão de texto de 8 mil

alunos da 2º série do EF (atual 3º ano), matriculados nas redes de 48 municípios, 39% não leram o texto; 15% leram muito mal, soletrando e sem compreender; 31%

leram com dificuldade e compreenderam parcialmente; e 15% leram e

compreenderam. A maioria das universidades não possuía estrutura curricular

adequada para formar o professor alfabetizador. 3. A maior parte dos professores

não tinha metodologia para alfabetizar, abusava de cópias na lousa e usava muito

mal o tempo de aula (SEDUC, 2012, p .12).

Esse diagnóstico permitiu verificar o nível de aprendizado dos alunos, apontando

que esses estavam bem abaixo do nível desejado. A maioria das crianças analisadas não

apresentaram habilidades para ler e compreender o que estava exposto no texto, assim como

não mostraram habilidades para escrever. Em relação à formação dos professores, foi

verificado que a grade curricular das universidades não possuía estrutura adequada para a

formação do professor, de modo que eles não estariam capacitados a alfabetizar. E que grande

parte dos professores não tinha uma metodologia eficiente para ministrar as aulas,

apresentando-se repetitivos em sua prática e desperdiçando o tempo de aula, não satisfazendo

as necessidades de aprendizado dos alunos.

Para Ceará (2006), diante desses resultados, foi necessário realizar uma

intervenção no âmbito das políticas educacionais, focando no combate radical ao

analfabetismo escolar. O Comitê se propôs a lutar pela escolarização que possibilite a

inclusão educacional de crianças e adolescentes no mundo letrado, para então criar condições

de cidadania dentro da sociedade.

[...] uma das premissas do trabalho do Comitê é a defesa da alfabetização de crianças

na idade certa, ou seja, independente da metodologia empregada, é imprescindível que

as crianças cearenses, para obterem um razoável sucesso em sua vida pessoal e

profissional, terminem a 1º série do ensino fundamental lendo e escrevendo. Dominando a leitura e a escrita no tempo certo, essas crianças estarão melhor

preparadas para a aquisição de outros e novos conhecimentos (CEARÁ, 2006, p. 26).

Dessa maneira, de forma autônoma, o governo do estado do Ceará criou esse

comitê contra o analfabetismo, mobilizando autoridades políticas, instituições educacionais de

41

Ensino Superior e entidades governamentais. A partir do relatório final do comitê foi possível

estabelecer ações para tentar superar o analfabetismo e melhorar a qualidade do ensino.

Um dos resultados dessas ações foi a criação do Programa de Alfabetização na

Idade Certa (PAIC), uma política pública de estado direcionado para as turmas das séries

iniciais do Ensino Fundamental. A Secretária de Educação do Ceará (Seduc) concordou em

apoiar e dar suporte ao programa, tornando uma política pública educacional com parceria

entre estado e municípios. A Seduc auxiliaria os municípios na administração dos recursos,

com maior apoio técnico-pedagógico para favorecer a expansão de vagas e melhorar a

qualidade do processo de alfabetização.

A proposta é que o município crie equipes do PAIC em suas sedes para

planejarem ações que tentem garantir a aprendizagem dos alunos. Para tentar mobilizar os

municípios na priorização da alfabetização foi arquitetada a vinculação dos critérios de

distribuição da cota-parte dos municípios no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e

Serviços (ICMS), submetendo esse repasse aos indicadores da educação, que seriam obtidos a

partir dos resultados de avaliações externas4 criadas pelo governo do estado. Essas avaliações

são realizadas anualmente em turmas do 2º ano do Ensino Fundamental, quanto melhor os

resultados obtidos pelos alunos, mais os municípios receberão na distribuição do ICMS.

Consequentemente, a articulação entre as ações do estado e dos municípios

firmam-se na colaboração e na política de cooperação. Essa medida de colaboração para

diminuir as taxas de analfabetismo atende à proposta do Plano Nacional de Educação (PNE-

2011/2020), que tem como principal diretriz a erradicação do analfabetismo. Além disso, o

PNE também sugere a criação de um Sistema Nacional Articulado de Educação, na qual

deverão ser criadas estratégias em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito

Federal e os Municípios (Art. 7º PNE - 2011/2020).

Enfim, o surgimento do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC) se deu

mediante os altos índices de analfabetismo no estado do Ceará e a baixa qualificação dos

professores para alfabetizar, tornando-se necessário mobilizar a sociedade política e

acadêmica para buscar soluções e enfrentar o desafio de erradicar o analfabetismo no Ceará.

2.1 EIXOS E METAS QUE FUNDAMENTAM O PAIC

A proposta do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC) é alfabetizar os

alunos das redes públicas de ensino dos municípios, preferencialmente até os sete anos de 4 A palavra externa é utilizada para designar que a avaliação é desenvolvida por agentes externos à escola.

42

idade. O Programa iniciou sua ação como política pública em 2007, passando a oferecer

assistência pedagógica ao 1° e 2° anos do Ensino Fundamental em todos os municípios

cearenses.

Segundo a SEDUC (2012), a expressão “alfabetização na idade certa”, que é

utilizada para nomear o programa, recebeu várias críticas da sociedade, pois muitos defendem

que não existe uma idade certa para aprender e que o aprendizado está em constante

construção.

O uso da expressão alfabetização na idade certa encontrou algumas resistências.

Algumas pessoas questionaram o termo, alegando que sempre é tempo de aprender:

o uso da nomenclatura poderia excluir aqueles que por ventura não conseguiriam ou

não puderam ser alfabetizados na idade especificada. O programa expressa a

compreensão de que o processo de aprender a ler e a escrever começa antes e vai

além do 2º ano. Considera que, sem dúvida, sempre é tempo de aprender, e que

todos os que não foram alfabetizados nos anos iniciais devem ter outras

oportunidades de aprendizado. Entretanto, o PAIC estima que para o bom

desenvolvimento escolar da criança é recomendável que esteja alfabetizada, no

máximo, até os sete anos (SEDUC, 2012, p. 65).

Logo, o PAIC propõe que para que a criança tenha um melhor percurso escolar,

que permita a aquisição de novos conhecimentos e melhore seu aprendizado, é necessário que

ela se alfabetize no 1º e 2º anos do Ensino Fundamental. O Programa defende que a criança

nessa idade tem capacidade de adquirir as habilidades de leitura e escrita, devendo a escola

ser a principal responsável em oferecer o desenvolvimento dessa aquisição.

Para Marques, Aguiar e Campos (2008), o Programa foi idealizado com o intuito

de apoiar os municípios do estado do Ceará, no sentido de elevar a qualidade do ensino

ministrado nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Vale destacar que o PAIC tem como

meta principal promover a autonomia e a competência técnica dos municípios nas áreas de

avaliação, acompanhamento pedagógico, educação infantil, literatura infantil e gestão

municipal, pois somente com autonomia e competência técnica os municípios conseguirão

oferecer um ensino de qualidade.

Como forma de priorizar a alfabetização e oferecer maior assistência aos

municípios, a Seduc criou a Coordenadoria de Cooperação com os Municípios (Copem), que

disponibiliza uma equipe para coordenar os cinco eixos propostos pelo Programa, que são:

Eixo Gestão Municipal; Eixo Avaliação Externa; Eixo Alfabetização; Eixo Formação do

Leitor e Eixo Educação Infantil. A Copem oferece assessoria às Coordenadorias Regionais de

Desenvolvimento da Educação (Crede) que estão localizadas nas diferentes regiões do estado,

que, por sua vez, coordena o Núcleo Regional de Cooperação com os Municípios (NRCOM)

43

que conduzem as equipes municipais do PAIC, ou seja, é um conjunto de coordenadorias

lideradas pela SEDUC, que conjuntamente administram as ações e os eixos do PAIC.

A criação dos cinco eixos do Programa pretende oferecer apoio técnico,

administrativo e pedagógico aos municípios com a disponibilização de materiais e

instrumentos, que têm o objetivo de possibilitar uma formação permanente do professor

alfabetizador. O PAIC acompanha o planejamento e os resultados dos investimentos através

do eixo de avaliação que averigua as ações implementadas para analisar se realmente elas

estão gerando um resultado satisfatório. Assim, cada eixo ficou responsabilizado em garantir

e acompanhar determinadas ações e metas que norteiam o Programa.

A função do Eixo de Gestão Municipal é oferecer assessoria técnica aos

municípios para que eles tenham um melhor desempenho na administração dos recursos

financeiros e materiais didáticos de modo que não haja desigualdade entre as escolas. Para a

realização desse processo de aplicação do PAIC, primeiramente a Seduc, em colaboração com

as Credes e os municípios, realiza um diagnóstico para avaliar como está o quadro

educacional de cada município e, a partir desses resultados, cada município planeja e elabora

suas metas e ações para a ampliação de vagas e a melhoria na qualidade do ensino.

Para a SEDUC (2012), o município é orientado a realizar o diagnóstico a partir

dos seguintes indicadores municipais: dados quantitativos relativos ao atendimento da

educação básica; fonte de financiamento da educação municipal. Após o conhecimento das

fontes de financiamento, das vagas necessárias para atender à demanda da educação básica, é

realizada a quantificação das metas de acordo com as referências propostas pela SEDUC, em

que o secretário de educação e o prefeito do município devem participar da elaboração dessas

ações.

Ainda na posição de SEDUC (2012), após a criação das metas é elaborado o

Plano de Trabalho Anual (PTA), que orienta as ações, dando prioridade à alfabetização dos

alunos até o 2º ano do Ensino Fundamental. O PTA também norteia o trabalho do PAIC nos

municípios. Concluída a construção do PTA, há um acompanhamento e monitoramento para

saber se as ações estão sendo realizadas de modo a atingir as metas. A Copem se

responsabiliza em acompanhar as Credes, que, por sua vez, monitora os municípios que

acompanham o desempenho das escolas de sua região.

O objetivo da Seduc é fortalecer a gestão dos municípios, proporcionando maior

autonomia e melhor desenvolvimento educativo. Por isso, regularmente há encontros e

formações que capacitam coordenadores e formadores para estarem atentos à execução das

ações e das metas de modo a conseguir alfabetizar o máximo de alunos matriculados.

44

[...] por meio de formações e promoção de encontros para a troca de experiências, a

Seduc coopera tecnicamente com os municípios para adotarem os seguintes processos: nucleação das escolas; cumprimento do calendário legal de 200 dias

letivos e 800 horas-aulas. Fortalecimento da autonomia das escolas; elaboração de

politica de acompanhamento das escolas da rede municipal; definição de critérios

para o processo de seleção de gestores escolares, com priorização do mérito; revisão

dos planos de cargos, carreira e remuneração do magistério municipal;

estabelecimento de politica de formação de professores; e definição de critérios

focados no mérito para a contratação de professores (SEDUC, 2012, p. 109).

Logo, o Eixo de Gestão Municipal tem o objetivo não só de fortalecer a

autonomia dos municípios como também diminuir a evasão escolar, melhorando toda a

educação básica, não se restringindo apenas às turmas de 1º e 2º anos. Propõe também uma

revisão no Plano de Cargos e Carreira e remuneração docente.

O Eixo de Alfabetização é considerado o mais importante do Programa,

oferecendo uma assessoria técnico-pedagógica com a implantação de propostas didáticas de

alfabetização para facilitar a aprendizagem e assim garantir a alfabetização dos alunos até o 2º

ano do Ensino Fundamental. Conforme a SEDUC (2012), o PAIC disponibiliza materiais

didáticos para professores e alunos chamados de “materiais estruturados”, que permitem uma

rotina diária a ser seguida pelo professor. O Programa oferece uma formação mensal para que

o professor esteja apto a usar e aplicar o material proposto. Essas formações também

possibilitam que o educador realize um estudo teórico para compreender e reconhecer como

ocorre o desenvolvimento da escrita da criança.

A metodologia seguida pelo PAIC é inspirada em pesquisas que defendem que a

melhor forma de garantir o aprendizado da criança é através do alfabetizar letrando. Essa

metodologia foi desenvolvida por pesquisas que têm como objetivo compreender como a

criança desenvolve o aprendizado da leitura e da escrita a partir de sua interação e práticas

sociais.

O Eixo de Avaliação Externa tem o objetivo de diagnosticar o nível de leitura e de

escrita dos alunos, para acompanhar o desempenho das ações estabelecidas e verificar quais

foram às melhorias e as falhas do processo educativo. São avaliadas as habilidades de leitura e

de compreensão, apropriação da escrita e seu uso e as provas são criadas de acordo com os

níveis de aprendizado dos alunos em suas respectivas turmas.

As equipes desse eixo, juntamente com os municípios, aplicam provas no início

do ano letivo nas turmas de 1º, 2,º 3, 4º e 5º anos. A Prova PAIC tem o intuito de realizar um

diagnóstico inicial para a criação das ações que atendam às necessidades de aprendizado dos

alunos. Conforme Marques, Ribeiro e Ciasca (2008), a finalidade desse eixo é possibilitar

45

autonomia aos municípios, para que eles desenvolvam avaliações diagnósticas para verificar

como está o ensino em suas escolas, visando um fortalecimento técnico-pedagógico dos

municípios. Para assegurar esse fortalecimento, a SEDUC elaborou e divulgou manuais de

procedimentos através de palestras e oficinas com os técnicos das secretarias municipais a fim

de instruir como as provas devem ser aplicadas e analisadas.

O Eixo de Formação do Leitor propõe que o aluno tenha possibilidade de ser um

bom leitor com uma formação pautada na cultura letrada e na inclusão social. Esse eixo

sugere a criação de ambientes ricos em materiais de leitura e de escrita, com diferentes

gêneros textuais, de modo que os alunos tenham acesso e possam interagir com esses

materiais na hora que quiserem, criando hábitos de leitura.

O PAIC oferece uma coleção de livros que abrange diversos temas e gêneros

textuais. O Programa criou sua própria coleção de livros, a coleção Prosa e Poesia, que

contem 24 títulos com diferentes histórias baseadas na cultura e no regionalismo do estado do

Ceará. Cada turma do PAIC de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental ganha sua coleção para

utilizar na hora que quiser. Vale destacar que esse acervo também é dado às turmas de

Educação Infantil. O Eixo Formação do Leitor recomenda que o professor crie um ambiente

lúdico com os materiais oferecidos pelo Programa, incentivando a leitura do aluno mesmo que

ele não domine as técnicas de leitura e escrita. De tal modo, a criança poderá interagir e se

familiarizar com o universo da leitura, despertando um maior interesse pelos livros e pela

leitura.

O PAIC apoia e acredita que é fundamental que a criança tenha acesso à Educação

Infantil, pois assim terá maior possibilidade de se alfabetizar aos sete anos. Dessa forma, criou

o Eixo de Educação Infantil, que incentiva a expansão de vagas na Educação Infantil e a

elaboração de uma proposta metodológica direcionada ao nível de desenvolvimento das

crianças, para que elas interajam no espaço escolar e desenvolvam o interesse pelo

aprendizado através de um ambiente lúdico e agradável.

Para estimular uma melhor condição na Educação Infantil, o PAIC oferece uma

formação para técnicos pedagógicos dos municípios ligados a essa modalidade, a fim de que

eles possam orientar os professores que atuam nessa área. De acordo com a SEDUC (2012),

essa formação orienta o uso de determinados conteúdos, brincadeiras e projetos direcionados

à faixa etária das crianças. O Programa defende que quanto mais elas interagirem no ambiente

escolar, mais cedo elas poderão ser alfabetizadas.

Consequentemente, o PAIC não diz respeito apenas à inserção de uma proposta e

materiais didáticos. Há uma série de eixos que têm o intuito de melhorar a capacidade dos

46

municípios em administrar e investir seus recursos nas series iniciais, oferecendo uma

formação ao professor alfabetizador e implantando uma proposta metodológica que insira o

aluno nas práticas sociais e auxilia também a Educação Infantil, para que os alunos cheguem

ao ensino fundamental com maior bagagem de aprendizado.

A análise da proposta e dos eixos do Programa nos leva a afirmar que ele auxilia

tanto na assistência pedagógica dos municípios quanto contribui para um direcionamento

metodológico da alfabetização. Entretanto, é necessário investigar se na prática de sala de

aula, essa proposta facilita realmente o desenvolvimento da aprendizagem dos alunos e na

atuação dos professores, de modo a oferecer meios para que haja uma equidade na

alfabetização, diante das desigualdades regionais e da heterogeneidade existentes.

2.2 A PROPOSTA DIDÁTICA DO PAIC: ALFABETIZAR LETRANDO

Um dos pontos relevantes do PAIC foi a inserção de uma proposta didática

comum a todos os professores alfabetizadores, pois antes da criação do Programa, a maneira

utilizada para se alfabetizar ficava retida à atuação do professor e do material didático

escolhido pela escola, dificultando uma articulação entre professores, escolas e municípios.

Para a criação da metodologia utilizada pelo Programa, a SEDUC contratou uma equipe de

professores acadêmicos para desenvolver uma proposta baseada nas necessidades e

particularidades do estado do Ceará. Coordenados pela professora Amália Simonetti, eles

criaram uma proposta para a formação de leitores, promovendo o prazer e o interesse pela

leitura, partindo da concepção em que a alfabetização e o letramento são processos integrados

e indissociáveis de aprendizagem.

Em vista disso, a proposta do PAIC é inspirada na metodologia do alfabetizar

letrando, que tem o objetivo de formar leitores para o exercício das práticas sociais,

possibilitando a aquisição de uma nova linguagem que permita o acesso aos conhecimentos e

às informações; a ampliação de horizontes; o desenvolvimento da capacidade crítica e o

exercício da cidadania. O intuito é fazer com que a criança desperte seu interesse pela leitura

por meio de um ambiente lúdico, rico em materiais e gêneros textuais.

As escolas devem oferecer um ensino de qualidade, incentivando a formação do

aluno leitor, capaz de identificar os diferentes tipos de texto e fazer uso deles em suas

atividades cotidianas. Então, ao mesmo tempo em que o aluno estiver sendo alfabetizado, ele

também será letrado.

47

O PAIC procura pautar suas ações pedagógicas pela integração da alfabetização e do

letramento, compreendendo-os como dois processos específicos e interligados. Busca

proporcionar o ensino e a aprendizagem da codificação e decodificação do sistema

alfabético e a interação constante dos alunos com gêneros e portadores de textos

diversos, zelando por atividades que facilitem a construção de sentido e significado

aos estudantes (SEDUC, 2012, p.126).

Nesse sentido, é fundamental que os processos de alfabetização e de letramento

ocorram conjuntamente, pois os dois se complementam e facilitam o desenvolvimento e o

aprendizado das crianças, embora existam algumas técnicas de alfabetização que acabam

sendo ensinadas separadamente do processo de letramento.

Conforme Simonetti (2007), pesquisadores como Morais, Ferreiro, Soares

afirmam que o processo de alfabetização ocorre a partir da decifração de fonemas em

grafemas e grafemas em fonemas. Os fonemas estão relacionados aos sons da fala e à leitura.

Já os grafemas relacionam-se com as letras e a escrita, signos gráficos, ou seja, a alfabetização

refere-se à aquisição do alfabeto, ao ensino das habilidades de ler e escrever, aos processos de

aquisição do código escrito e às habilidades de leitura e de escrita.

Soares (2003) afirma que o processo de alfabetização também envolve aprender a

segurar num lápis, aprender que se escreve de cima para baixo e da esquerda para direita;

enfim, uma série de aspectos técnicos. Nesta fase em que o aluno começa a se apropriar do

código escrito é importante que o professor o auxilie, de forma que torne o processo

compreensível para ele, agindo como mediador do conhecimento.

Tomando conhecimento da visão dos autores citados, o PAIC propõe o

aprendizado dessas técnicas a partir da inserção do aluno em uma cultura letrada.

