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Luciane Infantini da Rosa Almeida Razões, sentimentos e projetos profissionais: experiências de vestibulandos/as (Vitória, ES, anos 2009 - 2010) Rio de Janeiro 2010 Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais Faculdade de Serviço Social

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Luciane Infantini da Rosa Almeida

Razões, sentimentos e projetos profissionais: experiências de vestibulandos/as (Vitória, ES, anos 2009 - 2010)

Rio de Janeiro

2010

Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Sociais

Faculdade de Serviço Social

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Luciane Infantini da Rosa Almeida

Razões, sentimentos e projetos profissionais: experiências de vestibulandos/as (Vitória, ES, anos 2009 - 2010)

Tese apresentada, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Trabalho e Política social.

Orientadora: Profª. Drª. Suely Gomes Costa

Rio de Janeiro

2010

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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese. _____________________________________ ___________________________ Assinatura Data

A447 Almeida, Luciane Infantini da Rosa Razões, sentimentos e projetos profissionais: experiência dos

vestibulandos\as (Vitória, ES, 2009 - 2010)/ Luciane Infantini da Rosa Almeida - 2010.

267 f. Orientadora: Sueli Gomes da Costa Tese (doutorado) - Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, Faculdade de Serviço Social. Bibliografia. 1. Universidades e faculdades – Vestibular – Estudos de

casos – Teses. 2. Exame vestibular – Teses. 3. Vestibulandos – Condições sociais – Vitória (Espírito Santo) - 2010 – Teses. I. Costa, Sueli Gomes. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Serviço Social. III. Título.

CDU 371.27

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Luciane Infantini da Rosa Almeida

Razões, sentimentos e projetos profissionais: experiências de vestibulandos/as (Vitória, ES, anos 2009 - 2010)

Tese apresentada, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutora ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Serviço Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Trabalho e Política social.

Aprovada em: 27 de julho de 2010. Banca examinadora:

_______________________________________ Profª. Drª. Suely Gomes Costa (Orientadora) Faculdade de Serviço Social da UERJ _______________________________________ Profª. Drª. Carla Cristina Lima de Almeida

Faculdade de Serviço Social da UERJ

_______________________________________ Profª. Drª. Célia Frazão Soares Linhares Instituto de Educação Física da UFF

_______________________________________ Profª. Drª. Inez Terezinha Stampa Departamento de Serviço Social da PUC-RIO

_______________________________________ Prof. Dr. José Pedro Simões Escola de Serviço Social da UFRJ

Rio de Janeiro

2010

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AGRADECIMENTOS

Dirijo, primeiramente, meus agradecimentos a Suely Gomes Costa. Mais do

que orientadora, Suely possibilitou-me um encontro com minhas experiências

pessoais e profissionais e, a partir delas orientou-me para as sínteses necessárias à

produção desse conhecimento. Carinho, atenção, confiança e dedicação foram de

grande valia para a realização deste trabalho, assim como o seu exemplo como

mulher e intelectual de prestígio. Sou e serei, eternamente, grata a essa mulher

fantástica sem a qual não teria concluído a tese.

Aos meus pais Celso Francisco da Rosa e Alice Maria Infantini da Rosa por

terem me propiciado educação e todas as experiências, que em sentimentos (e

ressentimentos) são traduzidas em minha própria trajetória. Ao meu pai agradeço

especialmente, por alguns traços que me passou, mais pelo convívio do que pela

genética, como a persistência, a vontade de vencer, de superar obstáculos e o gosto

pelos estudos. À minha mãe, sou grata pelo companheirismo, o carinho e a atenção

dedicados a mim e por estar sempre presente nas horas difíceis.

Ao meu filho, Arthur da Rosa Almeida, razão da minha existência, a quem

tenho profundo e incondicional amor. Agradeço pelos momentos de paciência e

ausência, os quais fizeram parte dessa jornada, e por ter me mostrado, mesmo sem

o saber, o que de fato possui valor em minha vida.

A Alexandre Wernersbach Neves pelo carinho, amor e cumplicidade, nesses

últimos quatro anos, que me possibilitaram momentos de alegria, prazer e

tranquilidade, fundamentais para revigorar energias e encontrar forças para

continuar esse árduo trabalho.

Aos meus irmãos Ordenilande Lemos Pereira, Celso Francisco Infantini da

Rosa, Leandro Infantini da Rosa e Rosiane Infantini da Rosa, que sempre me

apoiaram e incentivaram minhas conquistas. Agradeço, em especial, Leandro e

Rosiane que me auxiliaram em revisões deste trabalho.

Aos meus sobrinhos Bernardo Infantini de Aguiar, Lucas da Rosa e Vinícius

da Rosa e pela compreensão e carinho.

A todos meus outros familiares minha gratidão pela confiança depositada e,

em especial, à minha avó Dila Mascarello Infantini, uma amiga, companheira e

exemplo de mulher.

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Agradeço, também, a Lúcio Viera de Almeida, pai do Arthur e um eterno

amigo, por quem tenho um profundo respeito e admiração, pela contribuição

material, intelectual e afetiva, necessária à realização deste trabalho.

Aos avós paternos de meu filho Suzane Elianete de Almeida e Lourival de

Almeida Filho por fazerem parte da rede de cuidados em momentos que precisei

dedicar-me a esse trabalho. Sobretudo, agradeço ao avô Lourival, por sua

indescritível colaboração.

Aos coordenadores/as e alunos/as dos cursos preparatório para o vestibular

que aceitaram ser parte da pesquisa, cujas contribuições foram valiosas.

Aos colegas e amigos da turma de doutorado e, em especial, a Cesar

Albenes de Mendonça Cruz, grande incentivador deste projeto.

À Silene de Moraes Freire e, em especial, à Elaine Marlova Venzon,

coordenadoras do Programa de Pós-Graduação, que contribuíram para a o desfecho

desta tese.

Aos membros da Banca, Drª. Carla Cristina Lima de Almeida, Drª. Célia

Frazão Soares Linhares, Drª. Inez Terezinha Stampa e Dr. José Pedro Simões por

aceitarem ser parte da Banca de Defesa de Tese.

À Cristina Ramos pelo comprometimento, atenção e carinho com que corrigiu

este texto e à Scheila Silva Rasch pelo suporte afetivo.

A todos àqueles que de maneira direta e indireta participaram deste trabalho.

Por último, a Deus e aos Espíritos Superiores, pois como parte de minhas

contradições, creio que são mais do que criações humanas. Sem eles nenhuma

história seria possível...

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Ninguém nasce mulher, torna-se mulher.

Simone de Beauvoir

O importante não é o que fazem de nós, mas o que fazemos

daquilo que fizeram de nós.

Jean Paul Sartre

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RESUMO ALMEIDA, Luciane Infantini da Rosa Almeida. Razões, sentimentos e projetos profissionais: experiências de vestibulandos/as (Vitória, ES, anos 2009 - 2010). 2010. 267 f. Tese (Doutorado em Serviço Social) - Faculdade de Serviço Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.

Dar nitidez aos sentimentos e razões que emergem das experiências dos

vestibulandos de Vitória-ES, entre 2009-2010, e que os movem em direção a seus projetos profissionais é objetivo deste trabalho. A noção de projeto aqui utilizada (VELHO, 1999) afasta-se da clássica compreensão liberal do ser humano, autônomo, livre e único, responsável por seus sucessos e fracassos, subjacente a estudos sobre “escolha profissional”. A ideia proposta é que campo de experiências dos sujeitos marca seus projetos profissionais, mas que suas condutas deliberadas, não necessariamente racionais, expõem certas expectativas de vida, quaisquer que sejam as posições sociais desses sujeitos. Para o exame dessas expectativas, esses sujeitos foram vistos em suas relações sociais - nas interseções de classes, gênero, de cor da pele, de gerações, etc. Reconheceu-se, ainda, que razões e sentimentos (WILLIAMS, 1969), também forjam projetos profissionais de sujeitos sob diversas condições sociais e apesar delas. Por considerar que esses projetos portam manifestações humanas, nem sempre perceptíveis e tantas vezes encobertas, a metáfora do “rizoma” (DELEUZE; GUATTARI, 2004), foi de utilidade metodológica. Alguns indícios (GINZBURG, 2007), sugeriram caminhos de pesquisa e alguns dos significados aos sujeitos para que esses projetos pudessem ser detectados. A perspectiva da longa duração histórica e dos tempos múltiplos presidiu o exame de trajetórias selecionadas de um conjunto de sujeitos pesquisados entre os anos 2009-2010, o que favoreceu a percepção de continuidades históricas, mas também a ocorrência de mudanças de certas tendências sociais. Dois cursos de pré-vestibular, um público e um privado, em Vitória, ES, nessa conjuntura, mostraram um pouco da pluralidade de expectativas de diferentes jovens - pobres, de classes média e alta, homens e mulheres, brancos, negros e pardos, mais novos e mais velhos em relação ao ensino superior – presente em seus projetos profissionais. Razões e sentimentos que os movem e que se movem, nem sempre examinados em estudos sobre a matéria, foram expostos. Contribuições de Elias (1990), de R. Williams (1969), de Bourdieu (2003, 2009), de E. P. Thompson (2002), de Löwy (1990), entre outros, apoiaram evidências de que as relações indivíduo e sociedade, sempre plurais e complexas, expressam apenas partes de seus sentidos civilizadores. Para reduzir incertezas, recorreu-se a dados macrossociais e microssociais (REVEL, 1998). Entrevistas com tais jovens e coordenadores de seus cursos, observações advindas de dinâmica de grupo e, também, exame de publicações oficiais, de periódicos de divulgação de matéria sobre vestibular, entre 2009-2010, situaram um trato de escalas analíticas de difícil exercício. Para além das relações de classes, gênero, cor da pele, geração etc., pode-se concluir que esses sujeitos, por razões e sentimentos variados, com seus projetos profissionais, tanto se deslocam de suas posições sociais de origem como as mantêm, mas todos, em suas novas experiências e de diferentes modos, também se preparam para atuar sobre os sentidos civilizadores de seu tempo.

Palavras-chave: Projetos profissionais. Campo de experiência. Horizonte de expectativas. Sensibilidades. Processos civilizadores. Relações de gênero. Escolha profissional.

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ABSTRACT

Provide clarity to the feelings and reasons that emerge from the experiences of the students in Vitória-ES, between 2009-2010, and what move them toward their professional projects is the goal of this work. The notion of design used here (Velho, 1999) differs from the classical liberal understanding of human being, autonomous, free and unique, responsible for their successes and failures, underlie to studies on "career choice". The proposed idea is that the field experiences of the subjects mark their professional projects, but their deliberate conduct, not necessarily rational, expose certain life expectations, whatever is the social position of these individuals. To test these expectations, these subjects were seen in their social relations – on the intersections of class, gender, ethnicity, generations, etc. It was recognized also that the reasons and feelings (WILLIAMS, 1969) also forge professional projects of subjects under different social conditions and in spite of them. Considering that these projects carry human manifestations not always visible, often covered, the metaphor of "rhizome" (DELEUZE; GUATTARI, 2004) was useful as methodology. Evidences (GINZBURG, 2007) suggested research paths and some of the meanings attributed by those subject to these projects could be detected. The prospect of long-term historical and multiple times chaired the examination of trajectories of a selected group of subjects studied between the years 2009-2010, which favored the perception of historical continuities, but also the occurrence of certain changes in social trends. Two pre-university courses, one public and one private, in Vitória, ES, at this juncture, showed a bit of a plurality of different expectations of young people - poor, middle and upper classes, men and women, whites, blacks and browns, younger and older in relation to high school - present in their professional projects. Reasons and feelings that move them and that move is not always considered in studies on the subject, were exposed. Contributions of Elias (1990), Williams (1969), Bourdieu (2003, 2009), E. P. Thompson (2002), Löwy (1990), among others, supported evidences that the relation between individual and society, always plural and complex, express only parts of their civilizing senses. To reduce uncertainties, it was used macro and micro data (Revel, 1998). Interviews with these teenagers and advisers, observations from group dynamics and also examination of official publications, periodicals to disseminate material on vestibular, between 2009-2010, were located a tract of analytical scales difficult to exercise. Apart from relations of class, gender, skin color, generation, etc., is possible to conclude that these subjects, for reasons and various feelings, with their professional projects, move are not from their social origin, but all of them, in their new experiences and different ways, also prepare themselves to act on the senses civilizing of his time. Keywords: Field experiment. Horizon of expectations. Sensitivities. Civilizing processes. Gender relations. Professional choice.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Pirâmide Etária de Vitória.................................................................... Tabela 1 Crescimento Anual Médio do PIB: Espírito Santo e Brasil................. Tabela 2 Distribuição de homens e mulheres nos pré-vestibulares.................... Tabela 3 Comparativo de escolaridade de mães e pais dos/as

vestibulandos/as.................................................................................. Tabela 4 Qualificação dos sujeitos de pesquisa................................................. Figura 2 Movimentos contra e pró cotas na UFES............................................. Figura 3 Capa do periódico “Oportunidades Cursos e Concursos”....................

60 61 77 79 85 119 227

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 Classe Social dos/as vestibulandos/das de Vitória 2009-2010....... Gráfico 2 Escolaridade dos pais dos/das vestibulandos/das de Vitória

2009-2010...................................................................................... Gráfico 3 Escolaridade das mães dos/das vestibulandos/das de Vitória

2009-2010...................................................................................... Gráfico 4 Opções por cursos universitários no vestibular 2009 da UFES..... Gráfico 5 Percentual de vestibulandos/as 2009-2010 de Vitória que

trabalham....................................................................................... Gráfico 6 Autodeclaração de cor dos/as vestibulando de Vitória 2009-2010. Gráfico 7 Idades dos/as vestibulandos/as de Vitória 2009-2010...................

71 72 73 74 78 80 81

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CDV Companhia do Desenvolvimento de Vitória

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe da Unesco

CEPE Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão

CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CST Companhia Siderúrgica de Tubarão

CUT Central Única dos Trabalhadores

DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudo

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio

ES Espírito Santo

EUA Estados Unidos da América

FARC Forças Armadas Revolucionárias da Colombia

FBPF Federação Brasileira para o Progresso Feminino

FGV Fundação Getúlio Vargas IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IJSN Instituto Jones dos Santos Neves

ITA Instituto Tecnológico da Aeronáutica

LBA Legião Brasileira de Assistência

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira

MEC Ministério da Educação

MPF Ministério Público Federal

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OIT Organização Internacional para o Trabalho

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ONG Organização Não Governamental

OV Orientação Vocacional

PEA População Economicamente Ativa

PIB Produto Interno Bruto

PNDA Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio

PNE Plano Nacional de Educação

PNUD Programa das Nações Unidas para a Educação

PPGSS Programa de Pós Graduação em Serviço Social

ProUni Programa Universidade para Todos

PUPT Projeto Universidade Para Todos

PUPT Projeto Universidade Para Todos

SECT Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia

SEDU Secretaria de Estado da Educação

SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro

UFES Universidade Federal do Espírito Santo

UFF Universidade Federal Fluminense

UFMG Universidade Federal de Minas Gerais

UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro

UNB Universidade de Brasília

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação

UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

USP Universidade de São Paulo

USP Universidade de São Paulo

Vest UFES Vestibular da UFES

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SUMÁRIO 1

1.1

1.2

1.2.1

1.2.2

1.3

1.4

1.5

2

2.1

2.2

2.2.1

2.2.2

2.2.3

2.2.4

2.2.5

2.3

2.3.1

2.3.2

2.4

2.4.1

2.4.2

2.5

3

3.1

INTRODUÇÃO...........................................................................................

“ESCOLHAS PROFISSIONAIS” E CAMPO DE EXPERIÊNCIAS...........

Educação Brasileira: elitização e Exclusão...........................................

“Escolhas Profissionais” e Projetos Profissionais..............................

“Escolha profissional” como problema teórico...........................................

Continuidades e rupturas: os projetos profissionais...................................

Os projetos profissionais localizam-se no tempo e no espaço...........

As experiências dos/as vestibulandos/as de Vitória sugerem algumas direções.....................................................................................

Mudança na Escala de Análise...............................................................

SENSIBILIDADES, MUNDO DO TRABALHO E ROMANTISMO POLÍTICO...................................................................................................

Dilemas de um Projeto Profissional: Fazer Medicina ou Design Gráfico?..................................................................................................... Razões, Sentimentos e o Mundo Trabalho............................................ Desejo de sucesso.....................................................................................

Medo do Fracasso......................................................................................

“Quero ser menos peão”: projetos, necessidade e desejo de

profissionalização.......................................................................................

Sentidos e exigências do mercado............................................................

O sistema de cotas: possibilidades, exigências de qualificação e a

marcha dos direitos....................................................................................

O romantismo das profissões.................................................................

“Mudar a vida e transformar o mundo”: a trajetória de Hanna...................

“Não quero muito sucesso”: A trajetória de Patiane...................................

Meios de comunicação e ideários de projetos......................................

O que circula sobre as profissões? O que os jovens devem escolher?.....

O que circula sobre os projetos profissionais?...........................................

Sentidos civilizadores e projetos profissionais....................................

RAZÕES, SENTIMENTOS E FEMINIZAÇÃO DE PROFISSÕES.............

Gênero e profissão: equidade na formação e no mercado de trabalho?...................................................................................................

15

38

39

46

48

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59

68

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91

98

98

103

105

109

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141

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3.2

3.2.1

3.2.2

3.2.3

3.3

3.3.1

3.3.2

3.3.2.1

3.3.2.2

3.4

4

4.1

4.2

4.2.1

4.3

4.4

4.4.1

4.4.2

4.4.3

4.5

4.6

5

Razões, sentimentos e projetos profissionais femininos .................... “Gostar de crianças”: razões e sentimentos ligados à maternidade..........

“Gosto de cuidar de gente!”: mulheres na saúde.......................................

“Querer ajudar a comunidade e ao próximo”: romantismos e feminização Costumes e Habitus no campo do gênero: continuidades e rupturas...................................................................................................... Desigualdades, Práticas domésticas e usos dos tempos...........................

Invenção de novas tradições......................................................................

Homens e espaços antes feminizados........................................................

Mulheres e espaços masculinizados...........................................................

Um balanço: o campo da profissionalização feminina.........................

PROJETOS DE CLASSE E PROJETOS PROFISSIONAIS......................

Propostas educacionais para elites e classes populares.....................

Exclusão, habitus e capital cultural........................................................ “Vocês são uns fracassados”......................................................................

O “sentido do jogo”..................................................................................

Projetos de Classes..................................................................................

Costumes e tradições das classes média e alta.........................................

Tradição e Mímesis.....................................................................................

Tradições das classes mais baixas............................................................

Para onde se dirigem as classes?..........................................................

Ressentimentos também orientam projetos profissionais...................

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................

REFERÊNCIAS..........................................................................................

APÊNDICE A - Questionário para alunos/as vestibulandos/as de

2009.............................................................................................................

APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e

esclarecido..................................................................................................

APÊNDICE C – Opções de homens e mulheres por cursos

universitários...............................................................................................

ANEXO A - Gráfico.....................................................................................

ANEXO B - Tabela .....................................................................................

147

149

158

163

169

170

178

179

182

186

189

191

194

200

205

209

212

216

219

224

229

235

240

257

259

260

262

263

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INTRODUÇÃO

O Objeto de Pesquisa

Hoje sabemos ou suspeitamos que as nossas trajectórias de vida pessoais e colectivas (enquanto comunidades científicas) e os valores, as crenças e os prejuízos que transportam são a prova íntima do nosso conhecimento, sem o qual as nossas investigações laboratoriais ou de arquivo, os nossos cálculos ou os nossos trabalhos de campo constituiriam um emaranhado de diligências absurdas sem fio nem pavio. No entanto, este saber, suspeitado ou insuspeitado, corre hoje subterraneamente, clandestinamente, nos não-ditos dos nossos trabalhos científicos. No paradigma emergente, o caráter autobiográfico e autoreferenciável da ciência é plenamente assumido (SANTOS, 1996, p. 53).

Assumir esses “saberes e fazeres” que correm no subterrâneo de toda a

produção científica significa tratar de trajetórias de pessoas, que revelam em suas

singularidades atualizações de modos de vida, forjados na história e na cultura de

um povo. Significa, ainda, mostrar que em toda a construção de um objeto científico

há uma história de motivações e implicações pessoais e coletivas, o que nos faz,

incessantemente, buscar explicações para nossos próprios fazeres cotidianos.

Assim, aspectos da minha própria trajetória, além de elemento motivador, sugerem

pontos de convergência entre as trajetórias que serão tratadas. O ponto em comum

dessas histórias é o desvendamento dos processos sociais presentes nos projetos

profissionais, o que sugere uma inter-relação com inúmeros campos como: acesso à

informação, mercado de trabalho, trajetória escolar, educação familiar, inserção

econômica e social, entre outros. Esses processos sociais, compreendidos em seu

caráter processual – contribuições de Elias (1990) – vinculam-se às experiências

humanas. Vinculam-se à construção de disposições para a ação, de significados

sobre si e sobre o mundo e de sentidos civilizadores que se fazem num campo1

cultural e social ao qual pertencem os indivíduos. As trajetórias investigadas

mostram que passar no vestibular de uma Universidade Pública é um sentido que

move as experiências de vestibulandos/as no presente e delineia um horizonte de

expectativas em relação à futura profissão. São jovens que fazem planos. Portam

projetos de vida.

1 Assumirei aqui a noção de campo proposta por Bourdieu (1983), segundo a qual se constitui num espaço social de dominação e de conflitos, que funciona com certa autonomia e com regras próprias de organização e de hierarquização social. Nesse campo, os indivíduos agem de acordo com a posição em que ocupam no interior dele e lutam, constantemente, pelo controle da produção e pelo direito de classificarem e hierarquizarem certos bens simbólicos produzidos. Nessa luta, impõe-se como padrões culturais mais valorizados – ou até como a única forma cultural existente – àqueles pertencentes a grupos dominantes.

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16

Dar nitidez aos sentimentos e razões, que emergem dessas experiências as

quais movem os projetos profissionais de vestibulandos/as de cursos preparatórios

para o vestibular em Vitória-ES é o objetivo deste trabalho. Muitas questões

emergem nesse campo: O que significa escolher uma profissão? O que, de fato,

motiva essas escolhas? Em que medida os lugares organizados em classes sociais,

raça e gênero interferem nas opções por profissões? Existem processos sociais

mais amplos que direcionam essas opções? Que processos são esses? As

experiências que vivem cotidianamente e o campo cultural, ao qual pertencem,

possuem algum impacto? E, qual o impacto da tradição familiar e do mercado de

trabalho? As representações que se constroem acerca das profissões,

desempenham alguma influência na opção por carreiras? Enfim, essas e outras

questões apontam para a complexidade envolvida na opção por uma profissão na

atualidade, não apenas por conjugar diversos fatores implícitos e explícitos os quais

compõem a esfera política, social, econômica, cultural e pessoal desses jovens,

mas, sobretudo, em função da complexidade que compõe o real e as diferentes

formas de interpretá-lo.

Isso me reporta ao fato de que diferentes sujeitos vivem e traduzem, de

maneira particular, as experiências tanto em “razão quanto em sentimentos”. Assim,

o que move suas histórias é aquilo que por muito ficou oculto dos estudos

científicos: são as sensibilidades2. As sensibilidades carregam as marcas de lugares

sociais transitáveis como classe social, etnia, gênero e imprimem movimentos

específicos e singulares na trajetória individual. Somente a partir da compreensão de

trajetórias de vida é possível compreender suas “escolhas”.

Aliás, é preciso – e o que farei logo de início – problematizar a própria ideia de

“escolha”, por pressupor a concepção de um indivíduo autônomo que opta

deliberadamente por uma profissão, o que atualiza uma visão liberal de ser humano,

visto como responsável por seus sucessos ou fracassos. Por compreender que não

há um determinismo do indivíduo sobre o curso de sua vida e, tão pouco do meio

social sobre o mesmo, utilizo a expressão “projeto profissional” em lugar de “escolha

profissional” – em função disso, quando precisar fazer uso do termo “escolha”, este

2 As sensibilidades dizem respeito justamente a uma forma de apreensão do mundo para além do conhecimento racional científico como indica Pesavento (2004). Tratam, portanto, de sensações, emoções, valores e sentimentos. É a forma pela qual os indivíduos interpretam o mundo não apenas pela via da razão, mas também do conhecimento sensível. O desafio é capturar “as unidades de sentido de uma determinada época” (p. 5), captar a forma de expressão da vida.

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virá acompanhado por aspas. Proponho uma mudança no termo em função da

adoção de outra forma de conceber a relação indivíduo e sociedade, pautada não

apenas nas contribuições de Elias (1990), mas, também, nas construções de Velho

(1999) sobre a noção de projeto. Segundo Velho o projeto diz respeito a uma

“conduta organizada para atingir finalidades específicas” (p. 40)3. Essa conduta não

é necessariamente racional, mas resulta de deliberação consciente que se faz a

partir de circunstâncias presentes no campo de possibilidades em que está inserido

o sujeito. Isso significa que as condutas humanas se fazem em meio a limites,

proibições, transgressões e possibilidades. O projeto existe como forma de

comunicação, de expressão e de articulação de interesses, objetivos, sentimentos e

aspirações para o mundo. Além disso, os projetos são dinâmicos, complexos, estão

em constante reelaboração e se fazem em função de negociações com a realidade.

Dessa forma, os projetos profissionais portam sentidos civilizadores e produzem,

assim como são produzidos por uma rede de significados, ou seja, a cultura.

A tese, portanto, defendida é que os projetos profissionais resultam de

constantes negociações com a realidade que se fazem rumo a sentidos civilizadores

de cada tempo histórico. Não há determinismos sociais, econômicos ou psicológicos

na construção dos projetos, embora os indivíduos de uma mesma época partilhem

de certos sentidos que orientam às suas ações. Esses sentidos ganham contornos

específicos na esfera individual, se traduzindo em razões e sentimentos que cada

um faz uso em seu cotidiano. Assim, apesar de não haver determinismos na opção

por uma profissão, todos os processos sociais, que atravessam o indivíduo, são

parte de suas “escolhas” na medida em que passam a integrar suas sensibilidades.

É o que pode ser observado em relação ao gênero, cor, classe social, geração,

educação, etc.

Com a noção de projeto profissional é possível, então, vislumbrar a interação

indivíduo e sociedade. Além disso, inclui a noção de temporalidade à escolha de

uma profissão. Visto que esta não se faz em um momento estanque, mas resulta de

uma história individual e coletiva de deliberações mais ou menos conscientes.

3 Para a definição desta noção, Velho (1999) utiliza, dentre vários autores, as contribuições de Schutz nos livros “The problem of social reality” e “Fenomenologia das relações sociais”. De acordo com o autor, o projeto existe no mundo da intersubjetividade e, “por mais velado ou secreto que possa ser, ele é expresso em conceitos, palavras, categorias que pressupõem a existência do Outro.” Além disso, ele é “instrumento básico de negociação da realidade com outros atores, indivíduos ou coletivos” (p. 103).

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Caminhos que Levaram à Construção do Objeto

Ao observar o caráter “autobiográfico” e “autoreferenciável” da ciência, como

indica Boa Ventura Souza Santos, verifico que dele retiro elementos para meu

primeiro movimento de construção do objeto. Localizo, em minha história pessoal e

profissional, os primeiros achados motivadores desta pesquisa. Experiências vividas

na trajetória pessoal indicam movimentos de recusa à identificação com a figura

materna, como afirmações e coadunações a outra forma de ser mulher. Registro em

minhas memórias trajetória de mulheres de minha família, marcadas por

humilhações, dependência e submissão a figuras masculinas. Na época, incapaz de

compreender as hierarquias de gênero, restou-me o desejo pela afirmação de outras

formas de viver. Ao que parecia, a independência financeira conquistadas pela

dedicação aos estudos e à carreira seriam boas estratégias para a fuga dos lugares

ocupados pelas figuras femininas que conhecia. A maternidade e o matrimônio,

vivido aos 20 anos, entretanto, trouxeram de volta dilemas presentes na história de

muitas outras mulheres, em que a dedicação à carreira é dividida com os cuidados

aos filhos e à casa. A partilha desigual do tempo, em tarefas domésticas e cuidados

com filho, trouxe algumas consequências também para a trajetória profissional. Isso

me despertou, então, para a relevância de conhecer mecanismos que, recriando

tradições e costumes, legitimam hierarquias sociais de gênero, marcas de tantas

trajetórias femininas. Foi, também, o modo de associar esta pesquisa às referências

voltadas no pensar de novas relações entre homens e mulheres. Pude, aí,

incorporar o entendimento de que os processos de produção de identidade dos

indivíduos não são naturais ou estáticos, mas se constroem ao longo da história

individual, inscritas num determinado momento histórico e num dado contexto social.

Assim, os dilemas vividos como mulher, em relação ao desejo de construir uma

família e, ao mesmo tempo, de afirmação profissional, começaram a me fazer

pensar que os projetos profissionais não se fazem ao largo das relações de gênero.

Além disso, os limites e possibilidades vividos em função do lugar social que

ocupara, serviram para fomentar minhas questões sobre essa temática.

Movimentos da trajetória pessoal misturam-se aos da profissional. A prática

como orientadora profissional colocou-me diante do desafio de repensar tanto as

abordagens teóricas quanto as práticas, que incidem sobre os projetos profissionais,

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sobretudo aquelas pautadas numa visão liberal de homem e apoiadas,

exclusivamente, na aplicação de testes psicométricos. Percebi limites e grandes

lacunas sobre o entendimento da dinâmica das interações sociais, úteis para se

tratar do assunto.

Recupero em minhas memórias, um exemplo emblemático desses limites.

Destaco uma fala, ao mesmo tempo singular e plural, de uma jovem de 16 anos,

estudante de escola pública, negra que eu atendera no projeto de extensão

“Orientação Vital Vocacional” 4. Quando participa de uma dinâmica sobre profissões,

recorta a foto de uma mulher executiva de uma revista e explica a sua escolha: “O

que eu quero ser?... Eu quero andar de terninho, salto alto, bem arrumada,

escovada, maquiada, com pasta de couro, andando para lá e para cá. Quero

trabalhar num prédio bem alto e ‘chique’” e apontou para a figura. Nessa fala,

emerge o desejo de realização profissional, por meio da imagem de uma figura

feminina, aparentemente, bem-sucedida5. Mas, a qual profissão essa menina se

referia? O que, exatamente, gostaria de fazer? Que caminhos trilhar para chegar lá?

Ela não sabia... Na época, nosso trabalho consistiu na aplicação de testes

vocacionais e em, a partir dessa representação, tentar desmistificar aspectos

imaginários e tornar sua opção mais consciente – hoje sei da impossibilidade de

fazê-lo. Mas, havia algo mais. Essa fala ecoou durante anos, sobretudo por portar

significados que à época eu não percebia, não porque estivessem escondidos ou

distorcidos pelo efeito de alguma ideologia. Estavam lá, mas apenas estudos e

experiências posteriores possibilitaram-me vê-los. Estava diante da fala de uma

menina que, na sociedade atual, indicava a atualização de antigos modos de “ser

mulher” e de localizar-se no “mundo do trabalho” de uma dada “sociedade

capitalista”. Isso reforça a minha percepção sobre a necessidade de adentrar

estudos sobre o contexto e a produção de indivíduos sociais.

4 O projeto de extensão “orientação vital vocacional”, no qual minha participação se deu como extensionista, data de 1998, trata-se de uma ação do programa de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Éramos seis extensionistas e os atendimentos, sob a supervisão do Dr. Elmo de Oliveira Martins, eram feitos, somente, aos estudantes de escola pública da grande Vitória. 5 Erikson (1987), um importante estudioso no campo da adolescência, afirma que neste período irá definir-se de fato, a identidade sexual, profissional e ideológica (político-religiosa). As transformações que passaram os jovens, nessa etapa, resultarão num sentimento de “eu sou”. Utiliza uma base fundamentada na teoria psicanalítica em que concebe que as escolhas estão relacionadas com aspectos inconscientes do adolescente, pertencentes à dinâmica das pulsões e das relações objetais vividas com as figuras maternas e paternas. Embora não seja esse o pressuposto adotado na pesquisa, partilho a ideia de que a escolha da profissão marca, profundamente, a identidade de uma pessoa e, define, em certa medida, o lugar a ser ocupado socialmente por ela.

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Nos estudos de Michel Foucault (1974, 1997, 2000 e 2004), encontrei

reflexões importantes sobre a produção dos sujeitos históricos, entendidas como

resultado de uma trama de poder e saber local. Nessa orientação, desenvolvi a

pesquisa de Mestrado em Educação na Universidade Federal do Espírito Santo

(UFES): “Um estudo sobre as políticas de aprendizagem/cognição que se

materializam nas atividades educativas escolares”. O objetivo foi verificar como o

mundo do trabalho impacta as formas de produção das subjetividades pela via dos

processos ensino-aprendizagem, presentes nas práticas educativas escolares.

Nesse estudo, pude verificar que as formas de aprendizagem, atualizadas nas

práticas educativas, não dizem respeito apenas a uma concepção científica, mas,

principalmente, a uma questão política. Isso porque as formas de entender e de

conduzir os processos de aprender, efetivadas cotidianamente, se dão nos marcos

próprios a um dado contexto e, nele, são produzidas: desse modo, parecem atuar

sobre a rede de relações sociais e assim, forjar subjetividades6. Modos de ser, aí

produzidos, evidenciam as novas exigências do mercado de trabalho: um

trabalhador flexível, polivalente, criativo, capaz de aprender a aprender, frente às

inovações tecnológicas. Essas políticas conflitam, entretanto, com antigas práticas

que atuam na formação de alunos/as-trabalhadores/as no estilo taylorista-fordista,

marcadas pela rotina, repetição e mecanização dos processos de ensinar e de

aprender, entre outros. Muito embora nesse espaço de conformação, de formação

de modos de ser com vista ao mercado de trabalho, há possibilidades de luta e de

invenção de outros modelos e outras formas de ser e estar no mundo. Os estudos

de Virgínia Kastrup (1995, 1997, 1999), Félix Guattari (1996), Maturana e Varela

(1995), foram fundamentais para o desenvolvimento desse trabalho inicial e, ainda,

as contribuições de Harvey (1998), Antunes (1995) e Sennet (2001) que abordam o

impacto do mundo do trabalho na formação de modos de ser trabalhador,

desenhados no interior da instituição educacional. A perspectiva desenvolvida no

mestrado contribui, então, para alargar a noção de contexto e levou-me a considerar

o impacto da formação educacional, atrelada às necessidades impostas pelo modo

capitalista de produção, nos projetos profissionais.

6 Verificamos, ainda, que os discursos modernos sobre a “competência”, “aprender a aprender”, “criatividade”, entre outros, que se desenham no cenário educacional como inovadores, expressam as mudanças propostas pelo novo modelo de reestruturação da economia capitalista - a chamada reestruturação produtiva.

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Continuaram outras inquietações. A questão de gênero atualizava-se naquela

lembrança referida a uma forma de representar o feminino: “quero andar de terninho,

salto alto, bem arrumada, escovada, maquiada”... E se misturava a tantas outras de

jovens que atendia: “os homens são bons em cálculos”; “mulheres são melhores em

história e geografia”; “psicologia é coisa de mulher”; “engenharia é mais para

homem”; “nunca vi um homem assistente social ou pedagogo”. De fato, ganhava

consistência a ideia de que o campo do gênero atua nos projetos profissionais. No

entanto, essa questão assume contornos mais bem definidos a partir dos estudos

realizados no Programa de Doutorado em Serviço Social da Universidade Estadual

do Rio de Janeiro (UERJ), cujas rupturas e continuidades, com estudos anteriores,

foram fundamentais para um melhor entendimento das relações de gênero. A visão

que possuía, advinda, sobretudo, da participação de movimentos sociais no Espírito

Santo, foi marcada por binarismos e por um forte apelo às teorias do patriarcado, o

que limita as possibilidades de explicações fora dos esquemas de dominação

tomados em oposição e definidos como próprios às relações entre masculino e

feminino7. Os estudos de Scott (1990, 2002), Heilborn e Sorj (1999), Nicholson

(2000), entre outros, auxiliam a compreensão do aspecto relacional do gênero. Ou

seja, um gênero só existe em função do outro, de tal forma que tanto o processo de

dominação, quanto o processo de emancipação envolvem relações de interação,

conflito e poder entre homens e mulheres. Também contribuem, sobretudo, os

estudos de Scott (1990), para o entendimento de que as relações sociais são

legitimadas e construídas pelo gênero e que, em função disso, pode ser considerado

uma primeira maneira de dar significado às relações de poder.

Últimos movimentos importantes para a delimitação do objeto de pesquisa

também se fizeram ao longo do curso de doutoramento. Ampliei as referências para

a compreensão das relações sociais e das relações entre indivíduo e sociedade a

partir do contato com Bourdieu. Com isso, passei também a considerar a relevância

do estudo das classes, de raça e geração no âmbito dos projetos profissionais. A

trajetória da jovem, em sua opção indefinida, mas em busca de “sucesso”, adquiriu

novos significados. Percebi que representações sobre modos de ser, significativos

de sucesso, pertencem a um dado campo cultural e associam conceitos que

7 Vale lembrar que os movimentos feministas, ao longo de sua história, foram marcados pelo paradoxo da diferença. Segundo Scott (2002), ele têm reafirmado a “‘diferença sexual’ ainda que pretenda eliminá-la”. Isso porque se pautaram em políticas democráticas que igualaram individualidade e masculinidade.

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poderão orientar os projetos profissionais. Essas representações circulam no meio

social e formatam determinados capitais culturais, bem como comportamentos. Ser

mulher é uma coisa, mas ser mulher, negra, pobre, estudante de escola pública

muda expectativas; efetivamente, isso tem impactos em sua vida, como ela mesma

registra: “Não sei se consigo passar em Administração na UFES... Se eu não passar

no vestibular este ano, não vou tentar novamente... Preciso trabalhar logo.” A

posição que ela ocupava, por outro lado, também traduzia o desejo de “ser” algo que

lhe proporcionasse um futuro diferente. Buscava, assim, fugir de certas

determinações postas por condições sociais de classe como ser filha de empregada

doméstica e de eletricista. De fato, há lutas e tensões por conhecer no interior desse

campo.

Avalio nesse quadro o quanto explicações psicologizantes sobre as “escolhas

profissionais” têm escondido aspectos sociais, econômicos, históricos e culturais e

acabam por atribuir aos fatores internos do desenvolvimento do psiquismo a

responsabilidade de determinar a opção profissional dos adolescentes. Por outro

lado, não pretendo cair num extremo oposto, imputando essas “escolhas” apenas às

estruturas sociais, deixando de explicitar os mecanismos pelos quais determinações

presentificam-se nas diferentes trajetórias dos sujeitos. Uma perspectiva que articule

indivíduo e sociedade numa relação dialética, em que o indivíduo não apenas

atualiza e reproduz as influências de seu contexto, mas as articula em seu interior, é

afirmada neste estudo. Para isso, foi necessário alargar o campo de pesquisa e

buscar em outras áreas contribuições para se repensar essa questão.

Os estudos desenvolvidos na área da história política e cultural8,

acompanhados das orientações da professora Suely Gomes Costa, propiciaram o

entendimento de que a análise da trajetória dos indivíduos revela, em sua

singularidade, atualizações dos modos de ser, forjados no tempo histórico e na

cultura. As experiências humanas foram, então, relidas a partir de contribuições de

8 A história política e a história cultural são praticamente indissociáveis. O foco da política é o estudo da maneira pela qual os grupos de seres humanos organizam suas vidas e dirigem ações que determinam as relações no interior de grupos, o que implica necessariamente na criação de sentidos, significados e valores que organizam a vida coletiva, ou seja, implica na questão cultural. Esse campo, então, lida com realidade e pessoas na temporalidade. Sobrepõe-se à história das mentalidades e à nova história (RÉMOND, 2003). Remond (2003) identifica que a história política era considerada factual, subjetivista, psicologizante e idealista e aponta para uma história política renovada, na historiografia francesa, em função de mudanças no cenário político. Guerras, relações internacionais, mudanças nas políticas públicas dão crédito ao fato de o político ter consistência própria e “uma certa autonomia em relação aos outros componentes da realidade social.

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Koselleck (2006), Elias (1990), Williams (1969), Velho (1999), Pesavento (2004),

Rémond (2003), Thompson (2002), Revel (1998), entre outros.

De minha aproximação com esse conjunto de informações, resultou a

compreensão de algo trivial: as experiências humanas situam-se num tempo

histórico e, caracterizam esse tempo de muitas complexidades. Examinar a relação

espaço-tempo no qual se situam as experiências dos sujeitos traz os desafios de

enfrentar o conhecimento das interseções de processos de longa duração histórica

com outros tempos múltiplos. Em geral, busca-se no passado as explicações para o

presente. A proposta deste trabalho se fez por outra via: são as experiências

inscritas e sentidas, no presente, que podem propiciar a compreensão do hoje,

perspectiva afirmada por Koselleck (2006). Busco compreender os projetos

profissionais a partir da análise das experiências no presente e com elas faço uma

releitura do passado. Nessa orientação, associo ainda, as contribuições de

Raymond Williams (1969) sobre as “estruturas de sentimentos”9. Seu intuito foi dar

visibilidade ao que foge ao fixo, ao que já está instituído e que, exatamente, por isso,

pode vir a não se manter. Tratar dessas estruturas, nas palavras do autor, significa

definir “[...] uma experiência social que está ainda em processo” (p. 134). Trata-se,

então, de pensar a formação dessas estruturas de sentimento – que persistem e que

mudam – nos projetos dos sujeitos que se preparam para o ingresso no Ensino

Superior. Quais as razões e sentimentos que portam? O que sonham? Que

aspirações e desejos esperam efetivar com seus projetos profissionais? O que move

esses projetos? Medo do fracasso, desejo de sucesso, querer seguir a profissão dos

pais... Muitas percepções, sensações e sentimentos misturam-se, mas é exatamente

isso que dá sentido aos projetos e que orienta as ações individuais.

Relevância do Tema

Localizo a relevância da pesquisa, em primeiro lugar, às contribuições que

traz ao próprio campo de estudos da área de orientação profissional. Nesse sentido,

significou um esforço de preenchimento de lacunas de conhecimento sobre as

9 O conceito desenvolvido pelo autor opõe-se ao conceito de ideologia, entendida tanto como visão de mundo de uma classe como ao conjunto de idéias, crenças e valores dominantes. O conceito de ideologia impede de se perceber valores e significados emergentes, do novo.

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relações indivíduo e sociedade com vistas à compreensão dos projetos profissionais.

Passando por teorias, que focam a medição de características psicológicas

individuais – vertente ainda forte na atualidade – às teorias que explicam a

problemática pela via da psicanálise, da psicodinâmica, do desenvolvimentismo ou

do processo decisório, o fato é que essas tendências psicológicas ainda não

abordaram, de maneira suficiente, como se dá as interações entre indivíduo e o

contexto em que vive. Essas interações constituem-se em ponto fundamental para

se compreender o fenômeno em questão.

É possível situar algumas tendências atuais nesse campo de estudos. Há

teorias que focalizam as características pessoais e os processos psíquicos que

governam as “escolhas profissionais”, dando pouca atenção ao campo social no qual

o indivíduo está inserido. Outras, consideradas teorias econômicas, postulam que a

estrutura de salários e das profissões é que irá determinar o caminho a ser seguido

pela força de trabalho, desconsiderando seus gostos, desejos, vontades, etc. Há,

ainda, as consideradas sociológicas, que focalizam a explicação na reprodução da

estratificação da estrutura social em detrimento das características individuais ou da

forma de organização para o trabalho. A partir desse quadro, vê-se que ora a

explicação para o fenômeno da “escolha” centra-se ora no indivíduo, ora em

processos sociais, como se fossem entidades opostas e separadas. O que abre

caminhos para pesquisas que melhor investigue as relações entre indivíduo e

sociedade, e, as considere na feitura de projetos profissionais.

Esta pesquisa, também, traz contribuições a um terreno fértil de pesquisa

sobre gênero e profissões. Os estudos indicam que, apesar do aumento da

participação feminina no mercado de trabalho e do maior tempo de dedicação das

mulheres aos estudos, há uma concentração de mulheres em profissões precárias

que pagam menores salários, sobretudo, na área da educação, da saúde e em

programas assistenciais. A feminização de profissões tem sido investigada por

Bruschini (2007), Bruschini, Ricoldi e Mercado (2008), Dedecca (2008), Hirata e

Kergoat (2008), Schweitzer (2008), Salas e Leite (2008), Marry (2008), Henau e

Puech (2008), Chamon (2006), Lopes e Leal (2005), Apple (1987), entre outros.

Demonstram que em profissões tradicionalmente femininas como magistério, serviço

social e enfermagem há uma concentração de baixos rendimentos e condições

precárias de trabalho. É fato que, em exames conjunturais, vê-se o ingresso

crescente de mulheres em profissões como direito, medicina e engenharia,

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profissões tradicionalmente, valorizadas. Por outro lado os estudos citados também

observam, que o ingresso maciço de mulheres, em determinadas profissões, inicia

uma tendência na queda de salários e de prestígio das mesmas. Mas, por que isso

ocorre? Ao que tudo indica, e o que procuro mostrar, as opções profissionais

femininas bem como a feminização de profissões apontam para a construção de um

campo de significações sobre o feminino e o masculino, assentada numa

experiência legitimada social e historicamente, e que se atualiza na construção dos

projetos profissionais. Do mesmo modo, as interseções das relações sociais de

gênero, com as de classes, de raças/etnias dentre outras, situa este estudo numa

busca de caminhos de entendimento sobre processos sociais mais amplos, que se

inscrevem no presente impactando as experiências dos jovens e adultos que estão

por ingressar no Ensino Superior.

Ocupar-se desses processos como reveladores de sensibilidades dos

entrevistados, permite-me ainda, situar a relevância deste estudo, mesmo que em

caráter preliminar, num conjunto de reflexões de duas questões políticas cruciais da

atualidade: as transformações do mundo do trabalho e as práticas de

democratização do ensino, sobretudo, o superior. As transformações do mundo do

trabalho são tratadas por Antunes (1995, 2009), no desenvolvimento da tese da

‘processualidade do mundo do trabalho’ no atual estágio do capitalismo. De um lado,

destaca a diminuição da classe operária industrial tradicional, com a entrada da

robótica, microeletrônica e outras novas tecnologias nas indústrias. Por outro, indica

o crescimento do assalariamento no setor de serviços e nas formas de emprego

subproletarizadas como indício da expansão do trabalho parcial, temporário,

precário, subcontratado e terceirizado. Todas essas transformações vêm

acompanhadas de impactos na subjetividade dos indivíduos, em suas formas de

perceber, ser, pensar, agir, comportar-se e sentir. É o que tem mostrado os estudos

desenvolvidos por pesquisadores sociais como Sennet (2001), Deleuze e Guattari

(2004) e Dejours (2004).10 Pesquisas no campo educacional também foram

10 Os impactos dessas transformações na subjetividade do trabalhador foram objeto de investigação de Sennet

(2001), em a “corrosão do caráter”, que mostra uma relação entre a flexibilidade exigida pelas novas formas de gestão do capitalismo atual e a ansiedade produzida nos trabalhadores. Junto a ela, Sennet mostra que o principal sentimento presente nos trabalhadores é o medo de perder o controle e deixar sua vida emocional à deriva. Deleuze e Guattari (2004) também denunciam a produção em larga escala que se faz através das instituições sociais das quais emerge uma “subjetividade capitalística” atrelada aos novos arranjos do sistema. Dejours (2004) também traz contribuições para a área de trabalho e subjetividade. Mostra, na “psicodinâmica do trabalho”, o quanto as condições adversas da atividade laborativa no capitalismo podem trazer sofrimento psíquico ao trabalhador. A noção de sofrimento é central em sua obra e implica um estado de luta constante do sujeito contra as forças que o estão empurrando em direção à doença mental. A partir dessa percepção o autor

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desenvolvidas com o intuito de tratar do impacto na formação escolar dessas

transformações do mundo contemporâneo – dentre elas, destaco a própria pesquisa

que desenvolvi no mestrado, Almeida (2002). Os trabalhos de Frigotto (1996, 2001)

e Gentili (1996, 2001), nessa perspectiva, demonstram a criação de uma nova

ordem social e cultural a partir das transformações do trabalho que impacta todas as

esferas da vida humana – inclusive a educação e a formação de novos modos de

existência.

Atenta a tudo isso, esta tese vê-se diante de um enorme desafio quando

reconhece a necessidade de adentrar nesse universo, de maneira a investigar como

os processos mais amplos da sociedade estão compondo o campo de experiência

desses indivíduos. Que sentidos, esses processos, imprimem às conquistas, aos

sucessos e insucessos dos jovens que estão buscando uma profissão? E como

impelem, ou não, jovens e adultos na busca por uma formação superior?

Assim, tornou-se igualmente relevante avaliar as práticas de democratização

do ensino, sobretudo o superior, visto como modo de acessos a direitos sociais.

Organizações do trabalho têm priorizado análises sobre o tema assentadas no

modelo político-econômico-social contemporâneo, com foco nos nexos entre

profissões e políticas neoliberais, globalização e inovações tecnológicas (ANTUNES,

1995, 2002, 2009). O discurso sobre a “sociedade do conhecimento” ou o

“paradigma do conhecimento”, tem atribuído grande valor ao capital intelectual e, por

isso, à valorização da capacitação e da qualificação das pessoas no mundo do

trabalho (ZARIFIAN, 2003), situando incentivos à ampliação da escolarização e

proposições de garantia de direitos à educação. Essas proposições têm orientado

medidas enunciadas nas políticas de cotas no Ensino Superior e em projetos

estaduais e federais, como o Programa Universidade para Todos (ProUni)11, o

Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)12 e Programa “Nossa Bolsa”, uma

expressão de políticas de caráter compensatório13. Essas têm facilitado o acesso de

jovens a instituições de Ensino Superior, convocados, a todo instante, num país

explica em que consistem as estratégias utilizadas pelos trabalhadores para enfrentar esse sofrimento e como elas surgem e evoluem. 11 Informações disponíveis em: http://ProUni-inscricao.mec.gov.br/PROUNI/inf_est.shtm acessado em

03/04/2020. 12 Informações disponíveis em site: www.enem.inep.gov.br. Acessado em 03/04/2010. 13 Informações disponíveis em: www.nossabolsa.es.gov.br. Acessado em 03/04/2010.

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cujas práticas educativas têm sido precárias e marcadas por exclusão das classes

sociais menos favorecidas. Nesse contexto, há quem se posicione à favor das

políticas compensatórias, alegando ser uma forma de restabelecimento de direitos

negados, historicamente, a um grupo excluído. Como há aqueles que se posicionam

contra tais políticas, seja em função da afirmação da meritocracia ou do

reconhecimento de que essas políticas podem acirrar as diferenças entre negros e

brancos, ricos e pobres, homens e mulheres, entre outros. Para além desse debate,

este trabalho intercepta o campo de interesse dessas políticas ao voltar-se para

experiências dos indivíduos que pretendem ingressar na Universidade Federal do

Espírito Santo; sua relevância está nessa busca de compreensão de contingências

nas quais as expectativas profissionais se dão, considerando as orientações de

políticas compensatórias. Outra relevância da pesquisa localiza-se nas razões para profissionalização,

quando são restritos os achados que retratem a constante dinâmica das profissões e

suas ressignificações a cada conjuntura. Há uma concentração de estudos sobre as

profissões, tradicionalmente, prestigiadas como medicina, direito e engenharia

(BARBOSA, 1998, 2003; BONELLI, 2005) e sobre as profissões em que

predominam a feminização ou um caráter excludente como serviço social, nutrição,

enfermagem e magistério (APIREBENSE; BARREIRA, 2008; ENGUITA, 1989). A

contribuição dessa pesquisa, ao campo de profissionalização, dá-se no

detalhamento de razões e sentimentos que emergem das experiências de indivíduos

concretos e que colocam determinadas profissões em seu horizonte de expectativas.

Contribuições Teórico-Metodológicas

Com o objetivo de dar visibilidade ao campo de experiências dos sujeitos,

para compreender como constroem seus projetos profissionais, este trabalho viu-se

diante de desafios ao examinar contribuições da história política renovada em muitos

paradigmas: restaurar o lugar do sujeito na história, colocar em dúvida o

determinismo do passado sobre o presente e recuperar a análise das sensibilidades

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como lugar de formação das lutas sociais 14. Nessa orientação, pensar as estruturas

de sentimentos (WILLIAMS, 1969) e, portanto, sensibilidades que emergem dos

processos de vivência de cada tempo, favorece o entendimento das contingências

em que práticas e hábitos sociais – sempre múltiplos e ambíguos – organizam-se.

Nessa perspectiva, as sensibilidades – razões e sentimentos – com que os

indivíduos expressam o que vivem, estão nas formas pelas quais a representam, lhe

conferem sentidos, e orientam suas escolhas. As reflexões de Bourdieu (2004, 2007)

sobre o habitus, entendido como um conjunto de maneiras permanentes e duráveis

que foi adquirido a partir de como os indivíduos representam e percebem a

realidade, convergem para a relevância de examinar essas sensibilidades15. O

habitus não se restringe apenas à esfera individual, mas experiências socialmente

partilhadas; desse modo, o autor expõe a vida social, mas, sem perder de vista a

posição social de origem do indivíduo. As ações humanas, organizadas pelo habitus,

são construídas nas condições de existência material e espiritual vividas,

historicamente, por um grupo; elas se fazem em vários “campos”, ou seja, em

espaços estruturados a partir da distribuição desigual de bens materiais e

simbólicos.

Com essas contribuições, entrevi a possibilidade de compreender que os

projetos profissionais se fazem em função de um conjunto de ações, percepções,

interesses, etc. os quais os indivíduos constroem ao longo de suas vidas e que, de

maneira consciente ou não, mantêm ou elevam a posição que ocupam na

distribuição dos bens materiais e simbólicos de um campo social. Assim, admitindo o

habitus como construído em função de determinadas condições constituintes de

campo sociais, tornou-se possível perceber a relevância de examinar os projetos

profissionais a partir de lugares e de atributos dos sujeitos junto a certos padrões de

comportamento, bem como de determinadas visões de mundo dos jovens. Essa veio

a se construir na matéria reconhecida nas entrevistas selecionadas para esta

14 Os estudos sobre sensibilidades no âmbito da história, presentes nas abordagens marxistas de Raymond Wlilliams (1969), Keith Thomas (1988) e E. P. Thompson (2002); são retomadas, mais recentemente, por Bourdieu; na história cultural são fundamentais as contribuições de Le Goff, de Certeau e de Chartier. Na antropologia, Durand representa essa perspectiva e, na filosofia, Castoriadis trata do tema. No Brasil, o tema ressurge nas diferentes tradições dos estudos culturais. 15 Sua perspectiva se desenvolve pelo viés da sociologia numa alternativa interacionista e dialética que foge tanto de explicações meramente subjetivistas quanto objetivistas, em que procura fazer uma mediação entre a instância social e as práticas individuais.

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pesquisa. A construção do objeto de pesquisa foi permeada pela ideia que os

indivíduos constroem suas visões de mundo de maneira ativa e com uma

(re)construção nos deslocamentos de determinadas posições dos indivíduos no

interior de seu campo. Mas como adentrar nesse campo de análise?

Inicialmente, a orientação metodológica seguiu um caminho mais

macroanalítico, o qual se revelou insuficiente para a análise do problema proposto.

Era preciso penetrar a espessura do real, para dar visibilidade à construção de

razões e sentimentos, que acompanham os projetos profissionais, de modo a

entender sentidos/significados que os orientam. O que foi possível com a pesquisa

qualitativa. Aproximar-me, entretanto, não foi fácil. Há muita controvérsia e polêmica

em torno dessa questão. Além da crítica de interferência do sujeito em seu objeto de

estudos, feita por aqueles que, envoltos na ilusão da ciência moderna, crêem na

neutralidade/objetividade da ciência, há também outro conjunto de críticas que

denunciam a impossibilidade de generalização de resultados obtidos em uma

análise de caráter local. Os estudos nos quais são proferidas tais críticas pautam-se,

em geral, em macroanálises, em esquemas generalizantes do pensamento e numa

outra ilusão moderna: a de acreditar que o mundo funciona como uma máquina e

que é possível fragmentá-lo e entendê-lo a partir do conhecimento dessas partes.

Há limites, portanto, das abordagens quantitativas para a compreensão do real, que

é múltiplo e sujeito a transformações. Isso não significa, necessariamente,

abandonar a metodologia quantitativa de pesquisa, mas apenas dominar seus

limites diante da complexidade dos fenômenos que se desenham no campo social.

Conhecer os jogos de escalas postos pelas relações entre macro e a microanálise,

associadas, permite dominar as imprecisões de conhecimento que se dão numa e

noutra abordagem. A perspectiva qualitativa faz expressar aspectos ocultos das

macroanálises e oferece um modo de contornar limitações de conhecimento,

segundo Revel (1998).

Procurei, então, recorrer a microanálise: a partir do exame de trajetórias de

alguns estudantes, analisar razões e sentimentos que presidem projetos

profissionais. Também estive atenta às conjunturas em que essas experiências

observadas estão inscritas, sem desprezar dados macrossociais que lhes são

pertinentes. O desafio foi, exatamente, desvelar processos sociais e culturais tanto

restritos a essas experiências locais, quanto mais amplos e gerais que estão nos

projetos profissionais dos jovens selecionados para entrevista. Nesse ponto, os

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estudos de Koselleck e de Elias16 trouxeram importantes contribuições. Elias (1990)

sugere que se busque no aspecto microssocial, características de processos sociais

de longo prazo, ou seja, que se visualize o instante, como significativo para um

recorte vivo de uma história de longa duração. Os projetos profissionais, então,

puderam ser compreendidos como um “espaço de experiência”, como afirma

Koselleck (2006), em que se constroem “horizontes de expectativas”. Localizar os

significados construídos num campo de experiência – o que se faz com um horizonte

de expectativas – pode contribuir para desvelar os processos sociais de longa

duração que estão colocados nesse campo. Isso me remete à questão: como esse

campo de experiências se faz e em torno de que horizontes de expectativas constrói

seus sentidos civilizadores?

O processo civilizador trata das transformações pelas quais os homens

operam na natureza física e social, criando formas sociais de convivência a partir da

definição de valores, formas de sentir e de agir em função dos interesses de grupos

ou classes sociais dominantes. Nesse sentido, reconheço a importância das

contribuições de Elias (1990), ainda que com certas cautelas teóricas quanto à

noção de processo civilizador tributário da perspectiva freudiana. Uma das

importantes contribuições de Elias, para este trabalho, está em reconhecer que

indivíduo e sociedade não são entidades estáticas e separadas. Estão em constante

transformação e são entendidos como processos que se articulam e participam das

transformações estruturais um do outro.

Dessa forma, é possível compreender as negociações que presidem a

construção dos projetos profissionais. Velho (1999) postula que um projeto se faz

num campo enorme de possibilidades do qual o indivíduo dispõe e em meio à forças

coercitivas de processos sociais mais abrangentes. Os projetos são implementados

e formulados em vários campos de possibilidades, de múltiplas dimensões sócio-

culturais, sobretudo nas sociedades complexas em que diferentes estilos de vida e

visões de mundo coexistem. Resultam de processos de negociação que constituem

a vida social e vinculam-se tanto aos códigos culturais de certas conjunturas, quanto

aos de processos históricos de longa duração. É possível, então, compreender que

um dado projeto expressa um desejo representado como uma configuração do

16 Elias (1990) denuncia que a sociologia do século XX fez desaparecer de suas pesquisas a investigação de processos de longa duração. Para ele isso ocorreu em função dos modelos teóricos de desenvolvimento social terem se baseado em questões políticas e não empíricas, caindo em descrédito. Isso fez com que se instalasse um presentismo na história.

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futuro; trata-se de uma antecipação do futuro no presente; nela, há fixados objetivos

e fins. Esses estudos ajudaram-me a pensar sobre a perspectiva histórica e a

indagar em que medida a cultura se faz como expressão simbólica da realidade,

presente no campo de experiência individual, mas sempre como uma expressão de

expectativas futuras como indica Koselleck.

O Campo, os sujeitos e as fontes de pesquisa

Tendo por objetivo dar visibilidade ao campo de experiência dos/as

vestibulandos/as de pré-vestibular de Vitória, ES, para compreender como nele se

constrói um horizonte de expectativas em relação a futura profissão, foram

selecionados, nas entrevistas, elementos representativos, tanto em experiências que

compõe sua trajetória de vida, a partir de suas memórias, como das expectativas

traçadas em relação ao futuro. Para analisar sensibilidades presentes nessas

expectativas, vi-me diante da difícil tarefa de encontrar a tradução das emoções e

sentimentos com algum grau de materialidade, ou seja, com algumas “objetividades

palpáveis” (PESAVENTO, 2004, p. 6). Evidências do sensível podem ser

encontradas em palavras, sons, gestos, práticas, em razões e sentimentos muito

plurais. O testemunho, nesse caso, foi a fonte de expressão de razões e

sentimentos que orientam projetos profissionais dos/as entrevistados/as. Mas, cabe

ressaltar que as sensibilidades não são medidas; para examiná-las é necessário um

mergulho nas subjetividades localizadas nos modos pelos quais os indivíduos

expressam sua trajetória de vida e falam de seus projetos profissionais como

expectativas de vida futura.

Como sujeitos de pesquisa, foram escolhidos vestibulandos/as agrupados

segundo vínculos, com dois distintos cursos preparatórios para o vestibular de

Vitória, ES: um da rede privada e outro da rede pública. Esse critério decorreu do

mero reconhecimento de que esses cursos organizam a distinção de

vestibulandos/as segundo classes sociais a que pertencem esses estudantes. O

curso pré-vestibular privado é integrado ao terceiro ano do Ensino Médio. É um

curso que atende uma população bastante diversificada, em geral, pertencente a

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diferentes segmentos sociais das classes médias e altas17. Visto que se trata de

uma escola considerada como a “melhor preparatória para o pré-vestibular”, para ela

se dirigem aqueles que possuem boas condições financeiras, embora também

incorpore aqueles que, mesmo sem dispor de grandes recursos, esforçam-se e

economizam para enfrentar os pagamentos exigidos. De qualquer forma, só há

indivíduos pertencentes à classe A, B e C, assim classificados segundo critérios

estabelecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os/as

vestibulandos/as desta escola, em geral, dedicam-se apenas aos estudos, não tendo

que dividir tais funções com uma atividade laborativa. Tem idades variando entre 16

a 20 anos e, para eles, passar no vestibular é quase uma “conseqüência natural dos

estudos”.

Já o segundo grupo é formado por vestibulandos/as do curso preparatório

para o vestibular oferecido pela Universidade Federal do Espírito Santo; é gratuito e

parte do projeto social “Universidade para Todos”18. Só podem estudar neste curso

vestibulandos/as de classes populares, que tiveram suas trajetórias acadêmicas em

escolas públicas e não possuem meios de custear seus estudos. O projeto é

mantido por uma Organização Não Governamental (ONG) sem fins lucrativos e

recebe contribuições de grandes empresas do Estado do Espírito Santo. Grande

parte desses vestibulandos/as já está inserida no mercado de trabalho. Muitos deles

pararam de estudar em função do trabalho e, atualmente, voltaram à sala de aula

para buscar uma profissão de nível superior. Utilizando como base a definição

econômica de classe social do IBGE encontram-se, aí vestibulandos/as que vêm das

classes D, E e alguns poucos da classe C.

A utilização do critério de distinção por curso e, desse modo, por nível de

renda criou a possibilidade de examinar esses dois grupos distintos, não apenas por

diferenças postas por condições econômicas, mas, também pela posse de ambos de

17 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística a definição de classe é feita com base nos rendimentos em salários mínimos. Pertencem a classe E àqueles cujos ganhos são de até dois salários mínimos, a classe D obtém rendimentos de 2 a 6 salários mínimos, de 6 a 15 salários mínimos é considerada classe C, de 15 a 30 salários mínimos é considerada classe B e pertencem a classe A os que possuem rendimentos superiores a 30 salários mínimos. 18 Projeto Universidade Para Todos (PUPT) é um cursinho pré-vestibular cujo objetivo é levar conhecimento aos vestibulandos/as que cursaram o Ensino Médio em escolas públicas. Existe um processo seletivo muito disputado para a escolha dos ingressantes. É considerado um dos melhores cursinhos do Estado do Espírito Santo e aprova cerca de 10% dos vestibulandos/as que entram na UFES. Além disso, grande parte dos vestibulandos/as desse projeto consegue bolsa em faculdades particulares financiadas pelo PROUNI. Informações disponíveis em www.es.gov.br ou em www.ufes.br.

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um dado capital cultural ou de determinadas disposições grupais e individuais para a

ação, que impulsionam trajetórias de mesmo sentido apesar das desigualdades

sociais.

A entrada, em ambos os grupos sociais deu-se, inicialmente, com a

apresentação de uma carta do Programa de Pós Graduação em Serviço Social

(PPGSS) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro à Coordenação Pedagógica

dos cursos e, posteriormente, entrevistas pessoais foram agendadas. A partir de

então, fiz a aplicação de um instrumento de qualificação a 460 vestibulandos/as de

ambos os cursos: 230 de cada um (apêndice 1) acompanhado do Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (apêndice 2). O recorte por gênero, idade e etnia,

nas entrevistas que seguiram, deu-se com base na aplicação desse instrumento, o

que ainda possibilitou a identificação das opções por cursos superiores no vestibular

de 2009, na Universidade Federal do Espírito Santo. Desse instrumento, pude extrair

fontes de observação quantitativas.

Foi a partir da aplicação desses questionários que selecionei os 22 sujeitos

entrevistados/as, que forneceram importantes indícios para se compreender a trama

complexa que envolve o tema proposto. Agendei entrevistas com os sujeitos

selecionados. As entrevistas duraram cerca de uma hora e foram previamente

marcadas e posteriormente transcritas. Realizadas as entrevistas, complementei os

informes sobre entrevistas realizadas com coordenadores desses cursos,

considerando a relevância de suas observações sobre projetos profissionais de

vestibulandos/as em geral. Também foram utilizados registros de uma dinâmica de

grupo com essa amostra do curso pré-vestibular público sobre questões relativas

aos seus projetos profissionais. Essas fontes foram enriquecidas com achados

importantes, colhidos em uma dinâmica de grupo aplicada aos sujeitos do curso pré-

vestibular público, uma vez que o privado não autorizou a aplicação dessa etapa.

Também recorri à análise de periódico “Oportunidades Cursos & Concursos” que

trata sobre profissões, carreiras e vestibular, durante o referente período da

pesquisa.

A análise do sensível deu-se, principalmente, a partir das entrevistas

individuais com os/as vestibulandos/as. Foi preciso adentrar a superfície dessas

entrevistas e chegar a tantas questões desconhecidas aos próprios entrevistados, e

que se constituem em fontes de motivação, ainda que nem sempre conscientes. A

experiência da microanálise foi imprescindível. Essas entrevistas seguiram um

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roteiro flexível para tentar apreender o real, evitando uma estrutura rígida de

proposições a serem respondidas. Nas entrevistas, busquei uma comunicação “não

violenta” que, como afirma Bourdieu (2003), um modo de minimizar a violência

simbólica que pudesse ser exercida sobre os entrevistados, em função da posição

com que o pesquisador, em geral, é visto quanto ao capital cultural que representa.

Procurei realizar uma “relação de escuta ativa e metódica” que se afastasse da não

intervenção da entrevista não dirigida e do excesso de dirigismo do questionário,

uma tarefa nada fácil. A proposta não foi, como alerta Bourdieu (2009), construir um

relatório oficial a partir de um relato coerente de uma sequência de acontecimentos,

mas ver as trajetórias que se fazem num campo descontínuo, efêmero, constituído

de múltiplos devires que só podem ser percebidos em seu movimento.

O material das entrevistas levou em conta a memória19 dos entrevistados.

Essas fontes permitem-me captar emoções e razões de uma temporalidade. Dão

visibilidade às experiências tão diversas, construídas com muitas imprecisões,

derivadas das mais diversas contingências. Autocensura, esquecimentos e

preservação de fatos, com apenas alguns de seus significados, fazem-me admitir

que suas manifestações estão longe de reconstituírem as experiências narradas em

todas as suas dimensões. A materialidade trazida está imersa na subjetividade dos

entrevistados e, a todo o momento pode expressar, como indica Bourdieu (2009), a

“ilusão biográfica”. A valorização da experiência pessoal e o resgate da memória,

entretanto, mesmo com todos os riscos, trazem informes sobre processos sociais

nem sempre percebidos. A oralidade20 tem permitido, nesses termos, uma

aproximação com o processo da comunicação e, em conseqüência, com um

importante aspecto cultural: a esfera simbólica.

A idéia central foi localizar, nesse conjunto de fontes, razões e sentimentos

que impregnam o campo de experiências vividas pelos/as vestibulandos/as. A tese,

portanto, é que são as razões e os sentimentos que movem os projetos

profissionais. Razões e sentimentos se constituem na dimensão de articulação entre

19 Como uma tentativa de restaurar a importância do sujeito, expulso durante a modernidade que constrói para a ciência um discurso de morte ao sujeito. Sarlo (2007) identifica nos estudos culturais a partir da década de 1969, uma grande guinada subjetiva, em que as identidades e os sujeitos tomam o lugar das estruturas. 20 A oralidade permite buscar o âmbito subjetivo da experiência humana. Os historiadores se valem da História Oral nos estudos sobre mentalidades e formação de identidades coletivas, em função de abarcar questões culturais e simbólicas. O historiador do tempo presente é contemporâneo a seu objeto, como alguém do seu próprio tempo – longe da neutralidade científica.

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indivíduo e sociedade e são, por isso, a base sobre a qual se forjam os projetos

profissionais. Mas como parte desse campo de experiências os lugares sociais que

transitam não podem deixar de ser visualizados. Gênero, geração, etnia, raça,

classe social marcam as experiências atuais e também projetam horizontes de

expectativas sobre as quais se fazem os projetos individuais. Assim, deparei-me

com outros achados de pesquisa que serão defendidos ao longo deste trabalho: o

recorte de classe é parte constitutiva dos projetos profissionais; o campo do gênero

têm impacto sobre as opções profissionais; os projetos profissionais se constroem

atrelados à lógica da profissionalização e aos romantismos das profissões; a

educação é parte constitutiva do campo de experiência investigado.

Os resultados desses achados de pesquisa foram organizados em quatro

capítulos. No primeiro capítulo, “‘Escolhas Profissionais’ e Campo de Experiências”,

trato de questões relativas ao campo de constituições dos projetos profissionais. A

primeira delas refere-se ao campo educacional, diz respeito às possibilidades de

acesso e de ingresso ao Ensino Superior no Brasil. Revela o caráter discriminatório

e excludente da história da educação brasileira, fenômeno, aliás, de longa duração

histórica. No trato desse campo de experiências, como segunda questão, retomo os

sentidos atribuídos à opção por uma profissão e discuto esses sentidos no campo de

análise da orientação profissional. A terceira questão, referente a esse campo de

experiências é a caracterização espacial e temporal do recorte no qual se fazem as

experiências que investigo. A caracterização de Vitória e do Estado do Espírito

Santo, acompanhado de algumas tendências sociais e econômicas que impactam

nos projetos profissionais. Trato ainda de dados quantitativos, referentes aos 460

questionários utilizados, os quais ajudam a caracterizar os grupos investigados e

delimitar algumas tendências gerais na opção por profissões. E, por último, situo a

importância da investigação microanalítica que possibilita um olhar além das

tendências mais gerais.

No segundo capítulo, “Sensibilidades, Mundo do Trabalho e o Romantismo

Político”, analiso razões e sentimentos que se constroem atrelados à lógica da

profissionalização e, também, aos romantismos das profissões. Parto da discussão

sobre a profissionalização, como um movimento da modernidade, e que ressurge

nas atuais mudanças da organização do trabalho a partir dos autores ligados à

sociologia das profissões. Por outro lado, mostro como essas racionalidades

coexistem com sentidos românticos que são atribuídos às profissões. Mostro como

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esses sentidos opõem-se aos valores propostos e veiculados pelas sociedades

capitalistas industriais. Como parte dos impactos das transformações do mundo do

trabalho, trato, também, do impacto das políticas de cotas sociais na Universidade

Federal do Espírito Santo, na construção dos projetos profissionais e os dilemas que

essa matéria atualiza. E, por último, recupero, no periódico investigado sobre

profissões, como os sentidos românticos e sentidos atrelados às racionalidades do

mundo do trabalho compõem a matéria em circulação sobre o assunto: profissões.

No capítulo três, “Razões, Sentimentos e Feminização de Profissões”, o

objetivo é mostrar, a partir da análise de trajetórias, o gênero como um dos campos

que compõe a experiência humana e seu impacto nos projetos profissionais. O

capítulo inicia com uma discussão sobre equidade entre homens e mulheres. Propõe

que, apesar da média de tempo de escolarização feminina ser superior a do homem

na atualidade – o que sugere uma conquista feminina – isso não se reflete em

igualdade no mundo do trabalho. A ideia principal é que as desigualdades não se

fazem apenas no nível dos salários, mas, principalmente, em função da segregação

setorial por gênero – ou seja, as mulheres concentram-se em profissões ou

ocupações menos prestigiadas, com menores ganhos e condições de trabalho mais

precárias. Mas por que percorrem esses caminhos? Na análise das trajetórias é

possível visualizar, a circulação no campo cultural das mulheres entrevistadas, de

determinados sentidos que criam disposição para a ação, habitus, atrelando o

trabalho feminino aos cuidados e à educação. Justifica-se, assim, a construção de

seus projetos profissionais em torno de certos sentidos, os quais levam às

profissões consideradas femininas. Junto a isso, processos de longa duração como

a “missão civilizatória” das profissões femininas são atualizados nas experiências em

questão. Além disso, também se atualizam nas trajetórias movimentos do mundo do

trabalho, os diferentes usos do tempo de homens e mulheres e a própria divisão

social do trabalho. Esse campo com todas as suas interseções, incluindo, classe,

geração e etnia produzem sentidos que se constroem no campo de experiências e

que se movem em função de um horizonte de expectativas.

No capítulo quatro, “Projetos de Classe e Projetos Profissionais”, a principal

discussão trava-se em como o recorte de classe é parte significativa da composição

e da direção dos projetos profissionais. A inserção em um campo cultural mais

pauperizado impõe aos sujeitos limites, não apenas econômicos, mas, também, de

acesso ao capital cultural, criando um habitus semelhante aos indivíduos que

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ocupam a mesma posição. Neste capítulo, é possível visualizar como se constroem

as experiências dos jovens que ocupam posições sociais privilegiadas. Maior capital

cultural e econômico permite a construção de disposição duráveis para ações

bastante diferenciadas das encontradas nas camadas populares, o que permite a

esses sujeitos um certo “sentido do jogo”, como afirma Bourdieu (2004), pois se

apossam com facilidade das regras do jogo social e têm maior probabilidade de

ascensão. Cursar Ensino Superior, trabalhar apenas quando terminar os estudos (a

faculdade), passar numa Universidade Pública, ter o apoio financeiro e afetivo da

família, nessa trajetória, é parte dos costumes de classes mais privilegiadas. O que

se revela um fenômeno típico e persistente da classe média: buscar nos estudos e

no capital cultural, formas de ascensão social e “maiores aspirações para seus

filhos” como afirma Mayer (1984). Ter acesso a tradicionais cursos como medicina,

direito e engenharia não é apenas um desejo, mas, também, uma questão de honra.

Ao longo dos capítulos, tornou-se clara a percepção que as trajetórias

investigadas tanto seguem certas tendências como se constroem em movimentos de

rupturas a elas. Apesar de a construção de certas disposições para a ação, um

habitus, formado a partir da inserção em campo social e cultural – cruzado por todos

os processos sociais e de longa duração já mencionados – os indivíduos criam,

inventam e rompem com determinações de classe, gênero, raça ou geração. Isso é

visível nas negociações com a realidade de algumas trajetórias, que mostram como

a construção dos projetos transforma o sentido de negar antigos lugares ocupados.

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1 “ESCOLHAS PROFISSIONAIS” E CAMPO DE EXPERIÊNCIAS

Pesquisadora: Para qual curso você fará vestibular?

Liliam: Eu queria mesmo, fazer direito. Meu sonho sempre foi fazer direito. Sempre gostei de história e geografia, de ler... E, desde criança, que tem aquela coisa de querer botar bandido na cadeia, querer fazer justiça mesmo.

Pesquisadora: Mas você não tentará o curso de direito?

Liliam: Não... Não tem como! Eu tenho medo de não passar... É um curso muito concorrido. Mesmo com essa coisa de cotas sociais fica difícil para mim, tive um Ensino Médio muito fraco. Não consigo entrar para o direito.

O diálogo com Liliam21 é indicativo de que gostos, desejos, percepções,

representações, sentimentos e ressentimentos compõe o campo dos projetos

profissionais. Razões e sentimentos que compõe o campo de experiências de Liliam

são a chave para a compreensão de seu projeto profissional. Mas a questão não é

tão simples. Não se trata de recortar sensibilidades individuais para a compreensão

do fenômeno estudado. Se assim o fizesse, não veria mecanismos e processos

sociais mais abrangentes que se escondem e que marcam as diversas trajetórias

investigadas. As experiências humanas são múltiplas e revelam tantos sentidos

construídos e partilhados em cada tempo histórico como processos sociais de longa

duração que permeiam tais experiências.

Começo, então, por investigar, a partir do relato de Liliam, as marcas da

exclusão educacional, um fenomeno da longa duração na história brasileira, como

parte dos projetos profissionais: “Tive um Ensino Médio muito fraco” relata. E,

portanto, Liliam não concorrerá a uma profissão de prestígio social como o direito.

Não se sente capaz. Isso aponta para a recorrência de um movimento de exclusão

no direcionamento dos projetos profissionais. Enquanto os/as vestibulandos/as de

classes mais baixas fazem opções por cursos superiores menos concorridos e de

menor prestígio social, aqules/as de classes mais altas optam por cursos mais

prestigiados e, em consequência, mais concorridos. Soma-se a isso, diferenças que

observei em relação ao gênero, raça e geração, muito atreladas, entretanto, ao

próprio movimento de classes. Embora isso seja melhor discutido ao longo do

trabalho, por ora, trago essas questões por apontarem para um importante

fênomeno de longa duração na história da educação brasileira, que perpassa os

projetos profissionais: o caráter excludente da educação. É a partir dessa realidade,

21 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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que compõe o campo de experiências em questão, que inicio a investigação dos

projetos profissionais.

1.1 Educação Brasileira: elitização e Exclusão

O caráter elitista e excludente da educação brasileira compõe o campo de

experiências e o horizonte de expectativas dos/as vestibulandos/as nos cursos de

preparatório para o vestibular de Vitória. Ingressar numa Universidade Pública do

nosso país é privilégio para poucos. Nessa medida, o vestibular constitui-se num rito

de grande importância, pois representa a possibilidade de entrada no mercado de

trabalho em melhores condições econômicas e sociais. E, acaba por se constituir

num indicativo de sucessos ou fracassos. Destaco, entretanto, que esse processo

meritocrático, de grande impacto na opção por carreiras, não reflete apenas um

momento, é resultado de uma história pessoal e, também, de uma história coletiva,

que merece ser recuperada. Essa história coletiva se entrelaça com a própria

história da educação brasileira. Nela, é possível observar a elitização do ensino e a

exclusão das camadas mais pobres da população – assim como de mulheres e

negros – a uma educação de qualidade e ao acesso às etapas superiores de ensino.

Algumas marcas como a seletividade do ensino (a própria existência do vestibular

para ingresso nas universidades é prova disso), a defasagem entre a demanda e a

oferta, a manutenção de uma educação aristocrática e disciplinadora, que veicula

interesses e valores dominantes, além dos interesses políticos e econômicos,

presentes nas legislações brasileiras, são tendências que se mantém como

aspectos de longa duração na educação brasileira.

Reconheço, como alerta Linhares (2008), os riscos que corro, como

pesquisadora, ao tentar traçar tendências. Riscos de me deixar aprisionar por

“formas, apreendidas em experiências anteriores, que muitas vezes, assumem

modos de clichês e como tais, travam o tempo” (p. 2). O risco de cristalizar o

observável, nas visões de tradições e teorias previamente estabelecidas, sem

observar o quanto a história se fez e se faz nas experiências concretas de homens e

mulheres de um dado tempo. Por outro lado, como a própria autora afirma, não dá

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para deixar de incluir, na problemática educacional, histórias e heranças que a

constituem:

[...] nem vou me acomodar ao retalhamento da problemática educacional, contabilizando-a como uma adição de fatos, sem histórias, de que interdependem seus significantes e significados e, nem tão pouco, fazer-me surda às heranças de uma civilização e de uma racionalidade que nos constituem (LINHARES, 2008, p. 6).

A organização escolar do Brasil surge vinculada à política colonizadora dos

portugueses (RIBEIRO, 2007), marcada por um ideal civilizatório e disciplinatório,

que submetia negros, mulheres e índios aos “mandos” do homem branco,

constituindo-se em relações de submissão: “Submissão externa em relação à

metrópole, submissão interna da maioria negra ou mestiça (escrava e semi-escrava)

pela minoria “branca” [...] da esposa em relação ao marido” (RIBEIRO, 2007, p. 37).

Além disso, desde o surgimento com os jesuítas no século XVI, a educação sempre

foi para poucos e esteve atrelada a interesses políticos dos dominantes da época

(ROMANELLI, 1999). Sempre excluiu em função de classe social, gênero, raça e cor

de pele e com isso, acirrou as desigualdades entre sociais22.

A busca por igualdade no campo educacional surge com a Revolução

Francesa e pautam-se nos princípios de liberdade, igualdade e fraternidade,

proclamados pela “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”. Nesse

contexto, nasce os ideais da escola pública tal como a conhecemos, laica e

universal. É bem verdade, entretanto, que esses ideais jamais chegaram a se

efetivar como prática corrente na história da educação. A luta pela democratização

do ensino, como forma de garantir iguais oportunidades de acesso à educação tem

sido uma constante na história da educação brasileira. O início da democratização

da educação brasileira dá-se com a Proclamação da República, em 15 de novembro

de 1889. Até então, estava nas mãos dos jesuítas e, portanto, atendia aos

interesses civilizadores dos colonizadores portugueses, atrelados ao modo de

produção escravocrata. A instrução, nesse período, não era considerada atividade

social importante e precisava ser conveniente à camada dirigente do país na

articulação dos interesses metropolitanos às atividades coloniais: “Dela estava excluído 22 Kreutz (2001, p. 141), ao estudar sobre um conjunto de “estranhamentos e conflitos étnico-culturais” presentes no processo de expansão e implementação da escola pública no Brasil, mostra como o objetivo de “civilizar os povos”, silenciou e deslegitimou as especificidades étnico-culturais. Todas as políticas de inclusão de índios e negros, inclusive, passaram por essa “civilização”, por uma educação que acaba por ocultar especificidades desses povos (MENEZES, 2001).

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o povo e foi graças a ela que o Brasil se ‘tornou por muito tempo, um país da Europa’,

com os olhos voltados para fora, impregnado de uma cultura intelectual transplantada,

alienada e alienante” (ROMANELLI, 1999, p. 35). A república, entretanto, modifica esse

quadro e instaura um ideário de crescimento que é necessidade da formação

educacional. A república resultou de um golpe militar que contou com uma parcela do

exército, a classe dominante proprietária de terra, os “barões do café” e

representantes das classes de intelectuais médias urbanas (RIBEIRO, 2007). Essa

camada progressista em constante crescimento e desenvolvimento, sobretudo, a

partir da urbanização do país nas primeiras décadas do século XX, contribuiu para a

democratização da educação:

Constata-se com certa facilidade que, após o advento da República, a cada década vai aumentando a pressão de significativos setores da população brasileira no sentido do ingresso e permanência na escola. Esta pressão tem origem, num primeiro momento, mais nos setores médios, mas vai se intensificando com a presença de setores populares propriamente ditos (RIBEIRO, 2007, p. 197).

Com isso, houve uma crescente pressão no sentido da expansão da rede

escolar e da missão de desanalfabetização do povo. Mas, como afirma Ribeiro

(2007), o ideário republicano tem poucas chances de se realizar, efetivamente, visto

os “limites representados pelo não-rompimento das relações de dependência com o

capitalismo internacional” (p. 199). Além da manutenção do latifúndio e da

monocultura, e por ter desenvolvido um tipo de industrialização que “se desenvolve

mais em razão de espaços deixados pela crise por que passam os países

capitalistas hegemônicos e não, propriamente, em razão de forças sociais internas”

(RIBEIRO, 2007, p. 199).

No período do Estado Novo, o Estado “se desincumbiu da educação pública

através de sua legislação máxima, assumindo papel apenas subsidiário”

(GHIRALDELLI, 1994, p. 81). A gratuidade do ensino, garantida pela Constituição de

1934, ganha novos contornos com a Constituição de 1937, a qual enfatiza o

financiamento da educação dos mais pobres pelos mais ricos, por meio da

contribuição da "Caixa Escolar”. Além disso, a legislação privilegiou as escolas

particulares, nas quais apenas a elite do país tem condições de frequentar, e

instituiu a educação profissional para as classes menos favorecidas, como dever

primeiro do Estado. Cabe destacar que o Ensino Superior, nesta fase, é

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caracterizado por tentativas de democratização face a leis discriminatórias23. A partir

de 1937, essas leis “se fortificam pela consolidação de um forte controle e

centralização estatal ocorrido com a instauração do ‘Estado Novo’” (MOROSINI,

2009).

Após 1945, com a era Vargas, desenvolveu-se lutas para a ampliação do

acesso à escola pública e gratuita. Campanhas e movimentos de educação popular

(sobretudo de adultos) se faz presente (ROMANELLI, 1999). Já o período ditatorial é

marcado pela repressão e graves consequências se observa que contribuem para a

solidificação do caráter excludente da educação:

[...] privatização de ensino, exclusão de boa parcela das classes populares do ensino elementar de boa qualidade, institucionalização do ensino profissionalizante, tecnicismo pedagógico e desmobilização do magistério através de abundante e confusa legislação educacional (GHIRALDELLI JR., 1994, p. 163).

Nesse período é que ocorre a Reforma Universitária Brasileira que instituiu o

vestibular classificatório e dá às universidades um ar empresarial. Elas passam a ser

organizadas em unidades isoladas e multiplica-se as vagas em escolas superiores

particulares. Os altos índices de evasão e repetência no Ensino Fundamental e

Médio nas escolas populares, são indicativos da não chegada ao Ensino Superior. A

efervescência social, do período no qual predominam ideias liberais, propõe que a

educação seja oferecida para todos “não só como fator de incorporação das massas

ao progresso do país, mas também como fator de propulsão de desenvolvimento

pelo alargamento e circulação das elites” (MOROSINI, 2009, p. 309).

Com o golpe militar de 1964, as medidas reformadoras da educação foram

modificadas para se adaptar a uma política educacional do regime autoritário. O

ideal de democratização do ensino, que caracteriza o período anterior, é substituído

pela necessidade da modernização da educação. A questão universitária, neste

contexto, passa a ser encarada como um problema técnico, e não como uma

questão social. As reformas de ensino, implantadas no período da ditadura, por meio

das Leis nº 5.540/68 (Lei da Reforma Universitária) e nº 5.692/71 (Lei da Reforma de

Ensino de 1º e 2º Graus), adotam princípios empresariais para a resolução da

questão educacional, visando a modernização do ensino. Aplica-se a lógica das

empresas privadas, cujo principal objetivo é a produtividade e racionalização de

23 Como mostra Morosini (2009), o Ensino Superior é recente na educação brasileira, se comparado com outros países. Tem seu marco com a criação da Universidade do Rio de Janeiro, em 1920.

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recursos para as instituições de ensino. Tratou-se de reformas autoritárias, sem a

participação dos demais setores da sociedade, que atrelou o sistema educacional

brasileiro ao projeto de desenvolvimento econômico do período ditatorial

(ROMANELLI, 1999).

Em anos posteriores, em virtude da grave crise econômica vivida pelo país

após o golpe de 64, greves e movimentos populares eclodem em função de uma

onda de pobreza que se alastrou pelo país. Em 1980, foram são criados partidos de

oposição, com destaque ao (Partido dos Trabalhadores) e a organização da CUT

(Central Única dos Trabalhadores), com o objetivo de lutar pelos direitos da classe

trabalhadora. Nesse período de transição, como destaca Romanelli (1999), os dados

são alarmantes sobre a educação brasileira e mostram o fracasso da política

educacional da ditadura: milhões de analfabetos e semiletrados que chegavam a

quase metade da população do país. Nesse contexto, como mostra Ghiraldelli

(1994, p. 221) é que se compreende o crescimento das várias conferências

educacionais e algumas “situações novas e promissoras para as classes populares

e para a viabilização da democracia”.

Somente após a década de 1990 é que o acesso à escola pública torna-se

uma realidade para grande parte da população. Muitas propostas de permanência e

de acesso à escola ergueram-se. Dentre esses acontecimentos, um destaque para a

Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), realizada em Jomtiem, na

Tailândia, financiada pelos seguintes orgnismos internacionais: Organização das

Nações Unidas para a Educação (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a

Infância (UNICEF), Programa das Nações Unidas para a Educação (PNUD), a

comissão Econômica para a América Latina e Caribe da Unesco (CEPAL) e Banco

Mundial. Um compromisso foi assinado, por nove países de maior contigente

populacional do mundo, dentre eles o Brasil, buscando a “Educação para Todos”.

Desse compromisso, como mostra Corággio (1996), decorre a elaboração do Plano

Decenal de Educação para Todos (1993 / 2003), pelo Ministério da Educação

(MEC), que tem como princípio um conjunto de diretrizes políticas que visa a

recuperação da escola fundamental, além da equidade e o incremento da qualidade

do ensino com base também na constante avaliação dos sistemas escolares. São

mudanças atreladas as políticas neoliberais que buscam orientar políticas

educacionais nos países em desenvolvimento. Como destaca Morosini (2009), a

influência internacional, no sistema de educação superior do país, é marca de

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capitalismo internacional que orienta os países em desenvolvimento para a redução

do papel do Estado na educação, sobretudo na Educação Superior.

A problemática da exclusão educacional nunca foi tão atual. Para Ribeiro

(2007) há uma contradição básica que a permeia: ter que atender a um contingente

grande de pessoas com qualidade. As contradições qualidade e quantidade são

mais bem entendidas, como faz Ribeiro (2007), se for observado que, desde a sua

origem, a organização escolar brasileira vinculou-se com o sistema econômico,

político e social do capitalismo mundial. Um vínculo que determina a base da classe

social brasileira como descreve Ribeiro (2007, p. 14-15):

Enquanto sociedade constituída a base de uma contradição interna de classe, apresenta-se como sociedade periférica (dependente) e não central (hegemônica), não tendo, até nossos dias, superado a dominação externa, isto é, a submissão dos interesses da população brasileira (internos) em favor dos da população de determinados outros países (externos).

Esse traço de dependência, embora não compreendido de forma totalizadora

– se faz também em uma relação dialética de busca de autonomia e emancipação –

limitando as possibilidades de infra e de superestrutura da educação brasileira. É

assim, que Ribeiro compreende que as pressões na atualidade, sobre a melhoria da

educação brasileira, se faz mais sobre uma base quantitativa do que qualitativa:

Mais de ordem quantitativa porque é uma ampliação, como se viu, que mantém, e de forma aguçada, ou seja, agravada, os problemas já tradicionais, visto que até hoje é impossível atender toda a população em idade escolar, são altos os índices de repetência e de evasão. Uma ampliação que, de um lado, com o aumento da população, representa em números absolutos o atendimento de um maior número de pessoas, de outro, representa, também em números absolutos, mais gente sendo reprovada, expulsa da escola logo após a entrada (RIBEIRO, 2007, p.199).

Isso tudo indica que pouco se conseguiu alterar a vida das pessoas, e que se

mantém um histórico de exclusão nos limites do capitalismo internacional. É claro

que o quantitativo também é importante, visto que não se pode deixar grandes

massas da população em idade escolar fora da escola. Por outro lado, não se pode

deixar de ver a perpetuação das distâncias sociais e as consequências de um

Ensino Fundamental e Médio de pouca qualidade, para a continuidade dos estudos.

É visível, ainda, a falta de democratização do ensino em nível superior.

Para a maioria da população o Ensino Superior no Brasil sequer se desenha

em seu campo de possibilidades. Morosini (2009) mostra que somente 11,7% da

população brasileira está na Graduação, o que é muito baixo, mesmo quando

comparado aos países da América Latina, e, além disso, a taxa de sucesso, ou seja,

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razão entre ingresso e conclusão, é muito baixa: 37%. Outro fator agravante é que

esse pequeno percentual concentra-se nas camadas mais ricas da população

brasileira, o que revela a permanência de exclusão do Ensino Superior no Brasil.

Em matéria recente, o jornal O Globo divulga dados de estudos do Ministério

da Educação que mostram uma maior elevação da qualidade de ensino nas séries

iniciais do Ensino Fundamental, entre os anos de 2007 a 2009, do que no ensino

médio, que teve o pior desempenho24. A avaliação é feita com base no Índice de

Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), um indicativo do MEC, que mede a

qualidade do ensino público e privado, a partir das notas dos alunos na Prova

Brasil/Saeb e o índice de aprovação nas escolas.

O avanço captado pelo Ideb não significa que o nível de aprendizagem nas escolas brasileiras seja bom. Longe disso. A Prova Brasil/Saeb, usada no cálculo do índice, avalia conhecimentos de português e matemática a cada dois anos. A nota média dos alunos do 5º ano do ensino fundamental em português foi de 184,3 pontos, numa escala de até 400. A nota dos estudantes do 3º ano do ensino médio foi 268,8, na escala até 800. Em todos os níveis, no entanto, houve progresso. Em 2009, apenas 75,9% dos alunos de nível médio passaram de ano. Nas séries finais, 81,3%. Nas iniciais, 88,5%. 25

A aprovação no Ensino Médio, bem como a sua qualidade precária, dificulta o

acesso de jovens brasileiros à universidade. Em relação ao Ensino Superior, de

acordo com o relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE), apenas 10% da população jovem - entre 25 e 34 anos -

concluem o ensino superior (a média dos 36 países que participaram da pesquisa foi

de 34%), sendo um dos países o que possui o menor índice de adultos com diploma

universitário.26 Segundo a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), de 1996, é próprio ao

Ensino Médio e ao Ensino Fundamental, como um todo, preparar para etapas

posteriores de ensino. O art. 22 da LDB dispõe que “a Educação Básica tem por

finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum e

indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhes meios para progredir no

trabalho e em estudos posteriores”. Conceitua o ensino médio como um elo entre

esse nível escolar e o superior. O Ensino Médio, portanto, segundo a LDB, precisa

assegurar condições ao educando de prosseguimento de seus estudos e exercer a

25 Disponnível em http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2010/07/02/ensino-medio-esta-pior-do-que-fundamental-mostram-dados-do-ideb-2009-917045246.asp. Acessado em 02/07/2010. 26 Disponível em: http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2009/09/08/apenas-10-dos-brasileiros-terminam-ensino-superior-767523965.asp. Acessado em 02/07/2010.

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sua cidadania por meio da preparação para o mundo do trabalho. Assim, os

indivíduos deveriam ter condições de ingressar, automaticamente, na universidade

ao término do Ensino Médio. Mas, não é o que ocorre.

Na verdade o problema da educação não é a falta de recursos, mas,

principalmente, pela estrutura econômica baseada na concentração de recursos de

uma minoria interna e externa à sociedade brasileira, ou seja, à burguesia

monopolista do capitalismo mundial. Assim a internacionalização do ensino, com

propõe Morosini (2009), se faz nesse movimento de dependência do capitalismo

internacional e com vistas à melhoria do ensino em países em desenvolvimento.27

Traçar essas tendências sobre a educação no Brasil, em seu caráter

discriminatório e excludente, é importante, para esta pesquisa, na medida em que

elas compõem o campo de possibilidades (VELHO, 1999) em que se engendram os

projetos profissionais. O ingresso no Ensino Superior Público, por meio de

vestibular, revela mecanismos de poder e de exclusão característicos desse nosso

tempo, mas segundo forças que atravessam um período histórico de maior duração.

Há, entretanto, diversas tensões atuais que se colocam. Experiências de homens e

mulheres de diferentes idades, classes e raças, que lutam por igualdade de direitos

e oportunidades em relação à educação, misturam-se às perspectivas colocadas

pelos organismos mundiais, representantes do capitalismo mundial. Esses são

alguns dos sentidos que movem as experiências de jovens que buscam o ingresso

em níveis superiores de ensino.

1.2 “Escolhas Profissionais” e Projetos Profissionais

Verifiquei que experiências e expectativas de diferentes jovens (pobres, de

classes média e alta, homens e mulheres, brancos, negros e pardos, mais novos e

mais velhos), em relação ao Ensino Superior, poderiam ser examinadas e

delimitadas a jovens que estudam em cursos preparatórios para o vestibular da

UFES, em Vitória-ES, lugares de assentamento dos projetos profissionais e seus

dilemas. Entre os anos de 2009 e 2010, aproximei-me, mais intimamente, de

27 Morosini (2009), também observa um segundo movimento de internacionalização em relação ao Ensino Superior, iniciado no início do século passado e que se solidifica nos últimos tempos: formação em nível superior de uma elite em instituições universitárias no exterior, principalmente, nos Estados Unidos da América.

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estudos voltados para estruturas de sentimentos, sensibilidades, e também de

ressentimentos presentes nas decisões humanas, retomando contribuições como as

de Raymond Williams (1969), E. P. Thompson (2002); S. Pesavento (2004) e nas

trilhas dos estudos de M. Löwy (1990, 1996, 2005), sobre o romantismo político.

Encontrei abrigo para o tema razões e sentimentos – matéria que então selecionei –

para exame dos projetos profissionais. Razões e sentimentos, desses jovens, na

definição de seus projetos profissionais sugeriram-me a análise qualitativa e a

aproximação microssocial com base em suas trajetórias.

Percebi que análises causais e lineares, para tratar do fenômeno estudado,

pouco ajudam a compreendê-lo. Isso porque, como sugere Gribaudi (1998, p. 130)

“a análise dos comportamentos e das escolhas revela cadeias de dependências

causais que ligam esferas, meios e dinâmicas tradicionalmente concebidos como

separados”. Com esse sentido, uma das dificuldades encontradas, foi de escapar da

tendência de analisar, em separado, fenômenos que se interrelacionam e tentar

superar uma certa linearidade expositiva. Outro esforço foi o de adotar um exercício

crítico e continuado, com vista a romper com tendências cartesianas, que se

constitui numa certa visão contemporânea de mundo, que fragmenta fenômenos

observados. O método cartesiano, pois, propõe “Dividir cada uma das dificuldades

que examinasse em tantas parcelas quantas fosse possível e necessário para

melhor resolvê-las” (DESCARTES, 1996, p. 23). De acordo com esse método, para

a compreensão da realidade, bastaria juntar os fragmentos de análises, como se o

todo fosse igual à soma das partes. Tomadas essas cautelas, por mais que se trate

em separado cada aspecto das relações sociais, eles se articulam e, por isso, é que

proponho vê-los, um a um, e analisá-los, como um fio que puxo de uma trama

complexa. Lançando-me, pois, ao exame dessa trama, a primeira questão a ser

enfrentada referia-se às significações conferidas à “escolha profissional”.

A opção por uma profissão parece uma conduta humana trivial, comum e

bastante óbvia em nosso tempo. Há, entretanto, uma série de questões, de

crescente complexidade, pertinentes a campos de estudos próprios; é o caso da

história, da sociologia das profissões e da própria psicologia. Localizei, contudo,

mais algumas questões, não formuladas na produção que examinei sobre o assunto,

aliás, um dos motivos pelo qual passo a desenvolver a pesquisa: Que sentidos são

atribuídos à noção de “escolha profissional” nos dias que correm? Como essas

“escolhas” traduzem/atualizam visões de ser humano e de mundo? Que aspectos

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de longa duração persistem em tais “escolhas” e que “sentidos civilizadores”

expressam (ELIAS, 1990)? Que razões e sentimentos presentes no campo das

experiências humanas irão compor os projetos profissionais?

Tudo isso me conduziu a uma reflexão de extrema importância neste trabalho:

a da relação entre indivíduo e sociedade. Retomo, desse modo, uma questão

bastante discutida em todas as áreas das ciências humanas: a que ponto as

escolhas são do indivíduo ou determinadas pelo meio? Embora já tenha sido tratado

em outras áreas do conhecimento e perspectivas interacionistas tenham daí surgido,

o tema ainda não foi suficientemente examinado no campo da orientação

profissional. Adentremos, portanto, nesse campo de discussões.

1.2.1 “Escolha profissional” como problema teórico

A emergência da “escolha de uma profissão”, fenômeno relativamente novo

na história da humanidade, está atrelada, não apenas a uma mudança na

organização do trabalho com o advento da grande indústria na modernidade, mas,

sobretudo, a uma mudança na visão de ser humano – de ser livre e autônomo

quanto a suas escolhas. A ideia de “escolher” carrega as marcas do individualismo

moderno e de todo o peso que se faz sobre a responsabilidade pessoal por

sucessos e fracassos futuros, o que tem sido reafirmado e propagado por teses

liberais e neoliberais do nosso tempo, caso de Hayek (1987). Ele dá pistas sobre a

concepção proposta por essas teses. Propaga-se que o ser humano é o único

responsável pela execução de seus objetivos e pelas próprias aspirações; cada

indivíduo deve lutar para atingir seus próprios objetivos, mesmo que cause prejuízos

aos seus semelhantes:

[...] o sistema de objetivos do indivíduo deve ser soberano, não estando sujeito aos ditames alheios. É esse reconhecimento do indivíduo como juiz supremo dos próprios objetivos, é a convicção de que suas idéias [sic] deveriam governar-lhe, tanto quanto possível, a conduta (HAYEK, 1987, p.76).

A liberdade individual embasa a concepção de esfera individual e os sentidos

da vida social na modernidade; avança a partir do século XVIII, estabelecendo a

base do liberalismo, revivido, amplamente, nos anos 80 do século XX. O destino,

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nessa perspectiva, está nas mãos dos próprios indivíduos que têm num mercado

imprevisível e regido pela concorrência, em tese, iguais oportunidades de lutar pelo

sucesso pessoal. A concorrência oferece possibilidades de decidir se as

perspectivas desenhadas por uma dada ocupação são suficientes para compensar

as desvantagens e riscos futuros (HAYEK, 1987).

Reafirmando essas teses, o projeto neoliberal ganha força ao se configurar

numa alternativa para a crise de superprodução do capital de final dos anos de

1960, na maioria das sociedades capitalistas. A abertura para o neoliberalismo se

dá, principalmente, com o fracasso da regulação social keynesiana, o Estado de

Bem-Estar Social, em que o é controlador e financiador das necessidades básicas

da população, como saúde, educação, moradia, transporte, etc. Seu crescimento

coincide com o colapso do que Castells (1979) chama "socialismo real". Centrado na

lei de mercado, a proposta neoliberal tem como consequência a perda de direitos

sociais e a crise dos fundos públicos. Diante das tentativas de recomposição do

lucro capitalista, já internacionalizado, o capital rompe fronteiras nacionais e se

constitui num poder global. A principal alternativa para o ajuste à reestruturação

produtiva, promovida pela globalização é a desregulamentação – que se dá pela

descentralização do Estado e pelas privatizações das empresas estatais – ou seja, a

existência mínima de leis que garantam direitos sociais, antes assegurados pelo

Estado de Bem-Estar.

Cambaúva e Silva Júnior (2005) mostram que o neoliberalismo pretende

resgatar as teses liberais abandonadas na ocorrência da crise de 1929, quando

então o Estado adotou medidas de bem-estar social propostas por Keynes (1883-

1946), para retomar o crescimento do País (Cambaúva, 2002). O mercado passa a

ser o grande regulador das relações sociais. Estratégias culturais desse projeto

constroem novos significados sociais, que legitimam suas práticas. Como destaca

Gentili (1996), Anderson (1995) e Frigotto (1996), trata-se de um ambicioso projeto

de reforma ideológica da sociedade que, inclusive, procura tirar a legitimidade de

discursos que a eles se opõe (JAMESON, 1996). A ideia da “escolha profissional” é

também portadora desses sentidos e afirma racionalidades, atribuídas ao mundo do

trabalho nessa ordem. Entendo que uma profissão é concebida como uma prática

social e, por isso, revela sentidos de um tempo específico, no caso, os da

modernidade que persistem. Isso é parte do campo de experiências e das

expectativas de vestibulandos/as. Esses sentidos presidem e orientam os projetos

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profissionais e revestem-nos de um ar de naturalidade. Por isso, nem sempre essas

condições são percebidas por quem faz essa ou aquela opção profissional. É o que

Velho (1999), chama de domínio inconsciente do campo de possibilidades de um

projeto. Mas, sentidos conferidos a “escolha” de uma profissão tem uma história que

se faz em função da finalidade com que fora criada.

A emergência dos estudos sobre orientação profissional está atrelada ao

surgimento da indústria moderna. Na Idade Média não havia uma preocupação em

escolher uma profissão, aliás, essa dimensão individual era valorizada; seguia-se o

ofício dos pais, na maioria das vezes. As práticas de Orientação Vocacional (OV)28

surgem com o intuito de identificar os trabalhadores mais aptos para tarefas laborais,

com vistas à garantia da eficiência da produtividade na sociedade industrial. Na

verdade, os estudos sobre a OV vieram posteriormente às práticas. Os estudos

sobre a matéria surgiram apenas na primeira década do século XX, com a criação

de Centros de Orientação Profissional na Europa e nos EUA. Como indica Carvalho

(1995), o Centro de Orientação Profissional criado por Frank Parsons, em 1907, na

cidade de Boston, é considerado o marco inicial da orientação profissional. A base

desses estudos reforçava a percepção inatista do ser humano, tratando habilidades

e aptidões como pertencentes à natureza humana. Estavam atrelados a uma lógica

classificatória e discriminatória em que se buscava identificar os mais capacitados

para assumir determinados cargos na grande indústria que surgia. A revolução

industrial fixa uma dada racionalidade apoiada na perspectiva de produção material

em que é preciso encontrar o “homem certo para o lugar certo”, com vistas à eficácia

da produtividade. Esses estudos, como os atrelados, ideologicamente, à sociedade

industrial, valorizaram a concepção liberal do ser humano e mais: contribuíram para

certa indissociabilidade dessa visão e das práticas de orientação vocacional. Isso

não elimina outras racionalidades, ou razões e também sentimentos que operam em

sentido oposto a esse, como veremos, negando visões de mundo aí estabelecidas.

Cabe destacar, ainda, tarefas assumidas por orientadores profissionais nessa

ordem e como partes dessa mesma racionalidade. Cabia-lhes o uso de técnicas

28 Embora ainda seja utilizado por alguns psicólogos, sobretudo em função da abordagem teórica adotada, o termo orientação vocacional tem sido substituído por orientação profissional em função de uma mudança no entendimento de como se forma as habilidades, aptidões e competências humanas. O uso corrente do termo vocação sugere “inclinação, propensão ou tendência para alguma coisa”. Essa inclinação estaria atrelada a uma disposição natural do espírito. Assim, o entendimento de que não existem disposições inatas no espírito humano para qualquer atividade específica e de que as capacidades humanas resultam da experiência, fez que o termo fosse repensado.

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avaliativas das características individuais, que permitissem a identificação de

aptidões, habilidades e competências29, para poder ajustá-las às ocupações laborais

da época. Em 1869, Galton é o primeiro a mostrar que as aptidões30 humanas são

diferentes e se distribuem de acordo com uma curva estatística. Binet, no final do

século XIX e início do século XX, desenvolveu uma medida para os processos

mentais, assim como os primeiros testes de aptidão. Os testes mentais de Binet,

juntamente com testes de Casttel e a publicação “choosing a vocation” de Parsons,

em 1909, traduzem as preocupações da época. A crença básica, portanto, era a

existência de aptidões especificas mensuráveis, que precisavam estar em

conformidade com as exigências a serem desempenhadas em cada ocupação. Essa

prática, atrelada à psicometria, perdurou durante a Primeira e a Segunda Guerra

Mundial (Brown; Brooks, 1996; Carvalho, 1995). Apesar de pouca teorização, as

práticas se pautaram no modelo da Teoria do Traço e Fator, ou seja, na ideia de que

por meio de diagnósticos e prognósticos, acerca das habilidades e aptidões é

possível indicar as ocupações certas para cada indivíduo. Reforçou-se, então, a

partir dos testes de aptidão, habilidade e personalidade a indicação as profissões ou

ocupações apropriadas para cada um.

Outros construtos teóricos surgiram. Na década de 40, como indica Brown e

Brooks (1996), a “escolha profissional” foi compreendida com base nos conceitos

desenvolvidos por Carl Rogers acerca da Terapia Centrada no Cliente. Para Rogers,

a escolha é sempre individual e a necessidade maior é de instrumentalizar as

pessoas para que entrem em contato com seu “self” a fim de que façam boas

escolhas. Apesar de ressaltar as experiências do indivíduo ele o faz não

considerando a relação deste com o mundo. A ideia é que as pessoas busquem sua

autenticidade e obedeçam a sua tendência inata de “auto-atualização”, o que

contribui para reforçar as teses liberais nesse campo, ao colocar o indivíduo no

cerne dos sucessos e fracassos a ser conquistados.

29 Competência pode ser entendida como uma capacidade para produzir determinadas condutas. O termo foi introduzido na psicologia por Noam Chomsky e revela uma capacidade ainda não completamente manifesta. Assim a competência perceptiva, motora, mnésica ou cognitiva refere-se àquilo que o sujeito em condições de perceber, fazer, lembrar ou conhecer. Já Habilidade se refere a um conjunto de competências que se atualizam em comportamentos bem sucedidos e que resultam, portanto, da aprendizagem. Ou seja, é uma capacidade adquirida por meio da aprendizagem, podendo ser favorecida por aptidões inatas (DORON; PAROT, 2001). 30 De acordo com dicionário de psicologia, aptidão significa o êxito em qualquer atividade, quer se trate de uma tarefa isolada, de uma tarefa mais complexa, de uma aprendizagem ou mesmo no exercício de uma profissão. É preciso que o indivíduo possua capacidades e motivação necessária para realizar essa atividade. Vale destacar que a própria capacidade pode ser condicionada por uma aptidão que pode ser desenvolvida pela experiência e formação (DORON; PAROT, 2001).

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Novos entendimentos emergiram a seguir. Em 1951, uma perspectiva

desenvolvimentista passou a predominar (BROWN; BROOKS, 1996). Donald Super

postula a “escolha profissional” como um processo que ocorre ao longo da vida toda,

através de diferentes estágios do desenvolvimento (SUPER, 1957). Ou seja, além

de conferirem ao indivíduo a tomada de decisão sobre uma profissão, entendem isso

como um processo que se faz ao longo do desenvolvimento humano. Nesta mesma

década, John Holland, como indica Brown e Brooks, postula que os interesses

profissionais são o reflexo da personalidade do indivíduo e, dessa forma, coloca os

interesses profissionais na base da definição de diferentes tipos de personalidade.

Ainda nessa década, e no início da década de 1960, publicações sobre as teorias

psicodinâmicas da “escolha profissional”, trouxeram o foco para a psicanálise e para

a teoria da satisfação das necessidades. De acordo com elas, a escolha passa a

fazer sentido se compreendermos as necessidades e os desejos de realizações que

são sempre individuais. Todas essas teorias dão um peso enorme àquilo que é

próprio e, por vezes, natural ao indivíduo. E, assim como as teorias de Carl Rogers,

acabam por reforçar as teses liberais.

Dentre todas essas teorias, destaco uma de bastante impacto na realidade

brasileira: a Estratégia Clínica de Orientação Vocacional de Rodolfo Bohoslavsky31.

Essa abordagem dá um passo importante ao considerar a natureza conflitiva que se

fazem nas intercessões indivíduo e sociedade. Na sua concepção, para que o

sujeito possa assumir uma Identidade Ocupacional, são estabelecidas relações com

os grupos sociais no qual ele está inserido e são estabelecidas identificações com

aspectos do mundo externo. Essas identificações possuem um caráter defensivo,

em nível inconsciente, no contato com os vários grupos sociais. O indivíduo admite,

então, determinados valores do grupo como sendo seus, em função da necessidade

de sentir-se parte deste grupo, repetindo regras dos grupos do qual faz parte. Em

outro momento elabora e recria essas regras. Assim, a identidade ocupacional é

definida na aproximação e no afastamento que são realizados com relação a esses

grupos de referência. Ou seja, é a expressão particular de como o indivíduo recria as

diferentes relações com os grupos sociais. Quatro fatores identificatórios são

fundamentais: as identificações com o grupo familiar, as identificações com o grupo

31 Introduzida no Brasil em 1970 por Maria Margarida de Carvalho (1995), ainda é usado nos dias de hoje. Bohoslavsky (1993) desenvolve sua teoria em oposição ao modelo da Teoria do Traço e Fator, é influenciado por Melanie Klein, da escola inglesa de psicanálise e pela psicologia do Ego norte-americana.

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de pares, as identificações sexuais e a gênese do ideal do ego. Coloca à questão

para além da análise de aptidões, habilidades e personalidade.

O problema desse construto teórico é que, ao teorizar sobre o ideal do ego,

cuja origem é o narcisismo, recoloca-se a questão pessoal como primordial.

Semelhante a Carl Rogers que afirma uma tendência de auto-atualização,

Bohoslavsky (1993) situa, nos indivíduos, uma tendência a reencontrar a perfeição

narcisista da infância, marcada pelo amor de si mesmo e o sentimento de

onipotência. Na infância, a criança é seu próprio ideal, mas como a perfeição

narcisista não pode ser mantida, o narcisismo é perdido. E, esse é, então, deslocado

sobre o ideal de ego projetado em frente dele. Assim, vive-se impulsionado pelo

desejo de encontrar o tempo que ele era o seu próprio ideal. O ideal de ego,

segundo o autor, é o que leva os homens a construírem seus projetos.

Tendo a concordar com noções que vêem as experiências moverem-se em

função de certas expectativas humanas, mas isso não se dá, necessariamente, em

função daquilo que foi perdido pelo indivíduo na infância: a sensação de suposta

completude que será buscada por toda a vida. As experiências movem-se, é o que

pretendo mostrar, com certos sentidos civilizadores que se constroem nas mais

variadas formas de interação e de intercâmbio social. Dessa forma, mais do que

relações escolares, familiares e com pares estão em jogo. O contexto em que se

vive é muito mais amplo: há projetos familiares, posições de classe, relações de

gênero, raça e cor, acesso à educação, projetos e expectativas dos pais, economia,

capital cultural, significações culturais, enfim um campo de experiências múltiplas.

Distinguem-se outras perspectivas no campo das “escolhas profissionais”.

Teorias, consideradas econômicas, em geral, entendem essa problemática em

função da estrutura de salários e valorização social das profissões. Desconsidera

gostos, desejos, vontades e, sobretudo, processos sociais de longa duração

histórica, que possam incidir sobre esse fenômeno, segundo Silva (1995). Na

mesma perspectiva, teorias sociológicas dão ênfase à determinação do meio sobre

o indivíduo. Postulam que a estratificação da estrutura social determina a forma de

organização para o trabalho e a inserção dos indivíduos nela. Essas teorias,

entretanto, acabam caindo num extremo oposto: entendem o meio, seja econômico

ou social, como determinante nas escolhas individuais. O que se evidencia, até aqui,

é que as análises sobre a “escolha profissional”, ora recaem sobre o indivíduo, ora

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nos determinismos sociais. O ponto frágil, entre todas elas, é não articular aspectos

individuais com os processos sociais mais amplos para a compreensão da questão.

Perspectivas mais recentes foram desenvolvidas em função dessa lacuna. No

campo educacional, Ferreti (1997), e Pimenta (1981), desenvolvem estudos que

enfatizam os processos sociais envolvidos na opção por uma profissão. Os autores

percebem o viés ideológico da orientação vocacional, atrelada aos interesses da

sociedade industrial. Destacam que o modo de produção capitalista condiciona as

pessoas em relação às atividades profissionais, em função das classes sociais de

origem e demonstram a influência dos fatores sócio-econômicos para a “escolha

profissional”. Os autores criticam, inclusive, as abordagens psicológicas em que esta

é compreendida a partir de conceitos psicanalíticos ou de características da

personalidade. Caminham no sentido de refletir sobre o contexto social no processo

da escolha de uma determinada profissão. No campo da psicologia essa problemática também foi levantada por Bock

(1995). Sua perspectiva se faz a partir da concepção dialética sobre a relação entre

indivíduo e sociedade. A base teórica são as proposições de Vygotsky. O autor faz

severas críticas às concepções de ser humano de sociedade, colocadas nas

abordagens da orientação profissional. Indica que grande maioria delas acaba por

reforçar o ideal liberal, criando a percepção de que a trajetória de vida da pessoa

depende exclusivamente dela mesma e, por isso, suas escolhas são essenciais

(BOCK, 2002). Na concepção liberal, a ordem econômica e social apenas colocaria

obstáculos que os indivíduos deveriam superar. Para ele, essas teorias “ao invés de

proceder a uma análise de como a sociedade está estruturada, desenvolve-se

análise do indivíduo para que ele bem se adapte a esta ordem sem jamais

questioná-la” (BOCK, 1995, p. 68).

Se por um lado, esses últimos estudos são importantes por denunciar o

caráter ideológico das práticas de OV e, por mostrar que o contexto em que o

indivíduo se insere, interfere nos projetos profissionais, por outro, não exploram

como se dá de fato essa articulação. Além disso, Ferreti (1997) e Pimenta (1981)

destacam que muitos jovens de classes sociais mais baixas não optam por uma

carreira ou ocupação, ou o fazem sob certas limitações, sujeitando-se a

subempregos e má remuneração, o que para eles é uma atitude sem escolha. Mas,

de fato será que apenas uma das classes é que pode efetivar “escolhas”? Concordar

com isso, não significa negar qualquer potencial de transformação humano e

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condená-lo às determinações das condições que o forjaram? O fato de haver

diferentes condições de inserção econômica, política, social e cultural significa que

para os menos favorecidos não há chance de se fazer opções profissionais? Ou

será que podemos afirmar que há negociações com a realidade, em diferentes

planos, a partir das diferentes experiências? Nesse ponto foi necessário fazer

rupturas e superações em relação às formas de se conceber essa temática.

Proponho pensar os projetos profissionais como processo e como indissociável das

experiências humanas. São projetos que se constroem ao longo do tempo num

campo de experiências humanas e com um horizonte de expectativas, à moda de

Koselleck (2006). Por isso, prefiro o uso do termo “projetos profissionais” em lugar

da expressão “escolhas profissionais”.

1.2.2 Continuidades e rupturas: os projetos profissionais

Fugindo dos economicismos e quaisquer teorias determinísticas, numa

perspectiva de ruptura com a visão liberal de ser humano, encontrei importantes

contribuições em Velho (1999), sobre a noção de projeto. Para ele, projeto refere-se

a uma conduta organizada do indivíduo que se faz com vistas às perspectivas

futuras, delineadas no campo de possibilidades dos indivíduos. O projeto é

articulado a uma “dimensão mais racional e consciente, com as circunstâncias

expressas no campo de possibilidades, inarredável dimensão sócio-cultural,

constitutiva de modelos, paradigmas e mapas” (VELHO, 1999, p.9). Esse campo é

próprio da sociedade complexa moderna caracterizada por “províncias de

significados infinitas”. Permeado por oportunidades e alternativas múltiplas que se

constroem:

Campo de possibilidades trata do que é dado com as alternativas construídas ao processo sócio-histórico e com o potencial interpretativo do mundo simbólico da cultura. O projeto no nível individual lida com performance, as explorações, o desempenho e as ações, ancoradas a avaliações de definições da realidade (VELHO, 1999, p. 28).

De acordo com a proposta do autor, a necessidade da construção de projetos

coloca-se em função dos indivíduos, na atualidade, viverem em uma sociedade

fragmentada e heterogênea, na qual a multiplicidade de motivações e a própria

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fragmentação sócio-cultural produzem a necessidade de uma organização individual

e/ou coletiva de condutas. Isso traz, portanto, possibilidades de interação, mas

também de conflito, característico do processo constitutivo da realidade social. A

partir dessa visão, o entendimento é de que os indivíduos movem-se não porque são

determinados, socialmente, ou em função de sua vontade soberana, mas porque

fazem parte do processo de construção social da realidade:

Para lidar com o possível viés racionalista, com ênfase na consciência individual, auxilia-nos a noção de campo de possibilidades como dimensão sociocultural, espaço para a formulação e implementação de projetos. Assim evita-nos um voluntarismo individualista agonístico ou um determinismo sócio-cultural rígido, as noções de projeto e campo de possibilidades podem ajudar a análise de trajetórias e biografias enquanto expressão de um quadro sócio-histórico, sem esvaziá-las arbitrariamente de suas peculiaridades e singularidades (VELHO, 1999, p. 40).

Essa postura parece útil para pensar os projetos profissionais, visto que

pressuponho a “escolha profissional” não como um momento isolado na vida das

pessoas. Mas, como algo que se dá nas relações humanas. Também não a

considero como atitude que deriva de sua responsabilidade e autonomia em relação

às condições do meio. Por outro, utilizar a proposta desse autor permite-me uma

proposição que não esvazia os indivíduos de seu potencial criativo e transformador.

Ou seja, o potencial de metamorfose que possibilita aos indivíduos “transitarem

entre diferentes domínios e situações” (VELHO, 1999, p. 82). Um outro ponto

importante, que destaco desse entendimento que construo é que, apesar das

negociações com a realidade nem sempre se fazerem de forma consciente, os

projetos profissionais não são “abstratamente racionais”. Eles resultam de

“deliberação consciente”, feitas a partir de circunstâncias em que o sujeito está

inserido, ou seja, no seu campo de possibilidades. Isso implica no reconhecimento

de possibilidades, mas, também, de limitações. A postura que afirmo na construção

dos projetos profissionais é que há um sujeito ativo em seu processo de construção

da realidade. As pessoas pensam, sentem e agem e nesta interação com o campo

de possibilidades constrói sensibilidades. Um processo interativo com os múltiplos

sentidos e possibilidades da realidade social e, por isso, sempre sujeitos a

transformações. Como afirma Velho (1999, p. 104) “o projeto é dinâmico e é

permanentemente reelaborado, reorganizando a memória do ator, dando novos

sentidos e significados, provocando com isso repercussões na sua identidade”.

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Os projetos profissionais não são necessariamente individuais, na medida em

podem ser elaborados e partilhados por um grupo social ou pela família. Os projetos

individuais conectam-se, além disso, aos projetos coletivos. Mas, é a “consciência e

valorização de uma individualidade singular, baseada em uma memória que dá

consistência a uma biografia, o que possibilita a formulação e a condução de

projetos” (p. 101). Memória e projeto amarram-se, “são visões retrospectivas e

prospectivas que situam o indivíduo, suas motivações e o significado de suas ações,

dentro de uma conjuntura de vida, na sucessão de etapas de sua trajetória”. Com

isso não pretendo desvalorizar ou não reconhecer processos inconscientes na

escolha “as circunstâncias e o campo de possibilidade de onde brotam os projetos

estão profundamente afetados por uma dimensão racional e não-consciente”

(VELHO, 1999, p. 140).

A concepção de projetos profissionais porta, portanto, o entendimento de que

indivíduo e sociedade estão em constante mutação e interação. Foi útil para esse

entendimento as contribuições de (ELIAS, 1990) sobre a negação do homo clausus,

ou seja, de um ser humano fechado em si mesmo. Muitas abordagens sobre

orientação profissional ainda se pautam nesse entendimento. O que afirmo é a

concepção de um ser social. Indivíduo e sociedade não são entidades estáticas; isso

significa reconhecer a experiência histórica como individual e coletiva. Como afirma

Elias (1990), indivíduo e sociedade não dizem respeito a objetos separados, “mas a

aspectos diferentes, embora inseparáveis, dos mesmos seres humanos, e que

ambos os aspectos (e os seres humanos em geral) habitualmente participam de

uma transformação estrutural”. Também entendo a mudança, “como característica

normal da sociedade” (ELIAS, 1990, p. 222), e não uma perturbação do equilíbrio

como reforçam as tendências positivistas.

A outra contribuição de Elias (1990) para se pensar os projetos profissionais

diz respeito ao entendimento de que a história humana se faz com sentidos

civilizadores. Esses sentidos não dizem respeito a uma concepção evolucionista ou

de progresso. Mas, observa nos estudos dos costumes que as sociedades

desenvolvem-se em direção ao que se concebe como certo ideal da civilização. É

fato que o autor esteja comprometido com ideias psicanalistas, as quais o fazem

postular que o processo civilizador se dá em função da repressão do desejo e da

dor. O custo de ser civilizado estaria na infelicidade humana. Ele situa o movimento

em direção a um autocontrole “mais forte e mais civilizado” como parte desse

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processo. Mas, não é esse o ponto que considero o mais importante de sua obra e

não é o que pretendo afirmar. Os sentidos civilizadores orientam práticas e

representações sociais que compõem as experiências humanas, e, portanto, os

projetos como partes delas. Mas, são sentidos que se constroem no próprio campo

de experiências humanas, e não fora dele. Por isso, não se trata de evolucionismo,

mas admitir dadas configurações sociais, presidindo-os em muitas direções, daí, as

contradições que preserva.

As contribuições de Koselleck (2006), sobre a história, foram bastante úteis

para uma aproximação com o método histórico. Foram um atalho para a

compreensão de que as análises do presente incluem o passado e o futuro na

matéria de muitas complexidades. Revi-me e pude examinar muitos paradigmas.

Localizei, desse modo, indicações sobre meu próprio processo de tomada de

consciência em relação a escolhas metodológicas a seguir, e as opções em relação

ao método histórico ganharam nitidez. Nas indicações de Costa (2009, p. 111), vi-

me diante de meu próprio processo de tomada de consciência sobre o tempo

histórico, ou seja, ao modo de associar o presente, o passado e o futuro que um

dado projeto expressa:

Sem dúvida, nesse esforço de tomada de consciência, há modos de evitar surpresas. Mais uma vez Hartog (1999:129) serve de referência quando afirma que, na história, “não é mais o passado que deve esclarecer o futuro, mas, inversamente, cabe ao futuro esclarecer o passado” (p.133), daí outra pergunta: – Como, nessa nossa tarefa, responder à exigência de “circular entre passado, presente e futuro”, considerando que os processos sociais do presente são sempre o futuro dos processos vividos no passado? Para pensar conceitos que temos desenvolvido é preciso pensá-los como partes de processos sociais de longa duração histórica e de tempos múltiplos.

Aliás, experiência e expectativa são categorias que encaminham a percepção

do projeto como significativo do tempo histórico, nesse entrelaçar presente, passado

e futuro. “A experiência é o passado atual, aquele no qual acontecimentos foram

incorporados e podem ser lembrados. Na experiência se fundem tanto elaboração

racional quanto as formas inconscientes de comportamento, que não estão mais, ou

que não precisam mais estar presentes no conhecimento” (KOSELLECK, 2006, p.

309). Na experiência de cada um (transmitida por gerações e instituições) está

contida e conservada uma experiência alheia. A expectativa, como lembra

Koselleck, conserva aspectos individuais de uma história coletiva. A expectativa

também se realiza no hoje, “é futuro presente” voltada para o que não foi ainda

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experimentado e pode ser apenas previsto. “Esperança e medo, desejo e vontade, a

inquietude, mas também a análise racional, a visão receptiva ou a curiosidade fazem

parte da expectativa e a constituem” (p.310). A noção de experiência presente,

ligada ao passado e à expectativa ao futuro, indica que nada se desenvolve numa

perspectiva linear e nada chega a coincidir. Na verdade, o futuro não é o resultado

de um passado. A tensão entre experiência e expectativa é que faz emergir o tempo

histórico. O termo “horizonte” é usado por significar “linha por trás da qual se abre no

futuro um novo espaço de expectativa, que ainda não pode ser contemplado” (p.

311). A expectativa não pode ser experimentada da mesma forma que a experiência

(que é passada, portanto é espacial e pode ser localizada em um campo), mas pode

ser objeto de experiência enquanto um reflexo na consciência ou como portadora de

angústia e esperança.

No caso deste trabalho, entender os projetos profissionais, nessa ótica,

passou a significar a possibilidade de desvendar, mesmo que em parte, a trama

tecida por e entre seres humanos, em redes interdependentes, e poder verificar a

atualização de processos sociais que aí se expressam. Nessa orientação, examinei

processos sociais nem sempre percebidos, vistos na experiência pessoal e na

interação entre sujeitos, apesar dessa ou daquela condição social. Foi útil nessa

abordagem, pensar esses movimentos humanos recorrendo à noção de rizoma,

metáfora enunciada por Guattari e Deleuze (1997), conforme reflexões de Joana

Maria Pedro, discutidas por Suely Gomes Costa (2009a) para a história dos

feminismos. Nessa ótica, a organização dos elementos sociais que constituem a

energia propulsora de um desejo e de um projeto profissional não está

necessariamente visível, nem tampouco se refere a uma única conjuntura. Na

perspectiva da longa duração histórica, o exame de uma dada conjuntura, tanto

permite distinguir continuidades, como rupturas que podem mudar algumas

tendências sociais, mas nem todas.

1.3 Os projetos profissionais localizam-se no tempo e no espaço

As experiências humanas localizam-se num determinado tempo histórico e,

também, num dado campo de constituição de forças, ou seja, num espaço social

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específico. Conhecê-lo, mesmo que por meio de indícios, é fundamental para

compreender os projetos profissionais. Dessa forma, aspectos regionais/locais

situam singularidades presentes nas experiências humanas e ajudam a compor esse

campo de possibilidades. Constituem sinais de uma temporalidade, indícios de uma

dada configuração espacial das experiências humanas. Localizadas e datadas, as

dinâmicas sociais se inscrevem em diversas configurações e apontam

diferenciações significativas (GRIBUADI, 1999). Há especificidades e tendências

regionais/locais por conhecer, que estão nessas configurações. Essas tendências,

em maior ou menor grau, fazem parte da rede de relações sociais, traduzindo

interação e conflito vividos pelos indivíduos nas suas decisões sobre projetos

profissionais. As experiências a que me refiro estão localizadas na cidade de Vitória,

capital do Espírito Santo.

Vitória é uma pequena ilha, o menor município da região metropolitana do

Estado. Somada à porção continental, possui uma população estimada em 320.156

habitantes, de acordo com dados do Governo do Espírito Santo32. Essa população

caracteriza-se por uma taxa de urbanização de 98,09% e uma grande quantidade de

jovens, como indicado na pirâmide etária: cerca de um terço da população de Vitória

possui entre 15 e 29 anos, ou seja, 29,2% de jovens, segundo dados atualizados33,

em 2008. A população feminina é ligeiramente superior a masculina como também

pode ser observado: Figura 1. Pirâmide Etária de Vitória

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Contas Nacionais. Vitória, 2009.

32 Disponível em: http://www.vitoria.es.gov.br. Acessado em 23/06/2010. 33 Disponível em: www.agenciabrasil.gov.br. Acessado em 23/06/2010.

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Essa cidade de jovens experimenta condições de crescimento econômico que são

também favoráveis à busca de cursos universitários. O Estado do Espírito Santo,

apesar de um território relativamente pequeno (0,54% do nacional) e de uma

população relativamente pequena, em comparação com os demais Estados

brasileiros, no ano de 2007, “apresentou a 4ª maior renda per capita entre as UF's

(R$18.003,00), ultrapassando Santa Catarina e sendo superado, apenas, pelo

Distrito Federal, São Paulo e Rio de Janeiro”34. A população, economicamente ativa,

é de quase 50% do total35. A tendência da renda média domiciliar per capita é

ascendente desde 200336. A taxa de crescimento do Estado de 2003 a 2007 foi,

inclusive, superior às taxas de crescimento do Brasil no Sudeste, segundo dados do

Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN)37. Mesmo em 2009, a despeito da crise

mundial, o PIB nominal estadual aumentou de um montante de R$ 40,2 bilhões38,

para R$ 63,5 bilhões. Nesse contexto, a cidade de Vitória possui um dos maiores

PIBs do Brasil. Isso tudo projeta uma perspectiva de crescimento para a região, o

que impacta nas ofertas de empregos e, por conseguinte, na construção dos

projetos profissionais. É a partir de 2005, de acordo com IBGE-IPEA39, que o

Espírito Santo demonstra um destaque significativo no crescimento do seu PIB:

Tabela 1. Crescimento Anual Médio do PIB: Espírito Santo e Brasil

Períodos/anos ES BR Diferença 70-80 12,08% 8,64% 3,44% 80-90 3,34% 1,59% 1,75% 90-05 3,83% 2,64% 1,19% 70-05 5,97% 4,01% 1,96%

2002-2005 3,72% 3,32% 0,40% 2006 6,00% 3,75% 2,25% 2007 8,00% 5,42% 2,58% 2008 8,00% 5,20% 2,80%

Fonte: IBGE-IPEA

34 Disponível em www.es.gov.br. Acessado em 23/06/2010. 35 Disponível em www.es.gov.br. Acessado em 23/06/2010. 36 Disponível em www.ijsn.es.gov.br. Acessado em 23/06/2010. 37 Disponível em www.ijsn.es.gov.br. Acessado em 23/06/2010. 38 Disponível em www.ibge.gov.br. Acessado em 23/06/2010. 39 Disponível em www.ibge.gov.br. Acessado em 23/06/2010.

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Esse crescimento econômico está atrelado à própria história do Estado. A

partir dos dados do IBGE é possível verificar o crescimento na produção industrial

de 30,1% entre 1990 e 1999, um crescimento de quase o dobro da média nacional.40

Apesar da desaceleração do crescimento do mercado mundial, e a conseqüente

queda no faturamento das indústrias, no primeiro semestre de 200941, houve um

crescimento no faturamento nas indústrias de Vitória. As principais atividades

industriais da cidade são: extração mineral, metalurgia básica e exploração de gás e

petróleo. Aliás, principalmente, as descobertas e já iniciadas atividades de

exploração de grandes bacias de petróleo, com grandes expectativas de produção,

contribuem para a projeção de um futuro de crescimento econômico para este

Estado. O que projeta também, perspectivas de emprego nestas áreas e reforça o

imaginário da região em relação aos cursos técnicos profissionalizantes ligados à

produção e, no caso das profissões superiores, reforça o interesse pelas

engenharias, sobretudo, a de petróleo e gás.

A exemplo do Estado, na região metropolitana de Vitória, o setor de

exportação de minério é o grande responsável pelo crescimento da região, além da

erradicação do café, antiga e importante atividade econômica do Estado, a qual

produz um êxodo do interior para a capital. As atividades ligadas à exploração de

petróleo e gás natural são, também, responsáveis por impactos positivos na

conjuntura do Estado e da cidade de Vitória: aumento de investimentos e geração de

empregos, a expansão das atividades portuárias, fomento ao turismo de negócios,

entre outros. Uma expansão visível da construção civil é parte desse

desenvolvimento, bem como o crescimento do setor de transporte, educação e

saúde com a vinda de famílias de outros estados, transferidas para empresas filiais

implantadas no Espírito Santo ampliando o campo de possibilidades profissionais

nas áreas do setor social.

Seguindo a tendência observada em outros centros desenvolvidos do país e

do mundo, Vitória também vem mudando o seu perfil econômico, deslocando seu

eixo dinâmico das atividades industriais tradicionais para uma ampliação e

diversificação de atividades de serviços, e para aquelas fortemente correlatas ao

40 A implantação das empresas industriais de porte dimensionado, nascidas na conjuntura econômica dos 'grandes projetos' dos anos 1980, como a Companhia Siderúrgica de Tubarão – CST, a Companhia Vale do Rio Doce e a Aracruz Celulose, impulsionaram esse desenvolvimento. 41 Disponível em www.ijsn.es.gov.br. Acessado em 23/06/2010.

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conhecimento e à propriedade intelectual. Os dados da Companhia de

Desenvolvimentos de Vitória (CDV)42 tratam da especialização das atividades que se

desenvolvem na Grande Vitória e, em especial, na capital, mostrando que cerca de

73% de empregos do mercado de trabalho encontra-se na produção de serviços

(incluída a administração pública), 18% no comércio e 9% no setor industrial. O

emprego industrial está concentrado na construção civil, que emprega um terço da

força do trabalho industrial da região. Uma das consequências dessas mudanças em

relação à população que investigo é a transferência da procura dos jovens por

cursos técnicos ligados às áreas industriais (como os cursos do SENAI que formam

quadros para diversas áreas da indústria) pela busca de qualificação superior.

Além disso, os dados macrossociais coletados servem para se compreender

o momento de crescimento da economia local, o que gera nos/nas jovens

investigados, exigências, bem como o desejo de maior qualificação profissional. Isso

está atrelado às transformações vividas no mundo de trabalho em escala planetária,

o que têm modificado as demandas de trabalho também nesta localidade. As

relações de trabalho, caracterizadas por meio de contratos formais realizados entre

‘patrões’ e ‘empregados’, e por um perfil de trabalhador médio, constituído por

indivíduos do sexo masculino, de baixa escolaridade, formados ‘no chão de fábrica’

das indústrias, diretamente nas linhas de produção, têm se modificado. Junto a isso,

as novas relações de trabalho mais flexíveis e o impacto das novas tecnologias tem

forçado esse trabalhador a se especializar e se escolarizar mais. Crescem, portanto,

as exigências de formação e de qualificação profissional. Esse é um ponto em

comum entre essas tendências, seja por medo de perder o emprego ou pelo desejo

de buscar melhores oportunidades.

Mas não há apenas essas tendências no horizonte de expectativas dos/as

vestibulandos/as que investigo. O ingresso no Ensino Superior ainda é uma

realidade distante para muitos. Camadas médias e altas da sociedade capixaba, que

buscam por formação superior e especializações, contrastam-se com uma

população pobre, que dispõe de poucos recursos econômicos e deficitário acesso à

educação. A realidade educacional do Estado ainda é precária. A permanência na

escola e o tempo médio de estudo são pequenos. Os dados do IBGE mostram que,

em 2008, no Espírito Santo, 553.396 pessoas matricularam-se no Ensino

42 Disponível em www.cdvitoria.com.br. Acessado em 23/06/2010.

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Fundamental, enquanto que apenas 139.984 no Ensino Médio. As matrículas no

Ensino Superior caem ainda mais: 89.610. A média de estudo da população urbana,

com mais de 25 anos, é de 6,5 anos e a média da população rural cai para 3,4 anos.

Tendência também verificada no país.

A cobertura de Educação Fundamental, na capital, é um pouco melhor devido

à efetiva participação do município Vitória, juntamente com a oferta da iniciativa

privada, tendência que se verifica pela crise crônica do erário público que tem

afetado a rede estadual. Mas no Ensino Médio a situação é muito diferente, esse

segmento de responsabilidade do Estado do Espírito Santo é precário e sem

qualidade, o que exclui a parcela da população pobre do acesso aos níveis

superiores de ensino. Em contrapartida, a iniciativa privada oferece uma educação

de qualidade àqueles que podem pagar, impulsionando-os ao ingresso no Ensino

Superior, principalmente na Universidade Pública. Mas, de acordo com o Setor de

Estatística da Secretaria de Estado da Educação (DAD/SEDU), no Ensino Médio,

apesar do grande número de estabelecimentos de ensino privado, há mais

vestibulandos/as na rede pública de ensino do que na rede privada43. Um indicativo

do caráter elitista e discriminatório da educação desta localidade, o que também é

tendência brasileira. Analisando o quadro de matrículas, disponibilizados pelo

IBGE44 para o Estado do Espírito Santo, é possível perceber esse caráter excludente

visto que as matrículas, no Ensino Médio, caem, consideravelmente, em relação às

matrículas do Ensino Fundamental. Dessa forma, tendências de crescimento

econômico e perspectivas de maiores qualificações misturam-se às tendências de

exclusão tanto educacional como, em consequência, profissional, perspectivas

também comum aos quadros de crescimento brasileiro.

É nesse contexto que se compreende, ao menos em parte, porque cresce nos

últimos anos a procura por cursos superiores. Aliás, vive-se um boom das

Instituições de Ensino Superior Privado. Além da Universidade Federal do Espírito

Santo (UFES), há no estado, 26 instituições privadas desse segmento. E o número

de matrículas nestas é superior aos da rede pública: 12.456, na escola pública

federal e 22.641, na escola superior privada45. Isso mostra que Ensino Público

43 Disponível em www.sedu.es.gov.br. Acessado em 23/06/2010.Esses dados são pelas estatísticas do IBGE (ano 2008) que mostra que dos 17.730 vestibulandos/as matriculados no Ensino Médio, 11.294 matrículas estão na escola pública estadual, 597 matrículas na escola pública federal e 5839 na escola privada. 44 Disponível em www.ibge.gov.br. Acessado em 23/06/2010.

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Superior é para poucos. A reversão no indicativo de matrículas, em relação ao

Ensino Médio, ainda sugere que ingressará na Universidade Pública a minoria

advinda do Ensino Médio Privado, enquanto a maioria do Ensino Público, em nível

médio, recorrerá às instituições privadas, ou, em grande parte dos casos nem

mesmo ingressará nessa etapa de ensino.

Os dados coletados também apontam para a constituição de uma classe

média baixa, que busca ascensão a partir da educação superior. As matrículas no

Ensino Superior, na região de Vitória, são, consideravelmente, maiores do que as do

Ensino Médio: 35.240 matrículas no primeiro, enquanto o Ensino Médio totaliza

18.88346. Muitos jovens, após o ingresso no mercado de trabalho, fazem a opção

pelo Ensino Superior. Isso também se explica em função da migração de jovens de

classes mais privilegiadas do interior, pois é comum nessa região que os filhos de

fazendeiros e profissionais liberais das cidades do Estado, migrem para a capital

para cursar o Ensino Superior, seja na Universidade Pública ou em instituições

particulares. A concentração dessa etapa de ensino, no município de Vitória, que

detém cerca de 60% dessa atividade e praticamente a totalidade da Pesquisa e da

Pós-Graduação.