[...] a finalidade do letramento na escola é possibilitar aos alunos práticas de leitura e

de escrita com sentido e significado. O letramento ou inserção na cultura escrita não

acontece de modo espontâneo. Exige mediação pedagógica [...]. Para tanto, é preciso que o(a) professor (a), como o mediador e responsável pelo letramento, de modo

intencional insira a criança na cultura letrada, o que não significa disponibilizar

livros na sala, cartazes, fichas de nomes, letreiros etc. Letrar é usar a leitura e a

escrita como prática social no cotidiano da sala de aula: a prática de leituras

significativas dos livros de literatura infantil, jornais, revistas e etc (SIMONETTI,

2009, p. 21).

O letramento, antes de tudo, deve ser compreendido como algo que deve fazer

parte da vida do aluno na sociedade. Ele deve utilizar suas habilidades de leitura e de escrita

em sua vida social, e é no ambiente escolar que ele vai interagir e aprender a utilizar seus

conhecimentos em suas práticas cotidianas. Para os criadores da proposta, existe um grande

48

desafio em se alfabetizar e letrar. Por isso, as escolas devem oferecer materiais adequados,

com professores que estejam aptos a corresponder a essa metodologia e a agir como

mediadores da aprendizagem, oferecendo às crianças possibilidades de apropriação do código

escrito a partir de diferentes gêneros textuais, o que revela a importância da proposta

pedagógica para auxiliar a ação do professor.

É necessário reconhecer que não existe um método único e eficaz para se

alfabetizar e letrar. As condições da escola, a formação dos professores, a heterogeneidade

dos alunos são alguns dos diversos fatores que interferem no processo de aprendizado.

Portanto, é importante que o professor esteja inserido no contexto social de seus alunos, que

conheça as peculiaridades da comunidade em que a escola está inserida, para então refletir

sobre ação pedagógica e criar caminhos que facilitem o aprendizado dos alunos. No entanto,

Simonetti (2007) assegura que há sim a busca de um método eficaz que facilite a ação do

professor alfabetizador.

É preciso não ter medo do método; diante do assustador fracasso escolar, na área da

alfabetização, e considerando as condições atuais de formação do professor

alfabetizador, em nosso país, estamos, sim, em busca de um método, tenhamos a

coragem de afirmá-lo. Mas de um método no conceito verdadeiro desse termo: método que seja o resultado da determinação clara de objetivos definidores dos

conceitos, habilidades, atitudes que caracterizem a pessoa alfabetizada, numa

perspectiva psicológica, linguística e também (e talvez, sobretudo) social e política;

que seja ainda resultado da opção pelos paradigmas conceituais (psicológico,

linguístico, pedagógico) que trouxeram uma nova concepção dos processos de

aprendizagem da língua escrita pela criança, compreendendo esta como sujeito ativo

que constrói o conhecimento, e não ser passivo que responde a estímulos externos;

que sejam, enfim, o resultado da definição de ações, procedimentos, técnicas

compatíveis com esses objetivos e com essa opção teórica (SOARES, 2003, p. 95).

Desse modo, afirmar se existe ou não um método de alfabetização eficaz que

possibilite igualmente a aprendizagem dos alunos é muito discutido pelos pesquisadores em

educação e isso provoca um certo receio na busca de um método único e eficaz. Porém,

compreender como se dá o processo de aquisição da escrita pode auxiliar na melhor atuação

do professor, independentemente da realidade do aluno. O PAIC sugere uma fundamentação

teórica baseada na nova compreensão de como as crianças evoluem na aquisição da leitura e

da escrita.

De acordo com Simonetti (2009), como fundamentação teórica para Alfabetizar

Letrando, a proposta do PAIC se estrutura no seguinte tripé: o construtivismo como teoria

epistemológica, a linguística como ciência da língua e a didática como práxis pedagógica.

49

O construtivismo tem sido utilizado como teoria epistemológica, pois o Programa

defende a concepção sociointeracionista, acreditando que a criança seja capaz de construir seu

aprendizado a partir da interação com o ambiente e a estimulação. A escola deve promover as

relações entre alunos, professores, funcionários, além de garantir a interação, com os

conteúdos escolares e o ambiente cultural. Por meio dessa interação, os alunos poderão

desenvolver novos estágios de conhecimento. O professor deve agir como facilitador da

aquisição do conhecimento, estimulando o aluno à curiosidade, permitindo que ele manifeste

seu pensamento e suas indagações. É importante que, no ambiente escolar, a criança também

aprenda com seus erros.

[...] os alunos são protagonistas da sua aprendizagem; os alunos formulam hipóteses

sobre leitura e escrita passando por diferentes níveis de construção e com erros

produtivos; os alunos aprendem a ler lendo e a escrever escrevendo; os alunos

aprendem refletindo e dialogando na interação com os colegas e com o(a) professor(a); o papel do(a) professor(a) é fundamental como mediador, dando

condições e propiciando desafios significativos para que o aluno aprenda

(SIMONETTI, 2009, p.16).

O uso da linguística é fator importante para o aprendizado, pois ela traz

conhecimentos para que a criança aprenda a ler e a escrever. Por meio da linguística é

possível aprender as estruturas da fala e da escrita como: fonologia, morfologia e análise

estrutural das palavras, que são essenciais para se chegar ao aprendizado da leitura e da

escrita.

Vale destacar que o PAIC também utiliza a psicogênese da língua escrita para

fundamentar sua metodologia. A teoria sobre a língua escrita criada por Emília Ferreiro em

colaboração com Ana Teberosky defende que a alfabetização é um processo em construção,

que se inicia antes mesmo da criança entrar na escola. Assim, a teoria demonstra como ocorre

o desenvolvimento da escrita.

As autoras Ferreiro e Teberosky (1999) defendem que a criança precisa pensar

sobre a escrita para que possa chegar ao nível de alfabetização, daí a importância de ela

conviver com uma diversidade de textos; para conhecer as letras, as sílabas, as palavras,

desenvolvendo assim a escrita. Dessa forma, conhecer como ocorre o desenvolvimento da

aquisição da escrita é fundamental para que o professor alfabetizador possibilite condições de

aprendizagem à criança e saiba acompanhar seu avanço até que ela esteja alfabetizada.

Portanto, é importante que o professor aprofunde seus conhecimentos na área da

linguística, da psicolinguística e da cultura da língua. As formações oferecidas incentivam o

50

estudo e o aprofundamento desses novos saberes para que os professores os articulem em sua

atuação. Além disso, há também um aprofundamento na didática, compreendida como os

meios e as técnicas de ensino que o professor utilizará para fundamentar sua prática. Mas a

didática não se baseia apenas em métodos e técnicas, ela se utiliza do contexto social para

designar uma educação que une escola e sociedade, teoria e prática.

Segundo Pimenta e Lima (2006), a didática investiga fundamentos e condições

não apenas para criar regras e métodos de ensino válidos para qualquer tempo e lugar, mas

para ampliar nossos conhecimentos sobre os saberes acumulados, aprendendo com eles a

encontrar respostas de como ampliar e melhorar a educação, não apenas nos espaços

escolares, como também no contexto de sociedade. O professor deve se utilizar da didática

também como prática reflexiva, pois a partir de sua reflexão é possível que ele reveja os erros

e as falhas de sua prática, podendo modificar seus métodos, para que o aprendizado abranja

todos os alunos.

É importante esclarecer que, embora o Programa proponha que o professor reflita

e repense seu exercício cotidianamente, analisando se os objetivos propostos foram

alcançados, o professor não poderá mudar ou sair da rotina proposta pelo programa, mesmo se

ele perceber que as metas de aprendizagem não estão sendo alcançadas pela maioria dos

alunos. Essa é uma das inquietações geradas por essa política, que defende que o professor

reflita sobre sua ação cotidianamente, mas o limita a uma rotina didática rigorosa, na qual não

se pode deixar de seguir o planejamento e os conteúdos traçados por ele. Isso nos leva a

pensar sobre a falta de autonomia do professor, que muitas vezes acaba se restringindo a um

papel de mero executor de um material dado.

Reconhecemos que a didática proposta pelo PAIC traz sugestões e atividades

diversificadas e que tem o intuito de criar aulas dinâmicas e atrativas aos olhos dos alunos.

Porém, o professor, como mediador do aprendizado, deve ter autonomia no processo de

ensino para respeitar o tempo de aprendizado dos alunos, estando consciente de seu papel de

criar e desenvolver maneiras que facilitem a aprendizagem dos jovens; e saber da importância

de rever diariamente os resultados de suas atividades e das necessidades didáticas para lidar

com a heterogeneidade.

O Programa orienta que em conjunto os professores elaborem o plano de aula,

dando autonomia ao professor. A função desse planejamento conjunto é nortear a prática dos

professores de modo que eles elaborem os objetivos e as ações conforme a proposta didática e

a realidade dos alunos. No entanto, o plano se limita a execuções técnicas que não

possibilitam uma reflexão mais significativa que gere ação-reflexão-ação, pois o professor

51

fica detido à execução de comandos, que o aluno deve acompanhar e aprender a executar de

acordo com o que lhe é orientado, transformando a maioria das atividades, ditas

alimentadoras, em atividades mecânicas e de memorização.

Não há duvidas que alfabetizar e letrar é um processo complexo, e que a proposta

didática fará uma grande diferença para facilitar a metodologia dos professores e a

aprendizagem dos alunos. Contudo, além de uma boa proposta, o professor deve ter domínio

sobre o nível de desenvolvimento de seus alunos, considerando o conhecimento que eles já

possuem. É necessário haver também um acompanhamento pedagógico ao professor e

formações que orientem sua prática, e que, principalmente, ampliem e estimulem sua

autonomia docente, permitindo, assim, que ele desenvolva melhores ações de aprendizado,

condizentes com as necessidades e a realidade de seus alunos.

Adiante veremos como o PAIC contribui para a qualificação do professor

alfabetizador para que este acompanhe as atuais exigências de ensino e esteja capacitado a

alfabetizar e letrar.

2.3 A CAPACITAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR

Uma das principais finalidades do PAIC é capacitar os professores para que eles

se tornem aptos a trabalhar com a proposta do Programa e utilizar os materiais didáticos. Em

vista disso, o PAIC oferece uma formação mensal aos professores alfabetizadores. Cada

encontro tem duração de oito horas com o objetivo de fazer com que os professores interajam

mais uns com outros, discutam novas ideias e ações para melhorar o aprendizado dos alunos.

São nesses encontros que os professores também elaboram conjuntamente os planos de aulas

conforme as sugestões da proposta didática alfabetizar letrando, proposta esta que o professor

recebe junto com os materiais didáticos.

Ao analisar a proposta de formação do Programa, podemos afirmar que esse

modelo tem semelhanças com outros programas de capacitação do governo oferecidos pelo

MEC, como o PROFA e PRÓ-LETRAMENTO, que tem o mesmo intuito de qualificar

professores de alfabetização, levando conhecimentos sobre a estrutura da leitura e da escrita

na perspectiva do letramento, desenvolvendo no professor habilidades para alfabetizar e letrar.

De acordo com os eixos do PAIC, um dos objetivos da formação é fazer com que

os professores ampliem o conhecimento teórico sobre língua portuguesa, conhecendo sua

estrutura e sua funcionalidade, e assim compreender como se dá a aquisição da escrita pela

52

criança nos seus diferentes níveis de desenvolvimento. Os professores aprendem a

acompanhar o desenvolvimento da escrita da criança conforme os pressupostos da teoria da

psicogênese da língua escrita, criada por Ferreiro e Teberosky (1999).

Além disso, a formação também deseja despertar no professor a criatividade e o

incremento de uma didática dinâmica e atrativa, que desperte o interesse da criança pelo

aprendizado. Com uma metodologia voltada para melhorar as condições da prática docente,

de modo que possa melhorar a relação entre professores e alunos, criando um vínculo

interativo.

A nossa didática tem como alicerce o tripé: professor (a)-aluno–conteúdo. Essa base interliga-se com todo um sistema didático que comporta outros elementos

essenciais, como concepção de aluno e de aprendizagem, metodologia de ensino,

planejamento, objetivos didáticos, recursos didáticos e instrumentos de avaliação,

sem esquecer também elementos políticos, econômicos e administrativos, internos e

externos á escola, que se complementaram e relacionam-se influenciando no

cotidiano da sala de aula (SIMONETTI, 2009, p. 20).

Essa relação visa fortalecer o processo pedagógico, mobilizando todos os

componentes da escola para favorecer o processo de ensino e aprendizagem. Dessa forma, que

a formação busca envolver e ampliar o interesse de todos por ações que possibilitem melhores

condições de trabalho, incluindo uma interação docente e uma atualização contínua de novas

atividades. Para isso, conta com o apoio de formadores, que devem conduzir os professores à

discursão de sua prática e da realidade de seus alunos.

A função do formador é levar novos conhecimentos ao grupo docente, mediando e

possibilitando a pesquisa para que eles mesmos possam se atualizar mediante as exigências de

ensino, e desse modo acompanhar as transformações sociais e tecnológicas. O formador é

quem também sugere ideias, incluindo jogos e brincadeiras, que possam facilitar a ação do

professor. É importante que esse seja um momento de distanciamento das antigas técnicas

tradicionais abrindo novos caminhos metodológicos, que libertem os professores do

tradicionalismo habitual.Vejamos o que afirma Frade (2010) sobre o papel de programas de

formação:

Ao assumir oficinas, encontros ou mesmo programas de formação continuada,

muitas vezes os pesquisadores ou formadores desejam que aqueles docentes com

quem trabalham abandonem, muito rapidamente, seus saberes e crenças, e aceitem -

passiva ou pacificamente - concepções e propostas de ensino de alfabetização com

as quais nem sempre estavam familiarizados. Noutras palavras, para não sermos

contraditórios, em lugar de simplesmente atribuir resistências aos alfabetizadores e

demais docentes, temos que considerar que, tal como todos os aprendizes, eles

vivem singulares processos de apropriação ou reconstrução do saber (FRADE, 2010,

p. 31).

53

Diante disso, é necessário considerar a formação inicial do professor para analisar

se essa formação ainda está pautada no uso de técnicas tradicionais. A pesquisa torna-se um

importante instrumento de atualização da ação pedagógica e é a formação que deve oferecê-

la, para que o professor aprofunde seus conhecimentos e rompa com o tradicionalismo. É

fundamental que o próprio professor se torne pesquisador, pois assim, ele se tornará avaliador

da sua prática, buscando caminhos que enriqueçam a sua atuação.

O Programa propõe que a formação seja também um momento de aprender a

avaliar. No início do ano letivo, o professor recebe junto com o material um caderno de

registro onde ele irá anotar a aprendizagem do aluno, de forma que ele possa mapear o

desenvolvimento do aluno durante o percurso do ano. Para o PAIC, o momento da avaliação é

sumariamente importante, pois é parte integrante do processo de ensino e aprendizagem.

Não existe ensino sem avaliação. Avaliando, você terá dados concretos das aprendizagens dos alunos, ou seja, do processo de alfabetização dos seus alunos, de

como eles estão se apropriando do sistema alfabético, como estão lendo e escrevendo (SIMONETTI, 2009, p.5).

Assim, a avaliação é um importante instrumento de acompanhamento pedagógico.

É na formação que o professor irá aprender a utilizar o caderno de registro para avaliar o nível

de aprendizado dos alunos conforme os descritores de cada etapa didática, dispostas na

proposta do alfabetizar letrando. O papel do formador é auxiliar nesse processo para que o

professor preencha corretamente o caderno de registro e possa utilizá-lo para também avaliar

suas ações metodológicas.

Portanto, consideramos que a formação é um importante momento para o

enriquecimento do professor, momento este que pode ser utilizado para tirar dúvidas; partilhar

experiências em sala de aula; contribuir na prática pedagógica, possibilitar discussão de

soluções que possam melhorar o processo de ensino e de aprendizagem, e principalmente, de

possibilidade de pesquisa e de aquisição de novos conhecimentos.

Vale salientar, que colaborar com o processo de formação do professor vai além

de desenvolver suas capacidades técnicas, funcionalistas e metodológicas. A formação deve

estar pautada no desenvolvimento intelectual e autônomo desses profissionais, para que

colaborem de uma maneira crítica e reflexiva na formação de seus alunos e não apenas como

transmissores e reprodutores de conhecimentos. A ação docente deve estar vinculada à relação

54

teoria e prática, não se afastando dos problemas sociais, políticos, econômicos e culturais que

circulam o cotidiano dos sujeitos do processo.

2.4 METODOLOGIAS DE AVALIAÇÃO: PROVA PAIC E SPAECE-ALFA

A avaliação é um momento ímpar para acompanhar as ações desenvolvidas pelas

políticas públicas, escolas e professores. É através da avaliação que o sistema consegue

comprovar se os objetivos e as metas de aprendizagem foram alcançados, permitindo avaliar

os êxitos, as falhas e as dificuldades de aprendizagem.

A avaliação, para muitos, é vista como oportunidade para melhorar a ação escolar,

outros, no entanto, temem a avaliação como se ela fosse um instrumento de inquisição na qual

as escolas e professores serão julgados pelos resultados obtidos por seus alunos. Podemos

dizer que esse temor à avaliação é histórico-cultural, pois durante muito tempo ela esteve

ligada ao ato de examinar, classificar, selecionar e excluir os sujeitos.

Atualmente, há uma tentativa de fugir da avaliação excludente, atribuindo uma

nova função à avaliação que possibilite a inclusão ao invés da exclusão, tornando-a um

instrumento diagnóstico. A avaliação como instrumento diagnóstico irá permitir que, a partir

dos resultados obtidos, haja a criação de meios e ações para melhorar a qualidade do ensino.

Para Menezes e Santos (2002), a ideia de avaliação diagnóstica surgiu a partir da abolição da

repetência no ensino fundamental nas escolas públicas, com a chamada progressão

continuada, implantada com base nas recomendações contidas na Lei de Diretrizes e Bases

(LDB) de 1996.

Contudo, Luckesi (2002) assegura que mesmo diante das tentativas de mudar o

papel da avaliação, ela ainda vem sendo utilizada para mensurar e quantificar o saber,

deixando de diagnosticar e pensar a prática pedagógica para julgá-la, constituindo-se, assim,

num instrumento estático que impede o processo de crescimento, limitando-se a ser um

instrumento disciplinador. O autor afirma que os professores, ao utilizar a avaliação como

meio de controle e critério para aprovação dos alunos, está disciplinando-os e retirando sua

criatividade, criticidade, espontaneidade, transformando-os em reféns de um sistema

antipedagógico. Ele defende a necessidade de se utilizar a avaliação diagnóstica, de modo que

o professor, a partir dela, busque melhoria no ensino reorientando sua prática, agindo como

um mediador através de um processo dialógico e problematizador.

Diante da necessidade de buscar caminhos que melhorem a educação, as políticas

públicas vêm utilizando a essência da avaliação diagnóstica para analisar o conhecimento dos

55

alunos através de avaliações externas, que verificam o desempenho de alunos em larga escala.

O objetivo ao utilizar essas estimativas é de acompanhar as ações desenvolvidas pelas

políticas educacionais e seus investimentos que visam a melhoria na qualidade de ensino.

Hoje, os instrumentos que avaliam o nível de conhecimentos dos alunos são o

Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), Prova Brasil e Provinha Brasil, avaliações

essas realizadas pelo governo federal, que tem o objetivo de verificar nacionalmente os

sistemas de ensino da educação básica. Os três juntos compõem o Índice de Desenvolvimento

da Educação Básica (IDEB).

Conforme Marques, Ribeiro e Ciasca (2008), no estado do Ceará, além dessas

avaliações realizadas pelo governo federal, também é utilizada uma avaliação do estado, o

Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE), que tem como

principal foco avaliar os alunos que estão finalizando o ciclo do 5º e 9º anos do Ensino

Fundamental e o 3º ano do Ensino Médio. A criação dessa avaliação se deu na tentativa de

agilizar os resultados para promover intervenções pedagógicas, visando a superação dos

problemas desvelados pela avaliação.

Trata-se de um complexo sistema que engloba, dentre outras dimensões, a aplicação

de uma avaliação externa em larga escala para alunos da rede publica de ensino do

estado do Ceará, a cada final de ano letivo, para a identificação do nível de

proficiência em leitura dos estudantes, com a finalidade de fornecer subsídios para a

formulação, reformulação e monitoramento das politicas educacionais, incentivando

a melhoria da educação ofertada e, como consequência, subsidiando políticas de

incentivo e redistribuição dos recursos financeiros entre municípios e escolas

(RIBEIRO, 2011, p. 56)

Para avaliar as ações do Programa PAIC, o governo estadual resolveu criar uma

vertente ao SPAECE, o SPAECE-alfa, que é uma avaliação direcionada às séries iniciais do

ensino público, precisamente as turmas de 2º ano do Ensino Fundamental. O SPAECE-alfa

tem como finalidade avaliar o desenvolvimento da leitura e da escrita dos alunos. Além do

SPAECE-alfa, existe também a Prova PAIC, que é aplicada nas turmas de 1º, 2º, 3º, 4º e 5º

ano do Ensino Fundamental. Segundo Ribeiro (2011), essa avaliação tem fins diagnósticos e

formativos pautados na viabilidade, na precisão e na ética, apresentando com o propósito de

melhorar a qualidade do processo de aprendizagem. Os resultados da Prova PAIC são um

norte para as intervenções pedagógicas a serem conduzidas pelos professores.

56

[...] a Prova PAIC é aplicada sempre no inicio do primeiro semestre letivo, a fim de

propiciar tempo para que ocorram as intervenções pedagógicas planejada para sanar as

dificuldades. O teste de Língua Portuguesa é composto por 20 itens de múltipla

escolha e quatro itens abertos, construídos a partir de uma matriz de referencia

dividida em três eixos: apropriação do sistema de escrita, leitura e escrita. Para cada

eixo, a matriz prevê conjuntos de habilidades expressas por descritores,

correspondentes ao ano dos alunos avaliados nos testes, e cada item avalia uma

habilidade (SEDUC, 2012, p. 114).

Nas turmas de 3º ao 5º anos, além da prova de Língua Portuguesa também são

avaliados as habilidades matemáticas. Após o resultado das provas individuais é feito um

balanço por escola, resultando no diagnóstico final de como se encontra a educação nos

municípios. Por ter uma função diagnóstica, os resultados não são divulgados. Cada

município recebe seu diagnóstico para criar ações e melhorias na qualidade dos processos de

ensino e de aprendizagem. O acompanhamento dos resultados é feito por um sistema on-line

disponibilizado pela SEDUC.

Neste sentido, a ideia de avaliação proposta pelo PAIC se fundamenta na visão de

Cardinet, 1989, (apud MARQUES; RIBEIRO; CIASCA, 2008, p. 439):

[...] mais do que medir ou julgar uma experiência de aprendizagem, a avaliação

permite intervir a tempo para assegurar que as estratégias e os meios utilizados na formação respondam aos objetivos propostos, ás características dos alunos e ao

contexto no qual ocorre a aprendizagem, para que a experiência seja bem sucedida.

De acordo com a SEDUC (2012), a Prova PAIC envolve os municípios em sua

aplicação, porém o SPAECE-alfa é de responsabilidade da secretaria de educação do estado.

Para realizar essa avaliação em larga escala, a SEDUC, por meio de licitação pública,

contratou o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Universidade Federal de Juiz de Fora

(Caed/UFJF) que planeja, elabora, aplica, consolida os resultados e produz os boletins de

resultados da proficiência das escolas e dos alunos. Vale destacar que o SPAECE-alfa é uma

avaliação censitária e diagnóstica que avalia o nível de proficiência das escolas e dos alunos,

constatando os esforços do estado e dos municípios na execução das ações.

A prova é baseada na Teoria de Resposta ao Item5 e avalia somente o nível de

proficiência de leitura e de escrita. “As provas são realizadas ao final do ano letivo para servir

de parâmetro de avaliação dos esforços do estado e dos municípios para com a alfabetização

dos alunos” (SEDUC, p. 118, 2012). Seus resultados são amplamente divulgados como um

meio de prestação de contas à sociedade.

5 É uma Teoria Clássica de testes que estatisticamente avaliam as habilidades e os conhecimentos.

57

Além disso, o SPAECE-alfa também é utilizado pelo governo do estado para

calcular os índices que balizam a distribuição da cota-parte do ICMS6, essa ação é feita para

estimular os municípios a investir mais na alfabetização dos alunos e terem um retorno

financeiro no repasse dos recursos feitos pelo estado. Existe ainda o Prêmio Escola Nota Dez,

destinado às escolas públicas que obtém melhor resultado de alfabetização expressos do

Índice de Desempenho Escolar – Alfabetização (IDE-Alfa), em que as escolas premiadas

recebem um bônus financeiro. É a partir dos resultados dessa avaliação que a SEDUC pode

realizar uma intervenção técnico-pedagógica, disponibilizando maior auxílio aos municípios

que não apresentaram o desempenho esperado. Essa mediação conta com maior intensificação

nas formações dos técnicos e professores, além do maior acompanhamento nas ações

pedagógicas. Assim, a Seduc (2012) assegura que o PAIC tem melhorado consideravelmente

os índices de alfabetização em todo o estado.

Entretanto, apenas observando os mapas dos resultados do IDE-alfa,

disponibilizados no site do programa, percebemos nos últimos dois anos está havendo uma

considerável queda ou estagnação na proficiência de alguns municípios, como Fortaleza,

Camocim, Morada Nova, Icó, dentre outros. Muitos municípios que já estiveram no nível de

proficiência desejado estão caindo para níveis inferiores. A seguir, iremos observar os mapas

demonstrativos do IDE-alfa que deixam claro o diagnóstico dos níveis de proficiência dos

municípios de 2007, anos de início do programa PAIC, até 2013, últimos resultados

divulgados pelo sistema.

6 Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços.

58

Figura 1 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2007

Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.

59

Figura 2 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2008

Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.

60

Figura 3 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2009

Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.

61

Figura 4 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2010

Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.

62

Figura 5 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2011

Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.

63

Figura 6 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2012

Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.

64

Figura 7 - Mapa de Alfabetização do Estado do Ceará, resultado SPAECE-Alfa – 2013

Fonte: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/resultados/mapas-dos-resultados.

65

Portanto, ao analisarmos os mapas e os níveis de proficiência de cada município,

percebemos que o programa foi importante para a diminuição do número de crianças não

alfabetizadas ou com alfabetização incompleta. Contudo, a estagnação de alguns municípios e

a queda no nível desejável para o nível suficiente nos anos 2012 e 2013, geram alguns

questionamentos sobre a atual eficiência do Programa, principalmente das ações que estão

sendo desenvolvidas nos municípios e nas escolas. É necessário investigar porque está

havendo a queda dos níveis dos municípios e o que pode ser feito para continuar incentivando

o combate ao analfabetismo.

Vale deixar claro também que não podemos avaliar a qualidade da alfabetização

nas escolas com base apenas em avaliações externas que visam quantificar o aprendizado do

aluno. Deve haver uma avaliação da assistência pedagógica; da ação dos professores em sala

de aula; das dificuldades materiais e da gestão escolar. Se não houver um acompanhamento

do processo que ocorre na sala de aula, da prática do alfabetizar e letrar, não poderão ser feitas

melhorias que realmente melhorem a qualidade do ensino.

Diante disso, é necessário repensar algumas ações do Programa, incluindo a

capacitação que está sendo oferecida aos professores para que eles saibam desenvolver meios

que facilitem o aprendizado da criança, e principalmente, da formação que está sendo

oferecida aos alunos, analisando se ela é capaz de propor o desenvolvimento dos aspectos

cognitivos, psicomotores, sociais, e não apenas se pautando em uma formação baseada no

treinamento e em técnicas de memorização, como existe em outros programas

preestabelecidos.

66

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Entendemos que os procedimentos científicos de coleta de dados, inscritos na

discussão sobre “como” desenvolver uma investigação, não tem valor por si próprio,

ganhando sentido somente quando situados em um quadro de referencias teóricas

que lhes conceda sustentação, ou dito de outra forma, em um marco teórico

argumentativo que lhes atribua credibilidade (FARIAS; NUNES; NOBREGA).

Com base nesse pressuposto, compreendemos que a maneira pela qual

desenvolvemos uma pesquisa não a qualifica até que a fundamentemos em um pilar teórico-

metodológico que possa lhe atribuir valor científico. Portanto, os procedimentos

metodológicos que embasam essa investigação contam com um aparato teórico-científico bem

estruturado que irá subsidiar caminhos para se alcançar os objetivos propostos.

A questão central dessa investigação foi analisar como o PAIC e sua proposta

teórico-metodológica implicam na atuação docente de professoras de duas escolas do

município de Limoeiro do Norte, Ceará. Com a concretização da questão central houve a

necessidade de descrever o programa a partir da realidade da sala de aula, analisando o

ambiente e os discursos dos sujeitos participantes para avaliar como ocorre a aprendizagem.

Para sua realização, a pesquisa buscou se estruturar em uma abordagem qualitativa,

utilizando-se da observação e da descrição da prática cotidiana.

De acordo com BOGDAN e BIKLEN (1994, p. 47), “[...] na investigação

qualitativa a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo-se o investigador o

instrumento principal”. Assim, a partir da investigação da realidade é possível entender as

ações dos sujeitos e seu contexto, possibilitando sua compreensão.

[...] o caráter qualitativo da pesquisa assim efetuada advém das vivencias percebidas e

expressas, as quais carregam consigo, já em sua estrutura, a hermenêutica, na medida

em que se autointerpreta e dá-se, pela linguagem, à interpretação. [...] as vivencias nos

são dadas pelas expressões daquele que experiência e por isso a descrição torna-se

ponto chave da pesquisa qualitativa (BICUDO, 2011, pp. 37 e 38).

Desse modo, a pesquisa descritiva possibilita caminhos para a concretização da

abordagem qualitativa. A investigação descritiva tem como finalidade identificar, registrar e

analisar as características, fatores e variáveis que se relacionam com o processo investigativo.

Na seguinte pesquisa, a descrição explicitou como ocorre a aprendizagem a partir da

metodologia do PAIC, analisando os fatores que interferem ou condicionam o processo de

alfabetização e a atuação dos professores nas referidas escolas.

67

A descrição descreve o movimento dos atos da consciência. Ela se limita a relatar o

visto, o sentido, ou seja, a experiência como vivida pelo seu sujeito. Não admite

avaliações e interpretações, apenas exposição do vivido como sentido percebido.

Porém, a preocupação não é se deter na descrição da experiência focando as nuanças

da sua individualidade, mas visa mostrar as estruturas em que a experiência relatada se

dá, deixando transparecer, nessa descrição, as suas estruturas universais (BICUDO,

2011, pp. 45 e 46).

A descrição foi feita a partir de notas de campos diárias com o intuito de registrar

e narrar os acontecimentos, analisando-os e buscando compreender o sentido e os significados

dados pela vivência e pelos comportamentos dos sujeitos. Essas notas retrataram a descrição

das atividades ocorridas, o comportamento dos sujeitos, a descrição do espaço físico, os

diálogos e a participação do observador nas atividades.

3.1 OS INSTRUMENTOS DE COLETAS DE DADOS

A coleta de dados ocorreu em duas turmas de 1º ano do Ensino Fundamental, em

duas escolas municipais de Limoeiro do Norte, Ceará. O objetivo de acompanhar duas escolas

foi de investigar como ocorre o processo de aprendizagem em ambientes distintos,

observando como as professoras trabalham com a proposta didática do PAIC e como os

alunos interagem com o material didático. As escolas foram escolhidas a partir da análise dos

resultados da avaliação SPAECE-alfa de 2013. Embora as escolas estejam localizadas no

mesmo bairro e receba a mesma clientela, os resultados do SPAECE-alfa 2013 mostram que a

Escola A tem proficiência média de 151,2, índice menor que a Escola B que apresenta

proficiência média de 173,4. Os resultados dessa avaliação é sumariamente importante para

que o governo tenha controle das ações desenvolvidas e do processo de ensino e de

aprendizagem.

Para a realização do trabalho utilizamos como instrumento de coleta de dados a

observação participante que permite realizar uma descrição do campo estudado, permitindo,

assim, delinear como ocorre a prática do PAIC nas escolas. Durante o período de seis semanas

essas escolas foram acompanhadas, com um total de dez encontros em cada turma.

A observação direta permite também que o observador chegue mais perto da

perspectiva dos sujeitos, um importante alvo nas abordagens qualitativas. Na medida

em que o observador acompanha in loco as experiências diárias dos sujeitos, pode

tentar aprender a sua visão de mundo, isto é, o significado que eles atribuem à

realidade que os cerca e às suas próprias ações (LUDKE E ANDRÉ, 1986, p. 26).

68

Para Chizzotti (1995), a observação participante é obtida por meio do contato do

pesquisador com o que é observado, para recolher as ações dos atores em seu contexto

natural, com base em sua perspectiva e seus pontos de vista.

Para compreender o comportamento é necessário compreender as definições e o

processo que está subjacente à construção desta. [...] as pessoas não agem com base

em resposta predeterminada a objetos predefinidos, mas sim como animais

simbólicos que interpretam e definem, cujo comportamento só pode ser

compreendido pelo investigador que se introduza no processo de definição através

de métodos como a observação participante (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 55).

Portanto, a intenção de utilizar a observação participante foi compreender como

ocorre o dia a dia nas turmas de alfabetização que utilizam a proposta do PAIC, observando o

comportamento das professoras diante dos conteúdos, planos de aula e a rotina didática do

Programa. Acompanhar também, o desenvolvimento dos alunos, suas relações com os

materiais e as professoras, percebendo os estímulos recebidos e os conhecimentos construídos

a partir dessas interações. Todas as observações foram descritas em um diário de campo para

que fossem registradas as ações ocorridas dentro do ambiente pesquisado.

Além da observação, foi realizada uma avaliação diagnóstica com alguns alunos

que apresentaram diferentes níveis de escrita. A escolha dos alunos se deu pelo diagnóstico

inicial feito no começo do ano letivo pela escola e das observações do comportamento destes

na sala de aula. Essa avaliação diagnóstica teve o objetivo de realizar uma análise dos

conhecimentos dos alunos, através de pré e pós-testes, que serviram como fontes de

verificação do avanço da aprendizagem nos aspectos de leitura e de escrita. Esses testes

permitiram concretizar um dos objetivos da pesquisa, que é verificar o impacto do processo de

alfabetização proposta pelo PAIC na aprendizagem dos alunos. Os testes foram aplicados a

dez alunos de cada turma e consistiram na escrita de três palavras e uma frase de acordo com

a orientação da pesquisadora, examinando também a leitura de três palavras, uma frase e um

texto.

Com as professoras foram realizadas entrevistas semiestruturadas e o

acompanhamento na formação continuada oferecida pelo Programa, com enfoque nas

disciplinas de português e matemática. A necessidade de acompanhar as professoras nas

formações oferecidas pelo PAIC se deu para avaliar que tipo de formação é oferecida ao

professor alfabetizador, analisando os estudos discutidos, as metodologias aplicadas, as ideias

sugeridas e a construção do plano de aula. Utilizamos também da observação e da descrição

para explicitar os acontecimentos e as ações dos sujeitos participantes.

69

As entrevistas semiestruturadas com as professoras tiveram como intuito o

registro e a análise de seus posicionamentos sobre o PAIC, sobre o processo de alfabetização

e sobre sua prática docente. Para a realização dessas entrevistas foi utilizado um roteiro para

orientar as perguntas de modo a não perder os objetivos. Entretanto, buscamos também

contemplar uma abordagem mais livre e que melhorasse a opinião das professoras.

A preferência por esse tipo de entrevista foi para que o entrevistador tivesse uma

orientação sobre as perguntas, mas com possibilidades de novas indagações, de acordo com a

fala das entrevistadas. “A entrevista é utilizada para recolher dados descritivos na linguagem

do próprio sujeito, permitindo ao investigador desenvolver intuitivamente uma ideia sobre a

maneira como os sujeitos interpretam aspectos do mundo” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.

134).

70

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Com base nos dados coletados na pesquisa de campo e na análise da proposta do

Programa em estudo, realizaremos uma discussão sobre o desenvolvimento do processo

metodológico de alfabetização realizado pelo PAIC. Averiguamos também a opinião das

professoras a respeito do Programa e da implicação de seu uso na atuação docente. Mediante

a essas considerações, tentaremos abrir caminhos que nos levem à concretização dos objetivos

e dos questionamentos levantados pela pesquisa.

Inicialmente, apresentaremos o perfil das escolas investigadas e dos sujeitos que

fazem parte dela; prezando pelo anonimato, resolvemos nomeá-las de escola A e de escola B.

Posteriormente nos propomos a analisar a Proposta de Alfabetização do PAIC, sua

metodologia, seus materiais de aprendizagem e sua rotina didática. Também realizamos uma

descrição do acompanhamento pedagógico nas duas escolas para averiguar como é a atuação

das professoras que utilizam o PAIC.

Após essa descrição, fizemos a análise das entrevistas com as professoras para

obter informações sobre como percebem e trabalham com essa metodologia, rotinas e

materiais do PAIC para alfabetizar os alunos e a implicação do Programa em sua prática

docente. Por fim, verificamos como se deu o desenvolvimento do processo de alfabetização

dos alunos no decorrer do ano letivo, a partir de pré e pós-testes, realizados em dois

momentos distintos, abril e outubro.

4.1 CARACTERIZAÇÃO DAS ESCOLAS

A pesquisa se realizou em duas escolas municipais localizadas no centro do

município de Limoeiro do Norte, Ceará. Nas duas escolas funcionam turmas da Educação

Infantil ao 5º ano do Ensino Fundamental.

A escola A tem um amplo espaço de recreação, com parquinho e campinho de

futebol, pátio interno e externo. Todo o ambiente é pintado e decorado com personagens

infantis. Ao todo existem 7 salas de aula e funcionam 14 turmas, 7 no período da manhã e 7 à

tarde. As salas são amplas e arejadas, com dois ventiladores e janelões que permitem uma boa

ventilação. A escola tem banheiros adaptados para as crianças e outro para os funcionários.

71

Além dos espaços mencionados, ela também possui sala dos gestores, da secretária e dos

professores, uma sala de informática para os alunos e, infelizmente, não há biblioteca.

Essa escola é administrada por uma diretora e uma coordenadora pedagógica,

ambas formadas em Pedagogia, e nela trabalham um total de 19 professores, 12 funcionários e

430 alunos. Durante a pesquisa foi notório o acompanhamento da gestão no processo de

ensino e na assistência às professoras. A escola passa por um período de preocupação sobre a

avaliação, embora ainda se mantenha no padrão desejável nessa avaliação. Em 2013, houve

uma queda de 5,2% nos índices apontados pelo SPAECE-alfa 2013, avaliação que avalia o

nível de escrita e leitura dos alunos do 2º ano. Por esse motivo, as gestoras intensificaram o

acompanhamento às turmas de alfabetização de 1º e 2º ano do Ensino Fundamental.

A escola B é uma instituição pequena e, consequentemente, sem espaços amplos.