A tendência de explosão na demanda por Educação Superior é uma realidade

brasileira. Conforme indica o Plano Nacional de Educação (PNE)47, a participação do

ensino privado em nível superior aumentou, sobretudo, na década de 70, em função

da pressão de demanda a partir da "questão dos excedentes", ou seja, aqueles que

não conseguiam passar na prova do vestibular para ingressar nessa etapa. Nos

últimos vinte anos, o setor privado oferece cerca de dois terços das vagas na

Educação Superior. E de 1994, até os dias atuais, o número de estudantes vêm

aumentando 36,1% nas instituições privadas. O número é superior ao das públicas,

cujo crescimento foi de 12,4% nas federais, 18,5% nas estaduais, e 27,6% nas

municipais. A realidade brasileira, também aponta para uma distribuição desigual de

vagas por região. Essa desigualdade resulta da concentração das matrículas em

instituições particulares das regiões mais desenvolvidas. O setor público, por outro

45 Disponível em www.ibge.gov.br. Acessado em 23/06/2010. 46 Disponível em www.educacao.es.gov.br. Acessado em 23/06/2010. 47 Disponível em www.portal.mec.gov.br. Acessado em 23/06/2010.

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lado, está mais bem distribuído e cumpre, assim, uma função importante de

diminuição das desigualdades regionais - função esta que deve ser preservada.

Neste contexto, observo a exemplo de tendências nacionais, o surgimento de

propostas de incentivo e democratização do Ensino Superior. O acesso à

Universidade é incentivado no ES por meio de projetos estaduais como o NOSSA

BOLSA48, o qual facilita a entrada de jovens em Instituições de Ensino Superior

privado. O programa Nossa Bolsa é uma iniciativa de Governo do Estado do Espírito

Santo, por meio da Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia (SECT), que apoia

financeiramente estudantes que tenham cursado o Ensino Médio em escolas

públicas da rede do ES, e que não possuem condições para o custeio de seus

estudos.

O Programa Universidade para Todos (ProUni)49, uma proposta do Governo

Federal brasileiro, existente desde 2004, também se fez nessa perspectiva. O

objetivo é oferecer aos estudantes, de baixa renda, bolsas de estudo integrais ou

parciais em faculdades privadas, concedendo isenção de alguns tributos fiscais. Há

ainda o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)50. Trata-se de uma prova criada

pelo Ministério da Educação do Brasil, desde 1998, utilizada como exame de acesso

ao Ensino Superior em universidades brasileiras e, ainda, como forma de avaliação

da qualidade do Ensino Médio no país. O resultado dessa prova define a distribuição

de bolsas do ProUni e quanto maior a pontuação do/a aluno/a, maiores são as

possibilidades de escolha de um curso ou uma Instituição de Ensino.

É claro que são tentativas de democratização do ensino, que se atém muito

mais aos números do que a qualidade. Além disso, são políticas atreladas às

perspectivas mundiais de educação para a América Latina, como mostra Coraggio

(1996), revelando a tendência de dependência do Brasil em relação ao capitalismo

mundial (RIBEIRO, 2007). Mas, o fato é que se produzem impactos no delineamento

dos projetos profissionais e, por isso, trago essas questões para análise.

A Universidade Federal do Espírito Santo, também aderiu ao programa de

cotas sociais no vestibular. O sistema que visa democratizar o acesso ao Ensino

Superior no Estado, institui reserva de 40% das vagas da graduação para ex-

48 Informações no site: www.nossabolsa.es.gov.br. Acessado em 23/06/2010. 49 Informações no site: http://prouni-inscricao.mec.gov.br/PROUNI/inf_est.shtm. Acessado em 23/06/2010. 50 Informações no site: www.enem.inep.gov.br. Acessado em 23/06/2010.

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estudantes de escolas públicas. Os critérios para esta reserva são: 1. Ter estudado

em escolas da rede pública no mínimo durante sete anos (incluindo os três do

Ensino Médio); 2. Ter renda familiar inferior a sete salários mínimos. Contrário às

reivindicações do Movimento Negro do Estado, o sistema não fez distinção entre

brancos e negros, por prever que mais da metade dos/as vestibulandos/as (52%) de

escolas públicas de Ensino Médio do Espírito Santo são negros ou pardos51.

Um outro projeto local é criado para viabilizar o acesso ao Ensino Superior: o

Projeto Universidade para Todos (PUPT), cujo objetivo é oferecer um cursinho

preparatório para o vestibular aos estudantes de baixa renda, provenientes de

escolas públicas das cidades de Vitória, Vila Velha, Serra, Cariacia e Linhares no

Estado do Espírito Santo. É neste pré-vestibular público, inclusive, que realizo as

entrevistas dos/as vestibulandos/as. Segundo entrevista com o coordenador e um

dos fundadores do PUPT, o projeto foi criado, em 1996, por três alunos do curso de

administração da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), no Centro

Acadêmico do próprio curso e, mais tarde, o que iniciou com apenas uma turma,

atende hoje a 2300 vestibulandos/as. 52 Em vista dos resultados positivos já no

primeiro vestibular, ou seja, como afirma o coordenador do curso “com a aprovação

dos vestibulandos/as de escola pública no vestibular da UFES mesmo antes do

sistema de cotas”, o projeto expandiu-se. Ele continua:

O trabalho que iniciou com parceria de apenas uma empresa, em 1997 passou a ser gerido pela fundação Ceciliano Abel de Almeida, que atua na gerência de recursos que a UFES recebe de parcerias e patrocinadores. O PUPT passou a ser mantido por essa Fundação no que diz respeito aos custos e à remuneração dos profissionais envolvidos.

No final de 2003, esses dois homens, na época estudantes do curso administração

da UFES, fundaram uma Organização Não Governamental (ONG) destinada a não

só gerenciar o projeto por eles criado, mas também associá-lo a projetos de cunho

social, na área educacional. A partir daí, a proposta do cursinho para alunos de

escola pública, idealizada por esses dois indivíduos juntamente com um terceiro, um

funcionário da UFES, seguirá duas vertentes: numa delas, sob responsabilidade da

51 Disponível em: http://portal.ufes.br/cotas. Acessado em 23/06/2010. 52 Conforme entrevista com um dos integrantes da ONG, fundador do projeto lá em 1996, dos 2500 vestibulandos/as que estudam no PUPT, aproximadamente 700 são atendidos pela ONG e 1800 pela Fundação Ceciliano Abel de Almeida A Fundação Ceciliano Abel de Almeida trata-se de uma entidade jurídica de direito privado sem fins lucrativos, instituída em 27 de outubro de 1977, cuja finalidade é prestar consultorias, serviços técnicos e científicos nas diversas áreas de atuação da UFES.

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Fundação Ceciliano Abel de Almeida, terá a coordenação de um dos mentores,

funcionário da Universidade; na outra vertente, esses dois antigos alunos e já

formados, criarão uma ONG para oferecer o mesmo serviço. Ainda que um projeto

de cunho social, ele visa facilitar o ingresso de jovens ao Ensino Superior e,

portanto, trabalhando em função da democratização do ensino, o acesso a ele não é

livre. É preciso uma prova seletiva para que os/as vestibulandos/as que cursam o

Ensino Médio possam, em horário alternativo, ter direito a essas aulas. Segundo o

coordenador do Projeto, a concorrência é grande e só passam os mais

“interessados”; chegaram a ter, inclusive, 8.000 inscrições. Há também duas turmas

as quais atendem vestibulandos/as de projetos sociais que já finalizaram o segundo

grau, entretanto, essa seleção, é feita por conta de cada comunidade.

Tudo isso, além de reforçar as perspectivas nacionais de democratização do

Ensino Superior, criam condições específicas que favorecem a redução de

embargos postos ao ingresso no Ensino Superior, ampliando, pois, esse campo de

possibilidades de projetos profissionais impensáveis sem esse apoio. São iniciativas

que registram tentativas de superar um universo de desigualdades de acesso à

educação, um fenômeno, aliás, da longa duração na história da educação brasileira.

Essa primeira aproximação do tema, mais macroanalítica, foi tratada como

indícios de partes constituintes do campo de experiências dos jovens entrevistados.

Distinguem deles, processos sociais vividos, portanto, a serem considerados nas

trajetórias individuais do conjunto dos jovens em seus movimentos de busca para

um curso no Ensino Superior.

1.4 As experiências dos/as vestibulandos/as de Vitória sugerem algumas

direções

Uma primeira aproximação com a questão se fez com base em dados

quantitativos, usuais a abordagens macrossociais do tema. Tomei-os como indícios,

vistos como fios que compõem um tapete cuja trama densa é aparentemente

homogênea (GINZBURG, 2003). Atenta ao alerta de Gribaudi (1998), com cautela,

preferi duvidar da capacidade da retórica macroanalítica servir de modelo

interpretativo global de processos sociais que, em geral, não são visíveis nessa

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abordagem. Preferi uma outra tradição: centrada na metáfora de Ginzburg (2003),

servi-me da sugestão de pensar o pesquisador como alguém que se transforma em

caçador a perseguir rastros. A compreensão da história humana pode ser

reconstruída com base em rastros e indícios. E aí, o recurso à microanálise revelou-

se imprescindível (REVEL; 1998). Os elementos contextuais, que busco investigar,

dão pistas sobre a trama das relações sociais e ajudam a compreendê-las. Como

orientadora profissional vi-me, com isso, bastante próxima dessa proposição e, com

ela, também revi amplamente a matéria de minha formação.

Foram aplicados 460 questionários (modelo no apêndice 1) a

vestibulandos/as de dois cursos preparatórios para o vestibular de Vitória, nos anos

de 2009 e 2010, distribuídos 230 no curso pré-vestibular público, de iniciativa de

uma ONG e 230 questionários no privado. A opção por dois grupos dá-se em função

de poder trabalhar com as diferentes classes sociais, visto que são estudantes do

pré-vestibular público, somente vestibulandos/as e ex-vestibulandos/as de escola

pública, provenientes, portanto, de classes populares. No pré-vestibular privado,

estão estudantes de classes média e alta. Destaco que, de acordo com critérios

estatísticos, essa é uma amostra significativa da população que investigo. No curso

pré-vestibular público há, aproximadamente, 2300 vestibulandos/as e no curso pré-

vestibular privado esse total é de 1900, portanto, uso amostras igual ou superior a

10% da população53. A opção por dois grupos sociais, organizados nos cursos

preparatórios para o vestibular, possibilitou, de imediato, a sua utilidade na

categorização inicial dos sujeitos por segmentos de classes sociais diferenciadas

entre si, permitindo verificar suas inserções sociais diversas e disposições para a

ação tomadas nessa experiência comum do vestibular e nas distinções de seus

projetos profissionais.

Significados possíveis sobre os projetos profissionais também foram

associados a tendências regionais/locais, portanto, capazes de situar configurações

singulares das experiências examinadas. Restou-me, então, tratar dos sujeitos

dessa pesquisa em entrevistas de vestibulandos/as, por vezes, em presença de

outras pessoas e, ainda, observações/depoimentos extraídos de dinâmicas de

grupo.54 Nesse primeiro momento, o uso de fontes quantitativas confirmou sua

53 De acordo com critérios estatísticos de significância e representatividade da amostra, ela deve se constituir entre 10% a 30% da população investigada. 54 Todas acompanhadas do Termo de Consentimento de Livre Esclarecimento (apêndice 2).

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utilidade ao indicar pistas e sinais, como propõe Ginzburg (2007), permitindo ainda

agrupar temas tratados ao longo da tese.

Presidiram essas análises, observações extraídas de minha experiência

profissional em OV, mas, redefinidas em novas referências como indicado,

sobretudo quanto a embargos de acessos ao Ensino Superior vividos por parcelas

significativas da população jovem, além de dilemas de outra natureza que também

estão nos projetos profissionais. O recurso à microanálise revelou-se útil para a

compreensão de fenômenos sociais complexos. Como afirma Revel (1998), é um

método que possibilita apreender a “estrutura folheada do real”. Com isso, não é

preciso desprezar qualquer escala de observação macrossocial. Aliás, como afirma

Gribaudi (1998), é possível uma análise quantitativa com base num enfoque

microanalítico; tudo depende da escala de análise a ser utilizada. Em geral, a

utilização de dados empíricos, portanto, sejam eles quantitativos ou qualitativos, na

abordagem macrossociológica, permanecem subordinados a uma lógica da

estrutura de “modelos construídos à priori”. Gribaudi a classifica como

substancialmente determinista e evolucionista, ao contrário da análise

microssociológica que rompe com os determinismos e a perspectiva da causalidade

e abrem-se à dimensão da incerteza e da possibilidade. A microanálise, indica Revel

(1998), coloca em xeque algumas certezas construídas pelo paradigma macro. A

continuidade histórica só pode, portanto, “ser lida a posteriori, mas não desvenda,

em si, suas leis”. Muito ao contrário: “ela esconde suas contingências sucessivas

atrás dos anteparos dos modelos projetados” (GRIBAUDI, 1998, p. 122).

Seguindo, então, a proposta da microanálise, examinei as diferentes fontes e

as admiti como úteis à configuração de aspectos relativos às “estruturas locais, e às

dinâmicas que essas estruturações engendram” (GRIBAUDI, 1998, p. 148). Recorri,

ainda, a dados comparativos dos dois grupos, o que possibilitou o enunciado de

mais hipóteses e a confirmação/negação de algumas delas. A primeira constatação

é óbvia evidência: vestibulandos/as do pré-vestibular privado estão ligados às

classes média e alta da população, enquanto os de classes mais baixas

concentram-se no pré-vestibular público. No pré-vestibular público há a seguinte

composição de classes segundo dados do IBGE55: 0% na classe A; 1% na classe B,

55 Classificação: Classe E: até dois salários mínimos; Classe D: de 2 a 6 salários mínimos; Classe C: de 6 a 15 salários mínimos; Classe B: de 15 a 30 salários mínimos; Classe A: acima de 30 salários mínimos.

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11%; na classe C, 73%; na classe D; 15% na classe E. Ao contrário do pré-

vestibular privado, em que há um predomínio das classes mais altas: 32% de

vestibulandos/as na classe A; 36% na classe B; 26% na classe C; 6% na classe D;

0% na classe E:

Gráfico 1 - Classe social dos/as vestibulandos/as de Vitória 2009-2010

0%10%20%30%40%50%60%70%80%

A B C D E

Pré-vestibular públicoPré-vestibular privado

Mas, outra constatação – essa quase nunca evidente – é a de que a

concentração da riqueza não é apenas material, mas também intelectual e cultural.

Diferenciação econômica, mas também diferenças em relação ao capital cultural são

observadas ao se analisar a escolaridade dos pais. Para Bourdieu (1998c), capital

cultural refere-se a um novo tipo de capital (privilégio de poucos), uma espécie de

recurso social, que distingue os grupos que possuem, daqueles que não o possuem,

já que é privilégio de poucos. Refere-se a um conjunto de disposições transmitidas

pela família, pela escola e outros agentes educativos, nos quais também atuam

modelos e condutas imitativas, um conjunto de referências que compõem uma dada

“mímesis das profissões”56. A conquista de títulos e escolaridade representa a posse

de um capital cultural institucionalizado, nos termos de Bourdieu (1998c), refletindo

também a parte imaterial do capital cultural traduzida nas potencialidades

intelectuais do sujeito. Observações pessoais e fontes examinadas indicam enormes

diferenças na posse desse capital. Entre os vestibulandos/as do curso pré-vestibular

público, 8% dos pais possuem primário incompleto ou nunca foram à escola, 26%

possuem primário completo ou fundamental incompleto, 26% possuem fundamental 56 A mímesis é um conceito utilizado pela literatura que trata de uma forma de imitação, mas não se refere a uma mera cópia do real, trata-se de uma forma específica de representação da sociedade e, por isso, as percepções e interpretações do mundo fazem com que haja uma mímesis produtiva. É esse o uso que faço de “mímesis profissional”. Ou seja, os projetos dos pais são imitados, mas com adaptações. Sobre o assunto ver mais em Lima (1980) e Mousinho (s.d.).

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completo ou médio incompleto, 32% possuem médio completo ou superior

incompleto, 5% possuem superior completo e 2% possuem pós-graduação.

Comparando com a escolaridade dos pais dos/as vestibulandos/as do curso pré-

vestibular privado, os números seguem diferentes orientações: 1% dos pais

possuem primário incompleto ou nunca foram à escola; 1% possuem primário

completo ou fundamental incompleto; 12% possuem fundamental completo ou médio

incompleto; 15% possuem médio completo ou superior incompleto; 37% possuem

superior completo; e 33% possuem pós-graduação:

Gráfico 2 - Escolaridade dos pais dos/as vestibulandos/as de Vitória 2009-2010

0%5%

10%15%20%25%30%35%40%

Nunca foi àescola / primário

incompleto

Primáriocompleto /

fundamentalincompleto

Fundamentalcompleto /

médioincompleto

Médio completo/ superior

incompleto

Superiorcompleto

Pós-graduação

Pré-vestibular públicoPré-vestibular privado

A distribuição desigual do capital cultural é, também, um indicativo das

diferentes inserções no mercado de trabalho e, por conseguinte, econômica. As

profissões dos pais mais citadas entre os/as vestibulandos/as do curso pré-

vestibular público foram: pedreiro, eletricista, mecânico, taxista, motorista, servidor

público (nível técnico) autônomo e comerciante. Enquanto as profissões mais

comuns entre os/as vestibulandos/as do curso privado foram: médico, dentista,

engenheiro, arquiteto, empresário, advogado, juiz, entre outros.

Os indicativos sobre as mães desses/as vestibulandos/as se fazem na

mesma direção. Entre os vestibulandos/as de classe baixa, 10% das mães possuem

primário incompleto ou nunca foram à escola, 19% possuem primário completo ou

fundamental incompleto, 25% possuem fundamental completo ou médio incompleto,

33% possuem médio completo ou superior incompleto, 6% possuem superior

completo e 7% possuem pós-graduação. Os números invertem-se quando

comparados à escolaridade das mães dos/as vestibulandos/as do curso privado,

respectivamente são: 0%, 0%, 7%, 13%, 48% e 32%:

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73

Gráfico 3 - Escolaridade das mães dos/as vestibulandos/as de Vitória 2009-2010

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

Nunca foi àescola /primário

incompleto

Primáriocompleto /

fundamentalincompleto

Fundamentalcompleto /

médioincompleto

Médio completo /

superiorincompleto

Superiorcompleto

Pós-graduação

Pré-vestibular públicoPré-vestibular privado

As profissões das mães dos/as vestibulandos/as do curso público se

concentraram em diarista, empregada doméstica, cozinheira, faxineira, costureira,

autônoma e algumas professoras e assistentes sociais. Mas, a maioria delas foi

considerada dona de casa. Já as profissões nas quais se concentram as mães

dos/as vestibulandos/as do pré-vestibular privado foram: dentista, médica,

advogada, administradora. Algumas, também não trabalham.

De acordo com Bourdieu (1998c), o capital cultural é transmitido em cada

família aos filhos por meios mais indiretos do que diretos. São conjuntos de valores

implícitos e, profundamente, interiorizados. Assim, há certa tendência a valorizar e a

incentivar o conhecimento escolar em um dos grupos, o que contribui para o

sucesso acadêmico. Disso resulta, portanto, diferentes construções de projetos

profissionais em ambos os grupos investigados, sobretudo, se considerado o

sucateamento do ensino público, em nível fundamental e médio, e a falta de

democratização do Ensino Superior no Brasil. Assim, pode-se compreender o

direcionamento de ricos e pobres que o modelo educacional produz, fazendo com

que não se sintam capaz de concorrer a vagas em cursos mais concorridos.

Isso se evidência, quando analiso uma planilha disponibilizada pelo

coordenador do pré-vestibular público de vestibulandos/as aprovados/as no PUPT,

desde sua criação (ver anexo 2). Os cursos que conseguiram o ingresso na

Universidade Pública foram em ordem decrescente: serviço social, biblioteconomia,

ciências contábeis, ciências sociais, educação física e pedagogia. Ou seja, cursos

de menor prestígio social, cuja relação candidato por vaga no vestibular da UFES é

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74

menor. Além disso, estabeleci um comparativo entre as expectativas de cursos

dos/as vestibulandos/as do ensino público e do ensino privado para o vestibular de

2009. Posteriormente peguei os dados da relação de candidatos por vaga, deste

mesmo vestibular, que saiu em março de 2005 e agrupei as profissões em função da

concorrência57. Os dados cruzados originaram uma tabela, que pode ser visualizada

anexa.

O primeiro grupo de profissões, com uma relação de 0 a 5 candidatos por

vaga contempla: biblioteconomia, engenharia da automação, ciências sociais,

agronomia, física, serviço social, pedagogia e letras português. No grupo 2, a

relação de candidato por vaga vai de 5,1 a 10, encontram-se as profissões: história,

administração, enfermagem, química, nutrição, fisioterapia, farmácia, biologia,

jornalismo, engenharia elétrica e odontologia. No grupo 3 o intervalo de relação

candidato por vaga foi de 10,1 a 15 e as profissões foram: engenharia da

computação, publicidade, engenharia de petróleo e engenharia mecânica. No grupo

4 a relação de candidato por vaga foi de 15,1 a 20 e concentrou as seguintes

profissões: arquitetura, psicologia, engenharia civil, engenharia da produção e

engenharia ambiental. E, por fim, o grupo 5 tem uma relação candidato vaga

superior a 20,1, fazem parte apenas direito e medicina. Os dados a seguir indicam

as expectativas dos/as vestibulandos/as de ambos os grupos investigados, em

relação aos cursos que serão escolhidos no vestibular de 2009:

Gráfico 4 ‐ Opções por cursos universitários no vestibular 2009 da UFES

0

20

40

60

80

100

120

Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3 Grupo 4 Grupo 5

PROFISSÕES Pré‐vestibular Público

Pré‐vestibular Privado

57 Dados disponíveis em http://www.ccv.ufes.br/Cand_vaga_Curso_2010.pdf. Acessado em 27 de junho de 2010.

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75

Foi possível verificar que as opções dos vestibulandos/as do pré-vestibular

privado concentram-se nos cursos mais concorridos, ou seja, direito e medicina. Dos

230 questionários respondidos, há 114 indicações por esses cursos, enquanto no

curso público o número é de 42 indicações. Analisando essas profissões,

separadamente, os dados brutos mostram que 27 vestibulandos/as do curso público

tentarão direito e 15 tentarão medicina. Já no curso privado esse número é de 36 e

78, respectivamente. Ou seja, além de ser grande a diferença ela é mais significativa

em relação ao curso de medicina.

Portanto, o curso de medicina parece se distanciar bastante da realidade de

vestibulandos/as vindos de classes populares. Se não tanto nos sonhos, desejos e

aspirações que investiguei, mas nas reais possibilidades de efetivar esse sonho. O

coordenador do curso de pré-vestibular público afirma que, nos treze anos de

existência do projeto, nenhum/a aluno/a foi aprovado no curso de medicina: “mesmo

depois das cotas, não obtivemos nenhuma aprovação em medicina. Medicina é um

vestibular à parte, tamanha a concorrência”. Nos estudos de Barbosa (1998) e

Bonelli (2005) é possível verificar que as tradicionais profissões de prestígio:

medicina, direito e engenharia ainda se constroem como perspectivas de

crescimento e ascensão social, sobretudo para as classes médias.

Em relação aos cursos de arquitetura, psicologia, engenharia civil, engenharia

da produção e engenharia ambiental, vê-se que a proporção de vestibulandos/as é

semelhante nos dois cursos, sendo um pouco maior, entre os de classes populares.

O que indica o desejo de ingressar em cursos de maior prestígio, certamente na

expectativa de alcance de melhores condições de vida. Em relação às profissões do

grupo 3, os dados foram semelhantes nos dois cursos. Mas, quando observamos as

profissões dos grupos 1 e 2, vê-se o grande número de vestibulandos/as de classes

populares optarem por esses cursos. As profissões mais procuradas pela classe

baixa são as menos disputadas na UFES: biblioteconomia, tecnologia mecânica,

ciências sociais, agronomia, física, serviço social, desenho industrial e em letras,

português, seguida das profissões: história, administração, enfermagem, química,

nutrição, fisioterapia, farmácia, biologia, jornalismo, engenharia elétrica e

odontologia. Ao comparar os cursos individualmente, é possível verificar, por

exemplo, nenhuma procura dos/as vestibulandos/as do curso pré-vestibular privado

pelo curso de serviço social, já o número cresce para 16 entre os/as

vestibulandos/as do curso público.

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76

Os cursos mais procurados pelas classes populares são, em geral, não

apenas mais fáceis de passar, mas exigem também uma dedicação menor aos

estudos. Em geral, são noturnos ou se concentram no matutino, permitindo que

conciliem os estudos com o trabalho. Isso se confirma nas entrevistas realizadas.

As carreiras seguidas pelo/as vestibulandos/as do pré-vestibular privado, entretanto,

seguem outras direções. De acordo com informações da Coordenadora desta

Instituição de Ensino:

Temos grandes aprovações nos tradicionais cursos de elite: medicina, direito e engenharia. São as profissões que oferecem mais possibilidade de sucesso. Maiores ganhos e oportunidades futuras. Pode até não ter grandes ganhos, mas há mais estabilidade e segurança. O nosso curso é o que mais aprova em medicina. É claro que nem todos passam nestes cursos. Há vestibulandos/as mais fracos que passam nos cursos menos concorridos.

Evidenciam-se aqui, que processos de exclusão estão presentes nos dois

grupos investigados, quando se examina a opção por determinados cursos. Algumas

profissões oportunizarão a ascensão ou manutenção do lugar social, enquanto

outras parecem destinadas aos mais “fracos”, mais “pobres”, etc. Profissões menos

e mais prestigiadas serão hierarquizadas: as menos prestigiadas serão ocupadas

pelas classes mais baixas, enquanto as de maior prestígio serão procuradas por

aqueles que têm uma boa trajetória educacional e dispõem, inclusive, de mais tempo

para se dedicar aos estudos. Isso também será verificado nas entrevistas. As

construções simbólicas sobre as profissões e as possibilidades de ganhos serão

avaliadas nos projetos profissionais e revelam o campo de possibilidades que cada

estudante dispõe. Direito, medicina e engenharia(s) surgem não apenas como

aquelas, tradicionalmente mais procuradas, mas também como as que possibilitam

“maiores ganhos e oportunidades futuras”, como afirma a Coordenadora do curso

pré-vestibular privado.

Além da verificação do peso da posição de classe nos projetos profissionais,

foi possível observar diferenças numéricas de homens e mulheres em relação às

opções do vestibular. De fato, o número de homens e mulheres que pretendem

passar no vestibular da UFES é a mesma. Na região, em geral e, principalmente,

raras são as pessoas que tentam vestibular sem fazer um curso preparatório; faz

parte da cultura local. A distribuição por sexo, entre os dois grupos, mostra um

número maior de mulheres nos dois pré-vestibulares:

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77

Tabela 2. Distribuição de homens e mulheres nos cursos pré-vestibulares

Sexo

Pré-vestibular público

Pré-vestibular privado

Masculino 33% 41%

Feminino 67% 59%

A diferença nos números poderia estar relacionada a uma maior concentração

da população feminina na cidade. Vitória possui 150.873 homens e 169.280

mulheres58, ou seja, respectivamente o percentual de homens e mulheres é 47,13 %

e 52,87%. Apesar da vantagem em pouco mais de 4% do conjunto, é também

sensível a possibilidade de que uma tendência feminina, por conquistas no campo

educacional esteja se afirmando. Esse fato é confirmado por diversas pesquisas,

entre elas as de Castro e Yamamoto (1998), que demonstram a maior escolaridade

das mulheres em relações aos homens, na atualidade. As fontes também indicaram

uma maior composição de mulheres no curso pré-vestibular público, o que confirma

os indicativos anteriores.

Essas mesmas fontes, também, mostram a maior valorização e dedicação ao

estudo entre as mulheres de classe baixa se comparadas aos homens da mesma

classe. De certa forma, isso nos remete ao uso desigual dos tempos femininos e

masculinos e da divisão de tarefas. Isso significa que os homens dedicam-se mais

ao trabalho remunerado, e tomam para si o papel de provedor. Por isso, preocupam-

se desde cedo (sobretudo os de classe baixa) em ter renda. Considerando ainda as

necessidades econômicas das classes populares, os homens pobres ingressam no

mercado de trabalho mais cedo do que os homens de classe média, e do que as

mulheres em geral. Isso pode ser inferido a partir dos dados gerais da amostra: 65%

das mulheres do pré-vestibular público trabalham, contra 92% dos homens desse

mesmo curso; apenas 3% das mulheres e 5% dos homens trabalham entre os

estudantes do pré-vestibular privado:

58 Fonte: http://www.vitoria.es.gov.br. Acessado em 23/06/2010.

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78

Gráfico 5 - Percentual de vestibulandos/as de Vitória que trabalham 2009-2010

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

Pré-vestibular público Pré-vestibular privado

FemininoMasculino

Também é possível verificar a enorme diferença entre aluno/as que trabalham

no conjunto de dados de cada curso: vestibulandos/as do pré-vestibular privado, em

geral, não trabalham, ao passo que no pré-vestibular público a realidade inverte-se.

Isso está diretamente vinculado à questão econômica, mas também à disposição

para certas ações no interior do campo social, só visíveis com as contribuições

recolhidas da microanálise, também efetivada, a partir das entrevistas realizadas.

Em um levantamento dos quatro últimos anos (2006, 2007, 2008 e 2009) no

vestibular da Universidade Federal do Espírito Santo, foi possível verificar certas

diferenças nas opções por cursos superiores de homens e mulheres. Tomando por

base o critério e maior procura no vestibular da Universidade Federal do Espírito

Santo, o prestígio social de um curso, é possível perceber que as mulheres

concentram-se em cursos menos prestigiados: biblioteconomia, arquivologia e

fonaudiologia, além dos tradicionais nichos femininos, que possuem inclusive um

baixo ponto de corte: pedagogia, serviço social, enfermagem e fisioterapia. As

mulheres se concentram ainda em cursos como: arquitetura, artes, comunicação

social, farmácia, odontologia e psicologia. Já as opções masculinas se concentram

em cursos como: ciências contábeis, ciências da computação, ciências econômicas,

formação de oficiais, as engenharias, de modo geral, e tecnologia mecânica

(apêndice 3). Ou seja, as opções femininas permanecem ligadas aos cuidados e

recaem sobre a saúde, a estética, a educação, a assistência e as ciências humanas.

Já as opções masculinas estão ligadas às ciências exatas e a tecnologia,

associando a imagem masculina ao cálculo e à tecnologia, além de profissões

ligadas à carreira militar.

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79

Cabe destacar, entre os cursos considerados de elite, ou seja, os que

apresentaram maior relação de candidatos por vaga, nos últimos cinco anos do

vestibular da UFES, que a presença feminina já é marcante. São eles: medicina,

direito e engenharias (ambiental, civil e da produção), o que mostra que as

mulheres, por outro lado, também tem avançado em outros domínios, e em direção

a algumas profissões marcadamente masculinas, ainda que seja maciça a presença

feminina nos cursos de menor prestígio.

Sobre a maior escolaridade entre as mulheres, isso também pode ser

verificado entre as mães dos/as vestibulandos/as investigados como mostra o

comparativo abaixo:

Tabela 3. Comparativo de escolaridade de mães e pais dos/as vestibulandos/as

O comparativo mostra que o nível superior e pós-graduação é maior entre as

mulheres de ambos os cursos. Se somarmos esses dois níveis, representam 81%

das mães do curso privado, contra 70% dos pais. No curso público, são 13% de

mães com curso superior e 7% de pais. O que mais uma vez comprova os dados já

citados.

Há outras observações importantes por se fazer em relação às fontes

coletadas. As meninas negras e pobres escolhem os cursos menos concorridos e de

menor prestígio social e as meninas de classes mais altas cuja representatividade

de negras é ínfima, escolhem cursos mais prestigiados como: direito, medicina,

arquitetura, engenharia e psicologia. Isso mostra que não apenas o gênero, mas

suas interseções com a classe e a cor da pele situam alguns dos fundamentos das

desigualdades.

Além disso, ressalto que a observação das categorias “cor” e “geração” estão

muito bem enredadas nas categorias de classe. Não foi possível separar quais as

opções por cursos universitários dos negros, independente da posição de classe.

Pré-vestibular público Pré-vestibular privado Escolaridade dos pais PAI MÃE PAI MÃE

Nunca foi à escola / primário incompleto 8% 10% 1% 0%

Primário completo / fundamental incompleto 26% 19% 1% 0%

Fundamental completo / médio incompleto 26% 25% 12% 7%

Médio completo / superior incompleto 32% 33% 15% 13%

Superior completo 5% 6% 37% 48%

Pós-graduação 2% 7% 33% 32%

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80

Aliás, a partir do contato com os dois grupos sociais, foi possível evidenciar, uma

vez mais que os negros concentram-se no pré-vestibular público e nos segmentos

mais pobres. Os dados mostram que 41% dos entrevistados/as do pré-vestibular

público se autodeclararam brancos, 46% se autodeclararam pardos, 9% de negros,

1% de indígenas, 2% de amarelas e 1% não soube responder. No curso pré-

vestibular privado, os números foram: 74%, 24%, 2%, 0%, 0% e 0% seguindo a

mesma ordem:

Gráfico 6 - Autodeclaração de cor dos/as vestibulandos/as de Vitória 2009-2010

0%10%20%30%40%50%60%70%80%

Branco Pardo Negro Indígena Amarelo NR

Pré-vestibular públicoPré-vestibular privado

Destaco, ainda, o pequeno percentual de negros mesmo nos dois grupos,

5,5% do total geral de vestibulandos/as. Somando negros e pardos, como sugerem

alguns autores, há 55% no curso público e apenas 26% no curso privado, ou seja,

quase metade. Diversos estudos têm mostrado a pequena parcela de negros e

negras que ingressam nas universidades brasileiras, entre eles Góis (2008),

confirmando desigualdades raciais persistentes na história da educação brasileira.

Também não foi possível verificar, de forma independente do recorte de

classes, a que curso se dirigem os mais velhos e os mais jovens. Isso porque,

também, são eles a maioria no curso pré-vestibular público. Desta forma, a análise

dessa categoria foi, necessariamente, considerada em suas interseções com a

posição de classe. As idades são bastante homogêneas no curso superior privado,

com prevalência do intervalo de 16 a 20 anos. Há 81% de vestibulandos/as até 20

anos, 10% de vestibulandos/as de 21 a 25 anos, 4% de 26 a 30 anos e 3% acima de

31 anos no curso pré-vestibular público. No curso pré-vestibular privado, há 93% de

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81

vestibulandos/as até 20 anos, 6% de vestibulandos/as de 21 a 25 anos, 1% de 26 a

30 anos e 0% acima de 31 anos:

Gráfico 7 - Idades dos/as vestibulandos/as de Vitória 2009-2010

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

até 20 21 à 25 26 à 30 31 ou mais

Pré-vestibular públicoPré-vestibular privado

A geração, assim, não pode deixar de ser associada em suas interseções

com a classe, pois se evidenciam, de imediato, os significados da postergação do

projeto profissional, admitida como vinculada à posição social dos vestibulandos/as

mais velhos, ainda que em menor número. Além disso, é possível observar a grande

concentração de jovens em ambos os cursos.

Por mais que esses dados trouxessem indícios das experiências de interesse

da pesquisa, pareceram-me, por vezes, deterministas e generalistas. Reafirmando o

proposto por Linhares (2008), é arriscado deixar-se aprisionar por formas pré-

definidas no trato de tendências. Assim, pretendendo negar a análise causal e

determinista dos fenômenos sociais, alinho-me a perspectivas históricas que, por

outros caminhos, situam possibilidades de retirar de áreas ocultas, muito da matéria

com que as experiências humanas se fazem. Isso me permite deslocar análises, que

se estabelecem como uma irresistível tendência, a de que “todos/as”

vestibulandos/as de classes mais baixas estão sempre fadados a cursos superiores

de menor prestígio, e de que todos os vestibulandos/as das classes mais altas

buscassem, como uma sina, os de maior prestígio. Não é isso o que pude verificar.

Essas tendências mais gerais são vistas apenas como dados, que compõem o

campo de possibilidades dos entrevistados, mas, apesar delas, os indivíduos

deslocam-se, fazem alianças, entram em conflito, superam limites, fazem rupturas.

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Enfim, a experiência humana é sempre imprevisível e constrói com tendências

variáveis, processos sociais diversos.

Há limites impostos pelas análises quantitativas, que não me permitem a

apreensão da complexidade das relações sociais, tampouco, no caso em foco, não

permitem informar como os sujeitos agem em sua própria história. Há uma

pluralidade de motivações, impulsionando os projetos profissionais. A análise

quantitativa não dá visibilidade a movimentos do devir, com continuidades e rupturas

de relações sociais. Ela em si, oculta e também dificulta a percepção da dinâmica

social. Além disso, não é o mais indicado para investigar as subjetividades. Por isso,

a perspectiva quantitativa oculta razões e sentimentos, que também movem as

ações do presente de vestibulandos/as em relação ao horizonte de expectativas, ao

futuro de suas escolhas e em relação a seus projetos profissionais. É preciso, então,

também uma mudança na escala de observação, a qual permita investigar a

subjetividade humana e as relações estabelecidas com a realidade social.

1. 5 Mudança na Escala de Análise

Muitas discussões sobre macro e micro, pesquisa quantitativa e qualitativa

repetem-se na tentativa de encontrar o modelo viável para chegar à verdade. Usar

muitas fontes de pesquisas ou aprofundar poucas? Quantificar as respostas e as

fontes ou tratá-las de forma qualitativa? Não é esse o embate que quero travar, até

porque as fontes e as formas de observação das mesmas dependem do fenômeno a

ser investigado. Com vistas ao que já examinado, creio que o problema resida

menos na escolha de escala de observação (macro e micro), e mais na própria

escolha da escala de análise. Para isso, tomo de empréstimo as contribuições de

Gribaudi (1998), que postula essa problemática em termos de diferenciações das

argumentações retóricas.

Gribaudi (1998) postula que a abordagem microanalítica é mais

fundamentada logicamente e possui melhor argumentação retórica. Na abordagem

microanalítica, a utilização dos dados empíricos “parece justificada na medida em

que eles permitem explicar, não apenas as categorias e as representações sociais,

mas também suas utilizações contextuais e os diferentes graus de adesão que estas

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83

encontram em seu tempo” (GRIBAUDI, 1998, p. 122). Isso, porque a microanálise é

indutiva; é a partir dos dados observados que se chega às proposições gerais.

Individualiza os processos sociais investigados e os generaliza por meio de fontes

de pesquisa. A abordagem macrossocial, por sua vez, é dedutiva. Suas provas são

deduzidas de um grande modelo analítico:

Nesse enfoque, a construção causal é a principalmente fornecida pelas categorias expressas pelo modelo. Os dados empíricos nele introduzidos têm uma função que é essencialmente de ilustração, por intermédio de uma série de operações retóricas e/ou estatísticas de tipologização” (GRIBAUDI, 1998, p. 122).

A prova da abordagem macroanalítica se baseia mais em modelos dos

processos sociais gerais, do que nos próprios objetos empíricos, daí a busca

constante por modelos coerentes e amplamente partilhados socialmente que

possam orientar de forma global os pesquisadores que a ele aderem.

É claro, como afirmado anteriormente, que é possível variar a escala numa

perspectiva microanalítica, com uso de escalas quantitativas. Também é possível o

contrário, ou seja, dentro de uma visão macroanalítica, usar não só uma fonte

quantitativa, como também qualitativa, mas como mera ilustração de uma

proposição geral. Isso é importante de se destacar na medida em que muitas

pesquisas na atualidade tem se construído dessa forma. Nesse caso, Utilizam-se

entrevistas e outros dados qualitativos apenas para reafirmar uma teoria já

preconcebida. Assim, minha opção não é apenas pela mudança na escala de

observação, mas principalmente na escala de análise.

Investigações importantes sobre a microanálise foram feitas por Revel (1998).

O autor mostra que a escala micro não necessariamente engendra a macro, posição

defendida por alguns autores, mas que revela especificidades não perceptíveis

numa análise macro. Os fenômenos globais podem ser lidos de maneira diferente se

apreendidos por intermédio de estratégias individuais e biográficas. Trata-se, então,

de entender o mundo social a partir de estratégias cotidianas, não perceptíveis numa

análise macro.

O modelo implícito da microanálise é de um processo histórico em

configurações sociais complexas que são postas em jogo, configurações que não

são lineares e que podem ser imprevisíveis, como afirma Gribaudi (1998). Os

objetos de investigação da microanálise podem ser, ainda, psicológicos e sociais,

envolvidos em formas de interação entre os indivíduos e mundo. Os

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84

comportamentos sociais são engendrados “concretamente a partir de dinâmicas de

interação dos indivíduos: entre sua memória do passado e suas antecipações do

futuro possível” (GRIBAUDI, 1998, p. 131).

Os modelos macro e microanalíticos remetem, portanto, a modelos históricos.

Nas abordagens macroanalíticas o que se vê é um concepção de processo histórico

global, determinado por processos estruturais e impessoais. Assim, a estrutura

econômica e o mercado de trabalho, por exemplo, são vistos como “agentes

históricos dotados de uma realidade e uma e de uma autonomia própria”

(GRIBAUDI, 1998, p. 135). Na abordagem microanalítica, a concepção é de uma

história que se faz a partir das experiências humanas e, por isso, é nelas que se

compreende o processo de constituição do real. Os projetos profissionais, nesse

contexto, mostram, a cada momento, um conjunto de representações do presente e

também do futuro. A partir desse entendimento é que se pode compreender as

ações humanas.

Nesta pesquisa, precisei estar atenta de modo a não utilizar comportamentos

típicos para provar ou ilustrar modelos analíticos gerais. Foi preciso descobrir, a

partir deles, material de análise capazes de indicar sua variação. Trata-se de um

jogo de desconstruções e reconstruções de fontes e seus significados para tentar

desvelar articulações ocultas, que se fazem entre as sensibilidades e os

comportamentos sociais.

Como indica Revel (1998), é preciso compreender que uma dada experiência

social não é a mesma dependendo do nível de análise. Assim, fenômenos que

estamos habituados a pensar em termos globais “como o crescimento do Estado, a

formação da sociedade industrial, podem ser lidos em termos completamente

diferentes se tentarmos apreendê-los através de estratégias individuais, das

trajetórias biográficas, individuais ou familiares” (REVEL, 1998, p. 13). Daí, vale

buscar: [...] a proposta de um método interpretativo centrado sobre resíduos, sobre os dados marginais, considerados reveladores. Desse modo, pormenores normalmente considerados sem importância, ou até triviais, ‘baixos’ que forneciam a chave para aceder a produtos mais elevados do ser humano (GINZBURG, 2003, p.150).

Também sujeitas a muitas imperfeições, a microanálise tira os pesquisadores

dessa área de conforto dada pela perspectiva da “objetividade” da ciência, algo que

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emerge da positividade atribuída ao conhecimento científico e à ingênua crença nos

“grandes números”. Aliás, o debate atual da historiografia vem ganhando espaço

considerando a capacidade de “conceituar o complexo e o contraditório, de por em

dúvida a noção de regularidade evolutiva, de reintroduzir o provável, quando não o

aleatório, nas sucessões temporais” (GRIBAUDI, 1998, p. 133)

Para proceder, então, essa análise micro selecionei, dos 460 questionários,

22 sujeitos de ambos os cursos pré-vestibulares: 11 do curso público e 11 do curso

privado. Forneceram-me eles, importantes dados para compreender a trama

complexa que envolve o tema proposto. Apenas com a análise microanalítica foi

possível compreender um pouco mais das experiências e também das

representações nelas contidas, decodificadas em comportamentos observados e a

partir de “intenções dos autores, captadas em seus contextos” (GRIBAUDI, 1998, p.

133). A opção por dois cursos possibilitou um recorte de classes, visto que as

classes baixas concentram-se no curso público e as médias e altas no curso

privado, uma evidência histórica trivial. Mas, ao levar em conta, ainda, os atributos

de gênero, idade, cor e classe social que cada um porta como aluno/a de um curso

vestibular, cheguei a novos resultados. Essa primeira aproximação a partir de um

conjunto de entrevistas mais sistematizadas, mas, também, de outros meios de

pesquisa, trouxeram informes que me permitem pensar questões tópicas e

relevantes. Essas entrevistas são mapeadas no quadro abaixo enunciado59: Tabela 4. Qualificação dos sujeitos de pesquisa

59 Os nomes utilizados são fictícios; as entrevistas foram feitas mediante Termo de consentimento livre e esclarecido, devidamente assinado; Estão gravadas entre os períodos de agosto de 2009 a março de 2010. Foram transcritas e estão em poder da autora deste trabalho.

Pré-

vestibular

Sujeitos

(nomes fictícios)

Gênero Idade Cor60 Classe Curso que fará vestibular

Público Sujeito 1 – Liliam Feminino 27 anos Branca D Pedagogia

Público Sujeito 2 – Maria Feminino 37 anos Negra E Enfermagem

Público Sujeito 3 – Patiane Feminino 22 anos Parda D Serviço Social

Público Sujeito 4 – Brenda Feminino 17 anos Negra D Geografia

Público Sujeito 5 – Sirlei Feminino 18 anos Negra D Medicina

Público Sujeito 6 – Priscila Feminino 20 anos Negra E História

Público Sujeito 7 – Geisiane Feminino 20 anos Parda D Engenharia de petróleo

Público Sujeito 8 – João Masculino 42 anos Branca D Tecnologia Mecância

Público Sujeito 9 – Isac Masculino 29 anos Negra D Biblioteconomia

Público Sujeito 10 – Luciano Masculino 21 anos Branca D Direito

Público Sujeito 11 - Guilherme Masculino 19 anos Branca D Fomação de Oficiais

Privado Sujeito 12 – Sara Feminino 17 anos Branca C Direito

Privado Sujeito 13 – Hanna Feminino 19 anos Branca B História

Privado Sujeito 14 – Marina Feminino 17 anos Branca A Engenharia Civil

Privado Sujeito 15 – Lívia Feminino 16 anos Branca A Medicina

Privado Sujeito 16 – Gabriele Feminino 17 anos Branca C Psicologia

Privado Sujeito 17 – Isabela Feminino 16 anos Branca B Design Gráfico

Privado Sujeito 18 – Thaíssa Feminino 20 anos Branca A Engenharia Civil

Privado Sujeito 19 – Pedro Masculino 18 anos Branca B Engenharia Mecânica

Privado Sujeito 20 – Ricardo Masculino 17 anos Parda B Medicina

Privado Sujeito 21 – Rodrigo Masculino 18 anos Branca A Odontologia

Privado Sujeito 22 – Leandro Masculino 18 anos Branco A Geologia

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O número maior de mulheres justifica-se em função de ter lidado com a

temática da feminização de profissões. Foram, então, sete mulheres e quatro

homens em cada curso. Além disso, procurei variar a seleção dos sujeitos em

função da autodeclaração de cor indicada nos questionários. Encontrei dificuldades

maiores em relação à variação dessa categoria no curso privado, visto que a maioria

é branca. Procurei variar as idades, o que também não foi fácil em função da grande

quantidade de jovens, ou seja, indivíduos de até 20 anos. Outro fator de seleção

desses 22 sujeitos é que apresentassem opções por cursos emblemáticas das

questões que me proponho a trabalhar. Por exemplo, ao trabalhar sobre a

feminização de profissões precisava de trajetórias que apontassem as tradicionais

opções profissionais femininas: serviço social, enfermagem, pedagogia e psicologia.

Ainda nessa temática, precisei de trajetórias que indicassem rupturas, ou seja,

mulheres optando por profissões masculinas. Escolhi, então, mulheres que

optassem por engenharia nos dois cursos. Procurei variar o atributo cor de pele e

classe, para que as análises escapassem de qualquer tendenciosidade. Depois, ao

trabalhar como os projetos profissionais estão atrelados aos projetos de classe,

precisei de homens e mulheres dos dois segmentos.

As categorias propostas para análise deram origem a novos dilemas quanto

aos capítulos da tese, cujo objetivo foi responder à principal questão desta tese:

“Que processos sociais compõem o campo de experiências dos vestibulandos/as de

pré-vestibular da cidade de Vitória, e como se compõem a partir dele as razões e os

sentimentos com que se fazem seus projetos profissionais?” Atenta, desse modo, a

determinismos de classes sociais, gêneros, cor de pele, geração e outro atributo

desses sujeitos, a pesquisa permitiu-me afirmar que experiências dos indivíduos,

tanto podem ratificar, como negar condições impeditivas, colocadas por seus

atributos à construção dos projetos profissionais. A tese analisa, entretanto, para

além das classes, do gênero, da cor da pele, das gerações etc., esses sujeitos, com

razões e sentimentos variados, também produzem novas experiências que podem

deslocar ou manter suas posições originais.

Nesse ponto, procurei reconstituir histórias de vida a partir do estudo das

memórias dos entrevistados, o que é importante para esse trabalho, já que uma

60 Adotou-se para a pesquisa o critério “cor” como indicativo de “cor de pele” branca, negra e parda, em substituição ao de raça, de reconhecidas imprecisões conceituais.

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relação viva estabelece-se entre a memória e os projetos profissionais. As memórias

são socialmente relevantes por expressarem experiências pessoais, sofrimentos,

decepções, mágoas, frustrações, desejos, amores, triunfos, traumas que dão

sentidos à existência humana:

A biografia do indivíduo biológico não é enfatizada, em proveito da ênfase na continuidade de uma categoria social abrangente, a ponto de não ficar claro se um fato narrado ocorreu com o indivíduo biológico A ou B, pertencentes à mesma linhagem, categoria etc. Obviamente isso não significa que não haja consciência ou percepção do ciclo vital dos indivíduos A e B que nascem, vivem e morrem. Mas a persistência da unidade englobante é permanentemente fixadas através de mitos, narrativas que reforçam o pertencimento do indivíduo biológico àquelas unidades (VELHO, 1999, p. 99).

A memória desempenha importante papel na medida em que os significados

sociais ganham materialidade em indivíduos concretos. Para decifrar esses

significados é preciso aprender a captar “atrás da superfície lisa do texto um sutil

jogo de ameaças e medos, de ataques e retiradas. Devemos aprender a

desembaraçar os fios multicores que constituíam o emaranhado desses diálogos”

(GINZBURG, 2007, p. 287).

As memórias foram investigadas a partir do testemunho. A matéria de análise

foi, portanto, a oralidade. A oralidade permite-me tratar do âmbito subjetivo da

experiência humana. Permite uma aproximação com algo que é central na vida dos

seres humanos: “a criação de uma parte muito importante da cultura e da esfera

simbólica” (LOZANO, 2009, p. 15). A oralidade tem raízes nos estudos etnográficos

da antropologia, que precisavam investigar os processos de transmissão das

tradições orais em culturas que não possuíam tradição escrita. Mas, a oralidade

ultrapassou esse campo e expandiu-se para outras áreas. É o caso de uma corrente

específica da historiografia: a história oral. De acordo com Lozano (2009), a história

interessa-se pela oralidade porque permite a obtenção e o desenvolvimento de

conhecimentos novos e também a fundamentação de análises históricas com base

na criação de fontes inéditas ou novas: “Diria que é antes um espaço de contato e

influência interdisciplinares; sociais, em escalas e níveis locais e regionais; com

ênfase em fenômenos e eventos que permitam, através da oralidade, oferecer

interpretações qualitativas de processos histórico-sociais” (LOZANO, 2009, p. 16).

A história oral possui um ponto de contato e intercâmbio com outras ciências

como sociologia, psicologia e a antropologia, ou seja, áreas que lidam com o

comportamento humano e as relações sociais. Essas interações são importantes

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para a compreensão das questões simbólicas e culturais. O estudo, a partir da

oralidade possibilita, além de tudo, uma complementação das análises a partir de

outras fontes da realidade social. Não há um único método e uma única técnica. Isso

me forneceu liberdade metodológica, sempre com o necessário rigor científico, para

buscar fontes que complementassem a análise da oralidade.

Na investigação das trajetórias tive claro, como indica Bourdieu (2006), “que

uma vida é inseparavelmente o conjunto dos acontecimentos de uma existência

individual concebida como uma história e o relato dessa história” (p. 183). Ao tratar,

entretanto, da vida como uma história, ou seja, o relato coerente de uma sequência

de eventos com significado e direção pode-se cair numa ilusão retórica “uma

representação comum da existência” (p. 189) que propõe coerência e constâncias

nas histórias. É preciso estar atento às variações, àquilo que rompe com relato

oficial e ordenado, para conseguir compreender a experiência humana em suas

contradições e complexidades. A trajetória é “uma série de posições sucessivamente

ocupadas por um mesmo agente (ou um mesmo grupo) num espaço que é ele

próprio um devir, estando sujeito a incessantes transformações” (p. 189). Assim, as

trajetórias revelam um conjunto de relações objetivas e subjetivas do campo em que

se inserem. Por isso, também revelam confrontos e embates com outros sujeitos

envolvidos e outros planos da realidade.

Isso tudo me levou a fazer uso das trajetórias, ao longo dos capítulos, não

como meras ilustrações de uma proposição que pretendo provar (típico da posição

macroanalítica). Busco nelas significados e sentidos que se fazem num plano

complexo e em relação a outras. Por isso, trago as trajetórias diluídas, ao longo dos

capítulos, em função da trama que se desenrola a partir de elementos que elas

próprias me apresentam.

A ideia central, então, desta pesquisa foi localizar as trajetórias dos/as

entrevistados/as, mas pensando os sentidos civilizatórios que movem experiências e

expectativas desses sujeitos, apesar de seus atributos, quando fazem seus projetos

profissionais. Isso significa que, para além das classes, do gênero, da cor da pele,

das gerações etc., esses sujeitos tem desejos, percepções, sensações e

pensamentos, que produzem energia e movem essas experiências, atribuindo

muitos sentidos a projetos. Diria que não há apenas os sentidos que podemos

captar por seus vários atributos, mas, aqueles que traduzem a experiência humana

como sempre plural e complexa. Nela, cruzam-se processos sociais nem sempre

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percebidos. O desafio desta tese situa-se na tentativa de visualizar esses processos

sociais ocultos, que não se separam, em sua interação com os sujeitos apesar

dessa ou daquela condição social. Esses movimentos humanos nem sempre são

perceptíveis; eles parecem se construir com um rizoma, usando a metáfora de

Guattari e Deleuze (1997), neles, a organização dos elementos que constituem uma

energia propulsora de um desejo e de um projeto não, necessariamente, estão

visíveis, nem tampouco se definem como um sistema social subordinado a qualquer

modelo hierárquico ou linear. Em recentes debates sobre os estudos de gênero, em

especial sobre os movimentos feministas – periodizados em irrupções das

chamadas primeira, segunda e mais recentemente, terceira ondas, a história dos

feminismos vem sendo pensadas como entre se esses tempos múltiplos presentes,

na longa duração histórica, não houvesse prosseguimento e redefinições de tensões

e conflitos que favorecessem cada ruptura temporal, no caso, em cada “onda”. A

metáfora do rizoma tem servido para mostrar que os feminismos, com um dado

movimento humano, pode manter muitas de suas manifestações submersas e, de

repente, espocar como erupções vulcânicas – uma outra metáfora, recorrendo aos

movimentos das placas tectônicas (COSTA, 2010), de sentidos novos e produzindo

novas circunstâncias. Ou seja, na perspectiva da longa duração histórica, elementos

sociais de uma dada conjuntura, podem ter continuidades e podem mudar certas

tendências sociais. Admite-se, para o caso em questão, essa mesma percepção.

Animei-me, assim, a encontrar nesse campo de experiência – o pré-vestibular

e nas expectativas em relação ao Ensino Superior de diferentes jovens (pobres, de

classes médias e altas, homens e mulheres, brancos, negros e pardos, mais novos e

mais velhos) questões ainda pouco examinadas, ligadas às razões e aos

sentimentos que os movem e que se movem com rizoma; raízes saem do

subterrâneo e aparecem aqui e acolá de forma imprecisa, sem revelar todas as

direções e sentidos.

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2 SENSIBILIDADES, MUNDO DO TRABALHO E ROMANTISMO POLÍTICO

O estudo das sensibilidades é um tema de pesquisa retomado recentemente

– embora já tenha aparecido nas preocupações Raymond Williams nos anos 60 do

século passado e, como indica Pesavento (2004), traz a emergência da

subjetividade para a compreensão dos fenômenos culturais. Isso implica numa

análise da experiência pessoal, admitindo-se que é possível resgatar “emoções,

sentimentos, ideias, temores ou desejos” como aquilo que move a história de

homens e mulheres de um determinado tempo. As sensibilidades, como sugere

Costa (2009a), poderiam comparar-se ao que Williams (1969) chama de “sinais dos

tempos” ao conceituar as “estruturas de sentimentos”. Parafraseando a autora, são

úteis para pensar homens e mulheres como sujeitos políticos que, em suas

trajetórias e de formas singulares, aprendem a pensar, a sentir ou a “traduzir o

mundo em razões e sentimentos” (PESAVENTO, 2004, p.3).

Com intuito de dar nitidez às razões e sentimentos que emergem de

experiências pessoais e que movem os projetos profissionais de vestibulandos/as de

cursos preparatórios para o vestibular de Vitória-ES, adentrei o campo de pesquisa a

partir da análise da materialidade do sensível: o testemunho. Sem desconsiderar

processos sociais mais amplos, admiti os modos pelos quais as trajetórias de vida

são expressas. A reconstrução dessas trajetórias implica num processo de releitura

das experiências humanas vividas. Histórias pessoais foram entendidas como parte

de um processo de construção de si, que implicam em transformações sucessivas

de um espaço social projetadas no devir. A dinâmica das transformações dessas

trajetórias foram entendidas a partir das noções de campo de possibilidades e de

projeto, como propõe Velho (1999). Desse modo, opções potenciais identificadas

pelos sujeitos como caminhos profissionais a seguir, estão articuladas as suas

efetivas escolhas. Essa orientação redesenha, efetiva e constantemente, a

experiência humana. Sugere ainda que “o nível da escolha” contém uma opção

individual, avaliada diante de um conjunto de combinações de situações que

demarcam as possibilidades profissionais. Desse modo, os projetos profissionais

fazem-se numa negociação com a realidade e em meio a sensibilidades muito

plurais. Como afirma Velho (1999), as trajetórias individuais ganham consistência a

partir do delineamento dos projetos com objetivos específicos. A viabilidade das

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realizações dependem, entretanto, “do jogo de interação com outros projetos

individuais ou coletivos, da natureza e da dinâmica do campo de possibilidade” (p.

47). Trago, então, uma primeira trajetória marcada por dilemas vividos por uma

menina de 16 anos, estudante do pré-vestibular privado de Vitória-ES, em relação à

futura profissão. Esses dilemas reportam-se à complexidade do campo de

possibilidades no qual se constrói seu projeto profissional.

2.1 Dilemas de um Projeto Profissional: Fazer Medicina ou Design Gráfico?

Isabela61 estuda no curso pré-vestibular privado, seu pai e sua mãe são

médicos e construíram seu patrimônio a partir do trabalho. Tem dúvidas se irá tentar

o vestibular para medicina ou design gráfico. Seu gosto apurado por arte, a

habilidade de desenhar e de escrever – escreve pequenas histórias em inglês (fan

fiction - ficções criadas por fãs) para um site em português. Desenha cartões, pinta,

etc. – e possui uma vasta cultura obtida por viagens, intercâmbios culturais a outros

países (EUA e Canadá), propiciados pelas condições sócio-econômicas dos pais.

Tudo isso faz essa menina desenvolver o desejo pelo curso superior de design

gráfico. Diz pensar e sentir, na maior parte do tempo, como sendo essa a melhor

opção; leva em conta a possibilidade de desenvolver suas habilidades e fazer o que

gosta, independente do retorno financeiro. As informações sobre a profissão,

coletadas por ela em revistas, sites e com os próprios professores mostraram,

entretanto, que se trata de uma profissão ainda incipiente no estado do Espírito

Santo. Afirma: “Se eu realmente fizer, tenho que ir para o Rio de Janeiro ou São

Paulo, aqui não tenho futuro, esse curso nem existe na UFES”. Em outros

momentos, entretanto, as facilidades colocadas pelos pais, por serem médicos e

donos de importante clínica no Espírito Santo, deixam-na em dúvida, já que seguir a

profissão: medicina pode oferecer-lhe melhores oportunidades profissionais. É um

dilema para a menina:

61 Mulher branca, 16 anos, pertencente à classe B, estudante do curso pré-vestibular privado. Optei pelo uso da identificação em rodapé, e de maneira recorrente ao longo das páginas que seguem, para facilitar a identificação dos/as 22 sujeitos de pesquisa, uma vez que trago, partes da vida deles por todo o trabalho.

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Não sei se quero fazer medicina... Quando penso nisso fico chateada em imaginar que não farei nada do que gosto. Eu até tentei gostar de medicina. Quando voltei do Canadá me matriculei [sic] na turma de biomédicas, minha mãe ficou toda contente. Aí comecei a ver livros de anatomia, fisiologia, ver site... Mas não adiantou, não consegui me identificar de jeito nenhum. Aí fui para a turma de humanas. Só que bate às vezes bate uma dúvida: “deixar para trás todo um futuro que meus pais construíram? E que já está ali. Eu só preciso dar continuidade para ter um bom futuro...”

Sentimentos de dúvida e medo de perder uma boa oportunidade de

conquistas futuras são engendrados, sobretudo, nas relações de família. Como parte

do projeto dos pais, a profissão de médico propiciou-lhes conquistas e ascensão

social, um fenômeno típico das classes médias que buscam a ascensão por meio da

profissionalização. A entrevista com a mãe de Isabela62 revela elementos da

percepção dos pais: “A Isabela é muito jovem. É imatura. Ela nunca precisou

trabalhar, não tem que se preocupar em pagar contas. Então essa coisa de fazer

design é muita ilusão. Acho que ela precisa botar os pés no chão”. A mãe também

revela que o curso de medicina lhe trará mais oportunidades de crescimento e

sucesso: “Vê [sic]: eu e o pai dela temos uma clínica e agora serão abertas novas

unidades. Tudo vai ficar para ela e a irmã. É uma boa oportunidade de crescerem e

de ter sucesso”. Suas dúvidas e temores surgem como parte de projetos construídos

pelos pais para as filhas. As expectativas dos pais também fazem parte da

construção desse projeto profissional. Os projetos não operam num vácuo, afinal, os

projetos individuais “sempre interagem com outros dentro de um campo de

possibilidades” (VELHO, 1999, p. 47). Por isso, um mesmo indivíduo pode portar

projetos diferentes, até contraditórios, sendo tão complexas e múltiplas as suas

formas de escolha. Deixar de lado as expectativas dos pais é motivo de tristeza e

dúvida:

Eu sinto exatamente que estou deixando de lado o sonho que meus pais fizeram a vida inteira, porque eles construíram do chão, do nada... Às vezes eu penso que estou jogando tudo no lixo, entendeu? Que eu estou completamente abandonando tudo o que eles fizeram a vida toda. Mas eu fiz um esforço para gostar de medicina e não deu certo. Às vezes, olhando para minha mãe, parece até que sou uma decepção para eles. Mas acho que todo mundo já viu que esse não é o meu foco.

O desejo de fazer o que gosta, o medo de não corresponder às expectativas

dos pais, medo do fracasso e do arrependimento, além da percepção de suas

capacidades e as representações que os outros constroem sobre ela se misturam.

62 A entrevista com a mãe de Isabela deu-se ao acaso, pois ela levou a menina para a entrevista agendada comigo e acabou querendo conversar sobre a percepção da dúvida da filha. Solicitei que gravasse nossa conversa e ela aceitou, o que se constituiu numa importante fonte para a pesquisa.

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Isabela relata que amigos, professores e colegas vinculam suas características e

habilidades aos cursos ligados na área de arte: “Sempre elogiam meus desenhos,

meus textos, dizem que tenho um dom. Eu não acredito nisso. Eu me esforço

bastante para fazer o que gosto”. Fazer o que se gosta é um valor que se constrói

como parte de disposições mais ou menos duráveis dos indivíduos para a ação, ou

seja, é parte de seu habitus, fazendo alusão à Bourdieu (2004). Dedicar-se ao

desenho, a leitura e à escrita fez parte de seu processo de socialização, como

também não se preocupar com dinheiro foi algo forjado em suas experiências de

vida; disso, pois, recolhe os sentidos que atribui ao curso de design:

Para mim, fazer design significa criação. É perfeito! Além de fazer o que gosto e de poder aplicar tudo que me interessa e mais um pouco, tem a oportunidade de estar num ambiente de criação. Vou ter que acompanhar as tendências do mercado, você fica ligada com as coisas do mundo. Não é só dinheiro que importa.

As experiências de Isabela revelam os lugares, as posições ocupadas em seu

campo social e o acesso ao capital cultural como parte das tradições vividas por ela,

preservando a preocupação de ser bem sucedida. Além disso, a associação do

curso de medicina a status e prestígio parece estar em jogo, quando pensa em

desistir dessa carreira. Afirma: “Vê, médico é médico! Tem aquela coisa: oh!... É

doutor! E, ou bem ou mal, médico nunca está desempregado”. Um processo de

construção e negociação de projetos profissionais constrói-se, portanto, vinculado a

códigos culturais em que atuam sentimentos contraditórios. A opção por uma

profissão não é tarefa simples e envolve experiências de muitas complexidades.

Opera-se um intenso processo de trocas entre grupos, projetos e sentidos. Aliás, os

indivíduos modernos “[...] nascem e vivem dentro de culturas e tradições

particulares. [...] Mas, de um modo inédito, estão expostos, são afetados e vivenciam

sistemas de valores diferenciados e heterogêneos” (VELHO, 1999, p. 39). Nessa

complexa rede de sentidos, que se entretece, Isabela faz suas negociações com a

realidade, quando avalia o curso de design dentre outras opções:

Acho que muita gente se desmotiva [sic] por essa área por causa do mercado de trabalho. Ta [sic], é mais difícil que outras áreas, mas não é todo mundo que faz medicina e direito que vai lá para o alto. Acho que é algo complicado, mas não é monstruoso, não sou pessimista.

Além disso, busca formas de afirmar seu gosto diante da preocupação

expressa pelos pais sobre garantir-se em uma carreira promissora. Recupero parte

da matéria que ela utiliza como argumento para mostrar que design gráfico é uma

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“profissão de futuro”. Traz, em apoio as suas expectativas, argumentos de um site

na internet sobre as profissões, por ela indicado na entrevista realizada em 201063:

Os cursos mais concorridos não são os de melhores perspectivas futuras, que por sinal, em médio prazo, estarão fadados ao desaparecimento, fazendo com que esses jovens saiam das faculdades para aumentarem o número de desempregados. Cursos em alta são os de gastronomia, gestão ambiental, indústria do entretenimento, gestão pública, hotelaria, gestão de turismo, design de interiores, design gráfico [grifo nosso], moda, agroecologia, biocombustíveis, agroindústria, engenharia agronômica, logística, produção sucroalcooleira, arquitetura, urbanismo entre outros. O certo é que, na velocidade com que anda esse planeta, as informações se renovam a cada 3 meses, fazendo de nós um novo ser, completamente diferente, a cada seis meses, tornando-nos “velhos” e ultrapassados em um curto espaço de tempo, se não nos atualizarmos constantemente.

A matéria em circulação entrelaça-se aos desejos de Isabela com aquilo que

projeta em seu horizonte de expectativas. Sentidos colocados pelo mundo do

trabalho como ter sucesso, obter ganhos materiais, escolher uma profissão de

prestígio, entre outros misturam-se a sentidos que apontam para uma visão mais

romântica acerca das profissões: fazer o que se gosta, buscar realização pessoal,

não se importar com ganhos materiais, etc. Esses dilemas se fazem em meio a uma

rede subterrânea de sentidos e possibilidades ocultos, complexos como um rizoma,

fazendo alusão à Guattari e Deleuze (1997). Há, enfim, muito por considerar nessa

trama em que se articulam suas sensibilidades e suas disposições para a ação.

Sentidos múltiplos atribuídos às profissões estão nesse projeto dos pais associados

à posição de classe social, à preservação de um dado capital cultural conquistado, a

facilidades usufruídas de acesso ao ensino superior, à qualidade da educação

primária e secundária recebida, a demandas de mercado, a projetos de afirmação de

habilidades, e, no caso específico, à condição de autonomia do gênero feminino.

Sentidos que se entretecem num vasto campo de representações sociais, expondo

processos tantas vezes ocultos ao quanto se considera elementos envolvidos na

construção de projetos profissionais. Afinal, a experiência humana revela uma

multiplicidade de elementos que a compõe, construídos numa realidade múltipla

marcada pela coexistência de diferentes mundos e “províncias de significados”

(VELHO, 1999) diversas. Mas é nesse campo de experiências que ela inventa e que

constrói um dado projeto profissional.

63 Disponível em http://www.diariodaregiao.com.br/novoportal/Opiniao/Artigos/9287,,Profissoes+de+futuro+.aspx acessado em maio de 2005.

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O importante aqui é observar que os processos sociais que constituem e que

atravessam o campo de experiências de Isabela, não são entidades separadas da

vida pessoal que a influenciam ou que determinam seus rumos profissionais. Como

indica Elias (1990), indivíduo e sociedade são entidades sociais que se inter-

relacionam. E as experiências humanas modificam “de maneira sutil ou de maneira

radical” o rumo da História, segundo Thompson (2002, p. 13). É na experiência

humana que se criam e se recriam sentidos dados à própria vida. A noção de projeto

recupera, então, essa dimensão ativa e criadora do indivíduo. Isabela constrói seu

projeto, rompendo com a tradição de família e com sentidos que os pais orientam

suas ações. Afirma o que gosta, numa negociação com a realidade e em direção a

conquistas que as meninas de seu tempo almejam. Não abandona a perspectiva do

sucesso, mas negocia com base naquilo que o seu campo de experiências projeta

como o seu horizonte de expectativas.

Adentrar a complexidade desse campo de experiência, pois, não é tarefa fácil.

Como um fenômeno multideterminado, os projetos profissionais exigem um olhar

atento à diversidade de processos que os constitui. A principal dificuldade reside no

método de exposição desses processos. Se minha opção metodológica fosse

apresentar as trajetórias, em separado, seguidas da análise dos processos que nela

se atualizam, as análises ficariam repetitivas e superficiais, dada a opção de tentar

apreender, de uma só vez, a complexidade estudada. Entretanto, não creio que o

adequado seja uma análise à moda de Descartes (1996) “dividir para conhecer”,

fracionando e fragmentando a realidade. O desafio que me proponho aqui é, então,

buscar um modo de análise de cada processo envolvido na construção dos projetos

profissionais, sem perder de vista a inter-relação entre eles e admitir, assim, a

possibilidade de desvendar, neles, partes que sejam de certos sentidos civilizadores

desses nossos tempos. Para a compreensão desse campo de experiência, usando a

metáfora da rede, persigo alguns fios dessa primeira trajetória, como tentativa de

aproximação da complexidade desses sentidos.

O primeiro fio diz respeito a uma inscrição no sensível do projeto dos seus

pais – um projeto típico de classe que projeta ascensão social a partir da profissão

(assunto que será mais bem discutido no capítulo 4). Esse projeto atualiza razões e

sentimentos que parecem dar prosseguimento a um projeto por meio da imitação de

um modelo. Atualizam o desejo de garantia de uma transferência de patrimônio

familiar, de retorno financeiro assegurado com a profissão, mas, também, o

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reconhecimento do sucesso familiar conquistado, de afirmação e continuidade de

sucesso, afastando o medo do fracasso, numa profissão tida como de elite. Tudo

isso se vincula a sentidos que se constroem na modernidade sobre o trabalho.