Antes de se tornar escola, o prédio era utilizado como Secretária de Educação do Município, e

por esse motivo, as salas são pequenas e pouco arejadas. Não houve nenhuma reforma para o

aumento do tamanho das salas devido ao pouco espaço do terreno. O pátio se localiza em uma

parte coberta, como se fosse um salão interno. Não há parquinho e as atividades de recreação

são pouco diversificadas.

O ambiente escolar é enfeitado com pinturas e desenhos infantis. Existem 10 salas

e funcionam 20 turmas divididas no período da manhã e da tarde. Há uma sala de informática

para os alunos e uma pequena biblioteca climatizada, porém oferece um acervo de livros

consideravelmente pequeno. Os banheiros não são adaptados para o tamanho das crianças. O

lanche é servido nas salas, pois a cantina é usada como sala para os professores.

O grupo gestor, composto por uma diretora e uma coordenadora, fica em uma sala

muito pequena. Na escola há 25 professores (entre os professores titulares e os professores

que substituem os titulares para que estes realizem seu planejamento) e aproximadamente 10

funcionários, e um total de 520 alunos. Durante as visitas não ficou nítido o acompanhamento

por parte da coordenação, embora a escola tenha ótimos índices no padrão de desempenho

divulgado pela avaliação SPAECE-alfa. Os últimos resultados apontam o aumento de 6,1%

nos índices em 2013, mantendo a escola em um padrão desejável.

Vale ressaltar, que ambas as escolas se dispuseram a contribuir com a pesquisa,

não apresentando dificuldades em aceitar o acompanhamento de seis semanas nas escolas.

72

Tanto as gestoras como as professoras se mostraram hospitaleiras, ajudando sempre que foi

necessário, revelando, assim, a importância destas para a concretização deste trabalho.

4.1.1 Perfis das Professoras e dos alunos

Participaram da pesquisa duas professoras concursadas, com 200 horas-aula de

carga horária divididas em 8 horas diárias de trabalho. Portanto, além de trabalhar no 1º ano,

elas também lecionam em outras turmas do Ensino Fundamental. Quanto à remuneração, as

duas ganham em média de 2 a 3 salários mínimos.

A professora da escola A tem 45 anos, possui nível superior em Letras e Pós-

graduação em Linguística e está exercendo o magistério há 22 anos. Na escola investigada já

trabalha há cinco anos. No entanto, é a primeira vez que trabalha no 1º ano e com a

metodologia do PAIC, porque sempre gostou mais de ensinar turmas da Educação Infantil.

Foi mediante uma necessidade da escola que ela teve que ser remanejada para o 1º ano.

A professora da escola B tem 39 anos e sua formação inicial é o magistério

pedagógico. Atualmente, está cursando o terceiro semestre do curso de Pedagogia. Trabalha

na escola há três anos, com turmas do 1º ano. Porém, admite que sempre teve preferência por

ensinar turmas de 3º a 4º anos do Ensino Fundamental, pois os alunos são mais autônomos.

Quanto aos alunos, participaram da pesquisa sessenta e quatro, dos quais trinta e

seis são meninos e vinte e oito meninas. Os alunos são da mesma faixa etária, entre seis e sete

anos de idade. A maioria deles reside nos bairros próximos às escolas e fez a educação infantil

na própria instituição onde estudam.

De acordo com os dados fornecidos pelas escolas, as famílias das crianças, em sua

maioria, têm baixa renda e muitas sobrevivem dos programas do Governo Federal. Em alguns

casos há pais que trabalham em fábricas ou no comércio local.

Embora exista uma grande proximidade entre as escolas, notamos que o

comportamento dos alunos é um pouco diferente. Na escola A, eles são mais disciplinados e

temem mais a professora, e isso faz com que o processo de ensino seja mais organizado, pois

não presenciamos cenas de violência e nem de agressões entre eles. Na escola B, os alunos

são mais inquietos e dispersos, conversam bastante e em alguns momentos foram agressivos

73

uns com os outros, fazendo com que a professora tivesse que chamar a atenção deles inúmeras

vezes, para que prestassem atenção à aula.

4.2 ANÁLISE DA PROPOSTA, ROTINA E PLANOS DO PAIC

Para compreendermos como ocorre o processo de alfabetização proposto pelo

PAIC é fundamental examinar o material e a rotina didática que deve ser seguida pelos

professores. Nos capítulos anteriores já informamos que a proposta e o material foram

elaborados por uma equipe de professores coordenados por Maria Amália Simonetti Gomes

de Andrade7 em parceria com a SEDUC.

Inicialmente, o material criado foi destinado às turmas de 1º ano, constituído pela

proposta didática “alfabetizar letrando”. Essa proposta traz uma reflexão teórica sobre o que é

cada etapa, envolve temáticas e objetivos de aprendizagem diferentes e obedecem a um

seguimento de rotinas diárias.

O material do 2º ano ficaria a cargo de editoras privadas, que desenvolveriam

livros didáticos com base na proposta utilizada pelo 1º ano. Contudo, no ano de 2014, a Seduc

resolveu também criar um material para o 2º ano. Acreditamos que essa é uma medida para

tentar baratear os gastos municipais com o uso de editoras e tentar superar uma queda

verificada no nível de proficiência dos últimos dois anos.

Informamos que o plano inicial da pesquisa era de acompanhar tanto turmas do 1º

ano quanto turmas do 2º ano do Ensino Fundamental. Contudo, com a mudança na produção

do material para o 2º ano, houve atraso na entrega, o que implicou na desistência de

acompanharmos essas turmas, pela falta de material de análise.

Os materiais do 1º ano chegaram ao início do final do mês de março, quase dois

meses após o início do ano letivo. Entretanto, o material do 2º ano até o final de maio ainda

não havia sido entregue às escolas. Diante desse impasse, procuramos a secretaria de

Educação do município de Limoeiro do Norte em busca de uma justificativa para o atraso dos

materiais. Conforme a secretaria municipal de Limoeiro do Norte, houve um problema na

produção e no fornecimento desses materiais, o que ocasionou o atraso na entrega.

7 Professora da Universidade Federal do Ceará, estuda os seguintes temas: educação infantil, educação

matemática, letramento e alfabetização.

74

Segundo informações dadas pelas escolas, o material do 2º ano chegou somente

no mês de junho, faltando poucos dias para o final do primeiro semestre letivo. Isso nos leva

a refletir sobre a eficiência do Programa PAIC, que não realiza a entrega dos materiais no

início do ano letivo. As coordenadoras das escolas admitem que todos os anos os livros

somente são entregues após as aulas terem iniciado e cerca de dois meses de andamento das

aulas. Enquanto esse material não chega, o professor acaba utilizando cópia xerografada dos

materiais dos anos anteriores para realizar as atividades com os alunos.

Essa é uma ocorrência que deve ser repensada pelos gestores das secretarias

municipais e também do estado, que são aqueles que fornecem o material. O que nos parece é

que para a coordenação do PAIC, este atraso não incide negativamente na alfabetização dos

alunos, pois é visto como algo permissível e natural. Não percebemos que havia

questionamentos de nossas autoridades e nem mesmo das secretárias municipais sobre esse

atraso e o que importava era mostrar dados estatísticos com excelentes resultados. Na

verdade, nossa educação básica ainda sofre com o descaso público e, consequentemente, com

a falta de qualidade. Enquanto isso, escolas e professores devem “aprender” a lidar com as

dificuldades e a falta de condições necessárias à aprendizagem dos alunos.

Quanto a analisar o material fornecido pelo PAIC do 1º ano, cada professor recebe

uma Proposta Didática para Alfabetizar e Letrar e um conjunto de 18 cartazes para expor na

sala, conforme as etapas estudadas. Já os alunos, recebem um caderno de atividades que

delimita a atividade a ser feita a cada dia da semana, obedecendo à rotina proposta pelo PAIC.

O caderno vem com as cartelas didáticas de análise estrutural e fonológica e fichas com

numerais, letras do alfabeto, palavras que servirão para o preenchimento dessas cartelas. Vale

destacar que esses materiais são destacáveis e individuais. Os alunos também recebem um

livro de histórias, Parece...mas não é, que será usado por todo o ano letivo. Esse livro é rico

em gravuras e pequenos textos e tem o objetivo de despertar o interesse do aluno pela leitura.

Ao examinar esse material do PAIC, aferimos que a “Proposta Didática para

Alfabetizar e Letrar” contém algumas reflexões teóricas sobre a alfabetização e o letramento;

sobre o uso da teoria construtivista como processo de compreensão do desenvolvimento da

aprendizagem da criança e o uso da linguística para a aquisição da leitura e da escrita. Porém,

esses textos são bem sintetizados e não oferecem um conhecimento mais amplo acerca das

teorias. A finalidade da proposta é a inserção da rotina didática a ser utilizada em sala de aula,

com sugestões de atividades, jogos e, principalmente, com orientações e objetivos de

75

aprendizagem a serem alcançados em cada aula. É a partir da inserção desses tempos

didáticos na rotina que o professor deve elaborar seus planos de aula.

A proposta é muito interessante na medida em que indica o uso de diferentes

temas e gêneros textuais, como o uso de travas-língua, adivinhas, charadas, parlendas,

músicas, receita, lendas, contos, fábulas e textos informativos. E também tem sugestão sobre

o uso de diversos jogos como bingo, boliche, baralho, dominó, jogo da memória, pescaria,

quebra-cabeça, trilhas, caça-palavras, o que poderá despertar maior interesse dos alunos pelo

conhecimento, fazendo com que eles se envolvam em atividades práticas socializadas.

Entretanto, a proposta poderia melhorar a questão da reflexão teórica

disponibilizada aos professores e criar melhores oportunidades de leitura para que eles tenham

uma maior compreensão do tripé que fundamenta a proposta: o construtivismo como teoria

epistemológica; a linguística como Ciência da Língua; a didática como práxis pedagógica.

Compreendemos que o professor é muito importante no processo de ensino e de

aprendizagem, e quanto mais preparado ele estiver para alfabetizar e letrar, melhor ele poderá

desempenhar seu papel de alfabetizador.

Em relação ao caderno de atividades do aluno, vimos que ele disponibiliza

atividades que devem acompanhar os tempos da rotina didática. Contudo, algumas dessas

atividades são repetitivas, seguem sempre o mesmo processo, chegando a ser técnicas e

mecanizadas. Embora possibilitem a construção da consciência fonológica e estrutural das

palavras, não são atividades que despertem maior interesse dos alunos.

Além disso, um fato bastante intrigante é que esse caderno de atividades

permanece praticamente o mesmo desde o início do Programa, em 2007. Ou seja, quase não

houve mudanças no padrão dessas atividades. Para o professor que trabalha há muito tempo

com o PAIC, realizar as mesmas atividades tem se tornado uma tarefa enfadonha e

desestimulante e faz com que ele também não tenha entusiasmo para tornar o material atrativo

às crianças. É interessante destacar que o Programa estimula que o professor reavalie sua

prática pedagógica para verificar se os objetivos da aula foram alcançados, no entanto, o

próprio Programa compromete essa prática de reavaliação quando não possibilita a renovação

dos materiais e das atividades propostas.

O Programa oferece um caderno de registro para que o professor acompanhe o

processo de desenvolvimento dos alunos e para que possa realizar as intervenções necessárias

76

e reorientar sua prática. Conforme Luckesi (2002), a concepção de utilizar a avaliação como

reorientação da prática pedagógica é fundamental, pois o professor poderá alterar a sua prática

e realizar as intervenções necessárias para melhorar a aprendizagem dos alunos.

O caderno de registro disponibiliza um mapeamento com atividades do caderno

do aluno que poderão ser utilizadas para avaliar os alunos conforme o seu desenvolvimento e

nível de aprendizagem. É um caderno bastante complexo que precisa do conhecimento do

professor sobre a teoria da Psicogênese da Língua Escrita, de Emília Ferreiro, e sem esse

conhecimento, dificilmente o professor terá êxito em avaliar a aprendizagem dos alunos.

Além da necessidade de conhecer a Psicogênese da Língua Escrita, o professor

também deve conhecer práticas ligadas à alfabetização e ao letramento. Desse modo, o

programa também oferece um acervo de livros paradidáticos, chamado de Coleção PAIC -

Prosa e Poesia, com 24 títulos diferentes. Anualmente existe a renovação desses livros com

novas histórias e que envolvem diferentes gêneros textuais e abrangem especificidades da

região nordeste. O intuito de utilizar gêneros diversificados é justamente inserir a criança no

ambiente letrado, com o objetivo de que elas possam conhecer e interagir com os diferentes

tipos de textos e narrativas. Os professores também são orientados a disponibilizar jornais,

revistas, gibis, receitas e outros tipos de gêneros textuais.

Esse provavelmente é um dos pontos mais positivos do Programa, pois muitas

escolas carecem de biblioteca e de livros paradidáticos, e os livros dessa coleção são atrativos,

cheios de gravuras, com peculiaridades do contexto dos alunos, sem deixar de abordar

elementos de outras regiões, proporcionando às crianças a capacidade de viajar através do

mundo da leitura.

Segundo Solé (1998), no período da alfabetização é fundamental que se motive os

alunos ao interesse pela leitura, fazendo com que eles compreendam que a leitura é um

processo de interação entre eles e o texto com finalidades próprias e objetivos que guiem sua

leitura, como obter informações, por exemplo.

Portanto, ao estudarmos a proposta e o material do PAIC, é possível concordar

que ele oferece uma gama de possibilidades de aprendizado; incentiva a aquisição da leitura e

da escrita; oferece o conhecimento de diferentes gêneros textuais; possibilita o uso de jogos e

do lúdico para enriquecer as atividades diárias. Todavia, é necessário que haja atualização e

revisão dos materiais e atividades em busca de facilitar e melhorar a atuação dos professores,

pois só assim eles poderão melhorar também o processo de ensino e de aprendizagem.

77

4.2.1 Rotina e planos de aula

O PAIC propõe uma rotina didática para alfabetizar e letrar e que deve ser

utilizada diariamente. Ela está dividida em tempos distintos e deve ser executada em 90

minutos (sugestão da proposta). Conforme Andrade (2009, p. 38), os tempos são:

Tempo para gostar de ler (15 min): o objetivo é formar o leitor. Esse é um momento

livre em que o professor deixará que os alunos interajam livremente com os livros para

que eles desenvolvam o prazer pela leitura. O professor deve oferecer uma diversidade

de livros e outros gêneros textuais deixando os alunos à vontade para manuseio e

leitura;

Roda de leitura e oralidade (15min): o objetivo é a aquisição da leitura e o

desenvolvimento da fala. Esse é o momento em que o professor irá interagir com os

alunos, indagando-os sobre os livros e gêneros, produzindo textos oralmente e

incentivando a leitura e a criatividade;

Lendo e compreendendo (30min): o objetivo é a reflexão e a compreensão da leitura.

Tempo que desenvolve a consciência fonológica e a compreensão dos textos

estudados;

Aquisição da escrita (30min); o objetivo é a aquisição da escrita e a formação do

produtor de textos (escrevendo do seu jeito). O professor deve incentivar a autonomia

do aluno na aprendizagem da escrita, auxiliando-os nessa produção espontânea.

Esses tempos pedagógicos funcionam como sequências didáticas para que os

professores tenham uma orientação sobre o que deve fazer em cada parte da aula, de modo a

evitar o desperdício de tempo. As contribuições das sequências didáticas para o ensino dos

gêneros textuais são muitas, conforme Dolz, Noverraz & Schneuwly (2004, p. 55):

O procedimento sequência didática é um conjunto de atividades pedagógicas

organizadas, de maneira sistemática, com base em um gênero textual. Estas têm o

objetivo de dar acesso aos alunos as práticas de linguagens tipificadas, ou seja, de

ajudá-los a dominar os diversos gêneros textuais que permeiam nossa vida em

sociedade, preparando-os para saberem usar a língua nas mais variadas situações

sociais, oferecendo-lhes instrumentos eficazes para melhorar suas capacidades de ler

e escrever.

78

Segundo Zabala (1998), a sequência didática é “uma forma de encadear e articular

as diversas atividades didáticas ao longo da aprendizagem de um conceito”, na qual permite a

(re)construção dos conhecimentos ao articular os conhecimentos prévios aos novos

conhecimentos a adquirir. O autor defende que o uso das sequências didáticas podem ser

enriquecedoras para o processo de ensino, pois permitem uma ligação entre as diferentes

etapas da aprendizagem. Assim, o uso de sequência didática, proposta pelo programa,

contribui para o desenvolvimento do conhecimento dos alunos e para das ações dos

professores.

No entanto, a rigidez da rotina e das orientações metodológicas do PAIC

compromete a autonomia do professor, que mesmo diante das dificuldades e da

heterogeneidade dos alunos, não pode suspender as atividades da rotina, mesmo que seja por

pouco tempo. Esse rigor faz com que se ponha em dúvida o papel do professor em sala de

aula, pois ele passa a ser visto como um mero executor de uma rotina preestabelecida.

Freire e Macedo (1990) discutem esses programas de alfabetização

predeterminados e preestabelecidos, que tiram o significado real do aprendizado ao

menosprezar a cultura e a voz dos sujeitos que fazem parte do processo e torna a alfabetização

um processo mecanizado.

Diante dessa interposição, percebemos o quanto o PAIC pode limitar a autonomia

didática do professor, submetendo-o a técnicas de alfabetização prontas. Em vista disso, existe

uma falta de autonomia do professor em relação à execução da rotina e dos conteúdos

preestabelecidos a serem pensados. O professor deixa de utilizar outros meios, que poderiam

melhorar o rendimento dos alunos, para se restringir às orientações e recursos do PAIC.

Em relação aos planos de aula, há um modelo padronizado pelo Programa. O

plano delimita os tempos da rotina do PAIC, a aquisição da leitura e da escrita, que deve ser

cumprida no primeiro horário de aula (7h às 8h30min). O segundo tempo, após o intervalo

(9h às 11h), deve ser dedicado às outras disciplinas e necessidades de aprendizado dos alunos,

como matemática, história, geografia, artes e outras. Na maioria dos municípios os planos são

criados pelos professores conjuntamente, com base na proposta didática, nos encontros das

formações do Programa. No tópico em que analisamos a formação docente ficará mais claro

como ocorre o processo de elaboração dos planos de aula.

79

4.3 ACOMPANHAMENTO PEDAGÓGICO

4.3.1 Observações na escola A

Antes de analisar como as professoras realizam a rotina didática e utilizam a

metodologia do Programa, resolvemos descrever um pouco sobre como ocorre o dia a dia das

turmas acompanhadas e a ação das professoras. Durante o período de seis semanas

acompanhamos as duas escolas, nos meses de março e abril, para verificar a prática das

professoras que utilizam a proposta do alfabetizar letrando e observar o ambiente de

aprendizagem, os planos de aula e o processo de ensino e de aprendizagem.

O acompanhamento às escolas foi sumariamente importante para analisar a

metodologia e a rotina do PAIC; as ações das professoras; o acompanhamento pedagógico por

parte da gestão; o processo de ensino e de aprendizagem; a disponibilidade de materiais e a

formação oferecida aos alunos. Nos tópicos seguintes ponderamos sobre alguns fatores

relevantes das observações e do diário de campo. Esclarecemos que nosso objetivo não é

comparar o uso do PAIC em escolas diferentes, no entanto, foi necessário descrever os pontos

de observações separadamente, conforme a experiência em cada escola.

Ambiente da sala de aula

Inicialmente, o primeiro passo da observação foi verificar o ambiente da sala de

aula e nós percebemos que era um espaço amplo, com janelões e boa ventilação. A sala estava

bem limpa e tinha bastante ornamentação com cartazes, gravuras, alfabetos, números, listas

do nome dos alunos, calendário e um pequeno espaço denominado “Cantinho da Leitura”,

com alguns livros à disposição dos alunos. Consideramos que esses recursos colaboram com a

proposta do programa ao envolver a criança em um ambiente letrado, no entanto, a professora

dessa sala pouco explorava esses materiais, utilizando-os muito mais como parte da decoração

do que como recurso para a aprendizagem.

Uso dos materiais didáticos

Durante as observações, a professora utilizou os materiais presentes e que vêm

no kit do aluno e também os materiais confeccionados por ela, como cartelas, fichas, cartazes,

jogos. Nas aulas de matemática o uso de material concreto era mais presente, entretanto,

80

presenciamos poucas aulas destinadas ao ensino das demais disciplinas. O tempo de aula era

mais dedicado às atividades de aquisição da leitura e da escrita.

Em relação ao uso de livros paradidáticos, a maioria dos livros usados em sala

era da coleção “PAIC Prosa e Poesia”. A escola não possuía biblioteca e tinha poucos livros

paradidáticos. Várias vezes ouvimos o relato da professora afirmando que no plano de aula, o

Tempo para Gostar de Ler trazia sugestões sobre o uso de histórias diversificadas, gibis,

revistas, jornais etc. Entretanto, a escola não tinha esses materiais e ela sempre acabava

utilizando a Coleção do PAIC. Isso é um aspecto negativo encontrado nessa escola, pois os

alunos não tinham um espaço destinado à interação com a leitura fora da sala de aula e, além

disso, a escola também oferecia poucos recursos e poucas variedades de portadores de texto.

Consequentemente, vimos que no decorrer da pesquisa os alunos perdiam o interesse pelos

livros da Coleção PAIC, por serem conhecidos e considerados sempre “iguais”.

Alguns alunos que tinham outras coleções de histórias em casa, levavam-nas

para a escola e pediam que a professora lesse, porém, ela dizia que aquele tempo era dedicado

para que eles ficassem à vontade com os livros e não para ela ler. Esse não foi o único

momento em que ela se recusou a realizar a leitura para os alunos. Várias vezes as crianças

pediam que ela lesse os cartazes expostos nas paredes, mas ela se recusava, afirmando “esse

não é o momento”, apesar de haver na sala um “cantinho da leitura” e vários cartazes que

poderiam ser utilizados para incentivar a leitura das crianças. A professora quase não interagia

e nem facilitava a interação das crianças com esses materiais.

Desse modo, é necessário que o professor reconheça sua importância para a

aquisição da aprendizagem, que incentive e intervenha para a construção de novos

conhecimentos pelo aluno. De acordo com Braggio (1992), a função do professor é observar o

educando, problematizar, intervindo sempre no sentido de possibilitar a reflexão de cada

aluno:

O professor como mediador da leitura ainda é um dos grandes desafios a ser

enfrentado, pois a alfabetização envolve um processo de elaboração de hipóteses sobre a

representação linguística e, durante décadas, a alfabetização foi entendida como

decodificação, aquisição de um código, associação de sons e letras para produzir palavras

suficientes para alfabetizar (FREIRE, 1991 apud KLEIMAN, 2008, p. 48).

Os planos de aula

81

Pedimos à professora cópias dos planos de aula utilizados e ela nos forneceu sem

nenhum impedimento. Verificamos que ela seguia corretamente as atividades do plano, com

algumas falhas no uso dos materiais, por não ter ou não saber usá-los corretamente. Quase

sempre a professora excedia o tempo dedicado à aquisição da leitura e da escrita e o uso dos

materiais do PAIC. Conforme o plano de aula, o tempo das atividades do PAIC devia ocorrer

de 7h às 8h30min, porém a aula nunca começava às 7h, iniciando por volta das 7h15min, isso

ocorria porque alguns alunos chegavam atrasados ou iam participar dos momentos coletivos

no pátio da escola. Por esses motivos, o tempo da rotina já iniciava com atraso e sempre

estendia o prazo estabelecido. Além da demora no início das aulas, atribuímos a extrapolação

no tempo de aula a diversos fatores, como o excesso de atividades para um único dia; as

necessidades de aprendizado individuais dos alunos; e o grande número de alunos para uma

única professora.

A prática docente

A professora nos recebeu muito bem e cooperou bastante com a pesquisa e em sua

ação pedagógica, por vezes, mostrou-se rígida e afeita à disciplina. Sempre ela procurava

chamar a atenção dos alunos para que eles se concentrassem na aula. Em alguns momentos

vimos que ela repreendia demais os alunos, principalmente quando alguns se adiantavam em

algumas atividades. Essas atitudes mostraram que ela não incentivava a autonomia dos alunos

no exercício das atividades

Notamos ainda que a professora não incentivava a construção das relações

afetivas entre as crianças e nem demonstrava carinho pelos alunos. Trabalhar e promover a

afetividade nessa idade é fundamental para o desenvolvimento das crianças, pois a afetividade

faz parte da formação e da humanização dos alunos e, assim como o aspecto cognitivo, o

aspecto afetivo também deve ser incentivado.

A vida afetiva, como a vida intelectual é uma adaptação contínua e as duas

adaptações são, não somente paralelas, mais interdependentes, pois os sentimentos

exprimem os interesses e os valores das ações, das quais a inteligência constitui a

estrutura (PIAGET, 1971, p. 271).

O afeto se desenvolve no mesmo sentido que a cognição ou a inteligência.

Segundo Wallon (1989), um importante teórico do desenvolvimento humano que centraliza

seus estudos no aspecto afetivo, a criança já chega ao mundo como um ser afetivo, sendo que

a afetividade e a inteligência estão imbricadas. Assim, através dos vínculos afetivos as

crianças serão capazes de fazer parte do meio social. A partir desse processo, segundo

82

Wallon, a pessoa vai-se construindo e se constituindo humana, através da sucessão pendular

de momentos afetivos e cognitivos. Isso implica em que a afetividade depende das conquistas

cognitivas e as aquisições cognitivas dependem do desenvolvimento afetivo. Desse modo, a

afetividade também é um importante aspecto para a aprendizagem da criança.

A respeito das metodologias utilizadas nas aulas, vimos que são bastante

diversificadas e atrativas, com materiais confeccionados pela própria professora e sugeridos

nos planos de aula. Sempre que necessário, a professora pedia o auxílio à coordenadora,

especialmente quando o plano continha atividades que a professora não conseguia realizar

sozinha com os alunos. Essa relação de reciprocidade entre professora e coordenadora foi

vista como algo bastante positivo.

Por ser a primeira vez que a professora trabalhava com o PAIC ela ainda não

dominava as técnicas metodológicas do programa, pois várias vezes mostrou-se atrapalhada

com o uso dos materiais, utilizando-os de forma incorreta, o que não favorecia a

aprendizagem dos alunos. Observamos que ela não sabia avaliar os alunos conforme os

pressupostos da Teoria da Psicogênese da Língua Escrita, teoria usada pelo programa para

fazer o diagnóstico do nível de aprendizado dos alunos. Por esse motivo, ela não preenchia o

caderno de registro disponibilizado para acompanhar as etapas de desenvolvimento dos

alunos.

Ao fazermos uma análise sobre o seu caderno de registro, vimos que ele era bem

complexo, necessitava de entendimento e tempo para o seu preenchimento. O ideal é que

houvesse uma intervenção por parte da equipe de formação do Programa para auxiliar os

professores que ainda não sabem preenchê-los para realizar o diagnóstico dos alunos. Faz

parte da formação do Programa o auxílio ao professor e de dar as instruções sobre como ele

pode utilizar esse caderno e não somente no preenchimento, mas principalmente em como

avaliar corretamente a aprendizagem dos alunos, pois os diagnósticos e os registros, poderão

facilitar a reflexão do professor sobre sua ação docente.

Mesmo diante desses impasses, a professora mostrou interesse em aprender a

técnica e conhecer melhor os materiais, mostrou-se aberta a sugestões e ao acompanhamento

da coordenação e, por vezes, também pediu a opinião da pesquisadora na busca de caminhos

que melhorassem suas ações pedagógicas.

83

4.4 OBSERVAÇÕES NA ESCOLA B

Ambiente da sala de aula

Na escola B, a sala de aula é muito pequena, quase não há espaços para que os

alunos e a professora se movimentem e o piso está praticamente todo solto. Além disso, a

turma é numerosa, tem 34 alunos, o que dificulta ainda mais o trabalho da professora. As

cadeiras também são velhas e ficam muito próximas umas das outras e são organizadas em

um círculo e com filas no centro, o que permite conversas paralelas na hora da aula. Há

cartazes espalhados pelas paredes com alfabeto, gravuras, listas de nomes.

Podemos dizer que o ambiente não é muito favorável ao aprendizado e, por ser

pequeno, o espaço não permite que a professora realize atividades em roda ou no chão, o que

é muito proposto pelas atividades do PAIC. Essa falta de espaço fez com que várias atividades

do programa não fossem realizadas como estava no plano de aula.

Uso dos materiais didáticos

A professora não utilizava todos os materiais do PAIC e não confeccionava todos

os materiais que o plano exigia, e ela pedia à coordenadora para fazer fichas e cartazes no

computador. A maioria das aulas era de execução do caderno de atividades. No entanto, ela

explorava todos os materiais expostos em sala, lia para os alunos e demonstrava tranquilidade

no uso da rotina do PAIC, mesmo não o seguindo corretamente. No tempo “Para Gostar de

Ler”, ela deixava que os alunos manipulassem os livros à vontade e, algumas vezes, ela

mesma escolhia algumas histórias e realizava a leitura e os alunos ficavam sempre

encantados.

Os planos de aula

Os planos de aula eram iguais aos da outra escola. Notamos que a professora, na

maioria das vezes, só lia o plano na hora que chegava à sala de aula e, só depois pedia que a

coordenadora confeccionasse os materiais no computador, o que causava atraso no início da

rotina. Algumas vezes, quando o uso dos materiais requeria maior complexidade, ela não

seguia o plano e realizava a leitura de livros paradidáticos do PAIC, lia o texto em cartaz,

explorava as palavras e realizava as atividades do caderno do aluno.

84

Vale destacar que muitas atividades do Programa deveriam ser realizadas em

círculo, duplas, grupos e necessita-se de espaço para isso. Como não havia na sala espaço

suficiente, a professora pulava algumas sugestões ou, quando era possível, levava os alunos

ao pátio da escola e realizava algumas atividades sugeridas. Em seus relatos, a professora

esclareceu-nos que se obrigava a não realizar algumas atividades porque não havia espaço

suficiente na sala para executá-las.

Prática docente

As aulas dessa professora nos despertaram uma postura de dualidade. Observamos

algumas aulas atrativas e lúdicas que despertavam o interesse dos alunos, com metodologias

que nem mesmo havia nos planos de aula, principalmente às segundas e sextas-feiras, dias em

que deveriam ser trabalhados trava-línguas, parlendas e advinhas. Contudo, ela também

ministrou aulas sem nenhuma preparação e em alguns momentos a aula simplesmente não

fluía, pois ela ficava o tempo todo chamando a atenção dos alunos para que eles ficassem em

silêncio, e em outras vezes ela os deixava conversar e agia como se nada estivesse

acontecendo.

A demora na execução das atividades foi o que mais chamou nossa atenção, pois

ela desperdiçava muito tempo de aula. Ela também não confeccionava todos os materiais

necessários para estar de acordo com os planos de aula, e ela alegava que não havia tido

tempo para preparar. Não notamos nenhum tipo de acompanhamento ou auxílio pedagógico,

sendo dado à professora por parte da coordenação, a não ser quando a professora pedia para

confeccionar algum material no computador.

Para nossa surpresa, ao averiguarmos seu caderno de registro, notamos que ele

também não havia sido preenchido. Indagamos a ela por qual motivo ela não estava

preenchendo o caderno de registro, e ela explicou que ainda não havia tido oportunidade de

realizar os diagnósticos dos alunos e que o caderno era muito minucioso e exigia grande

disponibilidade. Não ficou claro se ela sabia ou não avaliar os níveis de aprendizado dos

alunos, segundo a Teoria da Psicogênese da Língua Escrita.

4.5 AS TÉCNICAS METODOLÓGICAS DE ALFABETIZAÇÃO DO PAIC

A partir do acompanhamento das aulas, averiguamos como ocorre a aquisição da

leitura e da escrita pela criança e percebemos que todos os objetivos de aprendizado giram em

85

torno de cada “tempo da rotina”. Anteriormente já analisamos a proposta do PAIC e o que ele

almeja em cada “tempo didático”. Agora veremos como ele ocorre na prática. Lembramos que

não queremos generalizar para o uso do Programa em todo o estado, entretanto, teremos que

conhecer como é proposta a sua metodologia.

Tempo para gostar de ler

Esse é um tempo exclusivo para que a criança interaja livremente com livros e

textos. Ela pode manusear e escolher os livros à vontade e interagir com diferentes gêneros

textuais, participar de leituras coletivas, brincadeiras, dramatizações etc.

Nas duas turmas investigadas vimos que o uso desse tempo, na maioria das vezes,

era monótono e pouco produtivo. As duas turmas só utilizavam os livros da Coleção do PAIC

- Prosa e Poesia, mesmo que nos planos de aula e na proposta didática do Programa existam

diversas sugestões como o uso de gibis, revistas, jornais etc. Como elas usavam sempre os

mesmos livros, alguns alunos não se interessavam pela leitura repetida e diziam “de novo

esses livros, tia?”.

De acordo com a proposta do PAIC, esse é um momento livre de leitura das

crianças, porém nada impede que o professor participe, incentive e leia junto com elas. O

PAIC propõe algumas sugestões para serem trabalhadas nesse tempo, como o uso de materiais

diversificados de leitura (revistas, jornais etc.), utilizando estratégias para tornar o momento

mais atrativo à criança com o uso de tapete, de almofadas, de caixa mágica, de maneira que

esses materiais chamem a atenção da criança e incentivem o interesse pela leitura. Mas

durante nossas observações, não presenciamos tal uso, nem mesmo o empenho das

professoras em tornar esse momento interessante e criativo.

Reconhecemos que além do pouco empenho e criatividade das professoras, as

escolas oferecem poucas condições para que haja uma diversificação nesse tempo didático.

Por essa razão, não podemos julgar as professoras pelo desinteresse, pois acreditamos que as

escolas também deveriam proporcionar a elas uma maior diversidade desses materiais de

leitura.

Roda de leitura e oralidade

Esse é o tempo em que a professora deve apresentar o material e os conteúdos que

vão ser trabalhados na aula. Durante as observações houve o uso dos seguintes gêneros:

86

música, parlendas, trava-língua, advinhas, cartelas de alfabeto dos animais e textos

informativos. Os gêneros eram apresentados em forma de texto, em cartaz, e as professoras

apresentavam esses textos aos alunos. Nesse momento, as professoras realizavam leituras do

escrito através de formas diferentes: leitura apontada, pausada, rápida, cantada. Depois de ler

o texto pelo menos duas vezes, elas faziam questionamentos aos alunos sobre que tipo de

texto era aquele e o que eles haviam aprendido sobre o conteúdo. Algumas vezes elas

instigavam o pensamento da criança, em outros momentos, elas apenas realizavam a leitura.

O PAIC recomenda que as etapas seguintes devam ser realizadas com os alunos

acompanhando o caderno de atividades e a professora dando as orientações. Entretanto,

observamos que as duas professoras trabalhavam de forma diferenciada. A professora da

escola A fazia todo o processo metodológico na lousa com os alunos participando, e só depois

realizava as atividades do caderno do aluno. Em contrapartida, a professora da escola B já

pedia inicialmente que eles abrissem o caderno de atividades e fossem acompanhando as

atividades.

Lendo e compreendendo

Essa é a sequência da rotina que permite que a criança leia e compreenda o texto

com o auxilio do professor. Nesse tempo, quase todas as atividades ou as orientações

didáticas da proposta, incentivam os alunos para que possam enumerar as linhas e parágrafos;

procurar, circular e pintar palavras, a partir do comando do professor.

A professora da escola A pedia que os alunos a acompanhassem em uma nova

leitura coletiva do texto, às vezes duas ou três vezes, e depois escolhia alunos para ir até a

lousa para procurar, grifar e pintar palavras. A professora da escola B pedia que os alunos

realizassem uma leitura coletiva, com ela acompanhando no caderno de atividades, depois ia

sugerindo palavras que eles deveriam circular ou pintar já no caderno de atividades.

Ambas copiavam as palavras sugeridas pelo plano de aula na lousa e faziam a

análise estrutural e fonológica dessas palavras destacadas com a ajuda dos alunos. No aspecto

estrutural elas indagavam aos alunos o seguinte: Quantas letras têm ao todo? Qual a primeira

e a última letra da palavra? Quantas letras repetidas? Quais?

No aspecto fonológico elas realizavam as seguintes perguntas: Quantas vezes eu

preciso abrir a boca para falar está palavra? Quantas palmas? Quantas sílabas tem a palavra?

87

Quais palavras iniciam com o mesmo som? Quase todas as atividades do PAIC exigem que as

professoras façam a análise estrutural e fonológica das palavras.

Aquisição da escrita

Nessa etapa da sequência os alunos irão realizar atividades para desenvolver sua

escrita. Essas atividades envolvem: escrever palavras com a mediação da professora,

completar frases, completar quadros de análise estrutural e fonológica de palavras.

A proposta sugere o uso das cartelas didáticas, com o uso das fichas dos numerais,

de letras do alfabeto e gravuras das boquinhas (gravuras que são utilizadas para que a criança

diga quantas sílabas há na palavra, cada gravura de boca representa uma sílaba) que

acompanham o material do aluno. Assim, ao mesmo tempo em que o aluno preenche a cartela

com as fichinhas, eles devem ir escrevendo no caderno de atividades. Essa é uma das

sugestões mais complicadas da proposta do PAIC, pois é muito difícil trabalhar essas cartelas

com os alunos, porque requer muita paciência e interesse por parte das professoras.

Ao tentar utilizar essas cartelas com os alunos, percebemos certo

descontentamento das professoras e o fracasso em tal tentativa. A professora da escola A não

sabia usar as cartelas e teve que pedir ajuda à coordenadora e, mesmo assim, as duas não

conseguiram realizar o procedimento corretamente.

Na escola B, a única vez em que a professora tentou utilizar as cartelas também

não deu muito certo, porque não havia espaço suficiente na sala para que a professora

acompanhasse o que os alunos estavam produzindo. O resultado gerou grande confusão. pois

os alunos misturaram as fichas de uns com as dos outros, rasgaram-nas e alguns até as

perderam. Em vista dessa dificuldade, as professoras não utilizavam regularmente esses

materiais, embora fosse sugestão da proposta e constasse do plano de aula.

A parte final e de aquisição da escrita é “Escrevendo do seu jeito”, na qual o

aluno, com a mediação da professora, deve escrever palavras e textos espontaneamente. Nessa

atividade, observamos que as professoras realizaram ditados e a criação de textos coletivos,

que constavam da sugestão nos planos de aula.

Porém, por vezes, elas escreviam na lousa para que os alunos fizessem a cópia no

caderno de atividades. Sentimos que havia pouco incentivo por parte das professoras, no que

diz respeito ao estímulo dos alunos, para que eles pudessem desenvolver sua escrita.

88

4.6 FORMAÇÃO OFERECIDA AOS PROFESSORES DO PAIC

Ao pensarmos sobre as propostas de capacitação de professores, imaginamos que

esses cursos devem contribuir de forma significativa para a formação crít ico-reflexiva desses

profissionais, de modo a possibilitar e estimular a apropriação de novos conhecimentos; de

autonomia didática; e incentivar a discussão das experiências vividas na escola e das atuais

práticas pedagógicas. Silva (2007) propõe que a função da formação continuada é possibilitar

ao professor a construção de uma prática crítico-reflexiva, abrangendo a vida cotidiana da

escola e o saber derivado da experiência docente.