Esses sentidos civilizadores remetem-nos a costumes e práticas desenvolvidos pelo

grupo de origem de Isabela que, são moldados por meio do despertar da ansiedade

nos jovens, como forma de adequação aos padrões de “conduta desejáveis da sua

época”, como observa Elias (1990).

Num outro fio, é possível perceber nas razões e sentimentos de Isabela

indícios de uma visão de mundo pautada na ideia de “fazer o que gosta”

independente do retorno financeiro, sentido que, em alguns momentos, opõe-se ao

anterior. O diálogo de Isabela e sua mãe sobre o poder de sedução do consumo,

marca dos tempos que correm, representa muito desse embate de forças:

Mãe: Vê [sic], ela não parece uma adolescente normal... Eu saio com ela para ir ao Shopping comprar roupas. O que uma adolescente normal faz? Quer bolsa, sapato, além das roupas, é claro! Isabela, não. Eu tenho que empurrar. Que ficar falando: “Compra minha filha, é muito bonito. Vai ficar bem em você.” Mas ela não quer nada! Isabela: É que minha mãe é exagerada! Se eu já tenho uma bolsa e ela está boa, para que comprar outra? Minha mãe tem seis ou sete bolsas, não sei quantos sapatos, roupa de griffe. Eu acho tudo isso besteira. Mãe: Tá vendo?! Diz para mim, é uma adolescente normal? (risos)...

As formas de perceber, sentir e ver a realidade são de fato diferentes. Isabela

atualiza uma nítida recusa aos valores consumistas da sociedade pós-industrial

como parte dos sentidos civilizadores que movem a sua experiência. Ainda que não

se trate de uma ação engajada a um movimento romântico, sentidos românticos

inscritos na política e na cultura misturam-se e adensam suas sensibilidades. Não só

específicos aos seus gostos e habitus, mas quanto à forma de interpretar o mundo e

de buscar uma profissão. As “afecções”64 românticas que fazem parte da construção

de seu projeto profissional. Dessa forma, ainda que não seja determinante de sua

opção por uma das profissões, esse segundo fio sugere o romantismo presente nos

sentidos civilizadores em pauta e se traduzem em razões e sentimentos nas

experiências cotidianas.

64 Termo utilizado por Chauí (1999) ao Tratar da Nervura do Real. O sentido dado pela autora, embasado no pensamento de Spinoza, é que as afecções são sensações que a atravessam e constituem as experiências humanas.

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Assim, deixo de lado, por hora, tantos outros processos sociais que se

manifestam na trajetória de Isabela e focalizo apenas alguns deles, como parte das

razões e sentimentos que se forjam nesse campo. Recorto, então, sensibilidades

que se vinculam às racionalidades do mundo do trabalho, tais como: a decisão de

profissionalizar-se, de fazer curso superior, de ter sucesso profissional e ganhos

materiais, manter um dado status e/ou ascender socialmente, entre outras. E, num

outro recorte, há sensibilidades atreladas ao que chamarei de “romantismo das

profissões” 65, uma visão de mundo que afirma valores opostos aos propagados pela

civilização industrial capitalista.

A expressão “romantismo das profissões” apóia-se em estudos sobre o

romantismo político66, útil para examinar visões altruístas/humanitárias das

profissões como “fazer medicina para salvar vidas”, “ser juiz para promover a

justiça”, “fazer psicologia e serviço social para ajudar as pessoas”, entre outras. Uma

visão que se contrapõe à lógica do mercado, e também opera nas indicações dos

projetos profissionais. À luz das contribuições de Elias (1990), a ideia aqui

desenvolvida, então, é que nas experiências humanas o romantismo político

conforma sentidos atribuídos às profissões, matéria pouco examinada nessa área,

em geral tratada na perspectiva do tempo curto, conjuntural. Pensar e teorizar sobre

as estruturas de sentimento, a partir do estudo de pessoas em uma sociedade

específica, analisada aqui e agora, remete à visualização de processos de longo

prazo, por vezes, ocultos em análises do presente. Por isso, ao visualizar esses

sentidos que marcam as trajetórias, procuro entendê-los como parte de um

movimento da história que se atualiza no presente, num dado recorte de tempo e

espaço. Dessa forma, que os sentidos civilizadores serão procurados. Algumas

questões serão úteis para nortear as seguintes reflexões: No campo de

possibilidades de vestibulandos/as, que sensibilidades se forjam a partir das

interseções entre as experiências humanas e o trabalho? Que sentidos civilizadores

são atualizados nas opções profissionais e de que modo se expressam?

65 O termo romantismo aqui utilizado se até, ao sentido proposto por Michel Löwy (1996) para se referir não só ao movimento que perpassa a literatura, a filosofia, a política e a religião do final do século XVIII e XIX, mas como uma visão de mundo que insiste em se opor aos valores burgueses e aos valores da sociedade industrial capitalista. 66 Sobre romantismo político ver Williams (1969), Thompson (2002), Ridenti (2000) e Lowÿ (1990, 1996, 2005).

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2.2 Razões, Sentimentos e o Mundo Trabalho

As preocupações expressas em “escolher uma profissão”, “fazer uma boa

escolha”, “não fracassar”, “obter sucesso a partir de suas escolhas” são parte das

sensibilidades dos entrevistados. Apontam para sentidos que, como destaca Elias

(1987), modelam habitus e costumes e se constroem a partir da mudança ocorrida

em função da criação de um espaço específico para o trabalho na sociedade

burguesa:

A vida privada é modelada em função de sua dependência com relação à situação profissional. O homem da sociedade burguesa de massa sabe, em geral muito bem, como ele deve se comportar na esfera profissional. Todos os esforços de modelagem da sociedade visam esta esfera (ELIAS, 1987, p. 114).

Preocupações com o futuro profissional, expectativas de que este traga

ascensão social, ganhos, conquistas, status, sucesso, dinheiro, reconhecimento e

pertencimento é parte dos sentidos civilizadores que constituem os projetos

profissionais. A própria identidade é modelada a partir da situação profissional como

demonstra Viviam67: “Eu quero ser professora, porque assim eu lido com criança,

com pré-adolescente, então é uma área em que eu me identifiquei muito, por isso eu

escolhi.” Não se trata apenas de fazer ou exercer a pedagogia, mas de “ser”

professora. Ou seja, a profissão torna-se um elemento constitutivo de sua forma de

ser. A ideia de Elias é reforçada: a própria vida social é modelada a partir do

trabalho. Assim, razões e sentimentos nas trajetórias investigadas forjam-se,

também, em função dos sentidos pertinentes às racionalidades do mundo do

trabalho. Vejamos alguns deles.

2.2.1 Desejo de sucesso

O que eu quero ser?... Eu quero andar de terninho, salto alto, bem arrumada, escovada, maquiada, com pasta de couro, andando para lá e para cá.

Vestígios deixados na análise das trajetórias investigadas fazem-me

recuperar em minhas memórias a fala da menina já referida na introdução desta

67 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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tese. O que ela atualiza em suas percepções ao afirmar que quer andar de terninho,

salto alto, maquiada e portando uma pasta de couro? Ela fala de um desejo. Desejo

que se constrói sobre as representações acerca de uma mulher bem sucedida.

Sentidos que se fazem no aqui e agora, mas que revelam um movimento mais

amplo da história, das conquistas femininas de direito e oportunidades na esfera

pública. Desejo de sucesso é o que parece impulsionar aquela menina de minhas

lembranças, mas também sentidos que movem tantas outras trajetórias

investigadas, não apenas de mulheres. No sentido comum, sucesso diz respeito ao

êxito na execução de uma tarefa ou de um projeto. Mas, o sucesso tem um sentido

mais específico na sociedade capitalista num tempo em que os sentidos constroem-

se em função do trabalho, como destaca Elias (1987). O sucesso está vinculado a

reconhecimento profissional, status, ganhos materiais, enfim, ao que garante

reconhecimento e valorização aos sujeitos sociais.

A história de Isabela, narrada no início do capítulo, retrata não apenas os

dilemas e conciliações que se fazem entre o desejo de fazer o que gosta e o desejo

de seguir uma perspectiva já consolidada de sucesso familiar. O descarte de

profissões como desenho industrial, artes, cinema é ilustrativo de suas

preocupações em fazer o que gosta, mas também avaliando as dificuldades que terá

para ingressar no mercado de trabalho. A busca de definição de resultados

favoráveis a sua opção também é uma busca de conciliação de projetos familiares e

pessoais, aparentemente antagônicos, visível quando localiza informes na mídia,

que reforçam que design gráfico é uma das “profissões do futuro”. Liliam68 também

revela expectativas de reconhecimento, sucesso e de ganhos financeiros no seu

fazer profissional:

Se você fizer uma coisa bem feita, você vai poder conhecer outras pessoas que vão te perceber e reconhecer teu trabalho. Essas pessoas vão ver e, consequentemente, você vai fazer sucesso. Se você faz sucesso, com sucesso traz o lucro, o bem estar financeiro... Eu acho que uma coisa atrai a outra.

Como parte dos sentidos construídos pela e na modernidade o desejo de

sucesso atualiza lógicas individualistas ao nosso tempo. Recupero, nesse sentido, a

frase dita pela mesma aluna: “Eu quero ser professora, porque assim eu lido com

criança, com pré-adolescente, então é uma área em que eu me identifiquei muito,

por isso eu escolhi [grifo nosso]”. A ênfase ao pronunciar “eu escolhi”, a entonação 68 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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de sua fala e firmeza com que faz tal afirmativa, mostra a atualização do ideal liberal

em sua trajetória: a garantia de liberdade e a responsabilidade sobre suas escolhas.

Como destaca Behring (1998), a questão do sucesso e do fracasso, na sociedade

atual, são entendidas como algo que pertence à esfera privada. O individualismo e a

competição por um lugar melhor constituem o núcleo central da ideologia liberal. A

ideia básica está em que o ser humano é, antes de tudo, um indivíduo do ponto de

vista ontológico e ético e, portanto, livre para escolher entre o sucesso e o fracasso.

Conquistar o sucesso e evitar o fracasso é um sentido que move as experiências no

tempo e no espaço. Está presente nas entrevistas e revela parte das sensibilidades

dos entrevistados, independente de cor, classe, raça, gênero ou idade; isso move a

construção de projetos profissionais. Por isso, além de verificar o desejo de sucesso

que se atualiza na trajetória de duas mulheres de diferentes classes, trago um pouco

da trajetória de um homem.

Luciano69 quer fazer o curso de direito para ter maior embasamento na hora

de tentar concurso público, porque “aumenta o leque de possibilidades e os

rendimentos são bem maiores que de outras profissões”. Fazer direito, entretanto, é

parte das negociações entre seus desejos e a realidade que vive, já que gosta

mesmo é de história. Mas como diz: “História não dá muito dinheiro... Não vou ter

futuro. Eu sou meio ambicioso. Quero ter sucesso! Quero ser bem sucedido, quero

ter dinheiro, quero ter uma vida boa. E no direito eu também acabo vendo história”.

O desejo de sucesso e a visão de que é preciso sacrificar o que gosta em função do

sucesso aparece na sua trajetória. Não tem tantas dúvidas quanto Isabela. Para ele,

o importante é fazer o que lhe garantirá boas oportunidades futuras. Sentidos como

esses, remetem-nos a movimentos de longa duração que marcam também os

tempos atuais.

Homens e mulheres têm perseguido, arduamente, o sucesso, a superação de

limites a sensação de vencer. De forma inconsciente ou não, o desejo de sucesso

profissional e financeiro e o reconhecimento social são motivações para a

construção de autonomia pessoal, algo indissociável dos projetos profissionais. São

movidos pela busca de um ideal normativo de pertença e de participação, ou seja,

busca a cidadania como indica como indica Kymlicka (1999). A cidadania não se

refere apenas a um estatuto, definido por um conjunto de direitos e de

69 Homem branco, 21 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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responsabilidades. Mas constitui-se, principalmente, numa identidade, uma

expressão de pertença a uma comunidade política específica e tem, por isso, função

integradora.

A busca de autonomia está mais nitidamente presente nas razões e

sentimentos dos projetos de vestibulandos/as que não dispõem de patrimônio

familiar, caso de Luciano. Seus pais tiveram pouco estudo e trabalham no comércio

como vendedores. Entretanto, sempre o incentivaram nos estudos. Ele que parou

depois de terminar o Ensino Médio porque queria trabalhar, agora quer cursar

direito. Não acredita, entretanto, ter chances de passar no vestibular deste ano

porque está sem tempo para estudar: “Tem gente se preparando [sic] para o direito

há muito mais tempo que eu. Só tem quatro meses que eu estou estudando, quando

eu acabei o Ensino Médio eu fiquei três anos sem pegar no caderno, aí eu quero me

preparar mesmo”. O pouco tempo de estudo dá-se em função do trabalho no qual

ele tem uma jornada de oito horas por dia. Faz, por isso, o pré-vestibular à noite.

Como parte de negociações de si para si avalia, em seu campo de possibilidades e

decide que, neste ano, tentará história, porque é o primeiro vestibular que fará e no

próximo ano tentará o curso de direito: “Ao menos, já ponho o pé na universidade,

isso para mim já será uma vitória!”. Isso não significa que ele não tenha escolha,

mas as faz num dado campo de possibilidades. Projetos profissionais, pensados à

luz das contribuições de Velho (1999), são condutas organizadas para atingir

finalidades específicas. Essas condutas são formuladas e implementadas num

campo de possibilidades e com um horizonte de expectativas que se projeta a partir

e apesar dele. Não se trata, portanto, de uma escolha deliberada de um ser

autônomo e livre de quaisquer influências de seu contexto social – o que tira o peso

da visão individualista de responsabilidade única no indivíduo na definição de suas

contingências.

O desejo de sucesso por meio de concursos públicos é também parte de uma

dada profissionalização, atualizados em tempos mais recentes. Passar em

concursos, pode representar razões e sentimentos de um tempo marcado pela

instabilidade na esfera do trabalho, frente às mudanças heterogêneas, complexas e

fragmentadas, como destaca Antunes (1995, 2002, 2009), no mundo do trabalho.

Com a reestruturação produtiva e a entrada das novas tecnologias, microeletrôncia e

robótica, diversas tendências configuram-se no capitalismo brasileiro. Dente elas “a

redução do proletariado industrial, fabril, tradicional, manual, estável e especializado”

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(ANTUNES; ALVES, 2004, p. 2) ocorre, ao mesmo tempo em que se dá o aumento

do novo proletariado fabril e de serviços sob a forma de trabalho precarizado como

terceirização, subcontratação, tempo parcial, entre outras formas, com destaque

para a expansão dos assalariados médios no setor de serviços; a presença feminina

em vários setores de serviço e industriais; a exclusão de uma massa enorme de

trabalhadores sem qualificação; o aumento do terceiro setor. Enfim, o resultado é a

contração do trabalho estável e regulado, herdeiro da fase taylorista e fordista e se

contrapõe à:

[...] ampliação, em escala global, das formas desregulamentadas de trabalho precarizado, do “trabalho atípico”, de que são exemplos a infinitude de trabalhos terceirizados, part time, subcontratados, “quarteirizados” etc. Ou ainda daquelas formas de trabalho que frequentemente mascaram a superexploração e mesmo autoexploração, como o “empreendedorismo”, as falsas “cooperativas”, os trabalhos “voluntários”, exigidos pelo mercado de trabalho de modo compulsório, visto que se trata de requisito “obrigatório” na difícil busca por novos empregos (ANTUNES, 2009, p. 01).

Isso gera, nos sujeitos sociais, instabilidade e insegurança em relação às

formas de trabalho, sobretudo do mercado privado. É nesse contexto, que fazer

concursos públicos pode representar a possibilidade de segurança e de ganhos

perdidos na esfera privada. Além disso, o fato de os concursos públicos, na

atualidade, atraírem um número significativo de candidatos “demonstra que a

profissionalização por meio do Estado ainda é uma estratégia importante para os

agentes de classe média” (BARBOSA, 1998, p. 138). Não apenas o curso de direito

é procurado em razão disso, mas vários outros considerados mais rápidos e mais

fáceis de ingressar são procurados em virtude de muitos concursos exigirem nível

superior em qualquer área. Os concursos públicos representam, em nosso tempo,

uma importante estratégia de manutenção de lugares sociais e também de ascensão

social e, portanto, de sucesso. O que se evidencia, então, é que a busca do

sucesso, o desejo de conquistas futuras é um sentido - apesar de não ser único -

que move as trajetórias investigadas.

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2.2.2 Medo do Fracasso

Assim como o desejo de sucesso profissional, o temor ao fracasso é parte

das razões e sentimentos de jovens e adultos que buscam uma profissão. Passar no

vestibular é um sentido que confere a esses jovens a sensação de reconhecimento.

A reprovação, por outro lado, é motivo de vergonha. O testemunho de Lívia70 que

estuda no curso preparatório para o vestibular privado, expressa essas razões:

“Ninguém quer perder. Isso começa aqui na escola. Todos querem passar no

vestibular. E se não passar é motivo de vergonha e de chacota para os outros. É um

fracassado! Mesmo em medicina, que é difícil passar, tem um pouco disso”. Essas

percepções, esse medo de sentir-se um perdedor, um fracassado, levam muitos a

optar por cursos em que há menor interesse, cuja concorrência é menor, apenas

como estratégia para garantir a aprovação no vestibular. Isso me remete ao caso de

um menino atendido em meu consultório. Há um ano, fazia o curso de geografia e

estava insatisfeito. Queria na ocasião fazer engenharia de petróleo, mas como

achou que não iria passar tentou um curso mais fácil. Achava que fazer mais de um

ano de cursinho era vergonhoso, porque afinal, sua tarefa era apenas estudar. As

trajetórias investigadas nesta pesquisa, em menor ou maior proporção, também

revelam esses sentidos. Gabriele71 tentará psicologia porque acredita que não

conseguirá passar em medicina, algo que deseja no momento. Prefere fazer um

curso mais fácil para evitar a sensação de fracasso: “Em psicologia, eu passo, já se

eu tentar medicina vai ser impossível. É o curso mais concorrido da UFES. Não vou

suportar estudar um ano inteiro de cursinho e depois... reprovar”. O Ensino Médio foi

cursado numa escola pública profissionalizante o que a deixa com muitos déficits em

sua aprendizagem:

No Ensino Fundamental, eu estudei em escola particular. Sempre fui a melhor aluna da turma e tive ótimas notas. Mas resolvi fazer magistério e é muito fraco. Não tive química, não tive física, geometria. A matemática era ridícula: fazer as quatro operações básicas e coisas do tipo. O máximo que foi visto era radiciação e potencialização. Coisas básicas que se aprende ainda no primeiro grau. É uma coisa horrível. Tinha uma colega que contava nos dedos coisas simples do tipo: “Três vezes quinze é... e contava nos dedos”. Só tinha gente burra naquele lugar, incluindo muitos professores. Eu me decepcionei. Meu desejo desde criança era ser professora, mas quando vivi tudo isso, resolvi mudar de profissão. Só que agora é difícil. O magistério não te base para nada. Estou aqui no [cita o nome do cursinho], mas tudo o que os vestibulandos/as estão revendo, que é do Ensino Médio, eu estou vendo pela primeira vez. Sempre fui inteligente, mas é questão de lógica, não

70 Mulher branca, 15 anos, classe A, estudante do curso pré-vestibular privado. 71 Mulher branca, 16 anos, classe C, estudante do curso pré-vestibular privado.

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dá para aprender em um ano, o que todos aprendem em três. Então prefiro tentar psicologia porque sei que em psicologia, mesmo sendo um curso difícil de passar, eu tenho chance.

Um temor de fracassar na prova do vestibular, junto com o desejo de

aprovação em um curso da Universidade pública misturam-se. Ingressar numa

universidade pública representa uma conquista para essa menina de 17 anos.

Apesar de estudar no cursinho privado, vêm de uma família humilde em que os pais

não tiveram estudo. O ingresso no mercado de trabalho deu-se aos 14 anos e tinha

poucas expectativas de ingressar na Universidade. Isso só se desenha em seu

horizonte de expectativas a partir da decepção com a profissão – aliás, a história

também se move em função de ressentimentos – e com a promoção que seu pai

recebera no trabalho. A mudança das condições econômicas de sua família

possibilitou-lhe parar de trabalhar para dedicar-se a sua formação escolar. Criou

outras expectativas e motivações que pudessem levá-la ao crescimento pessoal e

profissional.

O desejo de reconhecimento e de conquistar um futuro profissional melhor

não se realizou diante do curso de magistério. Ela busca isso em um curso superior.

Medicina ou psicologia? Como revela, não sabe a que ponto quer medicina porque

gosta ou por um desejo de reconhecimento, afirma: “Se eu passar em medicina

todos vão dizer: Oh! Ela passou em medicina, é uma pessoa muito inteligente”.

Parte dos sentidos são conscientes, mas há outros não tão conscientes, como o

desejo de ascender socialmente e de ter uma profissão de status assegurado pelo

curso de medicina. Por outro lado, avalia suas reais possibilidades de passar em um

vestibular tão concorrido, afinal não teve uma boa base de conhecimentos. A

avaliação que faz sobre seu campo de possibilidades e a necessidade de passar

logo no primeiro vestibular, a fazem desistir de medicina: “Preciso passar esse ano,

meu pai não vai ficar pagando cursinho para mim no ano que vem. Se eu tentar

medicina e não passar, fico sem nada. Quero entrar na UFES”. Nesse campo de

possibilidades em que desenha seu projeto profissional, também enuncia sentidos

que revelam o desejo de sucesso e de conquistas futuras. É nesse campo que faz

suas negociações com a realidade: “Psicologia não é um curso tão difícil de passar

quanto medicina, mas não é um curso tão fácil. Não é qualquer um que passa.

Então é uma profissão mais valorizada do que outras. E, se eu me esforçar

bastante, consigo passar”. As condições precárias da formação de professores, no

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Brasil, são processos sociais de longa duração que se atualizam. Não apenas nessa

trajetória, mas em várias outras, há uma denuncia explicita de que o ensino público,

em nível secundário, não fornece reais condições para o ingresso no ensino em

nível superior. O que será tratado mais adiante.

A busca da superação de limites, o desejo de conquistas futuras, a

possibilidade de adquirir status com a profissão, o reconhecimento pessoal a partir

da aprovação no vestibular são expressos nas razões e sentimentos dos

entrevistados, indicando que muita coisa está em jogo, nesse momento. Agir de

forma a evitar o fracasso configura parte do que move as experiências humanas,

afinal “ninguém quer perder” como afirma a vestibulanda, ainda mais num mundo

que confere tamanho valor e significado à esfera do trabalho. Fracassar, nesse

âmbito, é fracassar na própria vida e pior, é ser responsável por isso, de acordo com

as teses liberais em circulação. A construção do projeto profissional é, então,

percebida como parte da construção da própria identidade. A trajetória a seguir

também ilustra como a profissão acaba por fazer parte da identidade social, mostra

o desejo de João72 de “ser menos peão” com o ingresso no curso superior.

2.2.3 “Quero ser menos peão”: projetos, necessidade e desejo de profissionalização

O curso superior vai me dar mais expectativas, trabalhar mais... Trabalhar sem ser peão, eu acho que o sentido certo da palavra é esse, né? Tentar ser um pouquinho mais intelectual... Ser mais profissional, menos peão... Ser mais especializado.

A frase acima é de João, torneiro mecânico há 20 anos. Quando terminou o

Ensino Médio, fez um curso técnico no SENAI e logo começou a trabalhar.

Constituiu família, tem um casal de filhos adolescentes (uma menina de 18 anos e

um menino de 13 anos), sua esposa trabalha em casa com costuras, o que ajuda na

renda da família. João, que leva uma vida modesta, revela alguns motivos para

voltar aos estudos. Como diz, significa sair da sua condição atual: “ser peão”. Quer

dar exemplo para os filhos: “Lá em casa um dia, eu puxei na memória e pensei:

como que eu fico cobrando, cobrando dos meus filhos que eles estudem, se eu

parei? Aí resolvi voltar para dar exemplo.” Afirma o desejo de “ser mais profissional,

menos peão” com a formação superior em Tecnologia Mecânica, curso que tentará

72 Homem branco, 42 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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no vestibular. As razões e sentimentos que movem as expectativas desse homem

da classe popular indicam sentidos que se constroem no seu tempo histórico e nas

interseções com outros tempos: “Ser mais profissional”, “mais especializado” e “mais

qualificado”, “dar um exemplo”, além de o desejo de pertencer a um grupo

socialmente mais valorizado. Razões e sentimentos, partilhados pelas trajetórias

investigadas, indicam que os projetos profissionais movem-se em função de certos

sentidos civilizadores. Mesmo àqueles, que já estão inseridos no mercado de

trabalho, procuram pela profissionalização em “nível superior”. Ter uma profissão,

inscreve-se no desejo dos entrevistados. Esses sentidos civilizadores apóiam-se,

sobretudo, na ideia dominante nas sociedades modernas de “ganhar status via

trabalho” (BARBOSA, 1998, p. 132). Nas sociedades em que predomina a

profissionalização o mérito da ocupação, de possuir um lugar privilegiado no

trabalho, se torna em um princípio de classificação social. Algo que persiste,

portanto, como um fenômeno da longa duração e que ganha espaço nessa história.

O sentido expresso em: “trabalhar sem ser peão” e “ser mais profissional” indica não

apenas o desejo de superação de seu lugar atual, como nos remete à questões

relativas ao campo das profissões. Mas o que significa ser mais profissional? O que

constitui de fato uma profissão? Adentro essas questões antes de prosseguir.

O conceito de profissão é recente, surge apenas na metade do século XX no

campo da sociologia das profissões. Por outro lado, vale lembrar que as profissões,

propriamente ditas, no mundo ocidental, têm suas raízes nas corporações artesanais

urbanas da idade média. O “modelo da profissão”, expressão de Zarifian (2003), tem

como características: pertencer a uma profissão, aprendizagem realizada por

provas, a hierarquização das relações (de aprendiz até mestre mais especializado),

o conhecimento, o monopólio local da distribuição institucionalizada de sua

transversalidade. Esse modelo, associado aos regimes de monopólio das

instituições feudais, sofre vários ataques no final do século XVIII. Assim, na

emergência do sistema fabril e no limiar do liberalismo econômico, acontecem

erosões por serem as corporações consideradas antidemocráticas, em virtude de

que só os profissionais (artesãos) poderiam exercer certos ofícios. Sob ataques dos

empresários que queriam exercer controle sobre os mesmos, subordinando-os aos

interesses fabris, a transição do ofício artesanal para o trabalho fabril, no qual se faz

a formação do operariado, marca fundas redefinições de vida e muitas lutas sociais.

O modelo do “posto de trabalho” veio, então, substituir o modelo das profissões e

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começa a triunfar com o taylorismo no final do século XVIII. O trabalho na grande

indústria, ao contrário da experiência anterior, desvaloriza o saber artesanal, e

impõe o modelo caracterizado pela baixa exigência de qualificação profissional,

inclusive com a incorporação de mulheres e crianças na indústria. A propagação do

conhecimento científico reforça, entretanto, restaura o modelo das profissões e

propicia a coexistência de ambos os modelos na modernidade.

A profissão é um tipo de ocupação que se distingue das demais em função do

conhecimento e competência especializados para a realização de tarefas.

(FREIDSON, 1996)73. Esse conhecimento é adquirido por meio de uma formação

especializada, geralmente ofertada pelo ensino de nível superior. Ter a autonomia

sobre o trabalho, o monopólio do conhecimento abstrato (a expertise) e o controle

institucionalizado sobre os recursos desejados, podendo controlar o acesso aos

domínios, julgando e solucionando problemas são características das profissões. De

acordo com Freidson (1996, p. 141), o profissionalismo define-se por meio de:

[...] circunstâncias típico-ideais que fornecem aos trabalhadores munidos de conhecimento os recursos por meio dos quais eles podem controlar seu próprio trabalho, tornando-se, desse modo, aptos a criar e a aplicar aos assuntos humanos o discurso, a disciplina ou o campo particular sobre os quais têm jurisdição74.

As profissões constituem-se, portanto, em “grupos sociais livres de maiores

controles por parte da sociedade” (BARBOSA, 1998, p. 131) em função do

conhecimento específico pautado na ciência. A profissão também faz alusão a status

profissional, código de ética, regras de controle do trabalho, entre outras. Aliás, a

desprofissionalização e a desqualificação estão vinculadas à redução desse

controle, bem como a redução das exigências de qualificação para o ingresso em

uma profissão. Uma outra característica importante das profissões é a “disputa entre

os diversos grupos” (BARBOSA, 1998) pelo domínio do espaço social. O controle

rigoroso da formação e do exercício profissional é a principal forma de exercício de

poder das profissões, assim como o dos privilégios que elas desfrutam.

73 A proposta de Freidson (1996) se faz contra o ponto de vista funcionalista, em que as profissões são vistas a partir da “expertise” que os profissionais possuem para resolver problemas. E também se opõe a teoria do conflito, vertente predominante a partir da década de 1970, que assume a perspectiva do poder, segundo a qual os profissionais são autoridades para decidir o que fazer. Faz críticas a ambas visões e postula que as profissões são construídas social e historicamente, em função de uma luta política em que os vencedores adquirem as mais altas recompensas sociais e econômicas. Ele ainda destaca que para ser considerada uma profissão é necessário ter como pré-requisito a formação de nível superior. 74 Como destaca Barbosa (1998) jurisdição na perspectiva apresentada se refere a um laço que liga um grupo profissional ao seu campo da divisão técnica do trabalho. Um grupo que realiza um determinado tipo de trabalho só será considerado um grupo de profissionais se tiver controle autonomo sobre essa área e estabelecer reconhecida legislação legitimada sobre sua área específica de atuação.

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Considerando-se as características apresentadas, a profissionalização no

Brasil começa no início do desenvolvimento industrial, com a burocratização da

ordem social e, como afirma Schwartzman (1987), com a introdução dos saberes

modernos, recursos na luta interelite75. A crescente busca por profissionalização

também se deve ao fato das sociedades modernas terem uma dependência em

relação aos saberes profissionais. Uma medicalização e uma jurisdição da vida

social, juntamente com a “economicização” das práticas, na atualidade, podem ser

observadas na história das profissões, como revela Barbosa (1998). Essas

transformações, na organização social do trabalho, criam possibilidades de

trajetórias independentes com novas perspectivas de carreiras. O tipo de trabalho

predominante “mantém ainda como central o princípio ocupacional: a ideia de que o

trabalho profissional seja controlado pelo próprio profissional ou pelo grupo e/ou

suas elites” (BARBOSA, 1998, p. 139). Ao que tudo indica, caminhamos para uma

sociedade dos serviços. Aumenta o número de especialismos e os especialistas com

poder de verdade, pautados na ciência, para falar da realidade. Cresce também, por

exemplo, demandas de serviços de médicos, advogados, engenheiros e arquitetos.

Mas, de fato, a valorização da profissionalização é um fenômeno mais recente

em nossa história. De acordo com Zarifiam (2003), a valorização e a busca da

autonomia e da qualificação dos trabalhadores, colocadas com a reestruturação

produtiva (pautado no toyotismo japonês) reforça o modelo da profissão em

detrimento do “posto de trabalho”. Os trabalhadores buscam “qualificação e

requalificação” (SANTOS, 2005) para o mundo profissional em que as rápidas

transformações são a tônica, não apenas para a colocação como também para a

manutenção no mercado de trabalho. É a dimensão gerencial da qualificação

operária que emerge na década de 1980. Modelo encontrado, sobretudo, “nas

indústrias ditas flexíveis, que aplicam o método “just-in-time” a responsabilização da

oficina na gestão do fluxo é a solução organizacional mais eficiente” (ZARIFIAM,

s.d., p. 3). Mas as contradições do mundo do trabalho são tamanhas. Dessa forma,

num mesmo momento histórico, há tendências que apontam para a necessidade de

força de trabalho qualificada nos setores mais dinâmicos da economia do país, mas

75 O processo caracterizou-se de acordo com a instituição de padrões específicos da organização de relações sociais, como destaca Barbosa (1998), ao falar dos economistas, dos médicos, advogados e sanitaristas no Brasil.

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cresce, também, a sub-remuneração intensificada, o desemprego e a precarização

do trabalho.

Todos esses processos sociais atualizam-se, por exemplo, no projeto

profissional de João76. É nesse momento atual de incertezas que ele deseja

ingressar na universidade. Ser mais especializado e, ter uma profissão são sentidos

que se constroem em seu tempo, marcam suas razões e sentidos. Movem suas

expectativas em direção à Universidade. João constrói seu horizonte de expectativas

(KOSELLECK, 2006) a partir de um campo de possibilidades específico, marcado

por incertezas, tendências e por uma verdadeira interação de diferenças. A

sociedade atual é marcada pela heterogeneidade. É possível, então, visualizar nas

razões e nos sentimentos, expressos nessa história, que os projetos profissionais se

modificam. Mudam porque as pessoas mudam e as circunstâncias também se

modificam ao longo do tempo. Os projetos profissionais não são estáticos.

2.2.4 Sentidos e exigências do mercado

“Fazer curso superior virou obrigação” e “ingressar logo no mercado de

trabalho” são elementos das racionalidades do mercado. Parto da ideia já

desenvolvida de que a modernização e a reorganização de diversos setores

econômicos, frente às novas demandas capitalistas de implantação de novos

procedimentos de trabalho, no setor produtivo fazem crescer as exigências de

formação, qualificação, desenvolvimento de novas habilidades e aquisição de novos

conhecimentos. Com isso, pode-se compreender a busca por educação, sobretudo

de nível superior. Essas mudanças são sentidas ao longo das experiências

individuais. Sentidos civilizadores são construídos nas existências particulares para

dar conta dessas exigências. Razões e sentimentos que movem as experiências de

vestibulandos/as refletem essas mudanças como indica Gabriele77: “Hoje em dia,

curso superior não é mais um diferencial, é obrigação”; Hanna78 afirma: “Se você

76 Homem branco, 42 anos, classe D,estudante do curso pré-vestibular público. 77 Mulher branca, 16 anos, classe B, estudante do curso pré-vestibular privado. 78 Mulher branca, 17 anos, classe B, estudante do curso pré-vestibular privado.

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não tem curso superior, você não é ninguém, nem olham seu currículo”. Liliam79

também observa: “No meu trabalho, já estão cobrando que eu faça faculdade”.

João, sujeito social anteriormente descrito, percebe essas transformações ao

longo de sua trajetória. Há vinte anos, quando terminou o curso técnico, a exigência

de nível superior era insipiente. E afirma: “Hoje as coisas mudaram, quem tem só

nível técnico não se dá bem. Penso que meus filhos têm que fazer uma faculdade.

Por isso eu resolvi voltar, para dar o exemplo”. Em parte, suas ações revelam o

desejo que os filhos tenham um futuro construído a partir dos estudos e do trabalho

melhor que o dele. Tem melhores condições financeiras e “mais informações”,

afirma, do que seus pais, o que lhe permite proporcionar aos filhos uma melhor

educação e preparação para o trabalho. Por outro lado, sente que “fazer curso

superior virou obrigação”. Liliam, também localiza esse sentido para falar dos

motivos que a levaram a fazer curso superior: “Bom, em primeiro lugar, lá no meu

trabalho já estão me cobrando que eu tenha nível superior, mas hoje em dia é

assim. Em todo o lugar que você vai tem que ter curso superior. E eu também quero

aprender mais.” Liliam trabalha na secretaria de uma escola e as relações vividas,

nesse ambiente a colocam em interação com sentidos e projetos educacionais

diversos, o que acaba por fazer parte da construção de seu próprio projeto

profissional. Não é por acaso que sua opção recai no curso de pedagogia. Além

disso, quer um curso que lhe proporcione um retorno mais rápido, com menor tempo

de investimento, o que parece se adequar também a racionalidades do mundo do

trabalho, quanto à rapidez, velocidade, retorno rápido de um dado projeto

profissional, considerando-se uma experiência já consolidada. Fará vestibular para

pedagogia, apesar de querer o curso de direito:

O direito é um curso que você demora mais pra você ter um resultado, você tem que investir muito, já a área pedagógica é uma área em que eu estou trabalhando, é uma área em que estão me cobrando no meu serviço. Então é uma área em que terei um retorno mais rápido. Financeiramente e até mesmo no meu ensino... Em tudo, vou ter um retorno bem mais rápido. Foi isso que me fez mudar.

Além de racionalidades do mercado, suas experiências atualizam

problemáticas constantes das classes populares como as de ter que ingressar logo

no mercado, não ter tempo para se dedicar aos estudos, querer um curso mais

rápido e mais fácil, superar a defasagem do ensino escolar, entre outros. Seu projeto

profissional se constrói num campo de experiências abrangente em que processos 79 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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sociais mais amplos e duradouros ganham densidade. Liliam faz suas negociações

com a realidade e sua “conduta organizada” (VELHO, 1999) dirige-se a um

“horizonte de expectativas” (KOSELLECK, 2006), projetado a partir desse campo.

Faz parte desse campo de experiências, também, todas as memórias e

marcas que carrega dos acontecimentos de sua vida. Afinal “a memória desse

indivíduo é que se torna socialmente mais relevante. Suas experiências pessoais,

seus amores, desejos, sofrimentos, decepções, frustrações, triunfos etc. são os

marcos que indicam o sentido de sua singularidade enquanto indivíduo” (VELHO,

1999, p. 100). Liliam foi criada pela avó porque os pais eram negligentes com os

cuidados e atenção a ela. Teve que trabalhar cedo, desde os 13 anos, na padaria da

tia e não apenas em função da necessidade material, mas como forma de adquirir

autonomia e independência. Na época que terminou o Ensino Médio, nem tentou o

vestibular. Disse: “Como sempre estudei em escola pública não teria chance de

passar em direito na UFES. Aí comecei a pagar faculdade particular. Mas minha

mãe que pagava os meus estudos ficou doente e eu tive que parar”. Segue

trabalhando em escritórios de advocacia, oportunidades que aparecem com

indicações de amigos: “Tinha trancado a faculdade de direito... Daí procurei muitos

escritórios de contabilidade, enviava muito currículo... Essas coisas assim. Mas

consegui esse emprego por indicação de um dos patrões que conhecia a minha ex-

patroa”. Demissões e novas contratações fazem parte de sua história. Também há o

término de um relacionamento de oito anos às vésperas do casamento, fato

marcante em sua história, quando havia dedicado todo o tempo e esforço para

“construir um lar”. Essas experiências a impulsionam a buscar um futuro melhor;

casou-se com outra pessoa e junto com o marido, que trabalha como motorista de

ônibus, está “tentando sair do aluguel”, como afirma. A perspectiva que se desenha

em seu horizonte com o curso superior é a melhoria das condições de vida. Mas isso

se conecta aos sentidos recorrentes do mundo do trabalho: a valorização das

profissões superiores; o discurso da qualificação; fazer um curso com retorno mais

rápido.

O discurso das organizações capitalistas sobre a qualificação, a sociedade do

conhecimento, o capital intelectual como diferencial competitivo, atravessa, portanto,

a sua trajetória e imprime significados específicos. Fazer um curso superior, hoje,

transformou-se em praticamente um requisito mínimo em muitos setores de trabalho,

como indica Barbosa (1998). Isso porque, como afirma Romanelli (1999, p. 14), “A

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forma como se organiza o poder também se relaciona diretamente com a

organização do ensino”. A educação pública ligada ao Estado está, portanto,

vinculada a um projeto político e social. Na atualidade, esse projeto articula-se as

novas demandas e exigências que perpassam as relações de trabalho, e é nessa

medida que se compreende o contexto em que surgem os projetos de

democratização do Ensino Superior brasileiro. De acordo com Gentilli (1996),

Frigotto (1996) e Chauí (2001) a educação básica e superior passa a ser reordenada

a partir da década de 1990, em função dos ajustes neoliberais, visando

exclusivamente o mercado. Neste contexto, a universidade é “regida por contratos

de gestão, avaliada por índices de produtividade, calculada para ser flexível, a

universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de eficácia

organizacional […] (CHAUÍ, 2001, p.190)”. As propostas para esse nível de ensino,

pensadas por organismos internacionais a partir da década de 1990 são condizentes

com o modelo institucional gerencialista (CORAGGIO, 1996), que preconiza como

reforma: racionalização de recursos, avaliações gerenciais como forma de controle,

flexibilização da gestão, descentralização e privatização dos sistemas educacionais.

O resultado é um processo de expansão do ensino em nível superior, caracterizado

pelo aumento das instituições privadas, que foi de 267% no período entre 1991-2004

no território nacional (MANCEBO, 2006), marca do Estado neoliberal minimalista.

Os projetos profissionais, portanto, também resultam de negociações que se

constroem vinculadas aos códigos culturais, mas numa noção que não exclua

também processos sociais mais abrangentes, alguns inclusive pertencentes a longa

duração histórica. Assim, a educação, especialmente a de nível superior, tem uma

importante função, pois irá conferir possibilidades de ascensão e de mobilização

pessoal e grupal. Isso está presente nas expectativas dos entrevistados quanto ao

ingresso na universidade. A negociação com a realidade se faz em múltiplos planos.

Mas, essa negociação, se faz não apenas em função de um desejo de ascensão

profissional. É preciso passar pelo gosto, pelas sensibilidades:

Eu estava comentando com meu marido há pouco tempo... A área de ciências contábeis é uma ótima, você tem empregos todos os dias nessa área. Mas eu acho importante você fazer o que você gosta, não adianta você estar num lugar que você não está satisfeito com aquilo, você não vai trabalhar bem, não vai se desenvolver. As pessoas que estão do seu lado também não vão ficar bem porque você vai passar mal-estar para elas. É bom acordar todos os dias e dizer: ‘que bom que eu estou indo trabalhar, que bom que eu estou indo para o meu emprego... Que bom que eu gosto de fazer isso. Se você não gosta, não se dedica.

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Os projetos não são feitos por atores em gozo da plenitude do livre-arbítrio

para decidir. Há forças e circunstâncias que se precisa enfrentar. Para isso, é

preciso “fazer e refazer mapas cognitivos [...] com implicação imediata na

autopercepção e representações individuais” (VELHO, 1999, p. 45). Liliam combina

memórias de sua infância, exigências do mundo do trabalho e a vontade de

trabalhar cedo, como forma de adquirir a desejada autosuficiência. Universos

simbólicos construídos em sua família de origem, sua primeira socialização,

interagem com os sentidos colocados pelo mundo do trabalho, além das

representações que constrói de si e das profissões, numa trama complexa de

interações rizomáticas, de que nem sempre se apercebe. Ela aprende, contudo,

com suas experiências, não apenas a lidar com essas situações a partir do

desenvolvimento de estratégias racionais, mas desenvolvendo uma capacidade de

se “adequar” a essas circunstâncias: “Eu acho que se você não criar uma

compensação, tudo fica mais difícil. Acho que a vida já é frustrante; se você ficar

remoendo tristeza é pior. Mas, você tem que fazer o bem para você mesmo”. Isso

não sugere passividade ou comodismo, Liliam é ativa e consciente nesse processo

de adequar-se às circunstâncias – táticas e estratégias de ação – como indica

Michel de Certeau (1994) colocadas por seu campo de possibilidades. O desejo de

ascensão social, de ter sucesso pessoal e profissional, de ter mais qualificação e de

ter uma profissão, direcionam as trajetórias a fazer um curso superior. Parte dos

desejos e necessidades individuais, que se conectam as transformações colocadas

pelo mundo do trabalho. Pois novamente, voltando a Elias (1987), a lógica da

profissionalização constrói-se como um sentido civilizatório em que “a vida privada é

modelada em função de sua dependência com relação à situação profissional”

(p.113).

2.2.5 O sistema de cotas: possibilidades, exigências de qualificação e a marcha dos

direitos

As trajetórias individuais se fazem a partir de oportunidades abertas aos

sujeitos. Ter boas oportunidades de educação são elementos que contam muito na

construção dos projetos profissionais. Nas trajetórias examinadas até o momento, foi

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possível identificar, entre aqueles que estudaram em escola pública, a percepção de

que ela é “carente”, “fraca”, “que não oferece um ensino de qualidade” e “não

prepara para o vestibular”. Esses significados ganham maior densidade nos relatos

colhidos em uma dinâmica de grupo80, que fiz com os vestibulandos/as do curso pré-

vestibular público, tendo por intuito tratar de motivações para as opções por

determinados cursos superiores. Suas falas revelam sentimentos e ressentimentos

de injustiça, indignação e sensação de abandono. Transcrevo uma sequência de

testemunhos a esse respeito:

“Os professores só dão trabalhinhos, nem passam a matéria. E totalmente dão nota para passar. Ninguém precisa estudar. E se não passa, tem segunda chamada, terceira chamada, quarta, quinta, até que todo mundo passa, mesmo quem não sabe muito.” “É e aí depois vêm o resultado. Ninguém cobra nada e depois na hora de tentar o vestibular a gente não passa”. “Tem coisa que nós vemos no cursinho aqui, que nunca vi na escola. Nem sabia que existia. E também tem aquela coisa de informação. Na escola ninguém fala sobre ENEM, vestibular, Cotas. Eu só fiquei sabendo aqui. Os professores trazem provas aqui, a gente faz. Aí sabe das reais condições de passar no vestibular.” “Parece que lá na escola, eles desistiram da gente. Como se a gente fosse, todos fracassados. Que não fosse conseguir nada na vida” “É, a gente até sabe do salário baixo dos professores e coisa e tal, mas a culpa é do governo, não nossa”.

Razões e sentimentos, sobre essas experiências, são também denúncias que

se fazem a movimentos de longa duração no Brasil, expondo as condições precárias

da educação pública brasileira e seu caráter classista, discriminatório e elitista. As

falas de Brenda também nos remetem a essa problemática:

Por um cartaz no terminal de ônibus eu li sobre o programa de cotas e descobri que tenho direito ao programa de cotas. Mas o ProUni, a gente fica sabendo na escola. Na escola pública, eles não acreditam que você tenha potencial para passar na UFES... Eles falam isso: “a gente sabe que na UFES é difícil entrar, então se inscrevam no ProUni, que vocês conseguem uma bolsa”. Então é descarado as coisas que eles fazem. Eu falo que é uma coisa horrorosa isso. Eu escuto isso todo dia, mas aqui [PUPT] não eles botam fé na gente todos os dias, já nas escolas públicas isso não acontece.

A tradição de desprezo pela educação popular vem de longa data. A escola

no Brasil sempre se apresentou como um privilégio da classe dominante e, por meio

80 A dinâmica de grupo foi feita com 15 vestibulandos/as do curso superior público, oito meninos e sete meninas. Minha intenção inicial era usar a mesma estratégia em ambos os grupos, o que não foi possível em virtude da não autorização do pré-vestibular privado, pois eles não podem perder tempo de estudo. Consistiu na solicitação de que fizessem uma montagem com colagem, desenho, pintura que retratassem as motivações e expectativas em relação à futura profissão. A dinâmica foi filmada e posteriormente transcrita.

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de mecanismos seletivos e de conteúdo cultural não propicia às camadas populares

a preparação para o trabalho (ROMANELLI, 1999). Acaba mantendo, portanto, os

privilégios de classe e reforçando as desigualdades sociais. As desigualdades de

acesso à educação, seja pela cor de pele, gênero ou classe, capacidade física e

mental dentre outras condições sociais são visíveis. Cabe a ressalva de que as

mulheres, entretanto, conseguiram reverter as discriminações no que tange à

educação, como indica Beltrão e Alves (2004), em função de lutas e ganhos das

próprias mulheres, mesmo que conjugado a interesses do próprio sistema. Persiste

o fato de que obstáculos à educação, além das condições postas pelo gênero, são

dados também por classes e raças. Ainda são pouco representativos os grupos de

pobres e negros no ensino em nível superior e, principalmente, em cursos

considerados de prestígio como medicina, engenharias, direito, economia, entre

outros. A experiência educacional brasileira do escravismo exclui, entre avançados

anos do século XIX, os negros e seus descendentes, prosseguindo as

discriminações nas diferentes décadas do XX e chegando aos nossos dias

Além disso, como marca de um fenômeno de longa duração na história da

educação brasileira é possível identificar uma submissão externa – seja em relação

à metrópole no Brasil colônia ou em relação ao capitalismo mundial. É em função

dessa submissão que se compreende o surgimento de políticas atuais para a

educação brasileira anunciadas por organismos internacionais como Banco Mundial,

UNICEF, UNESCO, entre outros, propostas para o desenvolvimento econômico da

América Latina.

Na esteira de discursos, medidas e pacotes para “democratizar o ensino” e

“ampliar as oportunidades no mercado de trabalho”, localizam-se as políticas

compensatórias criadas pelo governo federal e que estão em processo de avaliação.

A política de cotas das universidades, o ENEM, o projeto NOSSA BOLSA do

Governo do Estado do Espírito Santo, entre outros, sugerem que as Políticas não

apenas facilitam o acesso ao Ensino Superior, mas também reforçam a cultura de

que a formação para o trabalho passa, necessariamente, pelo curso superior. O

sistema de cotas é parte das políticas educacionais que ocorreram a partir da

década de 1990. Refere-se a uma medida governamental que reserva vagas, nas

instituições públicas ou privadas para certos segmentos sociais. E, nessa medida, é

considerada uma ação afirmativa, de acordo com o conceito que emerge na década

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de 1960, nos EUA81. As ações afirmativas são compreendidas como medidas de

caráter social que visam à democratização do acesso ao emprego e à educação

conforme Guarnieri e Melo-Silva (2007)82.

Neste contexto, é impossível deixar de perceber que a “política de cotas

nacional” amplia esse campo de possibilidades dos vestibulandos/as provenientes

de escola pública, visto que esses, aparentemente, são os maiores beneficiados

com o sistema de cotas sociais adotado pela Universidade Federal do Espírito Santo

a partir do vestibular de 2007. Após um ano de discussão, o sistema de cotas foi

aprovado em 2007 pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) e passou

a vigorar a partir do edital de Vestibular da UFES (Vest/UFES) 2008. A reserva de

40% das vagas dos cursos de graduação da Universidade do Estado, para ex-

vestibulandos/as de escolas públicas, produz efeitos em seus campos de

possibilidades: “Se não fossem as cotas eu nem tentaria o vestibular. Não tem

como! Você fazendo escola pública, era muito difícil entrar na UFES. Agora, com as

cotas, pelo menos a gente pode sonhar...”, observa João83. Liliam indica que as

cotas reconhecem esforços – assim, razões e sentimentos – dos vestibulandos/as

dedicados que, de outra forma jamais teriam esse ingresso assegurado84:

Eu sempre fui dedicada, só que, tipo assim, hoje, pra [sic] você entrar numa faculdade pública, está mais fácil que antigamente... Você tem as cotas, você tem o ENEM que te ajuda, tem vários programas que te incentivam, que te auxiliam a entrar nesse universo... Antigamente, há dois anos, há três anos atrás [sic], isso não existia. Então era mais complicado.

81 Ações afirmativas referem-se à medidas especiais e temporárias efetivadas pelo Estado de forma espontânea ou compulsoria, cujo objetivo é eliminar desigualdades historicamente acumuladas, por meio da garantia de igualdade de oportunidades e tratamento, assim como da compensação de perdas provocadas por discriminação e marginalização que decorrem de motivos raciais, étnicos, religiosos, de gênero e outros. As ações afirmativas são formas de combater ou minimizar os efeitos acumulados das discriminações ocorridas no passado (SANTOS,1999). 82 Nas universidades brasileiras o sistema de cotas, ou seja, a reserva de vagas para determinados grupos sociais, começa com a aprovação da lei estadual 3.524/00, de 28 de dezembro de 2000. De acordo com a lei 50% das vagas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro são reservadas para estudantes das redes públicas municipal e estadual de ensino. Posteriormente, a lei 3.708/01 implementa o sistema de cotas para estudantes negros ou pardos, com reserva de 40% das vagas das universidades estaduais do Rio de Janeiro. Em novembro de 2005, como afirma com Guarnieri e Melo-Silva (2007), representantes dos movimentos negros no Brasil e entidades estudantis realizam um apelo na Câmara dos Deputados com a finalidade de proceder à votação do Projeto de Lei (nº 3627/2004): “Sistema Especial de Reserva de Vagas”, que institui cotas nas universidades públicas federais. O projeto de lei prevê a instituição de reserva de vagas para estudantes que tenham cursado o Ensino Médio em escola pública e também para pessoas negras e indígenas nas instituições públicas federais de Educação Superior. 83 Homem branco, 42 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 84 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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Anteriormente analisei, na trajetória desta menina, aspectos outros que se

atualizam em suas experiências. Mas, cabe lembrar que as razões e sentimentos

investigados são sempre plurais, não existe um único motivo, sentimento ou razão

para a construção dos projetos profissionais. Brenda85 também sente o impacto da

cotas na sua experiência: “O sistema de cotas me incentivou e se não fossem as

cotas eu nem tentaria UFES, na verdade eu nunca nem tentei para saber como é,

mas com as cotas eu tenho mais chance de passar”. Acrescento a fala de Isac86

com esse sentido:

Aumentou a oportunidade para os vestibulandos/as de escola pública, porque você querendo ou não, é visível a diferença. Não porque o professor de escola particular é mais preparado, mas a gente fala de estrutura, então sem dúvida hoje o aluno de escola particular é mais bem preparado para tentar UFES e ai acabam pegando muitas vagas. Por causa dessa preparação, o foco é bem maior. Então devido a isso eu acho que a incidência é bem maior de escola particular. E nós estamos aí para mudar esse quadro.

Luciano87, também aluno de escola pública, reconhece a contribuição das

cotas para seu ingresso da universidade: “para mim é bom porque eu estudei

sempre em escola pública”. É fato que essa política representa uma oportunidade de

ingresso na Universidade Pública, portanto, redefine o campo de possibilidades

desses jovens de Vitória. Eles/as passam a sonhar e desejar algo antes nem

pensado. Mas essas medidas estão repletas de contradições e paradoxos. Luciano,

ao mesmo tempo, admite as facilidades do sistema de cotas e não é favorável a

elas:

Eu acho um pouco injusto a universidade ter cotas. Eu acho que as pessoas têm que entrar na Universidade por merecimento, não por cor da pele ou porque estudou em escola pública. Porque da mesma forma que o rapaz que está estudando em escola particular, se eu tivesse determinação eu poderia estudar neste curso da Universidade para Todos que é bom... e estudar da mesma forma que eles estão estudando, pra poder concorrer com eles também. Não seria, então, necessário [sic] as cotas.

Brenda tem opinião semelhante à opinião de Luciano88: “Pois é, eu acho que

o governo deveria investir no melhoramento da educação de base, para que todos

pudessem passar por seus próprios esforços e não porque tem facilidades para

85 Mulher parda, 18 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 86 Homem negro, 29 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 87 Homem branco, 21 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 88 Homem branco, 21 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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entrar”. A percepção baseada em meritocracia também é apontada por outras

pesquisas que investigam as representações sociais sobre cotas, mostra Menin et

al. (2008, p. 1) que afirmam: “o vestibular, baseado apenas no mérito, é

representado como o sistema mais justo para ingresso de vestibulandos/as de

escola pública e, principalmente de negros, na universidade”. Essas respostas

baseiam-se em valores como justiça, igualdade, esforço próprio, o que tem sido

questionado pelas políticas de ação afirmativa. A igualdade só pode ser estabelecida

enquanto os indivíduos forem julgados como indivíduos ou pessoas. Essa

suposição, como afirma Scott (2005), estaria nas “interpretações rígidas da

Constituição e da Carta de Direitos, as quais tomam a igualdade para significar,

simplesmente, a presumida igualdade de indivíduos perante a lei” (p. 13).

A política de cotas tem acirrado as diferenças de classes e constrói dois

grupos distintos num mesmo universo. Trago a fala de uma das entrevistadas do

pré-vestibular privado, que conseguiu ingressar no curso de medicina da UFES89:

“Eu achava que eles (os cotistas) eram diferentes. Mas eles são iguais a nós. Eles

estudam, se esforçam... Não são aqueles vestibulandos/as “pobrinhos”; são

vestibulandos/as bons, que vieram do IFES [Instituto Federal do Espírito Santo]”.

Além das discriminações, as cotas parecem demarcar esse universo em “eles e

nós”, “meu grupo” “o grupo deles”, enfim espaços delimitados e diferenciados, já que

ressaltam as diferenças; a menção ao ódio e à discriminação aparece nos discursos

dos vestibulandos/as de escola particular e esta é uma realidade.

No ano em que as cotas sociais foram implementadas na UFES, em 2007,

para o vestibular de 2008, diante da reserva de 40% das vagas para

vestibulandos/as de escola pública, várias manifestações de protesto contra as

cotas, foram feitas por vestibulandos/as de escola particular no campus da própria

Universidade. Por outro lado, o movimento negro, juntamente com vestibulandos/as

de escola pública, fizeram manifestações pró-cotas. As imagens abaixo reflete um

pouco dessa tensão, a primeira90 em manifesto a favor e a segunda91 em manifesto

contra a implementação de cotas na UFES:

89 Helena, 19 anos, branca, classe D, estudante do pré-vestibular público, que fora entrevistada em 2009, passou no vestibular para medicina e, num encontro casual, quando eu seguia com minhas investigações, me procurou para dar a notícia de que havia passado e trouxe esse relato.

90 Imagem disponível em http://universoufes.files.wordpress.com/2007/10/foto_vestibulandos/as_escola_particular_protesto_ufes.jpg

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Figura 2. Movimentos contra e pró-cotas sociais

Esses grupos defendem diferentes posturas. Em um deles, as ações

afirmativas seriam uma forma de preferência por um determinado grupo seja de

negros, de mulheres, de gays, etc., o que também gera discriminações com a

exposição da diferença. Lê-se na primeira figura: “cota é preconceito”, uma

percepção de que as capacidades intelectuais individuais não podem ser

subordinadas às características raciais de um grupo. O outro grupo, por outro lado,

percebe as ações afirmativas como tentativas de se restabelecer igualdade de

direitos e oportunidades aos grupos sociais excluídos, historicamente, do acesso a

esses direitos. Para eles, essas políticas são formas de garantir a justiça social,

cabendo mantê-las enquanto persistirem discriminações e preconceitos a que certos

segmentos sociais como mulheres, negros, pobres, entre outros, se vêem

submetidos.

De um lado, um grupo pautado na meritocracia pressupõe que o indivíduo

deve ser avaliado por seus atributos intelectuais, pessoais e sociais. De outro,

grupos que lutam pelas políticas afirmativas buscam promover oportunidades para

indivíduos que, de modo desigual, são impedidos de possuí-los. Essa seria uma

visão que “prefere a inclusão à discriminação, mesmo se isso significasse a perda

de privilégios tradicionais para alguns indivíduos” (SCOTT, 2005, p. 26). Num

momento da dinâmica de grupo, citada anteriormente, testemunhos começam a

mostrar que dois grupos parecem se formar com contornos bem definidos: “Eles e

Nós”, “os cotistas e os não-cotistas”. Nessa dinâmica, os vestibulandos/as do

cursinho público expressam-se:

- Eu acho certo ter cotas. Porque eles (os não cotistas) têm mais chances do que a gente de passar no vestibular. Eles sabem mais coisas.

91 Imagem disponível em http://polimidia.blog.br/ufes-ainda-estuda-programa-de-permanencia-para-cotistas

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- Eu não acho! Então você está dizendo que eles são melhores do que nós? Eu acho que se a gente se esforçar bastante a gente consegue também, mesmo sem as cotas. - É, mas, tem aquela questão, quem estuda na escola pública até pode se esforçar, mas eles não puxam muito. O garoto lá da escola particular, mesmo que não se esforce muito, tá [sic] sempre vendo tudo o que cai no vestibular. Claro que para ele é mais fácil. - É eu também concordo. Não é que eles sejam inteligentes, mais eles têm mais chance do que nós. Tem professores, apostilas, simulados, tudo voltado para o vestibular. Então já estão acostumados.

Em sua experiência singular, Livia92, aluna de escola particular, sente a

política de cotas como algo que dificulta seu ingresso no curso de medicina: “Além

da concorrência grande para medicina, para o aluno de escola particular, o sistema

de cotas é uma coisa que está dificultando muito mais. Vai acirrar ainda mais a

disputa entre os estudantes”. Como o outro lado, a aluna da escola particular não é

favorável à política de cotas:

Eu acho o sistema de cotas errado. Eu acho que tá [sic] errado beneficiar as pessoas que não tiveram acesso à educação de qualidade... Enfim, eu acho que não é o caminho certo para consertar a problemática do Brasil. Porque eu acho que tem que começar no início da educação, não tem que começar pelo ingresso na faculdade. Vai ficar mais difícil porque tem uma porcentagem muito grande destinado aos vestibulandos/as de escola pública, por isso que eu acho que vai ficar bem mais difícil para nós [os vestibulandos/as da escola particular].

O “eles e nós” confirma-se em outro trecho do seu relato. Com referências,

inclusive, a discriminações que o grupo de cotistas pode vir a sofrer. Seu relato se

pauta naquilo que vê, sente e percebe a partir do convívio com os não cotistas:

Eu fico até pensando que esses vestibulandos/as podem até ser vitimas de algum preconceito dentro da sala de aula pelo pessoal que veio da escola particular, eu acho que vai ter alguma coisa assim. Até porque eu tenho muitos colegas que ficam meio que discriminando os cotistas e eu não vou muito por ai não, porque, sei lá, se eu tivesse no lugar deles? É claro que eu iria aproveitar essa oportunidade ia gostar muito das cotas! Agora ficar discriminando os cotistas assim... É que na cabeça dos meus amigos tem que entrar pessoas preparadas. É claro que tem que entrar pessoas preparadas, pessoas esforçadas e tal, mais daí a discriminar e até jogar um certo ódio, como se as vagas nas universidades estivessem destinadas exclusivamente aos vestibulandos/as de escola particular, acho isso errado.

A perda de privilégios de alguns gera lutas legais e ilegais. Com base na

legalidade, há vestibulandos/as de escola particular que entraram na justiça por

entender que se não fosse o sistema de cotas/UFES, teriam a aprovação no

92 Mulher branca, 15 anos, classe A, estudante do curso pré-vestibular privado.

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vestibular. Sua nota de corte era superior ao do primeiro colocado nas vagas

reservadas para cotistas. Divulga o jornal local sobre um caso específico:

Entenda o caso Justiça. Em 2007, um grupo de 49 vestibulandos/as entrou na Justiça para questionar o sistema de cotas da UFES e para garantir a entrada na universidade, caso obtivessem pontos suficientes na seleção. Eles perderam a ação na primeira e na segunda instância. Nova ação. Em nova ação, um outro grupo, de 15 estudantes, entrou na Justiça, em 2008, tentando garantir a matrícula, alegando que estariam na universidade, se não fosse o sistema de reserva de vagas. Matrícula. Em fevereiro deste ano, a Justiça Federal concedeu liminar, garantindo a matrícula desses vestibulandos/as. Cinco deles já tinham sido aprovados no vestibular de 2009 e não precisaram se valer da decisão. Derrota. Pouco depois, a 4ª Vara Cívil de Vitória proferiu sentença favorável à UFES, e a matrícula dos vestibulandos/as foi cancelada. Nova liminar. Na última terça-feira, dia 26, o Tribunal Regional Federal, no Rio de Janeiro, restabeleceu a liminar concedida anteriormente, assegurando a matrícula dos vestibulandos/as. 93

Além dessas ações, tentativas de burlar as cotas, como pôde ser verificado

em um trecho da matéria “Mais dois vestibulandos/as afastados da UFES por burlar

as cotas”, de um jornal local, publicada em 02/09/2009, em A Gazeta:

Dois vestibulandos/as foram afastados dos cursos mais concorridos da UFES - Direito e Medicina - por fraudarem o sistema de cotas para ingressar na universidade. Esse é o terceiro caso este ano. Todas as irregularidades se tornaram alvo de investigação do Ministério Público Federal (MPF). Outras três pessoas são avaliadas pela UFES por suspeitas de fraude, todos estudantes de Direito. [...] Nos casos de fraude, os candidatos não estariam aptos a concorrer pela reserva de vagas, mas fizeram um curso na modalidade EJA - antigo supletivo- na rede pública e omitiram o diploma das escolas particulares.

A principal questão que se coloca diz respeito à busca de igualdade. Scott

contribui para se pensar as ações nesse campo ao debater “o enigma da igualdade”

e seus paradoxos. Nas ações afirmativas, as “identidades de grupo definem

indivíduos e renegam a expressão ou percepção plena de sua individualidade” (p.

15). A ação afirmativa tem sido atacada como uma forma de “preferência ao grupo”

que discrimina os indivíduos. O argumento de Scott (2005, p. 22) é de que a tensão

entre grupo e identidade individual não pode ser resolvida, “ela é uma consequência

das formas pelas quais a diferença é utilizada para organizar a vida social”. Afirma:

Se identidades de grupo são um fato da existência social e se as possibilidades de identidades individuais repousam sobre elas tanto em sentido positivo quanto negativo, então não faz sentido tentar acabar com os grupos ou propositadamente

93 A Gazeta, 30/05/2009. disponível em http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2009/05/515241-vestibulandos/as+derrubam+cotas+na+justica+e+voltam+para+a+ufes.html

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ignorar sua existência em nome dos direitos dos indivíduos. Faz mais sentido perguntar como os processos de diferenciação social operam e desenvolver análises de igualdade e discriminação que tratem as identidades não como entidades eternas, mas como efeitos de processos políticos e sociais.

Além disso, as ações afirmativas acabam por ressaltar a diferença que se

pretende eliminar. Nesse aspecto, igualdade não se traduz em “ausência ou

eliminação da diferença” (SCOTT, 2005), mas no reconhecimento delas. Longe de

uma conclusão a esse respeito à ideia, parafraseando Scott, é fazer dos aspectos

paradoxais das ações afirmativas, uma tentativa de equilíbrio de interesses

contrários como os individuais e os de grupos, do bem individual e do bem coletivo,

de direitos e necessidades. O que é possível concluir, entretanto, é que essas

políticas compensatórias criam novos horizontes de expectativas para os grupos de

vestibulandos/as de escolas provenientes de classes populares. Se irão representar,

nessas trajetórias, novas formas de exclusão e discriminação, ou formas

democráticas de inclusão é algo ainda por acontecer. Afinal, como um processo do

tempo presente, ainda em construção, cabe mais perguntar do que responder.

Até aqui foi possível perceber como processos sociais recentes, e de longa

duração, produzem sentidos no campo de experiências dos entrevistados, que

traduzem em razões e sentimentos a orientação de suas ações. Os processos

tratados até aqui são relativos ao mundo do trabalho e atualizam, tantas vezes,

sentidos liberais e capitalistas. Exigências de qualificação, responsabilização pelo

sucesso e fracasso, busca de prestígio e ganhos materiais e a visão meritocrática

movem as trajetórias investigadas. Mas é hora de adentrar um outro fio referido na

história contada no início dessas reflexões, e que também pertence aos sentidos

que circulam na cultura sobre o mundo do trabalho. Trata-se do romantismo das

profissões, o que também faz adensar essa rede de relações múltiplas que compõe

o campo de possibilidades no qual seus projetos profissionais são construídos.

2.3 O romantismo das profissões

O uso do conceito de romantismo político, retomado por Michel Löwy (1996),

é útil para uma dada cultura94 e serve também para caracterizar representações

sociais sobre as profissões atualizadas em seus sentidos civilizadores. Esse 94 Na atualidade, uma sólida vertente sobre o tema redesenha a obra de Marx. Ela está na obra de Gramsci, Lukács, Williams, Thompson, Jameson, dentre outros – que analisa a cultura em sua vinculação com a política.

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romantismo também move sensibilidades e preside a definição de projetos

profissionais de vestibulandos/as dos cursos preparatórios para vestibular.

De acordo com Löwy (1996), o romantismo é entendido como uma visão de

mundo que perpassa a literatura, a filosofia, a política e a religião do final do século

XVIII e XIX, mas que prossegue. Em suas formas mais reacionárias e mesmo nas

mais revolucionárias, persiste na cultura atual, como forma de protesto contra a

civilização burguesa e em nome dos valores do passado. O romantismo é “anti-

burguês”, na medida em que protesta contra a civilização industrial capitalista

moderna e todas as consequências no terreno econômico, político e intelectual.

Revela um “desencantamento do mundo”, produto de uma racionalização que

acompanha o desenvolvimento da civilização industrial e se opõe ao pensamento

mágico e religioso da época. Trata-se de “uma estrutura de sensibilidade que se

manifesta em todas as esferas da vida cultural” (RUBBO, 2008, p. 113). Essa

estrutura, conforme Elias (1990) dá sentido à experiência humana. O romantismo

atualiza-se na produção cultural em “proposições e ações voltadas às questões

sociais e às mudanças da sociedade” (CHAIA, 2001, p. 167) o que se observa em

trajetórias repletas de tensões e paradoxos.

Nas trajetórias analisadas, observa-se que o desejo de sucesso e de ganhos

materiais e financeiros coexiste com proposições românticas acerca das profissões.

Afinal, como afirma Velho (1999), a coexistência de diferentes mundos constitui a

própria dinâmica da sociedade atual. Trago, então, os sentidos impressos em

algumas trajetórias investigadas para recuperar esses movimentos. A primeira delas

está numa referência inicial, desse capítulo, à Isabela que vive um dilema entre fazer

o curso de medicina ou o de design gráfico. Movimentos românticos estão não

apenas no seu desejo por essa profissão, mas em seus hábitos e costumes. Ela

veste de maneira simples, sem a sofisticação da mãe que é considerada por ela

uma “burguesa”. Não liga para consumismos e acha tudo isso uma besteira... Mas,

em relação à profissão, ela afirma o valor da criação, do belo e de aspectos

subjetivos em detrimento àqueles quantificáveis em cifras ou prestígio. Insiste: “Para

mim, fazer design significa criação. É perfeito!”. O pensamento romântico revela que

o indivíduo experimenta relativa autonomia no campo da cultura: “o homem cria a

beleza de acordo com as leis de beleza” e o “exercício dos sentidos pode ser um fim

em si mesmo” (CHAIA, 2001, p. 167). Há um protesto contra a quantificação do

mundo: a sociedade burguesa substitui os valores do belo e feio, do justo e injusto

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por valores quantificáveis, refletidos no espelho da lógica das mercadorias (LÖWY,

1996). Sentidos civilizadores românticos, também aparecem na fala de Lívia que

fará medicina:

Muita gente se preocupa em ganhar dinheiro, mas tem esse lado humanitário da medicina que eu acho legal, essa parte de salvar vidas, essas coisas. Até já vi que se eu entrar na UFF [Universidade Federal Fluminense] que de lá (se) pode fazer mestrado em Cuba na área da medicina social. Eles tem muitas coisas legais como cuidar de crianças carentes, pessoas com câncer, com AIDS e tudo. Isso eu acho interessante.

Esses sentidos humanitários são confirmados por Leite, Caprara e Coelho

Filho (2007) na análise dos aspectos subjetivos, envolvidos na opção por medicina;

é possível encontrar, no discurso dos próprios estudantes, razões para o ingresso

em medicina como: desejo de ajudar os outros; desejo de trabalhar com demandas

humanas; querer salvar vidas; desejo de acolher e mitigar o sofrimento das pessoas.