Dessa maneira, durante a pesquisa, resolvemos acompanhar duas formações do

PAIC, direcionados a professores do 1º ano do Ensino Fundamental, para observar como

ocorre o processo de qualificação dos professores alfabetizadores e como ela pode auxiliar na

atuação desses educadores. Nos encontros que acompanhamos, observamos que a formação

foi dirigida por uma formadora do município de Limoeiro do Norte que trabalha na

coordenação do Programa nessa cidade. Existem casos em que a formadora é enviada pela

Secretaria de Educação e Cultura - SEDUC, como, por exemplo, quando o município está

com um nível de proficiência abaixo do esperado.

Assim como a proposta de alfabetização do PAIC, a formação também segue um

roteiro de execução. Logo no início do encontro, a primeira função da formadora é de sugerir

ideias sobre como trabalhar os livros da Coleção PAIC Poesia e Prosa (coleção de livros

paradidáticos do Programa). Em um dos encontros ela fez o uso de slides, apresentando um

dos livros e sugerindo atividades que as professoras poderiam realizar com os alunos no

“tempo para gostar de ler”. Essa primeira parte da formação deixa claro que as professoras

devem sim interferir no “tempo para gostar de ler” e podem desenvolver metodologias que

despertem o interesse dos alunos pela leitura. Essa visão é diferente do que pudemos ver em

sala de aula, nas quais as professoras observadas demonstraram pouco interesse em tornar

esse tempo atrativo, deixando que as crianças manuseassem os livros de qualquer jeito, sem

nenhuma orientação.

Destacamos, assim, a importância do professor como mediador e facilitador de

práticas de leitura. Conforme Carvalho e Mendonça (2006, p. 180), ao professor, cabe tornar o

hábito de leitura uma prática prazerosa no dia a dia da criança. E esse é um dos maiores

desafios, que é tornar a criança um leitor ativo. Por isso, é fundamental ter recursos didáticos

89

e criar estratégias que possibilitem transformar essas atividades de leitura em momentos de

fruição, de alegria e de prazer.

A forma na qual observamos as professoras utilizarem o momento didático

dedicado à exploração de livros e diferentes gêneros textuais não condiz com o que é

necessário para tornar a prática de leitura um momento prazeroso. Assim, não basta apenas

disponibilizar os materiais, pois a intervenção e o incentivo do professor são importantes

instrumentos de facilitação para que os alunos tornem-se leitores ativos. Para Simonetti

(2009), não basta disponibilizar de livros, textos e recursos. E acreditamos, enquanto

educadores, que é preciso fazer uso da leitura e da escrita práticas cotidianas na sala de aula,

para que as crianças aprendam a ler e a gostar de ler.

Após o momento inicial, com sugestões de como as professoras podem utilizar o

“tempo para gostar de ler” e incentivar o interesse dos alunos pela leitura, a formadora realiza

junto com as professoras estudos sobre reflexões teóricas de autores que contribuem com a

perspectiva de alfabetização e letramento. Em um dos encontros ela dividiu as professoras em

grupos para estudar a teoria da Psicogênese da Língua Escrita e cada grupo ficou responsável

em compreender um nível de escrita para apresentar aos demais colegas. Todas as professoras

receberam o mesmo texto com os conceitos sobre cada nível e com exemplos de como

identificá-los. Cada grupo deveria ler todo o texto e aprofundar seu nível de escrita estudado e

que fora determinado pela formadora.

Observamos que, apesar do texto ser curto, a atividade demorou bastante. Em vez

de iniciar a leitura, vários grupos ficaram conversando sobre assuntos secundários e

demoraram a iniciar a atividade. Presenciamos a falta de interesse das professoras em

participar do momento de estudo oferecido pelo programa e que poderia melhorar sua atuação

docente e facilitar a compreensão delas sobre o nível de desenvolvimento da escrita dos

alunos.

Na hora da apresentação do texto pelas professoras notamos a falta de empenho de

algumas delas, pois algumas apenas citaram partes do texto sem fazer uma reflexão crítica.

Diante disso, a formadora teve que intervir para incentivá-las a falarem sobre as concepções

da escrita a partir do contexto da sala de aula e do nível de seus alunos. A formadora sugeriu

então que elas fizessem intervenções individuais com os alunos que estão no nível pré-

silábico para que eles possam superar esse estágio mais rapidamente. Porém, as professoras

90

afirmaram que é quase impossível realizar intervenções individuais, pois o número de alunos

em sala de aula era muito alto.

Um dos grupos apresentou bem o seu nível de escrita, levantando

questionamentos e respondendo-os junto ao grupo. Também demonstraram, através de

exemplos e brincadeiras, o que todas as colegas poderiam realizar para diagnosticar o nível

dos alunos. Após a apresentação dos grupos, a formadora também explicou com maior

profundidade os conceitos sobre os níveis de leitura e escrita e deu exemplos na lousa de

como poderiam identificá-los.

Além do estudo da psicogênese da língua escrita, também houve a discussão sobre

alfabetização, letramento, atividades estruturantes, portadores de texto, consciência

fonológica, consciência estrutural, recorrendo à perspectiva de Amália Simonetti, uma das

autoras do material do Programa. O estudo desses conceitos se deu por meio de um jogo da

memória, no qual a formadora escolheu algumas professoras para participar do jogo no centro

da sala enquanto que as outras professoras iriam ajudar quem estava jogando a encontrar seus

pares, palavra e conceito. A atividade foi interessante, muitas professoras participaram, houve

o levantamento de questões e o posicionamento de algumas professoras.

Entre os debates, houve um sobre o ensino da letra cursiva e bastão e algumas

professoras não concordavam com a sugestão da proposta didática do PAIC, que orienta as

professoras a priorizarem o uso da letra bastão para ensinar aos alunos. A formadora utilizou

um texto da proposta didática do PAIC que explica porque é melhor iniciar a alfabetização

dos alunos com letra bastão ao invés da cursiva. Mesmo assim, uma das professoras afirmou

que a proposta “sugere” o uso da letra bastão e que elas não são obrigadas a ensinar com esse

tipo de letra.

As professoras iniciaram uma discussão sobre o assunto, mas a formadora

resolveu finalizá-la, afirmando apenas que elas deveriam sim usar a letra bastão. Antes de

finalizar essa discussão, a formadora poderia ter explicado melhor porque defendia o uso da

letra bastão para a alfabetização dos alunos, mas nos pareceu que ela também não sabia

justificar porque o programa recomendava que as professoras alfabetizassem os alunos

começando com a letra bastão.

A formadora também não explicou como se deve preencher o caderno de registro

que avalia o desenvolvimento dos alunos. Na hora de explicar o uso desse caderno

91

novamente, ela dividiu a turma em grupos e pediu que as professoras preenchessem

conjuntamente alguns aspectos, tomando por base alguns alunos sobre os quais se lembravam.

Essa atividade deixou muito a desejar, principalmente pela falta de posicionamento da

formadora, que não soube orientar as professoras no preenchimento do caderno. Acreditamos

que essa falta fez com que as próprias professoras não tivessem interesse ou não soubessem

registrar o desenvolvimento dos alunos para analisar o progresso individual de cada um deles

e nem conseguissem avaliar a sua própria ação pedagógica.

Simonetti (2012) afirma que não existe ensino sem avaliação e é através desse

processo que o professor terá dados concretos de como está a apropriação do sistema

alfabético pelos alunos e o desenvolvimento da leitura e da escrita. Quando as professoras se

abstêm de acompanhar, registrar e analisar o conhecimento do aluno, elas também deixam de

refletir sobre a sua própria prática.

Nesses encontros, a parte da manhã foi dedicada ao estudo de textos e

aprendizagem dos conceitos. Após o horário do almoço, observamos que o tempo seria

dedicado à criação dos planos de aula. Novamente divididas em grupos, as professoras

tiveram que elaborar os planos para o período de uma semana e a formadora separou uma

etapa do mês para os quatros grupos e cada grupo ficou responsável em criar os planos para

uma semana. Nos grupos, as professoras ainda se dividiram para a elaboração de cada dia

separadamente, o que causou ainda maior fragmentação na colaboração e na discussão de

metodologias que poderiam ampliar as possibilidades de promoção da aquisição da leitura e

da escrita, dentro do contexto do letramento.

De acordo com a proposta do PAIC, as professoras devem elaborar os planos de

aula conjuntamente, a fim de que possam discutir metodologias que melhorem a sua prática

pedagógica e sejam condizentes à realidade das escolas, mas estabelecendo conteúdos,

objetivos e atividades a serem executadas. Assim, cada plano deve conter os objetivos de

aprendizagem e os conteúdos que serão trabalhados com a metodologia e os materiais a serem

usados em cada tempo didático, com base na proposta “alfabetizar letrando”.

Além da criação do plano para a aquisição da escrita e da leitura, as professoras

também deveriam criam os planos das demais disciplinas, que deverão ser dadas no segundo

horário de aula. Atualmente, o Programa também oferece sugestões para a elaboração do

plano de matemática e, depois que os planos forem feitos, a Secretaria de Educação do

município ficaria responsável em digitar e enviar os planos padronizados a todas as escolas.

92

Ao analisarmos o contexto dessa elaboração, notamos que a formadora não

contribuiu para a criação dos planos e chegou a afirmar que a elaboração do plano implicaria

em uma forma das professoras terem autonomia. Entretanto, já discutimos a questão da

autonomia do professor no Programa e vimos que deixa a desejar, devido à imposição de que

uma rotina programada seja seguida pela professora. E nos perguntamos: como elas poderão

ter autonomia se devem seguir orientações pragmáticas e preestabelecidas sobre a proposta

didática quando não podem ao menos modificar conteúdos ou se afastar da rotina

programada?

É necessário repensarmos como estão sendo realizadas as elaborações dos planos

e se realmente as professoras estão contribuindo ou apenas transcrevendo as orientações

didáticas. Luckesi (2002) defende que o ato de planejar em nossas escolas ainda está preso a

um ato sem muitos significados. A maior preocupação ainda gira em torno da produção de um

roteiro técnico e bem elaborado, sem o levantamento de questões sobre o tipo de cidadão que

se pretende formar e sobre a análise do contexto social na qual alunos e professores estão

inseridos.

Para Moretto (2007), o ato de planejar é o momento de organizar as ideias e

facilitar ações tanto do professor quanto do aluno. O autor afirma que só a experiência como

professor não assegura competência para ministrar as aulas e é necessário refletir sobre o

contexto social e cultural da comunidade escolar, bem como suas necessidades.

Portanto, não adianta desenvolver os planos tomando como base somente a

proposta didática; é necessário inseri-los à realidade da escola. Os planos devem ser vistos

como um meio que pode subsidiar instrumentos à prática docente, orientando ações que

possibilitem a concretização dos objetivos e das necessidades de aprendizado dos alunos.

Embora o Programa proponha ao professor a reflexão sobre a sua prática, vimos o processo de

criação de planos sendo feito como um ato mecânico e fragmentado, no qual as professoras

apenas seguem orientações didáticas sem discutir ou contextualizar as metodologias por eles

utilizadas.

Enfim, a capacitação do professor no PAIC ainda necessita de modificações e

melhorias que possibilitem uma melhor formação e o bom desempenho do professor

alfabetizador. É indispensável buscar avanços no que diz respeito à preparação do próprio

formador para que ele esteja apto a desenvolver maneiras de integrar e aumentar o interesse

dos professores durante o processo de capacitação docente, pois a falta de interesse das

93

professoras em participar e colaborar para o enriquecimento da própria formação ficou

patente e claro durante nossas observações.

Entendemos o professor como o principal sujeito que pode transformar as

condições de aprendizado dos alunos, e deveria ser do seu interesse a busca por melhorias em

sua prática. É fundamental que eles não só participem, mas também apresentem e imponham

suas visões durante as formações, e que mostrem o que está dando certo, o que não está indo

bem, pois somente assim será possível aprimorar os momentos de capacitação e o

acompanhamento pedagógico por parte dos gestores públicos.

4.7 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS COM AS PROFESSORAS.

Através de entrevistas semiestruturadas, averiguamos a opinião das professoras a

respeito da proposta do PAIC e da implicação do Programa em sua atuação docente. Usamos

tópicos relacionados à metodologia, à rotina, à alfabetização, ao letramento e aos materiais

didáticos. Iniciamos as perguntas indagando-as sobre a formação inicial obtida por elas. A

resposta de uma das professoras chamou nossa atenção.

Eu estou cursando Pedagogia, mas tive que trancar porque estou muito sobrecarregada, não estava dando conta das minhas duas turmas (1º e 4º anos do

E.F), da faculdade e da minha vida familiar. Por isso, optei em parar a faculdade por

um tempo, mas se Deus quiser em janeiro retomarei ao curso porque pretendo sair

do PAIC (Professora da escola B).

A partir desse relato perguntamos à professora ao que ela atribuía essa sobrecarga.

Vejamos o que ela nos disse:

Em partes ao trabalho com o PAIC porque requer muito tempo para a confecção dos materiais, e também, é uma pressão psicológica muito grande para que as crianças

saiam alfabetizadas. Com o número de alunos que eu tenho isso é uma tarefa muito

difícil. E apesar dos avanços de alguns deles, me sinto culpada, pois acho que eu

poderia fazer mais, só que não estou dando conta (Professora da escola B).

Percebemos, pela voz da professora, o sentimento de angústia por não poder

contribuir melhor com o aprendizado dos alunos que não estão acompanhando. Conforme

Gasparini, Barreto e Assunção (2005), as condições de trabalho fazem com que os professores

mobilizem todas suas capacidades físicas, cognitivas e afetivas para atingir os objetivos de

produção escolar, causando-lhes grande esforço ou solicitação de suas funções

psicofisiológicas. Além disso, a falta de preparo dos profissionais docentes para lidar com as

94

novas demandas sociais e problemas ligados ao grande número de alunos por sala, a

heterogeneidade e a indisciplina tornam-se fatores de maior causa de estresse nesses

profissionais, o que poderia implicar negativamente nos processos de ensino e aprendizagem.

Vejamos a posição da outra professora a respeito das atividades exigidas pelo

PAIC, que, segundo ela, causam uma sobrecarga no trabalho docente:

O PAIC puxa muito do professor, principalmente a confecção de materiais. Se eu

quiser seguir o plano e as orientações metodológicas que tem na proposta, todos os

dias tenho que levar material para criar, cortar e confeccionar em casa. Temos que

estar sempre nos esforçando para acompanhar os conteúdos e a rotina, para fazer

aquilo que está na proposta (Professora da escola A).

De fato, a confecção e o uso de materiais diversos é um dos pontos chaves do

Programa, principalmente materiais ligados à diversidade dos gêneros textuais, já que uma

das funções do PAIC é possibilitar o letramento. Ao analisarmos a “Proposta didática para

Alfabetizar Letrando” do PAIC do 1º ano, criada por Amália Simonetti, observamos que no

percurso do ano letivo o professor terá que confeccionar diversos materiais, como bingos,

dominós, baralhos, trilhas, caça-palavras, quebra-cabeças, dentre outros jogos. O uso desses

materiais pretende possibilitar, de forma lúdica e interativa, a alfabetização e o letramento das

crianças.

No entanto, as professoras atribuem sua sobrecarga de trabalho à preparação e a

confecção desses materiais. Perguntamos a elas se o tempo de planejamento não é suficiente

para produzi-los e ambas responderam que não é, principalmente porque elas têm que utilizar

o tempo de planejamento para as duas turmas que ministram, daí uma das turmas sair

prejudicada.

De acordo com o parecer do CNE/CBE nº 9/2009, em relação

à constitucionalidade do § 4º do artigo 2º da Lei Federal n°11.738/2008, na composição da

jornada de trabalho, será observado o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para

o desempenho das atividades de interação com os educandos. Ou seja, 1/3 (um terço) do

restante da carga horária do professor deve ser dedicado ao planejamento das atividades em

sala. Mesmo diante da lei que favorece a categoria dos profissionais da educação,

constatamos, através da fala das professoras entrevistadas, que esse período de tempo ainda

não é suficiente para quem tem carga horária de 200 horas mensais e ministra duas turmas que

utilizam o PAIC.

95

É necessário, portanto, repensar essa questão, verificando como está sendo

realizada a confecção desses materiais e se as professoras disponibilizam de tempo para

produzi-los. Durante o período em que acompanhamos as duas escolas, percebemos em

algumas situações que uma das professoras não estava utilizando os materiais sugeridos pelo

plano, exatamente os materiais que deveriam ter sido confeccionados por ela.

Entendemos que o uso de materiais de leitura e jogos é importante para inserir os

alunos em práticas de alfabetização e letramento, fazendo com que eles se apropriem da

leitura e da escrita de forma lúdica e atrativa. Soares (2012) defende que o letramento é a

participação das crianças em experiências variadas com a leitura e a escrita. É através do

conhecimento e da interação com diferentes tipos e gêneros textuais de materiais escritos que

o aluno aprenderá a utilizar esses materiais tornando-se alfabetizado e letrado.

Nessa perspectiva, indagamos às professoras como elas fazem para promover a

alfabetização e o letramento das crianças e tentam superar as dificuldades dos alunos na

aquisição da leitura, para que estejam aptos a exercer esse conhecimento em suas práticas

cotidianas. De acordo com a professora da escola B:

O PAIC oferece muitos caminhos para inserir as crianças em um espaço de

letramento. Temos os livros da coleção Prosa e Poesia, que são livros muito

enriquecedores e que chamam a atenção das crianças. Nós costumamos usá-los

dentro da rotina no tempo para gostar de ler, aí eles escolhem os livros e leem, seja

pelo próprio texto ou pelas imagens. [...] também sugere que nós utilizemos vários

gêneros como jornais, revistas, gibis, receitas. No decorrer do ano a proposta dispõe do estudo de textos com diferentes gêneros textuais. E eu sempre falo para eles da

importância de saber ler, que a leitura possibilita adquirirmos novos conhecimentos,

conhecer características de outros lugares, obter informações, essas coisas

(Professora da escola B).

Diante do posicionamento da professora, consideramos que as principais ações de

letramento desenvolvidas em sala ocorrem de acordo com a sugestão da proposta do PAIC.

Para Simonetti (2009), a inserção do letramento exige mediação pedagógica e é preciso que o

professor seja capaz de inserir a criança na cultura letrada. Não basta apenas disponibilizar

livros, cartazes, fichas etc., pois é preciso fazer uso da leitura e da escrita como prática

cotidiana na sala de aula.

Compreendemos, pela afirmação da autora Simonetti (2009), que disponibilizar

materiais que possibilitem o letramento não é suficiente para que a criança se aproprie desse

conhecimento. É necessário que o professor faça a intervenção pedagógica, insira a criança

96

em práticas sociais de leitura e de escrita, para que este se torne um hábito prazeroso. Para

isso, é necessário também que haja transformação no significado social dado à leitura nos

próprios projetos educacionais e escolares, porque ainda não conseguem envolver a leitura nas

práticas sociais dos sujeitos.

Solé (1988) afirma que os problemas do ensino da leitura e da escrita não se

restringem propriamente ao método, mas sim ao conceito de leitura, ao papel que ela ocupa no

Projeto Curricular da Escola, às propostas metodológicas utilizadas e à forma como estas são

avaliadas pelos professores.

Portanto, o desafio do professor é conseguir promover mudanças significativas

sobre o papel da leitura no meio social e esse desafio perpassa as ações teórico-metodológicas

para concretizar-se no contexto social da escola ao inserir os alunos em práticas de leitura por

eles já vivenciadas, e assim ocorra a formação de leitores em uma perspectiva crítica e

reflexiva.