Além disso, se observado o juramento da profissão médica é possível ver aspectos

românticos que reforçam ideais de caridade e outros valores humanitários:

Prometo que ao exercer a arte de curar, me mostrarei sempre fiel aos preceitos da honestidade, da caridade e da ciência. Penetrando no interior dos lares, meus olhos serão cegos, minha língua calará os segredos que me forem revelados os quais terei como preceito de honra; nunca me servirei da minha profissão para corromper os costumes ou favorecer o crime. Se eu cumprir este juramento com Fidelidade, goze eu a minha vida e a minha arte com a boa reputação entre os homens e para sempre; se dele me afastar ou infringir suceda-me o contrário. Hipócrates – 460 A. C.

O sentido de ajuda ao próximo também aparece no relato de Liliam95.

Contribuir para minimizar as desigualdades sociais, para um país melhor, parte dos

valores postulados pelos romantismos revolucionários. Outras trajetórias, já

investidas, mostram como esses sentidos são parte das sensibilidades dos

entrevistados:

Isso também contribuiu para minha escolha. Eu sempre quis ajudar o próximo e nada melhor do que você prestar um serviço, e como eu sempre pensei: Como eu posso ajudar o meu próximo? Dando a ele uma educação, uma orientação, aquilo que eu aprendi. Se o que eu aprendi foi bom, claro que eu não quero passar nada de ruim para ninguém. Se o que aprendi foi bom, pretendo passar isso adiante. Então eu quero ser professora.

95 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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Também foi observado o juramento da profissão do pedagogo; nele, é

possível verificar ideais românticos, fazendo menção inclusive a Deus e à pátria

como valores supremos:

Prometo, no exercício da minha profissão de Pedagogo, enfrentar os desafios que a educação me propõe, com criatividade, perseverança e competência, buscando novos caminhos para o processo educacional e valendo-me do conhecimento que me foi dado como instrumento de mudança e construção de um mundo onde o homem possa realizar-se com liberdade.

Maria96 que fará enfermagem, também reafirma sentidos semelhantes:

“Cuidar de gente é muito bom [...] você saber que é útil para o outro é muito bom!

Você pode contribuir para salvar vidas, ajudar as pessoas”. O protesto contido no

romantismo se estende à mecanização do mundo que destrói a comunidade e

aumenta a atomização individual: “O individualismo moderno destrói a comunidade e

atomiza os indivíduos” (LÖWY, 1996). Na trajetória de Gabriele97 também é possível

verificar sentidos românticos presentes em sua primeira opção pelo curso de

magistério. Seu desejo foi forjado na esfera familiar, uma família humilde cujas

conquistas das mulheres se fizeram com base na saída para o magistério. Os

sentidos que se construíram apontavam para uma profissão com uma importante

missão: Quando vi minha prima formar no curso de magistério, teve uma parte do discurso da oradora falando de uma grande necessidade do país para acabar com as desigualdades. Nesse momento minha prima levantou uma placa com a palavra escrita e gritou bem alto: “educação”. Eu achei aquilo lindo. Me emocionei. Pensei é isso o que eu quero, ser educadora, contribuir para um país melhor!

Sara que tentará vestibular para direito afirma: “Meu sonho desde pequena foi

fazer direito. Eu sempre falava que queria colocar bandido na cadeia, fazer justiça,

contribuir para um mundo melhor”. Esses ideais também são reafirmados nos

sentidos expressos pelo juramento da própria profissão: Juro, no exercício das funções de meu grau, acreditar no Direito como a melhor forma para a convivência humana, fazendo da justiça o meio de combater a violência e de socorrer os que dela precisarem, servindo a todo ser humano, sem distinção de classe social ou poder aquisitivo, buscando a paz como resultado final. E, acima de tudo, juro defender a liberdade, pois sem ela não há Direito que sobreviva, justiça que se fortaleça e nem paz que se concretize.

96 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público. 97 Mulher branca, 15 anos, classe C, estudante do curso pré-vestibular privado.

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Sentidos semelhantes são expressos na trajetória de Sirlei98, aluna do curso

público que deseja fazer medicina: “Eu sempre estive ligada à saúde pública, meus

pais eram auxiliares de enfermagem, então, sempre foi uma coisa que eu gostei.

Gosto de lidar com pessoas”. Afirma valores humanos sobre os valores de mercado:

Sempre sonhei com medicina. No começo eu achava uma coisa, que medicina é uma coisa bonita, nos primeiros anos. Depois, com informações que a gente vai coletando... Aí vê que não é tão bonita, mas ainda sim é o que eu quero. Mesmo que eu passe por tantas dificuldades, eu ainda quero seguir essa profissão, pela ajuda mesmo. Muitas pessoas falam assim ‘ah, é tão bonito né?! Um médico ajudando e tal’, mas eu procuro não ver a beleza eu procuro ajudar as pessoas. No nosso caso, por exemplo, a sociedade, nosso Estado... Aliás, não vamos muito longe, aqui mesmo no município, Cariacica, por exemplo, é precária a situação dos hospitais públicos... É também uma área que eu quero trabalhar... na saúde pública, quero trabalhar com pessoas carentes mesmo. Na verdade, eu acho que as pessoas pobres precisam muito mais de ajuda, então é isso...

A visão romântica se faz com base em valores éticos, sociais e também

religiosos, que procuram reencantar o mundo e resgatar valores humanos perdidos

com a modernidade capitalista. O romantismo representa, então, a restauração de

virtudes do passado. Mesmo em suas formas reacionárias, quer o retorno do

passado; em suas formas revolucionárias, toma os elementos do passado e os

projeta no futuro como utopia (LÖWY, 1996). Assume, pois, formas mais

reacionárias, mas também outras revolucionárias e utópicas ou, como podemos

perceber, impregna sentimentos da trajetória de Hanna99.

2.3.1 “Mudar a vida e transformar o mundo”: a trajetória de Hanna

Diferente da trajetória narrada no início do capítulo, que parece também servir

à atualização de um romantismo centrado em escolhas individuais e, portanto, mais

reacionário, Hanna deseja fazer história na UFES e justifica sua opção trazendo à

baila valores de um romantismo revolucionário, citado por Löwy (1990, p. 16), como

uma recusa e uma “ilusão de retorno às comunidades do passado e à reconciliação

com o presente capitalista, procurando uma saída para a esperança no futuro.

Nessa corrente, a nostalgia do passado não desaparece, mas se transmuda em

98 Mulher negra, 20 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público. 99 Mulher branca, 19 anos, classe B, estudante do curso pré-vestibular privado.

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tensão voltada para o futuro pós-capitalista”. Afirma: “Escolhi história porque tenho

uma visão mais humanitária, essa coisa de entender e querer mudar o mundo. Eu

não ligo para dinheiro, essas coisas...”. Hanna é filha de intelectuais, o pai é doutor

em filosofia e professor da UFES e a mãe é jornalista. É filha única de pais

separados, nunca trabalhou e estudou em escola particular. Mora em Vitória com a

mãe. Grande parte de seu projeto profissional é construído a partir das

sensibilidades e habitus construídos na sua primeira socialização. Estudou numa

boa escola de Vitória, fez intercâmbio, viaja, lê livros. Diz: “Não tinha muito para

onde correr. Acabei na área de humanas”. A menina conta episódios de sua vida

que mostra o envolvimento dos pais e os estímulos à leitura. O pai fez doutorado na

Universidade de São Paulo (USP) e defendeu uma tese ligada ao pensamento de

Rubem Alves. E, como eram amigos, seguidas vezes, a menina acompanhou o pai

em saraus na casa do pensador.

Desde quando eu era muito pequena eu ia pra casa do Rubens, ele fazia “sarais”, com os pensadores da região. E eu, com dez anos de idade, sentava no colo do meu pai e ficava “viajando na maionese”. Mas ficava. E aí acho que isso me incentivou. Porque desde pequena eu escrevo muito. Gosto muito de ler. Quando eu era pequena, eu escrevia muita poesia. Com doze e treze anos, eu comecei a participar dos “sarais” na casa dele e lia e discutia com os caras... Discutia minhas poesias, meus pensamentos. Aí acho que essa coisa de estar sempre com o meu pai... E meu pai é isso: ele é um filosofo vinte e quatro horas por dia... Então, o contato com o meu pai era discutir a vida, discutir o planeta, discutir os porquês de tudo. Meu pai não tem aquela conversa trivial... Eu estava conversando com ele essa semana sobre um seminário aqui na UFES de filosofia medieval, e é a galera de filosofia que está organizando. Aí, a gente ficou duas horas no restaurante, só falando de filosofia medieval, de pensamentos medievais... Meu pai é um pós-doutor sinistro! E minha mãe é jornalista, é mestre, está fazendo doutorado agora. Então, lá em casa minha mãe me colocava pra ler cada livro... e pensar, discutir e ler... A, eu acho que me fez seguir nessa área de humanas.

A educação familiar conta muito na formação de gostos, no entendimento do

mundo e na segurança com que a menina faz seu projeto. Há, de alguma forma,

uma imitação do projeto profissional paterno. A educação escolar, por sua vez, teria

reafirmado aspectos que atualizam sentidos românticos da vida individual e social.

Seu gosto por história também se afirma com as aulas de um determinado professor

que passa a admirar. Sua paixão por história antiga foi alimentada desde pequena,

quando ouvia as histórias de Perseu, Hércules e Zeus para dormir. O avô italiano,

viveu na Itália na época da Guerra Fria, também passava noites conversando e

discutindo coisas sobre a vida com a menina. Nessas disposições, a percepção

adquirida do mundo e a ação sobre ele parecem alimentar a recuperação dos

sentidos românticos que ela afirma em seu projeto profissional:

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Se eu fosse como a minha mãe, que gosta de dinheiro, gosta de gastar, gosta de comprar... Se eu tivesse a personalidade da minha mãe, eu nunca teria ido para área de História. Assim, tudo bem que tem pessoas que ganham dinheiro com as coisas mais estranhas do mundo, mas não é a regra. Sempre que as pessoas me perguntam o que eu vou fazer e eu falo que é História, aí eles falam: “você tem problema? Você vai ficar pobre!”.

Hanna diz que percebe que entre seus amigos e as pessoas em geral “o

dinheiro move tudo”. Apesar de não negar que precisa dele, diz que não quer luxo,

só uma vida digna. Seu pai é mais radical, afirma ela: “O sonho do meu pai, se a

FARC [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia] não fossem tão terroristas,

era ir para lá... Ele já falou isso... Se eles não raptassem, não matassem gente, ele

iria para lá. Ele gosta dessa coisa de ficar na floresta, num mundo socialista,

pensando no comunismo da vida. Eu não sou tão assim também!” Por mais que os

projetos dos pais tenham impacto na construção de seu próprio projeto, ela faz

rupturas, ajustes, negociações.

O romantismo, então, está nas estruturas dos sentimentos que se atualizam

na construção do projeto profissional de Hanna. Nesse aspecto, Rubbo (2008)

localiza a existência de um romantismo na intellingentsia brasileira anticapitalista. O

que é compreensível, conforme teses de Löwy (1996), se considerarmos que

intelectuais, escritores, teólogos e sábios, de um modo geral, baseiam-se num

universo regido por valores qualitativos. Assim, muitos se encontrariam

“naturalmente” e “organicamente” em contradição com o universo capitalista dirigido

por valores de troca, ou seja, valores quantitativos.

2.3.2 “Não quero muito sucesso”: A trajetória de Patiane

Patiane100 tentará vestibular para serviço social. Sua principal motivação se

atrela ao romantismo das profissões: “Eu vou estar, não só ajudando as crianças,

como também à população em geral. Estar ajudando o ser humano a sair dessa

miséria que o mundo vive. Contribuindo, de certa forma, para melhorar a vida”. Mas

há outros sentidos não antes observados na trajetória de Hanna. Sentidos religiosos

também surgem em sua fala: “Deus sabe o que faz. Se for de sua vontade eu passo

em serviço social e posso, então, ajudar o próximo”. A trajetória de Patiane mostra

100 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público.

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129

acontecimentos muito diferentes da trajetória tratada anteriormente. Os pais não

aceitam que a jovem retorne para casa após a separação conjugal. Seus irmãos são

usuários de drogas e têm um relacionamento ruim com a irmã com quem moram

atualmente. Mas fala com orgulho: “Nem por isso eu me droguei e nem me prostituí.

Tenho Deus no meu coração. E no dia do juízo final eles [refere-se à família] é que

vão ter que temer a Deus”.

Suas narrativas me remetem a um tipo de romantismo diferente do

apresentado por Hanna. Parece aqui se atualizar um romantismo messiânico, como

indica Lowÿ (1990). O romantismo messiânico é discutido por Löwy nas ideias de

pensadores marxistas, concedendo à obra de Walter Benjamin, um especial

destaque. Retira das teses desse autor matéria para associar suas ideias sobre o

conceito de história às origens desse autor. Assim, o messianismo judaico e as

utopias revolucionárias e libertárias, dialeticamente, interseccionam e se mantêm em

tensão. Além disso, destaca Löwy (1990), seu messianismo101, marcado pela fonte

romântica alemã e judaica, carregaria traços “apocalípticos”, “catastróficos” e

“destruidores", nela recolhidos. A redenção messiânica, nesse sentido, é preparada

pela catástrofe e não por um progresso ou desenvolvimento. As ações humanas se

fazem, portanto, em virtude do medo de corromper a ordem divina. Isso pode ser

observado no diálogo em que a jovem revela não querer “muito sucesso”: Pesquisadora: O que você espera para seu futuro? Entrevistada: Espero sucesso. Quer dizer... Muito sucesso não! Pesquisadora: Como assim? Entrevistada: Deixe-me ver... Porque muito sucesso sobe a cabeça e você se esquece do grande objetivo de escolher uma profissão, que é ajudar as pessoas. Espero um pouco só de sucesso... Espero que nessa profissão eu possa ajudar as pessoas e me ajudar também... Porque de certa maneira me ajuda.

Parece estar ancorada em preceitos cristãos que associam sucesso à

ambição e, em conseqüência, ao pecado. Mecanismos que limitam suas

possibilidades de sonho e desejo, e que, portanto, se inscrevem em suas

sensibilidades. A ideia de conquista do “sucesso na esfera profissional” perpassa

suas experiências, mas está, ao mesmo tempo, em negociação com outras

tradições e valores: “não deixar o sucesso subir à cabeça”, “não esquecer de ajudar

ao próximo”, ou seja, sentidos civilizadores do romantismo que redefinem-se e

chegam, de forma rizomática aos nossos tempos.

101 Embora o viés messiânico não seja o único na obra do Benjamin ele se refere a um aspecto que se encontra em constante tensão com o materialismo marxista do autor.

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130

2.4 Meios de comunicação e ideários de projetos

As trajetórias revelam o quanto razões e sentimentos diversos sobre os quais

são organizados os projetos profissionais constroem-se no campo da cultura. Atenta

a esses sentidos que se constroem na cultura em circulação, escolhi fazer a análise

de um semanário específico que trata de profissões, escolhas e mercado de

trabalho, no estado do Espírito Santo: “Oportunidades Cursos & Concursos”102.

O periódico foi escolhido, primeiramente, em função da circulação entre a

população investigada: há 34.000 leitores semanais, sendo o perfil desses de 44%

de homens e 56% de mulheres. A distribuição por classe é de: 39% da classe A,

15% da classe B, 35% da classe C e de 10% da classe D/E. Em relação à idade a

distribuição dá-se da seguinte forma: 10-19 anos (30%); 20-29 anos (57%); 30-39

anos (4%); 40-49 anos (4%); acima de 50 anos (4%); em relação à escolaridade,

temos 19% dos leitores vestibulandos/as do Ensino Fundamental, 55% do Ensino

Médio e 26% do Ensino Superior ou pós103. Além de ser representativo entre a

população investigada, o veículo trata da matéria em questão, ou seja, de projetos

profissionais. Foram analisados os 52 exemplares do ano de 2009, período em que

foram realizadas as entrevistas dos/as vestibulandos/as dos cursos preparatórios

para o vestibular.

Como o próprio nome sugere, “Oportunidades, cursos & concursos” grande

parte dele se destina à divulgação de empregos no setor público e privado. Em

entrevista com o Editor da revista, indica que, no início, essa publicação tinha o

formato de jornal, como a Folha Dirigida. Mas, “com a expansão do mercado

capixaba e o crescimento do Estado, muitas pessoas de fora vem para cá. Isso

aumenta a exigência do público leitor”. Hoje, além da divulgação de oportunidades,

traz matérias ligadas à carreiras, a opção profissional, dicas para passar no

vestibular e em concursos, informações sobre as carreiras mais promissoras, enfim,

tendências e perspectivas sobre o mundo do trabalho. A análise desse Periódico

102 O jornal “Oportunidades Cursos & Concursos”, sai, semanalmente, às terças-feiras e tem por objetivo oferecer à população do Espírito Santo informações sobre a capacitação profissional e as novidades sobre concursos e oportunidades no mercado de trabalho. Além de haver nele dicas de empregos existentes no Estado. Dados extraídos da entrevista com editor-chefe do jornal no dia 10 de agosto de 2009.

103 Fonte: Pesquisa Marplan / Nov-Dez 2004/Jan 2007. Grande Vitória.

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131

revelou dois grandes temas que se ligam aos projetos profissionais: “Que profissão

escolher?” e “Como fazer a escolha profissional?”

2.4.1 O que circula sobre as profissões? O que os jovens devem escolher?

Considerando-se a mídia em sua dialeticidade com o meio social e, portanto,

como espaço de circulação de significados culturais, admite-se que a matéria em

circulação, nesse periódico, afeta e é afetada transversalmente por processos

sociais da vida social. Desse modo, é capaz de reelaborar o caráter simbólico da

vida social, porque atua na produção e intercâmbio da informação e dos conteúdos

simbólicos, transformando os meios pelos quais os indivíduos relacionam-se entre si.

Mas a comunicação da mídia é sempre contextualizada e conectada às redes

sociais. Assim, recortei parte da matéria sobre “Quais profissões escolher”, não com

o intuito de mostrar que a mídia cria ou manipula demandas, mas porque ela faz

circular e reforça representações culturais sobre as profissões.

Pude observar que, atrelados a ideia de que “faculdade virou obrigação”,

diversas matérias da revista elucidam e reforçam a necessidade de se fazer um

curso superior. Além de trazer chamadas que localizam os mais altos salários nas

oportunidades de nível superior, ou de chamadas como “Sadia abre seleção para

quem tem nível superior”104, há edições especiais que tratam do assunto. Trago uma

edição cuja capa anuncia: “Técnico ou superior: qual a melhor carreira? Veja

vantagens e desvantagens e escolha!”105 A matéria inicia afirmando que “Entre

técnico e superior, o melhor é aquele que te faz bem”. O que parece reafirmar ideias

correntes, nesse nosso tempo, sobre ‘fazer o que se gosta’ e também sobre a

‘responsabilidade individual’ em relação de uma dada escolha. Entretanto,

acrescenta experiências de pessoas e informações que levam a distinguir vantagens

e desvantagens de cada uma. Como desvantagens da formação técnica, pontua os

salários mais baixos e a limitação para assumir vagas que exigem curso superior,

mas afirma: “Quem tem pressa de ingressar no mercado de trabalho, por exemplo, o

mais indicado é fazer o curso técnico”. As profissões que requerem cursos

104 Oportunidades Cursos & Concursos, ano 6, edição 332,Vitória, 18-24 ago, 2009 105 Oportunidades Cursos & Concursos, ano 6, edição 331,Vitória, 11-17 ago, 2009.

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132

superiores apresentam como desvantagem o tempo de investimento, o custo e a

grande concorrência. O texto apresenta uma solução: “Que tal escolher as duas

opções?” Com isso, reforça a ideia de que é necessário fazer um curso superior

para conquistar melhores chances no mercado, matéria das sub chamadas: “Altos

salários em cursos superiores” e “Chance maior para quem continua os estudos”. A

matéria em circulação reforça práticas do mundo social, ou seja, como afirma

Barbosa (1998), os concursos mais disputados do país trazem sempre a exigência

de curso superior.

A revista também chama bastante a atenção para as oportunidades na

carreira pública. Em todas as edições, a capa apresenta uma coluna à direita com

chamadas para concursos públicos e seus respectivos salários. Na edição de nº

336106 a reportagem “Muitas novidades na carreira pública” mostra algumas

vantagens dessa área como: “A carreira profissional na iniciativa privada tem seus

riscos. Já no meio público há uma tendência para a estabilidade, além de bons

salários” (p.3). Mas mostra como a concorrência é grande e as dificuldades de se

conseguir salários que chegam a 18 mil reais. Numa outra edição107, lê-se o título

“Comece já a preparação para o teste físico dos concursos” e oferece três páginas

(p. 6,7 e 8) em dicas e informações sobre testes físicos para se ser aprovado em

concursos públicos, demonstrando ser um requisito que reprova muito em

determinados concursos. Várias outras matérias tratam de concursos públicos, o

que reforça a existência de um movimento da sociedade em direção à busca de

estabilidade e segurança, oferecida pelos concursos públicos. Isso, que também é

sentido nas trajetórias pessoais examinadas, reflete sobre a construção dos projetos

profissionais. Há indicações, inclusive, de quais são os cursos exigidos para quem

quer seguir carreira pública:

Para quem ainda não entrou na faculdade, mas já quer ingressar na carreira pública, é mais indicado fazer cursos como Direito e Administração, pois são nessas áreas que são lançadas as melhores oportunidades de cargos e salários. [...] o jovem que ainda não escolheu sua profissão, mas deseja prestar concurso, deve optar de preferência, pelos cursos citados, dedicando-se, desde cedo, aos estudos e não deixando de se qualificar (Especial Concursos Públicos108).

106 Oportunidades Cursos & Concursos, ano 6, edição 336,Vitória, 15-21 set, 2009. 107 Oportunidades Cursos & Concursos, ano 6, edição 334,Vitória, 01-07 set, 2009. 108 Oportunidades Cursos & Concursos, ano 6, edição 330,Vitória, 28 jul – 03 ago, 2009.

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133

A parte final da citação faz referência ao discurso da qualificação, como parte

do que circula sobre o mundo do trabalho e o que tem impacto na construção dos

projetos profissionais. Barbosa (1998) também indica que inúmeras publicações

dirigidas a empresários e executivos, trazem quantidade expressiva de informações

sobre as necessidades de se investir em cursos de formação para obter uma boa

qualificação no mercado. A referência aos cursos de direito e de administração já é

parte da realidade dos cursinhos. Em geral, as salas se dividem em áreas humanas,

exatas e biomédicas, cujo critério de divisão reside na especificidade das provas

discursivas de vestibular. Como afirma Hanna: “Tem uma pessoa ou outra que vai

fazer alguma coisa assim considerada mais excêntrica. O que é diferente é

considerado excêntrico, mas a maioria vai fazer direito, medicina e engenharia”. Mas

apenas os tradicionais nichos de mercado das classes médias apesar de se

manterem, agregam outros, algo que percebi na análise quantitativa: “Tem agora

administração, muita gente fará esse curso. Até criaram a turma de “humanatas”

(humanas com exatas) para o pessoal que vai tentar administração. O ano passado

não tinha, eles criaram esse ano. A prova discursiva deles é de História e

Matemática”109. Numa das edições de setembro de 2009110, na reportagem “Saiba

escolher a profissão certa”, o curso de administração aparece como o mais

procurado:

Entre as ofertas, o curso de administração continua sendo o preferido dos brasileiros, pois costuma, ano a ano, ser a formação mais almejada por estudantes. Segundo dados do Censo da Educação Superior, divulgados pelo MEC, a carreira registrou em 2007, cerca de 17% do total das matrículas nas instituições de ensino no país.

Isso tudo indica uma interação entre mídia e práticas sociais. Além de o curso

de administração, outros cinco são apontados na revista como os mais procurados:

direito, engenharia, pedagogia, comunicação social e enfermagem. Os dados

quantitativos permitiram-me observar essa procura, exceto a de comunicação social.

Questões ligadas ao mercado de comunicações, no Estado, interferem nos

números: “O mercado do Espírito Santo é ruim para a área de comunicações. Se um

aluno quiser tem que ir para o Rio de Janeiro ou São Paulo”111. Pedagogia e

109 Fala da coordenadora do curso pré-vestibular privado. 110 Oportunidades Cursos & Concursos, ano 6, edição 336,Vitória, 15-21 set, 2009.

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enfermagem estão, de fato, entre os cursos mais procurados por estudantes no

curso pré-vestibular público, o que é indicativo de como se estabelecem certos

nichos profissionais. Na reportagem “Profissões Promissoras”112, há indicação de

algumas profissões nas quais se poderá construir uma carreira de sucesso, com

indicação dos respectivos cursos a serem feitos: administrador de correntes virtuais

(administração, comunicação social e tecnologia da informação), gestor de

segurança na internet (engenharia da computação, sistema de informação e ciência

da computação), engenheiro de rede (diversas engenharias, sistema de informação

e ciência da computação), consultor de carreiras (administração, psicologia e

recursos humanos), gestor de relações com o cliente (administração, marketing e

psicologia), gestor de grandes cidades (engenharias, administração, sociologia e

geografia), coordenador de atividades de lazer e entretenimento (pedagogia,

educação física e psicologia), especialista em ensino à distância (psicologia e

pedagogia), gestor de empresas do terceiro setor (serviço social, sociologia e

administração) e especialista na preservação do meio ambiente (engenharia

ambiental e biologia). Destaco que essa última reportagem não menciona o curso de

medicina e, na anterior: “o tão disputado curso de medicina, por exemplo, aparece

apenas na 16ª colocação entre as áreas com mais matrículas”.

Apesar dessas tendências e toda a diversidade de cursos superiores listados,

a busca ainda está muito centrada nos cursos tradicionais de direito, medicina e

engenharias (procuras mais recentes também crescem no curso de administração).

O curso de engenharia é, em parte, procurado devido a uma demanda histórica, o

de direito em função dos concursos, como já citados, mas, e o de medicina? Isso

revela que não apenas o mercado, ou as informações sobre ele, tem impacto sobre

os projetos profissionais. Sentidos culturais outros, transmitidos em família, parecem

ter um grande peso na busca de prestígio de profissões tradicionais. É claro que as

pessoas circulam por espaços múltiplos cujos sentidos se constroem de maneiras

diversas.

111 Fala da coordenadora do curso pré-vestibular privado. 112 Oportunidades Cursos & Concursos, ano 6, edição 330,Vitória, 04-10 ago, 2009.

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135

2.4.2 O que circula sobre os projetos profissionais?

A análise de como essa produção midiática funciona como elemento

mediador das relações sociais, faz parte do tema: “Como escolher?”. Em geral, a

revista lança mão do artifício da cientificidade do campo profissional e da

credibilidade da opinião de um especialista sobre a questão. A revista, então, fala

por meio da voz desses profissionais investidos de poder ao dizer, com autoridade,

algo sobre a questão. Trago a fala de uma psicóloga que dá dicas de como escolher

uma profissão:

Não escolha a carreira em função dos seus pais, não deixe questões como o salário e status decidirem por você. Lembre-se que quando fazemos algo que gostamos temos mais chances de ser bem-sucedidos. Deixe-se guiar pela sua vocação. Ensina a especialista [...] (p.12)113

É possível sinalizar uma expressão romântica que se mistura aos sentidos

ligados ao sucesso. No caso, a indicação é de ‘fazer o que se gosta’ sem se

preocupar com salário e status. A menção à vocação também remete a sentidos

românticos. Ou seja, cada um tem um “dom divino”, uma vocação que já nasce com

as pessoas. Na outra matéria, “Saiba escolher a profissão certa para você”114, a

recorrência ao saber do especialista também se faz; “os especialistas em orientação

profissional dizem que é preciso estar atento ao que gosta de fazer, quais suas

habilidades e o que mais o motiva” (p. 2), uma visão pautada nos individualismos

modernos, e continuam: “Os especialistas aconselham o estudante a consultar os

pais e amigos sobre a escolha de carreira. Desde que tenha em mente que a

decisão é dele. Assim, não se sinta tentado a fazer medicina só porque há uma

geração de médicos na família” (p. 2). O reforço do ideal liberal é parte do que

circula nessa mídia impressa. A edição 333115 traz como chamada a indicação de

Silvio Bock, um importante especialista sobre “vocação”: “Vocação, Silvio Bock tira

as dúvidas na hora de escolher a profissão”. Cabe destacar que esse autor é

contrário ao conceito de vocação e, provavelmente, a chamada da capa assim foi

feita para “atrair o público leitor” como revela o editor da revista, numa entrevista

113 Oportunidades Cursos & Concursos, ano 6, edição 330,Vitória, 04-10 ago, 2009. 114 Oportunidades Cursos & Concursos, ano 6, edição 336,Vitória, 15-21 set, 2009. 115 Oportunidades Cursos & Concursos, ano 6, edição 333,Vitória, 25-31 ago, 2009.

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concedida em agosto de 2009. Isso, em parte, contribui para a construção de

equívocos. Tenta-se chegar ao leitor a partir de um sentido comum do conceito,

mas, ao mesmo tempo, reforça-se a ideia de vocação que muitos psicólogos, entre

os quais me incluo, desejam superar. Como os sentidos são sempre múltiplos na

reportagem em questão a revista pergunta a Bock, o que deve ser levado em

consideração na hora de definir uma escolha? Ele responde:

Interesse, desempenho pelas disciplinas escolares; realização pessoal; mercado de trabalho; conhecimento mais profundo possível à respeito das profissões; expectativas familiares; sonhos e desejos pessoais; vestibular; autoconhecimento; conhecimento da realidade econômica, social e política da região, do Brasil e do Mundo; condições financeiras da família; formação educacional; conhecimento das Instituições de Ensino Superior que oferecem os cursos desejados; e Habilidades já desenvolvidas (p. 03).

É uma perspectiva diferente das duas anteriores que centram as análises no

indivíduo. Bock atenta para questões mais amplas e específicas do campo de

experiência do sujeito, visão também sustentada nessa pesquisa. O exame da mídia

é percebido como espaço de produção e reprodução de significados, no qual se

representa e se propaga códigos culturais diversos que também estão no meio

social. Segundo Fausto Neto (2006), a mídia constitui-se numa nova ordem tecno-

simbólica, num dispositivo de organização social: “A nova vida tecno-social é origem

e meio de um novo ambiente, no qual institui-se um novo tipo de real, que está

diretamente associado a novos mecanismos de produção de sentido, nos quais

nada escaparia das suas noções de inteligibilidade” (p. 3). Prefiro concluir que os

meios de comunicação são sim, capazes de reelaborar o caráter simbólico da vida

social, porque tanto interferem na produção e no intercâmbio da informação e dos

conteúdos simbólicos em circulação no meio social quando sofrem a interferência

desse meio. Assim, transformam e são transformados, considerando-se que são

partes dos espaços nos quais os indivíduos também se relacionam entre si, movidos

por referências que estão dentro e fora deles.

Além disso, a comunicação da mídia é sempre contextualizada, ou seja, vive

contextos sociais que se estruturam de diversas maneiras; por sua vez, os meios de

comunicação conhecem impactos daquilo que está sendo produzido no meio social.

A dialeticidade dos meios de comunicação, afirma Thompson (2008), mesmo em

situações estruturadas da comunicação midiática vê-se diante de receptores; mas

“[...] os receptores têm alguma capacidade de intervir e contribuir com eventos e

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conteúdos durante o processo comunicativo”. É o que o editor da revista revela: “a

revista tem que acompanhar as tendências, nós precisamos do público. Se você

observar a capa hoje é com uma página da internet, textos curtos, um principal e

outros ao lado como se fossem hiperlinks, isso para quê Para atrair o leitor”. Além

disso, sobre o próprio conteúdo das matérias afirma que as pessoas ligam ou

mandam e-mail comentando e, por isso, a mídia não pode ser impositiva. A mídia,

portanto, não cria sentidos com finalidades manipulatórias. Como dispositivo social

ela interage com os atores sociais, produzindo e reproduzindo sentidos, que

circulam no campo da cultura.

2.5 Sentidos civilizadores e projetos profissionais

Os sentidos civilizadores de uma experiência humana, como destaca Elias

(1990), podem ser configurados num dado rumo dos acontecimentos; trata-se de um

sentido que move as histórias particulares, mas, também, a própria história humana

coletiva. Os indivíduos deslocam-se entre contextos hierarquizantes,

individualizantes e igualitários ou não, e, por isso, partilham diferentes códigos em

função de situações e planos diferenciados que estão em suas trajetórias de vida. O

processo civilizador pode ser entendido como uma concepção social e política do

“humano” e, como tal, faz parte da cultura. Isso significa que os sentidos são sempre

múltiplos como já indicado. Esses sentidos são inventados e reinventados no campo

das experiências humanas. Passam, portanto, pelas sensibilidades. Assim, o desejo

de sucesso, o medo do fracasso, fazer o que se gosta, querer um curso superior, o

desejo de ser mais especializado, entre outros são razões e sentimentos que

encontrei no campo de experiência investigado.

É claro que as razões e sentimentos dos indivíduos, além de serem múltiplos,

também se modificam, como no caso de Gabriele116 que acaba descobrindo os

dissabores da profissão, ligada ao magistério e parte para outros caminhos: “É uma

pena que a educação seja tão desvalorizada no país. Sempre quis lutar por um

mundo melhor, mais justo, mas cansei. Acho que isso não vai acontecer, não é

interesse do governo. Então vou tentar de outras formas.” Em outros casos, 116 Mulher branca, 16 anos, classe C, estudante do curso pré-vestibular privado.

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conciliam-se outras razões e sentimentos. Lívia117 não escolhe medicina apenas em

função de sentidos românticos, mas, também porque faz parte de um projeto de

família e é uma “profissão boa, o retorno financeiro que dá é bom”. Na trajetória de

Isabela o desejo de dedicar-se à arte é conciliado com uma profissão apontada

como “do futuro”. Processos sociais tão abrangentes assumem, então, diferentes

sentidos em função da interação de indivíduos e suas redes de relações. Nesse

sentido, destaca-se o fenômeno da negociação com a realidade, visto em seus

múltiplos planos. Nele inclui-se o problema das diferenças como elemento

constitutivo da sociedade. Não só conflitos, mas trocas, alianças e outras formas de

interação efetivam-se nas trajetórias: “O fenômeno da negociação com a realidade,

que nem sempre se dá como um processo consciente, viabiliza-se por meio da

linguagem no seu sentido mais amplo, solidária, produzida e produtora da rede de

significados, de que fala Geertz.” (VELHO, 1999, p. 22). O campo de possibilidades

refere-se a “alternativas construídas do processo sócio-histórico e com o potencial

interpretativo do mundo simbólico da cultura.

117 Mulher branca, 15 anos, classe A, estudante do curso pré-vestibular privado.

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3 RAZÕES, SENTIMENTOS E FEMINIZAÇÃO DE PROFISSÕES

Os lugares assumidos por vestibulandos/as de Vitória, ES, expressam

algumas de suas formas de percepção e de atuação na vida social. No interior de

seu campo e nesses lugares de experiências, sensibilidades se constroem118. Com

isso, não estou pressupondo nenhum tipo de determinismo tributado às relações

sociais, sejam de gênero, de classe, de raça ou cor de pele e de idade no processo

de construção de projetos profissionais que esses sujeitos enunciam. Mas, como já

afirmei, anteriormente, não observar lugares sociais e outras especificidades do

campo social desses sujeitos, seria tratá-los de modo essencialista e universal,

numa abordagem genérica e a-histórica, independente das condições pessoais e do

meio em que vivem119. Os/as entrevistados/as, portanto, têm classe, cor ou raça,

gênero, idade; vivem, sentem, pensam e constroem suas percepções sobre o

mundo a sua volta a partir de contextos específicos, sempre múltiplos. Trata-se,

então, de examinar suas experiências de vida admitidas como um “campo de

possibilidades” (VELHO, 1999), nos quais se entrecruzam processos sociais

múltiplos, conectados de forma rizomática (GUATTARI; DELEUZE; 1997), para

compreender os sentidos de seus projetos profissionais, aí criados e recriados.

Pode-se admitir nesse campo certos sentidos civilizadores (ELIAS, 1990), de

histórias por se fazer e conhecer. Nessa medida, ao tentar compreender razões e

sentimentos que emergem das experiências dos jovens de Vitória, ES, e que movem

seus projetos em relação a uma futura profissão, deparei-me, dentre tantos, com

sentidos produzidos no campo do gênero. Esse é um tema ainda pouco considerado

nos estudos sobre “orientação profissional” e “escolhas profissionais”120.

Ao assumir que a constituição do feminino e do masculino não são dadas pela

natureza, as considerações desse capítulo recorrem à reflexões sobre Joan Scott,

118 A noção de campo é usada por Bourdieu (2004), para se referir a um “microcosmo dotado de leis próprias”. Os campos constituem-se em lugares de relações de força “que implicam tendências imanentes e probabilidades objetivas. Um campo não se orienta totalmente ao acaso. Nem tudo nele é igualmente possível e impossível em cada momento” (p. 27). O campo é um tipo de jogo social no qual as próprias regras sociais são postas em jogo. 119 Sobre o assunto, ver: MARTINS, Ana Paula Vosne. Possibilidade de diálogo: classe e gênero. Campinas, SP, História Social, n. 45, p. 135-156, 1997/1998. 120 Embora o tema relações entre orientações de gênero e escolhas profissionais, seja pouco explorado na área da Psicologia, há importantes trabalhos que articulam gênero à história de algumas profissões. Em contribuições mais recentes sobre gênero e Serviço Social temos trabalhos desenvolvidos por Silva (1998, 2005 e 2009), e Simões (2005, 2007).

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140

segundo a qual gênero é “um elemento constitutivo das relações sociais fundadas

sobre as diferenças percebidas entre os sexos” (1990, p. 14), e expresso

culturalmente. Por legitimar e construir relações sociais, o campo do gênero

engendra relações de poder e sistemas de dominação nas interseções com outras

relações sociais.121 Numa aproximação com os estudos de Michel Foucault (1997,

2004), o poder não é compreendido como uma polaridade fixa, ou como uma

propriedade que os homens possuem e que, por isso, exercem dominação sobre as

mulheres, mas como um feixe de relações sociais, construído socialmente. Isso

confere ao conceito de gênero um caráter relacional. Os papéis femininos e

masculinos são, portanto, construídos social e historicamente, forjando-se nessas

interseções; nelas, relações de poder, com seus muitos significados e usos, estão

na vida pessoal e social de cada dia.

No mundo do trabalho, sobretudo, lugares femininos e masculinos são

reafirmados individualmente, quase de maneira inconsciente, e informam decisões e

direções dos projetos profissionais. Os projetos de alguns entrevistados parecem

carregar a marca constitutiva desse campo de relações sociais, e revelam-nos certas

trajetórias de vestibulandos/as que se preparam para o ingresso em cursos

superiores da Universidade Federal do Espírito Santo. Algumas questões presidiram

a orientação desta análise: Que lugares sociais homens e mulheres têm ocupado no

mercado de trabalho? De que modo as relações de gênero impactam a construção

de projetos profissionais? Esses projetos profissionais reafirmam/ negam a equidade

de gênero? Para tratar dessas questões, dois movimentos de pesquisa revelaram-se

procedentes: um, no sentido de desvendar, na atualidade, se a perspectiva da

equidade de gênero se enuncia na formação educacional e na inserção no mercado

de trabalho; outro, no sentido de verificar, posteriormente, com base nas trajetórias

de entrevistados/as, em que medida os projetos de carreiras reafirmam/negam

lugares e mecanismos de exclusão/inserção do feminino e do masculino. E em que

medida, traduzem também continuidades/rupturas de tendências.

121 Segundo Costa e Suíte (2008, p. 30), as noções que presentes nos movimentos feministas por direitos e cidadania expressa “a complexidade das relações entre de sexos, vistas nas interseções de outras relações sociais: não mais restrito à oposição homem versus mulher, nem tampouco às oposições de sexos e classes, como nas abordagens feministas de corte marxista, os estudos de gênero inauguram a chamada para as revisões desse campo”. Para uma discussão da matéria no campo marxista, ver: MARTINS (1997/1998).

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141

3.1 Gênero e profissão: equidade na formação e no mercado de trabalho?

No sentido corrente na língua portuguesa, o termo “equidade” indica formas

de pensamento e ação que obedecem a critérios de justiça e igualdade. As

condições de existência de homens e mulheres, nos mais variados campos como

política, economia, religião, trabalho, vida privada, pouco tem revelado desse

sentido. Temas como ‘igualdade entre os gêneros’ e ‘empoderamento das mulheres’

(vinculado a maior participação da vida pública e acesso aos níveis mais elevados

de escolaridade)122 estão, inclusive, entre as metas de desenvolvimento do milênio,

em compromissos firmados por líderes do mundo inteiro, em 2000, o que mostra

que a equidade de gênero ainda se desenha num horizonte de futuras conquistas.

Diversas lutas são e foram travadas no mundo inteiro, sobretudo pelos

movimentos feministas, Conquistas foram efetivadas garantindo direitos, antes

negados às mulheres: direito ao voto, direito à escolarização, à participação na vida

pública, a acesso a postos de trabalho, entre outros. Atualmente, as mulheres são

maioria nas escolas e possuem, em média, mais tempo de estudo do que os

homens. O gráfico do IBGE (anexo 1) mostra que nos anos de 2006, 2007 e 2008 o

número de mulheres com mais de 11 anos de escolaridade foi superior ao dos

homens. Mas, as conquistas educacionais das mulheres ainda não são

acompanhadas de grandes mudanças no mundo do trabalho, como se observa no

relatório global de 2002, da Organização Internacional para o Trabalho:

As oportunidades de emprego para as mulheres aumentaram, e estas assumiram carreiras anteriormente consideradas exclusivas dos homens. Apesar disso, e das conquistas educacionais das mulheres, a remuneração que recebem é, em média, inferior a dos homens. É também difícil para as mulheres conciliar as obrigações familiares com o trabalho remunerado, sem prejudicar as suas oportunidades de promoção ou de aprimoramento de suas competências. No entanto, mesmo quando conseguem ultrapassar estes obstáculos, ganham menos que os homens 123.

Diversos autores, entre eles Bruschini (2007), Dedecca (2008), Hirata e

Kergoat (2008), Schweitzer (2008), e Salas e Leite (2008), tem constatado 122 Níveis de escolaridade mais elevados articulam-se com o empoderamento das mulheres na medida em que isso significa maiores acessos à oportunidades de trabalho e, com isso, o aumento da qualidade de vida delas e de suas famílias. O empoderamento reflete-se não apenas no aumento do potencial de geração de renda, mas significa mais autonomia nas decisões, controle sobre a vida pessoal e maior participação na vida pública. 123 Relatório Global 2007 da Organização Internacional do Trabalho, disponível em http://www.oitbrasil.org.br/ . Acessado em 23/06/2010.

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exatamente isso: um crescimento da atividade feminina124 nos últimos anos no

Brasil, sobretudo, a partir da década de 1970. E, em contrapartida, mesmo com o

aumento da escolaridade e o ingresso nas universidades – o que representa

condição de acesso a novas oportunidades de trabalho – não houve igualdade nos

ganhos, acessos e oportunidades entre homens e mulheres no mercado de trabalho.

Há números nacionais que também dão respaldo às afirmações. Segundo o Instituto

Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a participação da mulher na População

Economicamente Ativa (PEA) aumentou 2,5%, em 2003 – entre os homens esse

número cresceu 1,6% – a taxa de atividade feminina no mercado de trabalho

permaneceu inferior a masculina, 50,7% da população feminina contra 72,9% da

população masculina125.

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudo

(DIEESE) o desemprego, no Brasil, atinge mais a população feminina126. Além do

desemprego, a distribuição dos empregos nos setores de atividade econômica, o

tipo de vínculo e os ganhos não favorecem as mulheres127. Além disso,

independentemente da jornada de trabalho, os rendimentos das mulheres são

inferiores ao dos homens: em 2002, entre aqueles que trabalhavam em período

integral, 57% das ocupadas e 51% dos ocupados ganhavam até 02 salários

mínimos, por outro lado, os ganhos acima de 5 SM, estavam entre 16% dos homens

e 13% das mulheres.

A segregação da mulher no trabalho não se faz de forma única. Dois tipos de

segregação podem ser apontadas: a segregação salarial e a segregação

ocupacional, também chamada de segregação setorial por gênero, caracterizada

124 A População Economicamente Ativa feminina passou, do início dos anos 1970 até 2005, de 28 milhões para 41,7 milhões, a taxa de atividade aumentou de 47% para 53% e a porcentagem de mulheres no conjunto de trabalhadores cresceu de 39,6% para 43,5%. Estimou-se que 40% do total trabalhadores eram, em 2005, do sexo feminino e mais da metade das mulheres em idade ativa estavam trabalhando. 125 Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Informações disponíveis on-line: www.ibge.gov.br. Acessado em 23/06/2010. 126 Mais informações consultar: Convênio DIEESE/SEADE, MTE/FAT e convênios regionais. PED - Pesquisa de Emprego e Desemprego. Elaboração: DIEESE. Informações disponíveis em: http://www.dieese.org.br/ped/bd/mercadotrab.xml. Acessado em 10 de março de 2009. 127 Na Grande São Paulo, pelo menos nos últimos dezoito anos, a taxa de desemprego feminina sempre foi maior que a masculina. Além disso, é tênue a linha que demarca o desemprego e a inatividade feminina: as mulheres que não trabalham podem ser facilmente deslocadas do desemprego para a inatividade em função das representações sociais que permitem colocá-la como “dona de casa”, o que não ocorre com um homem desempregado (AQUILINI; COSTA, 2003). Isso pode revelar que o número de mulheres que estão excluídas do mercado de trabalho em função pode ser ainda maior do que revelam as estatísticas.

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pelas chances diferenciadas de homens e mulheres ocuparem ofícios de maior

prestígio. Estudos sobre a discriminação salarial estão em diversos trabalhos128. Em

2005, no Brasil, 64% das mulheres ocupadas que trabalham uma jornada em

período integral, recebem até dois salários mínimos, enquanto que os homens

representam 58% dos ocupados, segundo Bruschini, Ricoldi e Mercado (2008).

Entre as mais escolarizadas a discriminação é maior a dos trabalhadores com nível

superior, e que recebem mais de cinco salários mínimos, pois destes 62% são

homens e apenas 35% mulheres.

É de fato possível que se pague menos à mulher que desempenha a mesma

função masculina, no mesmo ambiente de trabalho. Mas, essa prática vem

diminuindo em função da convenção 100 da Organização Internacional para o

Trabalho (OIT), que estabelece “salário igual para trabalho igual”. Ao que tudo

indica, então, o maior fator que explica as desigualdades de gênero no trabalho é,

portanto, a segregação setorial e ocupacional por gênero. Ou seja, os menores

salários femininos podem ser explicados, pelo fato de as mulheres concentrarem

suas atividades profissionais em áreas de menor prestígio econômico e social.

Isso significa que há uma concentração das mulheres em trabalhos

considerados precários do ponto de vista da proteção social, do tipo de vínculo e das

condições de trabalho. Há nichos de empregos, tipicamente femininos, como o

emprego doméstico no Brasil, em que predominam situações precárias com baixos

salários, baixo índice de registro da carteira de trabalho e longas jornadas de

trabalho (BRUSCHINI; RICOLDI; MERCADO, 2008). É possível observar a

persistência das mulheres em algumas profissões como enfermagem (89% de

participação das mulheres), nutrição (93%), assistência social (91%), psicologia

(89%) e magistério pré-escolar (95%), fundamental (88%) e médio (74%)129,

profissões menos valorizadas socialmente cujos salários são mais baixos. Profissões

de nível técnico também são, predominantemente, femininas como secretárias,

128 Cambota e Pontes (2007), investigam a “desigualdade de rendimentos por gênero para indivíduos alocados em grupos ocupacionais idênticos”, cuja base de dados foi a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicilio (PNDA) de 2004. Apesar de verificar que os anos de experiência das mulheres eram superiores ao dos homens e que o nível educacional também, os dados mostraram que a média salarial feminina é menor nas mesmas ocupações. O rendimento-hora médio encontrado para mulheres e homens, respectivamente, foi para funções como “dirigentes em geral” de: 11,36 e 15,16, o que representa menos 25,09 % para as mulheres. Essa diferença percentual negativa para as mulheres também se observa nas demais ocupações: profissionais das ciências e das artes (-45,97%), técnico de nível médio (-28,53%), trabalhadores administrativos (-24,32), trabalhadores dos serviços (-28,53%), trabalhadores do comércio (-23,73%), trabalhadores agrícolas (-18,36%), trabalhadores da produção de bens e serviços (-30,83%). 129 Dados trazidos a partir das pesquisas de Bruschini e Lombardi (2000) e Bruschini, Ricoldi e Mercado (2008).

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auxiliar de contabilidade e caixas. Em contrapartida, os homens ocupam posições de

maior prestígio social, nas quais se concentram os maiores rendimentos. Mas, como

explicar toda essa falta de equidade entre homens e mulheres no trabalho?

A fisiologia e anatomia, diferente, de homens e mulheres deu margem a uma

série de práticas discriminatórias ao longo dos tempos. “A crença na inferioridade

intelectual e em suscetibilidades emocionais, ambiguamente, compõe o pensamento

igualitário do século XVIII; contra ela lutam as mulheres.” (COSTA; SOIHET, 2008, p.

32). A busca por igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres

constitui-se, então, um sentido civilizador dentre outros das práticas humanas, nos

três últimos séculos. Esse sentido traduz bem a perspectiva da história vista como

um horizonte de expectativas, como percebe Koselleck (2006); ele situa uma certa

direção dos movimentos expressos em diferentes experiências humanas. Daí, a

compreensão do sentido dos movimentos feministas: pois são emblemáticos de

lutas por igualdade. Para compreender suas diferentes configurações, afinal, apesar

de um movimento universal, não é único, nem a-histórico. Por sua vez, ele tem

diferentes periodicidades no tempo e espaço.

Nesse sentido, Costa (2009b), associa-se as críticas feitas pela historiadora

Joana Maria Pedro quanto à noção de onda, como um marcador universal de

intervalos de tempo para as mais diversas experiências feministas. Em geral, nesse

modelo, aplicado à história do Ocidente, a primeira onda feminista diria respeito

àquela na qual se expressa manifestações feministas do século XVIII pelo “

igualitarismo de direitos entre homens e mulheres” (p. 5), em função de uma

racionalidade moderna. Os ideais igualitários revolucionários, de então, não

eliminaram, entretanto, a exclusão das mulheres. Ao contrário, como afirma Scott

(2002), as mulheres nesse tempo e nos seguintes, têm afirmado o paradoxo da

diferença, afirmando a condição feminina - que se pretende eliminar – como modo

de afirmação de direitos. A segunda onda é localizada após o ano de 1968 que

conduz à proposição radical da diferença entre identidade feminina e masculina,

indica Costa (2009b, p. 5). Constitui-se, principalmente, como prática feminista,

sexista e separatista. A terceira onda, mais recente, busca “reconciliar o tempo

maternal (cíclico e monumental) com o linear (político e histórico)” 130. Conclui o

mesmo texto:

130 KRISTEVA apud COSTA, 2009b, p. 5.

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De fato, embora esse seja um dilema feminino de longa duração histórica, essa geração, mais do que as anteriores, vai-se empenhar, em grande medida, em soluções destinadas a vencer ou atenuar tensões decorrentes do crescente trânsito das mulheres entre as esferas pública e privada, ampliadas na formidável presença feminina na vida social do século XX.

Mais do que apontar tendências conceituais sobre as relações de gênero,

essas ondas restringem-se à práticas de homens e mulheres de uma dada

conjuntura, embora expressem ações de tempos múltiplos. A critica à noção de

onda, então, desvenda que certas tendências que marcam o comportamento

feminino e masculino, numa dada conjuntura, sinalizam rupturas, mas também

continuidade de processos históricos, nem sempre percebidos. Apesar de uma

tendência mais geral afirmar, elementos anteriores como os que irrompem do

subterrâneo e apontam tendências, por vezes, entrelaçam-se. Para perceber isso,

reafirma Costa (2009 b), a utilidade da metáfora do rizoma, indicada por Guattari, em

que “raízes, submersas e aéreas, trançadas e espalhadas de muitas formas e em

muitos terrenos de nutrientes vários, recuam e avançam, morrem e renascem, mas,

aqui e ali, dão noticias e deixam indícios de que, mais cedo ou mais tarde,

irromperão da terra ou não e terão sentidos a serem desvendados”( p.13).

Os processos sociais de um tempo, assim, apontam sentidos diversos. Ao

mesmo tempo em que tendem a perpetuar as desigualdades entre homens e

mulheres, expõem outros movimentos que marcam rupturas e promovem ganhos e

conquistas na afirmação da igualdade de direitos. Se por um lado, há um grande

número de mulheres que atuam em atividades precárias, ou menos favoráveis,

quanto ao vínculo, à proteção social ou às próprias condições de trabalho, como no

caso do trabalho doméstico, em atividades de produção para consumo próprio e

familiar e nas atividades sem remuneração, por outro, verificam-se mudanças de

direção oposta, como no caso da expansão da presença feminina em profissões de

nível superior de prestígio como arquitetura, direito, medicina e até as engenharias,

áreas consideradas masculinas (BARBOSA, 2003; BONELLI; 2005).

Essa tendência de crescimento dos projetos profissionais femininos, em áreas

nunca antes imaginadas, vêm acompanhada de uma “masculinização” de cursos,

tradicionalmente só habitados por mulheres, como serviço social, enfermagem,

arquivologia e pedagogia, entre outros. Um número expressivo de homens,

principalmente negros e pobres, tem procurado ingressar em cursos universitários

cuja exigência acadêmica é menor e que, por isso, permite a conciliação de trabalho

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e curso. As pesquisas desenvolvidas, pela Fundação Carlos Chagas, mostram que

nos espaços tradicionalmente feminizados, como educação, saúde e serviços

pessoais, há uma maior proporção de homens (30% versus 15% de mulheres). Isso

tudo sugere rupturas, transformações e manutenção de antigas formas acontecendo

ao mesmo tempo.

Todos esses dados, ajudam a uma aproximação de tendências à equidade

que estão nas experiências examinadas, embora nem sempre as expliquem. Mas,

falar de equidade de gênero no campo do trabalho não é tarefa simples. Há

fenômenos da longa duração que persistem, como a própria exclusão das mulheres

de espaços profissionais de prestígio, às tentativas femininas de conciliar a atividade

profissional “sem ameaçar sua mais ‘nobre’ missão – a maternidade”, como afirma

Costa (2009c, p. 3), e as próprias lutas por igualdade de direitos e oportunidades.

Tudo isso em meio a um conjunto de práticas de transgressões, lutas, conquistas e

perdas feitas por mulheres e homens engajadas/os ou não em movimentos

feministas. Esses “ritmos, construídos por homens e mulheres em suas práticas

sociais cotidianas, têm sentidos civilizadores, alguns bastantes singulares, por

conhecer” (COSTA, 2004, p. 104).

No campo das profissões, há uma primeira verificação sobre as relações de

gênero: papéis assumidos por homens e mulheres, no mercado de trabalho, estão

na base das desigualdades. Isso me leva a outras questões do mundo atual.

Examinar a feminização das profissões, como processo não linear e único é parte

constitutiva do campo investigado, exige adentrar as sensibilidades de homens e

mulheres que regem suas escolhas. Significa um esforço de compreendê-las como

significativas de razões e sentimentos de vestibulando/as presentes nas

possibilidades de definição de projetos profissionais. Por essa orientação, tento

distinguir razões e sentimentos que levam mulheres a optar por profissões

feminizadas. Mas, como os sentidos produzidos no campo do gênero não se dirigem

apenas às mulheres, discursos dos homens foram também examinados, forma de

adensar essas análises.

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3.2 Razões, sentimentos e projetos profissionais femininos

Na tentativa de responder a segunda questão proposta nessa pesquisa:

“Como as relações de gênero impactam os projetos profissionais?”, foi preciso

compreender sentimentos e razões indicadas por mulheres, que optam por cursos

tradicionalmente femininos. Para isso, busquei, então, penetrar a densidade do real

e desvelar, nas experiências observadas, mecanismos de dominação/resistência

que se atualizam na opção das carreiras profissionais. A trajetória de três mulheres

que demonstraram opção pelos tradicionais cursos superiores feminizados:

pedagogia, serviço social e enfermagem, ajudam a compreender, em parte, esses

movimentos. Como já afirmado, sentimentos e razões que movem à definição de

projetos profissionais nunca são únicos: parecem afirmar sentidos múltiplos e se

combinam com experiências emergentes do campo de possibilidades da qual os

sujeitos dispõem. Buscando um aprofundamento analítico, retomo, para isso,

elementos de trajetórias antes tratadas.

Liliam,131 deseja fazer pedagogia na Universidade Federal do Espírito Santo.

Trabalha na secretaria de uma escola e, à noite, estuda no curso pré-vestibular

PUPT (Projeto Universidade para Todos). Estudou sempre em escola pública e já

iniciou e largou, por duas vezes, um curso superior em instituição privada: um curso

de direito e um de administração. Ela é casada, e seu marido é motorista de ônibus

coletivo. Moram de aluguel na cidade de Vitória, não possuem filhos e, de acordo

com a renda do casal, pertencem a classe D. A segunda trajetória é de Maria,132 que

deseja fazer enfermagem na Universidade Federal do Espírito Santo. Maria fez o 2º

grau técnico em contabilidade, depois fez o curso de magistério e, posteriormente,

um técnico em enfermagem. Está desempregada, mas ajuda o marido na sapataria.

Sempre estudou em escola pública e também faz pré-vestibular no PUPT. Não

possuem filhos, moram de aluguel em Vitória e, conforme a renda do casal,

pertencem a classe D. A terceira trajetória é de Patiane133, um que deseja fazer

serviço social na Universidade Federal do Espírito Santo. Patiane já foi casada,

separou-se e hoje mora com a irmã casada, porque os pais não aceitam que ela

131 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 132 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público. 133 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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volte para casa. Trabalha com mosaico numa cooperativa de Vitória, como

estagiária, e recebe menos de um salário mínimo. Somando sua renda, com a da

irmã e a do cunhado, a classificação conforme o IBGE é classe E. Ela fica pela

manhã em casa “cuidando” da sobrinha para a irmã ir trabalhar. À tarde, vai para a

cooperativa e, à noite, estuda no PUPT.

Além de o fato de serem mulheres e estarem preparando-se para ingressar

no Ensino Superior, todas estão optando pelos tradicionais cursos feminizados. Uma

fará pedagogia, a outra fará serviço social e a outra enfermagem. Numa observação

inicial, percebo que todas elas associam seus projetos a sentimentos que emergem

de uma dada experiência exclusiva das mulheres, ao se definirem como mãe,

esposa e filha nos mais variados territórios que ocupam e em que circulam.

Admite-se que o relato de experiência dessas mulheres, de alguma forma,

pode traduzir a materialidade dos sentimentos que as leva a optar por cursos

feminizados, pensada nos sentidos civilizadores (ELIAS, 1990), “produzidos” ou

“relacionados” (não sei qual a melhor expressão) ao campo do gênero que parecem

impulsionar seus projetos profissionais. Nas memórias dessas mulheres, localizei

motivações e sentidos de ações das alunas investigadas. As memórias, segundo

Velho (1999), são constituídas por experiências pessoais, sofrimentos, decepções,

mágoas, frustrações, desejos, amores, triunfos, traumas que dão sentidos à

existência humana. Essas memórias atualizam o passado a partir do testemunho. O

testemunho da memória “é fiador da existência de um passado que foi e não é mais.

O discurso histórico encontra ali certificação imediata”, segundo Chartier (2009, p.

23). Admite-se, pois, que as “relações entre projeto e memória dão significado à vida

e as ações dos indivíduos” (VELHO, 1999, p.). Examinar essas memórias e os

sentidos civilizadores que elas podem revelar, indica um enorme esforço de

selecionar partes de um imenso conjunto de possibilidades de compreensão do

movimento da história. Assim, animada pelo paradigma indiciário (GINZBURG,

2003), não perco de vista que alguns indícios selecionados nessas trajetórias podem

aproximar-me desse vasto campo de experiências humanas para pensar projetos

que nele estão sendo construídos, a partir de um dado horizonte de expectativas. A

complexidade e a multideterminação do fenômeno aqui tratado, indicou a pertinência

de revistar trajetórias por revelarem os sentidos civilizatórios (ELIAS, 1990),

emergentes da rede subterrânea e rizomática da qual o real se compõe.

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3.2.1 “Gostar de crianças”: razões e sentimentos ligados à maternidade

Eu escolhi pedagogia porque é uma área que eu acho que me identifiquei. Eu gosto de trabalhar com criança, eu me dou bem com elas... Eu gosto de criança. Eu sei cuidar de criança... [grifo nosso]. Então isso também contribuiu para minha escolha.

Liliam,134 expressa sentimentos de seu gostar de crianças como parte daquilo

que a leva a definir seu projeto profissional. Antes, essa mesma entrevista foi útil

para localizar outras razões e sentimentos que a fizeram buscar o curso superior de

pedagogia, localizados em sociabilidades pertinentes à experiências de trabalho e a

sua busca de autonomia na satisfação de necessidades de sobrevivência. Sua

opção é em parte motivada, como diz, pelo fato de não ter tempo para se dedicar a

estudos mais complexos e querer um curso rápido e mais fácil “de passar”, tudo isso

avaliado, pois, como condições colocadas em seu campo de possibilidades. Mas,

dentre os cursos mais fáceis, por que teria ela optado especificamente por

pedagogia? É aí que sua trajetória atravessa o campo do gênero, o que direciona

seu projeto profissional. O “gostar de crianças”, “gostar de trabalhar com crianças”,

“saber cuidar de crianças” são sentimentos que orientam suas ações. Revelam

disposições pertinentes a seu meio cultural, produzidas por significados que

estabelecem nexos entre “cuidados infantis” e o universo feminino. Esses sentidos,

atualizam-se nas razões e sentimentos de Liliam135, mas não só. Sensibilidades

partilhadas por muitas outras mulheres e homens de diferentes tempos históricos

revelam semelhantes sentidos. Trata-se, portanto, de uma regularidade histórica a

ser percebida e destacada, entendendo a força de sentidos civilizadores como

propõe Elias (1990), presentes na história dos costumes; nela se definem lugares

femininos e masculinos e forjam-se sensibilidades desse nosso tempo e de outros

tempos.

Gostar de criança é um sentido que se liga à maternidade. Trata-se de um

fenômeno moderno consolidado com o avanço da industrialização e modernização

do século XX. A invenção da maternidade é parte de um conjunto de transformações

do século XVIII, que faz emergir a ideia de amor romântico, a criação do lar e

mudança nas relações entre pais e filhos (GIDDENS, 1993). Já em fins do século

XIX, há um “declínio do poder patriarcal” com o “maior controle das mulheres sobre a 134 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 135 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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criação dos filhos”. A partir daí, consolida-se uma ideologia que ressalta o papel

natural da mulher como mãe, e limita a função social feminina à realização da

maternidade. Trata-se de um fenômeno da longa duração na história das civilizações

modernas ocidentais. Marca o imaginário das mulheres de tal forma, que muitas

constroem representações e sentimentos autodepreciativos quando, por algum

motivo, não conseguem realizar a maternidade. Numa experiência de pesquisa de

iniciação científica, tive a oportunidade de examinar representações sociais da

infertilidade feminina, entre mulheres de diferentes estratos sociais e diferentes

idades136. Os principais elementos do campo das representações sociais sugerem

os seguintes significados: tristeza, incompletude, frustração, cobrança dos outros,

solidão, pessoa inferior, adoção, busca de soluções, entre outros, o que confirma a

forte vinculação do papel feminino à maternidade. Liliam,137 não poderá ser mãe

devido a uma infecção que a levou a tirar o útero. Esse ressentimento pode também

movê-la em direção ao curso de pedagogia, quem sabe uma possibilidade de

compensação de um desejo reprimido, processo consciente para ela: A área pedagógica me incentivou a mudar também por esse lado de carência. Não poder ser mãe do meu próprio filho, não poder ter o meu próprio filho... Então, acho que me fez criar a percepção que no trabalho eu vou lidar com muitas crianças, que eu vou poder cuidar de todos, proteger todos. É uma coisa suprindo a outra. Eu acho que se você não criar isso, não se compensar por um lado, acho que a vida já é frustrante!

Os padrões de maternidade também mudam em função das contradições

inerentes ao processo de industrialização e ao ingresso desigual das mulheres no

mercado de trabalho. Ao longo do século XIX, operárias começaram a associar a

maternidade ao trabalho fora do lar, instaurando uma lógica da dupla

responsabilidade como afirma Scavoni (2001). Essa lógica irá consolidar-se com o

avanço da industrialização, e a tomada de consciência das mulheres sobre a

conhecida dupla jornada de trabalho feminina o que advém dessa experiência de

sofrimentos e ressentimentos. Para que as mulheres façam parte da vida pública e

adquiram autonomia são necessários equipamentos sociais e transferência de

maternidade da esfera privada para a pública. As mulheres, em diferentes tempos,

136 Participei como atividade de Iniciação Científica da pesquisa “Saúde Reprodutiva na Perspectiva Feminina” (1996-1997) coordenada por Zeidi Araújo Trindade. A pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). 137 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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organizaram e continuam organizando lutas por direitos que avançam, e por isso,

chegam a novos espaços profissionais.

Mais três relatos revelam um pouco dessa marcha nas tentativas de

“reconciliar o tempo maternal (cíclico e monumental) com o linear (político e

histórico)”, como indica Kristeva. Trata-se da conciliação de relações entre os muito

próximos: “É claro que não abro mão da minha profissão. Quero primeiro formar em

medicina. Mas não vou ser solteirona (tom depreciativo na fala)... Quero casar e

construir uma família”, afirma Lívia.138 O relato de Gabriele,139 também mostra

significados semelhantes: “Meus planos para o futuro... Casar, ter filhos, me formar,

construir uma família... Não pretendo abrir mão da carreira. Mas, vou dar uma

parada quando tiver filhos, depois retomo”. Brenda,140 também revela esses

sentidos: “Acho certo dividir os cuidados com os filhos. Mas, homem não tem muito

jeito com crianças. Se meu marido tiver dinheiro, fico em casa cuidando dos filhos”.

O que percebo é que independente da classe social, os gostos e as disposições

para a ação dessas quatro mulheres indicam tentativas de conciliar a maternidade

com a atividade profissional, o que é uma “regularidade de longa duração da história

das mulheres” (COSTA, 2009c, p. 3).

Esse é um sentido que perpassa a experiência, não apenas de mulheres. O

discurso de Luciano,141 reforça o ideal de uma mulher que concilie carreira com a

maternidade. Ele, atualmente, tem uma namorada que possui dois filhos, mas não

quer casar-se com ela: “Eu quero ter meus próprios filhos. Eu tenho vinte e um anos

e ela vinte e nove... Pretendo casar-me com uma mulher da minha idade, que tenha

pretensão de ter filhos e também uma carreira profissional”. Desejo forjado nas

relações que estabelece com o campo do gênero, e que atualizam imagens das

mulheres que buscam “reconciliar o tempo maternal (cíclico e monumental) com o

linear (político e histórico)”, como indicado.

No ingresso das mulheres na vida pública, o que se faz por diferentes vias, é

possível compreender racionalidades que acentuam a feminização de algumas

profissões. Cada tempo histórico produz formas específicas de trabalho feminino e

138 Mulher branca, 15 anos, classe A, estudante do curso pré-vestibular privado. 139 Mulher branca, 17 anos, classe C, estudante do curso pré-vestibular privado. 140 Mulher parda, 18 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 141 Homem branco, 21 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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veicula imagens e representações que os legitimam. O que interessa a esse trabalho

é compreender com que racionalidades constroem-se essa feminização, sobretudo,

na sociedade brasileira. O intuito não é recuperar a história para explicar o tempo

presente. Como se o presente estivesse sempre amarrado, numa linha contínua, ao

passado, como indica Sarlo (2007), afastando-me de tendências que situam grandes

explicações dos movimentos da história em justificativas sobre fatos do passado. É

fato que as instituições sociais, ou seja, àquilo que é criado, socialmente, e adquire

valor de verdade para guiar os comportamentos humanos atualizam formas de

funcionamento sociais passadas. Mas, a intenção não é fazer uma história que

“afogue o impulso a-histórico de produção da vida” (SARLO, 2007, p. 11), lembrando

pronunciamentos de Nietzsche contra o historicismo. Os projetos profissionais se

fazem, mas numa aliança com o futuro, com as expectativas e desejos criados no

presente vistos como o futuro do passado, lembra-nos Koselleck (op. Cit.).

Então, tendências como essa da feminização de profissões não pertencem ao

passado: atualizam-se no presente. Persistem como processos de longa duração,

atravessando o tempo histórico. A transposição de características consideradas

tipicamente femininas, como “cuidar” e “educar”, e admitir o espaço doméstico como

espaço privado seu e da família e sem sinal político, são algumas noções que

traçam características da profissionalização feminina. A saída da mulher para os

espaços públicos evidencia-se, com nitidez, sobretudo na economia mineira, dos

séculos XVII e XVIII, bastando lembrar o abastecimento de alimentos em tabuleiros

feito por mulheres negras e pobres (FIGUEIREDO, 2004). Isso se acentua no Brasil,

no final do século XIX, com a chegada da Família Real portuguesa. Projeta-se, neste

momento, um horizonte de novas expectativas e necessidades que faz com que o

governo amplie suas preocupações com a educação feminina, prevalecendo a

educação das mulheres da aristocracia para os salões e das mulheres comuns para

a gestão e o exercício de atividades ligadas ao espaço doméstico, à função de mãe,

cuidadora e provedora do bem estar da família.

A caminhada em direção à educação formal das mulheres no caso brasileiro é

lenta; por muito tempo seguiu tradições culturais ibéricas, reforçada por padres

jesuítas, como afirma Ribeiro (2007), nas quais as mulheres, vistas como seres

inferiores, dispensariam o aprendizado da leitura da escrita ou de qualquer outra

atividade que não estivesse vinculada ao espaço doméstico. Sabe-se, ainda, muito

pouco de saberes adquiridos pelas mulheres por diferentes meios; em geral, a

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educação feminina foi examinada no interior da ideia de reprodução da mentalidade

medieval portuguesa, já em crise na Europa, transportada para a colônia. Todavia,

estudos mais recentes, estão revendo essa, como a única orientação, considerando

pesquisas recentes de formas de sociabilidades que estimulam o desenvolvimento

de leitura e escrita por mulheres no espaço doméstico, ainda que tendo o início do

século XIX como referência142. De todo modo, a ideia é de que prevaleceria, nos

moldes medievais, mulheres submetidas à tutela masculina, sob o pátrio poder do

marido. Novos acontecimentos, alterados pela mudança da família real para o Brasil,

evidenciando-se, com a abertura dos portos, a intensificação da urbanização de

regiões brasileiras, a “quebra do isolamento de cidades” (DIAS, 1984). Alargam-se

as possibilidades sócio-culturais e o espaço de mobilização das mulheres. Um novo

estilo de vida burguesa se desenha no horizonte de expectativas das mulheres

brasileiras e, em função disso, haveria a mudança de hábitos e costumes familiares.

A abertura para a escolarização e, também, para a profissionalização feminina são

partes dessa mudança.