Um dos objetivos do PAIC é oferecer ao professor uma metodologia que

contribua para o desafio de tornar a leitura uma prática social significativa. Assim, indagamos

às professoras como elas avaliavam o Programa para a aprendizagem dos alunos. Elas nos

responderam que o programa contribui muito para o aprendizado das crianças, que ele

disponibiliza materiais e ideias atrativas, embora o tempo para a execução de algumas

atividades façam com que se tornem “repetitivas e enfadonhas”, não só para elas, como

também para os próprios alunos.

O PAIC contribui muito para a aprendizagem dos alunos, quando eles pegam o norte

do processo eles aprendem mesmo e eu nem preciso explicar algumas atividades,

eles fazem sozinhos. Mas eu acho que nós professoras deveríamos ter um momento

para usar outros conteúdos relacionados a linguagem e a oralidade, com nossas

próprias ideias, de modo a tentar enriquecer e possibilitar novas atividades, sem ficarmos tão presas ás orientações didáticas da proposta. Os próprios alunos se

cansam de algumas atividades e textos e dizem: de novo isso tia (Professora da

escola B).

Assim, percebemos certa insatisfação nas professoras em ter que seguir sempre o

que estabelece a proposta e as orientações didáticas, sem poder se afastar daquilo que já vem

predeterminado. No entanto, elas reconhecem que o programa possibilita a aprendizagem dos

alunos de maneira atrativa, contradizendo o que já tinham dito anteriormente. Durante toda a

entrevista percebemos certo posicionamento ambíguo das professoras, pois ora elas afirmam

97

que o programa é atrativo e possibilita o aprendizado dos alunos, ora falam que ele as

sobrecarrega e chega a ser repetitivo.

Dando continuidade às entrevistas, perguntamos sobre como elas vêm o uso de

uma rotina pré-determinada.

Por um lado é bom ter a rotina, porque você sabe o que irá fazer e como vai

desenvolver as atividades que promovam o aprendizado dos alunos. Mas, ela

também nos limita, pois não podemos trabalhar outras coisas. Nas segundas e sextas, que são os dias mais flexíveis, eu tento dar mais um pouco de mim nas aulas,

trocando os horários das disciplinas e usando materiais que não estão no plano, pra

ver se não fica tão monótono, mas não é sempre que faço isso, pois tenho medo de

chegar alguém para fiscalizar. Uma vez chegaram aqui na escola e pegaram uma

professora que não estava seguindo as orientações do plano de aula, e eles deram

uma bronca nela (Professora da escola A).

O uso de rotina é muito importante, pois ela orienta a prática do professor, de

modo que ele não desperdice o tempo de aula, e porque a rotina também faz com que as

crianças se adaptem às ações cotidianas na escola. De acordo com Mantagute (2008), a rotina

faz com que a repetição de determinadas práticas dê estabilidade e segurança aos sujeitos.

Saber que depois de determinada tarefa ocorrerá outra, diminui a ansiedade das pessoas,

sejam elas grandes ou pequenas.

Entretanto, isso não significa que a rotina deverá ser rígida e inflexível. Não é

função dela limitar ou tirar a autonomia do professor na escolha de conteúdos, materiais e

atividades. Ao contrário, a rotina deve existir para auxiliar a prática docente e possibilitar

adequação ao ritmo das crianças e do próprio professor. Consequentemente, deve sofrer

modificações e inovações sempre que for necessário, para que seja modificado aquilo que não

está dando certo.

Soares (2003) defende que a rotina deve possibilitar ao professor a reflexão e a

criação dos objetivos da aprendizagem, definindo ações e procedimentos que devem facilitar a

alfabetização das crianças, e não estabelecer apenas prescrições de uma prática rotineira.

As professoras do PAIC afirmam que a rotina do Programa é muito rígida e com

muitas atividades a serem executadas em um único dia, o que ocasiona sua sobrecarga.

A rotina deveria ser mais flexível e ter menos ações para um único dia. Às vezes é

tanta coisa pra fazer que eu não consigo nem respirar e nem os alunos. Acaba que as

atividades do Paic se estendem até o segundo horário e quando eles terminam não

conseguem fazer mais nada em outras disciplinas. Eles vem da educação infantil né?

E lá eles não são acostumados a fazer tantas atividades, ai quando eles chegam aqui no 1º ano tem dificuldade de entrar nesse ritmo mais pesado e aqueles que tem mais

98

dificuldades no aprendizado acabam não acompanhando. Eu mesma não tenho como

fazer intervenções individuais porque não dá tempo (Professora da escola A).

Desse modo, é importante que algumas ações desenvolvidas pelo PAIC sejam

repensadas e também reformuladas, sem impor a execução de tantas atividades para uma

única aula. Modificar esse processo rotineiro, no que diz respeito à diversidade das ações

metodológicas, também faz parte da busca de meios que melhorem os processos de ensino e

aprendizagem.

Nesse sentido, indagamos as professoras sobre como elas avaliam as ações

metodológicas desenvolvidas e acompanham a aprendizagem dos alunos:

Avalio as ações desenvolvidas quando reviso o plano para ver se consegui executar

corretamente os procedimentos metodológicos, tento me esforçar ao máximo para

corresponder minhas funções de educadora e contribuir para o conhecimento das

crianças. Já os alunos, acompanho no dia-dia, vejo se eles estão evoluindo na leitura,

mas os diagnósticos que o PAIC pede quem faz é a coordenadora, porque não

consigo diagnosticar direito os níveis de escrita (Professora escola A).

Notamos que a professora se preocupa muito em executar as aulas seguindo o que

está no plano de aula, isso nos leva a entender que embora ela esteja interessada na

aprendizagem dos alunos, o meio que ela utiliza para refletir sobre suas ações ainda está

muito ligado a técnicas tradicionais de ensino, ou seja, ela avalia suas ações com base na

execução correta daquilo que está estabelecido no plano de aula. A seguir, temos a posição da

professora da escola B:

Eu costumo avaliar as aulas a partir dos avanços dos alunos, se eles estão

aprendendo e melhorando é sinal que estou fazendo a coisa certa, se eles não tiverem

aprendendo tento rever minhas ações para identificar o que não está dando certo.

Mas eu reconheço quando consigo dar uma boa aula, mesmo sem avaliar o

desempenho deles, principalmente se eu tiver com problemas pessoais, eu sei que

isso acaba afetando meu trabalho (Professora escola B).

O posicionamento dessa professora vai ao encontro da visão de Libâneo (2004),

que afirma que a avaliação sempre deve ter caráter diagnóstico e processual, pois ela também

ajuda os professores a identificarem aspectos em que os alunos ainda têm dificuldades, para

então refletir sobre sua prática e buscar solucionar as dificuldades de aprendizagem. Luckesi

(2002) defende a necessidade de se utilizar a avaliação diagnóstica de modo que o professor, a

partir dela, busque melhoria no ensino, reorientando sua prática, agindo como um mediador

através de um processo dialógico e problematizador.

99

No PAIC, o momento da avaliação é sumariamente importante, pois é parte

integrante do processo de ensino e aprendizagem. Conforme Simonetti (2012), é a partir da

avaliação que os professores terão dados completos das aprendizagens dos alunos, para fazer

as intervenções necessárias. A avaliação se torna um importante instrumento de

acompanhamento pedagógico.

Finalizamos as entrevistas solicitando às professoras que fizessem uma avaliação

de como o PAIC influencia sua atuação docente.

Acho que o PAIC muda minha atuação, pois a partir dele todas as minhas aulas

ocorrem com base na sua proposta de alfabetização e nas orientações didáticas. Eu

acho que ele exige muito e impõe algo pronto, poderia ser mais livre para que eu também pudesse desenvolver ações com base no nível dos meus alunos, porque

algumas atividades tem o nível muito alto [...] eles poderiam dar mais apoio material

e pedagógico, ás vezes tenho que gastar do meu bolso para produzir os materiais,

porque não é sempre que a escola disponibiliza [...] a verdade é que ainda estou me

adaptando ao uso desses materiais e das orientações, por ser meu primeiro ano com

o PAIC, ainda não sei executar algumas técnicas e tenho que pedir apoio da

coordenação, mas estou me esforçando para dar certo (Professora escola A).

Acho que ele implica numa mudança na atuação de todas as professoras, pois nós

passamos a utilizar orientações padronizadas. Eu acho isso bom, pois assim umas

podem ajudar as outras. Antes de ter o PAIC eu já tinha trabalhado com turmas de

alfabetização e via que a gente ficava muito presa ao livro didático e as técnicas de

silabação B com A, BA; B com E, BE...Trabalhávamos do jeito que dava certo, sem

objetivos concretos [...] E hoje nós sabemos que essa não é a maneira correta de

alfabetizar. Com o programa nós temos um norte, e embora ainda necessite de

muitas mudanças como: modificar os textos, as atividades, algumas orientações didáticas e oferecer mais condições materiais a escola, eu o avalio como sendo

positivo (Professora escola B).

Na avaliação do programa para a atuação docente, as professoras falaram que ele

modifica a maneira de como elas agem em sala de aula, pois elas passam a seguir as

orientações metodológicas da proposta didática do Programa, que são também padronizadas a

todas as professoras. Essa característica faz com que haja uma maior interação entre elas.

Além disso, uma das professoras afirma que o programa modificou a maneira de se

alfabetizar, porque antes elas ficavam presas ao livro didático e às técnicas de silabação.

Esse processo de mudança requer esforço do professor para que ele consiga

trabalhar dentro daquilo que o programa almeja, que é possibilitar a alfabetização a partir da

concepção do letramento. A professora A, ainda está se adaptando ao uso do programa por ser

o primeiro ano do PAIC, no entanto, ela gostaria que ele fosse mais livre para que ela pudesse

realizar ações que se encaixassem melhor com o perfil de seus alunos.

100

A partir da análise das entrevistas percebemos que as professoras apresentaram

posicionamentos parecidos em relação ao Programa, com pontos exitosos e fatores que

precisam ser melhorados. Cabe ao programa ouvir mais a opinião dos professores sobre as

ações desenvolvidas, os materiais pedagógicos necessários e as condições de aprendizado.

Através da posição dos que trabalham diariamente com o programa é que será possível

realizar melhorias que favoreçam o processo de ensino e de aprendizagem no contexto da sala

de aula, e não somente nos resultados das avaliações externas de larga escala.

4.8 OS RESULTADOS DA AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA

Para tentar verificar o impacto do PAIC na aprendizagem dos alunos, realizamos

pré e pós-testes de leitura e escrita, nos meses de abril e outubro deste ano. Para isto,

escolhemos dez alunos de cada turma investigada, totalizando uma amostragem de vinte

alunos. A seleção dos alunos foi feita tendo como base preliminar o diagnóstico inicial

realizado pelas escolas no mês de fevereiro. O interesse em utilizar o diagnóstico das escolas

foi de escolher alunos que apresentassem diferentes níveis de escrita, categorizados na teoria

de Ferreiro e Teberosky (1999): pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético.

Desta forma, orientados pelos diagnósticos das escolas, realizados no início do

ano letivo, escolhemos alguns alunos que apresentaram níveis de escrita diferentes. Na escola

A, escolhemos dez alunos: cinco destes se encontravam no nível pré-silábico; dois no nível

silábico; dois silábico-alfabéticos e um alfabético. Na escola B, também elegemos dez alunos,

sendo cinco no nível pré-silábico; três silábicos e dois silábico-alfabéticos.

Posteriormente à escolha desses alunos, realizamos testes de escrita para

identificar o estágio de desenvolvimento em que se encontravam os alunos. Os testes foram

realizados nos meses de abril e outubro, visando comparar as possíveis evoluções

apresentadas pelos alunos. Para a concretização desses testes, solicitamos que os alunos

escrevessem as seguintes palavras8 Rosa, Janela, Boneca na respectiva ordem.

Testes realizados na escola A

Logo após realizarmos os testes com os alunos no mês de abril, constatamos que

na escola A, os resultados dos testes apresentaram divergências quando comparados com os

diagnósticos realizados pela escola no mês de fevereiro. Em vista disso, foi necessário fazer

8 Selecionamos as palavras com base em textos que os alunos estavam estudando durante a primeira semana de

observação.

101

um quadro demonstrando que alguns alunos tiveram um avanço considerável em relação ao

teste realizado pela escola em fevereiro, fazendo com que houvesse uma modificação no

quadro inicial da amostragem.

Na escolha dos alunos dessa escola, como apresentado no tópico anterior,

tínhamos cinco alunos em nível pré-silábico; dois silábicos; dois silábico-alfabéticos e um

alfabético. Após o diagnóstico feito em abril, evidenciamos cinco alunos pré-silábicos; um

aluno silábico e quatro alunos alfabéticos.

Quadro 1 - Comparação entre diagnóstico de fevereiro e abril na escola A

Aluno9

Nível de escrita com base

no diagnóstico da

coordenadora da escola A

(fevereiro)

Nível de escrita com base

no diagnóstico da

pesquisadora

(abril)

Pa Pré-silábico Pré-silábico

Jo Pré-silábico Pré-silábico

Ma Pré-silábico Pré-silábico

Al Pré-silábico Pré-silábico

Ka10

Silábico Pré-silábico

La Pré-silábico Silábico

Na Silábico Alfabético

Mar Silábico-alfabético Alfabético

Da Alfabético Alfabético

Já Silábico-alfabético Alfabético

Evidenciamos em negrito os alunos que tiveram uma modificação em seu nível de

escrita. No entanto, nosso propósito é apresentar as evoluções dos alunos comparando os

testes realizados pela pesquisa nos meses de abril e outubro. A seguir, veremos um quadro

comparativo com os diagnósticos realizados pela pesquisa:

9 Os nomes dos alunos participantes foram abreviados, com vistas a garantir a preservação de suas identidades.

10 De acordo com testes realizados pela escola em fevereiro, o aluno Ka estaria no nível silábico. No entanto, quando realizamos os testes de escrita no mês de abril, constatamos que ele apresentava o nível pré-silábico.

102

Quadro 2 - Diagnóstico do nível de escrita dos alunos da escola A, realizados pela

pesquisadora

Aluno Nível de escrita em abril

realizado pela

pesquisadora

Nível de escrita em

outubro realizado pela

pesquisadora

Pa Pré-silábico Silábico

Jo Pré-silábico Pré-silábico

Ma Pré-silábico Silábico

Al Pré-silábico Silábico

Ka Pré-silábico Silábico-alfabético

La Silábico-alfabético Alfabético

Na Alfabético Alfabético

Mar Alfabético Alfabético

Da Alfabético Alfabético

Já Alfabético Alfabético

Diante do quadro, podemos afirmar que durante o ano letivo, dos dez alunos

avaliados, cinco atingiram o nível alfabético; um aluno que se encontrava no nível pré-

silábico atingiu o nível silábico-alfabético; dois saltaram do nível pré-silábico para o silábico;

um saiu do nível pré-silábico para o silábico; um permaneceu no nível pré-silábico.

Vejamos os testes de palavras11

de alguns alunos.

Figura 8 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com o aluno Pa da escola A

Aluno Pa, Pré-silábico em Abril.

Aluno Pa, silábico em Outubro.

11 Rosa, janela e boneca respectivamente.

103

Notamos que esse aluno teve um pequeno avanço de estágio e existem diferenças

entre os dois testes. O teste realizado em abril não faz nenhuma correspondência entre fonema

e grafema, diferente do teste realizado em outubro, quando já há uma associação de som e

escrita. Ou seja, no teste de outubro, quando pedimos para que ele escrevesse rosa, ele

conseguiu identificar as duas vogais das palavras, assim como identificou a primeira sílaba da

palavra boneca e a sílaba final da palavra janela.

Figura 9 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com a aluna La da escola A

Aluna La, Silábico-alfabético em abril.

Aluna La, Alfabético em outubro.

O teste realizado com essa aluna em abril mostra que ela apresenta características

do nível silábico-alfabético. Neste estágio, cada sílaba corresponde a um som, mas ainda há

erros e falhas ortográficas. Ferreiro e Teberosky (1999, p. 214) afirmam que esse estágio

representa a passagem da hipótese silábica para a alfabética. No teste seguinte, realizado em

outubro, percebemos que houve um avanço na escrita, também com a mudança do estilo de

letra, de bastão para cursiva. No nível alfabético o aluno já escreve com base na oralidade,

compreendendo a necessidade de análise fonética para escrever a palavra.

Nos testes realizados também solicitamos que os alunos escrevessem a seguinte

frase “A casa é bonita”. Na figura seguinte observaremos como um dos alunos escreveu a

frase:

Figura 10 - Teste de frase realizado pela pesquisadora com a aluna An da escola A

Aluna An, Alfabético em abril.

Aluna An, Alfabético em outubro.

104

No teste realizado por An no mês de abril, verificamos que ela aglutinou as

palavras sem fazer a separação necessária, o mesmo aconteceu quando ela escreveu seu

próprio nome no teste. Isso mostra que a aluna ainda não possui o conceito estável da palavra

(BEVENISTE, 2003). O teste posterior realizado em outubro mostra que a mesma conseguiu

superar o problema de junção das palavras tendo consciência da necessidade de instaurar uma

segmentação conforme a oralidade da frase, possibilitando uma maior compreensão daquilo

que é escrito.

Testes da escola B

Na escola B não houve muitas diferenças entre o diagnóstico realizado pela escola

em fevereiro e o diagnóstico feito pelo pesquisador em abril. Apenas um dos alunos deixou o

nível silábico-alfabético e atingiu o nível alfabético.

Quadro 3 - Comparação entre diagnóstico de fevereiro e abril na escola B

Aluno

Nível de escrita com base

no diagnóstico da

coordenadora da escola A

(fevereiro)

Nível de escrita com base

no diagnóstico da

pesquisadora

(abril)

Fa Pré-silábico Pré-silábico

Jo Pré-silábico Pré-silábico

Luc Pré-silábico Pré-silábico

Ig Pré-silábico Pré-silábico

Le Pré-silábico Pré-silábico

As Silábico Silábico

Al Silábico Silábico

Luz Silábico Silábico

Já Silábico-alfabético Silábico-alfabético

Vi Silábico-alfabético Alfabético

Entretanto, fazendo uma análise entre os diagnósticos do mês de abril e de

outubro, observamos uma grande evolução dos alunos, totalizando seis alunos alfabéticos; um

aluno silábico-alfabético e três alunos permaneceram no nível pré-silábico. Vejamos esses

resultados:

105

Quadro 4 - Diagnóstico do nível de escrita dos alunos da escola B, realizados pela

pesquisadora

Aluno Nível de escrita em abril Nível de escrita em

outubro

Fa Pré-silábico Pré-silábico

Jo Pré-silábico Pré-silábico

Luc Pré-silábico Pré-silábico

Ig Pré-silábico Alfabético

Le Pré-silábico Alfabético

As Silábico Silábico-alfabético

Al Silábico Alfabético

Luz Silábico Alfabético

Já Alfabético Alfabético

Vi Alfabético Alfabético

Portanto, na escola B, os alunos avaliados apresentaram uma boa evolução no

desenvolvimento da escrita. A seguir listamos alguns exemplos:

Figura 11 - Teste de palavras realizado pela pesquisadora com a aluna Le da escola B

Aluna Le, pré-silábico em abril.

Aluna Le, Alfabético em outubro.

Nesse exemplo, notamos que o pré-teste realizado pela aluna Le não faz nenhuma

relação entre a palavra ditada e o que é escrito pela criança, ou seja, os símbolos não fazem

nenhuma relação com os sons da fala. Para esse nível de escrita, “Escrever é reproduzir os

trações típicos da escrita que a criança identifica como a forma básica da mesma”

(FERREIRO e TEBEROSKY, 1999, p. 193). No entanto, no pós-teste a aluna apresenta uma

grande evolução, atingindo o nível alfabético, compreendendo que a escrita passa a ser

organizada conforme a correspondência grafema e fonema.