É fato que esse movimento se faz numa sociedade cujo modelo fundava-se

na propriedade rural e na mão de obra escrava, em modos de vida que tornavam de

pouca serventia a educação, e não somente das mulheres. Havia, portanto,

resistências à mudança. O ensino primário das mulheres, pela falta de interesse dos

pais na educação das filhas, e falta de professores qualificados, não é maciço. E

quando acontece é forte o conteúdo moral e ideológico, fortalecendo o papel

feminino como mãe e esposa (UNICEF, 1982). O ensino secundário, por sua vez, se

restringirá ao magistério. Como acrescenta Romanelli (1999), os graus mais

elevados de instrução são quase inacessíveis às mulheres durante o século XIX. A

chegada das mulheres ao Ensino Superior se faz com resistência e em alguns

casos, em fins do século XIX, acontecem por interferência direta de D. Pedro II143. E,

mesmo quando se criam decretos com vistas à garantia de participação feminina, a

exclusão do ensino secundário, coloca grandes restrições ao ingresso aos graus

mais elevados de instrução144. Na verdade, as mulheres vão abrindo espaço em

142 Sobre o assunto, ver: LEITE, Márcia Maria da Silva Barreiros. Entre a tinta e o papel. Memórias de leituras e escritas femininas na Bahia (1870-1920) Salvador: Quarteto, 2005. 143 Sobre o assunto, ver. RODEHN, Fabíola. Uma ciência da diferença: sexo e gênero na medicina da mulher. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2001. 144 Como indica Hahner (1981) a tônica estava na agulha e não na caneta visto que apesar da criação da escola de Niterói, em 1835, e da Bahia, em 1836, elas permaneciam com um número quase insignificante de matrículas.

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diferentes cursos superiores, mas, somente em 1961, com a Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Brasileira (LDB), com a garantia de equivalência dos cursos de

grau médio, é que houve reais possibilidades de acesso ao vestibular para as

mulheres normalistas.

Nesse movimento, final do século XIX e início do século XX, há avanços e

retrocessos. A urbanização facilita a entrada de diferentes ideologias filosóficas, em

desenvolvimento, no contexto de industrialização européia. O pensamento

escolástico, predominante no Brasil, passa a ser criticado por liberais, cientificistas e

positivistas que pregavam ideais republicanos (SODRÉ, 1970). Dentre esses ideais,

doutrinários de Comte recuperam e dão destaque ao papel da mulher na

estruturação da família: as mulheres, por serem consideradas mais altruístas e mais

virtuosas devem, então, responsabilizar-se pelo bem estar físico, moral e espiritual

não só de suas famílias como também de sua pátria145. É a chamada missão

civilizatória, como revela Chamon (2006). As mulheres passam a ter a missão de

cuidar, educar, reforçando o magistério como vocação feminina. Um ideal cristão é

conferido às mulheres. É assim que se compreende a fala de Liliam146:

Eu sempre quis ajudar o próximo [grifo nosso] e nada melhor do que você prestar serviço, e como eu sempre pensei em querer ajudar o meu próximo... E... Como eu posso ajudar o meu próximo? Dando a ele uma educação, uma orientação, aquilo que eu aprendi. Se o que eu aprendi foi bom - claro que eu não quero passar nada de ruim para ninguém! - se o que aprendi foi bom, pretendo passar isso adiante. Então, eu quero ser professora! Porque, assim, eu lido com criança, com pré-adolescente... Então, eu posso passar algo que seja útil para vida deles.

Liliam147, além da transferência do desejo de ser mãe para a esfera

profissional, atualiza o ideal de “educar” como missão feminina. Trata-se de uma

construção simbólica da maternidade reafirmando-se. Atua, sobretudo, na definição

de deveres morais das mulheres que orientam as experiências femininas, individuais

e coletivas. Tudo isso se reveste de um ideal cristão.

Liliam, por sua própria inserção profissional no trabalho de secretaria em uma

escola, insere-se num campo de experiências que atualiza/amplia as possibilidades

145 Chamon (2006) ajuda-nos a compreender a emergência desse novo papel da mulher na Europa. Dá-se em função de, na segunda metade do século XIX, a força de trabalho feminina não se fazer mais necessária ao capitalismo. Assim, novos mecanismos sociais foram criados para restabelecer os velhos valores da ideologia patriarcal fragilizados pelos interesses da produção e do lucro. Como os meios de transporte e de comunicação encurtam as distâncias entre Brasil e a Europa, esse “novo papel” chega na colônia. 146 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 147 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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de trabalho que surgem para as mulheres. Afirma: “Eu já estou trabalhando nessa

área, que é a área pedagógica”. Esse tipo de ofício não é, por acaso

desempenhado, por mulheres. O mundo do trabalho, afirma Bourdieu (2005), é

constituído por grupos de profissionais que funcionam “quase como famílias, nos

quais o chefe do serviço, quase sempre um homem, exerce autoridade paternalista,

baseado no envolvimento e na sedução” (p. 73), sobre o pessoal subalterno

“principalmente feminino (enfermeiras, assistentes, secretárias)”. Essas disposições

inscrevem-se na sensibilidade das mulheres. Bourdieu, ainda atenta para o fato de

distinção da qualidade do trabalho feminino, em geral, menosprezado, e o do

masculino, sempre revestido por uma certa nobreza:

[...] as mesmas tarefas podem ser nobres e difíceis quando realizadas por homens, ou insignificantes e imperceptíveis, fáceis e fúteis, quando são realizadas por mulheres, como nos faz lembrar a diferença entre um cozinheiro e uma cozinheira, entre o costureiro e a costureira; basta que os homens assumam tarefas reputadas femininas e que as realize fora da esfera privada para que elas se vejam com isso enobrecidas e transfiguradas (BOURDIEU, 2005, p. 75).

O trabalho de secretária e, ainda mais, no ambiente educacional é uma

função tradicionalmente ocupada por mulheres. Isso se torna mais evidente quando

compreendemos que a ocupação foi a “única opção que apareceu” quando a mesma

estava desempregada.

A atividade docente no Brasil, como destaca Apple (1987), desde o século

XIX com a criação das escolas normais, é exercida prioritariamente por mulheres.

Uma pequena parcela de homens, de classes mais baixas, também desenvolvia a

atividade docente, mas as condições materiais da profissão os afastaram. A primeira

dessas condições diz respeito à ausência de um ensino secundário

institucionalizado, fazendo com que a demanda do quadro de professores no

sistema educacional fosse suprida pelos portadores de diplomas da escola normal,

em geral, mulheres de camadas médias e pobres. A segunda está atrelada a pouca

valorização do ensino público pelos governantes. A desvalorização da profissão e a

concentração de baixos salários fazem com que os professores abandonem,

gradativamente, a profissão. Por outro lado, as políticas públicas da época acabam

por solicitar às mulheres que substituíssem os homens na “nobre” missão de educar.

Esse apelo inscreve-se, então, no campo do simbólico e constrói representações

que associam o feminino ao discurso da “vocação”. Ensinar crianças é atributo

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feminino. Um trabalho que deve pautar-se no amor e não nas recompensas

materiais.

Além disso, a sociedade brasileira, no período republicano, sobre crescente

concentração urbana, precisava da escola para educar o cidadão e trabalhador.

Com a elevada taxa de analfabetismo, cresce a necessidade de preparar

trabalhadores tanto rurais como urbanos. A missão civilizatória feminina, então, pode

contribuir para “civilizar” essa enorme parte da população. Enguita (1989), afirma

que “o mundo capitalista precisava de braços adestrados para promover o seu

desenvolvimento”. O que é feito pelas mulheres, de classe média em busca de

acesso à vida pública e pelas mulheres de classe baixa como uma oportunidade de

sobrevivência.

Nessa medida, é possível compreender porque há um desprestígio associado

ao magistério. As mulheres ocupavam essa função não por dinheiro, mas por

vocação. A associação entre magistério e desprestígio social é, então, instaurada

gradativamente, afastando os homens da docência e, principalmente, do ensino

primário. Quando se mantém na docência, os homens atuam nos níveis mais

elevados. Diferentes sentidos, portanto, se constroem: o professor é associado à

figura de “autoridade do conhecimento”, e a professora vinculada ao “apoio e a

cuidados dirigidos aos vestibulandos/as” (LOURO, 1997, p. 45).

O que se evidencia na construção dessa primeira trajetória, em que os

sentidos e razões para a opção por pedagogia se fazem num campo de

experiências, atrela-se à experiência de vida, os sentidos inventados em um tempo

distante e que persistem no subterrâneo como movimentos da longa duração, o que

reforça os lugares a serem ocupados pelas mulheres. Mas, as mulheres também

conquistaram espaços e foram mudando a história.

O passado, tradicional e conservador, não segurou o avanço das mulheres

nas primeiras décadas do século. Como destaca Marques e Melo (2008), enquanto

a sociedade se modificava, lentamente, grupos de mulheres de classe média

surgiam com o propósito de lutar por direitos. Um bom exemplo das mulheres na

ciência e na política é o de Bertha Lutz (1894-1976), bióloga pela Universidade de

Paris, integrante do movimento feminista e deputada federal – curto mandato entre

1936 e 1937, mandato perdido com a instauração do Estado Novo (COSTA, 2006) –

a qual lutou para modificar a condição legal e social das mulheres brasileiras. Sob a

liderança de Bertha Lutz, no ano de 1922, é fundada a Federação Brasileira para o

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Progresso Feminino (FBPF), que reunia associações de mulheres de vários estados

brasileiros e sucedia a ‘Alliança Brasileira para o Suffragio Feminino’. As

reivindicações iam além do direito ao voto, embora uma etapa considerável para a

emancipação da mulher. As lutas eram também por educação de qualidade, o que

daria igual condição a homens e mulheres para ingresso na vida pública, e emprego

feminino.

Bertha é a segunda mulher a ingressar no serviço público brasileiro, antes

dela como destaca Costa (2006), Nísia Floresta e Josefina Álvares de Azevedo,

abolicionistas e feministas, que se empenharam na chegada das mulheres ao

mundo público. Soihet (2005) mostra que Nísia foi uma literata que adentrou a vida

pública no século XIX, uma das primeiras mulheres a colaborar em jornais, em

Recife, e trabalhou também na publicação de contos, poesias, novelas e ensaios em

periódicos do Rio de Janeiro. Envolveu-se com questões culturais de seu tempo

histórico, o que manifestou em sua militância. Melo e Oliveira (2006), também

mostram a presença das mulheres na ciência ao longo do século XX, e a partir de

uma análise aos dados da biblioteca SciELO, mostra que a revolução feminista a

qual abriu espaço para as mulheres nas universidades e vida profissional, reflete-se

no aumento de publicações científicas: 32,28% dos autores identificados nos últimos

anos. Mas, afirmam: “é preciso lembrar que as mulheres ainda continuam sujeitas a

padrões diferenciados por gênero na escolha de carreiras profissionais próximas do

estereótipo do ser mulher” (p. 28).

É fato que essa missão civilizatória acaba por abrir espaços para a educação

e a profissionalização feminina, o que pode significar uma conquista das mulheres a

espaços públicos antes impensados. Por outro lado, abre espaço para o trabalho

filantrópico148, que embora conferisse oportunidades de movimentação na esfera

pública, atrela à atividade feminina a um trabalho não pago, de caráter moral e

religioso. As mulheres aproveitaram as oportunidades criadas pelo contexto de

transformações, e o que move, nesse momento, suas expectativas, ações e

148 As mulheres francesas, sem seus direitos civis garantidos encontram na Lei de 1901, uma brecha para o exercício da cidadania a parir das associações. Criam associações sanitárias e sociais para lutar contra a miséria em todos os sentidos: moral, intelectual e material. A maior parte das atividades das associações eram exercidas por mulheres e se caracterizavam pela prestação de serviços à comunidade: tratamento domiciliares, campanhas de prevenção contra doença, atividades com crianças, jovens, entre outros. Neste contexto, a principal contribuição do serviço social é melhorar as condições de vida da população, de início de caráter paternalista e, posteriormente, inspirado no catolicismo social, busca compreender o ser humano em sua totalidade, o que implica num trabalho de educação.

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sensibilidades era esse ideal civilizatório. Imbuídas desse ideal e, em função das

condições concretas de sua inserção, as mulheres movimentam-se para

determinadas profissões. Não por acaso, as primeiras profissões que se dirigiram

foram o magistério, a enfermagem e o serviço social, profissões em que o “cuidado”

e o “ensino” são predominantes.

A feminização de profissões refere-se, portanto, a um processo que se

constrói ao longo do tempo, o qual identifica determinadas profissões como um

trabalho socialmente de mulher e o vincula a certas características tidas como

femininas. É claro que não se pode pensar que houve uma criação proposital dessas

profissões para que as mulheres as ocupassem. Tudo é parte de um intrincado jogo

de forças, que conjuga interesses das mulheres em participar da vida pública,

representados por vários movimentos sociais, e há interesses das elites sociais,

interesses capitalistas, que precisam de força de trabalho feminina para a

implantação da grande indústria no Brasil, entre outros. Valores e habitus

constroem-se aos poucos. Um complexo conjunto de condições econômicas e

políticas que fazem com que haja mulheres em determinadas profissões. Os

processos sociais se engendram de tal forma que as trocas culturais são intensas.

“Existe uma mobilidade material e simbólica sem precedentes em sua escala e

extensão” (VELHO, 1999, p. 39).

3.2.2 “Gosto de cuidar de gente!”: mulheres na saúde

Eu parti pra enfermagem... Nossa é uma área muito boa. Gosto de cuidar de gente! Cuidar de gente é muito bom! Eu já gostava antes de entrar no posto, quando eu entrei e passei a cuidar de vidas, vi que era muito bom. Você saber que é útil pro outro é muito bom, não tem dinheiro que pague. É uma área que, realmente, eu me identifiquei!

A transferência de características femininas para a esfera privada não se dá

apenas na profissão do magistério. Nas profissões ligadas à saúde “cuidar”, um

atributo ligado ao feminino, é transferido para essas profissões. Maria,149 atualiza

essas razões e sentimentos na busca por enfermagem. Sentidos civilizatórios

atualizam-se aos atributos que transfere para a futura profissão. A missão

civilizatória também marca o ingresso da mulher na profissão de enfermagem.

149 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público.

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159

Criada em 1890, segundo Lopes e Leal (2005) é a primeira profissão feminina

universitária. O objetivo principal150 é dar suporte aos programas de saúde pública. A

enfermeira, subordinada ao médico, tem como principal função “cuidar” e outros

afazeres que garantam o bem-estar do paciente. O que já é parte dos sentidos

atribuídos à pratica feminina. Nesse ponto, Giddens (2005), registra a tendência

contemporânea das mulheres de transferir para a esfera pública o cuidado com o

outro, assim como, outras características associadas à “feminilidade” vividas na

esfera privada como a delicadeza, dedicação ao outro, capricho, entre outros.

As condições de emergência da primeira escola superior de enfermagem

revelam semelhante descaso que o governo tem com a educação, e também com a

saúde pública. Segundo Lopes e Leal (2005), a Escola Superior de Enfermagem foi

criada no ano em que as irmãs de caridade deixaram de “cuidar” do Hospício

Nacional de Alienados Pedro II. Em função disso, guardas e serviçais da Instituição

passam a compor o quadro de ingressantes da escola de enfermagem para atuar

tanto em hospícios, quanto em hospitais civis e militares do país. Havia pouca

preocupação com a formação dessas enfermeiras, marcada por uma carência de

procedimentos técnicos e científicos. As práticas de cuidado masculinas são, aos

poucos, substituídas pela prática de cuidado feminina. Um movimento semelhante

ao ocorrido com a educação é observado. Não apenas a precarização da profissão –

como a má formação educacional e o exercício da profissão por mulheres leigas –

mas pela instituição de um novo perfil exigido pela profissão.

O modelo de ensino de enfermagem da Fundação Rockefeller vai privilegiar o

gênero feminino. As ações educativas, preventivas e de cuidado da enfermagem

atuaram, reorganizando o serviço de saúde pública e dos hospitais. Esse novo perfil

exigido, e que atrela a profissão às qualidades femininas, revela que a origem da

profissão no Brasil está associada e organizada por instituições das ordens sacras.

“Coexiste com o cuidado doméstico às crianças, aos doentes e aos velhos,

associado à figura da mulher-mãe que desde sempre foi curandeira e detentora de

um saber informal de práticas de saúde, transmitido de mulher para mulher”

(LOPES; LEAL, 2005, s.p).

Se por um lado, a prática da enfermagem pelas mulheres era movida por

representar maiores oportunidades de crescimento e de acesso à vida pública, para

150 Aperibense e Ferreira (2008)

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os homens deixou de ser uma profissão de interesse. Um conjunto de condições

específicas da época movimenta homens e mulheres. Os valores ideológicos que

começam a ser incorporados aos sistemas de saúde, em crescimento, importam

nesse conjunto de condições concretas e simbólicas.

[...] é a noção de cuidado (de saúde à família), enquanto ação concebida como feminina e produto das “qualidades naturais” das mulheres, que fornece atributos e coerência ao seu exercício no espaço formal das relações de trabalho na saúde. Esse último, historicamente limitado pelas possibilidades sociais das mulheres, pelas perseguições religiosas e pelas corporações médicas. Nessa perspectiva, os valores simbólicos e vocacionais, introduzidos no recrutamento de trabalhadoras, apelam para a entrada seletiva das mulheres nesse espaço profissional apropriado cultural e socialmente ao seu sexo (LOPES; LEAL, 2005, s.p).

Esses valores também se observam nas experiências das estudantes que

optam por medicina: “Eu sempre estive muito ligada a essa área da saúde. Gosto de

lidar com pessoas, cuidar da saúde delas”, fala Sirlei151. “Eu conheci um clínico geral

que me inspirou. É um médico que todo mundo gosta, não trabalho por dinheiro,

trabalho por amor à profissão. Então pensei que é isso que quero para minha vida:

salvar vidas, ajudar o próximo, fazer algo útil para o mundo ser melhor”, afirma

Elaine152 “A medicina tem essa coisa de salvar vidas, curar... Achar cura para

doenças. E tratar das pessoas mesmo!”, diz Livia153. A construção desses projetos

profissionais, portanto, se fazem com sentidos que marcam rupturas com a tradição

– busca de um curso de prestígio – mas, ao mesmo tempo, negociam com a

realidade (VELHO, 1999). Reafirmam nos espaços profissionais características

presentes nas imagens femininas: os cuidados. Muitos desses sentidos vinculam-se

ao romantismo das profissões, antes tratado. Busca-se na profissão, uma forma de

ajuda ao próximo, e de contribuição para o bem estar social entre outros.

Montenegro (2003) identifica três fatores para as mulheres concentrarem-se

nas profissões de cuidado: “altruísmo”, “reciprocidade duradoura” e “realização de

uma obrigação ou responsabilidade”. Identifica também nas abordagens feministas

motivos pelos quais as mulheres as escolhem: profissões de cuidados. Articula-se

com uma maneira de sentirem sua aceitação no mundo social e, ainda, como um

mecanismo de compensação por realizações pessoais não atingidas.

151 Mulher negra, 20 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público. 152 Mulher branca, 22 anos, classe C, estudante do curso pré-vestibular privado. 153 Mulher branca, 15 anos, classe A, estudante do curso pré-vestibular privado.

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161

Há também condições específicas na construção do projeto profissional, que

se fazem nas interseções das relações de gênero com as de classe, e com as de

raça ou cor de pele. Maria154 cursou, primeiro, contabilidade em nível de segundo

grau porque os exemplos da irmã mais velha e da mãe sugeriram-lhe o mesmo

caminho. Não conseguiu emprego por três anos na área. E, aí, começou a fazer

magistério porque “gosta de criança”. Trabalhou em algumas escolas, mas acabou

largando a profissão. Como relata: “dominar uma turma é muito difícil e eu era muito

tímida. Daí parti para enfermagem,”. Insatisfeita com o curso de magistério descobre

o curso técnico em enfermagem por meio de um panfleto. Conversou com algumas

pessoas e achou que era uma boa oportunidade. Até hoje não conseguiu emprego

na área e, por enquanto, está “ajudando” o marido na sapataria. Isso se vincula às

interseções das relações sociais de gênero, de raça e de classe, é claro. Essa

experiência pode revelar ainda um mecanismo de exclusão, não só das mulheres

pobres, ao mercado de trabalho, mas também de mulheres pobres e negras.

Diversas pesquisas, entre elas a de Romariz, Gomes e Votre (2007), mostram que o

mercado brasileiro discrimina homens negros e mulheres brancas e negras, mas,

sobretudo, as mulheres negras. Valverde e Stocco (2009) também mostram que, em

geral, as mulheres negras no Brasil, têm menos anos de escolaridade do que as

brancas. E Góis (2008), reforça as discriminações sobre a raça, mostrando que,

mesmo com o ingresso das mulheres às universidades, a entrada das mulheres

negras é precária e se faz em cursos menos prestigiados.

As condições históricas concretas e sociedade, fundada numa cultura de

subordinação das mulheres, servem a certos interesses de classes. Silva (2009, p.

4), mostra que, em certos momentos, discriminação de gênero e discriminação

étnica confundem-se, ou seja, apresentam semelhantes matrizes explicativas:

Talvez, por estratégia política, em algumas passagens da luta pela garantia de direitos sociais ou do próprio estado de direito, houve uma aproximação entre o movimento feminista e o movimento negro, fortalecendo-se mutuamente na afirmação de um modelo de cidadania plena.

As disposições para a ação de Patiane,155 também são reforçadas pelas

significações culturais de seu campo: “Minha amiga, na época, falou que eu tinha

tudo a ver com enfermagem. Esse meu jeito de “mãezona” [sic]. Eu não achei muito, 154 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público. 155 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público.

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mas não é que tem a ver!” Como Velho (1999), afirma as sociedades moderno-

contemporâneas caracterizam-se “por um intenso processo de interação entre

grupos e segmentos diferenciados”. Os projetos profissionais constroem-se,

portanto, entrelaçados com outros projetos. As condições de educação na família, e

na própria escola, também se atualizam; e enunciam-se como projetos diversos que

interagem com o seu próprio campo. As famílias, por muito tempo, pouco

valorizaram a educação feminina; predominou a preocupação com a criação de boas

esposas. De acordo com Silva (1995), a subordinação feminina é, sobretudo,

explicada pelas disposições para a ação criadas na dinâmica familiar. Essas

disposições mostram que, na esfera profissional, as mulheres espelham-se no

espaço doméstico tradicional. Carregam para o espaço público a disposição para o

cuidado com os filhos, a saúde, a nutrição e a educação. A educação escolar

deficitária e, em nível técnico, também dificultou o acesso ao curso superior.

Sobretudo, o curso de magistério que, embora tenha se modificado a partir da LDB,

na prática, ainda não prepara para o ingresso à universidade. Um marca das

interseções do gênero com a classe.

Mas, as mulheres rompem com determinismos e inventam novas tradições.

Maria,156 deseja agora o nível superior. Não teve dinheiro para dar prosseguimento

aos estudos, mora de aluguel, está desempregada e o marido tem uma pequena

sapataria. A oportunidade de voltar a estudar surge a partir do projeto já

mencionado, “Universidade para Todos”. A política de “cotas” para os

vestibulandos/as de escola pública também é um facilitador de seu ingresso. Tentará

enfermagem e está bem confiante. “Estou fazendo a minha parte. Esse ano eu não

ia nem tentar fazer cursinho, mas como surgiu a oportunidade, não iria perder. Junto

mais conhecimentos até que uma hora eu passo”. Relata que quer, pelo menos, tirar

uma boa nota no ENEM, para “conseguir uma bolsa em uma faculdade pra eu fazer

Enfermagem. Eu sei que dá pra [sic] conseguir no Salesiano”. As políticas

compensatórias também impactam nos projetos profissionais.

Essa trajetória, portanto, carrega as marcas do lugar ocupado na hierarquia

social como mulher, negra e pobre. Suas características geracionais, também têm

peso em sua trajetória: “Como não tenho experiência na área, eles [os

empregadores] acabam contratando os mais jovens. Acho que é porque aprendem

156 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público.

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mais rápido, principalmente essas coisas de informática”. Mecanismos de poder

apenas reforçam esses lugares na estrutura, o que é vivido em seu campo de

experiências, modelando as razões e sentimentos. Mas ela também enfrenta as

rupturas com esses limites. Volta à escola, e deseja por meio do ingresso à

Universidade melhorar suas condições de vida. Isso significa que é apenas no

campo das experiências humanas que se pode compreender os sentidos

civilizadores nos quais a história é construída.

A hierarquia entre homens e mulheres não ocorre de forma análoga, em

diferentes culturas ou momentos históricos. A dedicação das mulheres às atividades

que envolvem o cuidado e a assistência pode atuar no sentido de conferir mais

autonomia às mulheres ou limitar seu campo de atuação social. O fato insinua que

as mulheres são ativas na construção de suas histórias. Usam estratégias como, por

exemplo, de buscar carreiras menos competitivas e nas quais possam se dedicar em

tempo parcial, caso das profissões de cuidados, na tentativa de conciliar atividades

profissionais e atividades domésticas.

A feminização de profissões é, portanto, um movimento que perpassa a

construção de projetos profissionais como pode ser observado nas trajetórias

investigadas. Não atua como força determinística dessa ou daquela ação, mas

produz sentidos que constroem e reconstroem o presente. 3.2.3 “Querer ajudar a comunidade e ao próximo”: romantismos e feminização

Serviço social tem haver com ajudar a comunidade... Tem haver com ajudar os outros, trabalhar com pessoas carentes. Fazer sua parte no social... Eu gosto de ajudar as pessoas. E eu já trabalho com pessoas lá na cooperativa. Então acho que vai dar certo!

Nas duas trajetórias anteriores, de Líliam157 e de Maria158, pude suspeitar que

a feminização das profissões também pudesse ser parte dos processos sociais

presentes no romantismo que a expressa, antes examinado. Nesta terceira

trajetória, evidencia-se seu projeto profissional não só valoriza a esfera dos cuidados

para com o próximo, mas também a ideia de missão, traduzida como modo de fazer

157 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público. 158 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público

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o bem e de poder ajudar o próximo. A fala de Patiane,159 que tentará vestibular para

serviço social a indica: “Eu vou estar não só ajudando as crianças, como também a

população em geral. Estar ajudando o ser humano a sair dessa miséria que o mundo

vive. Contribuindo, de certa forma, para melhorar a vida”. Sentidos religiosos

também surgem em sua fala. O que me permite pensar nessa missão como parte do

romantismo messiânico, algo que constitui o campo de experiências dessa

entrevistada. Não querer “muito sucesso” – no sentido de “dar-se bem na vida” – por

outro lado, parece estar ancorada em preceitos cristãos, que associam sucesso à

ambição e, em consequência, ao pecado. Mecanismos que limitam suas

possibilidades de sonho e desejo e que, portanto, se inscrevem em suas

sensibilidades estão no diálogo abaixo: Pesquisadora: O que você espera para seu futuro? Entrevistada: Espero sucesso. Quer dizer... Muito sucesso não! Pesquisadora: Como assim? Entrevistada: Deixe-me ver... Porque muito sucesso sobe a cabeça e você esquece do grande objetivo de escolher uma profissão, que é ajudar as pessoas. Espero um pouco só de sucesso... Espero que nessa profissão eu possa ajudar as pessoas e me ajudar também... Porque de certa maneira me ajuda.

O romantismo messiânico é discutido por Löwy nas idéias de pensadores

marxistas, concedendo à obra de Walter Benjamin, um especial destaque. Retira

das teses desse autor, matéria para associar as idéias sobre o conceito de história

às origens desse autor. Assim, o messianismo judaico e as utopias revolucionárias e

libertárias dialeticamente se interseccionam e se mantêm em tensão. Além disso,

destaca Löwy (1990), seu messianismo160, marcado pela fonte romântica alemã e

judaica, carregaria traços “apocalípticos” “catastróficos” e “destruidores", nela

recolhidos. A redenção messiânica, nesse sentido, é preparada pela catástrofe e

não por um progresso ou desenvolvimento. As ações humanas fazem-se, portanto,

em virtude do medo de corromper a ordem divina. É fato que Patiane,161 atualiza

sentidos civilizatórios que persistem na longa duração e estão nas sociedades

contemporâneas. A ideia de conquista do “sucesso na esfera profissional” está em

negociação com outras tradições e valores e, arrisco-me a afirmar, expressam

sentidos civilizadores do romantismo. Assim, manifestações como “não deixar o

159 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público. 160 Embora o viés messiânico não seja o único na obra do Benjamin ele se refere a um aspecto que se encontra em constante tensão com o materialismo marxista do autor. 161 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público.

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sucesso subir à cabeça”, “não esquecer da ajuda ao próximo” levaram-me a

perceber que os romantismos prosseguem, redefinem-se e chegam, de forma

rizomática aos nossos tempos.

Há muito por conhecer dos códigos políticos em circulação, que organizam essa energia política, passada de pessoa para pessoa. Ricas formulações teóricas de M. Löwy sobre teses de W. Benjamin (2005) e sobre aproximações entre a doutrina cristã e o marxismo e o conceito weberiano de “afinidade eletiva” (2007) podem-nos apoiar em investigações sobre o “romantismo” feminista (COSTA, 2009b, 21).

Romantismos atualizam-se nessa sua opção por serviço social: “Minha colega

do serviço social, lá da Cooperativa, disse que é muito bonito! A auto-estima vai lá

em cima quando você ajuda uma pessoa, dá uma palavra de conforto... Você poder

ajudar, pelo menos um pouquinho, na vida das pessoas”. As experiências vividas

por Patiane refletem movimentos de longa duração que se atualizam sobre o lugar a

ser ocupado pelas mulheres na hierarquia social: trabalhar não por dinheiro, mas em

função de uma nobre missão. Os sentidos civilizadores do “fazer o bem ao próximo”

e de “contribuir para um mundo melhor”, evidenciam-se em suas razões e

sentimentos.

Simões (2007), também mostra que entre os estudantes que optam por

serviço social encontram-se como principais motivações: “A ideia de fazer o bem, de

ajuda ao próximo, da busca da justiça social, o ideal do “bom samaritano” (p. 176).

Além disso, também verifica como fator motivacional para o ingresso no serviço

social, a identidade que o curso possui com valores religiosos (SIMÕES, 2005).

Afirma:

Pode-se observar também que os vestibulandos/as não abandonam os valores religiosos adquiridos através de suas famílias e de suas socializações antes do ingresso na universidade. Ao contrário, eles são extremamente participativos nas instituições religiosas. Os valores políticos, adquiridos durante a formação profissional, não afetam nem as crenças religiosas dos vestibulandos/as (pois não há um percentual menor de religiosos nos últimos períodos do que nos primeiros), assim como não tornam os vestibulandos/as mais participativos (SIMÕES, 2007, p. 188).

Além da característica religiosa e, em vinculação com ela, a profissão está

associada ao trabalho voluntário. Uma outra característica contemporânea do

serviço social é a composição quase exclusiva de mulheres provenientes de classes

sociais baixas e com pouca cultura letrada. O ethos profissional “relaciona, assim,

gênero (feminino), religião e voluntariado” (SIMÕES, 2007, p. 188). Outros indícios

do romantismo podem ser identificados nos dados trazidos por Simões (2007). Os

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vestibulandos/as de serviço social apresentam um “espírito cívico religioso” e “não

cívico político” que revela sentidos como solidariedade social, cidadania e

obediência ao governo: “os fundamentos morais para a ação social dos

vestibulandos/as remetem, privilegiadamente, à formação cristã que os discentes

obtiveram em suas socializações primárias” (p. 188).

Esses sentidos, expressos na cultura, fazem parte do campo de experiências

de Patiane,162 e marcam sua trajetória. Razões e sentimentos constroem-se em

função desses sentidos e, a partir daí, seu projeto profissional. Explica de onde

surgiu sua vontade de fazer esse curso:

Até o início do ano, eu não tinha decidido o que eu ia fazer. Mas aí eu tenho umas cinco colegas que fazem serviço social, já trabalham com isso e eu comecei a observar como que é... Tem uma na cooperativa onde eu trabalho. Eu trabalho na cooperativa dos bens, em São Benedito, e lá eu percebi... Ela estava falando que tinha vários convênios com a gente sobre: como a gente deve escolher o futuro da gente, decidir sobre a carreira. Aí eu pensei: “Ah! Eu vou tentar isso”. Aí quando eu vim na UFES falei com um colega. Aí ele me trouxe uma revista, falando sobre era o serviço social... Que tem a ver em ajudar a comunidade... Tem a ver com trabalhar com pessoas... E eu já trabalho com pessoas lá na cooperativa, aí eu pensei assim: “ah, acho que vai dar certo!” Eu sou meio brincalhona assim... Gosto de ajudar as pessoas... Então acho que vai dar certo.

A ideia de uma profissão para a qual as mulheres estão “naturalmente

preparadas”, também faz parte da missão civilizadora que move os projetos

profissionais femininos do início do século passado. Essa ideia também se atualiza

com a institucionalização do serviço social. A atuação nas desigualdades sociais e

econômicas e o trabalho contra a exclusão social já está colocado no ideário social,

como atividade feminina e também marca a criação da primeira escola de serviço

social, em 1936. É fato que desde o seu início, o serviço social, no Brasil, esteve

atrelado às práticas assistenciais de organizações caritativas de cunho religioso,

inicialmente, realizadas pelas damas de caridade: mulheres de alto poder aquisitivo,

em geral, as primeiras-damas.

Mas, a emergência da profissão se dá a partir dos acirramentos do conflito de

classes, a partir da década de 30, com o crescimento econômico brasileiro pautado

nas relações capitalistas. Para mediar esses conflitos, as ações caritativas eram

insuficientes, visto o estado de pobreza da população. As lutas reinvindicatórias, por

melhores condições, indicam que o estado precisa atuar nessa questão social. As

políticas repressoras, usadas em tempos anteriores, poderiam acirrar ainda mais

162 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público.

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esses conflitos. Segundo Russo, Cisne, Bretas (2008, p. 6), o Estado apropriou-se

da assistência de duas formas:

[...] de um lado, buscando enfrentar politicamente a questão social e, de outro, utilizando-a como mecanismo político para dar conta das tensões sociais advindas com a crescente pauperização da força de trabalho. De uma forma ou de outra, está por trás das ações do Estado a manutenção do status quo e de uma sociabilidade assentada na alienação e fragmentação das organizações coletivas.

Novamente, as mulheres são convocadas pelo governo, mas movidas por

ideais da época, a ocupar os bancos das faculdades. A emergência da Legião

Brasileira de Assistência (LBA), em 1942, também contribui para a associação do

ideal de caridade ao feminino e, por sua vez, à assistência. O objetivo dessa

instituição era prover as necessidades das famílias, nas quais os chefes haviam

partido para guerra, num momento em que o governo Getúlio Vargas colocava o

Brasil na Segunda Guerra Mundial, como destaca Iamamoto e Carvalho (1982).

Essa instituição ficara a cargo da primeira dama Darcy Vargas, já que em uma

sociedade patriarcal, fica sob a responsabilidade da mulher cuidar, educar, servir e

acolher. A LBA, embora garantisse certa circulação da mulher na esfera pública,

também levava características do espaço privado a esse. Uma espécie de extensão

do lar, em que o cuidado com o outro e o amor incondicional é tarefa das mulheres.

É claro que, como não se trata de um movimento linear, houve também

movimentos como o de Mary Richmod, como destaca Aperibense e Barreira (2008),

que buscam diferenciar a assistência social que era praticada pelas associações de

caridade. Seu entendimento é de que o trabalho do assistente social significa não

prestar ajuda material aos pobres, mas trabalhar com os indivíduos com vista a sua

inserção com o meio social. O objetivo passa a se estudar com essa inserção do

indivíduo e descobrir uma melhor forma de ajudá-lo a enfrentar seus problemas.

Além de as representações construídas sobre o serviço social ter em

impactos sobre a construção de seu projeto profissional, Patiane163 localiza indícios

de que ele encontra orientação nas interseções das relações de classe, raça e

gênero, por ela vividas. A consciência de sua inserção precária, ao sistema

educacional, e de um deficitário legado cultural parecem dar direção aos seus

projetos. Conta que quando anunciou na cooperativa que tentaria serviço social, as

meninas nem acreditaram: “Elas pensavam que eu fosse fazer humanas. Mas aí eu

163 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público.

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disse: não, eu gosto de mexer com gente, sempre gostei.” E continua a explicação

ao ser indagada à respeito do serviço social estar ou não na área de humanas:

“Para falar a verdade, não sei bem... Acho que não. Humanas é artes, essas coisas”.

No tom e nos gestos que usa, transmite um sentimento de menosprezo pela área de

humanas. Faz isso, como se quisesse diferenciar/valorizar seu projeto profissional,

indicando-o como algo que a desloca do lugar comum. O serviço social, para ela,

representa oportunidade de crescimento e valorização social. Hoje, ganha menos de

um salário na cooperativa, e como diz: “Serviço social pode ajudar a conseguir algo

melhor”.

A identificação, portanto, entre profissionais de serviço social com caridade,

filantropia, ajuda ou voluntariado contribui para que romantismos atualizem-se nos

tempos que correm, gravados em opções por essa e outras carreiras. O contato com

essas três trajetórias, mostra que, não de maneira coincidente, a profissionalização

feminina, além de expressar diferenças - na medida em que refundam significados

acerca do feminino - , revela, inclusive, interseções com as posições de classes. No

espaço investigado do cursinho privado, dos duzentos e quarenta vestibulandos/as

que responderam ao questionário de identificação, ninguém manifestou o interesse

em fazer qualquer um desses três cursos mais feminizados escolhidos: serviço

social, pedagogia e enfermagem. Ao passo que, no outro, essas são as opções mais

disputadas, sobretudo, pelas mulheres. Nessa medida, é difícil afirmar que certas

profissões são desprestigiadas, porque concentram um grande contingente de

mulheres. Essas experiências sugerem que são procuradas pelas mulheres por

serem menos concorridas. É bem verdade que esse não é o ponto principal desta

discussão. O que interessa é compreender as razões e sentimentos das mulheres

que optam por essas profissões.

Não se pode negar que a naturalização de papéis vinculados ao feminino, é

reforçada por algumas profissões na área da saúde, educação e de cuidados. Dayse

de Paula Silva (2009) observa que “Mulheres, contratadas para essas atividades

[cuidados e educação], transformam a subordinação na esfera doméstica para uma

subordinação no mercado de trabalho e dependência do estado” (p. 34). Aliás, as

características e papéis sociais, tidos como “pertencentes à natureza feminina”

expandiram-se do espaço doméstico para as profissões ditas femininas, como

serviço social, pedagogia e enfermagem.

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Mas, os movimentos femininos não são lineares e nem apontam para uma

única direção, como antes afirmado. Isso significa que outros movimentos surgem,

retrocedem, irrompem em várias manifestações, nem sempre percebidas. Assim,

tendo enfocado razões e sentimentos das mulheres para a opção por algumas

profissões feminizadas, trago também a análise de práticas e representações de

homens e mulheres, que reforçam a esfera doméstica como responsabilidade

feminina, optando por profissões que lhes assegure uma maior flexibilidade de

tempo e de regime de trabalho. Admito que, culturalmente, esse é um forte

componente dos projetos profissionais femininos. Daí, admitir com Kristeva que esse

é um marcante movimento de busca no sentido de “reconciliar o tempo maternal

(cíclico e monumental) com o linear (político e histórico)” .

3.3 Costumes e Habitus no campo do gênero: continuidades e rupturas

Ao estudar a transformação dos costumes de fins da Idade Média ao início da

civilização moderna, Elias (1990), busca compreender a transformação dos

comportamentos e das necessidades de controle e proibições que se estabelecem

para o convívio social. O autor descobre estreitos vínculos entre processos

civilizadores individuais e processos civilizadores sociais, sugerindo a superação da

dicotomia indivíduo e sociedade. Bourdieu, na mesma perspectiva, trata do habitus

como um processo de interiorização das estruturas sociais, mas que não pertence

ao domínio apenas da individualidade. O habitus se refere a um “conhecimento

adquirido e também um haver, um capital [...] o habitus, a hexis, indica a disposição

incorporada, quase postural [...].” (BOURDIEU, 2007, p. 61). Esta estrutura entra em

movimento, no interior do indivíduo, sendo resultado da incorporação da estrutura

social e da posição social de origem do indivíduo, e, assim, precisa ajustar-se a

situações diferentes daquelas no qual foi formado. A posição que cada sujeito ocupa

na estrutura de relações objetivas, propicia vivências, então, que consolidam seu

habitus.

As contribuições de Elias e Bourdieu foram úteis para a compreensão de

como se forjam razões e sentimentos nas experiências investigadas. As

sensibilidades, entendidas como formas dos indivíduos representarem a realidade

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por meio de razões e sentimentos, vinculam-se ao habitus e aos costumes que

orientam comportamentos humanos num dado tempo histórico. A formação das

sensibilidades se dá, portanto, no campo das experiências e, muitas vezes, as

experiências entram em contradição com as expectativas que se desenham num

horizonte. Instaura-se, então, a possibilidade de mudança. Processos de negociação

com a realidade são constantes, e ora se fazem por lutas, conflitos e disputas, e ora

por concessões e permissividades. Esses processos ocorrem num campo múltiplo, o

campo de possibilidades que “[...] trata do que é dado com as alternativas

construídas do processo sócio-histórico e com o potencial interpretativo do mundo

da cultura” (VELHO, 1999, p. 28). É nesse campo que se forjam as sensibilidades,

ou seja, razões e sentimentos que movem o habitus e os costumes numa certa

direção. São os sentidos civilizadores de que nos fala Elias (1990). Esse campo de

possibilidades é avaliado, levando em conta seus sentidos civilizadores; as

trajetórias dos indivíduos estudados constroem seus projetos profissionais com

esses sentidos. Vejo a necessidade, então, de explorar os costumes e habitus em

suas rupturas e continuidades os quais orientam o comportamento dos/as

vestibulandos/as.

3.3.1 Desigualdades, Práticas domésticas e usos dos tempos

Nas trajetórias analisadas, os projetos profissionais se fazem em função dos

sentidos civilizadores construídos no campo de experiência humana. Há condições

específicas desse campo, que são marcas constitutivas das disposições mais ou

menos duráveis para as ações desenvolvidas pelas entrevistadas. A divisão do

trabalho doméstico e a organização do tempo de homens e mulheres são condições

construídas na longa duração histórica das civilizações modernas, e que, na maioria

das vezes, emerge como prática atualizando habitus e costumes dessa civilização.

Lassance e Magalhães (1997), afirmam que, em muitos casos, a vida profissional

ocupa um lugar secundário na vida das mulheres, visto que frente a dificuldades em

conciliar os trabalhos domésticos e profissionais, a opção mais frequente é a

redução da carga horária e até interrupção da carreira de mulheres.

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Colocar a atividade profissional, em segundo plano, é perceptível na trajetória

de Maria164. Sua principal preocupação é com os cuidados da casa. O uso

diferenciado do tempo e a divisão social de tarefas é um exemplo disso: “Às vezes

vou até as duas horas da manhã estudando. Chego em casa à noite, adianto todo o

almoço, preparo a marmita pro [sic] meu marido, faço as coisas que tenho pra fazer

e fico no computador até as duas horas da manhã estudando”. Os trabalhos

domésticos implicam na diminuição do tempo de dedicação aos estudos. Na

descrição de sua rotina, é possível perceber que eles são tomados como trabalho de

sua responsabilidade:

A rotina é assim: nós levantamos sete e meia. Ele sai, e eu levanto, preparo o café, lavo umas roupas de manhã, arrumo a casa, aí umas nove meia eu estou chegando na loja para ajudar ele. Aí quatro e meia eu saio e ele fecha ás seis horas. Aí eu chego em casa e termino de arrumar as coisas e venho para o curso. Dez e quinze eu saio da escola, ele já está dormindo, eu chego em casa, adianto o almoço do outro dia e depois vou estudar. Ele faz um lanche, aí pelo menos a cozinha ele limpa. No início ele não fazia nem isso, mas depois fui ficando emburrada e ele foi percebendo. Agora ele limpa a cozinha.

Mantém-se a divisão tradicional de papéis, pois a maior responsabilidade da

mulher é com a casa, e a do homem com o trabalho que gera renda. Além disso,

Maria atribui também grande importância ao casamento e de cumprir com seu papel

de esposa e “dona do lar”. Mas, o curioso é que só fala disso quando desligo o

gravador. Será uma vergonha admiti-lo em público? Estaria revelando certa pressão

que as mulheres sofrem, na atualidade, em ter que conquistar a esfera pública e

abdicar do espaço doméstico, ainda que a contragosto? Creio que esses dados

possam ser melhores investigados no futuro. De qualquer forma, o papel de mulher,

dona do lar, novamente se afirma.

As experiências de Liliam,165 adensam essa percepção. Ela confere grande

importância ao matrimônio. “Casar-se” ocupa o centro de suas atenções, e a

profissionalização vem sempre em segundo plano. Logo que terminou o segundo

grau seu principal objetivo era se casar. Trabalhava dois turnos para comprar,

construir uma casa e mobiliá-la com o namorado anterior. Não pensava muito em

estudar. A intenção era trabalhar e “ajudar meu marido”. Aqui, observo que o sentido

da palavra “ajuda” reforça os papéis sociais masculinos e femininos, à mulher cabe

os cuidados com a casa, e ao homem “o sustento do lar”. Seus planos só mudam

164 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público 165 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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quando, próximo ao casamento, o namorado envolve-se e com outra mulher e ela

fica, então, desorientada: “Eu não sabia o que fazer. Foram seis anos preparando-

me para casar e construir um lar”. Desse momento em diante, começou a se

preocupar com o seu futuro profissional. Observei que a valorização do matrimônio é

reforçada pela desvalorização da solteirice. Afirma: “não ficar para titia”. Algo que se

constrói como um valor para muitas mulheres de seu tempo. Em outras trajetórias,

esse sentido atualiza-se como se casamento conferisse status e garantisse a

valorização feminina.

As experiências marcam percepções e conhecimentos sobre a vida social,

expressas em representações específicas. A percepção de Patiane,166 sobre

diferença x equidade de gênero, parece comportar elementos de segunda onda da

geração feminista. Constrói a partir de suas experiências, e dos sentidos que dispõe

em seu campo de experiências, no caso, reforçando a superioridade feminina:

Os homens estão todos preguiçosos. Não querem fazer faculdade nem nada. Muitos deles não querem estar em igualdade com as mulheres. Tem muitos homens que pensam assim, vou fazer um curso técnico e parar. Eles falam que acham chato estudar. Eu falo para eles: “vocês vão sentir falta. Estou falando que vocês vão sentir falta”. Eu fiquei dois anos sem estudar e senti falta. E eles falam: “Você está doida” (risos). Quando eu terminei o Ensino Médio e recebi o meu diploma pensei: “Nossa eu pensei que não ia conseguir!”. Por isso, as mulheres conseguem coisas melhores, são mais esforçadas!

Os sentidos civilizadores que marcam a cultura de um tempo, como o

indicado, variam e nem mesmo são interpretados da mesma forma pelos sujeitos

que o vivem. É aqui, que vejo a ruptura com visões deterministas sobre a relação

entre o indivíduo e sociedade. Os indivíduos, com seu potencial interpretativo, dão

novos sentidos aos aspectos da vida social de acordo com as suas experiências.

Maria,167 entende que as mulheres assumem papéis antes considerados masculinos

porque precisam trabalhar a qualquer custo: “eu acho que hoje em dia tudo está tão

difícil, que a mulher acaba pegando trabalhos que antes eram prioridades de

homens. Por exemplo, eu conheço uma mulher que está trabalhando na construção

civil...” Em sua experiência, as hierarquias de gênero aparecem. Não percebe esse

trabalho feminino, numa área masculina, como conquista, mas como uma falta de

opção diante das dificuldades do mercado de trabalho. Em sua fala, foi possível

166 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público. 167 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público

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observar certo desdém por essa mulher, sua amiga. Era como se a visse como

superior a ela, por não precisar desse tipo de trabalho, e por ter um marido que a

sustenta. Sente-se diferente da amiga. Esses sentidos parecem ligar-se a

mecanismos, por vezes inconscientes, pelos quais os indivíduos buscam,

desesperadamente, significar suas ações no mundo e dirigi-las por meio de

caminhos que os levem a reduzir suas penas e a aumentar o prazer. Tomo de

empréstimo aqui, a ideia freudiana de que as pulsões humanas são forças motrizes

do comportamento humano que buscam aumentar o prazer e diminuir a dor

(FREUD, 1996a).

O discurso, em foco, também possibilitou pensar nos dispositivos sociais

colocados pelo poder simbólico (BOURDIEU, 2005, 1996, 2007), ao reproduzir as

hierarquias e os lugares a serem ocupados por homens e mulheres. O poder

simbólico é uma forma de poder silencioso, exercido através das palavras: tem por

base a “crença na legitimidade das palavras e daquele que as pronuncia”

(BOURDIEU, 2007, p. 15). Ele age sobre os corpos, modelando formas de ser,

pensar e agir em sociedade. Para compreender a divisão de papéis e os usos dos

tempos masculino e feminino, Bourdieu (2005), chama a atenção para a dominação

masculina que se faz, ao mesmo tempo, a partir das estruturas inscritas na

objetividade quanto na subjetividade sob a forma do uso dos corpos. A dominação

masculina diz Bourdieu (2005, p. 31) é uma forma de violência simbólica, “o que faz

com que não seja fácil livrar-se dela”, a dominação masculina existe “objetivamente

sob forma de divisões objetivas e sob forma de estruturas mentais que organizam a

percepção dessas divisões objetivas”.

As formas de percepção e de conhecimento próprios à Maria168, na sua

narrativa sobre o trabalho masculino exercido por sua amiga, parecem indicar

significados de censura a tudo aquilo que traduz a quebra de uma norma de conduta

feminina na vida social. Liliam169, por outro lado, nas práticas identificadas como de

ruptura, revela experiências que a levam a diferentes formas de percepção e

conhecimento sobre essas mesmas normas. No caso, por ganhar mais do que o

marido, acha que muitas mulheres estão em condição de desigualdade porque

querem:

168 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público. 169 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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174

Eu acho que ainda há um retardamento da mulher no mercado de trabalho. A mulher precisa ser mais ousada, ela precisa acreditar mais nela mesmo, porque a gente foi tão submissa pra tudo, aquela questão de que a mulher foi feita pra “esquentar barriga no fogão, cuidar dos filhos, esfriar no tanque, cuidar da casa”, isso está impregnado na nossa educação. E hoje quando a gente pensa em alguma coisa, em subir, a gente já vem logo com aquele conceito na cabeça “nossa, eu estou recebendo mais que meu marido, como é que ele vai reagir a isso? Como é que ele vai se portar mediante eu estar recebendo mais que ele? Eu ser uma profissional melhor que ele? Aí muitas mulheres acabam desistindo dessa situação e acabam estagnadas, por não ter força de vontade e não acreditar nelas mesmo.

Mas, outros impeditivos, talvez menos conscientes, também se manifestam nas

experiências dessa mulher. Pode-se observar que, por mais que trabalhe e ganhe

mais do que o marido, a divisão desigual de tarefas domésticas persiste em seu

cotidiano. Afirma “ele ajuda em tudo”, o que já revela que toma para si a

responsabilidade do serviço do qual ele apenas é colaborador: “Ele varre a casa,

passa pano, lava vasilha, só não lava roupa. Ele faz arroz... Igual agora, que eu

trabalho o dia inteiro, aí chego a casa onze e quinze, onze e vinte... aí ele cozinha

um macarrão deixa na água para mim. Eu sempre deixo um bilhete pra [sic] ele faz

isso, faz aquilo e ele faz”. Reforça: “Ele é meio desligado. Se não deixar os bilhetes

ele esquece”. No sábado, ela dá uma “faxina grande” e a casa fica limpa a semana

toda, “ele ajuda a manter”. O trabalho doméstico, no final das contas, é de sua

responsabilidade. Um aspecto da longa duração que ressurge no subterrâneo, como

um rizoma.

Até mesmo em comparações internacionais, Rizavi e Sofer (2008), indicam

que as mulheres ocupam-se do trabalho doméstico numa proporção que varia de

60% a dois terços. A Suécia, a Noruega, a Bélgica e a Finlândia classificam-se entre

os países mais igualitários, enquanto a França, como menos igualitário. Além disso,

também é desigual o tipo de tarefas a que se dedicam nesse tempo. As atividades

femininas estão vinculadas à limpeza da roupa e da casa, enquanto as masculinas a

pequenos concertos ou manutenção do carro, entre outros. Também foi constatado,

em nível internacional, que as mulheres gastam mais tempo com os filhos, mesmo

que possuam atividade remunerada. O que fica evidente é que as mulheres dedicam

mais tempo ao trabalho doméstico, enquanto que os homens dedicam mais tempo à

atividade remunerada.

Há mais diferenças por se destacar no uso do tempo de homens e mulheres

no cenário mundial. As estatísticas européias mostram que os homens trabalham

em média 39,8 horas semanais, ao passo que as mulheres 32,8 horas (HENAU;

PUECH, 2008). Além disso, o trabalho em tempo parcial é mais comum entre as

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mulheres, o que pode estar vinculado ao tempo dedicado às obrigações familiares

(HENAU; PUECH, 2008). Outra diferença no uso dos tempos de homens e

mulheres, encontrada nessa pesquisa européia, é que as mulheres executivas têm

menos autonomia na gestão do tempo de seu trabalho do que os homens

executivos, embora, é claro, essa autonomia seja, significativamente, maior que a

dos não executivos. Em profissões feminizadas, o grau de autonomia e decisão

sobre o horário de trabalho é também mais elevada, o que pode, na opinião de

Henau e Puech (2008, p. 218) “confirmar as hipóteses de profissões ditas family-

friendly, com horários de trabalho conciliáveis e taxa elevada de tempo parcial”.

Apesar de as mulheres terem menos tempo de dedicação ao mercado de trabalho,

em compensação, dedicam 131 minutos a mais que os homens em tarefas

domésticas, ultrapassando o tempo de trabalho total dos homens, e tendo, portanto,

menos tempo para atividades destinadas a lazer, cuidados e ao próprio descanso.

Na França, de acordo com Hirata e Kergoat (2008), tem-se observado o modelo de

“delegação” das tarefas domésticas às mulheres de classes baixas, visto a

repartição desigual do trabalho doméstico entre os cônjuges, mesmo quando ambos

trabalham fora. No Brasil, a delegação de tarefas domésticas às empregadas, babás

e faxineiras também é comum nas classes mais favorecidas, nas médias e,

inclusive, nas populares.

Patiane,170 não tem mais uma casa para cuidar. Separou-se do marido e mora

com a irmã – aliás, as mulheres também recorrem ao matrimônio para sair de casa:

“Eu não gostava muito dele. Mas ele gostava de mim. Eu queria mesmo era sair de

casa, meus pais me cobravam muito...” – Apesar disso, participa da rede de

cuidados com os filhos ao tomar conta da filha da irmã. Um trabalho tipicamente

feminino, que toma grande parte do seu tempo e que poderia ser dedicado a uma

formação. Um trabalho invisível, considerado parte da natureza feminina mostra

como o tempo das mulheres para a dedicação aos projetos profissionais é reduzida.

A presença de filhos pequenos é considerada, inclusive, o fator que mais atrapalha a

atividade produtiva feminina, visto que o cuidado com as crianças é uma tarefa que

consome muito tempo e energia das mulheres. Bruschini, Ricoldi e Mercado (2008),

destacam que, em 2005, as mães cujos filhos eram menores de 2 anos, dedicam 35

horas semanais para a atividade reprodutiva171, 32 horas semanais quando os filhos

170 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público.

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176

possuem de 2 a 4 anos e 27 horas é o que gasta a população feminina, em geral,

com esse tipo de atividade. Destacam, também, que as mães com filhos menores de

2 anos de idade, sobrecarregadas na esfera produtiva, apresentam taxas mais

baixas de atividade produtiva.

O discurso de Isac, homem, negro, 29 anos, estudante do curso pré-vestibular

público sobre a divisão de tarefas e uso dos tempos domésticos e profissionais

reforça essa realidade: “no pensamento do homem é o seguinte, fui criado para

trabalhar fora, para garantir o sustento e tal. Então, a criação que nós tivemos é

essa, de que a mulher tem que cuidar da casa, mesmo que não goste de fazer as

coisas de casa”. Luciano,172 evidencia semelhantes significados, quando pergunto

sobre a divisão de tarefas com os filhos que diz desejar ter, e afirma que pagará

uma babá. Um outro processo social, de longa duração histórica, no caso brasileiro,

acentua-se em nosso tempo: a transferência dos cuidados de uma mulher para uma

outra mulher de classe mais baixa ou de mesma classe, no caso de apoios familiar,

com e sem remuneração. Insisto em perguntar: “Mas, se por acaso não conseguirem

pagar uma babá?” Me responde: “Minha mulher para de trabalhar por um tempo

para cuidar das crianças!”. Sua expressão revela o tom de obviedade da expressão.

Continuo, então, na tentativa de compreender sua percepção: “Se acaso sua mulher

estiver num emprego mais estável, e com maior rendimento do que o seu, você

dedicaria mais tempo aos cuidados com os filhos?”. Responde: “Aí eu acho que é

sacanagem. Eu não me imagino saindo do meu emprego para cuidar dos meus

filhos. Viver assim, dependendo do dinheiro de uma mulher, acho que seria meio

humilhante!” Como afirma Bourdieu (1986, p. 29), “existe uma certa constância das

estruturas simbólicas sobre as quais repousam nossa representação da divisão do

trabalho entre os sexos”. Além disso, vestígios da dominação masculina fazem-se

presentes, como afirma Bourdieu “[...] o homem não pode, sem derrogação,

rebaixar-se a realizar certas tarefas socialmente designadas como inferiores (entre

outras razões porque está excluída a ideia de que possa realizá-las)” (2005, p. 75).

Enfim, tentativas de reconciliar o tempo maternal, cíclico e monumental, com

o linear que é político e histórico, falam desses dilemas femininos, como afirma

171 Trabalho doméstico, trabalho reprodutivo, trabalho não remunerado, trabalho na unidade doméstica tem sido alguns dos termos utilizados para identificar esse trabalho dedicado aos cuidados com a casa e com os filhos. 172 Homem branco, 21 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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177

Costa (2009b, p. 5). E são parte das sensibilidades dos entrevistados. Sentimentos

que movem as mulheres em direção à futuras conquistas de direitos continuam

levando mulheres à tentativas de associar esses dois tempos na atual conjuntura

(COSTA, 2008), ou seja, “nesse futuro passado, de enormes insatisfações e

sofrimentos, verificados em dilemas e conflitos, reiterados intermitentemente e de

muitas formas, postos por saídas das mulheres para o espaço público diante das

obrigações domésticas” (COSTA, 2009b, p. 6).

O fenômeno do “teto de vidro” reflete bem esses dilemas. Descrito por vários

autores, Marry (2008), Salas e Leite (2008), referem-se ao desaparecimento das

mulheres à medida que se avança em direção às altas esferas do poder, de

prestígio e remunerações. A opção por certo limite de crescimento é das próprias

mulheres. Algumas explicações surgem para a “auto-exclusão” feminina de carreiras

mais promissoras. A primeira articula-se com a interiorização de normas e valores

vinculados ao seu gênero: “Seu hábito de modéstia, ou mesmo de autodepreciação

e de atenção ao outro, as afastariam das disputas acadêmicas e das disputas de

poder” (MARRY, 2008, p. 405). As representações baseadas nas “características

femininas” de submissão, docilidade e atenção aos outros, também repercutem, de

modo a se mostrarem contraditórios com as características necessárias para se

empenhar em disputas profissionais. Além disso, outra explicação é que as

mulheres tem um menor engajamento em âmbitos profissionais, cuja concorrência

com os homens é acirrada, devido às restrições familiares que pesam sobre elas.

Elas buscam “evitar o custo psíquico” gasto para superar os obstáculos, advindos da

necessidade de ser aceitas no mundo dominado por homens.

Como afirma Costa (2004), há muitas desigualdades por desvendar nas

práticas domésticas cotidianas. São, sobretudo, as representações coletivas sobre o

papel das mulheres que formatam as redes de proteção, de dependências e de

relações sociais que colocam limites às conquistas femininas. Isso é marca da

“marcha por direitos sociais”; ela se dá com a saída das mulheres para o campo

político. São saídas que, historicamente, colocam “em risco práticas fundamentais

ao conforto da vida, à reprodução, por muitas razões, naturalizadas como femininas”

(p. 27). Mas parafraseando Costa (2004), muito do poder social das mulheres é

extraído do próprio mundo da casa, no qual, obtém algumas compensações. Esse

poder, “em meio à competições e cumplicidades, faz mudar a ordem das coisas, ora

se faz” (p. 27).

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178

3.3.2 Invenção de novas tradições

A feminização das profissões pode ser entendida como partes de movimentos

de longa duração histórica, dentre muitos que marcam as trajetórias femininas. Mas,

as experiências inscritas, no tempo presente, apontam para a invenção de novas

tradições. As experiências humanas se fazem rompendo tradições, costumes,

inventando e mantendo outros. Assim sentidos civilizadores (ELIAS, 1990), orientam

ações e expõem novas tendências. Há dois outros movimentos com os quais

deparei nas interseções entre projetos profissionais e relações de gênero. O primeiro

deles diz respeito às mulheres estarem se movimentando profissionalmente para

áreas antes consideradas masculinas como medicina, direito, engenharia,

odontologia, entre outras. O segundo, diz respeito ao direcionamento de homens

negros e pobres para tradicionais nichos feminizados como serviço social,

pedagogia, biblioteconomia, arquivologia, entre outros. Os projetos profissionais

situam um campo de experiência que desvela muito das razões e sentimentos, que

levam os entrevistados a buscarem caminhos definidos em suas trajetórias

individuais rumo a um horizonte de expectativas.

Mulheres e homens inventam tradições. Rompem com antigas racionalidades

de divisão do trabalho e usos dos tempos, reafirmam outras. Mas, constroem suas

experiências com horizontes de expectativas. Como afirma Costa (2010), não há

lugar nem tempo histórico em que não tenha ocorrido invenção de tradições.

Parafraseando Hobsbawm, Costa (p. 3), afirma que a tradição é “um certo conjunto

de práticas, de natureza ritual ou simbólica, que, em geral, visa afirmar certos

valores e parece expressar uma continuidade em relação ao passado”. O campo de

experiências, portanto, expressa razões e sentimentos que organizam e traduzem

rumos civilizatórios. Trago, então, dois movimentos que parecem apontar para

rupturas de antigas tradições e para a emergência de novas. Possuem uma dada

direção: homens chegam a espaços profissionais, considerados femininos, e

mulheres aos considerados masculinos.

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3.3.2.1 Homens e espaços antes feminizados

Diversos estudos têm mostrado que diferenças nas representações e nos

papéis sociais, desempenhados por homens e mulheres acabam encaminhando

homens e mulheres para profissões diferenciadas por sexo. Como afirma Gomes,

Nascimento e Araújo (2007), a diferença entre os gêneros demarca certas

especificidades: homem é “forte”, “agressivo”, “tem iniciativa”; mulher é “suave”,

“sensível” e “doce”. Encaminham-se, assim, para profissões adequadas a seus

perfis. Ainda são persistentes demarcações de fronteiras em relação às profissões

masculinas e femininas. Em geral, homens encaminham-se para as ciências exatas

e mulheres para as ciências humanas e áreas ligadas à saúde. Razões e

sentimentos dos entrevistados, para a opção por um curso superior, mostram um

pouco dessas persistências, com base nas diferenças de sexo. Guilherme, branco,

19 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público afirma que irá tentar o

curso de Formação de Oficiais da Aeronáutica:

Bom, escolhi por afinidade. Eu adoro muito essa questão do militarismo, do patriotismo, a seriedade dos militares. Além de ser uma carreira estável, porque você não pode ser demitido, o salário relativamente é bom... Você vai subindo no cargo por tempo de trabalho, não precisa fazer concurso, nem nada. Por tempo de serviço, você vai ganhando patente. Dá para ter segurança para manter uma família. E é algo que eu gosto mesmo. Gosto de aviões, eu gosto de jogos de computadores e eles soam jogos de estratégias de guerras, então é mais por afinidade mesmo, eu gosto desse meio.

Estão nessas manifestações o gosto pelo ganho seguro, pela estabilidade ao

longo da vida, pelos jogos de estratégias militares, por um conjunto de sinais de

virilidade do militarismo, tudo muito característico do ambiente, “tipicamente”,

masculino e, em tempos inseguros, a certeza em cumprir a tradicional função de

sustento do lar. Observo, numa outra narrativa, de um candidato ao curso de

medicina, área da saúde, que preocupações com cuidados e ajuda ao próximo,

presentes nas falas das mulheres, não aparecem nem conferem importância dentre

razões e sentimentos que os movem:

Desde novinho eu sempre tive vontade de fazer medicina. Lá em casa meu pai é médico, tenho um tio que é médico... E eu tenho dois irmãos mais velhos, aí o meu irmão fez medicina também, minha irmã fez medicina. É de família. Já fui ao trabalho do meu pai, na faculdade dos meus irmãos. Então, acaba me influenciando bastante. E também eu gosto dessa área de saúde. E medicina é uma boa profissão. Posso fazer um nome. Ter uma boa remuneração e poder dar boas oportunidades aos meus filhos.

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Tradição de família, boa remuneração, reconhecimento profissional.

Diferentes razões e sentimentos estão mobilizando homens e mulheres que buscam

áreas consideradas femininas. Pedro, 18 anos, classe D, estudante do curso pré-

vestibular público fará serviço social. Atribui seu projeto ao fato de não ser bom em

exatas: “Bom escolhi por causa do... Eu gosto muito de humanas, gosto de ler. Eu

estava pensando em alguma coisa que tivesse que ler bastante, porque eu não sou

muito bom na área de exatas”. Sua fala demonstra que é quase uma obrigação

masculina ser bom em exatas. Revela isso na expressão corporal e no tom de voz

usado para dizer que não é bom em exatas. Gostar de “ler”, parece ser uma

compensação por não apresentar aquela característica “tipicamente” de homens.

Mas, por que procura uma profissão tradicionalmente feminizada? Que razões e

sentimentos têm levado os homens a procurar profissões, tradicionalmente,

consideradas de mulheres e, portanto, profissões de menor prestígio social, cujos

rendimentos são menores que as tradicionalmente masculinas?

A trajetória de Isac que optará pelo curso de biblioteconomia, na UFES, ajuda

a entender essa tendência. Isac trabalha na revenda de cartões de recarga de

créditos de celular e, tem uma nítida preocupação em propiciar o sustento da família:

“Hoje eu consigo manter a minha casa com um certo conforto”. Apesar disso,

movimentos atrelados à racionalidade do trabalho, tratados anteriormente, situam

uma busca em direção a uma maior especialização e qualificação, fazendo sentir a

necessidade de realizar-se um curso superior: “A gente nunca sabe o que vai

acontecer... Fazer o curso superior te abre possibilidade de fazer concurso público”.

Seu projeto constrói-se na busca de melhores oportunidades, mas, também, fala de

temores em relação à instabilidade do mercado.

Além disso, em seu caso, ocorreu o ingresso cedo no mercado de trabalho

impondo-lhe a exigência de conciliar estudos com o trabalho, situação que o afastou

da faculdade. “Na época, eu tinha que escolher: trabalhar ou estudar. Preferi

trabalhar. Depois casei e o tempo passou”. Isac vem de uma família muito pobre e

com muitos irmãos. Teve que trabalhar pela dificuldade dos pais em manter os nove

filhos. As políticas compensatórias também tiveram impacto em sua trajetória: “O

sistema de cotas incentivou-me e se não fossem as cotas, eu nem tentaria a UFES”.

Afirma:

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Quando eu consegui essa bolsa no PUPT, vi a oportunidade de crescer. Eu sempre tive isso na mente: “eu quero me preparar para o vestibular” e não tentar por tentar. Agora que eu tive essa oportunidade de fazer esse cursinho estou com um sonho, com a esperança de passar.

Passar na UFES é um grande sonho. Gostaria de tentar educação física, mas

disse que com a pontuação que vêm fazendo nos simulados sabe que não passa e

“ninguém quer só estudar para chegar lá no vestibular e não passar”. Vai, então,

optar por biblioteconomia:

Há uma série de fatores... Não tem como você hoje escolher um curso que você vai estudar quatro anos, cinco anos só por causa do sonho. Não é nem só o fato de ser mais difícil de passar no vestibular, mas se eu fizer um curso desses em que tem que estudar o dia inteiro, como é que eu vou sustentar a minha família? A gente sabe que quem trabalha, quem dá duro, infelizmente são cursos como biblioteconomia, arquivologia e outros que tem à noite, que dá para fazer. Hoje, a maioria desses cursos, direito, medicina... além de serem complicados para entrar por serem muito difíceis e concorridos, têm esse lance de que você só pode estudar... Só lá no décimo período é que você consegue eliminar algumas matérias e “caçar” um lugar para você ir trabalhar.

Cursos, tradicionalmente, procurados por mulheres passam a ser requisitados

pelos homens, mas cabe destacar quão diferentes são as razões e os sentimentos

de homens e mulheres nessa busca. Enquanto, muitas mulheres fazem seus

projetos profissionais seja reafirmando lugares e tarefas naturalizadas como

femininas, ou conciliando o trabalho com o espaço doméstico, os homens, ao

contrário, pouca importância dão a atividades restritas ao espaço doméstico. Na

verdade, centram-se em manutenção financeiro deste espaço. O que também

reafirma antigos lugares masculinos: homem chefe de família, responsável pelo

sustento do lar. Isac, por exemplo, quer fazer um curso universitário que lhe permita

conciliar as atividades do estudo com o sustento da casa e, por isso, precisa de um

curso mais fácil e com menor tempo de dedicação.

Os homens que fazem essas opções são, em geral, das camadas populares

e, não raro, homens negros. Isso me leva à compreensão de mecanismos de

exclusão e discriminação os quais presidem suas escolhas. Um estudo realizado, no

Brasil, pelo PNAD173 compara rendimentos mensais padronizados por 40 horas de

trabalho, em setembro de 1998, e mostra as diferenças nas médias salariais:

homens brancos (726,89), homens negros (337,13), mulheres brancas (572,86),

mulheres negras (289,22).

173 Fonte: Microdados das PNAD padronizados pelo IPEA.

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Galbraith (1992) e Saparolli (1997), em estudos recentes, mostram que a

opção por carreiras feminizadas entre os homens, se faz, em geral, tardiamente,

indicando que esses também já tiveram outras ocupações. Buscar uma carreira

“feminizada” por exigir menor dedicação, e ser o caminho mais fácil de ingressar e

cursar a Universidade pode ser uma importante estratégia dos homens negros e

pobres para ascender socialmente. O estudo de Pinheiro (1999) mostra que a classe

média negra das capitais brasileiras apresentou um crescimento relativo de 10% nos

anos de 1992 a 1999. É fato, como indica Pastore e Silva (2000), que a mobilidade

social, ascendente para a população negra, ainda é bastante limitada. O difícil

acesso à educação de qualidade por parte desse segmento, junto a dificuldade de

conversão da educação formal para as posições educacionais, sugerem processos

de discriminação racial no mercado de trabalho.

Isac constrói seu projeto profissional nesse campo de possibilidades “próprio

à sociedade complexa moderna” (VELHO, 1999, p. 19). Nesse espaço, cruzam-se

várias experiências, interações sociais e significados, enunciados a partir de sua

posição social, grupo de origem, família, gênero e etnia. Dificuldades de acesso à

educação, ingresso precoce no mercado de trabalho em função da necessidade de

sobrevivência pessoal e familiar, além de outros mecanismos excludentes misturam-

se a oportunidades que, com as cotas sociais, abrem-se ao ingresso na

universidade e asseguram um futuro mais promissor. Isac faz suas negociações com

a realidade rumo a um horizonte de expectativas em que se desenham melhores

oportunidades e maiores conquistas.

3.3.2.2 Mulheres e espaços masculinizados

Enquanto alguns segmentos de mulheres ocupam nichos femininos e

precários de profissionalização, outras têm ascendido à ocupações de alto prestígio

social e econômico, em geral, lugares considerados masculinos. No campo

investigado, um lugar de relações de forças, há tendências de manutenção das

relações de poder e também de outras tendências opostas. O próprio Bourdieu

afirma, que as disposições adquiridas em função de um dado campo “podem, em

particular, levá-los [os agentes sociais] a resistir, a opor-se às forças do campo”

(2004, p. 28). Assim, tem-se constituído a história das mulheres em seus

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movimentos de chegada a lugares masculinos. Resistências se situam; disputas

acontecem.

Importantes conquistas educacionais das mulheres sugerem, inclusive, uma

reversão do quadro profissional que sempre marcou a história da educação

brasileira. Castro e Yamamoto (1998) situam essa reversão, sobretudo, a partir da

década de 1970, quando, de fato, há maior paridade entre o número de homens e

mulheres no Ensino Fundamental (49,7% de mulheres e 50,3% de homens), e no

Ensino Médio (50,2% de mulheres e 49,8% de homens). No Ensino Superior, as

mulheres só foram maioria no final dos anos oitenta, quando as matriculadas

atingem 52,9% do total.

Atribui-se a movimentos políticos e sociais brasileiros, dentre eles, o

feminista, a principal responsabilidade pela expansão da escolaridade feminina e,

em consequência, o ingresso ao 3° grau e o acesso à carreiras universitárias. A

expansão das universidades públicas também contribui para esse ingresso das

mulheres em profissões superiores, como afirmam Bruschini (2007). Somam-se a

isso transformações ocorridas no interior de profissões consideradas de prestígio,

ampliando oportunidades para o desenvolvimento de carreiras femininas vindas de

segmentos superiores da sociedade. Atualmente, as mulheres são maioria nas

universidades, inclusive, adentrando cursos de prestígio social. O comparativo, a

seguir, apontado por Bruschini, Ricoldi e Mercado (2008), atesta esse crescimento:

1995 2005 Ocupações de nível

superior no Brasil Total Bruto Percentual de mulheres

Total Bruto Percentual de mulheres

Médicos 146.141 37,7% 226.021 39,8% Advogados 20.160 37,0% 42.724 45,6%

Procuradores e advogados públicos

7.994 43,0% 7.241 42,3%

Magistrados 10.991 24,2% 12.206 34,2% Membros do Ministério

Público - - 6.581 41,1%

Engenheiros 130.225 11,6% 147.754 14,2% Arquitetos 7.121 51,9% 9.210 54,2%

Fonte: MTE/Rais

Barbosa (1998, p. 139), afirma que há “aumento da proporção de mulheres

entre estudantes de medicina e odontologia em qualquer universidade”. Essas

mulheres inserem-se no mercado como profissionais e produzem um aumento

“substantivo dos trabalhadores de classe média na PEA”. Além disso, há grupos de

ocupações femininas ligadas à tarefas administrativas subordinadas, que buscam

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formas de afirmação profissional, tanto na busca de cursos superiores, como na

“realização de seminários e simpósios, nos moldes daqueles das nossas

associações científicas” (p. 139). A autora cita o caso das secretárias que buscam a

criação de cursos superiores de secretariado em universidades federais.

Numa análise sobre as profissões de nível superior e a distribuição por sexo

em cursos universitários, Silva (2009, p. 1), também demonstra “mudanças e

permanências em sua configuração nas últimas décadas”. Investiga,

particularmente, a medicina e o serviço social. Verifica a alteração significativa do

perfil de medicina quanto à distribuição por sexo, em função da entrada das

mulheres nas últimas décadas. Também verifica a permanência destas nos cursos

como serviço social, no qual há uma “maioria impactante de mulheres”.

Razões e sentimentos de duas mulheres Thaíssa174 e Geisiane175 mostram

um pouco dessas tendências. Ambas pretendem fazer engenharia, a primeira,

engenharia civil e a segunda engenharia elétrica, tradicionais nichos masculinos.

Apesar das diferenças de classes sociais, há semelhantes sentimentos em relação

aos projetos profissionais. O gosto pela matemática é um primeiro fator que contribui

para a opção de ambas. Gesiane afirma: “Sempre fui boa em matemática, então, um

curso na área de exatas é melhor”. Segue o relato de Thaíssa: “Gostar de

matemática é um dos motivos para escolher engenharia”. Querer conciliar algo que

se gosta de fazer com uma profissão prestigiada é parte das razões e sentimentos

de ambas: “Acho que juntei o útil ao agradável. Por que assim... Eu já tinha afinidade

com a área e como o mercado está em alta, pensei, por que não?” (Geisiane).

“Engenharia está em alta aqui no estado. Mas, não é só por isso que escolhi. É

porque dá para juntar o que gosto de fazer com aquilo que dá dinheiro” (Thaíssa).

Essas indicações estão presentes em quase todos os projetos profissionais. Não

raro, vem acompanhado dos seguintes discursos “não adianta ter dinheiro e ser

infeliz”, ou ainda, “se fizer algo só por dinheiro será um profissional medíocre”. Essas

são tendências que estão fazendo as experiências deste nosso tempo. Os

discursos, afinal, apresentam uma profundidade histórica, como afirma Velho (1999),

ou seja, revelam processos que subjazem à realidade.

174 Mulher branca, 20 anos, classe A, estudante do curso pré-vestibular privado. 175 Mulher parda, 20 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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185

O desejo por engenharia, também é forjado em função do projeto profissional

da mãe, no caso de Thayssa. As experiências, profissionalmente, bem sucedidas da

mãe têm impacto na sua avaliação de possibilidades de alcance e conquistas

femininas: “Minha mãe é engenheira civil, ela sempre teve o dinheiro dela, é

independente, tem o respeito e a admiração profissional. O pessoal lá da obra olha

para ela assim... [tom de orgulho]. Então, isso acabou me influenciando”.

Experiências como essa, sugerem-me que mulheres ligadas, afetivamente, também

inventam tradições, como afirma Costa (2009b).

Outro exemplo disso é o caso de Liliam176, criada pela avó, um importante

modelo na constituição de sua independência. Disposições para a ação são

construídas a partir daquilo que vivem na primeira educação. No caso, “trabalhar” é

um meio de auto-afirmação e, também, um sentido construído a partir do modelo de

criação da avó: “eu sempre cresci ouvindo isso da minha avó: ‘homem nunca vai te

dar nada’, sempre aquela conversa...”. Para Thaíssa, o trabalho mostra-se como

meta, mais pela via da profissionalização. A metáfora do “sororidade” - num sentido

inverso ao estudado por Costa (2009b) - é útil para se pensar a energia de relações

familiares desse tipo. No caso de Liliam, largada, diversas vezes, dentro de casa

sozinha pelo pai e a mãe: “Eles saíam, cada um para um lado e me deixavam lá,

sozinha, chorando. Uma vizinha uma vez contou para minha avó, e ela me pegou e

nunca mais me devolveu”.

Como indica Costa (2009b), a representação simbólica da “sororidade”, na

antiguidade, está ligada aos cuidados e aos deveres gravados na história da deusa

Themis, segunda esposa de Zeus. A sobrevivência de Themis, ainda menina,

dependerá da transferência dos cuidados de Gaia, sua mãe, para Nix, irmã de Gaia,

que irá protegê-la da fúria de Urano, seu pai. Como a autora afirma “Trata-se

daquela regularidade histórica em que a tia assume a responsabilidade de mãe e a

vivencia, por transferência, nas práticas de cuidados peculiares à maternidade” (p.

19). No caso aqui, a sobrevivência de Liliam dependerá de sua avó, a que a ensina

a “se virar” e ser uma mulher independente: “Meu pai nunca me deu nada. E nunca

precisei dele. Eu e minha avó nos viramos muito bem”. Thaíssa tem uma história

diferente, mas apresenta grande ligação com a figura materna: “Minha mãe é tudo

para mim. Ela me deu a vida, cuidou de mim. Eu devo tudo a ela. Não é fácil cuidar

176 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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186

sozinha de uma casa. Meu pai dá pensão, mas é pouco, se for pensar nos gastos

que temos”.

Não apenas observo continuidades e invenções de tradições que são

transmitidas às mulheres de outra geração, há também rupturas. As experiências,

em relação ao modelo materno, interferem nos projetos femininos, tanto a partir de

sua identificação como de sua recusa. Geisiane quer sua independência financeira

em recusa às experiências e o lugar social assumido pela mãe:

Não quero que aconteça comigo o que aconteceu com a minha mãe. Ela se tornou muito dependente do meu pai. Então, agora que está sem ele, não consegue emprego. Ela não tem estudo e quer um trabalho que assine carteira, trabalhe de segunda à sexta e pague pelo menos um salário, mas não encontra. Eu já estou no fim do Ensino Médio e ganho duzentos reais. Como ela que não tem curso, não tem nada, parou na oitava série e quer um salário? Não tem como.

Sua fala reflete não apenas o desejo de construir um projeto profissional que

a leve a diferentes caminhos, dos seguidos por sua mãe, mas, também, revela

mecanismos de dominação e exclusão que se fazem no mundo do trabalho

capitalista. A fala “não tem como” é legitimadora daquilo que se percebe como

natural. Esses mecanismos são reafirmados e legitimados no campo da cultura,

graças ao poder simbólico, como indica Bourdieu (2005). A saída que Geisiane

encontra é modificar, então, suas experiências, e escrever outras. E, com essas

razões e sentimentos, que ela move suas ações em direção a um certo horizonte de

expectativas.

3.4 Um balanço: o campo da profissionalização feminina

Retomo as questões propostas no início do capítulo: Que lugares sociais,

homens e mulheres têm ocupado no mercado de trabalho? Como as relações de

gênero impactam a construção de projetos profissionais? Esses projetos

profissionais reafirmam ou negam a equidade de gênero? É possível, então, afirmar

que o campo do gênero, em suas interseções com classe, raça e geração tem

impactos sobre a construção dos projetos profissionais? Evidências indicam o

reforço da falta de equidade de gênero, mostram não apenas que homens e

mulheres seguem diferentes caminhos profissionais, mas, sobretudo, caminhos que

podem levar à desigualdade das condições de trabalho e renda. Os projetos

profissionais vêem-se diante de tendências como essa.

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Considerando-se o campo do gênero nos termos de Bourdieu (2004),

pensado como um “espaço relativamente autônomo”, permeado por relações de

forças, é possível verificar como os lugares femininos, e significados nele

produzidos, ajudam a compor os projetos profissionais. Sentidos civilizadores

perpassam o campo do gênero; são internalizados, mostram as entrevistas. Um

dado capital cultural cria certas disposições para a ação, o habitus, identifica

Bourdieu (2007), são essas disposições que permitem identificar caminhos que se

abrem às mulheres em direção a determinadas profissões. A segregação setorial,

por gênero, já citada, também se faz nesse processo. Mas, outras tradições também

são inventadas ao se recriarem novos projetos profissionais. Nessa medida, tanto

podem contribuir para perpetuar as desigualdades como para superá-las.

Mas, cabe lembrar que os sentidos que se constroem em torno da busca de

igualdade de direitos e oportunidades, pelas mulheres, contém uma série de

paradoxos, como indica Scott (2005), posto nos debates sobre “igualdade” e

“diferença”, dilemas que prosseguem nos dias atuais e estão presentes nos

diferentes feminismos (COSTA, 2008). Deslocamentos de mulheres, de confortáveis

lugares femininos para os masculinos, mostram que aquele paradoxo posto pelos

feminismos, como parte da revolução democrática que se fez com base em um

“discurso baseado na diferença sexual”, como afirma Scott (2002, p. 27), pode estar

sendo superado nessas novas tendências de projetos profissionais.177

Concordando com Aguiar, citado por Costa (2009 b), os feminismos em suas

lutas por igualdade, nunca foram apenas manifestações intelectuais, mas também

expressões de sentimentos de muitas e diversas mulheres e homens. A noção de

igualdade aqui entendida é a que indica Scott (2005, p. 15): “Não é ausência ou

eliminação da diferença, mas sim o reconhecimento da diferença e a decisão de

ignorá-la ou de levá-la em consideração”.

Buscas por afirmação de diferenças e, ao mesmo tempo, a busca pela

igualdade de direitos, apesar de que se fazem e farão em lutas de homens e

mulheres, pobres e ricos, brancos e negros, pessoas de diferentes gerações, enfim

177 Para Scott apud Costa (2009a) o feminismo era um protesto contra a exclusão política da mulher: seu objetivo era eliminar as “diferenças sexuais” na política, mas a reivindicação tinha de ser feita em nome das “mulheres” (um produto do próprio discurso da “diferença sexual”). Na medida em que o feminismo defendia as “as mulheres”, acabava por alimentar a diferença sexual” que procurava eliminar. Esse paradoxo – a necessidade de, a um só tempo, aceitar e recusar a “diferença sexual” – permeou o feminismo como movimento político por toda a longa duração histórica”.

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em experiências humanas que são sempre múltiplas. Práticas e representações de

nosso tempo sobre as relações de gênero nas interseções de classe, raça/etnia,

geração, orientação sexual dentre outras, estão nos projetos profissionais; compõem

o campo de possibilidades com vista a certos objetivos a alcançar. Como afirma

Koselleck (2006), se a história for pensada como um campo de experiências e um

horizonte de expectativas humanas será mais bem compreendida. Seguindo

indicações do autor também foi possível compreender no presente, futuro do

passado, a perspectiva da longa duração histórica, permitindo precisar a história dos

conceitos como parte de processos sociais mais amplos. No caso específico deste

capítulo, o exame das relações de gênero e profissões desvenda um pouco mais os

projetos profissionais femininos.

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189

4 PROJETOS DE CLASSE E PROJETOS PROFISSIONAIS

Experiências e expectativas, dos sujeitos entrevistados, expõem desejos,

percepções, sensações e pensamentos. Os projetos profissionais emergem dessas

experiências sugerindo alguns sentidos, ou mesmo um certo sentido, ainda que não

seja nunca único, linear ou previsível. Os sentidos estão nas tramas do processo

civilizador, que, para Elias (1990), com base em Freud, traduzem dilemas entre

experiências de dor e de prazer. Os projetos profissionais se fazem, então, numa

negociação em busca de caminhos que levem a ganhos e a conquistas e/ou

descaminhos significativos de perdas, desprazer e sacrifícios. Essa negociação com

a realidade não se refere, entretanto, ao domínio consciente, por mais que se faça

no plano racional. Isso significa que por mais que os projetos resultem de ações

deliberadas, o indivíduo não tem consciência de todas as forças que compõe seu

campo de possibilidades. Não tem consciência de que suas disposições para a

ação, suas percepções sobre a realidade, seu modo particular de ser, entre outros,

se vincula a uma dada realidade. E essa realidade, em suas complexidades, porta

os projetos de classe. Isso não significa que os projetos profissionais são

determinados pelas classes, mas que, de modo singular, expectativas e sentimentos

criados pelos grupos sociais impactam nos projetos profissionais. Assim, desejos,

expectativas, sonhos, gostos, habitus, formam-se em determinados campos de

relações sociais que, ao ser mais bem investigados, permitem a compreensão dos

projetos profissionais:

Inicio a análise de como os projetos profissionais se ligam aos projetos de

classe, a partir do relato de Patiane178 sobre um colega de sua sala de aula, o

Cristian:

Patiane: As pessoas desanimam de fazer as coisas. Igual o menino lá da sala, meu colega Cristian [estudante do curso pré-vestibular privado e amigo de Patiane]. Ele ía fazer estatística, mas ele desanimou porque as pessoas chegam para ele e dizem que é muito difícil passar... Aí, ele não sabe se vai fazer mais. Pesquisadora: Pela influência dos outros? Patiane: Pela influência dos outros. Eu falei para o Cristian que se for pelo que as pessoas falam e pensam, nunca vai fazer nada. Mas aí ele falou que vai fazer primeiro, humanas e, depois, faz estatística. Pesquisadora: E por que você acha que o seu amigo Cristian fará isso? Patiane: Porque humanas, é mais fácil de passar! Estatística exige muita matemática... As pessoas falam que, logo no começo do curso, aqui na UFES, muitos desistem, porque é difícil. Aí eu falei com ele: “Cristian, se você for olhar

178 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público.

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para isso, você não vai conseguir nada. Você é inteligente!”. Mas ele está com medo: sempre estudou em escola pública.

Esse relato, comum a outras experiências que investiguei, mostra as

negociações que se fazem, dentro dessa lógica de busca por prazer e de evitar o

desprazer. Renunciar ao curso de estatística, ao menos por hora, é parte desse

processo o qual prenuncia a possibilidade de reprovação. Garantir o ingresso na

universidade pública, mesmo que por meio de um curso menos desejado, parece a

Cristian (citado no relato de Patiane), ser sua grande conquista, no momento. Aliás,

isso se verifica não apenas no campo investigado, mas no Brasil como um todo: o

Ensino Superior público para a maioria daqueles que pretendem uma profissão

superior está desenhado nos seus horizontes de expectativas; além de um lugar de

prestígio, é sentido como o que possibilita o alcance de maiores/melhores

oportunidades de inserção profissional. Mas, se por um lado, ingressar em uma universidade pública faz parte dos

desejos e das expectativas de uma parte dos jovens brasileiros, para a grande

maioria esse desejo não faz parte de seu campo de experiências. Essa exclusão se

faz, principalmente, em razão das posições de classe, cor, raça e gênero. Uma

expressiva parte dos jovens está excluída do processo educativo escolar. Segundo

dados do IBGE, em 2005, a frequência à escola, entre os jovens de 18 a 24 anos,

era apenas um privilégio para 31,6% da população nessa faixa etária. O rendimento

familiar per capita, foi um marcador explícito: a escolarização dos 20% mais pobres,

foi quase a metade da dos 20% mais ricos (25,1% e 48,6%). Além disso, a maioria

desses jovens (51,7%) cursava níveis inferiores de escolaridade ao recomendado

para a idade179.

Vários fatores dificultam o ingresso no Ensino Superior como, a baixa oferta

de vagas nas universidades públicas, a má qualidade de ensino da escola pública de

nível médio para as classes populares e a grande concorrência nos cursos de maior

prestígio social.

179 Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=774&id_pagina=1 acessado em 02/07/2010.

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191

4.1 Propostas educacionais para elites e classes populares

A exclusão das classes populares do ensino público superior, no Brasil, é uma

característica que decorre de propostas educacionais que marcam o Ensino Médio

durante todo o século XX: “a dualidade de um sistema que se voltava para as elites

e outro para as classes populares” (RAMOS, 2009, p. 240). Inicia-se com a

diferenciação dos currículos entre o ensino técnico e o ensino secundário, em que

apenas o último prepara para as universidades. Com a industrialização, como

mostra Ramos (2009), a dualidade acirrou-se, visto à necessidade de preparar

trabalhadores para o ingresso no mercado de trabalho e, com isso, a ênfase no

ensino profissionalizante. A universidade era pouco pretendida pela massa de

trabalhadores que mal chegava lá. Durante todo o período em que vigorou “o projeto

nacional desenvolvimentista e a certeza no pleno emprego” (p. 40), o Ensino Médio

voltou-se a preparação para o trabalho. A conjuntura atual, entretanto, marcada pela

crise do emprego e novas sociabilidades capitalistas, modificam e tornam frágeis os

objetivos deste segmento do ensino. Não se trata de investir na preparação para o

trabalho, em função de sua instabilidade. Fala-se a, partir de 1996, sobre a Lei

9.394/96, como indica Ramos (2009), que o Ensino Médio precisa preparar para a

vida, desenvolvendo competências genéricas e flexíveis à adaptação de novas fases

do capitalismo. Essa mudança estaria apontando para uma tendência de valorização

e aprimoramento da pessoa humana em detrimentos dos valores de mercado? Ao

que me parece, mais uma vez esse “novo” projeto não só do Ensino Médio, mas da

educação de forma geral por mais que não esteja comprometido com a formação

para o emprego, o está com a preparação para trabalho, considerando-se é claro, as

novas formas de trabalho como mostra Antunes (1995). E, isso não modifica em

nada os impactos para os projetos de classes sociais, pois se trata de uma etapa

que, ainda, exclui as camadas populares de acesso ao Ensino Superior.

O acesso às universidades públicas do Brasil acaba se restringindo a alunos

oriundos das classes mais favorecidas, com trajetórias escolares que os favorecem.

Já as Instituições de Ensino Superior particulares absorvem jovens e adultos das

classes menos favorecidas, cujas trajetórias escolares são, em geral, deficientes. As

classes também se movimentam em diferentes cursos. Classes mais altas dirigem-

se aos cursos mais prestigiados, academicamente, enquanto as classes mais baixas

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acabam ingressando em cursos com menor prestígio social, evidenciam pesquisas

realizadas nesse sentido180.

Em geral, os cursos universitários com menor prestígio social são, também,

aqueles mais fáceis de passar no vestibular e que exigem menor tempo de

dedicação durante o curso, condições que atraem, justamente, alunos/as de classes

populares. Dados do IBGE, de 2008, indicam que o percentual de jovens que,

somente, estuda diminuía na faixa etária de 18 a 19 anos, pois a maioria já concilia

trabalho e estudo: Na faixa etária de 10 a 15 anos, 85,5% só estudavam, passando

para 54,4% na faixa de 16 e 17 anos, para 27,6% entre 18 e 19 anos e, por fim, na

faixa de 20 a 24 anos, para o percentual de 10,5%.181

Assim, para segmentos de classe que têm dificuldades de ingressar na

Universidade Pública, fazer um curso mais fácil e de menor prestígio social é uma

forma de acesso, de ganho e conquista futura. Mas, não são apenas as dificuldades

de passar num vestibular, ou de ter que optar por um curso de dedicação parcial, as

determinações dos projetos profissionais. Como indicativo da entrevista usada como

epígrafe deste capítulo, a opção por um curso na área de humanas em detrimento

do curso de estatística revela, entretanto, algo mais.

O que indica o insucesso do jovem colega de Patiane no curso de

estatística? De onde vem o medo e a sensação de que não será capaz? O que está

em jogo, neste caso específico, é mais do que a materialidade das condições de

existência. Seu desejo é forjado a partir de certas disposições internalizadas para a

ação, um habitus, “maneiras de ser permanentes e duráveis” (BOURDIEU, 2004, p.

2), que, introjetadas, revelam aceitação de limites e do “sentimento do seu lugar”

que representa “um ajuste da personalidade às condições objetivas e às chances

reais” de grupos sociais menos favorecidos economicamente (SILVA, 1995, p. 26).

Evidencia-se, aí, o conformismo desse jovem com a predestinação para esse lugar e

o sentimento de impotência de superá-la. Essas percepções e sentimentos de si

estão nos modos pelos quais seus mestres os definem. São representações que

convergem, também, para a de imagens reafirmadas nas trajetórias pessoais desses

180 Para aprofundamentos ver pesquisa “Quando raça conta: um estudo de diferenças entre mulheres brancas e negras no acesso e permanência no ensino superior” de João Bosco Hora Góis (2008). 181 Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=774&id_pagina=1 acessado em 02/07/2010.

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jovens, a partir do lugar que ocupam na estrutura social. Esse sentimento de

impotência é reforçado ainda, pelos demais indivíduos de seu grupo social: “As

pessoas desanimam você de fazer as coisas”. Ele não cria, sozinho, a percepção de

si; assim, não conseguir sucesso em Estatística é um sentimento partilhado por

pessoas de seu convívio social. Em muitas indicações, esse meio reforça a ideia de

que cada um tem um lugar e determinadas possibilidades de conquista e de

sucesso, lembrando metáforas inscritas em provérbios populares que circulam entre

nós: “cada qual com seu igual”; “cada macaco em seu galho”, dentre outros... O

lugar ocupado pelos jovens no conjunto das classes sociais, embora não

determinante, atua na definição dos projetos profissionais. O habitus (BOURDIEU;

2004), compõe-se de inclinações e tendências que resultam de condicionamentos

sociais. Mecanismos de poder funcionam, não apenas no plano material, mas,

sobretudo, no plano simbólico, e assim na produção de imagens. No caso, a auto-

imagem cria a razão da desistência do acalentado projeto: “Não serei capaz de

cursar estatística”.

Ao fim do relato de Patiane, ela situa inibições ao projeto de seu colega de

turma: “Mas ele está com medo: sempre estudou em escola pública”. Estudar em

escola pública faz a diferença no acesso à universidade pública quando revela a

posição de classe e tudo o que lhe diz respeito a possibilidades de realização do

projeto. É, pois, sinônimo de limite, daí a insegurança e o medo. Essa é uma

regularidade presente nas observações de outros/as entrevistados/as. Relatam que

a escola pública não prepara para o vestibular, como já registrado. O relato de

Patiane é emblemático dos limites oferecidos aos jovens egressos da escola pública:

“Eles ficam dando um monte de trabalhinhos e provinhas fáceis só pra [sic] a gente

passar... Aí chega no vestibular todo mundo ‘se ferra’. Como se a gente não fosse

conseguir nunca nada”. A escola funciona como mecanismo eficaz para definir os

lugares a ser ocupados pelos indivíduos, como afirma Bourdieu (2004).

Expectativas profissionais serão restringidas entre aqueles que escolhem

trajetórias acadêmicas de menos prestígio: “É a força determinante do habitus de

classe fazendo com que membros de classes inferiores se “auto-releguem” ao

desempenho sofrível e a baixas expectativas profissionais” (SILVA, 1995, p. 29).

Memórias dos/as entrevistados/as registram, com frequência, razões e sentimentos

(e também ressentimentos) associados à posição de classes que possuem. Projetos

de classe estão conectados a projetos profissionais. O sentimento expresso na fala

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de Patiane mostra o reconhecimento de sua incapacidade de conseguir acesso a

profissões mais prestigiadas. Essas experiências são marcadas por privações e

mecanismos de exclusão, nem sempre examinados em avaliações de políticas

públicas.

4.2 Exclusão, habitus e capital cultural

Gostos, valores, estilos e estruturas de pensamento e ação decorrem de

condições específicas das diferentes classes sociais. O sentimento de exclusão, de

incapacidade de grandes conquistas, de lugares específicos a ser ocupados por

cada um, está na fala dos/as vestibulandos/as do curso público. Liliam,182 afirma:

“Não sei se consigo passar, mesmo com o sistema de cotas, eu acho que esse ano

está meio complicado, está bem mais rigoroso... Eu sei que aqui (refere-se à UFES)

é muito disputado e tem gente melhor do que eu! Tem pessoas que estão

disputando com afinco...”. Brenda,183 demonstra em seu discurso sentimentos de

inferioridade em relação às classes mais favorecidas, um sentimento forjado nas

relações sociais que conhece: “Os alunos de escola particular são mais elevados do

que a gente, eles sabem muito mais, são mais especializados. Isso não dá para

negar!”. Sentimentos de menos valia em relação a outra classe, percebida como “os

alunos da escola particular”, são expressos por Isac184: “Eu tenho medo de não

passar. Se não fossem as cotas, eu nem tentaria, porque os alunos do Darwin

[nome de um dos cursinhos privado da região] são melhores do que eu”.

Medo, baixa auto-estima, sensação de incapacidade, são alguns dos

sentimentos (e ressentimentos) que deslocam jovens de classes sociais mais baixas

para os cursos superiores de menor prestígio social. Simbolicamente, definem-se,

assim, os lugares que cada um pode ocupar, socialmente. Esses (res) sentimentos

modelam e orientam as ações a partir de disposições para a ação, que vão sendo

internalizadas ao longo das experiências dos indivíduos.

182 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 183 Brenda, mulher parda, 18 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 184 Homem negro, 29 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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195

A distribuição desigual do capital econômico entre as classes, é claro,

também é fator de desigualdade de acesso ao capital cultural. Para Bourdieu

(1998b), o capital cultural é um conceito de utilidade para apreensão da dimensão

simbólica da luta entre diferentes grupos sociais – uma luta pela legitimação de

certas práticas sociais e culturais que distinguem os diversos grupos pela posse da

cultura dominante, ou reconhecida como legítima. O capital cultural é incorporado,

principalmente, no ambiente familiar a partir do processo de socialização. Nesse

processo, diferentes tipos de capitais descritos por Bourdieu (2004) – capital cultural,

capital social (contatos e relações sociais), capital simbólico (ligado ao prestígio) e

capital econômico – articulam-se constituindo um espaço de poder. Para o autor, há

três tipos de capital cultural: o objetivado, o incorporado e o institucionalizado. O

primeiro diz respeito aos objetos culturais. Já o capital cultural incorporado, indica

SILVA, (1995, p. 25) refere-se à "capacidades culturais específicas de classe

transmitidas intergeracionalmente através da socialização primária", frisando que o

capital cultural institucionalizado refere-se a “títulos, diplomas e outras credenciais

educacionais” , base de mais hierarquias sociais.

Cada grupo social constrói um conhecimento prático daquilo que é possível

ou não se alcançar pelos membros de uma família (BOURDIEU, 1998b). Famílias

que possuem alto poder aquisitivo tendem a transmitir isso aos seus filhos e, por seu

capital cultural também valorizam, por exemplo, o sucesso escolar. Esse

conhecimento prático transforma-se em ação, transforma-se em habitus. Famílias de

baixo poder aquisitivo tendem a ter, também, um menor capital cultural,

considerando-se os acessos restritos a bens culturais. É o que observo das

distinções entre os dois grupos de vestibulandos.

Comparando esses grupos, fica nítido que estruturas de pensamento, valores

e ações são muito diversas. Entretanto, há algo que parece comum entre as

pessoas de um e de outro grupo; algo que articula grupos sociais tão diferentes

entre si. Por exemplo, observo que a questão de trabalhar cedo, dentre os indivíduos

de segmentos de classe menos favorecidos, socialmente, além de uma necessidade

econômica, aparece como um valor social. Para eles, parece inconcebível chegar

aos 18 anos sem trabalhar. É o que pode ser observado no discurso de Luciano185:

“Não tem que ficar pedindo dinheiro para o pai para sair. É ridículo um homem de 18

185 Homem branco, 21 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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ou 19 anos, ficar pedindo dinheiro. Tem que trabalhar para ter sua independência”.

Entre alunos/as do curso privado, o discurso é outro. Ao contrário, trabalhar nessa

mesma idade, antes de terminar um curso superior, é que é inconcebível. Sara

afirma: “Não tem como trabalhar e estudar. Não dá tempo, estudo o dia inteiro e

sábado ainda tem os cursos extras de redação, simulados... É bem puxado!”.

Entretanto, mais do que representativo de uma “subcultura de classe”

(SILVIA, 1995), o capital cultural representa um recurso de poder referido ao capital

econômico, mas como indicado, não se reduz a isso. Nesse sentido, é na

valorização social do capital cultural das classes dominantes, em relação às

subalternas, que se localiza o mecanismo de poder. O campo, segundo Bourdieu

(2004, p. 26), “é um lugar de constituição de uma forma específica de capital”. Os

capitais podem ser acumulados, assim o estudo, aprendizagens, comportamentos, e

atitudes podem fazer com que uma pessoa modifique a posição em seu campo

social. Os indivíduos podem, portanto, ambicionar mais ou menos do capital cultural

que tem disponível. Para esse autor, os indivíduos aprendem desde cedo que ações

e objetivos são possíveis a uma pessoa na posição em que ela se encontra e assim,

esse conhecimento é incorporado e se transforma em ação.

Há grandes diferenças, a considerar, no que diz respeito às condições de

incorporação do capital cultural em ambos os grupos investigados, como já indiquei

na análise quantitativa. Pais e mães mostram dilemas de seus filhos e filhas que se

traduzem em nítidas divergências em relação ao legado e à posse do capital

cultural, seja ele incorporado e/ou institucionalizado. Esses dilemas não estão

referidos, apenas a títulos de escolaridade dos pais e das mães, mas a hábitos e

costumes que detêm. A possibilidade de acesso de membros de classes sociais

diversas à leitura, à viagens, teatro, cinema, museus, de fato, são diferentes, como

em dois exemplos já citados: os de Isabela, do curso pré-vestibular privado e de

Patiane, do pré-vestibular público 186. Isabela187 viaja, lê, fez intercâmbio no Canadá,

fala inglês fluente e escreve histórias em inglês e português para um site. Além

disso, pinta, desenha, vai ao teatro com os pais e dedica-se, sempre, somente aos

estudos. Patiane, com a mesma idade, de diferente inserção econômica e social, já

se casou e separou e os pais não a aceitam em casa. Não tem para onde ir e

186 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público. 187 Mulher branca, 16 anos, pertencente à classe B, estudante do curso pré-vestibular privado.

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acabou morando com a irmã. Trabalha numa cooperativa em que ganha menos de

um salário, estuda e cuida da sobrinha para a irmã trabalhar. Mal sabe inglês, nunca

foi ao teatro – conforme seu relato – e não conhece nenhum lugar, além do próprio

Estado em que vive. Isso produz um universo cultural de diferentes percepções da

vida social e de outras disposições para a ação; não há como negar. Essas

experiências conformam sensibilidades diversas. Quando pergunto para ambas

sobre planos para o futuro, as respostas evidenciam diferentes expectativas

considerando-se, em cada uma, o seu campo de experiências. Patiane, fala: “Há

muito tempo que deixei de sonhar... Bem, mas o que eu quero?... Ter um trabalho

digno, e se eu passar em serviço social, aqui na UFES, já está de bom tamanho”.

Isabela tem planos mais audaciosos:

Primeiro, entrar na faculdade, de preferência na USP porque lá é melhor no campo que eu quero me formar. Depois, fazer uma pós, talvez no exterior ou aqui mesmo no Brasil... Trabalhar com o que gosto, ser uma boa profissional, independente. E depois me casar e constituir família. Nada demais, acho que é o que todo mundo quer.

Na verdade “nada demais”, mas dentro do segmento social a qual pertence

Isabela. Seus desejos expressam-se a partir de um modo de vida e um campo

cultural específico. Não estou afirmando que as diferenças no acesso aos capitais

econômicos e culturais, irão determinar o futuro dos/as entrevistados/as. Mas, é

nesse campo que os jovens encontram suas razões e produzem sentimentos; nesse

campo, fazem negociações e tanto definem movimentos de manutenção de seu

status, ou de ascensão social.

E, por mais que haja lutas e movimentos, saltam aos olhos histórias de

privações que marcam memórias e são parte constitutiva das experiências de

exclusão de jovens de classes mais pobres. Alguns lutam o tempo todo para

ressignificar suas histórias, outros, nem tanto. Brenda,188 conta histórias de sua

infância pobre com um pouco de tristeza: “Eu lembro, quando era criança, que todo

mundo chegava, na escola, com material escolar novo: caderno, mochila, lápis.

Aquele cheiro de tudo novinho... E, meus pais não tinham dinheiro para comprar.

Dava uma tristeza!” Há, nesse exemplo, uma educação dos sentidos: o cheiro da

coisa nova significa uma privação. Isac também conta de privações materiais de sua

188 Mulher parda, 18 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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infância, sobretudo, pela quantidade de filhos que os pais tiveram – um padrão

persistente nas experiências de jovens mais pobres: Olha, deixa eu explicar: primeiro, o meu pai casou com a primeira esposa dele e ela veio a falecer. Ele tinha oito filhos. Aí casou com a minha mãe e teve mais oito. Quando ele chegou a casar com a minha mãe, já tinha filho casado. Minha mãe tinha enteado que era quase da idade dela. Na época eles casaram e foram para São Paulo. Eu fui um dos últimos. Aí não tinha muito jeito, foi uma infância difícil... O tênis de um passava para o outro e coisa assim. Mas nem por isso desanimei. Quero melhorar de vida.

Essas impressões serão ressignificadas ao longo da vida. Ambos afirmam o

desejo de luta com vistas a superar as privações do passado. As privações serviram

de motivação para a busca de melhores oportunidades de vida, o que para esses

indivíduos pode se efetivar por meio da educação. Brenda chega a afirmar:

“Educação é chave de tudo”. Mas há algo em comum na vida de ambos. Os pais

sempre os estimularam a estudar. Isac afirma: “Meus pais sempre incentivaram os

filhos. Eu nunca soube o que é matar aula. Meu pai e minha mãe não estudaram

muito, mas eles sempre falaram para nós que sem estudo não há oportunidade”.

As disposições construídas na primeira infância estão presentes nessas

trajetórias. Isac dá continuidade ao projeto dos pais: “Educação é importante. Na

verdade, eu quero que minha filha me supere. Eu não quero que ela deixe de fazer

cursinho para entrar na faculdade como eu”. Um projeto iniciado pelos pais e que

conhece continuidade nas sensibilidades de Isac. O mesmo ocorre com Patiane189:

“Meu pai falou que não quer que eu faça geografia. Para ele, professor não é

profissão. Ele quer que eu faça Direito ou coisa assim”. Ou seja, em ambos constrói-

se o projeto de crescimento a partir do estudo e da profissionalização.

A história de João,190 mostra diferenças. Ele fez até a segunda série e a mãe,

mal sabe escrever. Vieram do interior. Pouco incentivo foi dado aos estudos. O que

para eles importava era o trabalho. Diz ter crescido ouvindo do pai: “Homem que não

trabalha é vagabundo”. João começou a trabalhar cedo, afirma: “Meus pais são

pessoas quase analfabetas que vieram do interior pra [sic] tentar criar os filhos

melhor aqui na capital. Eu sou o filho mais velho, então, tive que começar a trabalhar

logo, ajudando no sustento da família”. Ele fez curso técnico no Serviço Nacional de

Aprendizagem Industrial (SENAI) e, em seguida, arrumou um estágio. Trabalha 189 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público. 190 Homem branco, 42 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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como torneiro mecânico até hoje. Na época, nem acabou o Ensino Médio. Achava

besteira estudar. Já estava empregado e não via motivo para continuar os estudos.

Suas concepções e ações refletem, também, as disposições criadas na família, e

João parece ter dado continuidade a essas tradições em sua trajetória.

Os dispositivos de ação não são estáticos, ainda que tenham relação com a

socialização, e o indivíduo sempre pode romper com valores e crenças que

embasam suas ações. Os indivíduos inserem-se em estruturas e posições que

dependem dos variados capitais de que dispõem; assim, desenvolvem estratégias

de ação que “dependem elas próprias, em grande parte, dessas posições, nos

limites de suas disposições” (BOURDIEU, 2004, p. 29):

Essas estratégias orientam-se seja para a conservação da estrutura seja para sua transformação, e pode-se genericamente verificar que quanto mais as pessoas ocupam uma posição favorecida na estrutura, mais elas tendem a conservar ao mesmo tempo a estrutura e sua posição, nos limites, no entanto, de suas disposições (isto é, de sua trajetória social, de origem social) que são mais ou menos apropriadas à sua posição.

Mas, mesmo as disposições para a ação internalizada na primeira infância,

não são estáticas. Experiências futuras ocorrem em outros espaços transitados,

além do espaço familiar, e permite o confronto com diversas razões e sentimentos.

Províncias de significados diversos, como afirma Velho (1999), atravessam as

trajetórias de vida e dão contornos específicos à existência individual. Tudo isso, cria

novas percepções da vida social e novas disposições para a ação em João:

Voltei a estudar porque hoje acho importante. Tenho uma menina de dezoito e um menino de treze, e eles não gostam de estudar. Não vão mal, mas sempre passam raspando. E eu cobrando, cobrando. Aí puxei na memória: “como que eu estou aqui cobrando e cobrando, se eu não estudei”. Aí resolvi voltar para dar o exemplo.

Todo o campo constitui-se num “objeto de luta tanto em sua representação

quanto em sua realidade” (BOURDIEU, 2004, p. 29). Ou seja, trata-se de um tipo de

jogo social no qual as próprias regras são postas em jogo. Isso significa que nos

espaços sociais, permeados por relações de poder, configuram-se lutas, disputas e

consensos entre os indivíduos, dispostos hierarquicamente. O espaço social é

dinâmico; nele, sempre há relações de forças imanentes. O habitus, tal como

examinado por Bourdieu (2004), não possui um caráter determinista. Costumes são

reinventados no interior dos campos. Aliás, como ele propõe, é a partir dessa

concepção que se vê, de fato, a interação indivíduo e sociedade.

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4.2.1 “Vocês são uns fracassados”

Um professor meu, falou uma coisa que é certa: “Infelizmente eu tenho que falar para vocês que vocês são uns fracassados!” Aí todo mundo ficou assim... E ele continuou: “Sabem por quê? Se vocês tivessem cursado direitinho o primeiro e o segundo grau, vocês estariam nessa sala aqui? Não! Sabe por quê? Tudo o que vai cair na prova do vestibular é do segundo grau e se vocês tivessem estudado bem, tivessem tido uma boa base vocês não precisariam estar aqui aprendendo coisas que já viram no segundo grau”. Então são algumas coisas que ele falou, até grosseiramente, mas que tem um fundamento.

A fala acima é de Isac191. Sua trajetória na escola pública revela e oculta

sentidos múltiplos. Destaco as palavras registradas por ele como vindas de um

professor. Elas assumem valor de verdade, como afirma Foucault (1974), por serem

proferidas por uma autoridade, portanto, por alguém que ocupa uma posição de

poder na sociedade moderna, a de especialista. Admitidas como “verdadeiras”, o

que afirmam? Novamente, propagam o individualismo. Mesmo considerando-se o

fato de que muitos alunos/as não se dedicam aos estudos, ou não se empenham em

aprender, seriam eles os responsáveis pela defasagem do ensino público

secundário (e, também, primário) e pela falta de democratização do ensino superior?

Como tantos outros, esse professor, quando fala em nome da instituição/escola,

atribui toda a responsabilidade por um histórico de exclusões educacionais das

classes populares aos próprios alunos. E, reforça, assim, as teses liberais: eles são

os responsáveis, eles fracassam.

Isac admite que “o professor falou uma coisa que é verdadeira”, ou ainda,

“coisas que ele falou, até grosseiramente, mas que têm fundamento”. Isac confere a

si mesmo, resultados obtidos em sua vida: um exemplo de força da violência

simbólica (BOURDIEU, 2007), atuando sobre suas sensibilidades. Um modo de

exercício de poder invisível, que age sem coação e se faz sentir graças ao domínio

do capital simbólico, que as classes privilegiadas portam, fazendo parecer natural e

universal sua maneira própria de ser, pensar e agir. Esse poder age sobre as

relações sociais e as sensibilidades, e formata-as. O sentimento de derrota passa a

fazer parte, então, das experiências de Isac, mas não só dele, é claro. Afinal não

apenas Isac, mas o professor afirma: “Vocês são uns fracassados”. Trata-se de um

sentimento impresso em uma classe, e atestado pela instituição escolar; estará,

sempre, presente em determinadas formas de ação.

191 Homem negro, 29 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público

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As disposições para ação ganham consistência, principalmente, no interior do

processo educativo. Parafraseando, Bourdieu e Passeron (1998), a escola

complementa a família como o mercado em que se formam competências culturais

e, também, como o lugar no qual o habitus se consolida: "O habitus adquirido na

família (está) no princípio da recepção e assimilação da mensagem escolar, e (...) o

habitus adquirido na escola (está) no princípio da recepção e do grau de assimilação

das mensagens produzidas e difundidas pela indústria cultural e mais geralmente de

toda mensagem erudita ou semierudita” (BOURDIEU; PASSERON, 1998, p. 54). Um

outro depoimento, de Geisiane192, mostra como no interior da escola esse

sentimento de classe se expressa:

Lá na escola, os professores não acreditam muito que a gente vai passar na UFES. Então eles ficam falando para gente fazer o PROUNI, que daí consegue uma bolsa para a faculdade particular. De certa forma, eles têm razão porque a UFES é difícil mesmo, mas eles não acreditam muito na gente e não preparam a gente para UFES. No terceiro ano, você tem que ficar lutando com os trabalhinhos, com caderno completo, com provinha, pra só passar de ano. Como se só tivéssemos potencial para passar de ano e na UFES não, sem contar que o conteúdo que eles passam no terceiro ano, é tudo que não cai na UFES. Você tem um monte de matéria e não aprende nada. Olha: saiu a lista que vai cair no ENEM esse ano, nada veio pra gente na escola; eu estudo pro ENEM aqui no PUPT. A escola pública não te dá base para passar na UFES, a única coisa boa é que eles te dão uma esperança de conseguir uma bolsa no PROUNI. Se eu não conseguir passar na UFES, tento o PROUNI e o NOSSA BOLSA, num deles passo.

A escola contribui para hierarquizar os indivíduos. Nesse ambiente escolar, é

enunciado um vaticínio em relação aos segmentos sociais pobres, a de uma “atitude

resignada com relação ao fracasso” e uma “baixa auto-estima”, como observam

Bourdieu e Passeron (1998). A hierarquização dos indivíduos, no interior da

instituição escola se dá, sobretudo, com as desigualdades de acesso ao capital

cultural, como já indicado. Ainda que esse capital esteja, primeiramente na família, é

na escola que ele tem um papel efetivo sobre o desempenho individual. As

sensações de inferioridade e de baixa auto-estima estão sendo vivenciadas nas

relações desiguais das classes, em práticas cotidianas. É constantemente

reafirmada, como afirma Luciano, por vários professores,193: “Eu tava [sic] querendo

fazer direito, mas aí o professor conversou comigo. ‘Cara direito é difícil, você vai

acabar não passando! Faz história, que história é melhor’. É, ele tem razão, é difícil

para mim [sic] passar em direito.”

192 Mulher amarela, 18 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 193 Homem branco, 21 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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Maria194, de idade mais avançada, culpabiliza-se por não ter estudado quando

era mais nova; e atribui a si própria a culpa por estar desempregada: “Eu acho que

eu deveria ter tido mais disposição antigamente para fazer um cursinho, se eu

tivesse tentado, não estaria na situação que estou hoje”. Ainda que os sentimentos a

que me refiro construam-se, em parte, em função de registros emitidos no campo

educativo e dados como de verdade, eles ganham densidade com as próprias

percepções dos/as alunos/as com base em condições sentidas como objetivas: “Eu

ia tentar psicologia, mas aí fiz o simulado e vi que minha nota não alcança o ponto

de corte de psicologia. É muito alta. Aí resolvi fazer enfermagem,” afirma Maria195.

Há percepções e opiniões de familiares, amigos e parentes que reforçam avaliações

de idênticos significados. Isso mostra que a defasagem da educação tem cor,

classe, raça, geração e gênero.

Luciano,196 não acredita que passará em direito: “Tem gente se preparando

pro [sic] Direito muito mais tempo que eu, e só tem quatro meses que eu estou

estudando. Quando eu acabei o ensino médio, eu fiquei três anos sem pegar no

caderno, aí eu quero me preparar mesmo”. Geisiane,197 também mostra suas

percepções sobre as deficiências no preparo para o vestibular: “O pessoal lá do

Darwin e do Up [pré-vestibulares privados de Vitória], são mais especializados do

que a gente. Eles estudam muito mais”. Esses sentimentos vão compor as

disposições da ação que leva a “tentar um curso com concorrência baixa”, “fazer um

curso fácil”, “fazer curso na área de humanas”. Enfim, costumes que se inventam,

escondem a falta de equidade brasileira e, ao mesmo tempo, conferem uma

sensação de conquista. Passar no vestibular de uma universidade pública,

independente do curso pré-vestibular, de fato, é uma conquista.

É claro que isso não significa que o acesso à educação básica, em si,

determina as opções por determinadas profissões. Embora tenham peso

considerável, os indivíduos movimentam-se nos diferentes espaços que vivem. São

experiências humanas muito plurais, afinal, o motor da história. Não quero destituir o

indivíduo de potencial, e colocar todas as determinações do meio, nos rumos

194 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público. 195 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público. 196 Homem branco, 21 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 197 Mulher amarela, 18 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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tomados por suas vidas. Isso significa que há aqueles com boas oportunidades

escolares e econômicas, mas que não as utilizam e nem as aproveitam. Por outro

lado, é igualmente possível, que aqueles de muitas dificuldades econômicas e

educacionais, venham a superá-las e a fazer importantes conquistas.

Geisiane relata que nem todos os colegas empenham-se na conquista de

melhores oportunidades: “Tem uns meninos lá no cursinho que não vão passar, eles

ficam do lado de fora matando aula. O coordenador tem que ficar chamando. Alguns

pensam que só porque tem as cotas já estão dentro da UFES, mas não é assim, tem

que se esforçar. Igual o professor Alexandre. Ele se esforçou muito e demorou três

anos para passar no vestibular”. Por mais que haja um tom de meritocracia, no

discurso da vestibulanda, os projetos profissionais não se fazem sozinhos, são

construídos por pessoas num campo de experiências e diante de alguns horizontes

de expectativas. Por isso, as ações individuais são importantes. Patrícia, fala um

pouco de sua falta de motivação para estudar:

Meus pais sempre me incentivaram muito. Não só eu [sic] como os meus irmãos. Tanto que eles são o que são por causa dos meus pais. Mas o problema tá [sic] comigo. Eu não gosto de estudar (risos). Nunca parei de estudar, mas é aquela coisa... Vou me arrastando. Lá em casa todo mundo gosta de estudar, até meus pais depois de velhos. Mas comigo o incentivo falhou.

Isso não se configura apenas entre os/as alunos/as de um dos cursos

investigados. Não é algo próprio às classes populares. No curso pré-vestibular

privado, Rodrigo,198 também localiza experiências assemelhadas: “Eu queria fazer

engenharia, mas tá [sic] muito concorrido e não sei se eu passo. Não sou tão

inteligente para passar em engenharia. Para falar a verdade eu nunca gostei muito

de estudar. Estudei porque meus pais quase que me obrigaram”. Os indivíduos são

ativos e fazem opções dentro daquilo de que dispõem, como o seu campo de

possibilidades. Negociam com a realidade. Nela, não apenas examinam as

condições de que dispõem no momento, mas, também aquelas que suas memórias

preservam. Fazem, então, suas avaliações; limites e possibilidades orientam suas

disposições para a ação. Disposições que construíram ao longo de uma história

coletiva, mas, também, individual.

Pergunto até que ponto essas disposições para a ação “refletem” uma

realidade ou “criam” uma realidade? Lembro de um dilema parecido, por mim vivido

198 Homem branco, 18 anos, classe A, estudante do pré-vestibular privado.

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na adolescência: fazer psicologia, ou um curso mais fácil de ingressar na

faculdade?, Em parte, vejo-me identificada com trajetórias percorridas por alunos/as

da rede pública, já que fiz “Segundo Grau Magistério”. Partilhava, então, do

sentimento de impotência e incapacidade de ingressar na Universidade Pública. Tive

oportunidade, entretanto, de obter uma bolsa de estudo num pré-vestibular privado

e, então, uma chance de concorrer ao vestibular: Daria para passar em Psicologia?

Lembro de algumas pessoas me falando para fazer o curso de pedagogia, porque

era mais fácil de ingressar. Ouvi isso de muitas pessoas. Se eu tivesse feito

pedagogia, estaria confirmando a realidade de que as classes mais baixas dirigem-

se aos cursos menos privilegiados, ou criando uma realidade? Com muitas

incertezas, avalio o risco de afirmar que a capacidade individual determina as

conquistas. Entretanto, não se pode destituir os indivíduos da capacidade de

acionarem seu potencial criador e de enfrentarem situações-limites e caminhos

impensáveis num dado momento. Registro isso em outras trajetórias como mostrei

anteriormente.

Tratei até aqui dos sentimentos de exclusão e das disposições para a ação

que se forjam, sobretudo, nas camadas sociais mais pobres. Mas, não se pode

perder de vista que os indivíduos movem-se no interior de suas experiências, tantas

imprevisíveis. É assim que se compreende, também, as rupturas com projetos de

classe e aliança com outros projetos. Apesar dos entrevistados, principalmente, de

classes populares apresentarem essa sensação de reconhecimento do seu lugar e

sentimentos de exclusão, em suas experiências plurais e contraditórias, possuem

desejos de superação de dificuldades, desejo de superação, de ingressar em

profissões prestigiadas, com todos os determinismos que se fazem. Sirlei199, por

exemplo, negra e pobre, busca fugir desses determinismos e sonha com a carreira

médica. Não é apenas um sonho, seu desejo move suas ações. Dedica-se muito

aos estudos, vira noites estudando. Mesmo pobre, economizou parte da pensão que

recebe dos pais, já falecidos, para, ao longo desse ano, apenas dedicar-se aos

estudos. Acredita que irá passar. E, também, recebe o apoio dos/as professores/as

do pré-vestibular público que partilham desse sonho. Enfim, os/as vestibulandos/as

vivem múltiplos papéis e movem-se em diferentes planos: “[...] nenhuma sociedade

é monolítica culturalmente, sempre apresentando planos e dimensões diferenciados

199 Mulher negra, 20 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público.

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em função do seu modo singular de construção da realidade” (VELHO, 1999, p. 26).

Abre-se espaço e caminhos para a mudança e a transformação de relações sociais.

4.3 O “sentido do jogo”

Na discussão, indivíduo e sociedade que retomo mais uma vez, é nítida a

dificuldade de se precisar rumos tomados pela experiência de cada um. Nessas

experiências, os processos são intercambiáveis, lembra Elias (1990). Isso impõe

cautela de análise. Por mais que os indivíduos movam-se em diferentes espaços e

tempos, como sujeitos de diferentes classes sociais partilham experiências comuns

e, por conseguinte, percepções, sentimentos, memórias, sensações próprias a

essas experiências são criados. É observável que há aqueles que parecem ter mais

acesso ao jogo social, como se dominassem mais as regras, e quando isso se

atualiza nos projetos de classe.

Leandro,200 é filho de médicos e tem vários tios com essa profissão. Fazer

o curso de medicina parece ter sido uma estratégia de ascensão social da família de

Leandro. Os avós paternos são muito humildes, e vieram da Itália com o projeto de

“fazer fortuna”. Conseguiram, por meio da educação dos filhos, que todos se

formassem em medicina, e todos “estão bem de vida. Foi uma conquista para os

meus avós” afirma. Mas, quer romper com a tradição de família e fazer geologia:

Minha é mãe é médica, praticamente minha família toda trabalha na área de saúde. E sempre foi tudo muito certinho, assim, eu sou meio do contra. Acho um absurdo isso que o pessoal faz: numa escola de 2000 alunos, tipo... 1500 (decidem) fazer só três tipos de curso, direito, medicina e engenharias. Acho um absurdo... Aí resolvi fazer algo diferente.

Leandro diz que todo mundo sabe que ele não gosta de seguir aquilo que é “o

normal”; gosta de criar, de inventar. A ideia de geologia surge, primeiro, do gosto

pela geografia. Diz que adora ver “Discovery Chanel” (canal de tv por assinatura), ler

sobre arqueologia e ver documentários. O acesso ao capital cultural dado por sua

posição de classe possibilita-lhe um número maior de opções. Depois, começa a

investigar essa matéria em sites e com os amigos. Nesse ponto, não só o acesso ao

200 Homem branco, 18 anos, classe A, estudante do curso superior privado.

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capital cultural lhe permite-lhe chegar a essa profissão como a própria rede de

relacionamentos é mais propícia a novas informações: “A namorada do meu irmão é

engenheira e trabalha na Petrobrás. E, ela falou que geologia é uma área bem

promissora”. Complementa com pesquisa, nas quais também descobre tendências

de ascensão nessa profissão:

O curso que eu faço tem uma perspectiva de ganho muito alto depois. O salário inicial é tipo... 8.000 reais, podendo chegar a 20.000, 30.000 reais; não é uma coisa pequena. Mas ninguém quer arriscar. Ficam nos tradicionais. Meus pais me apóiam e ainda caçoam do meu irmão, por estar fazendo medicina. Porque meu pai é médico e sabe como está o mercado... Tudo saturado... Esse bando de gente saindo agora para engenharia, medicina e direito... Tudo com o mercado saturado, provavelmente vão ter uma carreira estagnada... E depois, conversei com meu pai, vou tentar as melhores faculdades do Brasil, faço uma pós no exterior e estou com muito mais chance do que esses que estão na mesmice.

Ainda que não se saiba, se de fato ele terá mais “chances de fazer carreira”

em geologia do que em medicina, é visível o seu grau de autonomia ou liberdade

para buscar opções, em que concilie seus gostos e percepções da realidade com

perspectivas futuras na construção de seu projeto profissional. Essa possibilidade se

dá pelo lugar que ocupa no interior de seu campo, e por facilidades e mobilidades

que aí estão dadas. Sua segurança e visão de futuro parecem apontar para atitudes

típicas de sua família: os avós ascenderam, socialmente, como comerciantes,

quando vieram da Itália; os pais dedicaram-se à medicina numa época propícia ao

desenvolvimento da profissão no Estado do Espírito Santo. Parece dar continuidade

ao projeto de família, mesmo que não perceba. Não no sentido de seguir a profissão

dos pais, mas, de tentar buscar novos caminhos que a levem a maiores ganhos e

conquistas futuras. Fala que quer “ter muito dinheiro”, mas também é importante

fazer o que gosta: “Eu estou unindo os dois. Eu gosto da área. E o mercado está

bom. Sempre abrem vagas na Petrobrás, Arcerlor Mital Tubarão... Essas grandes

empresas do Estado sempre tem 5 ou 6 vagas para geólogos... com salários bons”.

O que observo na experiência de Leandro é aquilo que Bourdieu (2004),

chama de senso do jogo, algo que forjado nas experiências humanas, a partir do

campo em que os indivíduos encontram-se: “Entre as vantagens sociais daqueles

que nasceram num campo, está precisamente o fato de ter o que se chama em

rugby, mas também na Bolsa, o sentido do jogo” (p. 27). Trata-se de uma arte de

“antecipar as tendências”, algo que se vê com freqüência, e que se articula a “uma

origem social e escolar elevada e que permite apossar-se dos bons temas em boa

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207

hora” (p. 28). O senso do jogo é uma forma de antecipar acontecimentos, mas,

também, de saber portar-se da maneira devida em cada situação. Aqueles que

nascem no jogo têm o privilégio de já possuir as disposições adquiridas em família.

Nas trajetórias de Sara,201 e de Lívia,202 é possível visualizar os privilégios das

disposições adquiridas em família. A forma de planejar o futuro profissional e a

segurança com que decidem, mostram disposições forjadas em família. Fazer

ensino superior para pessoas das classes mais elevadas, nem mesmo parece uma

conquista, mas uma “consequência natural” da educação. As duas jovens, sequer

concebem a possibilidade de trabalhar antes do término de um curso superior. Lívia,

afirma: “Não pretendo trabalhar antes de completar os estudos”. A ideia de

“completar” mostra que considera o ensino superior uma etapa necessária de sua

educação. Antes de tudo, irá terminá-lo; depois, ingressa no mercado de trabalho. O

mesmo se verifica em Sara que tentará o curso de Direito:

Não tem como trabalhar antes de terminar a faculdade. Agora, no cursinho, a gente estuda o dia inteiro, mas na faculdade não vai ser diferente. Ainda mais em direito que tem que ler muito. Eu penso também que a gente tem que se preocupar em ter uma boa formação. De que adianta trabalhar agora nesses trabalhinhos que pagam pouco? Só atrapalham a formação. Então depois de formado, aí sim, você pode conseguir um emprego de verdade.

O sentido do jogo aqui referido é útil para a análise do acesso à universidade

e às profissões de prestígio. Para esses/as que nascem numa classe de maiores

recursos materiais e simbólicos é como se tivessem maior domínio das

racionalidades do mundo do trabalho desse nosso tempo histórico: estudar, ter uma

boa formação e, em consequência, uma boa colocação no mercado de trabalho. Já

aqueles que aprendem, posteriormente, as regras do jogo, arriscam-se mais, correm

o risco de “estar sempre defasados, deslocados, mal colocados, mal em sua própria

pele, na contramão e na hora errada, com todas as consequências que se possa

imaginar” (BOURDIEU, 2004, p. 29).

Nada impede que as regras do jogo sejam aprendidas. Vejo isso na história

de Isac, por exemplo. Mesmo com todas as dificuldades financeiras e educacionais,

concorda com a importância da educação para uma boa colocação no mercado de

trabalho: “Já passou da hora de fazer faculdade. Se eu quiser melhorar de vida,

preciso entrar na Universidade”. Brenda, também parece aprender como se faz esse

201 Mulher branca, 17 anos, classe C, estudante do curso pré-vestibular privado. 202 Mulher branca, 15 anos, classe A, estudante do curso pré-vestibular privado.

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208

“jogo social” e negocia com a realidade em função da percepção dos sentidos desse

jogo:

Sei que para ter alguma coisa na vida, você precisa ter curso superior. Ficar só nestes “empreguinhos” não leva a gente a lugar algum. Mas tenho que trabalhar. Eu gosto de trabalhar. Então prefiro continuar trabalhando em meio período para poder me dedicar aos estudos. Aí, lá na frente, posso conseguir um emprego melhor.

Os sentidos do jogo, nesse campo das experiências investigadas aqui, são

peculiares a indivíduos que se direcionam para profissões de prestígio. Para àqueles

que pertencem às camadas populares, esses sentidos são apreendidos. O sentido

da ascensão social, a partir do ingresso ao ensino superior e às profissões de

prestígio, não é algo tão comum às experiências dos indivíduos de classes

populares, como é para aqueles de classes mais privilegiadas. Nas experiências

dos/as vestibulandos/as do ensino privado, isso se estabelece quase como próprio

ou “natural” a essa cultura.

Esses sentidos do jogo, estão referidos as próprias vantagens que uma

classe tem em relação a outra de manter-se na escola em nível fundamental e

médio. Um discente, proveniente das camadas populares, tem mais dificuldade e

menos preparo para lidar com o ambiente escolar do que um discente das mais

privilegiadas. No primeiro caso, o ambiente familiar já prepara os indivíduos para o

ambiente escolar, ou seja, para a concentração, para a estabilidade por grandes

períodos de tempo, para as leituras, o gosto pelo conhecimento, para as avaliações,

o domínio das hierarquias, entre outros. Estão mais habituados ao ambiente escolar.

O que, também, é um fator de permanência na escola, além de outros tantos.

Considero importante abordar que as classes sociais portam projetos, formas

de estabelecer relações sociais, aspirações, valores, tradições, costumes e sentidos

atribuídos a própria vida humana. Isso compõe os projetos profissionais

investigados. Assim, os projetos profissionais vinculam-se das mais diferentes

formas aos projetos de classe – seja rompendo, dando continuidade ou compondo-

se a outros projetos.

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209

4.4 Projetos de Classes

A opção por dois grupos de investigação, o de uma instituição pública e o de

instituição privada, foi uma estratégia de utilidade metodológica, porque permitiu um

recorte por classes e a investigação de como elas operam sobre os projetos

profissionais. Por outro lado, nessa polaridade, parece haver ocultado as

experiências da classe média. É como se tivesse de um lado alunos/as pobres no

curso pré-vestibular público, e alunos/as mais ricos no pré-vestibular privado. A

classe média é, entretanto, central nessa análise e, ao mesmo tempo, difícil de ser

localizada. Ela é flutuante e seus contornos não estão bem definidos, por isso,

inclusive, tem sido menos estudada do que as elites ou as classes populares. Mas,

na pesquisa em questão, considero de extrema importância tratar dessa classe, uma

vez que a busca de profissionalização os inclui e indica uma estratégia importante

de manutenção e/ou conquista de novas posições de classe.

Aliás, é possível afirmar que a profissionalização é, sobretudo, um projeto das

classes médias. Segundo estudos divulgados pela Fundação Getúlio Vargas (FVG),

o quanto a classe média cresceu no Brasil, no período entre 2004 e 2008, já

corresponde a mais da metade população economicamente ativa (PEA). O número

de famílias na classe C, aumentou de 42,26% para 51,89%, no período investigado.

Para a FGV, uma família é considerada de classe média (classe C), quando tem

renda mensal entre R$ 1.064 e R$ 4.591. As classes de elite (classes A e B)

correspondem a ganhos superiores a R$ 4.591, a classe D ganha entre R$ 768 e R$

1.064. E, os de fato pobres (classe E) são aqueles cujos rendimentos são inferiores

a R$ 768. Nesse estudo, há indicativos de que as famílias das classes A e B

também cresceram de 11,61% para 15,52% na população. Já os brasileiros de

classes mais baixa, com famílias que ganham menos de R$ 1.064, caiu de 46,13%

para 32,59% na população brasileira.203

Passar no vestibular é um sempre acalentado projeto dessas classes, sempre

plurais, em busca de ascensão social, por meio da profissionalização. Como indica

Gomes (2001), os pré-vestibulares foram criados, inclusive, com o intuito de dar

condições para que as pessoas, principalmente de classe média, diante de lacunas de

conhecimento da educação fundamental e média, venham a pleitear vagas nas

203 Disponível em: http://www.fgv.br/fgvportal/principal/idx_materia.asp?str_chave=12089&sessao=2 Acessado em 02/07/2010.

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210

universidades públicas e nos cursos de maior prestígio social (aqueles em que a

concorrência é mais acirrada).

Parte dessa classe média - está entre os/as alunos/as da escola pública e

outra parte entre os alunos/as da escola privada. Trata-se de uma classe destinada

a mover-se “em direção à proletarização ou em direção ao aburguesamento”

(MAYER, 1984, p. 92). Por isso, ainda ha dificuldade de localizá-la204. Mas, não

basta indicar uma renda econômica para poder distinguir os limites dessa classe em

relação ao proletariado ou à burguesia. É preciso compreender um pouco mais de

sua constituição histórica.

Mayer (1984) usa os termos “baixa classe média” ou “pequena burguesia”

para indicá-la. E, sugere que sua constituição teria se dado no fim do período

medieval e início dos tempos modernos “cujos contornos sociais permanecem

vagos”, quando “novos homens começaram a fundar cidades e a instalar-se nelas,

fossem comerciais, manufatureiras, eclesiásticas ou burocráticas” (p. 94). Esses

novos homens não eram apenas oriundos de uma classe de nobres senhores da

terra, cavaleiros ou vilões da Europa Medieval, mas, também, pertenciam a uma

“escória flutuante” como indica Pirenne (Apud Mayer. Op. Cit.), de homens pobres e

sem terra, associados pela pobreza que construíram seu “capital a partir do nada”.

Esses pequenos comerciantes e burocratas são o grosso da população das cidades.

E, quando a base econômica muda da estrutura feudal para as cidades, o “patriciado

mercantil e manufatureiro” passa a ocupar as primeiras posições nas cidades,

deixando essa pequena burguesia como classe intermediária. Com a burguesia

patrícia no poder, essa baixa burguesia luta pela ascensão movida pela esperança

de pertencer à classe rica e o medo de cair no estado miserável do proletário. É o

que já apontava Marx (2006), em O “18 brumário de Louis Bonaparte”205.

Politicamente, é também uma classe flutuante. Só se apresenta como

revolucionária, quando está ameaçada.

204A classe média constitui-se básica e historicamente, desde seu surgimento, de advogados, jornalistas, médicos, professores, estudantes universitários, e outras profissões liberais. Essa classe média seria existente como subproduto do “rápido desenvolvimento do capitalismo comercial, industrial e financeiro, que também estimulou a expansão do recrutamento à força da classe trabalhadora” (MAYER, 1984, p. 100). Os white-collar compostos por funcionários públicos, empregados do escritório e do comércio começam a integrar essa classe criando um novo segmento dessa pequena burguesia. 205 Para aprofundamentos ver MARX, Karl. O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte. São Paulo: Centauro, 2006.

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211

O que me interessa aqui é a identificação desses dois sentimentos: “medo”

de perda de posição social e “esperança” de ascensão social, como expectativas

desse segmento. Uma classe, que busca o tempo todo se diferenciar das classes

pobres e se assemelhar às classes mais altas, efetiva a valorização da cultura

burguesa. Mas ela, por si só, “gera continuamente uma cultura, um ethos, um estilo

de vida e uma visão de mundo distinto” (MAYER, 1984, p. 93). Ela pode ser

apreendida nos gostos, nos costumes, e nas disposições para a ação que se

constroem a partir de um projeto comum: a ascensão social. Há, portanto, um

sentimento comum da classe média que, desde o seu surgimento, busca fugir dos

riscos de retorno às classes baixas e projeta a ascensão social em direção à classes

mais elevadas. O sentimento é de medo e esperança que, em suas práticas,

relaciona-se a mecanismos de querer marcar uma diferença em relação aos

desfavorecidos, como uma demarcação “não pertenço a essa classe” e, ao mesmo

tempo, uma vontade de se assemelhar às classes mais altas. Há ainda indicativos

importantes sobre essa classe, em sua composição mais modesta, indicados por

Mayer:

(1) ganham a vida através de um trabalho que não é preeminentemente natural, não exigindo esforço físico regular e exigindo um mínimo de alfabetização, (2) que, examinados através de critérios objetivos (de renda, riqueza, educação, residência, etc.) não são uma classe alta nem baixa, (3) que são singularmente autoconscientes do fato de não serem nem de uma nem da outra classe, mas que aspiram subir; (4) que são inclinados a ser altamente individualistas em sua busca de mobilidade ascendente; (5) que consideram a propriedade privada algo sacrossanto; (6) que são imensamente suscetíveis à ação pessoal e as práticas de patronagem; (7) que são propensos a proteger ou melhorar as oportunidades de vida dos seus filhos; (8) que, em última instância, e especialmente em situações de tensão estão mais temerosos de cair ou voltar para ramos de negócios considerados desonrosos ou para o trabalho manual, do que ansiosos para ascender para a classe média absoluta; e (9) que se reúnem para uma ação política conjunta somente em ocasiões de grande tensão (1984, p. 107).

Barbosa (1998) argumenta que a profissionalização é um caminho

significativo de organização de estratégia de extratos da classe média. É o que se

observa na formação dos costumes dessa classe. Montam estruturas para que os

filhos possam estudar. Há importantes estratégias dessa pequena burguesia como

gostos, modos de se vestir, uma estrutura e a vida familiar típica, “possuem hábitos

de lazer, maneiras de falar, valores sociais, atividades associativas e atitudes

políticas que são típicas de sua classe” (MAYER, 1984, p. 93).

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212

4.4.1 Costumes e tradições das classes média e alta

Lívia, nem pensa em trabalhar antes de ter uma formação acadêmica

universitária. É como se nem menos considerasse a possibilidade de ofício sem o

curso superior. Ela tem 15 anos, é filha de médico e apesar de seus pais morarem

no interior, montaram toda uma estrutura para ela fazer o pré-vestibular na capital.

Tem um apartamento na Praia da Costa, um dos melhores bairros, da Grande

Vitória, motorista que a leva e busca na escola, uma faxineira que limpa o

apartamento e faz as refeições na própria escola, já que estuda em tempo integral;

são comodidades criadas para que ela e a irmã dediquem-se apenas aos estudos.