106

Figura 12 - Teste de frase realizado pela pesquisadora com a aluna Vi da escola B

Aluno Vi, Alfabético em abril.

Aluno Vi, Alfabética em outubro

A avaliação dessa aluna apresenta uma evolução na escrita obedecendo às regras

de acentuação. Diante da escrita da aluna indagamos por que ela utilizou essa acentuação, ela

explicou que se o “e” não tiver o tracinho terá som de “i”. Conforme Simonetti (2007) na

escrita alfabética a criança procura escrever corretamente obedecendo ao sistema alfabético e

ortográfico. Portanto, a aluna já faz a correlação da sonorização não só das palavras como

também de frases, segmentando-as de forma correta e lhes atribuindo o valor sonoro

conforme as regras ortográficas.

Assim, concluímos que ao comparar os resultados do pré e pós-testes notamos que

os alunos apresentaram uma evolução positiva nos níveis de escrita, mostrando que no

decorrer do ano letivo alguns alunos das turmas das duas escolas conseguiram se apropriar do

código escrito.

Testes de leitura

Além dos testes de escrita também realizamos testes de leitura, para isso

utilizamos um pequeno texto chamado “A pipa e o pião”, desse mesmo texto destacamos

palavras para a leitura: Danilo, pião, roda. Também tiramos do texto a seguinte frase “A pipa

voa no céu”. Iniciamos os testes mostrando o texto aos alunos, alguns conseguiram ler

algumas palavras, outros leram o texto com dificuldade e pausadamente. À medida que vimos

as dificuldades de alguns alunos mostrávamos a frase e as palavras separadamente, para

verificar se eles conseguiam realizar a leitura em um contexto mais simples. Nos quadros

seguintes apresentaremos os diagnósticos de leitura da escola A e B:

107

Quadro 5 - Diagnóstico de leitura dos alunos da escola A, realizados pela pesquisadora

Aluno Estágio de leitura em

abril

Estágio de leitura em

outubro

Pa Não leitor Leitor de algumas sílabas

Jo Não leitor Não leitor

Ma Leitora de sílabas Leitora de palavras

Al Não leitor Leitor de sílabas

Ka Não leitor Leitor de palavras

La Leitora de sílabas Leitora de texto

Na Leitora de sílabas Leitora de texto sem

fluência

Mar Leitor de frase Leitora de texto

Da Leitor de texto sem

fluência.

Leitora de texto

Já Leitora de texto pausado Leitora de texto

Na escola A, boa parte dos alunos pesquisados não conseguiram ler palavras nos

pré-testes realizados em abril. Nos pós-testes, alguns alunos apresentaram uma evolução

passando de não leitores para leitores de sílabas e palavras. Também tivemos alunos que

melhoraram a leitura de texto, apresentando melhor fluência e compreensão

108

Quadro 6 - Diagnóstico de leitura dos alunos da escola B, realizados pela pesquisadora

Aluno Estágio de leitura em

abril

Estágio de leitura em

outubro

Fa Não leitora Não leitora

Jo Não leitor Não leitor

Luc Não leitor Não leitor

Ig Leitor de sílabas Leitor de texto

Le Leitora de sílabas Leitora de texto

As Leitora de palavras Leitora de frase

Al Leitor de palavras Leitor de texto

Luz Leitora de sílabas Leitora de texto pausado.

Já Leitora de frase Leitora de texto

Vi Leitora de texto Leitora de texto

Ao analisarmos o quadro da escola B, percebemos que a evolução dos alunos

dessa escola foi ainda melhor que na escola A. Mesmo diante das dificuldades encontradas no

ambiente da sala de aula, como a falta de espaço e de condições adequadas à aprendizagem,

alguns desses alunos tornaram-se leitores de texto.

Assim, concluímos uma importante etapa de nossa pesquisa, que de forma

qualitativa, analisou o desenvolvimento das habilidades de leitura e de escrita dos alunos que

realizaram os testes. Portanto, constatamos que a prática do Programa em sala de aula e a

atuação dos professores se mostraram positivas na aprendizagem dos alunos que fizeram parte

da amostragem.

Contudo, ressaltamos que apenas uma parte dos alunos de cada turma participou

dos testes e não houve um acompanhamento ao desenvolvimento dos demais alunos.

Destacamos ainda que não queremos generalizar esses resultados, pois os mesmos podem não

ocorrer em outras escolas nos diferentes municípios existentes no estado do Ceará. O ideal é

que os próprios gestores dessas políticas educacionais tenham o interesse em acompanhar as

ações desenvolvidas no ambiente escolar para verificar se estas estão mesmo contribuindo na

aprendizagem das crianças, e não apenas por basear em dados estatísticos obtidos de

avaliações externas em larga escala, que embora também sejam importantes, não conseguem

fazer uma análise qualitativa do que ocorre nas escolas

109

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A finalidade desse estudo foi analisar como o Programa PAIC e sua proposta de

alfabetização influencia na atuação dos professores que atuam em turmas de 1º ano do ensino

fundamental de Limoeiro do Norte, Ceará. A partir da análise do uso do Programa na sala de

aula e das entrevistas semiestruturadas realizadas com as professoras investigadas fizemos

considerações sobre como o PAIC transforma a prática de professores que passam a ensinar

conforme as orientações da proposta de alfabetização e letramento. Além desse objetivo,

traçamos também objetivos específicos: Compreender os pressupostos, as metas e os eixos

que fundamentam o PAIC; Analisar como ocorre o processo de alfabetização e letramento

através do PAIC; Verificar o impacto do Programa na aprendizagem dos alunos, através de

pré e pós-testes; Averiguar a percepção de professores do 1º ano à respeito da utilização da

metodologia e rotina do PAIC em seu trabalho cotidiano.

Os resultados alcançados foram organizados no último capítulo. Realizamos uma

análise descritiva da prática do Programa na sala de aula, analisamos o material e a rotina

didática do PAIC, apresentamos as escolas e o perfil dos sujeitos que participaram do

acompanhamento pedagógico. A partir desses resultados foi possível compreender alguns

questionamentos levantados pela pesquisa, como a perspectiva teórico-metodológica do

PAIC; o processo pelo qual ocorre a aquisição da leitura e da escrita; a autonomia docente

diante de um programa pré-estabelecido; os recursos formativos do Programa oferecidos aos

professores e também ao acompanhamento pedagógico oferecido ao professor na prática

escolar.

Nesta fase, levantamos alguns resultados importantes:

O Programa PAIC utiliza as seguintes conjecturas para fundamentar seu processo de

alfabetização: o uso do letramento e de diferentes gêneros textuais para alfabetizar e a

teoria “Psicogênese da Língua Escrita” como meio de compreender o processo de

aquisição das habilidades de leitura e escrita pela criança;

A utilização de uma rotina pré-determinada baseada numa proposta de alfabetização e

letramento, rotina essa que não pode ser interrompida e deve ser seguida, como

estabelece o Programa;

O aprendizado é gerado pela leitura de textos através de gêneros textuais diversos

determinados pelo Programa. A partir dessa leitura, o texto é explorado de diversas

110

formas, até se chegar ao estudo de estrofes, frases e palavras. Através do estudo das

palavras, os alunos conhecem a estrutura fonológica e estrutural destas (letra inicial,

som inicial, letra final, som final, quantidades de sílabas da palavra etc.);

Diante de conteúdos, materiais e rotina pré-estabelecidos, a autonomia do professor

fica comprometida, pois este não pode modificar ou parar essa rotina, mesmo que

alguns alunos não estejam obtendo êxito. Isso faz com que muitas vezes o professor se

torne apenas um mero executor de uma técnica dada;

A formação oferecida aos docentes pelo PAIC, ainda não possibilita recursos que

tornem os professores aptos a alfabetizar e letrar, nem diagnosticar o nível de escrita

dos alunos conforme a “Psicogênese da Língua Escrita”, que é indicada pelo referido

programa; também não os fazem refletir sobre a sua prática, de modo que essa

reflexão permita mudanças no processo de ensino e de aprendizagem.

A partir do acompanhamento às formações oferecidas ao PAIC, vimos que é possível

que as professoras opinem e contribuam na construção dos planos de aula. Elas podem

desenvolver estratégias para estimular a aquisição da leitura e da escrita de acordo

com a proposta de alfabetização e letramento. No entanto, durante as observações

dessa formação, percebemos que as professoras não discutem muitas ideias para

colocar no plano, em vez disso, elas apenas transcrevem para o plano as sugestões da

proposta.

O professor recebe acompanhamento ou auxílio na prática pedagógica apenas da

gestão da escola. As secretarias municipais e estaduais não oferecem esse apoio, a não

ser quando é para averiguar o uso do Programa na sala de aula como forma de

monitorar a execução da rotina pelos professores.

O acompanhamento pedagógico a partir das observações e do diário de campo

permitiu a reflexão dos pontos apresentados e a identificação de como a metodologia do PAIC

é trabalhada em sala de aula.

Também alcançamos resultados obtidos pelos depoimentos das professoras, que

mostraram como é o trabalho com o PAIC; como veem o Programa e sua metodologia; que

tipo de intervenções são realizadas para promover a alfabetização, o letramento e práticas de

leitura; como analisam sua prática pedagógica e como o Programa implica em sua atuação

docente. Portanto, a partir da análise das entrevistas concluímos que:

111

O PAIC contribui para a aprendizagem dos alunos, pois ele sugere ideias e materiais

atrativos;

Para promover a alfabetização e o letramento, as ações pedagógicas das professoras

seguem o que é pré-determinado pela proposta e os materiais do Programa. As

professoras não utilizam ideias próprias e não fazem parte dos planos de aula e daquilo

que é estabelecido;

Para estimular as práticas de leitura e inserir os alunos em uma cultura letrada, as

professoras utilizam os livros da coleção do PAIC Prosa e Poesia. Através desses

livros, “incentivam” os alunos a lerem e socializarem a leitura. O Programa também

sugere o uso de outros materiais, como revistas, gibis, jornais e outros. Entretanto, as

escolas, muitas vezes, não disponibilizam estes materiais, fazendo com que elas

sempre utilizem os livros da coleção do PAIC;

O Programa causa sobrecarga no trabalho docente, pois há um excesso de confecção

de materiais e atividades a serem trabalhadas em um único dia;

A rotina do PAIC é vista como sendo rígida e, muitas vezes, inflexível. Na opinião das

professoras, a rotina deveria ser menos rígida e mais livre, de modo que elas pudessem

também escolher os textos e os materiais a serem trabalhados. Embora, uma delas

também a veja como sendo importante, pois orienta como devem ocorrer as aulas;

As professoras avaliam suas ações pedagógicas a partir da revisão dos planos de aula e

do acompanhamento dos alunos. Para acompanhar a aprendizagem dos alunos são

realizados testes e avaliações diagnósticas que verificam as habilidades de leitura e

escrita dos alunos. Não obstante, uma das professoras não apresentou habilidades para

diagnosticar o nível de escrita dos alunos;

O PAIC e sua metodologia mudaram a atuação dos professores alfabetizadores,

modificando a maneira como elaboram as ações pedagógicas, a escolha dos materiais

e dos recursos didáticos, pois todos esses fatores passaram a ser padronizados e

orientados por uma proposta didática que insere os professores e os alunos em uma

rotina preestabelecida. Vale afirmar que uma das professoras vê o Programa como

sendo positivo à prática docente. Enquanto que a outra professora defende que o uso

do Programa deveria ser mais flexível e livre, sem impor e exigir tanto do professor;

Esses pontos nos deram margem para esclarecer o objetivo principal da pesquisa

que é como o PAIC e sua metodologia implicam na atuação docente das professoras

investigadas. Podemos afirmar que o Programa modificou de maneira positiva a atuação

112

dessas professoras, pois estas passaram a utilizar orientações padronizadas que estabelecem

conteúdos, materiais, objetivos de aprendizagem e ações metodológicas. Antes do uso do

PAIC não havia uma orientação de como as crianças deveriam ser alfabetizadas, por esse

motivo as professoras se limitavam ao uso do livro didático.

Ao mesmo tempo em que esses fatores podem ser vistos como sendo positivos ao

processo de ensino e de aprendizagem, pois orientam e organizam a prática pedagógica,

oferece ideias e recursos para um ensino atrativo, podemos também observar que podem

também causar uma limitação da ação docente, comprometer a autonomia do professor e

subordiná-lo a um programa preestabelecido. Em vista disso, o PAIC também é caracterizado

como um programa contraditório para a atuação docente, pois ora orienta e oferece recursos à

prática do professor, ora limita e transforma o professor em um simples executor de uma

técnica dada.

Vale afirmar que durante o acompanhamento às formações do PAIC constatamos

que os professores podem colaborar na criação dos planos de aula com a sugestão de

estratégias condizentes à proposta de alfabetização e letramento do Programa, e não apenas

transcrever aquilo que é sugerido por essa proposta. Porém, nos parece que há certo

comodismo por parte de alguns professores, que preferem apenas utilizar as técnicas e

sugestões dadas pela proposta que refletir e criar meios que melhorem o processo de ensino e

de aprendizagem.

É indiscutível afirmar que o PAIC conseguiu elevar as taxas de alfabetização no

Ceará, obtidas em avaliações externas e promovidas pelo Sistema de Avaliação da Educação

Básica (SAEB). Neste sentido, a fim de verificar o impacto do Programa na aquisição da

leitura e da escrita dos alunos, realizamos pré e pós-testes, nos meses de abril e outubro, com

dez alunos de cada turma acompanhada. A análise dos testes mostrou que no decorrer do ano

letivo, dos vinte alunos que realizaram a avaliação diagnóstica, dezesseis apresentaram

avanços nos níveis de escrita e quatro permaneceram no nível pré-silábico. Dos dezesseis

alunos que apresentaram evolução, onze deles se tornaram alfabetizados, os demais evoluíram

para o nível silábico ou silábico alfabético, conforme os conceitos da teoria da Psicogênese da

Língua Escrita. Portanto, concluímos que mais de 50% dos alunos que realizaram os testes

conseguiram se alfabetizar.

A partir da analise dos testes concluímos que muitos deles conseguiram escrever

palavras e frases corretamente e também tiveram a capacidade de ler textos com compreensão

113

daquilo que foi lido. Assim, constatamos que o PAIC pode ser eficiente na aprendizagem dos

alunos e que oferece meios para alfabetizá-los. A metodologia do Programa difere daquilo

que era anteriormente utilizado pelas escolas e deu também grande relevância às séries de

alfabetização das escolas dos municípios cearenses, oferecendo maior interação com o

universo da literatura infantil e o conhecimento de diferentes gêneros textuais.

Entretanto, ainda é necessário discutir a formação docente, a autonomia do

professor e as condições de trabalho em sala de aula. Os professores não podem se acomodar

ao uso do programa e se isentar da participação e da criação de meios que melhorem a

aprendizagem de seus alunos. Ele deve se posicionar diante do programa e não apenas

confirmar e aceitar uma função de mero executor de uma técnica dada. Por isso é fundamental

que o professor tenha uma formação de qualidade não só dentro do Programa PAIC, como

também na sua formação inicial.

É também necessário oferecer condições materiais à escola, pois, apesar das

melhorias dos últimos anos, ainda há escassez de materiais pedagógicos dentro da escola que

facilitem o letramento. Nas escolas acompanhadas, vimos diversos relatos das professoras

assegurando que os planos de aula sugerem o uso de diversos materiais simples como

revistas, jornais, gibis, os quais a escola não dispõe. Também alegaram que os planos de aula

indicam a confecção de diversos materiais que necessitam de cartolinas, E.V.A, pincéis e

outros materiais que nem sempre estão disponíveis, fazendo com que elas tenham que

comprá-los por conta própria.

Enfim, o Programa deve levar em consideração todos esses fatores, especialmente

a qualidade do ensino na sala de aula. Não podemos basear a qualidade do Programa apenas

pelos resultados obtidos nas avaliações externas. Neste sentido, deve haver um

acompanhamento do que está sendo feito na sala de aula, para que assim seja possível detectar

os principais problemas que dificultam o desenvolvimento de uma alfabetização eficaz e que

permita que a criança permaneça alfabetizada no seu percurso escolar, pois a análise de

resultados de avaliações externas tem mostrado que alguns alunos que passaram pelo PAIC e

que se alfabetizaram na “idade certa”, chegam ao 5º ano do ensino fundamental com baixas

habilidades na aprendizagem e com pouca compreensão daquilo que lê.

Esperamos que esse estudo possibilite novos conhecimentos e que incentive

outros trabalhos que se relacionem à alfabetização e ao letramento, às ações metodológicas, à

formação docente e também ao PAIC. Nosso intuito foi contribuir para a compreensão desse

114

importante Programa e de como ele intervém na atuação docente e na alfabetização das

crianças.

115

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Artmed Editora, 2004.

SOLÉ, I. Estratégias de leitura -6º ed – Porto Alegre: Artmed, 1988.

TEBEROSKY, A. Tradução de Beatriz Cardoso. Psicopedagogia da língua escrita. 16 ed. –

Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.

TFOUNI, L.V. Letramento e alfabetização. São Paulo: Cortez, 1995.

UNESCO (2014). Disponível em: >

http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/education/education-for-all/ Acessado em: 07.11.2014

WADSWORT, J. Traduzido por Esmeria Rova. Inteligência e afetividade da criança na

teoria de Piaget. 2 ed. São Paulo: Pioneira,1993.

WALLON, H. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1989.

ZABALA, Antoni. A prática educativa Porto Alegra. Porto Alegre: Artmed Editora, 1998.

119

APÊNDICE

120

APÊNDICE A - Comparativo dos testes aplicados com as crianças nos meses de

abril e outubro, na escola A. 1º ANO (Escola A)

Aluno: Al

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

121

1º ANO (Escola A)

Aluno: AN

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

122

1º ANO (Escola A)

Aluno: Da

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

123

1º ANO (Escola A)

Aluno: Ja

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

124

1º ANO (Escola A)

Aluno: Jo

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

125

1º ANO (Escola A)

Aluno: Ka

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

126

1º ANO (Escola A)

Aluno: La

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

127

1º ANO (Escola A)

Aluno: Mar

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

128

1º ANO (Escola A)

Aluno: Ma

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

129

1º ANO (Escola A)

Aluno: Pa

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

APÊNDICE B - Comparativo dos testes aplicados com as crianças nos meses de

abril e outubro, na escola B.

130

1º ANO (Escola B)

Aluno: Al

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

131

1º ANO (Escola B)

Aluno: Vi

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

132

1º ANO (Escola B)

Aluno: Ig

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

133

1º ANO (Escola B)

Aluno: Ja

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

134

1º ANO (Escola B)

Aluno: Luc

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

135

1º ANO (Escola B)

Aluno: Jo

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

136

1º ANO (Escola B)

Aluno: Le

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

137

1º ANO (Escola B)

Aluno: Lu

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

138

1º ANO (Escola B)

Aluno: Sa

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

139

1º ANO (Escola B)

Aluno: Fa

TESTE DE PALAVRAS DITADAS:

ABRIL OUTUBRO

TESTE DA FRASE

ABRIL

OUTUBRO

140

APÊNDICE C - ORIENTAÇÃO PARA A ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA.

Formação inicial das professoras;

Como elas avaliam a proposta de alfabetização do Programa e como são realizadas as

atividades de alfabetização e letramento;

Opinião das mesmas, sobre os materiais e a rotina didática pré-estabelecida do PAIC;

Como ocorre o acompanhamento das ações realizadas e o desenvolvimento da

aprendizagem dos alunos?

Como as professoras refletem sua prática docente?

O programa implica (modifica, transformar) sua atuação docente?