Lívia, estuda certa de 13 horas por dia, de 07 às 17h30 na escola, (para a 1h30

quando faz sua refeição) e mais duas horas quando chega em casa. Tudo isso é

parte de tradições, inventadas pelas classes mais altas de Vitória. Algo que persiste

nessa região como uma tradição – talvez desde a época em que as elites agrárias

mandavam seus filhos estudar na capital – mas, também, resultado do

desenvolvimento incipiente de outros municípios, que compõem o Espírito Santo.

Lívia complementa: “Eu nunca trabalhei, nem estágio. Eu nunca pensei em trabalhar

antes de entrar na universidade, isso nunca passou pela minha cabeça”. As marcas

de classe social são nítidas em sua experiência. As facilidades, favorecidas pelas

famílias, ajudam a ampliar as disposições sobre o “senso do jogo”. E disso, Lívia,

tem consciência:

Para mim, tá [sic] mais fácil por um lado. Tenho esse apartamento aqui, eles vêm todo o final de semana aqui ver eu e minha irmã. E até essa facilidade que a gente tem pra buscar informação, conhecimento pela internet... Assim a escola oferece muita coisa, que na época deles eles não tinham.

Reclama, entretanto, que a concorrência aumentou “é quase impossível

passar logo no primeiro vestibular de medicina, as pessoas tentam duas ou três

vezes”. Já se prepara para estudar por dois ou três anos, só para ingressar no

vestibular. Isso me leva a perceber, não apenas a invenção de tradições e costumes

das classes médias, mas, também, o quanto essa classe aumentado e tem

ascendido na estrutura social do país.

Os projetos profissionais de que trato, em grande parte, são de indivíduos

vindos de segmentos dessa classe. Eles portam projetos e costumes que lhe são

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comuns, mesmo que não se localizem nela. Os costumes e tradições da classe

média são percebidos por Luciano206, referindo-se à vantagens de que alunos/as de

curso privado desfrutam para passar no vestibular. Assim, conquistam vagas nos

cursos acadêmicos, não por seus méritos pessoais, mas pelas facilidades de que

dispõem:

Eu não concordo que eles sejam mais inteligentes do que nós, mas eles têm mais chances [reforça o tom da voz] do que nós. Tem professores, apostilas, simulados, tudo voltado para o vestibular. Então já estão acostumados a isso. Estudam o dia inteiro, tem tudo nas mãos, não precisam trabalhar. Claro que assim é mais fácil passar no vestibular.

Luciano é de classe popular; observa que essas vantagens estão nos

costumes e tradições desses segmentos de classe, quando afirma: “Eles estão

acostumados”. Habituaram-se a um modo de vida, montado para passarem no

vestibular. Para esses/as alunos/as desses segmentos, passar no vestibular é quase

uma obrigação. Mas não só ingressam na Universidade Pública como precisam

passar nos cursos mais prestigiados e, para isso, não se importam de fazer cursinho

por mais de um ano. Sara, indica: “Se eu não passar em Direito esse ano, eu faço

cursinho de novo. Porque é o que eu quero mesmo, e não vou tentar outro curso.

Um curso mais fácil”.

Diferenças afirmam-se em relação aos alunos/as do pré-vestibular público,

quanto a aprovação no vestibular de 2009. Não tentarão novamente vestibular na

UFES. João afirma207: “Se eu não passar na UFES esse ano faço, então, outro curso

técnico. Algo ligado à mecânica”. João desistirá do curso superior, até porque, como

afirma já tem uma profissão: a de torneiro mecânico, há mais de 20 anos. Mas, há

aqueles que tentarão uma instituição privada, como afirma Maria208: “Se eu não

passar aqui na UFES, faço Enfermagem numa instituição privada à noite, porque

preciso trabalhar, vou tentar o PROUNI. Sara, ao contrário, vive só para se preparar

para o ingresso na Universidade Pública:

Eu passo o dia inteiro na escola estudando, aí eu chego em casa de noite é só tomar um banho mesmo e descansar. Estudo no feriado, sábado, domingo e ainda mais agora por causa do ENEM aí mudou tudo lá na escola. A prova do ENEM vai ser dois dias, então lá na escola, teve que mudar o simulado para dois dias. O

206 Homem branco, 21 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 207 Homem branco, 42 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público. 208 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público.

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simulado agora é sábado e domingo, aí realmente não sobra tempo para quase nada. Sábado normalmente é dia letivo e agora eles estão querendo aumentar o número de simulados, porque a prova já é agora em Outubro. Daí quando não tem aula no sábado tem o simulado. A média era de um por bimestre, só que eles aumentaram agora porque é uma coisa muito repentina. E a gente tem que se acostumar com o novo padrão de prova e os professores estão fazendo a gente enxergar como é que vai ser. Por isso tem tantos simulados assim, para a gente treinar.

O projeto profissional de Sara liga-se aos projetos desses segmentos de

classe e, por isso, tem o reforço e o apoio da família, além das facilidades materiais

e de acesso ao capital cultural:

A minha mãe incentiva, depois que eu escolhi ela falou: “é isso mesmo”, porque ela falou que eu sempre gostava de impor minha opinião, falava que eu era um pouco autoritária. Ela diz que, dentre todos que eu falei, direito é o que eu mais me encaixo. Às vezes, eu falo que quero desistir e fazer uma coisa mais fácil porque o direito é muito concorrido, aí ela vai e fala: “Ah não minha filha! É seu sonho, você falou que queria fazer mesmo, então faz!”. Aí é um apoio também.

Além disso, Sara afirma que, o outro incentivo vem do fato de toda a família

gostar muito de estudar. Todos estão fazendo curso superior: “Eu vejo minha mãe

agora, depois de tanto tempo, fazer faculdade, entrando numa área bem diferente

daquela em que ela trabalhava, porque está fazendo farmácia. Meu pai, agora,

resolveu fazer administração, então eu vejo a força deles em estudar”. Um incentivo

a Sara e, também, um reforço na afirmação dos projetos da classe média em busca

de ascensão de uma família que emerge das classes inferiores.

Além de estudarem em tempo integral, de buscarem cursos de maior prestígio

social e deterem as facilidades promovidas pelos pais, observo outros costumes nas

classes média e alta capixabas com relação à educação: viagens e intercâmbios

culturais a outros países. Rodrigo, Hanna, Leandro, Isabela209 e Pedro210 já

passaram um ano, estudando nos EUA ou no Canadá para aperfeiçoar o inglês.

Vejo aí também estratégias de diferenciação usada pela classe média para a

afirmação de prestígio e valor social. Um outro costume típico, em relação ao meio

que investigo, é que os/as filhos/as são estimulados a tentar vestibular em várias

Universidades Públicas do país, e os pais montam as estruturas financeiras para

essa locomoção e instalação. Leandro,211 relata:

209 Mulher branca, 16 anos, pertencente à classe B, estudante do curso pré-vestibular privado. 210 Homem branco, 18 anos, classe B, estudante do curso pré-vestibular privado. 211 Homem branco, 18 anos, classe A, estudante do curso pré-vestibular privado.

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Vou tentar bastante coisa esse ano, é... Na verdade, Geologia para cinco universidades, que estão no ENEM. Se não der nessas cinco eu vou remanejando e jogando pra qualquer lugar do país, eu não tenho problema em viajar pra qualquer lugar do país. Eu posso ir pra Amazônia que pra mim ta bom. Já falei com meus pais.

Essa prática é incentivada pelo próprio curso pré-vestibular privado. O mural

das salas de aula está sempre atualizado com informações sobre os melhores

cursos do Brasil em cada profissão. Montam turmas especiais para a preparação do

vestibular de universidades específicas, como Universidade Federal de Minas Gerais

(UFMG), Universidade de Brasília (UNB), Universidade Federal do Rio de Janeiro

(UFRJ), Universidade de São Paulo (USP), entre outros, além de Cursos

preparatórios para: Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e o Instituto Militar de

Engenharia e, assim por diante. Além de cursos específicos, sempre incentivam

os/as vestibulandos/as que desejam sair das profissões tradicionais: medicina,

engenharia e direito, a sair do Estado para poder trilhar uma boa carreira. Os/as

vestibulandos/as incorporam esses valores: “Se você quer algo na área de

comunicação, tem que sair. De preferência São Paulo, afirma Isabela212”.

Há outro sentimento que se revela comum a esses/as pré-vestibulandos/as é:

“o dever de passar numa Universidade Pública”. Expressam tais sentimentos, como

afirma Hanna: “A obrigação é passar na Federal! Eu sinto que é... Ainda mais que

meu pai é professor de Federal também. A obrigação é sempre essa também, lá em

casa ele cobra muito!” Não ingressar na Universidade é motivo de vergonha para

muitos, Leandro afirma:

Nosso pai paga – o quê? são 13 anos da vida pagando escola particular – pra gente, com esperança que a gente passe numa Federal... Daí a gente vai e não consegue passar... É vergonhoso. Então, acho que é meio que obrigação a gente passar e se não passar na Federal, pelo menos, pagar a particular. Senão, vira exploração com os pais.

É fato que tais tradições e costumes estão referidas às classes média e alta

da população de Vitória, visto que o curso privado, que investigo, é composto pelas

classes C, B e A, como já indicado na análise quantitativa. Projetos das elites e os

projetos da classe média, por vezes, se misturam e, por isso, foi difícil uma análise

em separado das classes mais altas porque elas misturam-se. Além disso, destaco

que há uma pequena elite, que não foi contemplada nesta pesquisa por não estudar

212 Mulher branca, 16 anos, classe B, estudante do curso pré-vestibular privado.

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no curso pré-vestibular que investigo. Aliás, pequena só no tamanho, porque nesse

grupo concentra-se grande parte da riqueza de Vitória. São jovens que estudam

numa renomada escola de tempo integral, na qual todo o ensino médio já é voltado

para a preparação para o vestibular. Embora não os tenha entrevistado, trabalho

com estes/as alunos/as como orientadora profissional há mais de cinco anos, o que

me possibilita observar que tendências referidas à tradições e costumes observados

nesta pesquisa estão, sobejamente, reforçadas nessa pequena elite. Aliás, como

mostra Mayer (1984), são as classes média e alta que reforçam costumes de uma

elite cultural e, portanto, a análise seria oposta: tendências observadas no curso

investigado é que seguem tendências das elites que não investiguei, mas que, por

dedução, permitem-me tal inferência. Intercâmbios culturais, viagens, cinemas,

teatros, estudo em tempo integral, leitura, fazer vestibular em várias e nas melhores

Universidades Públicas do país, além de uma estrutura material (apartamento,

empregados, etc.) na capital, apenas para se dedicar aos estudos, são experiências

bastante comum às elites capixabas.

4.4.2 Tradição e Mímesis

Ainda como parte do estudo das tradições e costumes das classes, avalio

que, em grande parte, projetos são (re) produzidos em função da mímesis que,

segundo Lima (1980), não pressupõe mera imitação do real, mas, de uma forma

específica de representação da sociedade. E, como toda a representação não é

cópia fiel da realidade, mas, também, recriação de sentidos e significados,

considero que os projetos dos pais ou de classes são “imitados”, na medida em que

são avaliados pelos sujeitos como “bons” modelos a ser seguidos. A fala abaixo é a

tradução de sensibilidades de Lívia,213 ao dar continuidade ao projeto dos pais.

O motivo principal que me levou a escolher medicina, foi por influência dos meus pais, porque eles são médicos. Desde criança que tem aquela coisa, de que os pais gostam que os filhos sigam a carreira deles, pelo menos no meu caso foi assim. Ai eles me influenciaram. É uma área que eu gosto, essa área de biomédicas, eu até me identifico.

213 Mulher branca, 15 anos, classe A, estudante do curso pré-vestibular privado.

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Os pais são médicos, fizeram importantes conquistas, “construíram um

patrimônio”, e a esse projeto de crescimento ela quer dar continuidade. O projeto de

vida dos pais é parte constitutiva de seu próprio projeto profissional. Os pais tiveram

muitas dificuldades para ingressar no curso de medicina e são exemplos de pessoas

que tiveram ascensão social a partir da profissão. Os avós maternos moravam no

interior, a mãe ganhou uma bolsa por ser boa aluna, num bom colégio de Vitória, e

veio morar na casa de uma prima para poder estudar. O pai teve diversos

problemas, sua família, é também do interior, sem muitas posses, e ele começou a

trabalhar cedo para se manter e pagar os estudos. Lívia dá continuidade, repete a

tradição dos pais e afirma a importância de direcionamento dos filhos: “Eu acho que

os pais devem, realmente, influenciar um pouco os filhos, orientar, indicar o que é

melhor para nós na opinião deles. Porque é tão legal poder conversar com os

nossos pais se eu tiver a mesma profissão deles”. Neste caso, a expectativa de

repetição do projeto dos pais situa a força da imitação ou mímesis como parte da

“poética” profissional.

Como afirma Mousinho (s.d, p. 2), parafraseando Lima: “mímesis supõe algo

antes de si a que se amolda, de que é um análogo, algo que não é a realidade, mas

uma concepção da realidade”. Esse dado anterior permanece como referência,

mesmo quando as ações miméticas parecem divergir do modelo. O dado anterior é

a própria experiência dos pais que permanecem como modelos a ser seguidos.

Desde quatro ou cinco anos de idade, ela fala que quer ser médica, vai ao

consultório dos pais e fica encantada. A mímesis só ocorre porque os modelos

passam pelo crivo de avaliação de Lívia e são julgados como “bons” modelos. Não

se imita modelos dos pais, simplesmente, porque são deles, mas porque passam a

ser considerados “dignos de imitação”. Ela traça suas construções com base na dos

pais e legitima tais produções:

Se a gente parar para pensar, a gente é muito novo para escolher uma profissão que vai seguir o resto da vida. Acho que no meu caso foi até necessário eles me orientarem mesmo. Até porque eu entrei adiantada na escola, dois anos, eu tenho 15 anos e já tenho que escolher uma profissão.

A mímesis pode operar um “despojamento de valores sociais e da maneira

como eles enfocam a realidade e, por fim, desta própria realidade” (MOUSINHO, s.

d., p. 2). Lima, distingue mímesis de representação em que o ato mimético é

interpretado como o correlato a uma visão, anteriormente, estabelecida da realidade

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e mímesis de produção, que se refere à maneira pela qual a sociedade concebe a

realidade. Isso significa que não existe um mero reflexo do real em nossa

subjetividade, uma representação da realidade. Há uma criação desta. Isso alarga o

conceito do real.

Trata-se de uma imitação criativa, o que pode ser observado na trajetória de

Hanna. Observa: “Não dava para fugir de ser intelectual”, referindo-se ao projeto dos

pais. O pai, PHD em filosofia, é professor universitário e a mãe é jornalista.

Tradições de família inscrevem-se em seu projeto como o gosto pela leitura, mas,

também, uma atitude reflexiva diante da vida, disposições criadas, principalmente,

em função do convívio e dos fortes laços afetivos com o pai. Seu pai é figura de

admiração e inspiração: “Meu pai é um pós-doc sinistro, eu não chego a metade

dele”. Por tomá-lo como modelo bem sucedido, percebo a mímesis no

comportamento de Hanna. Mas, como mímesis é também produção, Hanna avalia a

postura do pai como muito radical, excessivamente crítica e, por isso, faz

adaptações: “Pelo meu pai, ele viveria no meio do mato, lá nos socialismos da vida.

Eu não sou tão assim. Mas, sou bastante crítica em relação à realidade social. Isso

eu puxei dele”.

Proponho, então, que o projeto de ascensão social a partir do trabalho e da

profissionalização, próprio às classes médias expõem a mimesis dos “bons” modelos

a serem seguidos, fadados a ganharem continuidade no tempo e no espaço, algo

observado em grande parte das trajetórias dos entrevistados. A imitação de projetos,

mostra Isac, está também em classes populares, quando menciona um pouco das

suas perspectivas de crescimento e de conquistas a partir dos estudos:

Eu penso assim, que a educação hoje é a base para você conseguir alguma coisa na vida. Eu quero que minha filha supere, eu não quero que ela deixe de fazer cursinho para entrar na faculdade e nem que ela trabalhe cedo como eu. Quero que ela se dedique aos estudos para conseguir subir na vida.

O desejo de ascensão é parte daquilo que move as expectativas de Luciano,

que também vem das classes populares. Além disso, como afirma, “é ambicioso”, ou

seja, quer romper com as determinações de classe, quer um curso considerado

próprio das elites.

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4.4.3 Tradições das classes mais baixas

Há algumas tradições e costumes, que também parecem reafirmar-se entre

jovens das classes mais baixas, como já indicado quanto aos projetos profissionais:

o ingresso cedo no mercado de trabalho, a escolha de um curso mais fácil de passar

no vestibular, a opção por cursos que permitam conciliar o trabalho, a redução ou de

planejamentos rigorosos; a persecução de resultados no curto prazo, entre outros.

Vale lembrar, entretanto, que classes mais baixas da população brasileira, as da

classe E, nem mesmo estarão contidas nesta análise. Isso, porque muitos deles

nem menos chegam ao final do Ensino Médio; estão fora da escola.

Entrevistados/as do curso pré-vestibular público, pertencem mais a classe B, como

mostrei nos dados quantitativos: 73% estão na classe D e, somente, 15% pertencem

a classe E.

Jovens de camadas sociais mais pobres pensam a ascensão social a partir de

uma profissão; e os sentidos que se desenham no horizonte de expectativas é esse.

Semelhante conduta fica evidenciada entre aqueles/as pertencentes a segmentos

sociais mais elevados. Por isso, afirmei que apesar do projeto de classe média ser

forjado por ela, não lhe é exclusivo dela: o projeto está em circulação na cultura,

compondo e orientando os sentidos dos projetos profissionais. Mas as formas de

buscar, essa ascensão, não são únicas. Há costumes e tradições por conhecer,

alguns já tratados, que são parte das experiências comuns que observo entre os/as

vestibulandos/as do curso público.

Como indicado, o ingresso cedo no mercado de trabalho e a necessária

conciliação entre estudo e trabalho é uma prática recorrente entre os jovens das

classes populares. Entre os/as entrevistados/as que trabalham, suas atividades

laborativas iniciaram-se entre 13 ou 14 anos, seja no mercado informal, seja como

estagiário ou em programas como o do menor aprendiz214. Em geral, são as próprias

necessidades econômicas que os levam a essas experiências; é o que observo no

relato de Brenda:

214 O programa do menor aprendiz é um “contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de quatorze e menor de vinte e quatro anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação”. Esse contrato não pode ultrapassar 2 (dois) anos. Informação disponível em: http://www.guiatrabalhista.com.br/guia/menor.htm. Acessado em 23/06/2010.

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Eu tinha ganhado uma bolsa de estudo no Americano Batista [escola privada de Vitória] só que meu pai não quis a bolsa porque tinha que pagar a matrícula e mais o material de estudo. Uniforme, eu ganhei e a bolsa de estudo. Mas, como ele não pode pagar, eu acabei ficando na escola pública. Então, nisso veio a vontade de trabalhar... Eu não tinha dinheiro para pagar as coisas que eu poderia ter como estudar numa escola boa. Então pensei em trabalhar para ter dinheiro. Fiz minha inscrição em todos os lugares de estágio e de menor aprendiz, até que o Salesiano [escola privada de Vitória] me chamou e eu consegui fazer o menor aprendiz lá.

Grande parte desses/as jovens começa a trabalhar por questões econômicas.

Mas, as trajetórias dão densidade a essa análise, quando mostram que não se trata

de questão simples. Tradições inscrevem-se nas famílias e estão nos discursos dos

pais: “Homem com 18 anos que não trabalha é vagabundo”. Formulam assim

projetos de conquista de liberdade e de independência, que se atualizam em suas

razões e sentimentos: “Quero trabalhar pra poder sair à noite, sem ter que ficar

pedindo dinheiro para os meus pais”. Enfim, pude perceber nesses costumes e

tradições, que razões e sentimentos forjam sensibilidades que criam certas

disposições para a ação. Uma interiorização das relações sociais que não pertence

ao domínio apenas da individualidade, pois, se refere sempre a uma classe ou um

grupo. Trabalhar cedo é algo que se inscreve na esfera do sensível, como é possível

perceber na fala de Brenda:

Muitos pais pressionam os filhos para estudar e trabalhar, mas pra mim não é uma pressão, é uma coisa que eu quero, eu gosto de estudar e de trabalhar. Adoro o meu emprego, o ruim é acordar cedo, mas do resto eu gosto muito. É um sacrifício que estou fazendo de estudar de manhã e trabalhar a tarde e estudar aqui no cursinho à noite, mas que vai ser muito melhor pra mim no futuro.

Esta estrutura entra em movimento e se aloja no interior do indivíduo,

lembrando que o habitus, como resultado da incorporação da estrutura social e da

posição social de origem dos indivíduos, ajusta-se, constantemente, à situações

diferentes daquelas no qual foi, originalmente, formado. Por isso, vê-se a criação de

um habitus que, por vezes, rompe com as disposições e os valores criados pela

família. Os pais de Geisiane,215 não querem que ela trabalhe: “Eles sempre falaram

para eu me dedicar só para os estudos, mas aí meus amigos começaram a trabalhar

e eu fui na onda”. Incorpora, entretanto, essa atividade como parte de seus gostos:

“Meus pais conseguem me sustentar. Mas só que, sabe, quando você começa a

trabalhar, não consegue mais parar. Quando teve a greve da Caixa Econômica, 215 Mulher amarela, 18 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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nossa, eu fiquei agoniada, não tinha nada pra fazer, só estudando”. Na trajetória de

Luciano, é possível perceber que a opção por trabalhar vem de um desejo de

autonomia, de independência:

Luciano: Estagiei na CST, aí quando eu saí de lá, o pessoal da área em que eu trabalhava me chamou para trabalhar lá como contratado e aí e acabei ficando. Estou lá desde os quinze anos. Entrevistadora: Por que você começou a trabalhar aos quinze anos? Luciano: Porque eu quis, pra eu ter uma maior independência e não precisar dos meus pais, pra eu poder sair e comprar o que eu quisesse, achei que seria bom. Entrevistadora: E seus pais na época, o que acharam? Luciano: A minha mãe falava quase todo dia que não era para trabalhar porque ia atrapalhar os estudos, mas eu não dei muito ouvido não. Entrevistadora: E se você falasse para seus pais que ia largar o emprego para estudar como seria? Entrevistado: O problema não é esse, eles me ajudariam. Mas a questão é ficar dependente deles para tudo. O meu dinheiro não vai para minha casa, é pra cobrir os meus gastos pessoais.

Para dar conta do trabalho e do estudo, os jovens acabam por optar por

cursos superiores cuja dedicação seja em tempo parcial. É o que observo no relato

de Isac:

Não tem como você hoje escolher um curso que você vai estudar ai quatro anos cinco anos só por causa do sonho, esses fatores ai contribuíram até pra minha esperança de entrar na UFES. O próprio direito, não é nem eu acho dificuldade. Hoje porque eu não tentaria direito na UFES, primeiro porque estuda o dia inteiro e como é que eu vou sustentar a minha família? A gente sabe que trabalha, dá duro, então infelizmente são cursos como educação física, biblioteconomia e arquivologia que tem a noite.

Bartalotti e Menezes-Filho (2007) mostram que a procura por

um curso mais fácil é comum entre os/as estudantes do curso superior. Isso mostra

que a concorrência e a probabilidade de sucesso, no vestibular, têm impacto sobre a

construção dos projetos profissionais. Liliam216, aluna do curso pré-vestibular público

que irá tentar o vestibular para pedagogia na Universidade Federal do Espírito

Santo, ao invés de Direito, acredita que não irá passar em direito e tentará

pedagogia porque é um curso mais fácil de passar:

Mesmo com o sistema de cotas, eu acho que esse ano está meio complicado passar em Direito na UFES. O ENEM está bem mais rigoroso, e eu nunca tinha tentado vestibular aqui (refere-se a universidade já que PUPT funciona lá dentro). Então eu não tenho noção de como vai ser... Eu sei que é muito disputado. Tem pessoas que estão disputando com afinco, e eu estou há dois anos, parada.

216 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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Outros optam pela faculdade privada, porque há mais facilidades em conciliar

trabalho e estudo, é o que fala Brenda: “Teve uma época que eu estava optando

pelo PROUNI e a NOSSA BOLSA, porque em faculdade particular você pode

trabalhar, e já na UFES parece que não, porque é bem puxado”.

Além desses costumes, observo a recorrência de outras práticas que se

vinculam como: não planejar o futuro e perseguir resultados de curto prazo, entre

outros. Maria,217 mostra isso em sua trajetória: “Eu tava [sic] com vinte e cinco para

vinte e seis anos, eu já tinha feito contabilidade, magistério, já não estava gostando

mais; aí parti para essa área de enfermagem, fiz o curso técnico”. Pergunto como

ela chegou a essa conclusão, como ficou sabendo do curso e ela responde: “Se eu

não me engano, eu estava passando em frente ao SENAC e falei que iria aproveitar

para entrar para ver que cursos estariam tendo, aí eu pequei um panfletinho dos

cursos e me interessei. Uma amiga tinha falado que era um curso bom...” Na

verdade, os outros cursos também são procurados, sem muito planejamento. Fez

contabilidade, em nível técnico, porque a irmã estava fazendo, como não conseguiu

emprego na área, foi fazer magistério porque uma amiga falou que ela levava jeito

com crianças. E, então, fez enfermagem. A falta de planejamento e a busca de

resultados rápidos parecem afirmar racionalidades do mundo do trabalho. É como

se os projetos profissionais também indicassem um presentismo, decorrente de

circunstâncias ocasionais.

Embora difícil de ser identificado, é possível verificar uma concepção de

mundo, bastante freqüente, que valoriza o tempo presente na construção dos

projetos profissionais. Explicação do presente pelo presente que, comum ao

presentismo que centra seus interesses no curto prazo, no hoje, no aqui e agora, no

contexto atual, sem preocupações com futuro ou passado. Os presentismos

pautam-se em teses de que nem o futuro e nem o passado existem, o que importa é

o tempo presente. Como afirma Hartog (1996), estamos “no tempo do presentismo”.

Os grandes ideais de progresso, as utopias revolucionárias e as esperanças de

mudar a sociedade foram enfraquecidas a partir das catastróficas Guerras Mundiais

e, com isso, a perspectiva de voltar-se para o futuro foi, aos poucos, cedendo

terreno ao presente. Essa é a fisionomia do século XX de que nos fala Hartog

(1996). O apelo é: esqueçam o futuro e aproveitem o presente. As próprias utopias

217 Mulher negra, 37 anos, classe E, estudante do curso pré-vestibular público.

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revolucionárias começam a não ultrapassar a análise sobre o presente. O presente

transforma-se em horizonte:

Nessa progressiva invasão do horizonte por um presente mais e mais ampliado, hipertrofiado, está claro que a força motriz foi o crescimento rápido e as exigências sempre maiores de uma sociedade de consumo, onde as descobertas científicas, as inovações técnicas e a busca de ganhos tornam as coisas e os homens cada vez mais obsoletos. A mídia, cujo extraordinário desenvolvimento acompanhou esse movimento que é sua razão de ser, deriva do mesmo: produzindo, consumindo e reciclando cada vez mais rapidamente mais palavras e imagens (HARTOG, 1996, p. 135).

Essas perspectivas, assentadas no presente, começam a florescer a partir da

década de 1960, mas é bom lembrar, entretanto, que a solução de problemas

imediatos de sobrevivência tem maior impacto nas classes populares do que nas

classes mais privilegiadas, por razões óbvias. Essa luta por sobrevivência se faz,

cotidianamente. Os/as alunos/as de classes mais privilegiadas, ainda que possam

façam projetos profissionais, associados aos objetivos de curto prazo, desfrutam de

muitas possibilidades de reverem seus rumos e os reorientarem em novas

referências, no jogo que sabem jogar. Além disso, o presentismo é uma marca dos

tempos que correm, pois as mudanças tecnológicas reciclam saberes e fazeres,

redefinindo campos de interesse a cada momento. Instabilidades e redefinições,

principalmente no campo do trabalho, são percebidas. Mas, essa instabilidade

parece ter efeitos mais devastadores nas camadas menos favorecidas.

Não é comum apenas às classes populares, embora seja mais recorrente

nestas, atrelar religião aos projetos profissionais. Brenda descartou os cursos

superiores de psicologia e de biologia porque teme deixar de acreditar em Deus:

Eu conheci uma menina que estava fazendo psicologia e ela falou coisas que eu não acreditava. Disse que não acreditava que uma pessoa possa ser curada por Deus. E eu acredito nisso, tanto que acredito em milagres, eu acredito que o sol é deus dizendo bom dia e a lua ele dizendo boa noite. Eu vejo Deus em pequenas coisas, sempre tive muita fé em Deus, nas coisas, nas pessoas. Então a psicologia meio que desacredita as pessoas, pelo que eu entendi é isso... fiquei com medo! Também tem a professora de biologia do Salesiano, onde eu faço o menor aprendiz, ela escreveu no quadro sobre o “Bing Bang” e ela acredita nisso. Aí eu falei que eu conhecia pessoas que fizeram curso superior que acreditam que foi Deus quem criou a terra, mas ela disse que não acreditava. E meio que te assusta isso porque eu tenho receio de parar de acreditar.

O relato de Brenda retoma questões já indicada sobre o romantismo das

profissões, sobretudo o romantismo messiânico, apontado por Löwy (1990). É como

se uma profissão não pudesse confrontar preceitos religiosos, como se isso fosse

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perigoso e ameaçador à ordem do mundo. Os traços “apocalípticos”, “catastróficos”

e “destruidores" da tradição judaica atualizam-se. O medo impera nesse tipo de

projeto. Os projetos profissionais também se constroem atrelados a esses sentidos.

Arrisco dizer que, talvez, com maior recorrência nas classes mais baixas. Há vários

fatores que posso destacar para tal argumento. O primeiro é a própria precariedade

de informação e educação. O deficitário capital cultural os faz depender de outros

registros de saber, que não os oferecidos pelas instituições educacionais. É como se

na falta do conhecimento acadêmico científico, as camadas populares afirmassem

suas orientações para a vida em registros do saber comum e saberes religiosos.

Isso é reforçado no habitus, que se forja em família, e que dá o tom às percepções e

compreensões sobre a realidade.

Assim, tradições e costumes de classes imprimem às experiências

humanas sentidos diversos; são esses sentidos os que orientam projetos

profissionais. Querer um curso superior mais fácil de passar ou de maior status

social? Ingressar logo na Universidade, independente do curso de ingresso, ou

tentar por dois ou três anos o vestibular para o curso escolhido? Dedicar-se apenas

aos estudos ou conciliar estudo e trabalho? Planejar uma carreira ou optar pela

oportunidade do momento? Buscar ascensão social ou fazer o que gosta? São

muitos os sentidos encontrados nesse campo.

4.5 Para onde se dirigem as classes? Os projetos de classe, então, dão rumo aos projetos profissionais. Ao

menos em parte, eles compõem partes das sensibilidades dos/as jovens. Profissões

almejadas sociais com vistas à concretização da ascensão social é sempre um

projeto comum às classes sociais em geral. Tradicionais cursos de prestígio social

no Brasil, como indicado por Barbosa (1998), engenharias, medicina e direito ainda

são bastante procurados, sobretudo, como parte desse movimento. O relato de um

professor do cursinho privado, confirma o que indico:

Os mais ricos escolhem cursos mais diferenciados. Diferente dos alunos de classe média. Ficam no trio tradicional (medicina-direito-engenharia). Observo que muitos alunos que romperam essa tradição, voltam depois para o pré, tentando novo curso... quase sempre no trio tradicional. Importante considerar que os menos abastados escolhem outros cursos, mas normalmente esses alunos – aí é uma

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aposta pessoal – fazem essa opção por não estarem preparados para os cursos mais concorridos.

A fala do professor do cursinho privado é representativa dos movimentos que

acontecem nesse campo. Suas percepções são feitas com base nos quinze anos de

atuação junto a esse público. O professor, também, percebe que a implementação

do sistema de cota na UFES, modifica levemente os caminhos seguidos pelas

classes privilegiadas com a redução de cotas sem reservas: “Um bom exemplo é o

curso de medicina. Se antes a concorrência era grande, com a redução das vagas,

houve migração para as faculdades privadas, mesmo com o alto custo”. Além disso,

percebe algo já indicado: os projetos também se fazem em função das

racionalidades do mundo do trabalho: “os que buscam na verdade, pelo menos a

maioria deles, é a possibilidade de ganhos futuros e aí tentam seguir as tendências

do mercado. Com o petróleo, por exemplo, muitos têm procurado cursos em que

haja uma conexão relacionada à área”.

Já os cursos de menor prestígio social, em geral os menos concorridos no

vestibular, como mostra Narita e Fernades (2001), são destinados às classes mais

baixas. Biblioteconomia, letras português, ciências sociais, história, nutrição, serviço

social, pedagogia, entre outros, como indicado nos dados quantitativos sobre

escolhas de alunos/as do pré-vestibular público. De outro lado, as classes média e

alta procuram os cursos de maior prestígio. No estudo de Souza e Silva (2000),

medicina aparece como a profissão de maior prestígio, acompanhada de

odontologia, engenharia e psicologia. São, portanto, as profissões mais almejadas

pelos/as alunos/as de classes mais privilegiadas.

Os lugares a ser ocupados pelas classes são do conhecimento dos próprios

vestibulandos/as. Este é o caso de Hanna,218 quando anuncia aos amigos e colegas

que fará vestibular para o curso de história: “Sempre que as pessoas me perguntam

o que eu vou fazer e eu falo que é História, aí eles falam: ‘Você tem problema? Você

vai ficar pobre!’”. Isso mostra como as profissões estão vinculadas às perspectivas

de classes. Ela conta: “Todos meus amigos me zoam, até a minha melhor amiga. Na

maioria, a mentalidade é focada em Medicina. Das dez pessoas que eu mais gosto,

meus amigos que eu estudei desde o primário, oito farão Medicina”. Hanna pertence

a uma classe mais privilegiada em que fazer história não é comum. Há uma

218 Hanna, mulher branca, 19 anos, classe B, estudante do curso pré-vestibular privado.

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separação nítida entre os cursos a ser seguidos pelas classes. Hanna, que possui

boas chances de ingresso numa Universidade em cursos mais prestigiados, se

considerada a sua trajetória escolar, por isso ninguém acredita que fará história, um

curso menos concorrido e menos prestigiado, socialmente. Mas, Hanna, parece

romper com predestinações de sua própria classe. Em seu projeto, há a tradução de

um certo “romantismo das profissões”:

Se eu tivesse a personalidade da minha mãe, eu nunca teria ido para área de História. Minha mãe gosta de gastar, daquilo que é bom... Assim, tudo bem que tem pessoas que ganham dinheiro com as coisas mais estranhas do mundo, mas não é a regra. Só que eu não estou preocupada com dinheiro.

Os pais de Brenda, provenientes das camadas populares, também

compreendem os movimentos das profissões e dos projetos de classes. Por isso,

projetam um futuro de ascensão social para a filha, indicando que são contra sua

opção por Geografia, pois para eles “professor não é profissão”. A mãe fala sobre os

perigos da profissão:

Hoje em dia para ser professor está muito perigoso, assim na rede estadual, lá você lida com todo tipo de pessoa, então está perigoso! Hoje em dia tem alunos ameaçando professores, tem até no caso uma escola do meu bairro em que os alunos fizeram uma lista de professores que eles iam assassinar, coisas assim horrorosas que estão acontecendo, eu também tenho muito medo disso.

Seu pai apresenta mais argumentos: “Meu pai, quando eu disse que queria

fazer Geografia, ele disse que não, que eu não poderia ser professora porque para

ele professor não é profissão. Ele disse que eu teria que ser ou Médica, Advogada

ou Engenheira”. Observo que o pai de Brenda compactua, e deseja para a sua filha,

um projeto das classes médias.

Bartalotti e Menezes-Filho (2007) mostram como o status influencia na opção

por determinadas carreiras nos ingressantes do curso superior. Mostra que os

graduados em cursos tradicionais como direito, medicina e engenharia têm

“vantagens” associadas ao prestígio de suas carreiras. O que também se vincula

aos rendimentos próprios a essas profissões. Mostram, ainda, que o maior

diferencial de rendimento ajustado pela jornada de trabalho é encontrado na carreira

de medicina, seguido por engenharia e economia. Na ponta oposta, os autores

indicam geografia, pedagogia e educação física, aqueles que, como visto, são de

fato os mais procurados pelas classes baixas. Um dado interessante, da pesquisa

desenvolvida por esses autores, diz respeito à carreira de geólogo que apresentou

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diferencial crescente de rendimentos, superando inclusive medicina, o que é

atribuído ao aumento expressivo das operações da Petrobrás, nas últimas décadas.

Leandro, pertencente à classe mais alta, aquele que usei como figura emblemática

para falar do “senso do jogo”, opta por esse curso. Rompe com os tais três cursos

tradicionais, os quais quase todos de sua escola irão fazer; decide ousar e arriscar.

Isso confirma a percepção do professor deste cursinho: os mais ricos optam por

diferentes cursos, enquanto a classe média mantém-se presa à tradição: medicina,

direito e engenharias.

Tudo isso é também parte das representações que se constroem no interior

das experiências humanas. A mídia analisada também reforça as representações

das profissões de prestígio, bem como os lugares a ser ocupados pelos indivíduos

sociais. Na figura a seguir, capa de uma das edições da revista analisada

“Oportunidades Cursos & Concursos”, é possível perceber na chamada que traz

sobre o vestibular, que os jovens seguram livros de química, cálculo e anatomia:

Figura 3. Capa do “Oportunidades Cursos e Concursos”

Fonte: Cursos & Concursos, ano 6, Vitória, 03-09 mar., 2009.

Apesar de ser uma matéria que não trata, especificamente das profissões em

específico, mas do vestibular, em geral, porque apenas representadas as áreas de

cálculo, as exatas e as ligadas à saúde? Porque nenhum livro de sociologia,

filosofia, ou qualquer outro ligado às ciências humanas? Porque são representadas

áreas como suposta opção áreas de maior prestígio social? Além disso, é possível

observar que enquanto os meninos seguram livros das áreas exatas e a menina

segura o de anatomia, indicando que, provavelmente fará medicina. Em entrevista

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com o editor chefe da revista que prepara as capas deste periódico, perguntei se a

escolha dos livros que os alunos e a aluna segurariam para a foto foi sugerida por

ele. O editor chefe nos responde:

Não, não é proposital. Mas acaba sendo pela escolha deles. Como eles são candidatos, quando você fala: “cada um pega um livro que gostaria de mostrar”, eles vão exatamente naqueles que eles vão precisar no seu curso. É o que a área de atuação deles tende a pedir. Isso é uma coisa natural, você não precisa dizer que livro escolher. Neste caso aqui o que a gente escolheu de propósito foi três pessoas, porque vestibular você não compete sozinho. Você compete contra candidatos e é preciso colocar números na capa para dar essa idéia de competitividade. E precisa ter homens e mulheres para mostrar que existem candidatos homens e mulheres.

Mas por que nenhum negro na capa? Eles não fazem o vestibular? Na verdade

quando o editor chefe vai até um curso pré-vestibular para fazer essa foto, encontra

valores, tendências e segmentos próprios a uma realidade social e as reproduz. O

relato mostra, idéia que já tratei anteriormente, que a mídia re(cria) as

representações que circulam na cultura. E assim, reforça as idéias de

competitividade, de profissões de prestígio bem como lugares a ser ocupados por

homens, mulheres, brancos, negros, ricos, pobres, etc. Pude observar relatos que os

vestibulandos trazem sobre a percepção de que a mídia, principalmente, a televisiva

produz representações sobre as profissões. Brenda relata:

Você vê, nas novelas e nos filmes não tem médico e nem advogado pobre. E isso, com certeza, influência os jovens. Sempre aparece o médico como “o doutor”, naquele casarão, cheio de empregados, com carrão... A mesma coisa acontece com o advogado... Mas quando mostram professor... É aquela dura realidade.

Creio que em estudos posteriores é possível desenvolver um aprofundamento do

impacto das mídias audiovisuais na opção por carreiras, que encontrei como indícios

neste campo. Há ainda certas representações que persistem em relação aos gostos

por disciplinas e a associação de cursos superiores, é o que observo e que também

se registra no relato de um dos professores do pré-vestibular privado:

Em geral os alunos escolhem por que acreditam que quem gosta de história e geografia tem que ir para o direito, quem gosta de matemática para as exatas e que gosta de biologia para as biomédicas. O que pode ser uma furada. O curso superior não tem nada a ver com as disciplinas da escola.

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229

Representações que persistem e são parte dos direcionamentos nesse campo. Mas

apesar de todas essas representações, outros movimentos se fazem. Brenda,

contrária ao pai, não deseja as tais profissões de prestígio:

Para ser médica hoje em dia não daria certo. Ver que está acontecendo na saúde pública e na particular, todo mundo ficando no meio dos corredores, todo mundo passando mal... Eu sempre gostei de ajudar todo mundo... Não daria certo para mim. Para eu ser advogada já me disseram que tem que “levar a pessoa muito bem na conversa”, e não gosto de mentira, um dia você pode estar defendendo uma pessoa que é culpada... ou acusar alguém inocente... Eu ficaria com peso na consciência! Já ser Engenheira é muito cálculo pra mim. São profissões dignas, mas como qualquer outra. Para mim qualquer profissão é profissão. Sei que tem gente que descrimina, mas o gari é essencial para a sociedade...

Isso mostra que apesar dos projetos profissionais dirigirem-se, em parte,

rumo às racionalidades do trabalho no presente, numa aliança aos projetos de

classe, os projetos profissionais resultam de escolhas deliberadas, nem sempre

conscientes. Os indivíduos negociam com a realidade e, como muitas vezes

indicado, afirmam sentidos outros, que nem sempre são os contidos nos projetos de

família ou de classe. Como afirma Velho (1999, p. 41): “Um projeto coletivo não é

vivido de modo totalmente homogêneo pelos indivíduos que o compartilham.

Existem diferenças de interpretação, devido a particularidades de status, trajetória e,

no caso de uma família, de gênero e geração”. Por mais que certas profissões sejam

de prestígio, essa jovem parece não desejar nada representado como de ajuda ao

próximo – situando, por exemplo, a medicina e o atual enfrentamento das

precariedades da área de saúde. Nem mesmo aceita a área da justiça - nem sempre

comprometida com “fazer justiça” – mas, muitas vezes, com interesses do mercado.

Os sentidos que Brenda afirma, parecem-me parte de uma “poética” presente num

dado romantismo das profissões, tema por ser mais bem examinado.

4.6 Ressentimentos também orientam projetos profissionais

Os estudos sobre memória e história têm considerado as relações entre

afetos e esfera política, ampliando a compreensão das experiências humanas. Para

isso, tem recorrido à compreensão não somente de razões e sentimentos, que

movem a história, mas também dos ressentimentos, ou seja, rancores, invejas e

desejos de vingança. Alguns desses estudos rememoram a perspectiva de

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Nietzsche na indicação de que há nas experiências humanas “um conjunto de

sentimentos em que predominam o ódio, o desejo de vingança e, por outro lado, o

sentimento, a experiência continuada da impotência, ‘a experiência continuamente

renovada’ da impotência rancorosa” (ANSART, 2004, p. 15).

Nietzsche faz do ressentimento, segundo Ansart (2004, p. 17), “uma

verdadeira configuração psíquica e cultural, um habitus próprio à civilização judaico-

cristã”. O que me interessa, aqui, é mostrar que não apenas sentimentos, mas,

também, ressentimentos movem experiências estudadas. Patiane,219 que se casou

para sair de casa e agora, separada, não é mais aceita na família, tem

ressentimentos dos pais: “como pode um pai e uma mãe não querer seu filho dentro

de casa?” Esses ressentimentos a fazem desejar o ingresso num curso superior.

Raiva, desejo de vingança e impotência fazem com que ela tenha a energia para

revidar, mostrar que é capaz, ao contrário do que os pais pensam:

Pensava em fazer vestibular, mas tinha sempre preguiça, nunca pensei em me esforçar de verdade. Aí quando eu fui chamada para fazer o cursinho aqui, eu aproveitei a oportunidade e pensei: ‘agora em tenho chance de mostrar para os meus pais que eu posso ser melhor, que eu posso dar a volta por cima’, eles sempre falaram assim que eu sou a vergonha deles... [choro].

Liliam,220 também é movida pela raiva, pelo medo que suas experiências

revelam. Relata que o pai nunca lhe deu atenção, nem a ajudou na questão

financeira. Foi praticamente sua avó quem a criou com os poucos recursos que

tinha: “Agora ele vem querer dar uma de pai? Não! Eu tenho muita mágoa dele. Não

por ele ter se separado, mas pela diferença, a minha irmã ele criou e sempre deu

atenção. Por que comigo foi diferente?” Os ressentimentos de Liliam também a

movem em direção a futuras conquistas profissionais: “Faço questão de mostrar

para ele que não preciso de nada. Que tenho meu dinheiro. Que posso conseguir as

coisas sem ajuda dele. Para mim, esse é o maior castigo que posso dar a ele”.

No relato de memórias dessas duas trajetórias, observo que elas funcionam

como uma irrupção, como um “trazer à tona” o passado e que retorna, de alguma

forma, como algo que ainda “não passou, continua ativo e atual e, portanto, muito

mais do que reencontrado, ele é retomado, recriado, reatualizado” (SEIXAS, 2004, p.

49). Nesse movimento de resignificação do passado, é como se o passado fosse

219 Mulher parda, 22 anos, classe D, estudante do pré-vestibular público. 220 Mulher branca, 27 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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presente nas experiências citadas; como há carga afetiva significativa das memórias

evocadas, os ressentimentos também se fazem presentes. Constituem forças

imanentes nas histórias investigadas. Vale lembrar, que os ressentimentos não se

constituem em reações a estímulos imediatos, trata-se de um estado ou sentimento

persistente, como afirma Konstan (2004, p. 59).

Os ressentimentos não são restritos à esfera individual, apenas. Eles são

partilhados também por grupos, por afinidades nas experiências. A solidariedade

viabiliza o ressentimento coletivo. É o que observo nas descrições e referências aos

descasos da escola pública com os/as alunos/as provenientes de classes populares.

Na dinâmica que apliquei com estes/as vestibulandos/as, medo, tristeza, rancor e

raiva foram observados, muito mais, nos gestos e expressões do que nas palavras.

As palavras captaram apenas o nível da indignação, que já descrevi por vezes: “É

horrível o que fazem com a gente. O ensino é muito fraco [refere-se à escola

pública] e isso prejudica a vida toda!”, é o que afirma Guilherme221. Mas, há muitos

ressentimentos não expressos em palavras. Como afirma Seixas (2004), não há

memória involuntária que não venha carregada de afetividade.

As emoções e sentimentos descritos são criadores de ressentimentos: “a

inveja, o ciúme, o rancor, a maldade e o desejo de vingança.” (ANSART, 2004, p.

22). Pode-se localizá-las em emoções que derivam da “percepção de que o grupo,

ao qual se pertence está em uma posição injustamente subordinada em uma

hierarquia de status” (KONSTAN, 2004, p. 61). Soma-se a eles a experiência do

medo e da humilhação. “A humilhação não provém apenas de uma inferioridade. Ela

é a experiência do amor próprio ferido, experiência da negação de si e da auto-

estima suscitando o desejo de vingança” (ANSART, 2004, p. 22). Esse é um

sentimento partilhado pelas classes desfavorecidas.

O regime democrático favorece o surgimento dos ressentimentos. Ele está na

base do igualitarismo democrático destruidor, afirma Ansart (2004), parafraseando

Nietzsche, na base de movimentos populares, socialistas e anarquistas. Isso, porque

supõe uma igualdade de direitos que se desenha muito mais como ideal, do que

como realidade. Mas, a proposta do regime democrático é outra, ou seja, é

“substituir as violências pela tolerância, o enfrentamento por fruto dos ódios e pelo

confronto de opiniões” (ANSART, 2004, p. 23). Esse estado psicológico, duradouro e

221 Homem branco, 19 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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coletivo, pode ser compreendido como uma “raiva que se consome lentamente”,

como afirma Konstan (2004, p. 61):

[...] uma frustração de longa duração ou percepção de uma injustiça contra a qual não se tem poder, ao menos no momento, de reagir. É muito mais provável encontrar tal sentimento em um Estado democrático, no qual os cidadãos acreditam que são pares uns dos outros; nesse caso, a desigualdade social coexiste com um ideal de igualdade política. Tal sentimento também emerge entre classes que perderam, ou estão perdendo, sua posição historicamente privilegiada.

Essas referências favorecem a compreensão de movimentos de estudantes

de classe média contra as cotas sociais e raciais. Eles/as lutam e se mobilizam, não

pelo sentimento de classe, mas pelos ressentimentos. Pelos temores de perder

direitos e lugares conquistados, no caso, na Universidade Pública. Temem que seus

privilégios de ingresso no vestibular estejam ameaçados pelas classes baixas. É

também, em função de ressentimentos que as classes subalternas mobilizam-se. Os

movimentos sociais, a favor das políticas compensatórias, são movidos por perdas

e por ressentimentos, ocorridos ao longo da história passada, mas que se inscrevem

em memórias atuais.

A idéia colocada, aliás, nos regimes democráticos é a de superação do ódio e

rancores pelo reconhecimento das pessoas e dos direitos delas. O que, de acordo

com Freud (1996a, 1996b), seria impossível. Para ele, a superação dos

ressentimentos é impossível, porque qualquer existência de convívio social,

civilizado, exige uma repressão dos instintos individuais. As pulsões e os desejos

não plenamente satisfeitos geram ressentimentos. Algo a se pensar.

E, por mais que eu tenha algumas ressalvas em relação à teoria psicanalítica,

reconheço nela elementos para compreender, societariamente, sentimentos e

ressentimentos – que não consegui explicar, até então. Muitos/as entrevistados/as

manifestaram um “horror à medicina”, por não gostar da profissão e por senti-la

como uma profissão que nunca fariam. Sara, afirma: “Eu nunca faria Medicina,

porque tem sangue... essas coisas todas... Eu tenho horror a tudo isso”. Maria, que

tentará enfermagem, revela também um horror à medicina: “Nem pensar eu fazer

medicina. É uma profissão que eu nunca faria. Estar com a vida de alguém nas

mãos...” Mas, não teria semelhantes tarefas na profissão de enfermagem?

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Geisiane,222 também, atesta seu “horror à medicina”: “Não gosto da profissão. Essa

coisa de salvar vidas e tal... E também é muito concorrida”.

Esse último relato pode ter ajudado a encontrar raízes de repulsa à medicina

que por tantas vezes deparei-me: “É muito concorrida”. Sendo uma profissão tão

concorrida, e tão distante das possibilidades das classes populares, admito que há

ressentimentos não à profissão em si, mas ao fato de não terem acesso a ela. O

vestibular de medicina atualiza, para muitos, ressentimentos de exclusão dos grupos

em relação as melhores oportunidades e às chances de ascensão, simbolicamente

constituídas. Melhor, então, “rejeitar” a medicina, como parte de nossos mecanismos

de defesa humano, lembrando a explicação da raposa por não alcance das uvas, na

velha fábula: “[...] elas estão verdes”... Pergunto-me, então, se Freud (1996a,

1996b), diante do mal estar da civilização, nos nossos dias, não poderia estar certo

ao afirmar que aquilo que desejamos pode ser o que rejeitamos, e também o seu

inverso, aquilo que rejeitamos é aquilo que desejamos? Creio ser este um assunto

para aprofundamentos posteriores, mas, sempre com o cuidado de não se atribuir à

esfera individual e mecanismos inconscientes e universais, as causas únicas para

razões e sentimentos que se forjam em contextos sociais específicos, localizados

espacial e historicamente.

Por hora, admito a existência de diferentes visões de mundo; de estilos de

vida que se constroem no espaço das sociedades complexas, e que compõem as

diferentes formas de ser, pensar e agir. Isso significa que esses jovens adquirem

suas maneiras de perceber e traduzir a realidade em função das experiências

vividas em suas trajetórias; e seus projetos profissionais se fazem num campo de

possibilidades. Isso não significa, entretanto, que as disposições sociais construídas

em razão da cor, raça, gênero, geração e classe social não tenham importância.

Defendo que não há determinismos de qualquer espécie; o que existe é uma

interação constante, que constrói e desconstrói formas de ser, sentir, pensar e agir.

Tudo isso, expressa um campo de possibilidades em que se constroem projetos

profissionais, marcados por elementos conscientes e inconscientes. A cultura move-

se em meio a diferenças. As noções de campo de possibilidades e de projeto,

propostas por Velho (1999) contribuem, então, para lidar com a problemática de

unidade e da fragmentação social. O projeto, no nível individual, lida com a

222 Mulher amarela, 18 anos, classe D, estudante do curso pré-vestibular público.

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performance, as explorações, o desempenho, as opções, ancoradas à avaliações e

definições da realidade”. Nesse aspecto, os projetos de classe assim pensados, são

projetos coletivos, nem sempre percebidos como tal pelos indivíduos. Entretanto,

eles compõem razões e sentimentos dos projetos profissionais de vestibulandos/as

e indicam que também atuam e mudam seus sentidos originais.

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235

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chego ao final com a sensação que há, muito mais, o que dizer e

compreender sobre essas experiências humanas investigadas. A multiplicidade de

sentidos e de sensibilidades que se forjam do campo de possibilidades, espaço de

feitura dos projetos profissionais, não se esgota com essa pesquisa. Ao contrário

levanta questões e proposições para aprofundamentos posteriores. Alguns aspectos

que investigo, do campo de possibilidades dos/as vestibulandos de Vitória 2009-

2010, como a exclusão educacional e as racionalidades do mundo do trabalho, são

matérias já bem exploradas por outros pesquisadores, como mostrei. Há, entretanto,

um olhar diferente, nesta pesquisa: vê-los como processos de longa duração

histórica que compõe a subjetividade humana de múltiplas formas, em rupturas,

conciliações, adaptações... Enfim como processos que compõe as experiências

humanas, que compõe as sensibilidades de um tempo, mas que, nem por isso, as

determinam, são (re)criados e (re)significados por homens e mulheres com

diferentes inserções políticas, econômicas, sociais e culturais. É nessa perspectiva

que tanto a exclusão educacional e as racionalidades do mundo do trabalho são

parte constitutiva dos projetos profissionais.

Há, ainda, outros aspectos bem menos explorados sobre os projetos

profissionais. Um desses aspectos, bastante pertinente, que orientou minhas

investigações foi: como os sentidos, produzidos no campo do gênero, compõe as

razões e sentimentos de jovens que buscam por uma profissão? As associações do

feminino aos cuidados e à maternidade, a busca por igualdade de direitos e

oportunidades, o uso desigual dos tempos femininos e masculinos, tentativas de

conciliação dos tempos pelas mulheres, as diferentes representações que se

constroem sobre homens e mulheres, a manutenção de tradições e as

rupturas/conquistas femininas em relação à profissionalização, tudo isso é parte,

ainda não investigada, que descobri ser de extrema importância na feitura de

projetos profissionais. Nisso, acredito ter dado uma contribuição, significativa, aos

estudos da área.

Contribuições sobre razões e sentimentos forjados a partir das diferentes

inserções, além de gênero, como as de classe social, raça e geração, foram de

grande valia para a compreensão de que os projetos profissionais se fazem,

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também, atrelados a outros projetos mais amplos e que se articulam aos lugares

sociais ocupados.

Os “romantismos das profissões”, termo que usei para descrever como o

romantismo político pode ser observado, também, na opção por carreiras, foi um

importante achado desta pesquisa. Os romantismos movem as experiências

profissionais: desejo por profissões em que se possa fazer o bem ao próximo, salvar

vidas, fazer justiça, mudar a sociedade ou contribuir para um mundo melhor foram

observadas. Algo que só descobri no contato com o campo de investigação e com

os movimentos analíticos que se fizeram a partir de leituras específicas. É um tema

que merece maiores investigações, não apenas por ser recente, mas por se

constituir em sentido civilizador de nosso tempo, de impacto na formação dos

projetos profissionais.

A análise da mídia revelou-se num caminho inverso. A percepção inicial que

possuía, era de que a mídia teria um impacto decisivo nas opções por carreiras,

mas, o que observei, é que ela, como parte do campo cultural, circula e faz circular

sentidos diversos construídos pelos homens e mulheres de um dado tempo. Não

digo, com isso, que a mídia é neutra. As relações de poder e os interesses atrelados

ao mercado são visíveis nessa instituição, mas isso não faz da mídia, uma autarquia

quase metafísica manipuladora e criadora de sentidos à própria vida humana, como

supõe certas tendências. Mas, uma análise sobre essa temática, precisa ser mais

bem tratada em estudos posteriores. Usando, talvez, outros recortes. A mídia

impressa que investiguei, apesar de trazer importantes elementos de análise, tem

menos impacto entre os jovens do que as formas mais modernas de mídia áudio-

visual. Sugiro que se busque sentidos das profissões a partir da internet, ou de

programas de televisão assistidos pelos jovens, em futuros estudos.

Desdobramentos posteriores também podem fazer-se em relação ao próprio

material coletado. Há muitos registros de memória que não utilizei. Cada entrevista

transcrita resultou em importantes achados de mais de 10 páginas que, com certeza,

revelam sentidos ainda não explorados.

Mas, chego a importantes conclusões. As razões e sentimentos que

investiguei revelaram questões próprias a uma temporalidade: dos/as

vestibulandos/as de Vitória ano 2009 – 2010. O regime de historicidade foi útil para

verificar um dado recorte no tempo e no espaço, que possui sentidos próprios – não

referentes apenas a um contexto, mas, como parte da longa duração, uma ordem do

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tempo – com suas proibições, permissões e invenções. Esse olhar permitiu-me

entender, nas experiências investigadas, o cruzamento de processos sociais, nem

sempre percebidos e que não se separam, em sua interação com os sujeitos apesar

da condição social. Esses movimentos humanos constroem-se como um rizoma,

usando a metáfora de Guattari e Deleuze (1997), em que a organização dos

elementos que constituem uma energia propulsora de um desejo e de um projeto

não estão, necessariamente, visíveis, nem tampouco se definem como um sistema

social subordinado a qualquer modelo hierárquico ou linear. É essa a grande

contribuição da tese: verificar os projetos profissionais para além dos determinismos

sociais ou individuais. O ineditismo reside no fato de ter pensado as “escolhas

profissionais” como “projetos profissionais”, por isso a sugestão de mudança do

nome. Processos que se constroem ao longo das experiências individuais e em suas

diferentes inserções, com tantos outros campos da vida humana.

O que pretendi mostrar é como as experiências são indissociáveis de uma

dada configuração social. É na experiência individual que se constroem as

resistências, as docilidades e os conformismos. O que se faz num dado estágio de

configuração da civilização. Por isso, implicam em certos sentidos civilizadores. Os

acontecimentos civilizadores, por menores que possam parecer, apontam para um

processo em constituição que se faz com certos sentidos. Assim, ousei na busca de

sentidos para os acontecimentos que investigo. O processo civilizador é uma obra

lenta, de construção do homem pelo homem, descarta qualquer possibilidade de se

apresentar como resultado determinístico de ação da natureza ou de fatores alheios

à própria ação humana. Assim, os sentidos, por mais insignificantes que pareçam,

ao serem articulados uns aos outros, podem indicar aquilo que se pode constituir

nesse processo.

Na perspectiva da longa duração histórica, esses sentidos, de uma dada

conjuntura, mostraram tanto continuidades como mudança de tendências sociais.

Assim, o campo de experiência – o pré-vestibular e nas expectativas em relação ao

ensino superior de diferentes jovens (pobres, de classes médias e altas, homens e

mulheres, brancos, negros e pardos, mais novos e mais velhos) – revelou razões e

sentimentos, ainda pouco examinados, que movem os/as vestibulando/as e que se

movem em determinadas direções e sentidos. Na análise do sensível me deparei

com uma multiplicidade deles: medo do fracasso, desejo do sucesso, sensação de

“não se capaz”, desejo de superação, “senso do jogo”, a escolha de um curso mais

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fácil de passar, não poder se dedicar somente aos estudos, querer uma profissão

em que afirme gostos pessoais, seguir a profissão dos pais ou de figuras de

referência (mímesis das profissões), a opção por uma profissão feminina ou

masculina, enfim, razões e sentimentos diversos dessa dada configuração local e

temporal investigada. Sensibilidades atreladas às racionalidades da

profissionalização, um dos sentidos civilizadores da modernidade, também puderam

ser visualizadas: ter que fazer curso superior, escolher uma profissão de prestígio,

fazer ensino superior para ser menos peão, desejo de ascensão social e de status,

reforço do ideal liberal de escolha, além das já mencionadas sensibilidades que se

vinculam aos romantismos das profissões.

Também pude verificar como as opções por carreiras se fazem em função

campo cultural, em que se criam disposições para a ação, tradições e costumes. Em

geral, um habitus de classe, o que faz com seus membros se destinem a certas

expectativas profissionais. Observei tendências: grupos sociais com menos acesso

ao capital econômico e cultural tendem a seguir profissões de menor prestígio,

assim como o seu contrário, grupos que possuem maior capital econômico e cultural

tendem a seguir profissões de maior prestígio. Movimentos da longa duração

reforçam essas tendências, como a falta de democratização de ensino no Brasil,

atualizam-se nessas experiências. Há, entretanto, outras questões que se colocam

no horizonte de expectativas com as novas demandas do mundo do trabalho e as

políticas compensatórias no campo educacional (cotas sociais e programas como

PROUNI e Nossa Bolsa).

Enfim, os projetos profissionais também remetem à inserção social econômica

e cultural e a questões inscritas no presente como: sistema de cotas e as

expectativas que surgem com esse sistema, ingresso no mercado de trabalho,

desemprego, entre outros. Além de processos sociais mais duradouros como:

acesso desigual das camadas populares ao mercado de trabalho, a falta de

democratização do ensino superior no Brasil, divisão social do trabalho, questões

relacionadas à classe, gênero e etnia e campo das políticas públicas, entre outros.

Tomando de empréstimo as contribuições de Koselleck, afirmo que o campo de

experiência pessoal, sempre revela outras experiências. O importante é que todos

esses processos sociais atualizam-se nos indivíduos na forma de gostos, razões,

sentidos, sentimentos e habitus, vividos na experiência individual de cada um.

Ganham contornos específicos. Os indivíduos negociam com a realidade, com

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certos sentidos civilizadores que os levem a caminhos que tragam ganhos e

conquistas. E, é nessa negociação com a realidade, inter-relação complexa do

indivíduo com seu meio, que se encontra, tanto as possibilidades de manutenção

como as de ruptura com as determinações sociais. Negociações com a realidade fazem-se nos projetos profissionais em função

de um horizonte de expectativas. O ingresso numa Universidade Pública é, de fato,

parte dessas expectativas e impulsiona outras tantas. O que orienta a experiência

humana são os desejos, os sonhos, as perspectivas futuras, a possibilidade de

ganhos e conquistas materiais e imateriais. E, não, simplesmente, acontecimentos

passados. Aliás, as memórias humanas, inclusive, não são fiéis retratos fieis do

passado, são também invenções, na medida em que sujeitas a interpretações e

resignificações.

A tese conclui que, para além das classes, do gênero, da cor da pele, das

gerações etc., esses sujeitos, com razões e sentimentos variados, também

produzem novas experiências que podem deslocar ou manter suas posições

originais. Uma série de negociações com a realidade resignificam e dão novos

rumos às trajetórias humanas. Esse campo de experiências em que se constroem os

projetos profissionais move-se, portanto, não apenas em função do passado, mas

das expectativas futuras que ele porta. E, assim, em razões e sentimentos humanos,

se constroem os projetos profissionais!

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OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 334, set, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 335, set, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 336, set, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 337, set, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 338, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 339, out, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 340, out, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 341, out, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 342, out, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 343, nov, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 344, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 345, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 346, nov, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 347, dez, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 348, dez, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 349, dez, 2009. OPORTUNIDADES CURSOS & CONCURSOS, Vitória, ano 6, edição 350, dez, 2009.

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APÊNDICE 01 - QUESTIONÁRIO PARA ALUNOS/AS VESTIBULANDOS/AS DE 2009

Nome:______________________________________________________________ Telefone(s) para contato:_______________________________________________ Em que bairro e cidade você mora? ______________________________________ Instituição em que faz pré-vestibular:_____________________________________ Turma/Sala:__________________________ Local:_______________________________ Sexo: ( ) M ( ) F Idade: ( ) Até 20 anos ( ) 21 à 25 anos ( ) 26 à 30 anos ( ) 31 ou mais Você se considera: ( ) Branco ( ) Pardo / Mestiço ( ) Negro ( ) Indígena ( ) Amarelo (oriental) Você trabalha? ( ) Sim ( ) Não Se você trabalha, assinale abaixo qual a natureza: ( ) Estágio ( ) Setor público ( ) Setor privado ( ) Autônomo ( ) Mercado informal Qual a escolaridade do seu pai? ( ) Nunca foi à escola / primário incompleto ( ) Primário completo / fundamental incompleto ( ) Fundamental completo / médio incompleto ( ) Médio completo / superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Pós-graduação Que profissão seu pai exerce ou exerceu? _________________________________ Qual a escolaridade da sua mãe? ( ) Nunca foi à escola / primário incompleto ( ) Primário completo / fundamental incompleto ( ) Fundamental completo / médio incompleto ( ) Médio completo / superior incompleto ( ) Superior completo ( ) Pós-graduação

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Que profissão sua mãe exerce ou exerceu? _______________________________ Para qual(is) curso(s) você fará vestibular em 2009? _________________________ O que levou você a essa escolha? ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________ Qual a renda da sua família223? ( ) até dois salários mínimos ( ) de 2 à 6 salários mínimos ( ) de 6 à 15 salários mínimos ( ) de 15 à 30 salários mínimos ( ) acima de 30 salários mínimos

MEIOS DE COMUNICAÇÃ

O

Qual(is) você

acessa, lê ou

assiste:

Identifique nos campos o(s) nome(s) de cada um:

Qual o tempo diário

gasto com esta

atividade?

Qual(is) contribuem

ou influenciam sua escolha profissional?

Programas de

TV

Jornais da TV

Novelas da TV

Revista

Jornal Impresso

Comunicação on-line (e-mail,

MSN, etc.)

Sites de relacionamento (Orkut, Match,

etc.)

Internet em

geral

Outros:

223 Classificação definida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

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APÊNDICE 2 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Você está sendo convidado(a) como voluntário(a) a participar de uma pesquisa sobre “PROJETOS PROFISSIONAIS”

O objetivo é dar nitidez aos sentimentos e razões, que emergem das experiências de vestibulandos/as de cursos preparatórios para o vestibular em Vitória-ES e que orientam a construção de projetos profissionais.

GARANTIA DE ESCLARECIMENTO, LIBERDADE DE RECUSA E GARANTIA DE SIGILO:

Você será esclarecido(a) sobre a pesquisa em qualquer aspecto que desejar. Você é livre para recusar-se a participar, retirar seu consentimento ou interromper a participação a qualquer momento. A sua participação é voluntária e a recusa em participar não irá acarretar qualquer penalidade ou perda de benefícios. A pesquisadora irá tratar a sua identidade com padrões profissionais de sigilo. Os resultados da pesquisa serão apresentados a você e permanecerão confidenciais. Seu nome ou o material que indique a sua participação não será liberado sem a sua permissão. Você não será identificado(a) em nenhuma publicação que possa resultar deste estudo. Uma cópia deste consentimento será arquivada no programa de estudos de gênero, geração e etnia: demandas sociais e políticas públicas da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e outra será fornecida a você.

Eu, _______________________________________ fui informado(a) dos objetivos da pesquisa acima de maneira clara e detalhada e esclareci minhas dúvidas. Sei que em qualquer momento poderei solicitar novas informações e motivar minha decisão se assim o desejar. A pesquisadora Luciane Infantini da Rosa Almeida e sua certificou-me de que todos os dados desta pesquisa serão confidenciais.

Em caso de dúvidas poderei chamar a estudante me comunicar com a pesquisadora no telefone (27) 9924-3889.

Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e esclarecido e me foi dada a oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.

___________________________________

Participante

___________________________________

Pesquisador

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APÊNDICE 3 – Opções de homens e mulheres por cursos universitários

Segue a tabela224 com nome do curso oferecido pela UFES, o total de homens que o escolheram, o total de mulheres e o total de vagas oferecidas em cada um:

CURSO MASCULINO FEMININO TOTAL Administração 46 52 98

Administração noturno 30 20 50 Arquitetura 14 46 60

Arquivologia 21 45 66 Artes Plásticas 8 51 59 Artes visuais 11 35 46

Biblioteconomia 17 33 50 Ciências da computação 39 01 40

Ciências Biológicas 27 43 70 Ciências contábeis (not.) 50 26 76

Ciências contábeis (vesp.) 20 22 44 Ciências Econômicas 61 37 98 Ciências Sociais (not.) 22 18 40 Ciências Sociais (ves.) 25 15 40 Curso de Formação de

Oficiais 22 3 25

Comunicação Social - jornalismo

18 32 50

Publicidade 16 34 50 Desenho industrial 35 24 59

Direito 47 61 108 Ed. Física 20 24 44

Ed. Física Bacharel 22 18 40 Enfermagem 10 50 60

Engenharia ambiental 8 12 20 Engenharia civil 51 29 80

Engenharia da computação 38 2 40 Engenharia Elétrica 66 13 79

Engenharia Mecânica 71 9 80 Engenharia da Produção 16 4 20

Estatística 7 3 10 Farmácia 14 36 50

Filosofia (bacharelado) 13 11 24 Filosofia (licenciatura) 14 10 24

Física – diurno 50 9 59 224 A partir das listagens dos nomes dos aprovados por cada curso, fiz uma tabulação de número de homens e do número de mulheres que buscaram determinados cursos superiores. Vale ressaltar que como a tabulação foi feita com base em nomes próprios dos sujeitos, já que não existe esse registro por sexo, é possível que o número não seja preciso em função de alguma falha na classificação dos nomes. De qualquer forma, a maioria dos nomes próprios dessa listagem nos permite a interpretação a partir do uso cotidiano, tendo como exemplos de nomes freqüentes que associamos ao masculino: Alexandre, Pedro, Arthur, Felipe, João, Ricardo, Antônio, entre outros. Em relação aos associados ao feminino, podemos destacar: Adriana, Vanessa, Andréia, Viviane, Luciana, Tatiana, entre outros.

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Física – noturno 34 6 40 Fisioterapia 6 31 37

Geologia 40 50 90 Geografia – diurno 20 20 40

Geografia – noturno 20 20 40 História – diurno 22 14 36 História - noturno 26 11 35

Letras inglês 19 31 40 Letras português- diurno 12 38 50

Letras português – noturno 11 14 25 Licenciatura Espanhol 8 14 22

Matemática 90 60 150 Medicina 40 40 80 Música 20 9 29

Oceanografia 11 19 30 Odontologia 22 38 60

Pedagogia Matutino 4 63 67 Pedagogia Noturno 4 36 40

Psicologia 15 45 60 Química bacharelado 22 18 40 Química licenciatura 2 1 3

Serviço social 6 77 83 Tecnologia mecânica 42 8 50 Terapia Ocupacional 3 10 13

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ANEXO 1

Distribuição das pessoas de 10 anos ou mais de idade,por grupos de anos de estudo- 2006-2008

FONTE: Indicadores IBGE, Pesquisa nacional por amostra de domicílios.

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ANEXO 2